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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DE


GUARULHOS

TÓPICOS EM HISTÓRIA, CULTURA E LINGUAGENS AFROBRASILEIRAS

CARINA ZDUNIAK (5º termo/vespertino – 167.367)

“CAÇADAS DE PERDINHO”
UM TEXTO LITERÁRIO INFANTIL RACISTA A ESPERA DE
ADAPTAÇÕES

GUARULHOS
2023
RESUMO

Esse artigo vai retomar as discussões do racismo no texto literário infantil de


Monteiro Lobato, o livro “Caçadas de Pedrinho”, identificado em diversos estudos e
objeto de denúncia ao Ministério da Educação com consequentes passeios políticos que
perdurou mais de doze anos no judiciário, chegando a Suprema corte, o STF, para
definição das minucias de tratamentos, mas somente para que os advogados fossem
alertados do óbvio, a ausência de previsibilidade deste órgão para julgar. Mais
profundamente, por meio da exposição legislativa vigente, objetiva provocar a
comunidade quanto às consequências do retardamento das medidas pertinentes de retirada
do livro do contexto escolar, revisão, adaptação para que então possa retornar às
prateleiras das Bibliotecas Escolares das escolas de públicas e privadas. Sendo que, para
contextualizar foram realizadas diligências nas Bibliotecas Escolares de setes escolas
públicas das periferias paulistanas.
Será abordado de maneira sucinta a construção da identidade do negro a partir das
mimesis dos textos literários, como quando da ausência de conteúdo apresentando o negro
afrodescendente como sujeito pertencente a cultura e história que não fora apresentada, e
quando raramente é mencionada, está repleta de estereótipos e representações pejorativas.

PALAVRAS- CHAVE: Caçadas de Pedrinho – literatura infantil racista – negligência

CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NEGRA sob a égide eugenista do século XX

O texto foi publicado em 1933, no ano seguinte, o artigo 138 da Constituição


Federal de 1934, abarcará a Educação eugenista como princípio, senão vejamos
"Estimular a educação eugênica; f)Adotar medidas legislativas administrativas tendentes
a restringir a moralidade e a morbidade infantis; e de higiene social, que impeçam a
propagação das doenças transmissíveis.", note-se que o referido artigo ainda trará
justificativa de estão protegendo as crianças brancas, destinatárias do direito, das supostas
doenças que outros povos vão propagar, tornando mais absurda ainda para a democracia
de hoje. Um período repleto de mecanismos perversos que impulsionavam fortemente
contra a existência de pretos, pardos, indígenas e demais comunidades excluídas do
modelo de sociedade do século XX.
Apesar de não positivados, muitas outras facetas da sociedade foram conduzidas no
sentido de "higienização racial", Domingues (1930 apud ROCHA,2010) explica que a
eugenia positiva que pairou naquele período em diversos países no mundo e no Brasil
inclusive

visa uma ação social que favoreça a fecundidade dos elementos normais,
criando meio legais e humanitários que facilitem a vida familiar e aumentem
os recursos indispensáveis á educação dos filhos. As medidas de ordem
negativa são em geral de caráter proibitivo para os indivíduos portadores de
um mal hereditário ou mesmo congênito, a fim de reduzir os elementos raciais
inferiores.

Por óbvio, Monteiro Lobato e a sociedade da década de 30 eram eugenistas, sendo


ele um escritor, vai compor a massa de produções literárias racistas as quais almejamos
combater com veemência. Moscovici (1981 apud CAMPOS, 2019) vai dizer que para
definirmos as representações sociais, é necessário que entendamos um conjunto de
conceitos, proposições e explicações no cotidiano, que por suas vezes, em relação ao
negro do século XX era repleto de distorções para justificar o mal cometido e permeado
nas ações do Estado.
Em havendo um esforço sem precedentes por parte do Estado esturturador da
hégide racista em excluir a população negra, não há equiparação de polos no combate e,
assim, o negro brasileiro marginalizado enfretará extrema dificuldade da afirmação de
sua identidade em função do preconceito e das discriminações enfrentadas
historicamente, que dentre muitas outras, terá como consequência a autoestima
fragmentada, apatia e a assunção do discurso da inferioridade e da auto responsabilidade
pela ascensão social atribuída pela coletividade que o discrimina (ROCHA, 2009 apud
CAMPOS, 2019).
Bento (2012 apud CAMPO 2019), explica que essa mácula ao corpo negro, no
Brasil, geralmente são difundidos pelos meios de comunicação que cria-se e difunde-se a
ideia de um corpo feio, promíscuo, sujo, malcheiroso e com um cabelo ruim, na criança
negra, isso gera vergonha e afetará sua autoestima, que muitas vezes acontecerá na
educação infantil e a acompanhará por toda a vida escolar . E Silva (2004 apud CAMPOS
2019) complementa afirmando que o livro didático, em sua grande maioria, omite o
processo histórico e cultural, o cotidiano e as experiências do negro, que quase em sua
totalidade, estará ausente e suas raras aparições de forma estereotipadas concorrendo para
o recalque de sua identidade e autoestima.

