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INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS, COMUNICAÇÃO E ARTE – ICHCA

Graduação em História
Disciplina: Saberes, Metodologias e Linguagens do Ensino de História
Professor: Danilo Marques

Rafael da Silva Oliveira

Resenha

GOMES, Nilma Lino. “O movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por
emancipação”. Petrópolis: Vozes, 2017.

Em seu livro, O Movimento Negro Educador: Saberes Construídos nas Lutas por
Emancipação, Nilma Lino Gomes aborda as diversas ações políticas do movimento negro
que pressionaram a política institucional à mudar, para melhor, a vida da população negra
brasileira. Não somente, mas principalmente a juventude negra, a partir do momento em
que as revindicações se tornaram concretas, pôde ingressar no ensino superior — um
espaço que por muito tempo lhe foi negado — e construir um conhecimento que
desconstrói muitos preconceitos sobre a população negra e sobre o movimento negro.
Logo de início a autora apresenta, a partir da interpretação de Petrônio Domingues,
a concepção de que o Brasil politiza a ideia de raça e a observa como um potencial de
emancipação política para a população negra por dar ferramentas para a construção de
uma identidade negra e, assim, montar instrumentos teóricos que explicam a estrutura de
exploração que habitam no âmbito Estatal, mas também na vida privada. Além do mais,
Gomes nos mostra a visão mais alargada de Boaventura de Souza Santos ao
pensamento de Domingues. Para Santos, o movimento negro se constitue pelas
expressões de enfrentamento ao racismo políticas, artísticas e religiosas da população
negra independentemente de sua temporalidade. Domingues discorda por considerar uma
interpretação problemática, inclusive, historicamente falando.
O movimento negro, junto a intelectuais negros e não negros, nos anos 70,
apresentaram sua interpretação de que a desigualdade a cerca da população negra
brasileira não é apenas um produto da escravidão, mas sim, do conjunto do plano
econômico, político e cultural. Com o tempo essa visão foi se tornando aceita no meio
acadêmico e político, além de que os dados que surgiram através de estudos
confirmavam essa tese.
A autora nos mostra que no final do século XIX surgiu a imprensa negra paulista
com diversos jornais em circulação. Apesar disso, era comum a afirmação de inferioridade
intelectual por parte da população negra e por isso a imprensa negra tinha um papel tão
importante de politização e educação, já que reforçavam, em muitas matérias, a ideia de
que a ascenção social do negro viria através da educação. Essa postura, de acordo com
Gomes, condiz com a premissa de que o movimento negro resconstrói identidades,
ressignifica e politiza conceitos sobre si mesmo e sobre a realidade quando age
politicamente.
Ademais, a educação à população negra foi, e é, uma das principais pautas do
movimento negro, que enxerga nela um caminho para a emancipação. No início do século
XX foi pauta do movimento negro a inserção dos negros na escola pública, que constou
na tramitação da Lei 4.024/61 de forma genérica, como afirma Dias — citação de Gomes.
Contudo, o golpe de 1964 foi responsável pelo fim da questão racial nas diretrizes da
educação nacional. A autora nos mostra que nesse momento a educação deixou de ter
um caráter universalista para o movimento negro e o apoio às ações afirmativas começou
a crescer como uma ideia positiva para a diminuição da desigualdade racial na educação
e, por consequêcia, socioeconômica. Foi no dia 20 de novembro de 1995, durante a
“Marcha Nacional Zumbi dos Palmares Contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida” que o
movimento negro entregou ao presidente Fernando Henrique Cardoso um programa no
qual apresentava as ações afirmativas como uma das formas de superar a desigualdade
étnico-racial.
Em 2003 ocorreu a Conferência de Durban, e foi nela que o Brasil passa a não
mais se considerar uma democracia racial e se compromete a pôr em prática as ações
afirmativas. Ainda assim, Gomes questiona o papel da escola de transmitir aos alunos
somente a ciência advinda da Europa, no qual desconsidera formas de conhecimento
produzidas por outros povos e movimentos sociais. Com isso a autora recorre novamente
a Santos ao afirmar ser necessário uma mudança radical na educação a partir da
pedagogia das ausências e das emergências, além da construção de uma pedagogia pós-
abissal, para produzir as epistemologias do sul. No mesmo ano da Conferência de Durban
se torna obrigatório à escolas públicas e privadas o ensino de história e cultura afro-
brasileira e africana. Além do mais, por conta dos avanços do movimento negro surge a
Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), que tem como objetivo
congregar pesquisadores negros e não negros que produzem conhecimento científico
sobre a população e cultura negra brasileira na academia.
O corpo negro, de acordo com Gomes, se fez resistência durante toda a História do
Brasil a partir de sua chegada para o trabalho escravo. Desde então, esse corpo negro
continua resistindo à perseguições racistas, passando pela ditadura e ao atual estágio
neoliberal do capitalismo, que mantém a população negra às margens da sociedade.
Contudo, Gomes também aborda sobre a aceitação social da negritude nos espaços que
antes não se fazia presente. Ainda que, ocasionalmente, cometam a esteriotipização do
corpo negro como — palavras da autora — “erótico, exótico e violento” (GOMES, 2017.
p.94), é perceptível os avanços conquistados pela luta do movimento negro por meio da
mídia e, principalmente, por meio da educação para a conscientização da sociedade.
No sexto capítulo Gomes nos apresenta três exemplos de situações que
expressam uma tensão dialética e a crise do pilar regulação-emancipação sociorracial
presentes nas relações raciais e na educação, que consistem na abolição da escravatura,
na estética negra e nas ações afirmativas. Ademais, no capítulo seguinte, Gomes afirma
que todas as formas de opressão sofridas pelas pessoas negras — como a escravidão, as
teorias raciais e a colonização — poderiam ter sido evitadas. Então, quando movimento
negro retoma todos esses dramas do passado e traz para o momento atual da sociedade,
seu objetivo é não deixar o passado ser redimido pelo futuro. E ao questionar-se sobre a
desunião entre o campo progressista para a busca da emanciapação, a autora escreve:
“A violência e a desigualdade produzidas pelo racismo, pelo patriarcado e pelo capitalismo
global são de tal ordem que conseguem, em vários momentos, regular a ação dos
movimentos sociais emancipatórios. De novo, a tensão dialética regulação-emancipação
social acontece.” (GOMES, 2017. p.123).
Continuando com a unidade de movimentos progressistas, a autora argumenta que
os movimentos sociais concentram-se muito em suas especificidades e, com isso,
afastam-se da construção de uma união sólida. Consequentemente, fecha caminhos para
uma possível comunicação e cooperação entre si. Gomes afirma ser necessário a união
dos movimentos sociais antiopressão, que buscam pela emancipação, sem que percam
suas pautas específicas. No entanto, a autora questiona-se se os movimentos sociais
estão maduros para isso.
Gomes conclui defendendo que o processo de emancipação nos desafia a construir
uma pedagogia da diversidade. De forma que a autora comenta sobre projetos de
pesquisa como os dos NEABIs, que desenvolvem estudos e pesquisas que refletem sobre
as questões étnico-raciais. Além do mais, Gomes nos apresenta a pedagogia da
diversidade como contra-hegemônica e que busca, por meio da quebra da fronteira —
fronteira essa que o campo da educação impõe às epistemologias do sul e aos
movimentos sociais —, a junção da teoria e da prática mobilizadora em busca da
emancipação.

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