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Ensino de História da
África e Diáspora Negra.
Resumo:
O texto propõe uma imersão nas obras literárias da escritora Chimamanda Ngozi Adichie,
expressando o cotidiano de seus personagens na Nigéria, em um diálogo interdisciplinar que
se realiza em uma reflexão sobre "tempos, memórias e narrativas" a partir de uma perspectiva
decolonial. Assim, a História da África e da Diáspora negra é compreendida através da lente
do imaginário criativo, do realismo ficcional e histórico, do protagonismo feminino, das tensões
e reações, das raízes culturais e ancestrais. Perpassando "Hibisco Roxo" (2011), "Meio sol
amarelo" (2008) e "No seu pescoço" (2017), além dos textos teóricos, apresentam-se
possibilidades teóricas e metodológicas de "experienciar", na tessitura dos enredos e tramas,
um Ensino de História significativo e dialógico com as lutas, resistências e re-existências das
populações negras, principalmente no que diz respeito à perspectiva do feminismo negro.
Introdução
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Ressalta-se que a teoria pós-colonial advém de pensadores diaspóricos das ex-colônias europeias,
enquanto o pensamento decolonial é ligado aos intelectuais da América Latina. As teorias da
descolonização têm realizado críticas aos estudos pós-coloniais, percebidos como ainda contendo
resquícios do colonialismo. O pensamento decolonial enfatiza a materialidade de outros lugares, as
memórias, os corpos e as performances, do que foi negado na retórica da modernidade. Portanto, o
pensamento decolonial combate a ideia hegemônica e eurocentrada da modernidade. Assim, as
interpretações da história resultam das mudanças no equilíbrio geopolítico de poder (PRADO, 2021).
teatro pedagógicos, fanzines, músicas, cordéis, poesias, Histórias em Quadrinhos,
etc.) com conteúdo de História e Cultura Afro-Brasileira que retomam as autorias
fundamentais já citadas aqui e abrem espaços para novas intelectuais negras
nacionais como Mônica Lima, Flávia Rios, Ana Flávia Magalhães Pinto, Suelen Girotte
do Prado, Pâmella Passos, Janete Santos Ribeiro, Mariléa de Almeida, mas também
internacionais como Grada Kilomba, bell hooks, Angela Davis e outras, reafirmando
um feminismo negro tão necessário à história do país.
Se os objetos, espaços e trajetórias dos sujeitos negros, em suas visões de
mundo, ancestralidades, resistências e devires assumem uma identidade étnica que
lhes é própria, revisitar e reelaborar as concepções de “tempo(s)”, “memória(s)” e
“narrativa(s)” - os três agora no plural - a partir da matriz africana, da “terra mãe”, das
conexões com as origens, antes sequestradas e silenciadas, torna-se imprescindível
para que o ensino de História acolha a diversidade étnica no desenvolvimento dos
educandos para o exercício da cidadania, da democracia e do desafio da construção
de uma sociedade justa e antirracista.
Sob esse aspecto, o estudo da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie
em seus textos teóricos e literários nos fazem entrar em contato com a desconstrução
de noções arbitrárias que ainda perpassam as escolas brasileiras: a) da África como
país e não continente, homogeneizando-a, sem situar suas diferenças contextuais
históricas, geográficas, econômicas, políticas e socioculturais e b) da África como um
“tempo” passado (da colonização, imperialismo, apartheid e guerras de
descolonização) sem uma História Contemporênea. Apresentando, portanto, a defesa
do ensino de História a partir de textos de autoria africana de distintas nações, de
forma interdisciplinar, como princípio de conhecimento vivo, criativo e centrado na
pertença cultural de vivências ancestrais.
2
Dados recolhidos no livro O perigo de uma história única de Chimamanda Adichie (2019).
micropoderes ao homem no Ocidente que diretamente exerce agressões físicas e
psicológicas a Beatrice, assim como aos seus filhos. A personagem mãe que não é
autorizada ao exercício de sua liberdade, pois mulheres nessa estrutura machista,
patriarcal e misógina na qual está inserida, tem sua voz silenciada.
A família que ao olhar de toda a comunidade cumpre um papel social de
“perfeita”, do pai provedor e da mãe zelosa, na realidade é uma encruzilhada de
violências e opressões que apenas os próprios membros da casa sabem que vivem,
chegando ao nó da narrativa o assassinato da figura masculina a partir de chás que
foram sendo servidos diariamente com uma catarse de liberdade dessa mulher que
não via uma outra solução a não ser a morte silenciosa de seu algoz.
Ao utilizar a morte como papel de fundo para a liberdade, a personagem
Beatrice não saberia que este assassinato ficaria impune e que seu próprio filho, Jaja
assumiria a culpa da morte de seu pai para poupar a sua mãe do cárcere. Ao mesmo
tempo que a personagem liberta a si e os seus filhos dessa instituição de violências
que era o seu casamento com Eugene, indiretamente, coloca o seu filho na cadeia,
visto que ele sabe que foi sua mãe a responsável pela morte física de seu agressor.
Na mesma perspectiva de pensar nos eixos: tempos, memórias e narrativas, é
importante discorrer sobre “as histórias importam. Muitas histórias importam. As
histórias foram usadas para espoliar e caluniar, mas também podem ser usadas para
empoderar e humanizar. Elas podem despedaçar a dignidade de um povo, mas
também podem reparar essa dignidade despedaçada.” A partir dessa citação de
Adichie (2019, p. 32), podemos constatar o papel de seu primeiro romance Hibisco
Roxo (2011) em oportunizar alguns aspectos de uma Nigéria atual, contemporânea
que para além de problemas estruturais oriundos de ditaduras, conflitos, opressões e
violências utilizadas por países ricos como a Grã-Bretanha.
