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“A IMPORTÂNCIA DA CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA NA

CONSTRUÇÃO DE UMA ESCOLA DEMOCRÁTICA”.

1-INTRODUÇÃO

A realidade brasileira foi marcada, na última década, pela ascensão socioeconômica de


milhões de brasileiros, resultante da redução da miséria absoluta, especialmente no
governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010), segundo dados de 2014 da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – IBGE, divulgada em 2015.

Ao associar a abertura democrática a uma legislação liberal, a ascensão socioeconômica


e o acesso à educação de grupos sociais tradicionalmente marginalizados, como pessoas
de baixa renda, mulheres, deficientes físicos, homossexuais, negros e indígenas,
viabilizaram a implantação de medidas educacionais voltadas à valorização e respeito à
diversidade, bem como à necessidade do reconhecimento da contribuição histórica de
atores sociais normalmente relegados a condições subalternas ou coadjuvantes, como
negros e indígenas.

Essas mudanças demandaram alterações nos conteúdos escolares, pois conforme Tardif
e Lessard (2007), a escolarização das massas determinou que fossem repensados
conteúdos em função da heterogeneidade das novas clientelas escolares, estabelecendo e
uma demanda por uma educação em geral e um ensino de História, em especial,
caracterizados por uma necessidade permanente de reconstrução de saberes históricos e
pedagógicos.

Os resultados foram avanços significativos no processo de afirmação de setores


marginalizados, como os negros, com a promulgação da Lei 10.639/2003, e negros e
indígenas, com a promulgação da Lei 11.645/2008, a qual determina a obrigatoriedade
do estudo da temática História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena nos
estabelecimentos de Ensino Fundamental e de Ensino Médio, notadamente nas áreas de
educação artística e de literatura e história brasileiras. Essas leis são importantes no
processo de condução de negros e indígenas, setores sociais tradicionalmente
marginalizados, ao adequado reconhecimento de sua contribuição para a construção do
Brasil, bem como tornaram-se instrumentos de combate ao racismo e à discriminação
nas escolas. A segunda lei, por ser mais recente e abrangente, contempla ambos os
grupos étnicos, tão importantes para a formação histórica, social, econômica e cultural
do Brasil.

É importante ressaltar que o momento histórico atual coloca em risco esses avanços, que
ainda não estão totalmente consolidados, como é o caso do ensino de História e Cultura
Afro-Brasileira e Indígena.

2 – DESENVOLVIMENTO

A promulgação da Lei 11.645, de 2008, veio a alterar a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro


