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Nem tão branca, nem tão índia:


o racismo contra indígenas no contexto universitário
ICLÍCIA VIANA*
JOSIELE BENÉ LAHORGUE**

Resumo: No Brasil, mais de 300 povos indígenas resistem ao processo de colonização,


escravização, catequização, integração e tutela. O contexto universitário se tornou nos últimos
anos território também em processo de demarcação da presença e resistência indígena,
especialmente a partir das Políticas de Ação Afirmativa. Cada vez mais, indígenas de diferentes
etnias lutam contra a manutenção das desigualdades, colonialidades e privilégios da branquitude
nas Universidades, e denunciam a categorização das diversidades em uma identidade genérica
que pode reduzir suas experiências a um lugar social racializado, inferior e desumano. As
relações institucionais podem gerar sofrimento ético-político e reproduzir o racismo
institucional. A partir de articulações teóricas, temos como objetivo apresentar algumas
reflexões sobre o racismo presente nas Instituições de Ensino Superior, atentando para como o
mito da democracia racial e a lógica colonial no Brasil que coloca estas estudantes ora como
índias, ora como brancas, retirando-as o estatuto de sujeitos de direitos.
Palavras chave: Branquitude; Povos Originários; Universidade; Colonialidade.
Not so white, not so Indian: racism against indigenous people in the university context.
Abstract: In Brazil, more than 300 indigenous peoples resist the process of colonization,
enslavement, catechizing, integration and tutelage. In recent years, the Brazilian university
context has become a demarcation territory for indigenous presence and resistance, mainly
through the Affirmative Action Policies. Increasingly, indigenous peoples of different
ethnicities struggle against the maintenance of inequalities, colonialities and privileges of
whiteness in universities, and denounce the categorization of diversities in a generic identity
that can reduce their experiences to a racialized, inferior and inhumane social place. Institutional
relationships can generate ethical and political suffering and reproduce institutional racism.
Based on theoretical articulations, we intend to present some reflections on racism present in
university education institutions, paying attention to how the myth of racial democracy and
colonial logic in Brazil places these students sometimes as indians, sometimes as whites,
removing them as the status of subjects of rights.
Key words: Whiteness; Originating Peoples; University; Coloniality.

*
ICLÍCIA VIANA é Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina.

**
JOSIELE BENÉ LAHORGUE é Doutora em Psicologia pela Universidade Federal de
Santa Catarina; Professora substituta da Universidade Regional de Blumenau.
A Universidade se tornou, nos últimos colonização/escravização e até hoje
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anos, território também em processo de segue como conflito central na América
demarcação da presença e resistência Latina (QUIJANO, 1992; 1999). Neste
indígena, especialmente a partir das sentido, busca-se neste artigo, a partir
Políticas de Ação Afirmativa com de articulações teóricas, apresentar
reserva de vagas em todas as algumas reflexões sobre o racismo
Instituições Federais de Ensino no presente nas instituições de ensino
Brasil. No entanto, estudantes indígenas superior, atentando para como o mito da
que pertencem a diferentes etnias têm democracia racial e a lógica colonial no
experienciado nas Universidades Brasil coloca estas estudantes ora como
brasileiras o impacto da experiência “índias”, ora como “brancas”,
colonial na formação do Estado reproduzindo o jogo da dupla identidade
brasileiro (LANDER, 2005; QUIJANO, (GONÇALVES, 2015): nem são
1992). reconhecidas em sua diversidade étnica;
nem acessam ações que reconheçam a
Verificamos que tal instituição tem sido desigualdade que experienciam
afetada pelas presenças ativas dos povos racialmente como indígenas.
indígenas, que buscam um processo
intercultural crítico de enfrentamento à Formação do Estado e o mito da
colonialidade. Pessoas indígenas democracia racial: direitos humanos
chegam à graduação ou pós-graduação para quem?
