Você está na página 1de 22

8 Apresentação

a antropologia norte-americana e outro sobre a antropologia portuguesa), e a reelaboração do capítulo


introdutório.
Durante todo esse período, contamos com o apoio de várias instituições: o Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), a Fundação Universitária José Bonifácio (FUJB), a Fundação de Amparo à Pes-
quisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Programa de Pós-
Graduação em Antropologia Social (PPGAS, Museu Nacional, UFRJ), a École Normale Supérieure
(ENS), a École des Hautes Études em Sciences Sociales (EHESS), a Maison des Sciences de l'Homme
(MSH), e o Ministério de Assuntos Estrangeiros da França. O traba- lho foi possível, também, graças ao projeto
"Internacionalização e transforma- ção dos estados nacionais (economia, sociedade, cultura)", desenvolvido no
quadro de um acordo de cooperação internacional CAPES-COFECUB (239/ 99, 1998-2002).
Entre os vários colegas a quem gostaríamos de agradecer, mencionamos apenas aqueles com quem pudemos
discutir não só algum dos artigos incluí- dos no volume, mas a estrutura geral do projeto: Eric Brian, Adam
Kuper, Gerard Lenclud e Sergio Miceli.
Somos especialmente gratos à Foundation pour la Science pela cessão dos direitos relativos aos textos
originalmente publicados na Revue de Synthèse (volume 121, nos 3-4, 2000), à revista Mana. Estudos de
Antropologia Social pela cessão dos direitos relativos ao artigo "O Bom Povo Português': Usos e Costumes
d'Aquém e d'Além-Mar" (volume 7, número 1, 2000), e à revista Cultural Anthropology pela permissão de
publicar, com algumas modifica- ções, o artigo "Anthropology and Politics in Studies of National Character"
(volume 13, número 1, 1998; aparecido também no Anuário Antropológico 97, 1998).
Marcela Coelho de Souza auxiliou-nos na coordenação do trabalho de tradução e fez a revisão geral da obra. As
traduções dos capítulos foram reali- zadas por Miguel Soares Palmeira (Capítulo 2), Pedro Alvim Leite Lopes (Ca-
pítulo 3), Sérgio Paulo Benevides (Capítulo 5), Maria José Alfaro Freire (Capítulo 8), Federico Neiburg
(Capítulo 9) e Marina Wendel de Magalhães (Capítulos 6 e 11). O livro está sendo editado graças ao apoio da
FAPERJ, do PPGAS, do Centre National de la Recherche Scientifique e da Embaixada da França no Brasil.,

Outubro de 2002

CAPÍTULO 1

Antropologia, impérios e estados nacionais:


uma abordagem comparativa

Benoît de L'Estoile, Federico Neiburg e Lygia Sigaud

a divisão do trabalho entre as ciências sociais, a antropologia especializou-


Nse na descrição e ma classificação de grupos
sociais frequentemente
como primitivos, atrasados, marginais, tribais, subdesenvolvidos ou pré-mo- dernos, definidos por sua
exterioridade e alteridade em relação ao mundo dos antropólogos, ele próprio definido pela civilização,
pela ciência e a técnica. No entanto, o trabalho dos antropólogos só foi possível porque tais grupos já
se encontravam submetidos ou em processo de submissão aos estados nacio- nais ou imperiais modernos, e
eram objeto de políticas que compreendiam desde a preservação e a proteção até programas de
transformação social plani- ficada e, também, políticas repressivas. A participação de antropólogos na
ela- boração e na implementação dessas políticas tem sido habitualmente objeto de considerações morais
e políticas, mas negligenciada do ponto de vista da aná- lise sociológica.
Neste livro reunimos textos que abordam situações e processos sociais costumeiramente vistos através
das lentes da denúncia e do engajamento: a produção da diferença e da identidade no apartheid
da África do Sul; o lugar do conhecimento sobre as populações indígenas na teoria e prática do
nacio- nalismo mexicano; a migração internacional de políticas estatais com relação aos índios; os
projetos de reforma da administração colonial francesa; o papel da "antropologia em casa" e no além-mar na
construção do nacionalismo por- tuguês; os estudos sobre o "caráter nacional" e a participação americana na
Segunda Guerra Mundial; os dilemas referentes ao estatuto científico do fol- clore na França de Vichy; o confronto
entre a arquitetura contemporânea e a reafirmação cultural kanak na Nova Caledônia; a associação entre identidade
cultural, emergência étnica e acesso legítimo à terra no Brasil contemporâneo; e a crescente participação de
antropólogos na implementação de projetos de
10
Benoît de L'Estoile, Federico Neiburg e Lygia Sigaud

desenvolvimento e planos de erradicação da pobreza na América Latina. Nes- ses vários contextos,
antropólogos relacionam-se com os agentes encarrega- dos de implementar políticas e com as populações
a estas submetidas. Nessas situações são definidos grupos e identidades sociais tais como os
índios, os pobres, os kanaks, os ticunas, os bushmen, os mexicanos, os japoneses, os franceses, e, também
entidades como o estado, o império, a nação ou a ciência.
Nesta Introdução vamos examinar esse conjunto de casos de um ponto de vista histórico e comparativo,
à luz da história social das ciências sociais, da sociologia do conhecimento científico e da etnografia do estado.
Nosso obje- tivo é propor uma visão compreensiva das relações entre os saberes antropoló- gicos e a
construção dos impérios e dos estados nacionais e, assim, superar os limites decorrentes do uso das lentes da
denúncia e do engajamento.

Denúncia e engajamento

A denúncia e o engajamento têm marcado a história da antropologia. Des- de meados dos anos 50 tornou-se
lugar-comum a acusação de que a disciplina esteve a serviço do colonialismo e da expansão do
capitalismo. Mais recente- mente, generalizaram-se propostas de redefinição da antropologia como ins-
trumento de uma outra política: uma “antropologia militante a serviço das minorias", isto é, das populações
dominadas que são os objetos tradicionais da disciplina. Uma tal politização vem se constituindo em
obstáculo ao entendi- mento dos processos sociais envolvidos na produção de conhecimento e de
seus efeitos sobre o mundo social.

Foi após da Segunda Guerra Mundial, com o início da descolonização, que começaram a multiplicar-se os
questionamentos a respeito do papel dos antropólogos britânicos na política do Indirect Rule
(governo indireto) na Áfri- ca, da participação de antropólogos franceses na gestão das
populações colo- nizadas (em particular na Argélia), e do papel de antropólogos norte-america- nos na
política de controle e de dominação no sudeste da Ásia e na América Latina. Em resposta,
surgiram argumentos em favor da inocência dos acusa- dos, sublinhando a ausência de interesse, e até mesmo a
hostilidade que a administração colonial teria manifestado em relação à antropologia (Goody, 1995; Loizos,
1977). Houve ainda os que propuseram como antídoto progra- mas de ação de vanguarda: antropologias
"engajadas" ou "militantes" (ver, por exemplo, Scheper-Hughes, 1995).
As bruscas reviravoltas de conjuntura política constituem um momento favorável ao exercício de denúncias.
Na França, também depois da Segunda Guerra, foram denunciadas figuras atuantes da etnologia do
período anterior.
Antropologia, impérios e estados nacionais 11

Como mostra Florence Weber (Capítulo 8) o "folclore", enquanto disciplina, passou a ser
desqualificado ao ser associado ao programa político do governo de Vichy. Seus herdeiros foram
obrigados a redefinir o campo de estudos como "etnologia da França". Ao mesmo tempo, a participação
ativa na Resistência de etnólogos integrantes da "rede do Musée de l'Homme" (um dos primeiros
movimentos de resistência à ocupação alemã) contribuiu para valorizar uma forma de engajamento na política
que iria se afirmar sobretudo durante a Guerra da Argélia.
A denúncia aparece também como uma arma nas lutas teóricas e políticas entre facções. É o que
mostra o estudo de Claudio Lomnitz sobre a antropolo- gia mexicana (Capítulo 5). Pouco após as
mobilizações estudantis de 1968, um grupo de jovens publicou um livro que pretendia ao mesmo tempo
refundar a disciplina e desmascarar a cumplicidade dos antropólogos com as políticas de integração dos
grupos indígenas na sociedade mexicana, em vigor desde os anos 40 (o chamado indigenismo) (Warman
et al., 1970). Segundo eles, o ideal da "antropologia revolucionária" (pós-Revolução de 1910) de
ajudar na construção de um México mestiço, uma nação indianizada, teria sido desvir- tuado: a
antropologia se tornara um instrumento da dominação, servindo à reprodução de um capitalismo
dependente e de um estado autoritário. Passa- dos 20 anos, vários desses rebeldes tornaram-se antropólogos
reconhecidos e foram ocupar posições-chave nas instituições acadêmicas e nos organismos
estatais encarregados da administração das populações indígenas. A trajetória da geração de 1968, da
denúncia do estado à cooptação pelo estado, revela um traço marcante da história dessa antropologia
nacional. Como sugere Lomnitz, o recrutamento de antropólogos pelas instituições estatais a fim de elaborar,
conduzir e legitimar cientificamente as políticas governamentais se repete ao longo do tempo no
processo de formação de um estado nacional (o México) que teve como um de seus pilares a
construção da própria antropologia como saber de estado sobre a sociedade.
No caso da África do Sul, como mostra Adam Kuper (Capítulo 2), era possível falar em duas
antropologias. De um lado, aquela praticada pelos an- tropólogos que identificavam e classificavam as
populações segundo critérios raciais e culturais, propondo regular as relações entre as unidades sociais or-
ganizadas por essas classificações por meio da separação entre elas. Havia aí uma relação estreita entre
uma ciência classificatória, que enfatizava as dife- renças entre grupos, e a segregação como política de estado. Tal
relação era reforçada pela proximidade social entre os antropólogos de origem africâner, formados em
universidades de língua africâner, e os nacionalistas que conce- beram e implementaram o apartheid. No
pólo contrário, situa-se a antropolo-
12
Benoît de L'Estoile, Federico Neiburg e Lygia Sigaud