Os textos de Adichie são atravessados de histórias que dialogam com os
nossos saberes ancestrais e apresentam leituras de uma Nigéria que, nós como
povos negros da diáspora apenas começamos a ter acesso, nos últimos vinte anos.
É importante salientar que este protagonismo africano partiu de muitos autores como
Chinua Achebe, Amílcar Cabral entre outros que publicaram livros de suas próprias
economias, ou trazendo o caso do queniano, Ngûgî wa Thiong’o que no próprio
cárcere escrevia suas memórias nos rolos de papel higiênico.
Em relação às memórias e aos tempos das narrativas, vimos que o romance
Meio Sol Amarelo (2008) foi construído a partir de pesquisas feitas por Adichie, com
as suas mais velhas e também com os acervos da Guerra de Biafra. Essa guerra
fratricida foi instaurada entre grupos étnicos e religiosos, a partir do discurso
colonialista e capitalista na Nigéria, na década de 1960.
Em Meio Sol Amarelo (2008), diferentemente de Hibisco Roxo (2011), temos
Kambili, a protagonista e narradora que expõe diversas histórias sobre a Nigéria
contemporânea. Em Meio Sol Amarelo, por mais que seja um romance posterior ao
Hibisco Roxo, a história é contada por meio de três pontos de vista, em um tempo
anterior ao próprio nascimento da autora, que nasceu apenas em 1977.
A narrativa concentra-se nas perspectivas de Olanna, do namorado de
Kainene, o jornalista britânico Richard Churchill, e de Ugwu, um garoto que trabalha
como criado de Odenigbo.
Meio Sol Amarelo, para além de ser um romance denso é muito importante por
registrar umas das inúmeras guerras patrocinadas pelo Ocidente colonialista, Adichie
utiliza técnicas discursivas que oportunizam vozes diversas para contar a sua própria
visão sobre o período da guerra de Biafra que dividiu a Nigéria e matou milhares de
nigerianos. O texto é rico em dados e informações, pois foge do maniqueísmo que
ainda se faz presente em alguns textos literários, sobretudo quando o tema principal
é um conflito militar.
Uma das técnicas narrativas é a personificação de duas irmãs gêmeas,
Kainene e Olanna, que podemos interpretar como um país dividido em dois, uma que
atende aos interesses do capitalismo e de uma elite burguesa ligada aos países ricos
do Ocidente colonialista. Em contrapartida, a outra irmã representa a Nigéria
progressista que acredita na educação, construída pela classe trabalhadora, com
utopias de uma nação independente do capital estrangeiro.
Todavia, há uma contradição nesse enredo, sobretudo no quesito de classes,
à exemplo do personagem Ugwu que é praticamente um adolescente que vive na
casa de um professor universitário, marido de Kainene, mas não tem acesso à
educação formal, por mais que a casa seja repleta de livros e professores em diversos
jantares e encontros entre os pares. Ugwu é apenas o serviçal, o trabalhador do
interior, e em momento algum, é discutido no ambiente dos professores os salários e
direitos de um trabalhador como eles, sua vida se resume a cuidar da família do
professor progressista e nacionalista.
Em síntese, como profissionais da educação, podemos contribuir com o debate
com nossos alunos no ensino da história da Nigéria do passado e do presente, com
a utilização dos romances aqui representados. As narrativas, memórias e tempos
podem ser negociadas em nossas práticas didáticas. São proposições que podemos
delineá-las, a partir do uso do texto literário escrito por mulheres negras, pertencentes
a grupos historicamente silenciados.
3
O psicólogo e pedagogo estadunidense Benjamin Bloom (1913–1999) desenvolveu várias pesquisas
abordando a educação em uma perspectiva psicológica. Para ele, a educação vai além do âmbito
acadêmico e deve servir ao propósito de extrair todo o potencial humano, para que este alcance seus
sonhos. Direcionava um olhar mais otimista para os alunos, sem vê-los como meros estudantes (SAE
DIGITAL, 2022).
Considerações Finais
ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Hibisco roxo. 16.ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 2011.
ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Meio Sol Amarelo.1 ed. São Paulo: Companhia das
Letras,2008.
ADICHIE, Chimamanda Ngozi. No Seu Pescoço. 1 ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 2017.
ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma história única. 1 ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 2019.
ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma única história. TED GLOBAL 2009.
Disponívelem<www.ted.com/talks/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_st
ory/up-next?language=pt-br#t-78036>. Acesso em: 22 de janeiro de 2018.
HOOKS, Bell. Black Looks. Race and representation. Boston, MA: South End Press,
1992.
PIO, Elizaine Inácia; ARAÚJO, Eleno Marques de. As Leis 10.639/03 e 11.645/08 e a
obrigatoriedade da inclusão da História e da Cultura Afro-Brasileira e Indígena nos
Currículos da Educação Brasileira. in Anais do IV Colóquio Estadual de Pesquisa
Multidisciplinar e II Congresso Nacional de Pesquisa Multidisciplinar. Minas Gerais:
Unifimes, 2019.
SAE DIGITAL. Taxonomia de Bloom - O que é? Quais são seus objetivos? Disponível
em: https://sae.digital/taxonomia-de-bloom/, acesso em: 06 ago. 2022.