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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS - ICHS


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA - DHRI

DISCIPLINA OPTATIVA: As religiões monoteístas e os processos da construção


do “Outro”.

PROF. DR. ALAIN PASCAL KALY

A Descolonização e a Humanização do Currículo Escolar

KARINE DUARTE PEREIRA


MATRÍCULA 2017265282
TEL: (21) 97661-0334

SEROPÉDICA, RJ
Resumo: O nosso modelo de ensino é extremamente colonizado e silenciado sobre a questão racial,
não se fala do racismo antinegro e nem das relações étnico-raciais. Dessa, forma a inclusão da
obrigatoriedade do ensino de História da África e afro-brasileiros tem por objetivo a valorização dos
conhecimentos e cultura africana, rompendo com o mito da democracia racial e promovendo ao
indivíduo negro um sentimento de pertencimento e de identificação histórica.
Foi realizada uma pesquisa bibliográfica, utilizando diversos artigos, para tentar abordar o assunto em
toda sua complexidade, de forma clara e simples, tentando abranger aspectos relacionados à temática.

Palavras chaves - Currículo. Relações étnico-raciais. Racismo

1. INTRODUÇÃO

O seguinte trabalho pretende abordar o motivo pelo qual os alunos provenientes de


origem popular não se reconhecem nos conteúdos trabalhados em sala de aula, e qual é o
impacto do não reconhecimento desses alunos nas temáticas usadas pelos professores dentro
de sala, referente a própria construção da identidade deles.
O currículo escolar legitima o racismo na maneira de como é dado o ensino de
História, pois desempenha o reconhecimento do outro como inferior, desta forma, veremos a
importância da descolonização do currículo escolar de ensino básico.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1. Complexidades de uma única história

A História tal como conhecemos é inventada pelo ocidental com o objetivo de estudar/
compreender o mundo através do tempo. Jack Goody em sua obra “O Roubo da História”, diz
que emitimos uma única visão de mundo, extremamente etnocêntrica, e que a escrita ocidental
é uma arma contra as outras escritas pelo mundo, pois é um discurso sobre o outro contado
por quem detém o saber (Europa) e não pelo mundo. Ou seja, a historiografia ocidental
moderna nos ensina apenas reproduzir o que é passado como verdade absoluta, e assim, não
levar em conta as outras versões da História. Com isso, percebemos o perigo de uma narrativa
histórica única, pois pode ocasionar em um pré-conceito do “outro” que não possui espaço.
Segundo Henrique Antunes Cunha Junior (2015), é necessário reconhecer que o
eurocentrismo sempre produziu os africanos na história da humanidade e do Brasil, com uma
narrativa falsificada ou omitida, a qual possui “uma ideologia que tende a invisibilizar os
africanos e asiáticos enquanto produtores de conhecimentos e a glorificar os europeus como
produtores dos mesmos.” (CUNHA, pg. 108) Vale ressaltar, que História x Poder caminham
juntos, principalmente no colonialismo que consistia em trazer “cultura” para outros povos,
justificando a sua forma brutal de apagamento às outras nações. Além dos estigmas utilizados
como civilização x “barbárie”, que resumidamente era a auto afirmação de que os povos
europeus detinham conhecimento ou se apropriavam do saber “bárbaro” ao seu favor. É nítido
compreender que a relação entre História x Poder, se baseia em uma relação em que quem
produz conhecimento se apropria do próprio meio de reprodução e da visão universal sobre
um povo. Ou seja, o fortalecimento do eixo branco europeu e ocidental veio decorrente de um
processo de extermínio histórico de outras nações não pertencentes ao seu eixo de produção.

É assim que se cria uma única história: mostre a um povo como uma coisa, como
somente uma coisa, repetidamente, e será o que ele se tornará.
[...] Poder é a habilidade de não só contar a história de outra pessoa, mas de fazê-la a
história definitiva daquela pessoa. O poeta palestino Mourid Barghouti escreve que
se você quer destruir uma pessoa, o jeito mais simples é contar sua história, e
começar com “em segundo lugar”. Comece uma história com as flechas dos nativos
americanos, e não com a chegada dos britânicos, e você tem uma história totalmente
diferente. Comece a história com o fracasso do estado africanos e não com a criação
colonial do estado africano e você tem uma história totalmente diferente.
(CHIMAMANDA, TED GLOBAL 2009)