com perspectivas outras de mundo, com O modelo de Estado Moderno presente
outras estéticas e racionalidades, na maioria das democracias pelo
trazendo em sua matrícula nominal e mundo, advém da Revolução Francesa,
singular também a presença e o projeto que, a partir da reformulação da lógica
coletivo e ancestral. Ao mesmo tempo, de organização social, passa a
experienciam cotidianamente muitas estabelecer que os direitos devem ser
dificuldades para permanecer no ensino (em tese) garantidos a todas as pessoas
superior, pois encontram diferentes com base na Liberdade, na Igualdade e
barreiras para a permanência nos mais na Fraternidade. No entanto, tal modelo
diferentes níveis da instituição: desde de Estado é forjado às custas da
relações interpessoais em sala de aula, colonização, exploração, sequestro e
passando pelo epistemicídio, ausência morte de mais da metade dos territórios
de interculturalidade, dificuldade de de África, em uma tentativa de destruir
acesso a bolsas de apoio financeiro, a história das nações preexistentes
pessoalização/paternalismo, escassez da (ASANTE, 2016; FANON, 1968).
sistematização de dados sobre a
realidade estudantil indígena, tutela e O debate sobre Direitos Humanos
racismo (MATO, 2020a; 2020b; coincide com o debate sobre o
BERGAMASCHI et al., 2018; constitucionalismo, perspectiva que
KAYAPÓ; SCHWINGEL, 2021; compreende que os direitos declarados
PEIXOTO, 2017; VIANA, 2017). nos documentos internacionais precisam
ser garantidos a partir de ordenamentos
Consideramos que estas configuram jurídicos dos Estados-nação (RIBEIRO,
barreiras institucionais e que são parte 2011). Ao mesmo tempo, os
da expressão da colonialidade de poder documentos jurídicos somente
presente na sociedade: o racismo é sem compreendem como sujeitos de direitos
dúvida a mais perceptível e onipresente o indivíduo e o Estado, deixando sem
manifestação dos efeitos da qualquer tipo de proteção os povos,
nações e comunidades (SANTOS, Para compreender os direitos humanos a
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2019). Portanto, há um entendimento partir da problematização da lógica
convencional sobre os direitos humanos universal dos sujeitos de direitos é
que, possuem algumas características preciso compreender a criação do
importantes: compreendem a “natureza Estado democrático de direitos e a
humana como sendo individual, auto lógica que compõem o acesso aos
sustentada e qualitativamente diferente direitos. O Estado, esse ente que, ao
da natureza não humana”; consideram mesmo tempo que regula as vivências
os direitos humanos como de cada sujeito em sociedade,
“universalmente válidos” sem levar em estabelecendo assim uma ordem social,
consideração os contextos político, política e cultural, também distribui
social, econômico, cultural das benefícios, através das políticas
diferentes regiões do mundo; tal públicas. Portanto, estabelece uma
universalidade compõem também as relação de dominação ao perpetuar uma
declarações que ordenam o que são e o relação de paternalismo, tendo em vista
que não são consideradas violações de que “até mesmo os direitos sociais são
direitos, com base em uma perspectiva direitos compensatórios que pretendem
eurocêntrica de sujeito (SANTOS, manter a dominação da grande massa no
2019, p. 41). modelo de Estado atual” (RIBEIRO,
A criação do Estado Moderno 2011, p. 12).
(Ocidental) dividiu as sociedades entre Forjada a partir do mito da democracia
colônias e metrópoles e cultivou assim racial e de que todos são iguais perante
uma perspectiva emancipatória que a lei, a democracia brasileira busca
deve se perpetuar somente nas amenizar a história do racismo no
metrópoles, reforçando a linha abissal Brasil, presente desde o seu processo de
que divide a sociedade internacional até colonização. A lógica da Igualdade,
os dias atuais. Em suas práticas, os reforçada pelos dispositivos jurídicos,
direitos humanos somente reforçam essa acaba dificultando o reconhecimento
separação e vão modificando as formas das diferenças que nos constituem. As
de dominação que iniciam com o políticas universalistas passam a ser
colonialismo das sociedades do Sul questionadas, por não atingirem a
Global (SANTOS, 2019). Portanto, as população racializada (PASSOS, 2015)
diretrizes dos Direitos Humanos se e, neste sentido, precisamos destacar
constituíram a partir de um sujeito que a legislação brasileira tem buscado
universal: homem, branco, cristão, uma compensação das atrocidades já
ocidental, heterossexual, cis e cometidas contra as populações negra e
proprietário dos meios de produção. indígena, mas se esquece de garantir
Portanto, “é possível afirmar que os efetivamente seus estatutos de sujeito de
direitos humanos são direitos burgueses direitos.