O BRASIL E SEUS RACISMOS

As lentes de análise do texto literário infantil de Monteiro Lobato deste artigo, será
pautada nos dispositivos legais de abrangência nacional e legislação especial, na
perspectiva de Silvio Luiz de Almeida, o qual define por racismo
é uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como
fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou
inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios, a depender
ao grupo racial ao qual pertençam.(ALMEIDA, 2018, p 25).

Note que, para Almeida, o racismo se configura de forma sistemática nas práticas
conscientes e inconscientes de desvantagens e privilégios, a depender do grupo racial o
qual o sujeito é pertencente. Por certo, a leitura da obra literária infantil lobatiana, nos
remete a um outro período da história, em que a literatura infantil, em grande maioria era
escrita pelos grupos dominantes, que inclusive era regido por um sistema de normas
morais e positivadas que determinava a educação eugênica, como veremos mais adiante.
Nesse diapasão, nos depararemos com outro aspecto predominantemente
importante para a compreensão do racismo, que é o racismo estrutural, onde Almeida
(2019, p.15) vai dizer que : "o racismo é a manifestação normal de uma sociedade, e não
um fenômeno patológico ou que expressa algum tipo de anormalidade.".
Essa explicação nos permite enxergar que, conforme fora mencionado, toda a
estrutura da atual conjectura social abarca a normalidade da prática racial, por diversos
aspectos e fundamentos, sejam eles de ordem da própria história fundadora do Estado
brasileiro em seu amplo arcabouço de normas e espaços de poder, que eram
hemonicamente ocupados por lideranças que objetivaram a hegemonia e assim
desqualificavam a cultura, história e identidade dos grupos raciais dominados. E desta
forma, nas mimesis da literatura (COMPAGNON, 2012 p.96 e 97), os representará com
adjetivos que marquem os traços estereotipados, não apenas em decorrência da busca da
receptividade positiva e de prestígio cultural da comunidade por quem a escreve, mas
também, pelos próprios valores subjetivos, tão bem analisados na linguisteria lacaniana,
em que se é possível analisar questões não explicitadas no texto literário, mas que residem
no subconsciente de quem o escreveu, no caso, os ideias racistas de Monteiro Lobato no
texto Caçadas de Pedrinho, quando da representação da personagem negra, Tia Nastácia.

Para que a sociedade brasileira estruturada nos racismo condicionasse as práticas


de privilégios e desvantagens, se utilizaram de diversos mecanismos cruéis cerceadores
da ascensão de outras raças, na dialógica cultural que estava sendo implantada, e um
deles, era definição do ideal identitário branco, eurocêntrico de pertencimento a elite
burguesa nacional, sendo estas características que excluíam dos espaços de poder, tais
como a escola, como instituição de letramento e acesso a institutos complexos balizadores
do ordenamento político como a própria compreensão sobre a eugenia pelo grupo
discriminado. A continuidade da reflexão esbarrará em outra definição defendida por
Almeida (2019, p. 27)

No caso do racismo institucional, o domínio se dá com o


estabelecimento de parâmetros discriminatórios baseados na raça, que servem
para manter a hegemonia do grupo racial no poder. Isso faz com que a cultura,
os padrões estéticos e as práticas de poder de um determinado grupo tornem-
se o horizonte civilizatório do conjunto da sociedade.