gia praticada pelos indivíduos de formação anglófona, que enfatizava a unida- de da sociedade sul-africana,
acusando seus rivais africâner de cumplicidade na implementação do (segundo eles) injusto sistema do apartheid.
Com a mudança política dos anos 90, os herdeiros dessa antropologia crítica foram convocados para
participar da elaboração e implementação das políticas de unificação e de refundação nacional da
nova África do Sul, outorgando uma nova legitimidade ao exercício da antropologia a serviço do estado.
A incorporação de pesquisadores na burocracia estatal é somente um dos aspectos da relação entre a
produção de conhecimento e a elaboração e imple- mentação de políticas. Outros textos deste livro
exploram outras formas que tal relação pode hoje assumir, sob a figura da perícia. João Pacheco de Olivei- ra
(Capítulo 10) examina o papel que os antropólogos passaram a desempe- nhar, como peritos a serviço do estado,
no processo de demarcação das terras indígenas no Brasil após a Constituição de 1988. O antropólogo presta um
serviço ao estado e, também, aos grupos indígenas que, para existir juridica- mente, têm necessidade do
seu saber (reconhecido pelo estado por meio da validade jurídica atribuída aos laudos). A identificação e a
territorialização de "grupos étnicos" são as duas faces de um mesmo processo em que os antropó- logos
desempenham a função central de mediadores junto aos líderes indíge- nas, aos advogados e aos militantes
de organizações não-governamentais (ONGS).
A figura do perito aparece também na participação dos antropólogos em grandes projetos culturais patrocinados
pelo estado. Alban Bensa (Capítulo 11) analisa seu próprio envolvimento em um projeto conjunto do governo
fran- cês e do movimento de ação cultural nacionalista kanak da Nova Caledônia. Em 1989, após uma série de
episódios violentos, esse governo e o movimento nacionalista firmaram um acordo. Data de então a
criação da Agência para o Desenvolvimento da Cultura Kanak e a construção do Centro Cultural Tjibaou.
Renzo Piano, o arquiteto de renome internacional escolhido para construí-lo, buscou a assessoria de um
antropólogo para enfrentar o que considerava ser o principal desafio do projeto: objetivar o passado kanak (as
relações dos kanaks com a sua memória e com seu próprio modo de representar sua tradição), e projetar
a cultura kanak no futuro, acompanhando as aspirações de emancipa- ção do movimento nacionalista.
A comparação entre esses casos mostra, ao mesmo tempo, a recorrência da participação dos
antropólogos na elaboração e implementação de políticas de estado, e a maneira como as avaliações
desse papel têm dependido histori- camente das conjunturas políticas e dos confrontos dentro da disciplina.2 Os
termos cumplicidade, inocência, colaboração e resistência, freqüentemente
Antropologia, impérios e estados nacionais 13

invocados nas análises apaixonadas sobre a função social dos antropólogos, podem ser vistos como
categorias acusatórias ou laudatórias utilizadas por indivíduos interessados em legitimar suas posições.
Trata-se, portanto, de ca- tegorias nativas. A compreensão sociológica da dinâmica da relação dos an- tropólogos
e os estados só é possível se levarmos em conta o caráter estrutural (e estruturante) dessa relação, que nada tem
a ver com patologias, ou com formas desviadas (ou menores) de conceber e de praticar a antropologia.3

Ciência e política: avaliações práticas e categorias de análise

Nos momentos de reflexão a respeito das relações entre a produção de saberes científicos e as atividades
políticas, é freqüente fazer-se apelo à oposi- ção "ciência" vs. "política". Ela é utilizada para pensar os vínculos
entre as atividades desempenhadas pelos indivíduos enquanto "pesquisadores" e en- quanto "cidadãos", para
refletir sobre as dificuldades em conciliar as exigên- cias, vividas como potencialmente contraditórias, do
pertencimento à comu- nidade científica e do engajamento no debates e nas lutas políticas.
Essa abordagem, inspirada na leitura que fez Raymond Aron das confe- rências de Max Weber, Politik
als Berufe Wissenschaft als Beruf (Weber, 1959),4 mais do que nas propostas do próprio autor, constitui um
verdadeiro senso comum no mundo acadêmico. Ela esvazia as relações entre ciência e política da sua
dimensão histórica, tratando-as como problemas éticos atemporais, a serem resolvidos no plano pessoal. As
figuras do cientista e do político, longe de serem utilizadas no sentido de Weber, de maneira ideal-típica
(como ins- trumentos analíticos), funcionam como arquétipos a serviço de propósitos nor- mativos. A
referência ritual ao autor confere um verniz sociológico à questão quando a rigor ela é tratada a partir de
considerações morais, autojustificações e prescrições.
face às demandas da administração pública e dos
Os debates sobre os meios e os fins das ciências sociais e sobre as atitudes
movimentos sociais envol- vem questões com as quais todos nós, pesquisadores, podemos estar legitima-
mente envolvidos. É por essa razão que Weber adota, em seus escritos episte- mológicos, uma
postura normativa, preconizando para o pesquisador a exi- gência de distinguir nitidamente entre a esfera das
avaliações práticas e a esfe- ra das análises científicas. No entanto, ele é muito claro ao assinalar que essa separação
representa um ideal, e não uma descrição do mundo da ciência. Quando uma norma que consideramos
válida é tomada como objeto de análi- se, ela deve ser tratada segundo os mesmos princípios que guiam o
estudo de qualquer outro valor, mesmo daqueles que nós podemos considerar como fal-
14
Benoît de L'Estoile, Federico Neiburg e Lygia Sigaud

sos ou equivocados (Weber, 1992:420-424). Trata-se, então, de analisar os valores (incluindo, evidentemente, os valores
da ciência) enquanto julgamen- tos práticos, ou seja, como categorias nativas: abstrações produzidas e utiliza-
das pelos pesquisadores no esforço para dar sentido ao seu mundo.
No texto de Florence Weber encontramos um bom exemplo das possibili- dades abertas por uma abordagem
crítica do senso comum acadêmico com relação à oposição entre ciência e política. Como explicar o
desaparecimento simultâneo, na França depois de 1945, do folclore científico e do regionalismo militante? Para
responder a essa pergunta F. Weber reconstitui os fatos e esta- belece entre eles relações até então obscurecidas
pela projeção anacrônica de categorias consagradas após o fim da guerra. Três elementos são centrais na
análise. Nem o folclore, nem o regionalismo, foram inventados pelo regime autoritário de Vichy: todos os dois
existiam anteriormente, sem que houvesse necessariamente coincidência entre a atividade cientifica e a adesão a um pro-
grama político. Logo antes da guerra, o folclore se encontrava em vias de institucionalização como disciplina
científica. Por fim, o período de Vichy favoreceu a dissociação entre atividades científicas e políticas. Isto
posto, a interpretação de F. Weber se afasta radicalmente das versões preocupadas em distinguir heróis e
traidores nas relações entre os intelectuais e o regime pró- nazista da "Revolução Nacional". A "paixão pela
ciência" dava sentido às ações dos indivíduos interessados nos estudos de folclore entre 1930 e 1945. Foi esta
a razão que os levou a aderir a uma definição de ciência como separa- da da política - definição esta que tinha
afinidade com as políticas do estado autoritário.
Na vulgata acadêmica a respeito das relações entre os universos da ciên- cia e da política podemos identificar
duas posições polares. Em um pólo, situam-se as formulações que consideram a política como um meio para a
ciência: os pesquisadores devem distinguir as atividades que realizam enquanto cientistas (nas universidades
e nas instituições de pesquisa) daquelas que rea- lizam enquanto cidadãos (participando na implementação de
políticas estatais ou questionando essas políticas a partir de organizações da sociedade civil), e utilizar
estrategicamente as segundas para beneficiar as primeiras. A elabora- ção de um projeto de pesquisa financiado
por uma agência do Estado, por uma ONG ou por uma fundação seria uma maneira de assegurar as condições de
possibilidade do conhecimento científico.5 No pólo oposto, situam-se as for- mulações que
valorizam a ciência a serviço da política, a necessidade de racio- nalizar a solução dos problemas sociais por meio
da utilização do conheci- mento científico ou, ainda, as formulações que propugnam que a pesquisa esteja
engajada ("a serviço de..."). No primeiro pólo, o público-alvo são os
Antropologia, impérios e estados nacionais
15

acadêmicos, a pesquisa pura é valorizada em detrimento da pesquisa aplicada; no segundo, a hierarquia é


invertida: o público principal são os homens de estado, os militantes ou os movimentos sociais, e o produto
final da pesquisa tende a ser polissêmico, podendo ser lido também por pesquisadores em âmbi- tos
acadêmicos. O duplo resultado da atividade de pesquisa, o relatório reme- tido à fonte de financiamento e o artigo
publicado em revista científica, ilustra bem a ambigüidade envolvida em ambas as posições a respeito das
relações entre ciência e política.6
Essas duas maneiras de conceber as relações entre ciência e política reme- tem, evidentemente, a tipos
ideais. Elas se apóiam em concepções de “ciência pura" e de "ciência aplicada” que variam
historicamente. Nas situações empíricas, os mesmos indivíduos ou grupos utilizam, em função do
contexto e mais ou menos estrategicamente, um ou outro argumento, ou adotam uma po- sição intermediária,
reivindicando o direito de trabalhar com problemas práti- cos como cientistas. A autonomia da ciência com
relação à política aparece, assim, não como um valor absoluto (que poderia servir de critério de classifi- cação de
diferentes espaços científicos ou de diversos indivíduos no seio des- ses espaços), mas como uma
reivindicação produzida em determinadas condi- ções históricas por agentes ou grupos sociais específicos.
A ambigüidade do valor da autonomia da ciência é problematizada por Jorge Pantaleón (Capítulo 9) ao
examinar a participação de antropólogos na elaboração e implementação de políticas de desenvolvimento social
promovi- das por ONGs na América Latina. Essa ambigüidade é reforçada pelo fato de que muitos dos que
participam desse universo reivindicam um pertencimento simultâneo ao mundo da academia e ao mundo das ONGS.
A análise comparativa mostra que a autonomia deve ser tratada como uma categoria nativa e nunca como uma
categoria analítica que permitiria, por exem- plo, medir graus menores ou maiores de autonomia. Seu valor, longe
de reme- ter a uma realidade unívoca e absoluta, refere-se àquilo em relação ao que a autonomia é reivindicada: a
Igreja, o sistema universitário, a administração pública, as empresas, etc. Como lembra Steven Shapin, a definição
do que constitui a "ciência" e do que lhe é "exterior" (por exemplo, a política) não pode ser tomada como
dada: ela é uma construção que varia no tempo (Shapin, 1992). Uma disciplina acadêmica pode conquistar sua
autonomia com relação a outros saberes realizando alianças com um setor ou outro da administração pública;
os cientistas de um país podem buscar no exterior do espaço acadêmi- co nacional uma maior autonomia face
ao contexto político local, desenvol- vendo o que, aos olhos de seus adversários, pode parecer uma forma de
depen- dência com relação à ciência estrangeira.
16
Benoît de L'Estoile, Federico Neiburg e Lygia Sigaud

