Você está na página 1de 14

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DE


GUARULHOS

HISTÓRIA MODERNA DO ORIENTE MÉDIO

Professor Youssef Alvarenga Cherem

CARINA ZDUNIAK (6º termo/vespertino – 167.367)

TRABALHO AVALIATIVO

À LUZ DA FRANÇA:

a vitória da Revolução Francesa no campo da educação dos operadores do


governo otomana frente as tradições islâmicas no Tanzimat de Muhammad Ali

GUARULHOS

2023
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 2
CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA ................................................................ 3
40 anos de desenvolvimento do Egito ............................................................ 3
ILUMINADOS PELA REVOLUÇÃO FRANCESA
O Império Otomano na primeira carteira da sala de aulas ........................... 4
Essa relação precisa de tradução para sair fortalecida................................... 6
O legado da ocidentalização educacional Muhammad Ali no Tanzimat .......... 7
E os impactos? .............................................................................................. 10
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 12
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA................................................................... ..13

1
INTRODUÇÃO

Dentre uma série de acontecimentos mundiais que impactaram as


estratégias implementadas por Selim III (1.789 a 1.807), nos depararemos com
os resquícios da guerra entre Grã-Bretanha e a França de Napoleão que
envolveram o Egito, o qual, posteriormente se tornou vencedor em seu território.
Contudo, após a retirada de Napoleão, a herança da guerra no Egito foi o acesso
à diversas tecnologias e estratégias da Revolução Francesa, por meio dos
engenheiros e químicos franceses que permaneceram em território egípcio,
além, é claro, da ciência inequívoca do interesse francês das commodities que
eram exportadas a Grã-Bretanha. Ao final da guerra, Muhammad Ali, estava no
comando do contingente albanês de evacuação dos franceses, que por seus
méritos foi reconhecido por Istambul e nomeado governador. Representado por
um período de grandes transformações políticas e econômicas no Império
Otomano, em 1.805, o Tanzimat de Ali aconteceu no Egito, entre os séculos XVIII
e XIX. Ali, também reconheceu na França um potencial jamais degustado antes
pelas tradições otomanas de educação e formação para todos os mais
renomados membros do governo, pertencentes a elite, quando assumissem
seus cargos, ou mesmo para aqueles escolhidos e não detentores de tais
conhecimentos. Assim, tanto no governo de Muhammad Ali, quanto em todo o
Tanzimat, organização militar, a ciência, tecnologia, comercio e língua oriundos
da França e tudo que se correlacionam, tal como textos jurídicos, vestimentas
laicização, seriam de grande privilégio e exaltação.

CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

O início do século XVIII, quando o Império Otomano recebeu Muhammad


Ali para governa-lo, final do período do sultanismo de Selim III, a principais
características eram a descentralização e absolutismo do poder, instaladas por
fortes pressões internas: descentralização do poder estatal otomano de controlar
seus territórios, redução gradativa do absolutismo dos sultões, aumento do
poder e riqueza de seus funcionários, os janízaros passaram a representar uma

2
ameaça para o Estado, a burocracia se tornou mais evidente e marcada pelo
nepotismo, os ulemás serão considerados autoridades independentes, perdas
territoriais permanentes se tornaram comuns na segunda metade do século e os
privilégios das lideranças locais pela descentralização do poder, inclusive na
Anatólia, onde os senhores locais ganharam graus crescentes de autonomia em
Istambul, estabelecendo principados. Estes últimos, não almejavam derrubar o
Estado autônomo, apenas distanciar-se da sua autoridade, cobrar e controlar
receitas geradas em seu território e transmitir sua autonomia a seus herdeiros.

40 anos de desenvolvimento do Egito, interno e imperial

Ao assumir o governo do Egito, em 1.805, Muhammad Ali, passou a adotar


uma série de medidas, no que vamos chamar de inspiração francesa, que
compactuaram com seus dois principais objetivos, a independência do Egito e a
hereditariedade do poder. Durante os quarenta anos de gestão, Ali remodelou
as forças armadas de acordo com as linhas europeias, reorganizou a
administração, instalou a burocracia centralizada, mudou os padrões de
propriedade da terra e produção agrícola, introduziu a indústria, conquistou um
império que na década de 1.830 incluía o norte do Sudão, a costa ocidental da
Arábia Saudita, Grande parte da Síria e partes do sudoeste da Anatólia,
estabeleceu a subordinação do Egito a um Estado incipiente, com novas regras
na administração, fiscal e pessoal, além de, destituir os mamelucos em 1.811,
em decorrência da forte resistência e oposição as mudanças militares.