Dessa forma, Nilma Limo Gomes diz que é necessário uma ruptura epistemológica,
romper esse atual modelo educacional, em que precisamos entender que não há hierarquias
entre conhecimentos, mas sim, uma história de dominação, exploração e colonização por meio
de força e violência. E para a autora o fato de ainda existir o silêncio sobre a questão racial
nas escolas e o mito da democracia, nos faz questionar do por que não se fala. E quando é
falado, o que, como e quando se fala. Falar sobre algum tema ou assunto nas escolas, implica
respostas do “outro”, no qual há interpretações diferentes, confrontos de ideias e
questionamentos de poder.
Sendo assim, podemos afirmar que o atual modelo educacional desqualifica os negros,
transmitindo o “racismo desenvolvido para a dominação especifica da população negra no
Brasil”. (CUNHA, pg. 106. 2015) Mantendo assim, um currículo educacional racista,
adoecendo o indivíduo negro, pois não há um sentimento de pertencimento na história, dessa
forma, ele abandona a sua cultura (pois tudo que se remete ao negro é visto como algo
negativo) e a sua história, adotando e embranquecendo suas manifestações culturais. Com
relação, Frantz Fanon em sua obra “Pele negra, máscaras brancas”, diz que o negro sem uma
identidade, tenta se fazer branco negando a si mesmo, com pretensão de buscar privilégios da
existência social e da fala. E essa é uma situação perigosa para o negro, que é justamente o
não pertencimento.

2.2. Humanizando os currículos escolares

De acordo com Nilma Limo Gomes1 o movimento negro contemporâneo pode ser
entendido como um novo sujeito coletivo e político, enquanto movimento social. É uma
coletividade, no qual se elaboram identidades e práticas organizadas para defenderem seus
interesses, há um processo de reconhecimento recíproco. Ou seja, tal movimento social se
constrói à luz de uma realidade de luta.
O movimento negro contemporâneo ressurge a partir de meados da década de 70,
nos finais de um período acentuadamente autoritário da vida política brasileira.
Como o dos movimentos sociais que afloram na mesma época, seu discurso é radical
e contestador. O renascimento do movimento tem sido associado à formação de um
segmento ascendente e educado da população negra, que por motivos raciais, sentiu
bloqueado o seu projeto de mobilidade social. A isso deve ser acrescentado o
impacto nesse grupo de nova configurações no cenário internacional, que
funcionaram como fonte de inspiração ideológica: a campanha pelos direitos civis e
o movimento do poder negro nos Estados Unidos e as lutas de libertação nacional
das colônias portuguesas na África (HASENBALG, pg. 148-149. 1984)

O movimento negro busca implementações de políticas de correção das desigualdades


raciais, isto é, ações afirmativas para a reparação da dívida histórica. Com relação à educação:

“O movimento negro e pesquisadores negros mantêm como uma de suas


reivindicações no campo da educação o ensino de história e cultura afro-brasileiras
como forma de adequar o tratamento do patrimônio cultural negro nos currículos, e
de dar visibilidade ao negro na sociedade brasileira” (SILVA, 2008, p. 93-94)

A Lei 10.639/2003 é caracterizada como uma das ações afirmativas, na qual inclui o
ensino de História da África e dos afro-brasileiros, permitindo ao ensino básico o
conhecimento e questionamentos da nossa sociedade. Com isso, há uma mudança política e
cultural no campo curricular e epistemológico, podendo romper com o silêncio sobre a
questão racial nas escolas e desvendar rituais pedagógicos a favor da discriminação racial.
Nilma Gomes cita:

Nesse sentindo, a mudança estrutural proposta por essa legislação abre caminhos
para a construção de uma educação anti-racista que acarreta uma ruptura
epistemológica e curricular, na medida em que torna público e legítimo o “falar”
sobre a questão afro-brasileira e africana. Mas não é qualquer fala. É a fala pautada
no diálogo intercultural. E não é qualquer diálogo intercultural. É aquele que se
1
GOMES, Nilma Limo. “O movimento negro no Brasil: ausências, emergências e a produção dos
saberes” p. 133 – 154, 2010.
propõe ser emancipatório no interior da escola, ou seja, que pressupõe e considera a
existência de um “outro”, conquanto sujeito e concreto, com quem se fala e de quem
se fala.” (GOMES, 2012)