A analogia é um recurso para contornar as dificuldades inerentes ao fato de tomar por objeto os valores
de nosso próprio mundo e de nossa própria posição. Ela permite um afastamento das pré-noções que
partilhamos enquan- to integrantes do microuniverso acadêmico. A aproximação entre intelectuais e
clérigos, às vezes um mero clichê, é, se levada a sério, um instrumento de ruptura precioso, pois o clérigo constitui o
tipo ideal de uma modalidade espe- cífica de relação entre espaço burocrático e forma de produção
intelectual.
Os estudos de Max Weber sobre as relações entre os clérigos e o poder temporal iluminam a reflexão
sobre os usos do valor da "ciência pura" e sobre os alcances das possíveis analogias entre o ethos
universitário e o ethos cleri- cal. No interior do espaço religioso, a denúncia do comprometimento com o mundo,
com o poder e a riqueza é feita em nome do ideal da pureza religiosa. É o que mostra Weber ao tratar das
denúncias feitas por diversas categorias de outsiders (por exemplo, os promotores das reformas
monásticas levadas a cabo em nome do retorno à pureza perdida em conseqüência dos compromissos com o
mundo secular), e também das denúncias realizadas pelo poder hiero- crático central (o papa) procurando
estabelecer, em detrimento dos senhores laicos, seu controle sobre a distribuição dos cargos eclesiásticos. Os
clérigos buscam o apoio do poder temporal na defesa de seu monopólio contra as di- versas contestações
(heresias) e, para garantir a sua autonomia (ao mesmo tempo material e intelectual), esforçam-se em manter o
controle sobre o aces- so às posições clericais e sobre a definição da ortodoxia. Entretanto, é impor- tante notar
que a hierocracia não é por isso necessariamente "exterior" ao esta- do. Na relação entre hierocracia e estado, o que
permite à primeira, enquanto corpo, reivindicar a autonomia em relação ao poder temporal, é o fato de pres- tar ao
estado serviços decisivos, garantindo, ao mesmo tempo, a legitimação de seu poder e o
fornecimento de especialistas letrados para a administração do reino e a formação das elites (ver Weber,
1996:241-328),
7

A análise de Weber sobre os complexos laços entre poder clerical e poder temporal fornece um modelo que
permite pensar como não-contraditórias a reivindicação de autonomia e os conflitos de fronteira entre o mundo do
saber e o mundo da política. Em vez de tentar determinar o maior ou menor grau de autonomia da produção
acadêmica (no nosso caso, a dos antropólogos), o modelo permite identificar relações de solidariedade e
oposição estrutural en- tre os mundos da ciência e da política, e entende essas relações em função das
transformações nas configurações sociais e nas modalidades de interdependên- cia, no sentido que depois
seria desenvolvido por Norbert Elias (Elias, 1982). A oposição "ciência vs. política" oculta a existência de
relações constitu- tivas entre a prática científica, a formação e o funcionamento dos estados. Ao
Antropologia, impérios e estados nacionais 17

focalizar os dilemas morais envolvidos nas relações entre a atividade de um indivíduo enquanto pesquisador e o seu
engajamento político, ela desvia a atenção da questão central das condições de possibilidade da própria
prática científica e, em particular, do papel dos estados na criação e na manutenção das instituições nas
quais o conhecimento é produzido. Onde o senso comum acadêmico lamenta os efeitos poluidores da
política sobre a ciência, a análise histórica e comparada permite colocar em evidência uma relação de depen-
dência mútua entre a ação política, a elaboração e a implementação de políti- cas estatais por parte dos agentes
da administração, e a produção de conheci- mento sobre as populações que estes administram.8

Antropologia, saber de estado?

o estado pode ser visto como uma entidade que "age"


O termo estado recobre duas dimensões da realidade social. Por um lado,
no mundo estabelecen- do fronteiras, identificando grupos, reconhecendo direitos e estabelecendo re- lações e
hierarquias (por exemplo, entre as populações estudadas pelos antro- pólogos), assim sancionando como
"autênticas" formas de representação co- letiva (as "culturas" dessas populações). A essa dimensão
"durkheimiana" da análise do estado (Durkheim, 1975), acrescenta-se uma outra dimensão, que podemos chamar
de "weberiana". Nesse caso, o termo estado não designa um agente, mas um espaço social habitado por
indivíduos que, entretendo rela- ções de concorrência e de interdependência, elaboram e implementam
políti- cas que visam a administrar populações ou resolver "problemas sociais" (Weber, p.ex., 1964:1047-
1117).9
Na autodefinição dos produtores de conhecimento, a concepção da rela- ção com o estado tem um papel central.
Assim, há os cientistas "a serviço" do estado, os cientistas "a serviço" das populações e dos grupos sociais cuja
defi- nição depende do reconhecimento (jurídico) por parte do estado, e os que se identificam como "autônomos"
por que crêem manter uma relação de oposi- ção ao "poder do Estado", embora possam ser funcionários públicos
que vi- vem, segundo os termos de Max Weber, das "prebendas do estado”.10
Neste livro, ao tomar essas representações e práticas como objeto, coloca- mos em questão o paradigma
da oposição entre universos nitidamente distin- tos: o da ciência e o do estado. Trata-se de analisar as relações
entre esses universos, mostrando que a separação entre eles se funda em crenças que ja- mais poderiam dar conta
da diversidade de situações empíricas observadas, nem das condições sociais que permitem uma ou outra
configuração. Em vez de conceber a priori os produtores de conhecimento como situados "no exte-
18
Benoît de L'Estoile, Federico Neiburg e Lygia Sigaud

rior" do estado - como confrontados ao estado como um Outro -, é historica- mente mais pertinente e sociologicamente
mais fecundo considerá-los como parte interessada nas lutas em torno da definição do estado, do seu papel e das
políticas que ele deve levar a cabo. Desse ponto de vista, o conflito entre, por exemplo, tal antropólogo e tal
funcionário colonial, longe de ser interpretado como expressão do antagonismo entre o "cientista" e.o "político",
deve ser analisado como uma variante das lutas existentes no seio do espaço estatal, entre agentes do estado
pertencendo a diferentes áreas da administração.11
No Capítulo 3, Benoît de l'Estoile distingue de maneira ideal-típica duas dimensões da mobilização da ciência no
espaço da ação estatal: instrumentação e legitimação. Por um lado, os discursos acadêmicos fornecem um certo
nú- mero de instrumentos de "ordenação" dos mundos natural e social que podem informar práticas
políticas e, em particular, permitir a identificação das popu- lações e a construção do sentido das ações para
os próprios agentes estatais, legitimando a formulação dos problemas sociais aos quais devem responder as
políticas públicas. Por outro lado, a ciência fornece um conjunto de argu- mentos que podem legitimar a
proposição dessas políticas. O apoio dado pelo estado às instituições acadêmicas permite que este
reivindique uma dimensão racional e objetiva, e uma forte conexão com a ciência.
Essa dupla dimensão de instrumentação e de legitimação é ainda mais visível no caso de uma disciplina como a
economia, cujos especialistas cons- truíram sua identidade profissional com base na aliança da sofisticação teórica
com a eficácia da previsão. 12 No caso da antropologia, a identidade profissio- nal hoje dominante em
muitos espaços tende a valorizar, pelo contrário, o ideal da autonomia com relação ao estado e seus órgãos, o que
leva à minimi- zação da existência de relações com o mundo da política, ou a tratá-las apenas como
desvios a serem eliminados no processo de produção da teoria.
É preciso recordar que os saberes sobre as populações indígenas nunca foram monopólio dos
antropólogos. 13 Estes raramente são os primeiros a es- crever sobre os seus objetos. Relatos de exploração,
relatórios de viagens, jul- gamentos de tribunais, estatísticas administrativas, manuais de instrução, rela- tórios
militares, informes sobre situações políticas ou sanitárias delimitam um espaço de saberes, de discursos e de
práticas no qual os antropólogos travam relações de concorrência e de dependência com outros especialistas.
As pesquisas sobre as populações afro-brasileiras realizadas durante o período entre as duas guerras mundiais é
um bom exemplo. Enraizadas no debate sobre a "questão negra" e visando à proposição de políticas,
em parti- cular no domínio da educação, esses estudos mobilizavam, certamente, argu- mentos científicos. Uma
figura como a de Arthur Ramos, médico, psiquiatra e
Antropologia, impérios e estados nacionais 19

antropólogo, é típica de um espaço caracterizado por uma diferenciação rela- tivamente fraca, permitindo ao
mesmo homem ser reconhecido como um eru- dito em especialidades que em seguida se tornariam
independentes, e, simul- taneamente, ocupar uma série de cargos em instituições psiquiátricas e educativas,
primeiro em Salvador, depois no centro do aparelho do estado fe- deral. 14 O desenvolvimento das
universidades, a partir dos anos 30, cria as condições para a emergência de um novo corpo de especialistas.
Ramos se afasta da administração (continuando a desempenhar um papel na diplomacia cultural) para
ocupar a primeira cadeira de antropologia do país. Em diferen- tes configurações que ele mesmo contribui
para transformar, Ramos encarna, então, sucessivamente as figuras do cientista de estado e do universitário autô-
nomo. 15
Longe de constituir uma forma arcaica, própria do estágio pré-institucio- nal da disciplina, pode-se tomar a
trajetória de Ramos como uma chave para analisar outras configurações nas quais ocorreram processos
semelhantes de diferenciação disciplinar. A hipótese de que os discursos acadêmicos e os de- bates
sobre políticas estatais se desenvolvem, ao menos em parte, em um mes- mo espaço social, obriga a não
pressupor como dada a distinção entre esses universos. O próprio processo de diferenciação das figuras sociais
deve, en- tão, ser compreendido considerando-se a divisão do trabalho entre as diferen- tes disciplinas
encarregadas de conhecer o mundo social e, também, as lutas pelo monopólio da formulação e aplicação
das políticas que procuram legiti- mar-se com base nesse conhecimento.
Na França, no mesmo período, a concorrência entre as potências impe- riais e a emergência de
movimentos nacionalistas suscitou a necessidade de uma nova base de legitimação da dominação colonial.
Desenvolveu-se assim uma forma de dominação das populações dos territórios de ultramar na qual as ciências
e, particularmente, a "nova ciência do homem" (a etnologia), desem- penharam um papel importante.
Apoiando-se em uma discussão da noção weberiana de "dominação racional", o texto de Benoît de
l'Estoile descreve diversas formas que tomou a convergência entre racionalidade científica e ra- cionalidade
burocrático-administrativa. A invenção e a sistematização, pela administração colonial, de técnicas de identificação
e descrição das popula- ções, alimentaram a elaboração de um saber etnológico que contribuiu para o
desenvolvimento de uma grade de leitura "étnica" do mundo social indígena. Os argumentos em favor de uma
"ação colonial fundada na razão" foram de- senvolvidos paralelamente ao estabelecimento de uma
aliança entre os indiví- duos que (na École Colonial) pretenderam definir-se como especialistas
da administração dos nativos, de um lado, e aqueles que procuravam se estabele-
20
Benoît de L'Estoile, Federico Neiburg e Lygia Sigaud

