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Resumo: Este artigo visa discutir as leis 10.639/03 e 11.645/08 como parte das políticas afir-
mativas e de combate aos preconceitos instaurados desde o período colonial. Tra-
zemos à tona as possibilidades da proposta interdisciplinar das temáticas africanas
e afro-brasileiras e seus desdobramentos a partir do ensino de história em interfa-
ce com a música/arte. Tais determinações são basilares para a promoção do ensi-
no decolonial no Brasil, possibilitando a dinamização dos estudos e reflexões nos
mais variados espaços, para se pensar os preconceitos, as imagens romantizadas e
folclóricas da “miscigenação” brasileira como um mito, os racismos estruturais e
institucionais que permanecem presentes em espaços públicos como, Escolas, Uni-
versidades, Igrejas e para além deles. Visto que a própria construção histórica bra-
A
s leis 10.639/03 e 11.645/08, são resultantes de amplas mobilizações sociais de
frentes negras e para além delas. Suas determinações instituíram a obrigatoriedade
do ensino das relações étnico raciais em 2003 e, posteriormente, o ensino da
História e da Cultura Africana, Afro-brasileira e Indígena em 2008. Ambas, contam
com mais de uma década de suas publicações, visto que a primeira completa esse
ano (2023) duas décadas de existência e a segunda pouco menos, ou seja, uma
década e meia.
Para além das leis vigentes, diretrizes relativas à essa legislação foram elaboradas para
direcionarem e responsabilizarem as Instituições sobre as suas aplicabilidades
no ensino. Embora essa premissa seja real, ainda há empecilhos para melhor
eficácia da implementação da lei de 2008, em decorrência do desconhecimento
e da falta de divulgação do Parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE)
n. 14/2015, que trata das diretrizes operacionais e responsabilidades e reflexões
decorrentes da implantação da lei 11.645/08, sua divulgação foi frustrada em
função do documento ter sido elaborado dias antes do Golpe que retirou a presi-
denta Dilma Rousseff do poder em 20151.
O ensino das africanidades e da história e cultura indígena tanto de alunos do Ensino
Básico (em todas as suas etapas), quanto do Ensino Superior estão respaldados
por essas duas leis que modificaram o Artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases
(LDB n. 9.394/96) que possibilitam pensar e discutir a função social e política da
História e da Música/Arte na condição social e política do Brasil nessas últimas
duas décadas no Brasil.
A problemática relativa aos preconceitos e às transgressões contra as diversidades cultu-
rais, não são práticas fáceis de se findar, visto que ao longo da história brasileira
a sociedade foi instigada a conceber a Europa como centro do mundo, onde se
desenvolvia o conhecimento científico, a cultura mais elaborada e tantos outros
estereótipos de superioridade foram criados e divulgados mundo a fora, sobretu-
do, em relação aos países colonizados pelos europeus.
Art. 5° inciso XLII, [...] a prática do racismo constitui crime inafiançável e im-
prescritível, sujeito de reclusão nos termos da lei.
Art. 3° Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
(…).
– IV Promover o bem estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CONSTITUIÇÃO FE-
DERAL DO BRASIL, 1988).
A Constituição de 1988, visou garantir direitos sociais e civis que foram por séculos re-
tirados dos brasileiros. Nesse sentido, há que se rememorar que desde o período
colonial e para além dele, a ideologia dos escravocratas, corroborava para que o
negro-africano fosse percebido como parte de um povo sem história, sem cultura
e sua existência como escravizados era posta como algo “natural”. Neste mote,
buscaram anular as memórias culturais desse povo que na perspectiva escrava-
gista carecia de arte, religião e sutilezas (NASCIMENTO, 2016, p.198).
Mesmo diante de tantos embates e lutas promovidas pelos movimentos sociais ao longo da
história e, especialmente, a partir da primeira década do século XXI, o preconceito
em nossa sociedade continua latente. O racismo, o ódio, a intolerância cultural e as
práticas religiosas de matrizes africanas continuam assolando a sociedade. As “viola-
ções dos direitos que vitimizam os templos e os ministros religiosos afro-brasileiros”
ainda fazem parte da realidade brasileira nos dias atuais (OLIVEIRA, 2014, p. 01).