É de suma importância para esse estudo pontuar que, todas as mudanças


de Ali fortaleceram o Egito e o colocou em contato com diplomatas e
comerciantes da Europa Ocidental. Em evidência do sucesso de seus objetivos,
o envio de várias missões de treino para Europa, alcançou experiência e
conhecimento de línguas europeias, impactando diretamente no futuro do Egito,
que vão muito além daquele conhecimento obtido conforme as tradições
religiosas, militares e artesanais antigas.

Com o fito de viabilizar a expansão dessa dialógica, fundou instituições de


ensino destinadas a formar especialistas nos serviços de apoio exigidos pelos

3
militares, durante vinte anos, tais quais, escola de medicina e medicina
veterinária, engenharia e química, que, com o tempo passaram a exceder os
interesses e objetivos militares e servirem a administração de Ali como um todo.

Assim como os demais, Ali governará com fortes imposições de interesses


e imediatismo de execução e sem receio das mudanças, no entanto, os meios
de incursão de estratégias, tecnologia e educação francesas, como também a
forma de se relacionar com a Europa vai conduzir todo o período de seu plano
de governo, apesar de seu monopólio doméstico irritar profundamente os
europeus.

ILUMINADOS PELA REVOLUÇÃO FRANCESA

O Império Otomano na primeira carteira da sala de aulas

Em uma tentativa de produzir um quadro de egípcios com conhecimento


das ciências militares europeias, enviou várias missões de treino à Europa,
principalmente a França. Os membros destes grupos de estudantes, ao
regressarem ao Egito com experiência da Europa e conhecimento das suas
línguas, tiveram um impacto na direção futura do seu país que se estendeu muito
além das origens estritamente militares da sua formação. Além de proporcionar
a formação específica de oficiais combatentes, Muhammad Ali fundou
instituições de ensino destinadas a formar especialistas nos serviços de apoio
exigidos pelos militares. Durante um período de vinte anos, começando no início
da década de 1820, escolas de medicina, medicina veterinária, Muhammad Ali
liderou o Egito passou por um intenso período de transformação e estabeleceu
a dinastia que governou até 1952 (Cleveland e Buton, 2009).

No decorrer do tempo, estes também teriam influência para além da sua


intenção militar inicial. Um programa tão intensivo de ensino superior orientado
para assuntos ocidentais trouxe consigo um esforço simultâneo para produzir
livros didáticos e manuais de instrução adequados.

4
Clevaland e Buton (2009) vão dizer que, em 1835, Muhammad Ali fundou
a Escola de Línguas com o propósito expresso de treinar tradutores e preparar
livros didáticos de árabe para as instituições educacionais estatais. Essa escola
exerceu uma influência importante na direção da vida cultural e educacional do
Egito até ao seu encerramento na década de 1850. Um desenvolvimento
relacionado foi a fundação de uma gráfica governamental que publicou os
materiais traduzidos, imprimiu decretos governamentais para distribuição e
lançou o primeiro jornal em língua árabe, al-Waqai al-Misriyyah (Diário Oficial),
em 1828 e para manter seus funcionários informados sobre seus programas, o
sultão fundou um diário oficial, Takvim-i Vekayi (Calendário de Eventos), em
1831, o primeiro jornal a ser publicado na língua turco-otomana, tornou-se leitura
obrigatória para todos os funcionários públicos.

A aceitação da imprensa escrita, inspirada pelos franceses, representou


uma ruptura com a cautelosa tradição cultural do mundo otomano e foi da maior
importância na promoção da difusão das ideias ocidentais junto da elite educada
da sociedade egípcia.

Para além das salas de aulas, conforme explica Cleveland e Buton, outras
influências europeias penetraram nas forças armadas através da infra-estrutura
educacional estabelecida por Mahmud II, sultão otomano de 1.808 a 1.839, em
1827, uma escola de medicina para militares foi fundada em Istambul, e em 1834
o sultão abriu o Imperial War College, onde o ensino era em francês.