Apesar de os inúmeros direcionamentos jurídicos no sentido de incluir as


populações discriminadas outrora, a prática institucional ainda se mostra muito distante e
pouco interessada em cumpri-los efetivamente, é o que vamos estudar, na pesquisa
documental deste artigo, a qual, em visita a sete bibliotecas escolares na megalópole
brasileira, identificou que o Estado democrático de direitos continua negligenciando a
população negra na propagação das ideias discriminatórias, veremos em breve.
A injustiça cultural, histórica e identitária, se torna ainda mais nefasta quando
cometida contra a criança, nos poderes atribuídos ao Estado, no âmbito educacional, que
na tentativa de silenciamento, configurado como negligência institucional, considerando
o poderio intelectual daqueles que induzem o incitam a leitura e ideias no texto
apresentado.
Para Bourdieu (1989. p.10) "A igualdade formal que pauta a prática pedagógica
serve como máscara e justificação para a indiferença no que diz respeito às desigualdades
reais diante do ensino e da cultura transmitida, ou melhor dizendo, exigida.".
Evidentemente, um texto que representa a identidade da única personagem negra, com
estereótipos que vão subjugá-la a ser menos capaz, em suas atividades motoras e
psicológicas, além de sua aparência estética, do que animais, como o Marquês de Rabicó
e assemelhá-la a uma macaca. Que em detrimento aos demais personagens é perceptível
que se almejava propagar a identidade do negro, quando inserido forçosamente, em
maioria, no modelo civilizatório branco e eurocêntrico, como inferiorizada.

CONTEXTO – realidade fática e legislação, ele ainda está lá

Apesar de muitos esforços em tentar politizar a retirada do texto racista das


bibliotecas escolares para adaptação, por meio das considerações e orientações dos
famosos pareceres do CNE 15/2010 e 06/2011, bem como as tentativas de intermédio do
judiciário anular o segundo parecer no Mandado de Segurança nº 30.952, a única vitória
efetiva foi a de trazer visibilidade ao texto, que sua vez, permanece onde está, nas
prateleiras, acessado por todas as crianças negras ou não, que quiserem lê-lo e multiplicar
ainda mais os estereótipos racistas nele exprimido.
Para investigar se alguma medida efetiva fora adotada pesquisei em sete bibliotecas
escolares no município de São Paulo, as quais foram selecionadas: 1 – existência de
biblioteca escolar, 2 – ensino fundamental, 3 – maior quantidade de alunos de cor preta,
conforme Mapeamento do perfil dos alunos de 2023 de todas as escolas da rede pública
do município de São Paulo. A pesquisa documental se limitou em identificar a existência
do texto literário “Caçadas de Pedrinho”, leitura para identificar a permanência da
representação da identidade da personagem negra pejorativisada e racista. A qual resultou
positiva para a confirmação que todos os textos acessados possuem a mesma redação e
quanto as edições, ano e editora, a amostragem a seguir:

DATA DA
NOME DA BIBLIOTECA QUANTIDADE EDIÇÃO ANO EDITORA
CONSULTA
Adelaide de Castro
Alves Guimarães 06/06/2023 1 2ª 2008 Globo
Biblioteca do Céu Azul
da Cor do Mar e CÉU
VILA NOVA 01/06/2023 1 60ª 1994 Brasiliense
Biblioteca do Céu Azul Brasiliense /
da Cor do Mar e CÉU Círculo do
VILA NOVA 01/06/2023 1 60ª 1994 Livro
Eugênia Álvaro
Moreyra 02/06/2023 1 60ª 1994 Brasiliense
Eugênia Álvaro
Moreyra 02/06/2023 1 3ª 2009 Globo
Mario Quintana 06/06/2023 1 3ª 2009 Globo
Jornalista Roberto
Marinho 05/06/2023 1 60ª 1994 Brasiliense
Raquel de Queroz 05/06/2023 3 60ª 1994 Brasiliense