cer como especialistas da ciência dos nativos (no Institut d'Ethnologie e no Musée de l'Homme), de outro. A
racionalização da dominação resultou, neste caso, em um processo simultâneo de criação de especialidades e de
especialis- tas que construíram, nas suas relações de dependência e de concorrência, sua identidade e sua
especificidade. O interesse comum aos dois tipos de "espe- cialistas em indígenas", aqueles que os
administram e aqueles que os estudam, constitui o fundamento de uma aliança que não exclui os conflitos de
frontei- ra. Essa aliança se manifesta em particular no apoio concedido por determina- dos setores do estado aos
esforços de construção, por parte dos antropólogos, de um monopólio do saber sobre as populações
indígenas.
No Capítulo 6, Antônio Carlos de Souza Lima mostra como a importação do modelo mexicano do
indigenismo contribuiu para a reestruturação dos or- ganismos de estado encarregados de elaborar e implementar
no Brasil a gestão das populações indígenas. Esse modelo pressupunha uma participação ativa dos
antropólogos. A fundação da Seção de Estudos do Serviço de Proteção ao Indio (SPI) e, depois, do
Museu do Índio, fornece um caso paradigmático de criação no interior do espaço administrativo de um
órgão específico encarre- gado da produção e da difusão do saber sobre as populações indígenas. A
econstrução histórica efetuada por Souza Lima permite perceber que a conso- idação da antropologia como
disciplina acadêmica e universitária no Brasil, sobretudo a partir dos anos 60, só pode ser compreendida
considerando-se a participação dos antropólogos na formulação de políticas estatais.
As agências indigenistas, em sua versão original mexicana ou na versão mportada no Brasil podem,
certamente, ser aproximadas às agências criadas has administrações das colônias britânicas ou francesas,
como a seção do Department of Native Affairs na África do Sul, ou o Office de Recherches
Scientifiques et Coloniales na França. São todos exemplos, entre tantos ou- ros, de um processo de especialização
fundado na divisão do trabalho e na aliança entre cientistas (antropólogos) e técnicos. 16 Trata-se de
diferentes con- figurações, variantes de um mesmo universo, em que a administração estatal ou alguns
setores desta) apóia o desenvolvimento de instituições acadêmicas especializadas na produção de saber sobre
as populações indígenas: museus e expedições etnográficas, departamentos universitários, institutos de
pesquisa, sociedades eruditas.
A existência de uma disciplina consagrada ao exame das diferenças entre as populações estabelece uma
confirmação científica da necessidade de uma política que se adapte a essas diferenças. Reciprocamente,
a necessidade de laborar políticas específicas em função das características singulares de uma população constitui
um argumento de peso a favor do desenvolvimento do
Antropologia, impérios e estados nacionais 21

antropologia enquanto "ciência dos


conhecimento científico desta população. Em outros termos, a existência da
indígenas" confere validade ao projeto de elaboração de "políticas" que justificam a existência de agentes
especializados e que contribuem, por sua vez, a singularizar as "populações indígenas" subme- tidas a essas
políticas - o que faz delas um objeto privilegiado para os estudos antropológicos. Esse processo circular culmina
então na intensificação das dife- renças entre os especialistas, e entre os grupos sociais por eles estudados.
17
A conexão entre a antropologia e a elaboração de instrumentos que ser- vem para observar e construir a
diversidade social é revelada por Kuper e Lomnitz. Na África do Sul e no México, as categorias que
designam os grupos eram originalmente variáveis em função dos contextos locais. As exigências combinadas
de unificação dos estados e de padronização das classificações científicas, em uma época em que a
antropologia era concebida como uma "ciência natural das sociedades", contribuíram para cristalizar as
identidades das populações dominadas.
Kuper coloca em relevo a complexidade da elaboração das categorias de população na África do
Sul e em Botswana, e examina as suas transformações: a confusão dos termos de autodesignação com
os nomes conferidos por gru- pos vizinhos, por vezes retomados como denominações administrativas ou
acadêmicas; a passagem de categorias fundadas no status a categorias funda- das na raça; a hesitação entre
fundamento biológico ou lingüístico para a de- terminação dos limites dos grupos; a interação entre
classificações estatísticas e categorias jurídicas; o abandono de denominações julgadas depreciativas, etc. O
recenseamento de populações, a elaboração de mapas e fichários étni- cos, a criação de museus e a produção
de filmes etnográficos, a preparação de enciclopédias tribais, fazem todos parte deste processo de
cristalização e de transformação, na medida em que contribuem para dar (ou não) a caução da ciência e do direito
à existência de certos grupos, legitimando novas identida- des coletivas.18
Essa "afinidade eletiva" entre produção de conhecimento e administração é, entretanto, complexificada
pelo fato de que os antropólogos freqüentemen- te se auto-atribuíram o papel de porta-vozes das populações
estudadas. Bronislaw Malinowski (1937) defendia, por exemplo, a idéia de que o antro- pólogo devia tornar-se
"não apenas intérprete do indígena, mas também o seu principal defensor". Essa posição era favorecida
porque, no campo, o antropó- logo era (e ainda é) considerado por aqueles junto aos quais desenvolve sua
pesquisa como um mediador, que poderá encaminhar uma demanda ou favo- recer o acesso a determinados
recursos (crédito, medicamentos, proteção, etc.) e a obtenção de prestígio.
22
Benoît de L'Estoile, Federico Neiburg e Lygia Sigaud

Atualmente, as transformações sociais e, em especial, a escolarização cres- cente nos grupos estudados,
introduziram profundas modificações nas interações dos pesquisadores com aqueles por eles
pesquisados. 19 Cada vez mais, o antropólogo deve negociar sua presença e enfrentar as interrogações
daqueles que perguntam pelos benefícios que poderão tirar da pesquisa.
A missão de "defesa das populações" desempenha um papel importante na construção dos antropólogos
enquanto grupo profissional. Assim, entida- des como a American Anthropological Association (AAA) ou a
Associação Brasileira de Antropologia (ABA) atribuem-se a função de promover a disci- plina junto aos poderes
públicos, constituindo-se em verdadeiros grupos de pressão que procuram intervir na definição das políticas de
estado para garan- tir os direitos das populações dominadas que seus afiliados estudam.20 No caso do
Brasil, em particular no final dos anos 80, os antropólogos desempe- nharam um papel-chave na luta pelo
reconhecimento dos direitos dos índios na nova Constituição nacional, então em discussão.21
Os antropólogos, contudo, não são os únicos candidatos a mediador entre as populações e os órgãos estatais,
agências internacionais, partidos políti- cos ou organizações não-governamentais. Eles concorrem com
representan- tes de outras disciplinas (sociólogos, psicólogos, economistas, cientistas políticos,
juristas), com outros grupos profissionais (médicos, advogados), com os militantes políticos ou
sindicais, com as organizações indígenas, etc. O que está em jogo nessa concorrência não é apenas o
monopólio do conhe- cimento científico mas, também, a definição dos problemas que requerem a ação
do estado.22

O espaço internacional das antropologias nacionais

O conjunto de casos abordados aqui permite perceber que as relações en- tre os saberes antropológicos e
a construção dos estados varia segundo três eixos:
(a) a natureza das unidades políticas (estado-nação, estado imperial) nas quais a antropologia se
desenvolve e para cuja construção ela contri- bui;
(b) a articulação diferenciada entre a emergência e a manutenção de tradi- ções antropológicas nacionais
específicas, e a circulação internacional de teorias científicas e de modelos de gestão das populações; (c) a
posição ocupada por cada unidade política singular no espaço inter- nacional e as transformações ao longo do
tempo do sistema de interde- pendência entre os estados.
Antropologia, impérios e estados nacionais
23

A expressão "antropologias nacionais" tem duas acepções: de um lado, o adjetivo "nacional" remete à
distinção entre estado-nação e império; do outro, à oposição entre esfera nacional e espaço
internacional. No primeiro sentido, George W. Stocking (1983:172) opunha as antropologias
nacionais voltadas para a nação (antropologias de nation-building) às desenvolvidas nas metró- poles em
conexão com a constituição dos impérios (antropologias de empire- building). Assim, na antropologia
britânica - que fornece o paradigma das antropologias imperiais foi determinante o encontro com os "Outros"
de pele escura nos domínios de ultramar, enquanto que na antropologia produzi- da em países da Europa
continental foi marcante a relação entre identidade nacional e alteridade interna. As antropologias nacionais
se limitariam a estu- dar as populações presentes no território nacional, enquanto que as antropolo- gias
metropolitanas abarcariam extensões muito superiores.
No segundo sentido (ver, em particular, Gerholm e Hannerz, 1983), a no- ção de "antropologia nacional"
designa uma disciplina definida por seu cará- ter local em oposição a uma "antropologia internacional",
cosmopolita, prati- cada por pesquisadores de origem diversa, cujo centro é a antropologia anglo- americana, e,
em menor escala, a francesa. Do ponto de vista do centro, as antropologias nacionais seriam formas residuais
destinadas a se dissolver na antropologia internacional.
Essas análises têm o mérito de fazer lembrar que a bela fórmula segundo a qual a ciência não conhece
fronteiras esconde desigualdades significativas - em especial, desigualdades entre as línguas.
Permitem também perceber que a circulação de idéias não suprime as relações de poder. Ao contrário: a própria
circulação pode ter o efeito de construir e reforçar a desigualdade. Entretanto, a passagem constante e,
freqüentemente, implícita do primeiro ao segundo sentido tem o efeito perverso de reforçar uma dicotomia que
torna equivalen- tes os termos "nacional" e "periférico" de um lado, e "internacional" e "cen- tral" de
outro. Como em toda dicotomia, aqui também está implícita uma hie- rarquia (construída a partir da
posição dominante do "centro", tanto em Stocking, 1983 quanto em Gerholm e Hannerz, 1983) que associa
a escala dos termos opostos com a suposta sofisticação ou pobreza teórica das antropologi- as. Segundo
essa ordem as antropologias nacionais seriam "menores" em es- cala e em conteúdo que as metropolitanas,
tidas como as que mais contribuem para a chamada "antropologia internacional".23 Esse tipo de
mecanismo ori- enta o senso comum erudito dominante nas "histórias da antropologia". O ca- minho para
romper com esse senso comum é o estudo das condições sociais que serviram para a criação de tais
dicotomias, incluindo a contribuição dos próprios antropólogos.
24
Benoît de L'Estoile, Federico Neiburg e Lygia Sigaud