Muhammad Ali, a luz de Cleveland e Buton (2009), passa a inspirar o


sultão, que começou a enviar grupos de estudantes para a Europa para estudos
avançados, garantindo assim um maior compromisso com os modelos europeus
entre os membros do novo corpo de oficiais. No mesmo ano em que os janízaros
foram destruídos, Mahmud II também aboliu as unidades sipahi e formou uma
cavalaria assalariada profissional. Um desenvolvimento relacionado foi a
eliminação do sistema timar em 1831. As reformas de Mahmud II também não
se limitaram aos militares.

Na ótica dos planos de Ali, o sultão, almejando a expansão da eficiência


administrativa do Estado e restabelecer a autoridade real na condução dos
negócios, o sultão empreendeu uma reorganização da burocracia. Ele aboliu

5
antigos cargos, introduziu novas linhas de responsabilidade num esforço para
criar ministérios de estilo europeu e aumentou os salários numa tentativa de
acabar com o suborno. Assim como os uniformes franceses simbolizavam o
exército pós-janízaro, a substituição do turbante e do manto pelo fez e pela
sobrecasaca entre a burocracia representou os esforços de Mahmud II para
forçar a europeização dos civis. Em 1838, o sultão fundou duas instituições para
a formação de altos funcionários. Ambos ofereciam uma mistura de disciplinas
convencionais e seculares e, significativamente, incluíam instrução em francês.

Essa relação necessita de tradução para sair fortalecida

O plano de Muhammad Ali era brilhante para Mahmud II, no entanto,


mesmo que tenha havido a produção de livros didáticos e manuais de livros
instrução adequados ao Ensino Superior, envio de funcionários para aprender a
língua francesa in loco e todas as políticas internas de capacitação dos militares
e áreas correltas, a capacidade do império para negociar tratados e alianças foi
severamente prejudicada pela escassez de funcionários com conhecimento de
uma língua europeia.

Já na década de 1.830, Mahmud II agiu para preencher esta lacuna,


restabelecendo as embaixadas otomanas na Europa e abrindo um escritório de
tradução para lidar com a correspondência estatal e treinar funcionários
otomanos em línguas europeias. Tanto as embaixadas como o escritório de
tradução provaram ser importantes campos de formação para a próxima geração
de funcionários públicos. Sob Mahmud II, a autonomia dos derebeys foi
restringida, os janízaros destruídos e a burocracia reorganizada e tornada
dependente da autoridade direta do sultão. Uma questão mais delicada era como
limitar o poder dos líderes ulemás que tinham sido fundamentais na derrubada
de Selim III.

A herança de Muhammad Ali, foi a criação de um ambiente em que a


nova elite – apropriadamente denominada “os conhecedores franceses” – foi

6
favorecida (Cleveland e Buton, 2009). À medida que o sultão se comprometeu
com as reformas europeias e à medida que a pressão económica e militar
europeia sobre o império aumentava, aqueles que conheciam costumes
europeus e línguas europeias foram nomeados para os cargos mais altos do
comando militar e da burocracia civil.

Os oponentes da reforma foram eliminados ou, como no caso dos


ulemás, gradualmente contornados. Após a morte de Mahmud II, os membros
desta nova elite, formados no escritório de tradução, nas embaixadas europeias
e nas academias militares, continuaram as suas reformas e inauguraram uma
nova fase na transformação do sistema otomano.

O legado da ocidentalização educacional Muhammad Ali no Tanzimat

O trato e desenvolvimento dos métodos europeus de administração,


educação e organização política provocou uma expansão contínua do papel do
Estado e foi acompanhada por uma necessidade premente de administradores
qualificados e especialistas técnicos. Os europeus preencheram muitos destes
cargos, mas as novas escolas patrocinadas pelo Estado produziram um número
crescente de licenciados otomanos e egípcios que rapidamente ascenderam aos
escalões superiores da hierarquia estatal. Embora os fundamentos islâmicos da
sociedade não tenham sido abertamente questionados pela nova geração de
funcionários formados no Ocidente, as suas políticas tenderam a reduzir o
significado institucional do sistema religioso e a aumentar as oportunidades
disponíveis para os indivíduos formados tal como eram.