O acervo literário que constrói o instituto da educação no Brasil, é alimentado


constantemente por títutos e diretrizes pedagógicas que buscam equiparar a metodologia
contemporânea, aos objetivos, princípios e normas norteadores da formatação do sistema
de ensino. Sendo que, conforme explica Cândido (2011), em sentido amplo, além de
construção cultural, a literatura é uma necessidade universal e se constituiu em um direito
inalienável do indivíduo, que subjetivamente corresponderá as mimesis (COMPAGNON,
2012, p. 96 e 97), de materialização das ideias ou de imitação da arte, as quais são
resultado ou causa da necessidade criacional ou necessidade da criação ficcional ou
poética, é precisa ser satisfeita. Por diversas vezes, a literatura utilizada como material
didático são aquelas oriundas do conhecimento erudito, escritos predominantemente ou
quase que exclusivamente pelos literários colonizadores, de origem europeia, formados
pelas escolas e metodologia europeia, as quais representarão pessoas negras, repletas de
estereótipos, considerando que a inclusão do negro nesse sistema de sociedade e ensino
vai acontecer vagarosamente, mediante muita resistência e até os tempos atuais sua
identidade na literatura será expressada de maneira pejorativa.
Muito embora, tenhamos um enorme arcabouço legislativo que assegure direitos,
não há que se falar que o Estado democrático na prática pedagógica é capaz de impedir
que haja racismo na representação do negro na literatura ou nos demais aparatos
educativos, como, quando da implantação da biblioteca escolar, uma vez que esta está
intrinsecamente relacionada a expansão dos saberes e o acesso dos estudantes a literatura,
pela mera existência nos limites territóriais da escola, será amplamente estimulado.
Ocorre que, a biblioteca escolar e todos os programas que a englobam também será objeto
de políticas públicas e alvo de normas e diretrizes regulamentadoras, haja vista que mais
importante do que disponibilizar a literatura é assegurar que o conteúdo ela exprimido
compactue com os princípios sociopolíticos arraigados no atual ordenamento jurídico
brasileiro para o ensino ou expansão deste aos estudantes multinível.
Um Brasil positivado, apesar de objeto de muita crítica quanto a eficácia, é o
parâmetro e base assecuratória para delimitarmos as características dessa comunidade,
em seus inúmeros segmentos, principalmente em relação ao sistema educacional e às
crianças. Neste viés, no sentido de manifestar repúdio ao tardio tratamento dos textos
literários infantis de Monteiro Lobato pelo Ministério da Educação, mais precisamente
quanto a representação da identidade estereotipada da personagem negra Tia Nastácia,
apresentarei alguns dos dispositivos legais que protegem às crianças e lhes conferem
direitos de serem detentoras de direitos os quais não devem ser negligenciados.
O artigo 227 da Constituição Federal, tal conhecida como a constituição cidadã,
prevê que
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-
los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão.
Observem que, em meus grifos destaco os sujeitos obrigados, os quais se incluem
a família, a sociedade e o Estado, além dos direitos a educação, cultura, colocando a salvo
de toda forma de negligência, discriminação, violência e crueldade, objetivando
evidênciar que antes mesmo que se faça necessária a complementação de normas
regulamentadora do modus operandi a posteriori, a representação do negro estereotipado
é considerado um ato discriminatório de violência, por meio da crueldade psicológica,
intelectual, moral, social contra a a criança negra, cometido pelo Estado, que será
juntamente com os demais agentes obrigados de protegê-la, negligenciadores quando da
omissão em cessar o acesso destas a este conteúdo após a sua ciência.
Aprofundando os debates, leis específicas tiveram de ser elaboradas para coibir e
socioeducar a população brasileira quanto às práticas discriminatórias, como é o caso da
tipificação penal na Lei de crimes raciais (Lei 7.716/89) de algumas ações que
discriminam pessoas em detrimento de sua raça, cor, etnia, religião ou procedência
nacional, tais quais prevista no artigo 20 “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou
preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a
três anos e multa.”. Neste artigo não estudaremos todos as suas disposições, mas tão
somente àquela praticada pela União, Estado e Município de São Paulo na pessoa do
representante das Bibliotecas Escolares e gestão destas.
O referido dispositivo, claramente colocaria o Estado no banco do réus, quando da
sua incitação e induzimento da leitura do texto literário infantil de Monteiro Lobato, texto
este que, já fora objeto de denúncia de racismo e até a presente não teve o devido
tratamento, pois permanece nas prateleiras de algumas das melhores estruturas de ensino
no Município de São Paulo.
Mais adiante, o Estatuto da Igualdade Racial, em seu artigo 4º, vai minuciar em sete
incisos e parágrafo único, mecanismos de promoção da participação da população negra,
dentre os quais, majoritariamente se manifesta o combate ao racismo estrutural, como a
modificação, aperfeiçoamento, eliminação de obstáculos, promoção de ajustes
normativos e programas para reparar distorções. Restando evidenciado que, a estrutura
histórica, política, econômica, social e cultural é racista. Partindo dessa afirmação é
necessário que, enquanto destinatários desse dispositivo, somos todos, sem exceções,
obrigados a promover práticas antirracistas, nos limites de nossas possibilidades e
capacidades, e o Estado, autossuficiente, independente e autônomo com maior eficácia
em seus mecanismos.
A partir daqui, serei mais enfática quanto a pessoa protegida e o que a legislação
especial discorre sobre os direitos a ela inerentes. No artigo 3º do Estatuto da Criança e
do Adolescente haverá previsão expressa do gozo ao direitos fundamentais e a faculdade
de desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade
e de dignidade. Já o artigo 4º reforçará que é dever da família, da comunidade, da
sociedade em geral e do poder público prioritariamente assegurar a efetivação dos direitos
da criança. No parágrafo único deste mesmo artigo, o ECA garante que os direitos
anteriomente previstos aplicar-se-a a todas as crianças e adolescentes sem nenhum tipo
de discriminação.
Apesar de enfático, ainda é superficial, denunciativo e meramente acadêmico para
fins de estudo, contudo o procedimento de análise desse artigo das ações e omissões,
negligências, violências e crueldade, em desproteção aos direitos fundamentais da criança
e do adolescente, vai adentrar também na esfera do PLANO NACIONAL DE
IMPLANTAÇÃO DAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A
EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E PARA O ENSINO DE
HISTÓRIA E CULTURA AFROBRASILEIRA E AFRICANA, de 2004. Além do teor
compromissário antirracista dos eixos 2 e 5 com questões de ordem discriminatórias na
literatura e materiais didáticos, dentre as ações educativas de combate ao racismo e
discriminações, também vai dispor que
Ações educativas de combate ao racismo e a discriminações:
- Edição de livros e de materiais didáticos, para diferentes níveis e
modalidades de ensino, que atendam ao disposto neste parecer, em
cumprimento ao disposto no Art. 26A da LDB, e,para tanto, abordem a
pluralidade cultural e a diversidade étnico-racial da nação brasileira, corrijam
distorções e equívocos em obras já publicadas sobre a história, a cultura, a
identidade dos afrodescendentes, sob o incentivo e supervisão dos programas
de difusão de livros educacionais do MEC - Programa Nacional do Livro
Didático e Programa Nacional de Bibliotecas Escolares (PNBE).