Assim como permanecem coevas as transgressões sofridas pelos jogadores de futebol
(representantes do esporte no Brasil e fora dele). A exemplo, cita-se o caso re-
centemente ocorrido com o jogador brasileiro Vinícius Júnior (jogador do Real
Madri), que foi expulso de campo no jogo promovido no dia 21de maio de 2023
no Estádio Cívitas Metropolitano em Madri. Após ter se envolvido em uma con-
fusão, em decorrência da torcida do time rival - o Valência - o ter ultrajado com
insultos racistas denominando-o de “macaco”.
Observa-se, contudo que situações de práticas racistas contra jogadores têm sido recor-
rentes. Em virtude dos fatos, em 23 de maio de 2023, a Câmara Federal dos De-
putados no Brasil, aprovou por unanimidade a moção de repúdio ao presidente
da LaLiga, Javier Tebas (2013-2023) e à própria entidade (Primera División da
Liga de Fútbol Profesional – Campeonato Espanhol de Futebol), o mal estar ins-
taurado gerou desculpas públicas por parte de Javier à Vinícius Júnior, mas não
o livrou do sentimento negativo de ter sido ofendido por suas condições étnicas.
Esses e outros insultos, bem como os ataques à cultos de religiões de matrizes africanas
e à própria cultura africana e afro-brasileira, estão no centro de acontecimentos
que ferem os Direitos Humanos (Universal), para além da Constituição brasilei-
ra de 1988 (que rege a legislação no interior de nosso país).
A situação é alarmante e urgente, suscitando a necessidade de reflexões sobre a relevância
das leis 10.639/03 e 11.645/08 que tratam da obrigatoriedade do Ensino da His-
O Brasil, para além de muitos outros países, é estruturalmente racista e a escola como
grande parte das instituições sociais, políticas, econômicas, culturais e até mes-
mo religiosas não fogem a este cenário, “a escola é um complexo social gestado
no interior de uma sociedade” (PINHEIRO, 2023, p. 67). E por assim ser, traz
consigo marcas estruturais deste contexto assinalado por opressões. Essa con-
A centralidade expressa na LDB 9.394/96, em seu Artigo 26, o qual trata da circulação
de informações e conhecimentos sobre as diversidades culturais na educação
brasileira. O § 4º desse mesmo Artigo, demonstra a preocupação de que os currí-
culos escolares sejam voltados para um ensino que abranja as contribuições das
diversas culturas e etnias para a formação do povo brasileiro. O ponto alto do
documento refere-se, portanto, à cultura e à identidade nacional, possibilitando a
elaboração de outras redes de informações que contribuam para a compreensão
contextualizada e plural acerca das diversidades culturais que abarcam os africa-
nos, afro-brasileiros, indígenas e para além desses povos.
Assim, é necessário desenvolver um ensino pautado no:
As práticas africanas se consolidaram por todo o país, assim não há como negar que
houve a assimilação dos costumes europeus por parte dos afro-brasileiros, assim
como os demais povos que habitavam o Brasil foram aculturados.
É importante compreender neste contexto que os instrumentos musicais agem como meios
de comunicação coletivo. Fatores que os assemelham aos seres humanos, por se
expressarem através da fala e por transmitirem suas mensagens mais íntimas ou
as mais sórdidas. As línguas africanas, em sua maioria são tonais, assim como
os tambores produzem sua “fala” de diversas etnias, retomando a melodia do
idioma. Deste modo, expressam frases inteiras, articulando e anunciando fatos
de interesses locais (PINTO, 2001, p. 223).
A sonoridade das palavras faladas muito se assemelha à dos instrumentos em alguns ca-
sos. Assim, é providencial aproximar o ensino de história da música para melhor
compreender a participação dos africanos no processo de construção da história
do Brasil e desmistificar o silenciamento intencional desse povo como parte re-
levante da cultura brasileira.
