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A REPRESENTAÇÃO DE ÁFRICA1
INTRODUÇÃO
Em janeiro de 2003, foi promulgada a Lei 10.639 que torna obrigatório em todo
o currículo escolar, o ensino da História da África e dos Africanos e da História da
Cultura Afro-Brasileira nas instituições públicas e privadas no nível básico de ensino.
Contudo, essa Lei não surge espontaneamente em nosso país. Na verdade, ela é uma
resultante dos diversos embates políticos travados pelo Movimento Negro Brasileiro
desde a década de 1930.
Neste artigo, abordamos o tema de África que aparece como um dos pontos de
conteúdo apontados pela Lei, além de fazer parte do currículo da disciplina de
Geografia.
O objetivo deste trabalho é apresentar um catálogo de filmes e documentários
que abordam preferencialmente assuntos referentes ao continente africano. Este
catálogo está sendo desenvolvido como parte do projeto de pesquisa “A Lei 10.639 e o
Ensino de Geografia”, que busca analisar desdobramentos da Lei no ensino desta
disciplina. Apresentaremos a metodologia de análise das películas que compõem o
catálogo e que estão diretamente ligadas a um “temário” construído pelos membros do
grupo de pesquisa, que tem no “Ensino de África” um de seus componentes.
Pretendemos neste artigo discutir como o ensino é um instrumento de construção
de uma imagem negativa atribuída ao continente africano que é visto como “lócus” da
1
Trabalho desenvolvido no âmbito do projeto de pesquisa “A Lei 10.639 e o Ensino de Geografia” pelo
Professor Dr. Renato Emerson dos Santos, no Departamento de Geografia da Faculdade de Formação de
Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
miséria, fome, dos conflitos entre etnias, das doenças etc., representação essa, que é
amplamente difundida pelos meios de comunicação de massa e que acaba sendo
naturalizada pelo senso comum. Além disso, esse estereótipo é transmitido no ensino
escolar que é fundamentado numa matriz “eurocêntrica” vista como legítima e
universal, mostrando a África como um continente subalternizado, influenciando de
maneira decisiva na representação dos negros em nossa sociedade.
“Para alguns (já que existe a Lei e ela precisa ser cumprida!)
bastaria acrescentar conteúdos de História da África; e buscar
elementos da Cultura Negra, tidos como representativos do
negro, e capazes de atender às exigências da Lei. Em oposição a
essa visão que poderia ser considerada conservadora ocorre a
denúncia sistemática do euroetnocentrismo e do racismo em
interpretações da História da África, e na manipulação de
estereótipos e folclorização do negro brasileiro”. (SANTOS,
2007, p.2)
2
Segundo L.C. Pinto (1953) essas associações surgem em nosso país, a partir das transformações sociais
engendradas na década de 1930, que geraram transformações profundas na estrutura política do Brasil.
de 1931 e 1958. Esta associação teve como fundador Arlindo Veiga dos Santos.
Segundo Gomes (2007) a Frente Negra Brasileira estava difundida em diversos núcleos
pelo país:
Podemos observar que apesar de ter sido criada em São Paulo, as idéias desta
associação extrapolaram as fronteiras do estado difundindo pelo Brasil as idéias do
movimento. A pauta da necessidade de se valorizar as contribuições do negro em
diversas áreas de nossa sociedade aparece de maneira clara nesta organização.
Na década de 1940, mais precisamente no ano de 1944, surge na cidade do Rio
de Janeiro o Teatro Experimental do Negro, fundado pelo intelectual negro Abdias do
Nascimento, que fora no passado um dos integrantes da Frente Negra Brasileira. Em seu
artigo “Teatro Experimental do Negro: trajetória e reflexões”, Nascimento (2004) expõe
os propósitos da organização fundada por ele:
Para o autor essas associações eram dirigidas por uma “elite negra” formada por negros instruídos e
inseridos no mundo do trabalho assalariado. (GOMES, 2007:5)
Além dos objetivos expostos acima, o TEN procurava formar atores negros em
nosso país, principalmente devido ao “blackface”2 questionado pelo movimento, que
fornecia representações tendenciosas dos personagens negros.
O TEN expõe claramente em sua agenda a valorização das reminiscências
africanas e de todo o seu legado na formação do nosso país.
No ano de 1950, o TEN organiza no Rio de Janeiro o Primeiro Congresso
Nacional do Negro Brasileiro, que tinha entre as pautas: regulamentação e organização
das domésticas, campanhas em prol da alfabetização. (Gomes, 2007).