Não são passíveis de duplas interpretações, o plano prevê que deverá ser reeditado
para corrigir distorções sobre a identidade dos afrodescendentes, inclusive com o
incentivo e supervisão do PNBE, que outrora, nos anos de 1998 e 2003 recomendou a
compra, a qual restou efetivada em todo contexto educacional, do texto literário "Caçadas
de Pedrinho" de Monteiro Lobato, mesmo com tantas normas vigentes.
No sentido de nortear principíos, diretizes e bases normativas de todo o sistema de
ensino nacional, instituiu-se a Lei 9.394/96, sendo certo que, especial e
infraconstitucional, cuja aplicabilidade se fará somente contexto da educação e seus
setores, responsável pelo desenvolvimento intelectual, cultural, moral, social e
psicológico de crianças e adolescentes está sujeita a seguir todos os ditames da
Constituição Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto da Juventude, apesar
de não mencionado, Lei de Crimes Raciais e Estatuto da Igualdade Racial. Tão logo, no
artigo 3º, XII determina que a consideração com a diversidade étnico-racial é um princípio
basilar da educação. Um pouco mais adiante, no artigo 26-A com primazia obriga todas
as instituições de ensino fundamental e médio, públicos e privados, o ensino da história e
cultura afro-brasileira, uma vez que, não fora considerado ou contado quando da
exploração da mão-de-obra escravagista dos povos de origem africana no país e todos os
esforços de distanciá-los ou eliminá-los na estrutura de sociedade "ideal" de seus tempos.

