Você está na página 1de 6

EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: POR UMA EDUCAÇÃO

ANTIRRACISTA A PARTIR DA EDUCAÇÃO INFATIL

Nicole Ferraz da Trindade1


Rafael Fernandes Carvalho2

INTRODUÇÃO

Há algum tempo a discussão acerca do racismo estrutural presente na formação da sociedade


brasileira vem ganhando força. Com o objetivo de desnaturalizar o racismo presente no Brasil a
educação antirracista entra com um papel extremamente importante, quando começada desde a
educação infantil, para se ter estudantes sem atitudes e comportamentos racistas enquanto cidadãos
e produtores de cultura. O presente ensaio tem por objetivo abarcar o início desta discussão bem
como contribuir com uma proposta de intervenção para esta naturalização do racismo, bem como as
diversas violências que são produzidas contra pessoas negras, uma proposta que vá além da
formação de um currículo turista ou festivo e que vá além da mecanização proposta pelas leis
10.639/2003 e 11.645/2008 que discorrem acerca da obrigatoriedade da inserção da história e
cultura afro-brasileira e indígena.

COLONIALISMO E COLONIALIDADE

É sabido a violência que os negros e povos indígenas sofreram ao longo dos tempos, esta
que é imensurável quanto perdas culturais, provacadas pelo colonialismo. A partir destes
acontecimentos se tem como consequência a colonialidade, que apesar de estar relacionada ao
colonialismo é distinta. Segundo Quijano (2007) colonialismo se refere a um padrão de dominação
e exploração:

O controle da autoridade política, dos recursos de produção e do trabalho de uma população


determinada possui uma diferente identidade e as suas sedes centrais estão, além disso, em
outra jurisdição territorial. Porém nem sempre, nem necessariamente, implica relações
racistas de poder. O Colonialismo é, obviamente, mais antigo; no entanto a colonialidade
provou ser, nos últimos 500 anos, mais profunda e duradoura que o colonialismo. Porém,
sem dúvida, foi forjada dentro deste, e mais ainda, sem ele não teria podido ser imposta à
inter-subjetividade de modo tão enraizado e prolongado. (QUIJANO, 2007, p. 93)

1
Estudante do curso de pedagogia da Universidade de Brasília sob a matrícula 19/0036001 . E-mail:
nicoleferrazdatrindade@gmail.com
2
Estudante do curso de pedagogia da Universidade de Brasília sob a matrícula 19/0019123. E-mail:
rafa.fernandes404@gmail.com
Também contribuindo com a diferenciação de ambos os conceitos Nelson Maldonado-Torres
(2007) discorre:

O colonialismo denota uma relação política e econômica, na qual a soberania de um povo


está no poder de outro povo ou nação, o que constitui a referida nação em um império.
Diferente desta idéia, a colonialidade se refere a um padrão de poder que emergiu como
resultado do colonialismo moderno, mas em vez de estar limitado a uma relação formal de
poder entre dois povos ou nações, se relaciona à forma como o trabalho, o conhecimento, a
autoridade e as relações intersubjetivas se articulam entre si através do mercado capitalista
mundial e da idéia de raça. Assim, apesar do colonialismo preceder a colonialidade, a
colonialidade sobrevive ao colonialismo. Ela se mantém viva em textos didáticos, nos
critérios para o bom trabalho acadêmico, na cultura, no sentido comum, na auto-imagem
dos povos, nas aspirações dos sujeitos e em muitos outros aspectos de nossa experiência
moderna. Neste sentido, respiramos a colonialidade na modernidade cotidianamente.
(MALDONADO-TORRES, 2007, p. 131).

Deste modo, se tem o colonialismo como bem mais do que uma estipulação militar, jurídica,
política ou administrativa, pois através da colonialidade que perpassa todos os elementos
constitutivos do povo-alvo, mesmo com a emancipação e/ou descolonização do mesmo, os
resquícios da colonização serão percebidos na essência deste, o racismo estrutural presente na
cultura brasileira é um perfeito exemplo resquicial.

ASPECTOS DAS LEIS 10.639/2003 E 11.645/2008

Tendo-se como base noções iniciais acerca de colonialismo e colonialidade anteriormente


abordadas, é sabido e notório a existência de certa deficiência quanto à implementação de políticas
públicas étnico-raciais, bem como asseguração aos direitos previstos constitucionalmente aos povos
indígenas e afro-descendentes.
Com a incansável luta de grupos indígenas, quilombolas e negros algumas conquistas
constitucionalmente importantes e que são armas contra o preconceito foram adquiridas, como a lei
10.639/2003, neste caso ao que se refere à educação, que discorre:

Art. 26-A Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares,


torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.

§ 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da


História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o
negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas
áreas social, econômica e política pertinente à História do Brasil.