e que acabam por justificar e perpetuar
o modelo de Estado liberal burguês” Conforme dados do Censo de 2010 do
(RIBEIRO, 2011, p.12). Diante desta Instituto Brasileiro de Geografia e
configuração, a democracia brasileira e Estatística (2010), existem mais de 300
o seu princípio de dignidade se pauta povos indígenas identificados no Brasil,
nesse sujeito universal, relegando ao dos quais 36,2% vivem em contexto
lugar de não humano as populações que urbano e a busca por estudar em
não se enquadram nessa lógica liberal universidades públicas e privadas é
burguesa. crescente. Concordamos que as
Políticas de Ação Afirmativa visam acesso a direitos e oportunidades dentro
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alterar as estruturas institucionais do das culturas organizacionais e
ensino superior ao aumentar o número institucionais e se reproduz pelo
de acesso de pessoas negras e indígenas. chamado pacto narcísico branco. Neste
No entanto, para alterar os modos de sentido, ser antirracista pode se tornar
funcionamento das instituições é preciso constantemente um objeto de
modificar também “a lógica exotificação, como mecanismo de
discriminatória dos processos invisibilização sobre as desigualdades
institucionais” (ALMEIDA, 2018, p. raciais. Uma destas estratégias é a
42). De modo que para problematizar o ausência de estudos que abordem a
espaço universitário e as barreiras herança branca da escravidão e da
relatadas por estudantes indígenas, é colonização, de modo que pouco se
preciso atentar para como as instituições questiona a branquitude como uma
atuam em uma dinâmica que confere guardiã silenciosa de privilégios na
direta ou indiretamente desvantagens e sociedade brasileira (BENTO, 2002).
privilégios com base na raça e como a
estabilidade dos sistemas sociais Neste bojo, a diferença entre conceitos
depende da capacidade das instituições de raça e etnia, fundamentais do ponto
de absorver e normalizar o racismo de vista teórico, podem se tornar menos
estrutural. É preciso descolonizar, evidentes do ponto de vista da
saindo do “problema do negro” experiência cotidiana de desigualdades
(BENTO, 2016) e deslocando para o sociais. Munanga (2003), provoca
problema da branquitude. dizendo que as compreensões racistas
do conceito de raça biológica (do
Diferença colonial: o lugar das racismo científico) foram substituídas
pessoas racializadas pelas diferenciações étnicas ou
A ideologia da racialização permitiu ao identitárias: os termos, no entanto,
projeto colonizador europeu a escondem a mesma lógica colonial e
dominação sobre os povos racista. Segundo o autor, “as raças de
subalternizados. A partir da ideia de ontem são as etnias de hoje (...) o
raça, foram distribuídas as principais esquema ideológico que subentende a
novas identidades sociais e geoculturais dominação e a exclusão ficou intacto. É
do mundo, fundando-se o por isso que os conceitos de etnia,
autocentramento capitalista e as identidade étnica ou cultural são de uso
divisões de trabalho, traçando assim agradável para todos: racistas e anti-
“diferencias y distancias específicas en racistas" (MUNANGA, 2003, s/p.). Tal
la respectiva configuración específica questão nos instiga a pensar na
de poder, con sus cruciales importância do uso da categoria “raça”
implicaciones en el proceso de como construto social tendo em vista
democratización de sociedades y que a sociedade segue sendo racista. Há
Estados y de formación de Estados- raça porque há racismo.
nación modernos” (QUIJANO, 1999. p.
