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antirracista
Publicado em NOVA ESCOLA 03 de Outubro | 2023

Consciência Negra

O que é Educação
antirracista?
Prática ajuda na valorização da trajetória dos diferentes
povos que formam o país e colabora no combate ao
preconceito
Daniele Madureira

É importante que os professores trabalhem questões raciais, culturais e de


representatividade, além de abordar a diversidade como um valor para toda a
comunidade escolar. Foto/Getty Images
A lei nº 10.639/03 e, posteriormente, a lei nº 11.645 pautaram o que muitos
livros didáticos deixavam de fora nas escolas: a história da África, dos africanos
e indígenas, a luta dos negros e dos povos originários no Brasil, as culturas e
o papel desses povos na formação da sociedade nacional, mostrando que é
necessário trabalhar uma Educação antirracista ao longo de todo o ano letivo e
não apenas em datas como Consciência Negra e Dia dos Indígenas.
“A escola é um dos piores lugares para a criança negra: quando ela começa a
aprender sobre história, descobre que os negros chegaram ao Brasil como
seres infelizes, cativos, que vieram para servir aos brancos”, diz a
professora Sherol dos Santos, professora de História da rede estadual do Rio
Grande do Sul e doutoranda na mesma disciplina pela Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS).
Para Sherol, a Educação antirracista ajuda na valorização da identidade e da
trajetória dos diferentes povos que formam um país, em vez de tomar a visão
do colonizador como a dominante. Além disso, a prática auxilia no sentimento
de pertencimento dos negros no espaço escolar e acadêmico. “É uma
valorização da diversidade, daquilo que distingue os grupos raciais, mas não os
hierarquiza”, diz Sherol.
“Uma Educação antirracista é aquela que entende que vivemos em uma
sociedade racista, em que as relações entre as pessoas são pautadas também a
partir do lugar social e racial que elas ocupam, e se preocupa em preparar
indivíduos que possam se colocar contra esse sistema, gerador de maior
desigualdade”. De acordo com ela, isso requer a adoção de currículo
decolonial, mas não só. É preciso mudar discursos, raciocínios, lógicas,
posturas e os modos de tratar as pessoas negras.
Leia também: Formação de professores e o mito da democracia racial:
barreiras a serem vencidas
É importante nesse sentido que os professores trabalhem questões raciais,
culturais e de representatividade, além de abordar a diversidade como um valor
para toda a comunidade escolar. “É preciso que a pauta antirracista faça parte
do projeto político pedagógico (PPP) da escola e, assim, esteja naturalmente
atrelada a todas as disciplinas”, diz Heloise Costa, professora de Língua
Portuguesa de formação, mestre em Relações Étnico-Raciais e
atualmente coordenadora do Projeto Entrelivros, de incentivo à leitura.
As contribuições africanas e indígenas que são
apagadas
Segundo Mônica do Amaral, que coordenou a pesquisa O ancestral e o
contemporâneo nas escolas: reconhecimento e afirmação de histórias e
culturas afro-brasileiras, é dever da escola trazer aos alunos a história como ela
é. “É preciso que o professor seja formado com esse olhar crítico para enfrentar
o racismo velado”. Autora do livro O que o rap diz e a escola contradiz: um
estudo sobre a arte de rua e a formação da juventude na periferia de São
Paulo, Mônica diz que é fundamental que os educadores conheçam as
comunidades que atendem e tragam a sua cultura para dentro do espaço
escolar. “É preciso valorizar culturas que no passado foram perseguidas, como a
capoeira e o hip hop, recuperar os ritmos”, diz ela. “Isso vai oxigenar a escola e
torná-la verdadeiramente brasileira – e não americana ou europeia”.
Para Jussara de Araújo Gonçalves, professora do Programa de Pós-graduação
em Ensino em Contexto Indígena Intercultural e diretora da Agência de
Inovação da Universidade do Estado do Mato Grosso, as etnociências são
conhecimentos valiosos, mas nem sempre reconhecidos. “Os indígenas
trabalham muito a oralidade, e percebemos que parte desse conhecimento tem
se perdido. [No contexto] da globalização, esse contato com outras culturas
pode fazer com que muitos acreditem que a cultura deles é inferior, o que não
é verdade. Por isso, trabalhamos para valorizar esse conhecimento enquanto
Ciência.”
Vidas negras importam

Ilustração: Estúdio Kiwi/NOVA ESCOLA


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Caminhos para uma educação decolonial


Para dar uma nova perspectiva para o papel dos negros na formação da
sociedade e do conhecimento científico, os educadores podem abordar
as hierarquias raciais a partir dos próprios componentes curriculares. “A origem
da Matemática é vinculada aos gregos, mas no século VI antes de Cristo, se os
egípcios, no norte da África, já usavam cálculos para construir pirâmides 3 mil
anos antes da era cristã”, aponta Sherol como exemplo. Da mesma forma,
foram os egípcios um dos primeiros povos a adotar um calendário de doze
meses e a estudar Astronomia. É no Mali, ainda, que se encontra uma das
bibliotecas mais antigas do mundo, na cidade de Timbuktu, antigo entreposto
comercial e cultural africano e tombado como patrimônio da humanidade pela
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Nos seus manuscritos de 1200 anos, estão estudos sobre, por
exemplo, medicina, alquimia e astrologia. “Apesar disso, a Educação coloca a
história negra no gueto não científico”, diz Sherol.
Saiba mais: Matemática: 3 sugestões para trabalhar a cultura e os saberes
dos povos indígenas
O trabalho com contos africanos e indígenas também pode ser uma alternativa.
Além de possibilitar a leitura, a interpretação textual e a escrita, essas narrativas
mostram a importância e o valor da contribuição dos diferentes povos para a
cultura brasileira. Veja nesta reportagem sugestões para abordar o gênero
conto e as relações étnico-raciais. Outra possibilidade é apresentar às turmas a
obra de escritoras negras para apoiar o debate dessas temáticas, valorizar a
atuação de mulheres negras na sociedade, além de promover diversidade nas
aulas.
Em História, os alunos não conhecem a real dimensão do Quilombo dos
Palmares, que ocupava uma área próxima ao tamanho de Portugal, por
exemplo. “Aprende-se pouco sobre Zumbi e Dandara, que governaram este
quilombo”, aponta Heloise. Além disso, outras figuras importantes da história
da resistência negra no país também são invisibilizadas pela escola. “Como
Francisco José do Nascimento, o ‘Dragão do Mar’, que ajudou o Ceará a se
tornar o primeiro estado do país a abolir a escravidão, em 1884; e Tereza de
Benguela, que governava o Quilombo do Piolho, no Mato Grosso, por meio de
um sistema de parlamento”. E o mais importante é que este tema não fique
restrito à comemoração da Consciência Negra, em novembro. Educação
antirracista é para estar no PPP da escola e ser praticada diariamente.
*Conteúdo publicado originalmente em 25/10/2020 e atualizado em 03/10/2023
para acréscimo de informações

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