A identificação dos brasileiros com os africanos não é casual, mas parte integrante da
história e das memórias deste país. A expressões musicais que se fazem presente
em festas brasileiras, também são herdeiras da cultura africana. A esse exemplo
citamos a Congada, a qual traz a representatividade da santa protetora, que é
uma herança africana e a presença de dois reis congos, que são coroados em mo-
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A atuação dos docentes tem importância basilar e é urgente que seja munida por concep-
ções que explorem a pluralidade e o hibridismo cultural dos/as alunos/as e do
Brasil. A valorização da diversidade, bem como reconhecer as diferenças, é de
fundamental relevância no espaço escolar. Uma via de acesso para essa ação,
pode ser através da transversalização dos conteúdos. Haja vista que, transversa-
lizar indica [...] “a superação da disciplinarização. Na lógica associada à peda-
gogia de projetos, a mobilização de temáticas e/ou conteúdos como ética, saúde,
sexualidade e meio ambiente perpassaria diferentes disciplinas” (DEZEMONE,
2015, p. 93).
A interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade, são quesitos formais dos currículos na-
cionais, expressos nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamen-
tal e Médio. Tais conceitos são melhores aclarados nos documentos destinados
ao Ensino Fundamental, onde evidencia-se que a disciplina de História se man-
tém como específica e a partir desta área do conhecimento os conteúdos e pro-
cedimentos foram elaborados e compartilhados com outras disciplinas, assim
como abrem possibilidades para novas abordagens a partir de outros assuntos
por meio da transdisciplinaridade.
Desta forma, deve-se dar a atenção devida à promoção dos programas de formação conti-
nuada promovidos pelas universidades. Entretanto, há que se compreender duas
questões centrais: primeiro, que eles não vão atuar sobre uma massa inerte, visto
Abstract: This article aims to discuss the laws 10.639/03 and 11.645/08 as part of affirmative poli-
cies and combat prejudice established since the colonial period. We bring to light the
possibilities of the interdisciplinary proposal of African and Afro-Brazilian themes and
their unfolding from the teaching of history in interface with music/art. Such determina-
tions are fundamental for the promotion of decolonial teaching in Brazil, enabling the
dynamization of studies and reflections in the most varied spaces, in order to think the
prejudices, the romanticized and folkloric images of the Brazilian “miscegenation” as a
myth, the structural and institutional racisms that remain present in public spaces such
as schools, universities, churches and beyond. Since the Brazilian historical construc-
tion itself has allowed and influenced the demonization of religions of African origin,
the standardization of the enslavement of Africans, the violence and suffering during the
colonization of Brazil and the post-abolition segregation in the country.
Notas
1 O golpe contra o governo da presidenta Dilma Rousseff, iniciado nos idos de 2015 e con-
solidado em 2016, atingiu também a educação no Brasil, para além dos aspectos econô-
micos, políticos e sociais. Visto que suas últimas nomeações de conselheiros membros do
Conselho Nacional de Educação (CNE), assim como suas derradeiras decisões e medidas
destinadas à educação e à legislação educacional foram revogadas e/ou silenciadas por
Michel Temer (a princípio presidente interino e a posteriori assumiu o cargo definitiva-
mente), o qual aliado aos políticos de direita tinham prerrogativas neoliberais para serem
colocadas em curso em situação de certa urgência. Assim, as atuais estratégias reformistas
neoliberais que levaram à instituição da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e do
autoproclamado “Novo” Ensino Médio, já estavam presentes no bojo do chamado Golpe
de 2016 (DUARTE, 2020; SOUSA, NORONHA, 2023).
2 “A branquitude se expressa em uma repetição ao longo da história, de lugares de privilégio
assegurados para as pessoas brancas, mantidos e transmitidos para as novas gerações”
(BENTO, 2022).
3 Como diria o sociólogo Darci Ribeiro o descaso com a Educação no Brasil, faz parte do
Projeto de Governo da Direita, não se trata de um mero acidente. Assim como o Golpe
de 2015, consolidado em 2016, que retirou do poder a presidenta Dilma Rousseff, o qual
fez parte de um Projeto arquitetado e praticado por políticos neoliberais de direita que
mantinham interesse em efetivar a entrada do Capitalismo na Educação. Deste modo, o
descaso com as bibliotecas de Escolas e Universidades Públicas também faz parte desse
Projeto maior de neutralizar a Educação no país, visando formar trabalhadores capazes
de venderem suas forças de trabalho, com reduzida qualidade intelectual para reivindicar
seus direitos contumazes e legais.
REFERÊNCIAS