Grada Kilomba (2019) demonstra que
01).
enquanto as diferenças recíprocas
Ao olhar para a subalternização de ressaltam a diversidade humana onde
pessoas negras e indígenas, o conceito todos somos diferentes, a diferença
de branquitude torna-se central, pois é colonial, por sua vez, tem a ver com a
considerada um elemento subjetivo que manutenção de uma referência
interfere diretamente na distribuição do normativa que inferioriza as pessoas
negras e indígenas. Nesse sentido, não escravização, desigualdades de classe,
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se é diferente, torna-se diferente por de raça e de gênero foram instauradas e
meio do processo de discriminação. se perpetuam nos dias de hoje por meio
Esta proposição contribui para da colonialidade. Neste sentido, o poder
problematizar as experiências de hegemônico no território latino
indígenas na Universidade pois não são americano aponta para uma
discriminadas por sua diversidade como normatividade que privilegia homens,
povo/comunidade/etnia, mas se tornam brancos e cis gêneros como já vimos
diferentes ao serem discriminadas anteriormente sobre a construção da
negativamente como indígenas: ideia de direitos humanos.
categoria racial que nem sempre é
reconhecida de forma afirmativa por Ao analisar a incorporação da questão
meio de ações equânimes em diferentes étnico racial em políticas públicas,
âmbitos da instituição. pesquisadoras em Serviço Social
(CORRÊA et al., 2020) apontam que é
Neste sentido, o estudo sobre raça como preciso priorizar o tema desde o
construto social é fundamental, pois o planejamento passando pelo
racismo é uma realidade concreta monitoramento e avaliação processual.
também para indígenas de diferentes Visibilizar a realidade da desigualdade
etnias no Brasil (MILANEZ et al., racial na Universidade é, portanto, uma
2019). Sendo a Universidade uma decisão política de enfrentamento ao
instituição colonial/moderna que produz racismo estrutural. As autoras lembram
e reproduz mecanismos de dominação que apesar de as políticas de ação
próprios da estética colonial (VIANA et afirmativa representarem um marco
al., 2019), há uma relação direta entre importante nas políticas públicas
colonialidade do poder e o racismo. O voltadas para as relações étnico-raciais
racismo institucional, especificamente, no campo da educação “ainda carecem
apesar de estar entrelaçado ao racismo de estruturas democráticas e
estrutural, exige uma compreensão participativas que superem a
sobre as diferenças entre estes dois historiografia tradicional e os modelos
fenômenos sociológicos: instituição e eurocêntricos” (CORRÊA, et al., 2020,
estrutura. Segundo Almeida (2018), as p. 120).
instituições são sociologicamente
produtoras de estabilidade aos sistemas Neste bojo, contribui para o apagamento
sociais e são compreendidas como de políticas antirracistas, a
modos de operar rotinas e invisibilidade institucional por meio da
comportamentos que orientam a ação ausência de dados/informações sobre a
social. Há como a Universidade operar entrada, desempenho acadêmico e
rotinas e comportamentos antirracistas permanência de estudantes indígenas
se o racismo é a estrutura de dentro da instituição: um processo de
estabilidade do privilégio branco no invisibilização da presença de quem se
Brasil? autodeclara indígena no ensino superior:
problema que, aliás, não é novo no
O racismo institucional contra
Brasil. Por exemplo: a autodeclaração
indígenas: algumas reflexões
racial como indígena só foi incluída no
No Brasil as desigualdades estruturais Censo do IBGE a partir de 1991 e
são interseccionais e não somente de somente em 2000 inclui-se a opção de
renda. Isso significa compreender que a também autodeclarar-se etnicamente,
partir da violência da colonização e da através da indicação de pertença a um
povo. Já em 2010 foi incluída também a assistência estudantil sem de fato
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opção de declarar a língua falada priorizar ações afirmativas que sejam
(IBGE, 2010). equânimes neste âmbito, olhando para a
desigualdade racial que compõe a
Ainda assim, a identidade indígena no desigualdade social?