O período de 1839 a 1876 é conhecido na história otomana como Tanzimat


(literalmente, reorganização) e marca a fase mais intensa da atividade reformista
otomana do século XIX. O associado de Ali Pasha nas últimas duas décadas do
Tanzimat, Fuad Pasha (1815-1869), iniciou seus estudos superiores na escola
médica militar fundada por Mahmud II e depois foi transferido para o escritório
de tradução. Esta formação educacional abriu uma nomeação para a embaixada
otomana em Londres que, por sua vez, levou à promoção de Fuad, em 1852, ao

7
primeiro de cinco mandatos como ministro das Relações Exteriores. Fuad Pasha
foi o mais europeizado dos três homens e era famoso nos círculos diplomáticos
pela sua inteligência devastadora expressa em francês perfeito.

Assim, numa tentativa de tradução das palavras de Cleveland e Buton


(2009), enquanto as políticas educativas de Mahmud II se concentravam na
formação de oficiais e médicos para as forças armadas, os funcionários da
Tanzimat estabeleceram instituições de ensino superior para civis. As duas mais
importantes deles foram a Escola da Função Pública (1859) e o Liceu Imperial
Otomano de Galatasaray (1868). O impacto destas duas escolas, juntamente
com a anterior escola de guerra, na formação da elite política e administrativa
otomana dificilmente pode ser subestimado.

Aqueles graduados das três instituições desfrutaram de uma elevada taxa


de sucesso na obtenção de empregos públicos e ocuparam posições de
autoridade na Turquia e nos estados árabes até meados do século XX. Além da
sua preocupação com o ensino superior, os reformadores do Tanzimat
elaboraram propostas para um elaborado sistema de escolas secundárias e em
1847 criaram um Ministério da Educação como um braço do Estado. Embora o
desenvolvimento das escolas secundárias tenha sido lento, o próprio ato de as
criar e de as colocar sob o controlo de um ministério central constituiu uma
expansão do papel do Estado numa área que anteriormente não era considerada
parte da sua responsabilidade e marcou mais um passo em direção ao
estabelecimento de um sistema educacional fora do controle dos ulemás.

Embora os notáveis árabes locais se opusessem geralmente ao Tanzimat,


podiam ver que os cargos de autoridade administrativa no estado otomano em
mudança eram atribuídos a jovens formados nas escolas públicas. A partir da
década de 1870, muitas das principais famílias árabes adotaram a prática de
matricular os filhos nas academias superiores de Istambul. Ao concluírem os
estudos, esses jovens árabes obtiveram cargos na burocracia otomana e, assim,
deram às suas famílias acesso ao governo. Na verdade, durante todo o
Tanzimat, a elite urbana árabe conseguiu preservar os seus privilégios e tornar-
se indispensável aos funcionários otomanos enviados de Istambul. A política dos
notáveis sobreviveu às reformas centralizadoras.

8
Ismail, uale e posteriormente quediva do Egito e do Sudão de 1.863 a
1.879, encorajou o desenvolvimento de uma elite egípcia com educação
europeia. Ele aumentou o orçamento para a educação em mais de dez vezes e
iniciou um programa para expandir os sistemas de ensino primário e secundário
e para fundar instituições técnicas e vocacionais especializadas.

O Dar alUlum, fundado em 1872 por insistência de Ali Mubarak, pretendia


requalificar os formandos das escolas religiosas para se tornarem professores
de árabe no novo sistema nacional primário e secundário. Como principal escola
moderna de formação de professores do país, Dar al-Ulum tornou-se uma das
maiores e mais bem-sucedidas das novas instituições de ensino superior.

A Escola de Línguas, reaberta em 1868, era muito mais elitista e de


orientação europeia.

Em 1886, a instituição evoluiu para a Escola de Direito do Cairo, oferecendo


aos seus alunos uma educação jurídica baseada na França que os tornou um
dos candidatos mais procurados para empregos públicos.

