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A ideia de raça, que foi introduzido na literatura no início do século XIX por

George Cuvier trazendo a idéia de herança física permanente entre os


vários grupos humanos (SCHWARCZ, 2000, p.47), mas atuou na história do
Brasil preponderantemente como fator social e não biológico. Como tal,
norteou relações sociais, à construção de desigualdades e do genocídio
fundamentado no critério de racialização e hierarquização da espécie
humana, trazendo a raça branca como a superior e a raça negra como
inferior. Sendo assim, afirmação raça humana utilizou-se da ciência, mas
com cunho cultural e político, desta forma, “(...) as raças são,
cientificamente, uma construção social e devem ser estudadas por um ramo
próprio da sociologia ou das ciências sociais.” (GUIMARÃES, 2003, p.3).

Como conseqüência do genocídio racial ocorrido durante a Segunda Guerra


Mundial e estudos étnicos do final do século XIX, o termo raça foi
depreciado pela literatura, e solidificou-se o termo etnia, conceituada como
uma rede de solidariedade e laços intelectuais que determina a atração e a
separação das populações, como elas se mantém e determinam seus
códigos de pertencimento. Assim, a etnia representa o resultado da
trajetória construída em determinado grupo social (SILVA, 2006) e é o termo
utilizado para se referir aos agrupamentos humanos que se unem devido a
semelhança cultural, e esta, por sua vez, se distingue das demais.

Em 2001, como resultado da III Conferência Mundial de Combate ao


Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolorância Correlata editou-se
a Convenção de Durban. Este documento é de extrema importância já que
aponta na esfera internacional o reconhecimento das populações de
descendência africana nas Américas e as contribuições culturais,
econômicas, políticas e científicas realizadas por esse grupo, e
principalmente, reconhece que deve ser dado o direito a sua própria
identidade, reafirmando indiretamente a existência da população negra
(item 33, Declaração de Durban), que foi positivamente reconhecida no ano
de 2010 no Brasil, com a edição do Estatuto da Igualdade Racial (art. 1º, IV,
lei n. 12.288/10).

Durante muitos séculos o racismo foi entendido apenas como uma ideologia
na racialização e hierarquização das raças humanas, que impulsionava
condutas de discriminação e exclusão de determinados grupos humanos.
Entretanto, estudos genéticos realizados com base no Projeto Genoma
Humano, concluiram pela inexistência de raças humanas biológicos, mas
ainda assim o racismo persiste e se insere na dinâmica do século XXI.
Neste sentido, Octavio Ianni afirma que:
A questão racial parece um desafio do presente, mas trata-se de algo que
existe desde há muito tempo. Modifica-se ao acaso das situações, das
formas de sociabilidade e dos jogos das forças sociais, mas reitera-se
continuamente, modificada, mas persistente. Esse é o enigma com o qual se
defrontam uns e outros, intolerantes e tolerantes, discriminados e
preconceituoso, segregados e arrogantes, subordinados e dominantes, em
todo o mundo. Mais do que tudo isso, a questão racial revela, de forma
particularmente evidente, como funciona a fábrica da sociedade,
compreendendo identidade e alteridade, diversidade e desigualdade,
cooperação e hierarquização, dominação e alienação (IANNI apud MOORE,
2007, p.288).

Esta estrutura de biopoder para a manutenção do status quo escravocrata


atua limitando o acesso dos demais aos recursos vitais, e também na
ausência de atuação estatal, que tem como resultado o tratamento
diferenciado e desfavorável para determinada etnia. Na configuração
contemporânea da sociedade, o recurso vital se compreende pelo acesso,
como por exemplo, à educação, ao poder político, às oportunidades de
emprego, até mesmo ao direito de ser tratado equitativamente pelo sistema
jurídico, incluindo tribunais e órgãos de repressão como a corporação
policial (MOORE, 2007, p. 284).

Assim, atuando enquanto estrutura e não apenas como ideologia, o


problema central do racismo se transmuta do sentimento de superioridade
para o de constatação de que determinado grupo, de fato, se sedimentou
superior, que “(...) efetivamente vive uma vida superior à daqueles que
oprime. O racista usufrui de privilégios econômicos e sociais que são
negados à população–alvo.” (MOORE, 2007, p. 286).

Neste sentido, considerando os aportes teoricos sobre a questão de gênero


e a questão racial, apontamos para a necessidade de estudos e projetos que
visem a mulher negra, já que é duplamente discriminada, cuja
demonstração estatística foi apontada em tópico especifico.

A V Conferência Mundial da Mulher, ocorrida em Beigin, em 1995, vem se


constituindo em um importante marco para analisar as inter-relações dos
temas gênero e raça/cor no país, uma vez que tem envolvido cada vez mais,
as organizações feministas nesta temática.
A discriminação sobre as mulheres negras perpassa planos não conhecidos
pelos homens do mesmo grupo racial, tais como os reportados aos direitos
reprodutivos, violência doméstica, violência sexual, dupla jornada de
trabalho e demais seqüelas geradas por uma sociedade machista.. Esse
contingente também comumente se vê impactado pelo seu rebaixamento à
condição de objeto de prazer sexual dos homens (especialmente
simbolizado na figura da mulata) e pela constante violação de sua auto-
estima nos planos profissional e estético, e à marginalização no mercado
matrimonial.

Dessa forma, devido a vulnerabilização da mulher negra frete a sociedade,


ela tem especial proteção das cartas internacionais e nacionais de direitos
humanos. De acordo com as Nações Unidas “ os direitos humanos são as
condições de existência que permitem ao ser humano desenvolver-se e
utilizar plenamente sua inteligência e consciência para a satisfação das
exigências fundamentais em sua vida espiritual ou natural “ (MUJICA, 1999).
Dessa forma, foi reconhecido aos direitos humanos um conjunto de
condições materiais e espirituais inerentes ao ser humano, orientadas para
sua plena realização, isto é, no plano material, racional e espiritual.
Antropologicamente, os direitos humanos respondem a idéia de
necessidade, necessidade que tem os seres humanos para viver
dignamente. (SANCHES,2001/2002)

Vale ponderar que muitos desses direitos inerentes a pessoa humana em


determinado momento histórico foram reconhecidos por declarações, em
instrumentos jurídicos internacionais e também no Estado Brasileiro.
Entretanto, outros ainda permanecem sem reconhecimento, mas
fervilhando nas diversas realidades culturais do país. Neste sentido, se faz
necessário abordar com as mulheres afrodescendentes, grupo de
expressiva vulnerabilidade, os direitos que já foram positivados, bem como
aqueles latentes às suas realidades sociais, mas que ainda não foram
reconhecidos, ressaltando que o ensino e a difusão desses direitos são
aportes significativo para sua proteção e efetividade, que de acordo com o
professor Luis Roberto Barroso apresenta a efetividade como um quarto
degrau de análise, que é a avaliação da realização da norma no mundo dos
fatos. (CARVALHO, 2009).

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