A BIBLIOTECA ESCOLAR – monitorar é um dever de todos

Então vamos falar dela, aquela que divulga, expõe, convida, que transforma pela
leitura de textos escritos ou gravuras, nos permite estar imersos, sem sair do lugar, que
modifica e expande, silenciosa por natureza e acolhedora, a Biblioteca Escolar, para Valio
(1990, p.20 apud SOUZA, )
Como mediadora, a biblioteca escolar é uma instituição que organiza a
utilização dos livros, orienta a leitura dos alunos, coopera com a educação e
com o desenvolvimento cultural da comunidade escolar e dá suporte ao
atendimento do currículo da escola. Desse conceito depreende-se que a função
da biblioteca escolar é incentivar a leitura dos alunos, tendo como objetivo a
formação dos futuros leitores, e oferecer as condições necessárias à
comunidade escolar, através da facilitação dos serviços de informação, em
benefício do desenvolvimento do currículo e da competência do aluno para
aprender a aprender.
O monitoramento e atualização do acervo é imprescindível e um dever de todos,
considerando a extensividade do alcance da leitura, pensamentos oriundos desta e
materialização nas ações cotidianas a partir do que permite ser modificado quando da
leitura. Nesse prisma, concorda e defende Barreto (??)
Para atualizar e melhorar o acervo, é preciso solicitar a ajuda de todos:
governo, direção da escola, comunidade, professores, alunos, funcionários e
editoras. Todos podem e devem contribuir para a melhoria do acervo da
biblioteca escolar, começando pela seleção do que é conveniente doar para o
local. Tal doação não ocorrerá porque está atravancando a casa, mas porque
será útil e despertará o interesse dos usuários.
Disponibilizar livros de qualidade também é imprescindível. Dessa
forma, os usuários poderão escolher entre o que há de melhor e mais atual no
mercado editorial. Assim será possível fazer a real democratização do
conhecimento e da leitura. O usuário da biblioteca escolar deve ter acesso não
apenas a livros didáticos (de qualidade), mas também (e principalmente) a
obras literárias clássicas (originais e/ou adaptadas) bem como a obras atuais.
Revistas, jornais e histórias em quadrinhos também devem fazer parte do
acervo da biblioteca escolar.

Ela vai nos conectar a um panorama o qual discutimos e é pouco exemplificado, os


reflexos do sistema de governo vigente na qualidade da literatura e leitura produzida e
disponível. E nesta toada me permito adentrar para mais uma vez contra argumentar a
permanência do texto literário infantil "Caçadas de Pedrinho" nas prateleiras das
Bibliotecas Escolares a disposição da leitura das crianças, que estão em processo de
formação de suas concepções identitárias sobre si e sobre os demais pertencentes a
sociedade em que vive.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse artigo buscou expor que o racismo é uma característica estruturadora do


modelo de sociedade atual, bem como que o texto literário “Caçadas de Pedrinho”
Monteiro Lobato é e já fora reconhecido pelo MEC como racista, e que apesar de toda a
repercussão nacional sobre a temática, o livro permanece apresentado nas bibliotecas
escolares pesquisadas com os mesmos estereótipos identitários da personagem negra Tia
Nastácia em todas as edições consultadas. Ademais restou evidenciado que é um dever
de todo áquele que toma ciência do fato, impedir que às crianças, especialmente às negras,
sejam expostas a textos como estes, violentos, cruéis e discriminatórios, escritos em um
período sociocultural o qual investimos muitos esforços para reconfigurar sob a
perspectiva do atual sistema normativo formatador do Estado democrático de direitos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo : Sueli Carneiro. Pólen.
2019
BOURDIEU, P. A Escola conservadora e as desigualdades frente à escola e à
cultura. In: CATANI, A. (org). Escritos de Educação. Petrópolis: Vozes, 1998.
CANDIDO, Antonio. O direito à Literatura. In: ______. Vários escritos. São
Paulo: Duas Cidades, 1995.
CAMPOS, Rosália Maria Rodrigues de. Uma análise do negro no material didático:
avanços e permanências. Campinas/SP. 2019
COMPAGNON, Antoine. 2001. O mundo e: o demônio da teoria: literatura e senso
comum. belo Horizonte: ufmg, pp. 97-138
MIGUEL, Adilson. Lobato e o racismo. Revista Emília. Disponível em:
https://emilia.org.br/lobato-e-o-racismo/. Acessado em: 20/06/2023
ROCHA, Simone. Eugenia no Brasil: análise do discurso 'científico no Brasil' no
Boletim de Eugenia: 1929-1933. São Paulo, 2010

REFERÊNCIA LEGISLATIVA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL 1988


CONSTITUIÇÃO FEDERAL 1934
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL
LEI 9.394/96
LEI 7.716/89
PLANO NACIONAL DE IMPLANTAÇÃO DAS DIRETRIZES
CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-
RACIAIS E PARA O ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFROBRASILEIRA E
AFRICANA

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