Ismail também reviveu a prática de enviar missões educacionais de


estudantes para a Europa e iniciou o processo de transformação da educação
feminina numa responsabilidade do Estado. Além de fazer estas reformas
educacionais, Ismail fundou uma biblioteca nacional em 1871 e mais tarde
estabeleceu uma série de sociedades científicas e museus. Embora Ismail
encorajasse a formação de uma elite treinada no Ocidente, ele não fez nenhuma
tentativa de alterar a relação entre a monarquia e o povo e não fecharam as
escolas religiosas. Estas escolas, apesar do declínio do seu prestígio,
continuaram a preservar a tradição erudita islâmica, a transmitir valores islâmicos
e a proporcionar oportunidades educativas a um grande número de estudantes.

Conforme explicam Clevelad e Buton (2009), o problema surgiu quando os


formandos das escolas islâmicas procuraram emprego em administrações que
estavam comprometidas, para o bem ou para o mal, com políticas de
ocidentalização.

Não importava quão extenso fosse o conhecimento destes estudantes


sobre o Alcorão ou a sharia, eles não tinham as qualificações para competir com

9
os estudantes formados na Europa ou em escolas de estilo europeu. Ao mesmo
tempo, as oportunidades de emprego no sector de elite tradicional da sociedade
diminuíam à medida que os novos tribunais, as novas escolas e os novos
conceitos derivados do pensamento europeu reduziam o papel dos ulemás à
esfera de atividade mais estreitamente religiosa.

A nova elite favorecida de conhecedores franceses, por mais pequena que


fosse, exerceu um domínio crescente na direção dos assuntos de Estado,
enquanto os educados religiosamente descobriram que a sua formação outrora
respeitada tinha aplicação limitada. A natureza dolorosa da mudança imposta é
captada na observação de Fuad Pasha, o ministro otomano, a um diplomata
europeu: “O nosso Estado é o Estado mais forte. Pois vocês estão a tentar
causar o seu colapso a partir do exterior, e nós, a partir de dentro, mas mesmo
assim ele não entra em colapso.” (Cleveland e Buton, 2009).

Esse dualismo teve um efeito de divisão na sociedade como um todo. É


claro que, sempre houve uma enorme distante entre os funcionários instruídos e
a população em geral. Mas à medida que os funcionários instruídos vinham cada
vez mais de escolas ocidentalizadas, a disparidade aumentou. Um recruta
analfabeto da Anatólia rural e seu comandante, que poderia ter sido treinado em
Paris, habitavam dois universos diferentes. O mesmo aconteceu com um shaykh
al-Azhar e um professor da Escola Médica do Cairo. O fosso entre a nova elite e
os sectores tradicionais da sociedade também não foi superado pela
transmissão de quaisquer benefícios óbvios a este último grupo.

E os impactos?

Em 1856, no final da Guerra da Crimeia, Ali e Fuad Pashas encorajaram a


promulgação de um segundo decreto, o Hatt-i Hümayan, no qual os princípios
de 1839 foram repetidos e as garantias da igualdade de todos os súditos foram
tornadas mais explícitas. Assim, muçulmanos e não-muçulmanos deveriam ter
obrigações iguais em termos de serviço militar e oportunidades iguais de
emprego público e de admissão em escolas públicas.

10
A intenção dos dois decretos era garantir a lealdade dos súditos cristãos
do império numa época de crescente agitação nacionalista nas províncias
europeias. Parece que durante o período de descentralização otomana no
século XVIII e início do século XIX, os painços adquiriram um maior grau de
autonomia do que possuíam anteriormente. Os decretos de 1839 e 1856
procuraram quebrar a autonomia religiosa e cultural dos painços e criar a noção
de uma cidadania otomana comum, ou otomano, que em teoria substituiria a
ordem religiosa da sociedade em que os muçulmanos eram dominantes. As
promessas não foram totalmente implementadas, tanto devido à preferência
cristã por novas afiliações nacionalistas como aos persistentes sentimentos
muçulmanos de superioridade, mas a tentativa de substituir a afiliação religiosa
pela identidade secular continuou com a proclamação de uma Lei da
Nacionalidade em 1869.