contexto urbano é constantemente
questionada e tem sido uma grande Se há restrição do acesso elencando
resistência dos movimentos indígenas e público alvo estudantes com renda per
indigenistas lutar pelo acesso aos capita de até 1,5 salários mínimos e se
direitos, bem como sua identidade as Universidades criam uma
étnico racial (BUSARELLO, 2017; metodologia que exige uma
STOCK; FONSECA, 2013). Outro comprovação documental desta renda:
exemplo vimos no contexto da até que ponto segue sendo um programa
pandemia do COVID-19 no ano de que tende a não dar prioridade para
2020 quando veio à tona novamente a desigualdade étnico racial gerada pelo
discussão sobre a ausência de dados racismo e que perpetua as barreiras
sobre indígenas em contexto urbano institucionais. Verificamos que ainda a
dentro do Subsistema Especial de Saúde desigualdade social não é pensada de
Indígena – SESAI (APIB, 2020). Esta forma interseccional nas políticas de
invisibilidade informacional gera Assistência Estudantil no ensino
inúmeras barreiras e não acessos dentro superior. Sugere-se que há uma
das políticas públicas. desigualdade econômica desprovida de
cor, que o problema brasileiro é de
No campo educacional, desde 2015 há classe e que estudantes devem ser
no Brasil o Plano Nacional de prioritariamente atendidas enquanto
Assistência Estudantil (BRASIL, 2010) estudantes de baixa renda.
que prevê auxílio financeiro e
acompanhamento amplo a fim de No entanto, assim como aponta
democratizar as condições de Almeida (2018, p. 186), não existe
permanência de jovens na educação “consciência de classe” sem consciência
superior pública federal. Tal Plano do problema racial pois, “o racismo foi
compreende que as ações de assistência e ainda é um fator de divisão não apenas
estudantil devem considerar a entre as classes, mas também no interior
necessidade de “viabilizar a igualdade das classes”. É inclusive o racismo que
de oportunidades, contribuir para a responsabiliza as populações negras e
melhoria do desempenho acadêmico e indígenas pela decadência econômica,
agir, preventivamente, nas situações de especialmente em momentos de crise,
retenção e evasão decorrentes da desemprego e baixos salários. Um
insuficiência de condições financeiras'' exemplo evidente é o contexto da
(BRASIL, 2010, grifo nosso). Deixa a Pandemia do COVID 19 e da crise
cargo das instituições de ensino a sanitária vivenciada no Brasil. Em
decisão sobre os critérios e a pesquisa sobre a saúde mental de
metodologia de seleção dos alunos de estudantes no ensino superior neste
graduação a serem beneficiados. Mas momento (VALENCIA; CAPONI,
como viabilizar a igualdade de 2021), revelou-se que são negras e
oportunidades para um público indígenas as estudantes que vivem
estudantil sem igualdade de diretamente os efeitos das desigualdades
oportunidades historicamente? Como sociais. Segundo a pesquisa, estas
garantir igualdade de acesso na estudantes enfrentam constantemente
barreiras para obter auxílios financeiros; prerrogativa do nada de nós sem nós foi
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não sentem que podem ser elas mesmas reconhecida e pactuada pelo Brasil em
na universidade; com mais frequência 1993, mas está constantemente
pensam em trancar o curso; mais ameaçada. Para além do que está na
frequentemente sofrem violências letra da lei, as práticas sociais
dentro da Universidade; sofrem com o demonstram que reconhecer o
racismo dentro e fora da instituição; protagonismo indígena não tem sido
mais frequentemente pensam em tirar a uma tarefa de interesse das instituições
própria vida.; gostariam de participar brasileiras, entre elas, as Universidades.
mais em atividades de organização;
Longe de reduzir representatividade aos
tiveram maior impacto financeiro
espaços decisórios somente, Almeida
durante a pandemia do coronavírus.
(2018) explica que sim a
Verificamos que a ausência das representatividade importa e ela diz da
políticas de assistência estudantil participação de minorias em espaços de
voltadas à estudantes indígenas de poder e prestígio social e pode ter dois
forma diferenciada e ampliada, pode efeitos importantes no combate à
corroborar para a manutenção do discriminação, pois podem propiciar a
fantasma da tutela (BANIWA, 2012) abertura de um espaço frente às
que produz o silenciamento político de reivindicações das minorias e podem
estudantes indígenas e que corrobora “desmantelar as narrativas
para a manutenção do racismo discriminatórias que sempre colocam
institucional. Outro exemplo são os minorias em locais de subalternidade”
órgãos colegiados de decisão dentro das (ALMEIDA, 2018, p. 108). Além
Instituições de Ensino Superior que são disso, a ausência de políticas
compostos em sua grande maioria por institucionais que atentem para as
docentes e minoria por técnicas especificidades indígenas pode
administrativas em educação ou corroborar para práticas cotidianas de
estudantes e não há garantia das paternalismo/tutela no acesso aos
representações indígenas, quilombolas direitos dentro da Universidade. A
ou negras. centralização do atendimento ao público
indígena na Universidade como se fosse
É preciso ressaltar que historicamente a necessário um especialista no estudo
tutela jurídica colocou indígenas como destes objetos demonstra que a
pessoas em processo de civilização e objetificação se expressa na ideia
sob proteção do Estado (BRIGHENTI; estereotipada e de dupla identidade que
NÖTZOLD, 2011). Somente na ora as vê como exóticas, indígenas que
Constituição de 1988 que indígenas geram estranhamento, ora as vê como
conquistaram o estatuto de sujeitos de pessoas embranquecidas, na lógica do
direito. Mas, como aponta Baniwa persistente mito da democracia racial.