Nilma Gomes cita Paula Meneses (2007, p. 57) esta diz que a lei tange uma
(re)construção histórica variada e emancipatória, em que se procure construir uma outra
história, mas agora se opondo à perspectiva eurocêntrica dominante

Explicar a persistência da relação colonial na construção da história mundial, ao


mesmo tempo em que se propõem alternativas à leitura da história, no sentido de
construir histórias contextuais que, articuladas em rede, permitam uma visão
cosmopolita sobre o mundo (Said, 1993; Appadurai, 1996; Appiah, 1998; Gilroy,
1993; Diouf, 1999, Meneses, 2007. Apud GOMES, p. 107)

Destarte, entendemos que tal ensino não significa desvalorizar a cultura branca, mas
sim propor uma valorização de conhecimentos das culturas africanas e afro-brasileiras, e da
verdadeira intenção do processo de escravidão do negro. É necessário compreendermos
também que a disporá africana – imigração forçada durante anos – não foi só violenta e
agressiva, mas também uma redefinição indenitária, a qual é responsável pelo adoecimento do
corpo negro, dessa forma, podemos nos questionar: um povo não conhecedor da sua história é
automaticamente um povo limitado e sem poder? Esse questionamento tem uma resposta
lógica e corriqueira, porém, a partir do momento que estudamos e entendemos o processo de
limitação de um povo, através do apagamento ou enculturação da sua história, trazemos à tona
a situação dessa sociedade que ainda mantém uma mentalidade racista e etnocêntrica, assim
como nosso currículo de ensino básico. Para Gomes, o racismo brasileiro é ambíguo, pois ele
não se afirmar muito e também não se nega, ou seja, quanto mais a sociedade brasileira nega o
racismo mais ele se afirma, permanecer com o currículo etnocêntrico e inferiorizando as
outras culturas é um ato de afirmação do racismo brasileiro, pois criamos estereótipos sobre
quem é o “outro”, e ao mesmo tempo silenciamos os oprimidos.
Dessa forma, existiram dois momentos importantes que potencializaram discussões
relacionadas as desigualdades entre brancos e afro-brasileiros, segundo Ahyas Siss¹. O
primeiro foi os desdobramentos da Marcha Zumbi dos Palmares Contra o Racismo, e pela
Cidadania e a Vida (1995), reunindo milhares de afro-brasileiros na capital da República, e o
segundo foi a participação do Brasil na Conferência Mundial Contra o Racismo, a
Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, ocorrido na África do
Sul- em Durban (2001).
Com as pressões das organizações do Movimento Negro Nacional, o Estado Brasileiro
reconheceu a existência de tais desigualdades. Diz o autor:
“Ao reconhecer a existência de desigualdades étnico-raciais no Brasil, vê-se na
obrigação de romper com essa “cegueira”, ou miopia étnico-racialmente orientada,
cujas bases estão assentadas sobre uma pseudodemocracia racial brasileira, e de
comprometer-se a elaborar e a implantar medidas políticas oficiais potentes para
eliminar, ou senão reduzir significativamente, essas históricas relações raciais
assimétricas.” (SISSIS, Ahyas. 2014)

Em 2001, devido ao processo preparatório da III Conferência Mundial das Nações


Unidas de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, a Xenofobia e Intolerância Correlata,
o tema das cotas para negros ganhou importância no debate político no Brasil. A delegação
oficial brasileira propôs as ações afirmativas, em que pedia-se o reconhecimento oficialmente
a legitimidades de reparações para com a escravidão e cotas para negros nas universidades
públicas

“Já a Lei 12.711/2012, sancionada no mês de agosto do ano de 2012, regulamentada


pelo Decreto 7.824/2012, também conhecida como Lei das Cotas, garantes a reserva
de 50% das vagas em todos os cursos e em todos os turnos de todas as instituições
federais de educação superior e instituições federais de ensino técnico de nível
médio a alunos que tenham cursado integralmente o ensino médio rede pública, que
possuam renda “per capita” de até um salário mínimo e meio e também para aqueles
cuja renda familiar bruta supere um salário mínimo e meio. Nos dois casos, serão
reservadas vagas a pretos, pardas e indígenas (PPI), de acordo com a realidade
regional expressa no último censo demográfico realizado pelo IBGE, levando-se em
conta a autodeclaração dos candidatos.” (SISSIS, Ahyas. pg. 183. 2014)

