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CAPÍTULO 3

Estratégias e obstáculos para promover a inclusão de questões de corpo, gênero e


sexualidade

A atual e antiga situação da LGBTfobia nas escolas é uma agressão aos direitos
humanos que documentos, como por exemplo a Constituição Federal, visam garantir. Neste
contexto surgiram iniciativas governamentais como o Programa Brasil sem Homofobia, com
o objetivo de suprir parâmetros e bases legais educacionais que, até hoje, não foram
satisfeitos. O programa originou o Projeto Escola sem Homofobia. Apesar da aprovação do
material, o projeto foi vetado pela então presidenta Dilma Rousseff (Santos, L. M. K. S. M. L.
D. (2012).
O projeto contava com material didático e mídia audiovisual que, apesar de imperfeito,
representaria um primeiro grande passo para a discussão dos temas em questão nas salas
de aula. O material audiovisual se faz por 3 vídeos: Probabilidade, que discute o bullying
motivado por homofobia nas escolas, demonstra uma aceitação pela amizade e o
descobrimento da bissexualidade pelo protagonista da narrativa; Torpedo, que também
mostra uma situação de homofobia entre estudantes sendo superada, por meio da
apresentação de um casal de duas estudantes; e Encontrando Bianca, onde se acompanha
Bianca, uma mulher trans (ou travesti) contando sua história de autoconhecimento,
dificuldades escolares pelo bullying superação da transfobia.
O documento mostra as dificuldades vividas por pessoas LGBTQIAP+ nas escolas e
suas jornadas de autodescoberta, tudo por uma perspectiva humanizada, pessoal e de
superação, que leva o telespectador a refletir e desenvolver empatia pelos protagonistas em
suas experiências, na maioria das vezes, e se sentir acolhido para se descobrir assim como
as personagens apresentadas. Essa ótica se mostra essencial em um primeiro contato das
pessoas com o assunto, uma vez que o primeiro passo para a humanização de um grupo é
iniciar o contato com suas vivências que são, muitas vezes, desconhecidas.
A mídia dá destaque mesmo aos funcionários das escolas: no vídeo Torpedo, onde é
mostrado uma funcionária a desaprovar o casal protagonista, em tom de crítica, e em
Encontrando Bianca, onde é ressaltada pela narração da personagem principal a
importância do apoio e reconhecimento dos professores com relação à identidade dos
alunos. Em conclusão, o Escola sem Homofobia é um material exemplar que teria sido de
impacto positivo caso não tivesse sido vetado.
O projeto sofreu ataques de setores conservadores da política, sendo até mesmo
recentemente distorcido e utilizado para criar fake news como ferramenta política de pânico
moral. O ex-presidente Jair Bolsonaro, beneficiado pela campanha de fake news durante as
eleições, foi inclusive visto em programas de TV (dos canais TV Câmara e Rede TV!,
citados respectivamente) distorcendo e banalizando o conteúdo do material, o batizando por
conta própria de “kit gay” e despejando homofobia em meio às críticas fictícias (Santos, L.
M. K. S. M. L. D. (2012).
Nas palavras do atual deputado, “a grande verdade, o que eles estão discutindo aqui
e sabem disso, não querem falar, não querem tocar no assunto, é que este ano o governo
federal irá distribuir um ‘kit gay’ para a garotada do primeiro grau, a pretexto de combater a
homofobia e que, na verdade, está estimulando o homossexualismo, com filmetes para a
garotada do primeiro grau, de 6, 7 e 8, 9 e 10 anos. É isso o que eu descobri sem querer e
tamo tomando providência para impedir a distribuição deste kit gay nas escolas” (Santos, L.
M. K. S. M. L. D. (2012).
Jair Bolsonaro, desta vez no programa Manhã Maior da Rede TV! no ano de 2010,
comenta de forma pejorativa sobre uma cena de beijo entre as protagonistas do vídeo
Torpedo, que foi retirada do material antes de ser sequer publicado, depois das diversas
discussões na elaboração do material do projeto. O deputado ainda defende a agressão de
crianças com o pretexto de “terem o que temer”, ao falar sobre a homossexualidade. O
discurso se disseminou pela internet (Santos, L. M. K. S. M. L. D. (2012).
“Foi colocado que vamos passar informação sobre diversidade sexual e identidade de
gênero para crianças de sete anos. Isso nunca foi a decisão do Ministério. O projeto está
sendo pensado para o Ensino Médio. Não é um projeto que vai cair de paraquedas nas
escolas. Vai ser vinculado à formação dos professores. Há todo um anteparo, uma
sustentação pedagógica.”, disse Rosilea Willie, coordenadora geral de direitos humanos do
MEC, sobre a repercussão do projeto na época (Santos, L. M. K. S. M. L. D. (2012).
O material do projeto já era, de modo extremamente distorcido, de conhecimento
popular e pauta política no ano de 2011. A atual presidenta da República Dilma Rousseff e o
atual ministro da educação Fernando Haddad passam a ser questionados e pressionados
por bancadas religiosas; foram também usados contra o governo outros assuntos no
cenário político para aumentar a pressão feita contra a aprovação do Escola Sem
Homofobia. Toda a repercussão política e popular do projeto, motivada por desinformação,
o levou a ser vetado por conta de jogos políticos, e não por decisão (Santos, L. M. K. S. M.
L. D. (2012).
Um exemplo de lei vigente que garante a inclusão de minorias sociais nos currículos
brasileiros é a lei 10.639, que visa valorizar e resgatar as contribuições da população negra
à sociedade e à história brasileira e que especifica os conteúdos que devem ser tratados:
História da África e dos africanos; A luta dos negros no Brasil; A cultura negra brasileira; e O
negro na formação da sociedade nacional. São advindas desta lei as Diretrizes curriculares
nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura
afro-brasileira e africana. Seus propósitos, de acordo com o próprio documento, é:
Este parecer visa a atender os propósitos expressos na Indicação
CNE/CP 6/ 2002, bem como regulamentar a alteração trazida à Lei
9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, pela Lei
10.639/2000, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica. Desta forma, busca
cumprir o estabelecido na Constituição Federal nos seus Art. 5º, I, Art. 210,
Art. 206, I, § 1° do Art. 242, Art. 215 e Art. 216, bem como nos Art. 26, 26 A
e 79 B na Lei 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que
asseguram o direito à igualdade de condições de vida e de cidadania,
assim como garantem igual direito às histórias e culturas que compõem a
nação brasileira, além do direito de acesso às diferentes fontes da cultura
nacional a todos brasileiros (Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana, 2004, p. 9).