de 1996, modificada pela Lei nº 10.639, de 09 de janeiro de 2003, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, visando incluir no currículo oficial da rede de
ensino a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena.
O que esta Lei altera no conteúdo programático da educação básica é a inclusão dos
diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população
brasileira, a partir dos dois grupos étnicos: africana e indígena. Ela enfatiza o estudo da
história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a
cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade
nacional.
É importante dizer que essas políticas têm como meta o direito dos negros e indígenas
em se reconhecerem na cultura nacional, expressar visões de mundo próprio, manifestar
com autonomia, individual e coletiva, seus pensamentos. É necessário salientar que tais
políticas têm, também, como meta o direito dos negros e indígenas, assim como de
todos cidadãos brasileiros, cursarem cada um dos níveis de ensino, em escolas
devidamente instaladas e equipadas, orientados por professores qualificados para o
ensino das diferentes áreas de conhecimentos; com formação para lidar com as tensas
relações produzidas pelo racismo e discriminações, sensíveis e capazes de conduzir a
reeducação das relações entre diferentes grupos étnico-raciais, ou seja, entre
descendentes de africanos, de europeus, de asiáticos, e povos indígenas. Estas condições
materiais das escolas e de formação de professores são indispensáveis para uma
educação de qualidade, para todos, assim como o é o reconhecimento e valorização da
história, cultura e identidade dos descendentes de africanos.
Negros e indígenas sempre estiveram presentes e tiveram importante atuação, nos
processos históricos brasileiros desde o período colonial. Valorizar suas contribuições é
dar significado às lutas desses povos e corrigir buracos na formação histórica nacional,
em oposição ao mito de uma suposta democracia racial, através da qual, segundo Freyre
(2003), a miscigenação étnica e cultural da formação da sociedade brasileira havia
produzido um efeito democratizante na sociedade. O resultado seria uma integração
étnica, que não tinha nada de democrática ou igualitária, pois manteve a visão de negros
e índios em uma posição de submissão e aceitação de uma pretensa superioridade dos
brancos – tão difundida pela historiografia tradicional, como fundamento dessa
dominação imposta ao longo de várias gerações.
Questionar e problematizar tais situações, permite a superação de vários instrumentos
que permitiram a consolidação de estigmas e estereótipos preconceituosos em relação a
negros e indígenas. Com relação aos negros,
[...] o que ocorre, em geral é um silenciamento das memórias e atual situação do afro
descendente. A abolição da escravatura foi realizada de maneira inconseqüente, não
planejada: foi concedida a liberdade, mas não oportunidades já que não foram criadas
políticas de inserção do afro descendente na sociedade brasileira, nem lhes foi garantido
o acesso à educação nem aos meios de produção, etc. O espaço ocupado pelo negro
socialmente pouco foi modificado no período pós-abolicionista e tal declaração estende-
se ao tratamento despendido a esse pela comunidade não negra. (OLIVEIRA;
GOULART, 2012: 48)
Em relação aos indígenas, as autoras afirmam que:
Diferentemente do que ocorre com os negros, os povos indígenas passaram por um
processo de escravização quase embrionário, já que os casos mesmo que gerais, não
tinham características generalizantes que possibilitassem aplicação em larga escala
daquele modelo. Entretanto, tais constatações em nada diminuem os pesares sofridos e
que se desdobram na atualidade. Historicamente, as comunidades indígenas têm lutado
por espaços que lhes são de direito e que foram usurpados pelas populações européias
que para cá vieram. Da mesma forma, foram expulsos de seus territórios e, quando sim,
realocados de forma irresponsável por parte dos gestores públicos. A exclusão dos
povos negros e indígenas e sua conseqüente marginalização foram políticas de governo,
amparadas legalmente. Sendo assim, para ambos os povos, em benefício de todas as
etnias, é urgente a tomada de responsabilidades. (OLIVEIRA e GOULART, 2012: 49)
A escola deve incentivar nos jovens a percepção de que esta diversidade não resulta
somente de uma herança ou do prevalecimento de um determinado grupo, mas da
composição de várias contribuições de diversos atores sociais, de diversas origens
étnicas, sociais, econômicas, geográficas e culturais.
A escola possui grande responsabilidade nos processos de mudanças educacionais e de
inclusão social. Ao atuar na formação de gerações, deve contribuir para eliminar as
injustiças que ainda marcam a realidade brasileira, notadamente com populações de
baixa renda e descendentes de africanos e indígenas. Identificar, debater, problematizar
e combater práticas discriminatórias e racistas são elementos fundamentais para a
superação do mito da “Democracia Racial” (FREYRE, 2003), que contribuiu fortemente
com o reforço e enraizamento do racismo e do preconceito no Brasil, na medida em que
colocou negros e indígenas em posições submissas e de aceitação de uma dominação
que não representam ou representaram a realidade de lutas e resistências que marcou e
marca a História destes povos e de seus descendentes.
A Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA
asseguram a educação básica de qualidade como direito fundamental para as crianças e
jovens brasileiros. As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica – DCNEB
afirmam que para o projeto de nação que está sendo construído no Brasil, “a formação
escolar é o alicerce indispensável e condição primeira para o exercício pleno da
cidadania e o acesso aos direitos sociais, econômicos, civis e políticos”. (BRASIL,
2013, p. 4). Dessa forma, a educação tem como princípio o pleno desenvolvimento das
potencialidades dos indivíduos, em ambientes de liberdade e assegurados o respeito e
valorização da dignidade e das diferenças entre as pessoas.
Resgatando assim as suas contribuições nas áreas social, econômica e política,
pertinentes à história do Brasil. Estes conteúdos não serão ministrados em forma de
disciplina específica, todavia, será ministrado no âmbito de todo o currículo escolar,
principalmente através das aulas de Educação Artística e de Literatura e História do
Brasil.
As aulas de História devem contribuir nessa formação ao estimular no indivíduo uma
série de reflexões acerca da realidade, e o professor tem importância fundamental neste
processo de ensino e aprendizagem. Assim sendo, a educação das relações étnico-raciais
impõe situações de aprendizagens entre brancos e negros, trocas de conhecimento,
quebra de desconfianças: um projeto conjunto para a construção de uma sociedade justa,
igual e equânime.
Combater o racismo não é uma tarefa exclusiva da escola, as formas de discriminação
de qualquer natureza não nascem ali, porém o racismo e as discriminações correntes na
sociedade perpassam esse espaço.
Como vimos, a inclusão desse tema história e da cultura afro-brasileira e africana nos
currículos da Educação básica brasileira é um momento histórico de crucial
importância, porém ela traz uma necessidade de professores qualificados para este
trabalho, pessoas sensíveis e capazes de direcionar positivamente as relações entre
pessoas de diferentes pertencimentos étnico-raciais, no sentido do respeito e da correção
de posturas, atitudes e palavras preconceituosas. Daí a necessidade investir na formação
inicial e continuada dos professores, para que, além da formação sólida na área
específica de atuação, recebam formação que os capacite não só a compreender a
importância das questões relacionadas à diversidade étnico-racial, mas a lidar
positivamente com elas e, sobretudo, criar estratégias pedagógicas que possam auxiliá-
las e reeducá-las (BORGES; 2010).