O Tanzimat foi também um período de promulgação de novos códigos


legais. Tendo o código civil francês como modelo, foram introduzidos novos
códigos penais e comerciais, foi estabelecido um sistema de tribunais seculares
chamado nizame para lidar com casos envolvendo muçulmanos e não-
muçulmanos, e um novo código civil, o Mejelle, foi compilado. Por outro lado, a
organização e disposição do Mejelle foram inspiradas nos códigos jurídicos
europeus e a sua administração foi colocada sob a jurisdição de um recém-criado
Ministério da Justiça.

A era Tanzimat não teve os confrontos dramáticos dos reinados de Selim


III ou Mahmud II, e trouxe longas mudanças, por esta mesma razão, alguns
membros da elite otomana questionaram a sabedoria das reformas e alertaram
que o abandono de instituições islâmicas de longa data em favor da adopção
precipitada de instituições europeias conduziria ao desastre para a ummah.

Outro fato da crescente interação entre o Império Otomano e a Europa foi


um renascimento literário otomano que encontrou expressão não apenas em
géneros estabelecidos como a poesia, mas também em novas formas,
especialmente a imprensa periódica que floresceu sob propriedade privada nas
últimas duas décadas do Tanzimat.

11
Entre os principais contribuintes para o novo jornalismo estava um grupo
de intelectuais e burocratas conhecido como Jovens Otomanos. Não eram uma
organização coerente, mas partilhavam certos valores que apresentavam nas
suas revistas e jornais. Os Jovens Otomanos representam uma tentativa de
reconciliar as novas instituições do Tanzimat com a tradição política otomana e
islâmica. Eles estavam unidos na sua antipatia pelo absolutismo burocrático de
Ali e Fuad Pashas e apelaram ao desenvolvimento de uma forma de governo
mais democrática. Na sua opinião, os dois reformadores colocaram o império na
pior posição possível; tinha sido privado dos seus valores políticos e sociais
islâmicos essenciais, mas não se tinha tornado mais eficiente através da
adopção forçada de instituições europeias.

Os Jovens Otomanos buscaram o melhor dos dois mundos; apelaram à


revitalização do império através da incorporação de modelos europeus
selecionados e, ao mesmo tempo, insistiram na manutenção das bases
islâmicas do Estado e da sociedade.

No entanto, apesar de toda a sua insistência na necessidade de encontrar


fontes de mudança dentro da tradição islâmica, o impacto mais pronunciado dos
Jovens Otomanos resultou da sua elaboração da noção de patriotismo otomano,
destacando Namik Kemal poeta e dramaturgo.

Embora Namik Kemal tivesse convicções firmes sobre a necessidade de


respeitar os fundamentos islâmicos da sociedade otomana, a sua solução
ideológica para o problema da desintegração territorial otomana foi de inspiração
europeia. Estes sentimentos tornaram-se mais difundidos quando, após a morte
de Ali Pasha em 1871, o Sultão Abdul Aziz reafirmou a autoridade real.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise da dialógica estruturante francesa implementada no Império


Otomano, particularmente, a partir do governo de Muhammad Ali no Egito,
buscou demonstrar que, apesar de o Egito ter resultado vencedor na Guerra da
França com a Grã-Bretanha no início do século XVIII, nos demais anos será a
principal professora de toda a administração dessa dinastia, que vai perdurar até

12
aproximadamente 1.950 e, o Egito o estudante mais dedicado, inspirando todo
o Império Otomano. O Tanzimat reestruturador vai garantir que tudo o que os
egípcios puderem fazer para garantir a interculturalidade e situação de
subordinação intelectual com França. Não obstante, as diferenças
socioeconômicas se tornarão ainda maiores, considerando que, os governados
que pertenciam as classes mais baixas e a zona rural, além daqueles que tinham
fortes relações religiosas, não terão acesso as tais instituições de ensino e,
consequentemente, aos cargos de administradores no governo. Vimos que, até
mesmo alguns grupos armados de opositores serão vencidos para que as
estratégias militares ensinadas na França pudessem ser aplicadas. Ainda assim,
as relações coma França serão amplamente bem sucedidas do ponto de vista
educacional.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

CLEVELAND, William L.; BUTON, Martin. A History of the Modern Middle East.
4ª ed. Boulder, Colorado: Westview Press, 2009

13

Você também pode gostar