As diretrizes, como manifestado, visam suprir uma lacuna nos direitos a serem
garantidos pelas leis brasileiras, assim como o Projeto Escola Sem Homofobia. O
documento em questão objetiva assim, de forma direta, ressarcir a população negra
afrodescendente dos diversos danos advindos do antigo sistema escravista, através da
adoção de estratégias pedagógicas e políticas educacionais que valorizem a diversidade, o
respeito, a cultura negra e seu histórico de resistência coletiva e individual às suas
opressões sistêmicas.
É reconhecido, na escrita, o contexto de desigualdade racial brasileiro, e este disserta
sobre diversas necessidades ao se discutir e implementar uma estratégia de redução
dessas desigualdades partindo da educação. A escrita elabora de forma detalhada como e
com quais conteúdos devem ser feitos, como por exemplo no título Ações Educativas de
Combate ao Racismo e Discriminações:
O ensino de História e Cultura Africana se fará por diferentes meios,
inclusive a realização de projetos de diferente natureza, no decorrer do ano
letivo, com vistas à divulgação e estudo da participação dos africanos e de
seus descendentes na diáspora, em episódios da história mundial, na
construção econômica, social e cultural das nações do continente africano e
da diáspora, destacando-se a atuação de negros em diferentes áreas do
conhecimento, de atuação profissional, de criação tecnológica e artística,
de luta social (entre outros: rainha Nzinga, Toussaint-L’Ouverture, Martin
Luther King, Malcom X, Marcus Garvey, Aimé Cesaire, Léopold Senghor,
Mariama Bâ, Amílcar Cabral, Cheik Anta Diop, Steve Biko, Nelson Mandela,
Aminata Traoré, Christiane Taubira) (Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana, 2004, p. 22-23).

Apesar da existência da lei, até mesmo o ensino da História Africana e Afro-brasileira


encontra obstáculos na implementação de sua obrigatoriedade. Uma pesquisa de Geledés
Instituto da Mulher Negra e do Instituto Alana mostrou que apenas 29% das secretarias
realizam ações concretas para garantir a implementação da lei (Lei 10.639/03: a atuação
das Secretarias Municipais de Educação no ensino de história e cultura africana e
afro-brasileira, 2023).
Portanto, se sabe que a criação de uma lei não é garantia prática da implementação
de algo no ensino das escolas brasileiras. No entanto, apesar da legislação recente que
equivale a LGBTfobia ao crime de injúria racial - que, apesar de ser um avanço, se sabe
que não tem grande a efetividade necessária contra a discriminação visto que nem sequer o
racismo foi extinto mesmo sendo crime há 33 anos - a população LGBTQIAP+ tem uma
extrema escassez de direitos na qual se inclui o direito à sua inclusão na educação.
Enquanto a lei da obrigatoriedade do ensino da cultura e história afro-brasileira não é
cumprida, uma lei que tente assegurar o ensino da história e da cultura queer nem sequer
existe; não se manifesta concretamente sequer a intenção estatal de garantir este direito
constitucional a essa minoria. Em lugar disto, se encontram em trâmite projetos de lei como
o PL 5487/2016, que: “Institui a proibição de orientação e distribuição de livros às escolas
públicas pelo Ministério da Educação e Cultura que verse sobre orientação de diversidade
sexual para crianças e adolescentes.” (site da Câmara dos Deputados, acessado em
19/09/2023).

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