3-CONCLUSÃO

Diante do exposto, reconhecemos que a revisão historiográfica do que vem sendo


contado acerca de nossos antepassados não é uma tarefa que trará efeitos imediatos, pois
muitos valores racistas estão seriamente enraizados em nossa sociedade por práticas de
exclusão e desconstrução da importância de diversos segmentos sociais há séculos. O
avanço consiste inicialmente em estancar estas práticas e reconstruir um ensino História
do Brasil que coloque negros e indígenas no patamar de importância que realmente têm,
combatendo a condição subalterna a que foram submetidos historicamente, sendo postos
tradicionalmente em situação de marginalização, inclusive a nível cultural.
Governos, secretarias de educação e universidades precisam se unir para a construção
de uma nova realidade no ensino, principalmente no que diz respeito aos conteúdos
ignorados durante séculos pela comunidade escolar. O ensino na rede básica tem
fundamental importância na transmissão da cultura afro-brasileira e indígena. No
entanto, para além dessa missão, faz-se necessário uma pergunta de reflexão aos
leitores: é possível uma transformação social e ideológica por meio da educação?
Acreditando-se que sim, o sonho de que o racismo e a discriminação sejam eliminados
do contexto escolar, social e político desse país permanece intacto a cada dia letivo.
4-REFERENCIAS

BORGES, Elizabeth Maria de Fátima. A inclusão da história e da cultura afro-brasileira


e indígena nos currículos da educação básica. Vassouras. v. 12. n. 1. p. 71-84. 2010.

BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a


Educação das Relações Étnico-Raciais Brasília, DF, p. 1-37, 2004.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF.


2018.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Secretaria de


Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Secretaria de Educação
Profissional e Tecnológica. Conselho Nacional de Educação. Câmara Nacional de
Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. Brasília,
DF: MEC: SEB: Dicei, 2013.

FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala: formação da família brasileira sob o
regime da economia patriarcal. 4. ed. São Paulo: Global, 2003.

OLIVEIRA, Juliana Pires de; GOULART, Trayce Ellen. História e Cultura


AfroBrasileira e Indígena em Sala de Aula: a Implementação da Lei 11.645/08 nas
Escolas. Aedos. n. 11. vol. 4 - Set. 2012.

Lei nº 11.645 de 10 de março de 2008. Estabelece as diretrizes e bases da educação


nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da
temática História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena. Diário Oficial da União, DF.
2008.

TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude. O trabalho docente: elementos para uma


teoria da docência como profissão de interações humanas. Tradução João Batista
Kreuch. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2007.

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