Em um outro plano, a distinção entre antropologias nacionais e imperiais. chama a atenção ainda para o
caráter mais ou menos central, em diversos tipos de comunidades políticas, das populações que são o objeto dos
saberes antro- pológicos: o "problema indígena" não é posto da mesma forma se ele diz res- peito às populações
de possessões territoriais distantes ou se, como na África do Sul, no México ou no Brasil, essas
populações ocupam um lugar estratégi- co no espaço nacional, mesmo como populações dominadas.
É por estar estreitamente ligada à construção do estado-nação que a antro- pologia mexicana, por
exemplo, pode ser descrita como uma "antropologia nacional" ou "naciocêntrica" (utilizando o neologismo
criado por Norbert Elias), 24 marcada pelo papel central que desempenhou na elaboração da ideo-
logia do nacionalismo mexicano, na implementação de políticas de estado fun- dadas nessa ideologia, e
na criação de instituições governamentais depois dos anos 30. A Escuela Nacional de Antropología e Historia
(ENAH) manteve durante muito tempo o monopólio da formação dos antropólogos, fornecendo o principal efetivo
do establishment antropológico mexicano; o Instituto Na- cional de Antropología e Historia (INAH) é, ao mesmo
tempo, uma das prin- cipais instituições de pesquisa do país e um dos lugares privilegiados de ela- boração das
imagens da nação que, valorizadas pelo nacionalismo mexicano (a singular síntese entre mestiçagem e modernidade
da qual fala Lomnitz), são divulgadas em todo o México pelos museus de antropologia e história, e, par-
ticularmente, pelo Museu Nacional de Antropologia. Finalmente, o Instituto Nacional Indigenista (INI) consiste
no mais importante órgão de estado con- sagrado à elaboração e à implementação da política de gestão das
populações indígenas, oferecendo aos antropólogos uma de suas principais opções de in- tegração ao
mercado de trabalho.25 Esse e os outros casos apresentados neste livro demonstram o quanto os
intelectuais contribuem para a formação de sen- timentos nacionais e da consciência nacional, como já o destacara
Max Weber (1964, vol. II:925-6), e, assim para a construção dessas formações políticas que chamamos nações.
O sentimento nacional pode estar associado também ao sentimento impe- rial. Como mostra Omar Ribeiro Thomaz
no Capítulo 4, Portugal é o exemplo de uma antropologia ao mesmo tempo imperial, nacional e periférica. O nacio-
nalismo português moderno foi construído em torno da idéia de que a grande- za da nação residia essencialmente
no fato de ser formada por um povo de conquistadores e colonos. Seu drama era ter sido o primeiro
país europeu a se constituir em império ultramarino e, no entanto, ocupar uma posição marginal entre as
potências européias. Disso decorre que a antropologia portuguesa do século XX tenha sido marcada pela
preocupação em valorizar a diversidade e
Antropologia, impérios e estados nacionais
25

a unidade dessa nação-império e, ao mesmo tempo, pela vontade de mostrar que Portugal podia situar-se, do
ponto de vista da ciência, em um "nível inter- nacional" (ver, também, Ribeiro Thomaz, 2002). O caso
português pode ser contraposto ao sul-africano: enquanto no primeiro a construção da nação pas- sa
pelo império concebido como união de populações diversas, na África do Sul, periferia do império
colonial, tratava-se de construir um estado nacional fundado na manutenção da diferença.
Nação e império aparecem assim não como duas categorias exclusivas, mas como dois pólos dos
quais se aproxima ou afasta cada configuração social especificamente situada no tempo e na geografia.
Mais um estado tem capaci- dade de projeção para o exterior (sob forma colonial ou hegemônica), mais
seus antropólogos tenderão a "fazer campo" fora das fronteiras nacionais. Uma análise como esta evita a
essencialização própria das reflexões em termos de relações entre "centro" e "periferia", vinculando as
transformações que ocor- rem em tradições antropológicas singulares com a historicidade da interde-
pendência entre os estados.
O caso da antropologia norte-americana, estudado por Goldman e Neiburg no Capítulo 7, é
particularmente interessante, pois permite observar a passa- gem de uma antropologia nacional,
naciocêntrica, voltada essencialmente para o nation-building (como as antropologias mexicana ou
brasileira) para uma antropologia "imperial" ou "metropolitana". Da metade do século XIX até a
Segunda Guerra, os antropólogos norte-americanos tomaram por objeto as populações submetidas ao
processo de colonização interna do espaço nacio- nal. O centro de interesse situava-se no interior das fronteiras, o
domínio da antropologia concernia essencialmente aos assuntos da política interna. Até os anos 30, os
antropólogos americanos afirmaram a capacidade da disciplina para resolver "problemas práticos", centrando sua
atenção na diversidade so- cial e cultural do país: índios, negros e imigrantes de origens diversas,
peque- nas comunidades rurais e grandes cidades reunindo uma população extrema- mente diferenciada.
A primeira projeção dessa antropologia nacional para além de suas fron- teiras deu-se entre as duas
guerras mundiais, em regiões de influência norte- americana como a América Central, o Caribe e o Pacífico. A trajetória de
Robert Redfield é, nesse sentido, exemplar. Seu primeiro projeto de pesquisa, de- senvolvido no
Departamento de Sociologia da Universidade de Chicago, focalizava os imigrantes mexicanos e
desenrolava-se nos quadros do Local Community Research Comittee, um centro destinado à análise dos
problemas sociais da população da cidade e dirigido pelos sociólogos Robert Park (seu sogro) e Ernest Burgess.
Na metade dos anos 20, Redfield abandonou esse
26
Benoît de L'Estoile, Federico Neiburg e Lygia Sigaud
Antropologia, impérios e estados nacionais
27

projeto e partiu para o país de origem dos migrantes, iniciando trabalho de campo na vila de Tepoztlán,
perto da Cidade do México. Em 1930 publica seu estudo Tepoztlan. A Mexican Village. Na mesma época, a
Universidade de Chicago cria um Departamento de Antropologia independente do Departa- mento de
Sociologia.26
A projeção internacional da antropologia americana se consolidou no de- correr da década de 1940, em
um ritmo similar ao da projeção internacional da potência norte-americana. A disciplina passa então a
contribuir para o proces- so de empire-building, acompanhado pelo estabelecimento dos area studies.27
Como mostram Goldman e Neiburg, a participação de figuras como Gregory Bateson, Ruth Benedict,
Geoffrey Gorer, Clyde Kluckhohn, Ralph Linton, Margaret Mead, Rhoda Métraux, George P. Murdock, e tantos
outros, no es- forço de guerra norte-americano durante a Segunda Guerra Mundial constitui um capítulo
crucial na história da internacionalização dessa antropologia na- cional.28 A invenção de um novo
objeto teórico para a disciplina (os estudos sobre o "caráter nacional") sancionou a existência de um novo domínio
de aplicação para esta: a política externa. Mas os resultados das pesquisas sobre o caráter nacional
(dos próprios americanos, das nações aliadas e das inimi- gas) não se destinavam somente a alimentar os
dossiês dos órgãos de inteli- gência das forças armadas, nem apenas a subsidiar a formulação da política
externa norte-americana. Eles foram também julgados segundo critérios aca- dêmicos, apresentados em
congressos, publicados em revistas científicas, trans- formados em livros que almejavam estabelecer o
caráter nacional como um novo objeto para a antropologia.
A antropologia francesa, durante muito tempo ativa nas colônias, na América do Sul e Central, e nos debates
internacionais, passa hoje por um processo inverso e simétrico de "renacionalização”. O fechamento progressi-
vo, no período pós-colonial, de campos de pesquisa longínquos, a redução dos financiamentos,29 e
o estímulo ao estudo do "patrimônio etnológico” nacio- nal, contribuíram para que um número
crescente de antropólogos concentras- se a sua atenção no território francês. Paralelamente, o peso crescente (em
termos de pessoal e recursos) do universo acadêmico norte-americano e an- glófono tende a colocar a
antropologia francesa na periferia dos debates. En- quanto muitos pesquisadores dos países escandinavos
escrevem diretamente em inglês para o mercado internacional, a maioria dos franceses tende a publi- car
preferencialmente em sua língua nacional em um momento em que esta já não mais ocupa a posição de
preeminência que tinha nas trocas intelectuais internacionais. 30
A relação entre o domínio de intervenção de um estado e o campo de
estudo dos antropólogos permite entender as assimetrias existentes entre as diversas "tradições nacionais". De
fato, como lembra Lomnitz, os antropólo- gos norte-americanos estudam o México, mas a recíproca não é
verdadeira. A esfera de atividade dos antropólogos mexicanos tende a se restringir aos do- mínios constituídos
como estratégicos para o próprio estado mexicano. As- sim, mesmo aqueles que fizeram pesquisa nos Estados
Unidos focalizaram os imigrantes mexicanos.
Verifica-se assim que o contexto nacional no qual se estrutura a relação entre a antropologia e o estado nunca
está isolado. Pelo contrário, a constru- ção dos estados nacionais e imperiais deve ser observada
como um processo ao mesmo tempo interno e externo, como uma situação de interdependência entre unidades
políticas que concorrem por status, prestígio e mercados.
Várias das contribuições aqui reunidas revelam o caráter determinante das preocupações de legitimação frente a
outras potências. A política de cada estado com relação a suas populações "periféricas" ou a suas "minorias" é
objeto de uma avaliação no espaço internacional. Enquanto "ciência dos indí- genas", a antropologia é
freqüentemente chamada a justificar o interesse pelas populações nativas ou pelas "minorias étnicas".
Lomnitz e Souza Lima assi- nalam que a exportação do modelo indigenista de associação entre antropolo- gia
e estado constituía parte da política externa do México, junto à mise en scène do passado pré-hispânico
feita pela arqueologia. De maneira equivalen- te, podemos relacionar o desenvolvimento dos saberes
antropológicos como "ciência dos indígenas" na França e na Grã-Bretanha do período entre guerras com
a necessidade de demonstrar, no plano internacional, o interesse das potencias pelos nativos das colônias (ver
também L'Estoile 1997a e 1997b), e, como mostra Ribeiro Thomaz, com a antropologia portuguesa praticada
“aquém ou além-mar".
No caso da França, a etnologia foi definida como uma ciência colonial voltada para a identificação e a
compreensão das populações indígenas, investida da "missão nacional" de manifestar no plano
internacional os valo- res universais da ciência e o suposto respeito pelas sociedades dominadas. O cuidado
com o prestígio nacional e o temor de ver-se superado pelas outras potências no estudo das populações nativas
desempenharam um papel consi- derável no apoio dado pelo estado às instituições
antropológicas.31 Com um alcance certamente diferente, e com uma vocação sensivelmente mais nacio-
nalista, esse parece ser também, segundo Ribeiro Thomaz, o caso da relação entre a antropologia da nação e a
antropologia do império em Portugal.
A abordagem histórica das relações de interdependência permite obser- var os processos de circulação
internacional de indivíduos, teorias e tecnolo-
28
Benoît de L'Estoile, Federico Neiburg e Lygia Sigaud