§ 2º Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no


âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de
Literatura e História Brasileira. (BRASIL, 2003)

e, posteriormente a lei 11.645/2008 que enuncia:


Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e
privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da
história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses
dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos
negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o
índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social,
econômica e política, pertinentes à história do Brasil.

§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas


brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de
educação artística e de literatura e história brasileiras. (BRASIL, 2008)

São, sem dúvida, conquistas importantes para os movimentos, mas que mesmo assim caem
nos resquícios de colonização que estão presentes no aparelho ideológico de Estado vigente que
acaba por boicotar as conquistas constitucionais, bem como sua implementação. A educação
descolonizadora, partindo dos pressupostos da pedagogia decolonial, tem como objetivo central a
quebra destas ideias.

UMA EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA

A luta por uma educação antirracista perpetua-se até a atualidade, haja vista que a sociedade
atual ainda traz em sua estrutura esse estigma do preconceito racial. A educação é o principal meio
para que possamos formar seres com caráter e empatia, para tanto torna-se necessário que a cultura
negra, indígena, entre outras sejam inseridas no currículo escolar não apenas em datas
comemorativas, mas em toda a trajetória escolar, seja em livros literários que narram histórias sobre
essas culturas, seja em pesquisas sobre figuras importantes que fizerem revolução para que tivessem
voz. A literatura no âmbito da educação infantil, que é a base e início da vida acadêmica de um
cidadão, bem como é onde os dogmas e preceitos que a pessoa levará por toda vida em forma de
essência, é de extrema importância a verificação dos estereótipos que são ensinados e repassados
pelos profissionais de educação, bem como os autores utilizados e histórias que perpetuam um
sistema discriminatório e racista, preceitos presentes nessas literaturas que quase sempre remetem à
brancura como discorre Rosemberg:

Detectamos, percebemos e denunciamos, a ocorrência de preconceito acintoso e revoltante


– sexual, étnico-racial e econômico- ao lado de um discurso educativo, emulador de altos
princípios éticos. (...) O homem branco adulto proveniente dos estratos médios e superiores
das populações é o representante da espécie, o mais frequente nas estórias, aquele que
recebe um nome próprio, aquele que se reveste da condição de normal. (1985, p.77)

É sabido a dificuldade de se trabalhar assertivamente a cultura negra e indígena na âmbito


escolar, pois o discurso repassado aos estudantes é de um modelo branco historicamente racista,
xenofóbico, misógino e preconceituoso. Um projeto a se construir uma escola democrática e
antirracista, e materiais de apoio relacionados, tais como livros de literatura infanto-juvenil, aqui
mencionado, pretende remodelar a colonialidade presente na construção curricular, nas diretrizes,
leis e bases curriculares, bem como no fazer pedagógico. Ao serem trabalhados aspectos fenotípicos
na literatura infanto-juvenil, por exemplo, quando se é falado acerca de negros e indíginos se
percebe inúmeros preconceitos velados e esteriótipos retrógrados:

Não se trata, portanto, da invisibilidade da cor, mas da intensa visibilidade da cor e de


outros traços fenotípicos aliados a estereótipos sociais e morais para uns, e a neutralidade
racial para outros. As consequências dessa visibilidade para negros são bem conhecidas,
mas a da neutralidade do branco é dada como “natural”, já que ele é o modelo
paradigmático de aparência e de condição humana (PIZA, 2002, p.72).

Ainda relacionado ao eu e ao corpo, este que faz parte da construção de pertencimento social
e se relaciona com a construção da cultura, é visível a violência que o Brasil sofreu e ainda sofre
durante sua construção identitária. Partindo do ponto onde o Brasil em seu pseudo-descobrimento
sofreu a cultura de embranquecimento da população, assimilação e imposição cultura eurocentrada:

[...] aplicada de maneira específica à experiência histórica latino-americana, a perspectiva


eurocêntrica de conhecimento opera como um espelho que distorce o que reflete. Quer
dizer, a imagem que encontramos nesse espelho não é de todo quimérica, já que possuímos
tantos e tão importantes traços históricos europeus em tantos aspectos, materiais e
intersubjetivos. Mas, ao mesmo tempo, somos tão profundamente distintos. Daí que quando
olhamos nosso espelho eurocêntrico, a imagem que vemos seja necessariamente parcial e
distorcida. Aqui a tragédia é que todos fomos conduzidos, sabendo ou não, querendo ou
não, a ver e aceitar aquela imagem como nossa e como pertencente unicamente a nós.
Dessa maneira seguimos sendo o que não somos. E como resultado não podemos nunca
identificar nossos verdadeiros problemas, muito menos resolvê-los, a não ser de uma
maneira parcial e distorcida (QUIJANO, 2005, p. 235).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Portanto, buscou-se retratar aspectos para uma educação antirracista e estigmas que
contribuem para a perpetuação dessas violências particadas contra qualquer tipo de pessoas que não
tenha aspectos eurocentrados, leis que viabilizam de certa forma o ensino de uma educação
antirracista, por mais mecânicas e empobrecidas que sejam, e algumas perpecepções para efetivar e
tornar possível essa contrução de educação antirracista.
É de extrema necessidade e urgência participação popular na construção das diretrizes, bases
curriculares, currículos das escolas e qualquer outro documento oficial que seja utilizado para se
construir o saber dentro e fora do meio acadêmico.