(2012), apesar do avanço jurídico há
Considerações finais
ainda hoje um fantasma da tutela sobre
pessoas de diferentes povos indígenas. Considerando que o racismo contra
Isso significa que se decidem aspectos indígenas expresso na Universidade está
da vida destes povos sem a presença ou articulado à desigualdade racial
o protagonismo deles. A Convenção estrutural brasileira permeada pelo
169 da Organização Internacional do discurso do mito da democracia racial,
Trabalho (1989) reconhece que não é compreendemos que as experiências
possível mais falar deles sem eles. Essa destas estudantes não estão isoladas,
mas remontam à colonialidade e ao sociedade? Pode a Universidade operar
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colonialismo na sociedade. Este texto rotinas e comportamentos antirracistas?
buscou, a partir de articulações teóricas,
Apostamos, neste sentido, que é urgente
apresentar algumas reflexões sobre o
pesquisas que passem a questionar o
racismo presente nas Instituições de
lugar da população não indígena que
Ensino Superior, atentando para como o
atua dentro das Instituições de Ensino
mito da democracia racial e a lógica
Superior. É preciso questionar as
colonial no Brasil que coloca estas
pessoas brancas sobre o lugar que
estudantes ora como índias, ora como
ocupam na reprodução das
brancas, retirando-as o estatuto de
desigualdades étnico raciais:
sujeitos de direitos. Neste bojo, nos
entendemos que precisamos avançar em
perguntamos: se o racismo institucional
relação ao papel de trabalhadoras,
é uma das faces da colonialidade
docentes, gestoras – a partir dos
engendrada pela colonização e
privilégios da branquitude – e nas
escravização na América Latina, como
possibilidades de ações antirracistas e
as instituições de ensino podem
interseccionais no contexto das
contribuir para o enfrentamento desta
Universidades que de fato enfrentem o
realidade?
racismo.
Problematizamos como as políticas que
não reconhecem a desigualdade racial
reproduzem o mito da democracia Referências
racial e neste sentido, mais do que ALMEIDA, S. L. de. O que é racismo
reconhecer a realidade desigual estrutural? Belo Horizonte: Letramento, 2018.
racialmente nas universidades, é ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS
fundamental a ação individual, coletiva DO BRASIL. Racismo e subnotificação de
e institucional contrária ao racismo: é casos: COVID-19 e os povos indígenas. Alerta
preciso ser antirracista. Neste sentido, APIB #2, 18 abr. 2020. Disponível em:
https://emergenciaindigena.apiboficial.org/racis
finalizamos este artigo com alguns
mo-e-subnotificacao-de-casos. Acesso em: 01
questionamentos, buscando abrir jun. 2021.
fissuras no pensamento colonial: por
que ainda não há pleno reconhecimento ASANTE, M. K. Afrocentricidade como Crítica
do Paradigma Hegemônico Ocidental:
institucional da desigualdade racial introdução a uma ideia. Ensaios Filosóficos, Rio
vivida pelos povos indígenas no Brasil e de Janeiro, v. XIV, dez. 2016. Disponível em:
na Universidade? Por que não se discute http://ensaiosfilosoficos.com.br/Artigos/Artigo1
uma Política de Assistência Estudantil 4/02_ASANTE_Ensaios_Filosoficos_Volume_
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