gias políticas, bem como a constituição de "escolas nacionais” (Crawford, Shinn e Sörlin, 1993), considerando, ao
mesmo tempo, os interesses que favorecem a internacionalização e os interesses que procuram a afirmação
da dimensão nacional. A internacionalização pode, efetivamente, representar um recurso, em particular
pela possibilidade de estabelecer alianças, mas também uma ameaça, na medida em que pode colocar em questão o
monopólio interpretativo dos intelectuais nacionais.
Como afirma Souza Lima, a associação de certos antropólogos brasilei- ros com o indigenismo mexicano
contribuiu para reforçar sua posição no espaço nacional e sua presença na elaboração e implementação
de políticas dirigidas para as populações nativas. O indigenismo não foi somente o obje- to de uma
"importação", mas também de uma reapropriação, ou até mesmo de uma nacionalização, em função
da tradição de gestão de populações de- senvolvida no Brasil, em parte herdada da colonização
portuguesa. Obser- vando a história do Museu Nacional, por exemplo, pode-se demonstrar como
um elemento-chave na criação de uma antropologia nacional brasileira foi precisamente a intenção de não
deixar nas mãos dos eruditos estrangeiros (em particular os alemães) o monopólio do estudo dos
indígenas que habi- tam o território do país. Referindo-se a tempos mais recentes, Pacheco de Oliveira
mostra como a pressão internacional (em particular das ONGs) de- sempenha um papel fundamental na
implementação da política de demarca- ção de terras indígenas, o que abriu um novo mercado de
trabalho para os antropólogos.3
32

Por fim, na África do Sul, enquanto a antropologia africâner, confrontada a um ambiente


internacional em sua maior parte hostil, torna-se cada vez mais nacionalista, em uma aliança estreita com o
regime do apartheid, os antropó- logos anglófonos, politicamente subordinados no plano nacional, avançam na
direção da internacionalização. Alguns deles, tendo saído de seu país, obtive- ram renome internacional como membros
da chamada Escola Britânica e não enquanto sul-africanos. 33
Assim, a afinidade entre o naciocentrismo mais ou menos explícito das “antropologias nacionais” e o fato de estas
contribuírem para a implementa- ção de políticas internas não implica que estejamos diante de
antropologias isoladas ou de criações "autenticamente nacionais", como gostariam os ideólogos
nacionalistas. Ao contrário, o sentido da expressão "antropologia nacional" apenas pode ser
plenamente compreendido se o vinculamos ao uni- verso das relações internacionais, ao mesmo
tempo enquanto espaço de cir- culação de idéias e modelos, e enquanto sistema de interdependência
concor- rencial entre unidades políticas.
Antropologia, impérios e estados nacionais 29

Saberes localizados e perspectiva comparativa

Os autores deste livro se identificam, em termos disciplinares, como an- tropólogos. A maior parte das contribuições,
mesmo as que tratam de um perío- do histórico distante, examinam processos sociais que permitem
compreender o presente. Por outro lado, todas as contribuições estão localizadas e datadas: tratam de situações e
processos circunscritos no espaço e no tempo. Cada um dos autores está engajado em debates e conflitos
políticos, acadêmicos e teóri- cos locais, nacionais e internacionais. A mais elementar sociologia dos inte-
lectuais autoriza a pensar que as trajetórias e as posições institucionais e polí- ticas não se encontram
desvinculadas da maneira pela qual foram construídas as contribuições ao livro, incluindo, evidentemente, este
capítulo introdutório. Todas possuem uma dimensão mais ou menos explícita de auto-análise e estão
relacionadas a trajetórias individuais ou coletivas com as quais mantemos la- ços de proximidade.
Os autores procuraram respeitar a regra de escrever para um leitor não familiarizado com os contextos
locais ou nacionais. Tal regra, enunciada por Max Weber (1992:130-131), exige dos pesquisadores a produção de
um racio- cínio que possa ser aceito como válido "por um chinês", ou seja, cuja coerên- cia possa ser
avaliada por alguém que não partilhe de nenhum dos implícitos e das convenções admitidas pelo senso
comum erudito de um determinado uni- verso social. Mesmo que tal modalidade de escrita pertença a uma
ordem ideal, a comparação entre casos afastados no espaço e no tempo permite o distanciamento e a
relativização dos juízos que, em cada um dos universos tomados em separado, tomam como evidente e
fora de dúvida a associação entre determinadas formulações teóricas ou pontos de vista sobre a antropolo- gia
ou a ciência social, de um lado, e determinadas posições no campo da política ou da burocracia estatal, do
outro.
Várias situações estudadas neste livro servem de exemplo. O fato de se tomar por base de uma política o postulado
da diversidade das populações, adquire sentido em função de configurações históricas variáveis e não pode
ser rotulado como intrinsecamente conservador ou progressista. De forma equi- valente (e lembrando os paradoxos
de todo nacionalismo), o reconhecimento da singularidade da cultura e das tradições de um grupo diante de
outros com os quais interage pode ser associado tanto a uma posição política "progressis- ta", como no
caso dos kanaks da Nova Caledônia, quanto a uma posição "rea- cionária", como no caso da África
do Sul do apartheid.
A comparação permite assim a neutralização (ainda que sempre parcial) de juízos de ordem normativa.
Recolocado no contexto de um universo mais
30
Benoît de L'Estoile, Federico Neiburg e Lygia Sigaud

amplo de configurações, o engajamento dos antropólogos durante a Segunda Guerra Mundial no combate contra as
potências do Eixo, avaliado positiva- mente, ou o envolvimento na elaboração das classificações do
apartheid, ava- liado negativamente, tornam-se suscetíveis de uma observação feita do inte- rior de
um mesmo quadro analítico, permitindo estudar simultaneamente si- milaridades e diferenças. Não se trata
de invalidar os julgamentos éticos e políticos sobre determinados episódios da história da disciplina, mas de sub-
metê-los a uma leitura sociológica.
O ponto de vista histórico e comparativo permite um deslocamento de perspectiva: em vez de apreender a relação
entre a produção de saberes e a construção de políticas supondo a separação entre ciência e estado, trata-se
de conceber o modelo de um espaço comum onde se constituem progressivamen- te um conjunto de saberes e um
conjunto de políticas. Observa-se assim um processo de construção mútua entre os estados (enquanto
conjuntos de insti- tuições e espaços de gestão de populações percebidas como diferentes, e en- quanto
instrumentos de unificação nacional), os saberes antropológicos e as próprias populações.
Não está em jogo aqui, evidentemente, apenas a antropologia. Processos semelhantes caracterizam o conjunto
das ciências sociais.34 Nossa intenção neste livro é fornecer também a outros cientistas sociais princípios de
análise que permitam pensar melhor os laços entre práticas acadêmicas e políticas, e mostrar o quanto
muitos dos escritos sobre o assunto apóiam-se irrefletida- mente na naturalização do estado atual das relações
entre pesquisadores, de- bates públicos e financiadores de pesquisas sobre temas "quentes".
A inscrição da antropologia no campo das políticas de estado fornece uma pista para a compreensão da
emergência de diferentes "tradições acadêmicas nacionais". Para entender as particularidades nacionais é
necessário analisar o lugar variável que a antropologia ocupa nos diversos sistemas de disciplinas, de ensino e de
pesquisa (aqui, laços estreitos com a filosofia ou com a pré- história, ali com a arqueologia, com a sociologia ou
com a lingüística) e as múltiplas formas de interdependência com os estados.35 A história das
ciênci- as sociais, assim entendida, permite tanto contribuir para a antropologia das práticas classificatórias
e dos processos de identificação, quanto para a socio- logia histórica e comparativa dos estados.