Deste modo, não é somente mais uma norma; é resultado de ação política e da luta de
um povo cuja história, sujeitos e protagonistas ainda são pouco conhecidos.
Na prática houve uma resistência dos grupos que estavam legitimados para ter suas
diferenças culturais protegidas, a sociedade mais uma vez nega que há qualquer diferença
racial, deste modo, para ser mais “aceitável” a maioria dos sistemas de cotas instituídos nas
diversas universidades públicas brasileira, passam a ser vista como cotas sociais, com alguma
referência étnico-racial. Ahyas Sissis diz que são as políticas de ação afirmativas na sua
versão de cotas para afrodescendentes, um dos mecanismos principais de acesso ao ensino
superior. Se constitui como mecanismo de democratização, mesmo não sendo caracterizada
como exclusivamente étnico-raciais, ela beneficia uma pequena parcela de afro-brasileiros. É
uma lei que não é somente mais uma norma: é resultado de ação política e da luta de um povo
cuja história, sujeitos e protagonistas ainda são pouco conhecidos, segundo Nilma Gomes.
Com isso, Sissis diz que a democratização dos candidatos de origem étnico-racial no
acesso e permanência no ensino superior público vem se tornando cada vez menos relevante e
diminuindo a busca de inclusão e permanência de afro-brasileiros no ensino superior. E que
tal democratização não pode ficar limitada apenas ao acesso do indivíduo negro, mas também
deve incluir a problemática da permanência com sucesso, e não ser apenas relativizada –
porém essa é uma questão que abordarei em outro trabalho.

Considerações finais:
Em virtude dos fatos mencionados percebe-se que a descolonização dos currículos é
de extrema importância, pois irá desconstruir o conceito de racismo e valorizar o
conhecimento das culturas africanas e afro-brasileiras.
Entretanto, pode-se questionar até onde há uma certa validade dos paliativos que o
governo criou para atenuar a problemática do racismo com as mazelas sociais? Pois, a
obrigatoriedade do ensino de História da África e culturas afro-brasileiras, e o trato da questão
racial nos currículos da educação básica, não podem ser confundidos com “novos conteúdos
escolares a serem inseridos” e sim, como uma mudança estrutural; um dos passos no processo
de ruptura epistemológica e cultural na educação brasileira, segundo Nilma Gomes.

3. REFERÊNCIAS

SISSIS, Ahyas. “Ações Afirmativas, Educação Superior e NEABs: Interseções Históricas”


Rio de Janeiro, vol.7, n°2, 2014, p. 181- 190. Cadernos do Centro de Ciências da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

CHIMAMANDA, Ngozi Achie.  “Os perigos de uma história única”. Disponível


em: https://www.youtube.com/watch?v=ZUtLR1ZWtEY
GOODY, Jack. Quem roubou o quê? Tempo e espaço. In: O roubo da História. Tradução
a
Luiz Sérgio Duarte da Silva. 2 . ed. São Paulo: Contexto, 2013, pp. 23-36.

FANON, Frantz. “Pele negra máscaras brancas. In: Introdução. Tradução Renato da Silveira.
– Salvador : EDUFBA, 2008.

GOMES, Nilma Limo. “Relações Étnico-Raciais, Educação e Descolonização dos


Currículos”. Currículo sem fronteiras, v.12, n.1, pp.98-109, Jan/Abr 2012

CUNHA, Junior. “Arte e tecnologia africana no tempo do escravismo criminoso”. Revista


Espaço Acadêmico – N° 166 – Março/2015

GOMES, Nilma Limo. “O movimento negro no Brasil: ausências, emergências e a produção


dos saberes” p. 133 – 154, 2010.
CRUZ, Luciana Soares da. “Educação antirracista: reflexões sobre currículo e práticas
pedagógicas nas escolas municipais de Paulistana – PI”. II Congresso Nacional Africanidades
e Brasilidades. Universidade Federal do Espirito Santo, 2014.
https://monografias.brasilescola.uol.com.br/pedagogia/a-discriminacao-racial-seus-reflexos-
no-processo-ensino.htm

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