[...] questionar continuamente a racialização, subalternização, inferiorização e seus padrões


de poder, visibiliza maneiras diferentes de ser, viver e saber e busca o desenvolvimento e
criação de compreensões e condições que não só articulam e fazem dialogar as diferenças
num marco de legitimidade, dignidade, igualdade, equidade e respeito, mas que – ao
mesmo tempo - alentam a criação de modos ‘outros’ – de pensar, ser, estar, aprender,
ensinar, sonhar e viver que cruzam fronteiras. A interculturalidade crítica e a
de-colonialidade, nesse sentido, são projetos, processos e lutas que se entrecruzam
conceitualmente e pedagogicamente, alentando forças, iniciativas e perspectivas éticas que
fazem questionar, transformar, sacudir, rearticular e construir. Essa força, iniciativa, agência
e suas práticas dão base para o que chamo de continuação da pedagogia de-colonial
(WALSH, 2009, p.25).
Levando ainda em consideração que o aparelho ideológico de Estado presente no Brasil não
é de forma alguma inclusivo e livre de preconceitos. A historicidade do país é marcada por mentiras
e ilusões que foram tomadas como verdades, partindo do mito da igualdade racial , as políticas
públicas raciais e leis que sofrem constantemente com boicotes e falta de recursos para sua
amplitude. É utópico pensar que o Brasil vive uma igualdade racial quando se percebe que mesmo
tendo a maioria da população negra, os negros presentes em cargos públicos, cargos de poder em
geral, empresários, e dentre outros modelos, são a minoria.
Se faz necessário a construção de uma educação democrática, libertária e antirracista. Uma
das "armas" que se tem como possibilidade de lutar com estes preceitos já existem, é serem
construídos currículos escolares em que hajam a participação de representates de diversas
comunidades tais como negros, quilombolas, indígenas, LGBTQI+, pessoas com deficiência e/ou
trantornos, pois é sabido que o roubo do lugar de fala por pessoas que não representam o
movimento fica carente de representação e entendimento completo. Uma das formas de combater o
racismo estrutural mesmo sem aparato legislativo é serem apresentados autores negros e indígenas,
serem trabalhados projetos feito por negros e indígenas, ter participação dos negros e indígenas que
fazem parte da comunida local, é escutar as diversas histórias pessoas e únicas de cada estudante
presente em sala de aula, trabalhando o contexto regional, social e econômico que os mesmos
vivem, e, claro, tomando cuidado para não formar o currículo festivo e turista, onde as pautas
sociais e movimentos se tornam motivo de festejar e não de lutar.

REFERÊNCIAS

QUIJANO, Aníbal. Colonialidad del poder y clasificación social. In: CASTRO-GÓMEZ, S.; GROSFOGUEL, R.
(Orgs.). El giro decolonial. Reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá:
Universidad Javeriana-Instituto Pensar, Universidad Central-IESCO, Siglo del Hombre Editores, 2007. p. 93-126.

QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. Em: LANDER, Edgardo (org.). A
colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais – perspectivas latino-americanas. Tradução de Júlio César
Casarin Barroso Silva. Buenos Aires: CLACSO, 2005, p. 227-278.

MALDONADO-TORRES, Nelson. Sobre la colonialidad del ser: contribuciones al desarrollo de un concepto. In:
CASTRO-GÓMEZ, S.; GROSFOGUEL, R. (Orgs.) El giro decolonial. Reflexiones para una diversidad epistémica más
allá del capitalismo global. Bogotá: Universidad Javeriana-Instituto Pensar, Universidad Central-IESCO, Siglo del
Hombre Editores, 2007. p. 127-167.

MARQUES, Eugênia P. de S.; ALMEIDA Alexandrina de; SILVA, Wilker S. A Percepção do preconceito e da
discriminação racial no ambiente escolar. Disponível em
http://periodicosonline.uems.br/index.php/interfaces/article/viewFile/461/427 Acesso em 10/07/2010

PIZA, Edith. Porta de vidro: entrada para branquitude. In: CARONE, Iray; BENTO, Maria Aparecida da Silva (org.).
Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Vozes, p.
59-90, 2002.
ROSEMBERG, Fúlvia. Literatura infantil e ideologia. São Paulo: Global, 1985.

WALSH, Catherine.“Interculturalidade Crítica e Pedagogia Decolonial: in-surgir, re-existir e re-viver”. CANDAU, Vera
Maria (Org.). Educação Intercultural na América Latina: entre concepções, tensões e propostas. Rio de Janeiro: 7
Letras, 2009

Você também pode gostar