Notas

Ver Lucas e Vatin, 1975; Collona, 1976; Leclerc, 1972; Copans, 1975; Weaver, 1973 e Horowitz, 1974.
Antropologia, impérios e estados nacionais 31

2 Vale lembrar que, no caso dos Estados Unidos, a crítica da antropologia como forma de dominação (ver, por exemplo,
Marcus e Fischer, 1986) esteve relacionada à redefinição das fronteiras da disciplina, então confrontada, nas
universidades, com o desenvolvimento dos cultural studies.
3 Não somos, certamente, os primeiros a propor a substituição da denúncia por um esforço de análise. Ver, por exemplo,
Colonna, 1976; Asad, 1991; Pels, 1997.
Raymond Aron, ele próprio jornalista político do Figaro e professor da Sorbonne desde 1955, utilizava explicitamente as
conferências de Max Weber para colocar o problema das relações entre "o cientista o e o político" como dilema prático: "Daí
resulta, para o professor de ciências sociais que quer ser politicamente ativo, uma tensão permanente. [...] Cada um de nós encontra
sua resposta a esse problema pessoal das relações entre ciência e política" (Aron, 1959:28).
5 É preciso lembrar a importância das grandes fundações norte-americanas (Rockefeller, Carnegie,
Ford, Wenner-Gren) no desenvolvimento do saber antropológico, seja na Grã- Bretanha durante o período entre guerras,
seja no Brasil a partir dos anos 70. Sobre o papel da Fundação Ford no desenvolvimento das ciências sociais no Brasil e, em
especial, sobre as ambigüidades das relações de patronagem acadêmica do ponto de vista dos funcionários da fundação
(daqueles que distribuem os recursos), ver Miceli, 1993.
"Seria necessário aqui considerar também as publicações "híbridas", situadas nas fronteiras entre mundos
diversos, como as revistas com pretensões acadêmicas editadas por ONGs, e aquelas ligadas a "movimentos", partidos ou
órgãos do estado.
7 Esse é o caso das monarquias da época moderna, com o controle que o monarca exerce, por intermédio da "patronagem
real", sobre o aparelho eclesiástico. No Brasil imperial esse mode- lo vigorou até a separação, em 1890, da Igreja e do estado.
* Em sua análise sobre "governamentabilidade", Michel Foucault (1978) assinala que o desen- volvimento de
uma "ciência das populações" constitui um dos principais elementos na im- plantação das formas modernas de governo. Foucault
tinha em mente a economia política, mas nos parece útil retomar sua expressão "ciência das populações" para designar os
saberes antro- pológicos.
9 Ver também, entre outros, Bourdieu, 1989; Elias, 1972 e Tilly, 1975.
10 Pode-se encontrar uma variante não-estatal nas universidades norte-americanas privadas ou dependentes
parcialmente de fundos privados, em que universitários cujas cadeiras são finan- ciadas por lucros ganhos em Wall
Street se pensam como rebeldes em luta contra "o sistema" e o establishment.
11 Ver a análise de Souza Lima (1995) sobre os conflitos na administração brasileira, para compreender as reviravoltas das
políticas indígenas.
12 Ver, por exemplo, Foucault, 1966; Sen, 1987 e Withley, 1984.
13

A respeito, ver Fabian, 2000.


14 Ver, especialmente, Dias Duarte, 2000; também Cunha, 1994; Seyferth, 1989 e Corrêa, 1982.
15

Se o percurso de Arthur Ramos é excepcional, as passagens, no decorrer de uma carreira, da universidade às


responsabilidades administrativas e políticas, e vice-versa, não são raras. Um caso recente no Brasil é o de Fernando
Henrique Cardoso, professor da Universidade de São Paulo nos anos 60 e sociólogo de renome internacional que chegou à
Presidência da Repúbli-
32
Benoît de L'Estoile, Federico Neiburg e Lygia Sigaud

ca. Poderíamos identificar, em outros contextos nacionais, carreiras políticas e acadêmicas similares, implicando outras disciplinas,
como o direito, a economia ou a sociologia.
16 Essa situação é equivalente à dos órgãos encarregados de elaborar as estatísticas nacionais em vários
países, como o Institut National de la Statistique et des Études Économiques (INSEE) na França, o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), a Dirección General de Estadisticas do México, ou o Instituto Nacional de Estadísticas (INDEC) da
Argentina. 17 Afirmar a existência de uma relação de constituição mútua entre os saberes antropológicos, as
políticas do estado e as populações constituídas enquanto objeto, simultaneamente, dessas políticas e desses saberes, não envolve
nada que se pareça a um construtivismo absoluto. De maneira alguma se pode afirmar, por exemplo, que as populações que viviam
sobre o que se tornaria o território do Brasil não eram diferentes dos europeus que as conquistaram, mas é preciso reconhecer que
são os eventos da conquista e da implementação, pelo estado colonial, de uma legislação que unifica grupos extremamente
heterogêneos sob a categoria de índios, que constituem o substrato sobre o qual pode se desenvolver, bem mais tarde, uma
disciplina "etnológica" especificamente consagrada às populações indígenas.

18 Neste sentido, o processo descrito por Kuper se aproxima daqueles examinados nos estudos pioneiros de Cohn
grupos sociais "nativos" no Sul da
(1990:224-254) sobre os efeitos da administração colonial na definição de
Ásia e, num outro plano, daqueles contemplados pelas análises de Handler (1988) sobre os efeitos das
elaborações antropológicas na objetivação de culturas nacionais no Quebec.

20

19 Ver, sobre o Brasil, por exemplo, Albert, 1997; Ramos, 1998; Agier, 1997 e Oliveira, 1999. Assim, por exemplo, a ABA
possui duas comissões explicitamente encarregadas de acom- panhar a evolução de questões políticas: uma comissão para
assuntos indígenas e uma co- missão de direitos humanos, fiscalizando “a violação de direitos humanos de minorias".
Atualmente, a ABA está representada no Conselho Indigenista da FUNAI, na Comissão Inter-Setorial de Saúde Indígena,
na Comissão de Análise de Projetos na Área de Educação Escolar Indígena, e participa da Consulta sobre a
Política dos Povos Indígenas, realizada pelo Banco Mundial.
21 Ver, por exemplo, Carneiro da Cunha 1987.
22 Para o caso britânico, ver L'Estoile 1997c e Mills 2002.

23 Um exemplo paradigmático dessa representação da antropologia é o princípio que norteou a organização


do número da revista Ethnos (Gerholm e Hannerz 1983) dedicado às "antropolo- gias nacionais”. Os casos estudados se
concentram na "periferia" (Brasil, Índia, Polônia, Sué- cia, Sudão, Canadá, Quebec). O volume se encerra com um texto que
exprime o "ponto de vista do centro", escrito por um membro do Departamento de Antropologia da Universidade de
Chicago (Stocking, 1983).
24

Elias 1989. A natiozentrische Denkorientierung não seria exclusiva das ideologias naciona- listas, mas de todas as teorias da cultura ou
da sociedade que têm como horizonte uma ambição descritiva e prescritiva em conexão com os ideais de "alta cultura" e de
"boa sociedade" refe- ridos a essas unidades sociais e culturais chamadas nações. Para um desenvolvimento dessa crítica
de Elias ao naciocentrismo mais ou menos implícito das teorias sociológicas, ver Neiburg, 1999.

25 Como no México, também no Brasil houve antropólogos preocupados com a construção de imagens da nação (ver
Peirano, 1981 e 1992).
Antropologia, impérios e estados nacionais 33

26 Agradecemos a Christian Topalov por ter chamado nossa atenção sobre esses aspectos da trajetória de Redfield.
27 Trata-se de uma transição mediada pelos financiamentos de projetos de pesquisa sobre "zo- nas
estratégicas". As trajetórias de dois "grandes nomes" da antropologia americana formados no Pós-Guerra, como Clifford
Geertz e David Schneider, são nesse sentido exemplarers: elas permitem perceber as possibilidades abertas pela
expansão do império americano. Sobre Geertz e seu trabalho de campo na Indonésia, ver Kuper (1999:77-81) e Geertz, 2001: Cap 1.
Sobre Schneider no exército e na Micronésia, ver Bashkow (1991:171-ss) e Schneider & Handler (1995:61-67 e 85-119).
28

A participação no esforço de guerra também produziu efeitos sobre ciências sociais. Ver, por exemplo, sobre a emergência
da sociologia quantitativa, Schweber, 2002.

29 Ver Carol Rogers, 2001.


30 O francês foi a língua oficial do Primeiro Congresso Internacional de Ciências Antropológi- cas e Etnológicas, realizado em
Londres, em 1934. Nessa época, os textos de Durkheim, Mauss e outros autores da "escola sociológica francesa" eram lidos em versão
original tanto nas universidades inglesas quanto norte-americanas.
31 Pode-se pensar que entre os fatores em jogo na construção, no domínio francês da Nova Caledônia, do centro
cultural kanak, confiada a um dos grandes nomes da arquitetura contem- porânea, esteve também o prestígio da França na região do
Pacífico (ver Capítulo 11).
32

Organizações não-governamentais de defesa das minorias étnicas, como Survival International, contam com muitos
antropólogos entre seus integrantes, e desempenham um papel importante na mobilização da opinião pública internacional.
33 É o caso de nomes como Isaac Schapera, Meyer Fortes e Max Gluckman.
34 Ver, por exemplo, Rueschmeyer e Skocpol, 1996 e Whitley, 1984.
35

Ver Elias, 1982; Whitley, 1984 e Wagner Wittrock & Wollmann, 1991.

Referências bibliográficas

AGIER, Michel (org.). 1997. Anthropologues en danger: L'Engagament sur le Terrain.


Paris: Jean-Michel Place.

ALBERT, Bruce. 1997. "Situation ethnographique et mouvements ethniques: reflexions sur le terrain post
malinowskien". In: M. Agier (org.), Anthropologues en Dangers. L'Engagement sur le Terrain. Paris: Jean-
Michel Place. pp. 75-88.
ARON, Raymond. 1959. "Introduction". In M. Weber, Le Savant et le Politique.
Paris: Plon.

ASAD, Talal. 1991. "Afterword: from the history of colonial anthropology to the anthropology of western hegemony".
In: G. W. Stocking (org.), History of Anthropology, 7. University of Wisconsin Press. pp. 313-324.
BOURDIEU, Pierre. 1989. "Esprits d'Etat. Gènese et structure du champ bureucratique". In P. Bourdieu,
Raisons Pratiques. Sur la Théorie de L'Action. Paris: Seuil.
34
Benoît de L'Estoile, Federico Neiburg e Lygia Sigaud

BASHKOV, Ira. 1991. "The dynamics of rapport in a colonial situation: David Schneider's Fieldwork on the Islands of
Yap". In: S. W. Stocking (ed.) Colonial Situations: Essays on the Contextualization of Ethnographic Knowledge.
Madison: University of Wisconsin Press. pp. 170-242.
CARNEIRO DA CUNHA, Manuela (org.). 1987. Os Direitos do Índio: Ensaios Do-
cumentos. São Paulo: Brasiliense.

CAROL ROGERS, Susan. 2001. "Anthropology in France". Annual Review of


Anthropology, 30: 481-504.
COHN, Bernard. 1990. "The Census, Social Structure and Objectification in South Asia", In: B. Cohn, An
Anthropologist among the Historians and Other Essays. Dehli / Oxford / New York: Oxford University Press.
COLONNA, Fanny. 1976. "Production scientifique et position dans le champ intellectuel et politique. Deux cas:
Augustin Berque et Joseph Desparmet”. In : Le mal de voir Ethnologie et orientalisme : politique et épistémologie,
critique et autocritique. Paris: Union générale d'éditions. Cahiers Jussieu, 2, Université de Paris VII, 10-18: 397-414.
COPANS, Jean. 1975. Anthropologie et Impérialisme. Paris: Maspero
CORRÊA, Mariza. 1982. As ilusões da liberdade: A escola de Nina Rodrigues e a
antropologia no Brasil. Tese de doutorado, Universidade de São Paulo. CRAWFORD, E., SHINN, T., SÖRLIN, S.,
(eds.). 1993. Desnationalizing Science:
The Context of International Scientific Practice. Dordrecht: Kluwer. CUNHA, Olívia, M. G. da. 1994. Cartas ao Mestre: Notas
sobre a correspondência de Arthur Ramos e a invenção dos estudos afro-brasileiros. Tese de doutorado,
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Museu Nacional, UFRJ. DIAS DUARTE, Luiz Fernando. 2000.
"Anthropologie, psychanalyse et 'civilisation'
du Brésil dans l'entre-deux-guerres". Revue de Synthèse, 121 (3-4): 325-344. DURKHEIM, Émile. 1975. "L'Etat”.
In : É. Durkheim, Textes. vol. 3 (Fonctions
sociales et institutions). Paris: Minuit. pp. 172-178.
ELIAS, Norbert. 1972. "Process of State formation and Nation building", Transactions of the Seventh Congress of
Sociology, Vol. 3, Geneva, International Sociological Association.
ELIAS, Norbert. 1982. "Scientific establishments". In: N. Elias (Ed.), Scientific
establishments and hierarchies. Dordrecht: Kluwer. pp. 3-69.
1996. The Germans: Power Struggles and the Development of Habitus in the Nineteenth and Twentieth Centuries. New
York: Columbia University Press. 1989. "Introducción" (Prólogo à edição alemã de 1968). In: N. Elias, El Proceso de
la Civilización: Investigaciones Psicogenéticas y Sociogenéticas. México: Fondo de Cultura Económica.
FABIAN, Joannhes. 2000. Out of our Minds: Reason and Madness in the Exploration
of Central Africa. University of California Press.
Antropologia, impérios e estados nacionais 35

FOUCAULT. Michel. 1978 [1966]. "La gouvernementalité". In: M. Foucault, Dits


et Écrits, vol. III. Paris: Gallimard. pp. 635-657.
1966. Les mots et les choses. Paris: Gallimard.

GEERTZ, Clifford. 2001. Nova Luz sobre a Antropologia. Rio.de Janeiro: Jorge Zahar. GERHOLM, Tomas e
HANNERZ, Ulf. 1983. "Introduction: the shaping of national
anthropologies". Ethnos, 47 (1): 5-35.
GERTH, Hans H., MILLS, C. e WRIGHT, eds. 1958. From Max Weber: Essays in
Sociology. New York: Oxford University Press.
GOODY, Jack, 1995. The Expansive Moment: Anthropology in Britain and Africa.
Cambridge: Cambridge University Press.
HANDLER, Richard. 1988. Nationalism and the Politics of Culture in Quebec.
Madison: The University of Wisconsin Press.
HOROWITZ, Irving L. 1974. The Rise and Fall of Project Camelot. Cambridge:
Harvard University Press.
KUPER, Adam. 1999. Culture. The Anthropologist's Account. Cambridge: Harvard
University Press.
LECLERC, Gérard. 1972. Anthropologie et colonialisme. Paris: Fayard. LENOIR, Remi. 1991. "Objet
Sociologique et problème social". In: P. Champagne, R. Lenoir, D. Merllié e L. Pinto (orgs.), Initiation à la
Practique Sociologique. París: Dunod. pp. 53-100.
L'ESTOILE, Benoit de. 1997a. "Africanisme et 'Africanism': esquisse de comparaison franco-britannique". In: A. Piriou,
& E. Sibeud (orgs.), L'Africanisme en Question, "Dossiers Africains". Paris: Centre d'Etudes Africaines,
EHESS. pp. 1
.19-42.

1997b. "Au nom des 'vrais africains'. Les élites scolarisées de l'Afrique coloniale face à l'anthropologie (1930-1950)".
Terrain, 28: 87-102.
1997c. "The 'natural preserve of anthropologists': anthropology, scientific planning and development".
Information sur les Sciences Sociales, 36(2): 343-376.
LOIZOS, Peter (org.). 1977. "Anthropological research in British colonies. Some
personal accounts". Anthropological Forum, 4(2).
LUCAS, Philippe & VATIN, Jean-Claude. 1975. L'Algerie des anthropologues. Pa-
ris: Maspero.
MALINOWKI, Bronislaw. 1937. "Preface" a J. Lips, The savage hits back. Londres:
Lovat Dickson.

MARCUS, George, H. & FISCHER, Michael M. J. 1986. Anthropology as Cultural Critique: An Experimental
Moment in the Human Sciences. Chicago: University of Chicago Press.
MICELI, Sergio. 1993. A Aposta numa Comunidade Científica Emergente. A Funda- ção Ford e os Cientistas Sociais
no Brasil (1962-1992). São Paulo: Idesp.
36
Benoît de L'Estoile, Federico Neiburg e Lygia Sigaud
Antropologia, impérios e estados nacionais
37

MILLS, David. 2002. "British anthropology at the end of Empire: the rise and fall of the Colonial Social Science Research
Council, 1944-1962". Revue d'Histoire des Sciences Humaines, 6: 161-187.

NEIBURG, Federico. 1999. "O naciocentrismo das ciências sociais e as formas de conceituar a violência política e os
processos de politização da vida social". In:
L. Waizbort (org.), Dossiê Norbert Elias. São Paulo: Edusp. pp. 37-62 OLIVEIRA, João Pacheco de. 1999. Ensaios
em Antropologia Histórica. Rio de Ja-
neiro: EdUFRJ.
PEIRANO, Mariza. 1981. The Anthropology of Anthropology. The Brazilian Case.
PhD Thesis, Harvard University.

1992. Uma Antropologia no Plural, Três Experiências Contemporâneas. Brasília: EdUnB.


PELS, Peter. 1997. "The anthropology of colonialism. Culture, history and the emergence of Western
governamentality". Annual Review of Anthropology, XXVI: 163-183.

RAMOS, Alcida. 1998. Indigenism: Ethnic Politics in Brazil. Madison: The University
of Wisconsin Press.

RIBEIRO THOMAZ, Omar. 2002. Ecos do Atlântico Sul: Representações sobre o


Terceiro Império Português. Rio de Janeiro: EdUFRJ / FAPESP. RUESCHEMEYER, Dietrich e SKOCPOL, Theda
(eds.). 1996. States, Social Knowledge, and the Origins of Modern Social Policies. Princeton / New York: Princeton
University Press/Russell Sage Foundation. SCHEPER-HUGHES, Nancy. 1995. "The primacy of Ethical.
propositions for a
militant anthropology". Current Anthropology, 36(3): 409-420.
SCHNEIDER, David M. & HANDLER, Richard. 1995. Schneider on Schneider: The Conversion of the Jews and Other
Anthropological Stories. Duke: Duke University Press.
SCHWEBER, Libby. 2002. "Wartime research and the quantification of American sociology. The view from 'The
American Soldier"". Revue d'Histoire des Sciences Humaines, 6: 65-93.

SHAPIN, Steven. 1992. "Discipline & bounding: the history and sociology of science
as seen through the externalism-internalism debate". History of Science, 30. SEN, Amartya. 1999. Sobre
Ética e Economia. São Paulo: Companhia das Letras. SEYFERTH, Giralda. 1989. “As ciências sociais no
Brasil e a questão racial”. In: J.
Silva et alii (eds.), Cativeiros e liberdade. Rio de Janeiro: UERJ. pp. 11-31. SOUZA LIMA, Antonio Carlos de. 1995. Um Grande
Cerco de Paz: Poder Tutelar,
Indianidade e Formação do Estado no Brasil. Petrópolis: Vozes. STOCKING, George W. 1983. "Afterword: a view
from the center". Ethnos 47(1):
172-186.
TILLY, Charles. 1975. "Reflections on the History of European State-Making", In: Ch. Tilly (ed.), The
Formation of National States in Western Europe. Princeton: Princeton University Press. pp. 3-83.
WAGNER, Peter; WITTROCK, Björn & WOLLMANN, Hellmut. 1991. "Social science and the modern State:
policy knowledge and political institutions in Western Europe and the United States". In: P. Wagner, C. Weiss & B.
Wittrock. (eds.), Social Science and Modern States. Cambridge: Cambridge University Press. pp. 28-85.
WAGNER, Peter, WITTROCK, Björn & WITHLEY, Richard (eds). 1990. Discourses on Society: The Shaping of the
Social Science Disciplines. Dordrecht: Kluwer. WARMAN, Arturo, BONFIL, Guillermo, NOLASCO, Margarita,
OLIVERA, Mercedes & VALENCIA, Enrique. 1970. De eso que llaman antropología mexi- cana. México:
Editorial Nuestro Tiempo.
WEAVER, Thomas (ed.). 1973. To See Ourselves: Anthropology and the Modern
Social Issues. Glenmview, IL/Londres: Scott, Foresman and Co.
WEBER, Max. 1992 [1951]. Essais sur la théorie de la science. Paris: Plon.
1996. Sociologie des Religions (Textes réunis et traduits par Jean-Pierre Grossein). Paris: Gallimard.
1964 [1922]. Economía y Sociedad. México: Fondo de Cultural
Económica

1959. Le Savant et le Politique. Paris: Plon.


WHITLEY, Richard. 1984. The Intellectual and Social Organization of the Sciences.
Oxford: Clarendon Press.

Você também pode gostar