Alguns autores ressaltam, de forma significativa, as práticas educativas do
Movimento Negro, que a revelia da história da educação oficial, elabora propostas e
processos pedagógicos que influenciam sua prática organizativa e militante,
possibilitando a afirmação da identidade negra, a formação para a cidadania no combate
ao racismo e a luta pelo direito de igualdade e de oportunidades (Passos, 2005),
destacando-se a escolarização de crianças jovens e adultos como prática educativa
central.
2
Em seu texto “O cinema em negro e branco” Carvalho (2006) explica que o “blackface” consistia na
utilização de atores de cútis branca pintados de preto para representar personagens de cor preta nas obras
cinematográficas brasileiras. De acordo com o autor, essa prática preconceituosa expõe a representação
dos negros de acordo com os valores e visão de mundo dos brancos, inspirada numa matriz eurocêntrica.
Projeto “A Lei 10.639 e o Ensino de Geografia”
3
Ver filme “Encontro com Milton Santos” ou “O Mundo Global Visto do Lado de Cá”.
território (material e simbólico). Tais formulações permeiam o imaginário social e
contribuem de forma significativa para a criação de estereótipos, estigmas e
preconceitos para com a população negra, os quais são grafados no espaço através da
segregação do tecido sócio-espacial e do que Sansone (1996) chama de áreas moles e
áreas duras, ou seja, contextos onde as relações raciais são mais flexíveis e outros onde
são mais duras que acabam por configurar experiências de espaço onde o negro é bem
aceito e outros em que sua presença incomoda, causa repulsa.
Essas concepções, no entanto, escamoteiam toda uma complexidade e
diversidade do espaço africano, uma extensão territorial de 30.335.000 km2, com
793.923.000 de pessoas e 53 países; uma variedade climática e topográfica (savanas,
desertos, semi-desertos - Sahel- , floresta equatorial, região montanhosa e planície); a
existência e interação de mais de 2000 povos com diferentes modos de organização
socioeconômica e de expressão tecnológica; a área de mais longa ocupação humana de
que se tem conhecimento (2 a 3 milhões de anos até o presente) e consequentemente,
uma maior complexidade de fluxos e refluxos migratórios (árabes, europeus, asiáticos,
etc.); as trocas comerciais, o pagamento de tributos, os movimentos de reciprocidade, os
graus variados de autonomia; berço da humanidade em todas as suas configurações
tanto antiga (homo habilis, homo erectus, homo neanderthalensis) como moderna
(homo sapiens sapiens); parte do globo onde nasce o gênero história - esforço de
registrar a passagem dos homens ao longo do tempo (OLIVA, 2004:40); parte do globo
onde emergiu, de forma concomitante, o gênero geografia (esforço de registrar as
marcas, as grafias, as técnicas produzidas na superfície terrestre pelas 1ª Sociedades
Humanas ao longo do tempo); berço das 1ª civilizações agro-sedentárias e agro-
burocráticas do mundo; lugar de onde partiu o povoamento do planeta, a partir de 100 a
80 mil anos.
Nesta perspectiva valorizar uma geografia da África se faz necessário para a
compreensão mais ampla e densa da organização espacial das diferentes sociedades em
constantes transformações ao longo do tempo; entender a participação de diferentes
grupos “africanos” na formação sócio-espacial brasileira; valorizar outras formas de
conhecer, marcar e dar significado ao mundo em que vivemos; entender as marcas na
terra (geo-grafias) e as tensões de territorialidade na Invenção da África, etc.
A partir de toda essa discussão acerca das representações de África, iremos nos
ater agora a duas questões já mencionadas, a apropriação da representação
cinematográfica, mesmo que seja para fazer a crítica, e suas contribuições para o ensino
de África como conteúdo de geografia.
Catálogo de filmes
Título
Dados da Obra
Ano: 2004
Direção: Terry George
Origem: África do Sul/ Canadá/ Reino Unido
Duração: 121 minutos
Sinopse Adaptada
O filme conta a história verídica de Paul Rusesabagina que era um “gerente influente”,
ou seja, conhecia pessoas poderosas, do Hotel “Mile Coline” em Ruanda, na África. No
ano de 1994, Ruanda presenciou uma sangrenta guerra civil travada por duas etnias
rivais que disputavam o controle do país, os tutsis e os hutus. Através da película
podemos observar as mazelas causadas pela “repartição” do continente africano
(herança do imperialismo), como por exemplo, os conflitos étnicos, comuns na África
Subsaariana, que atrapalham o desenvolvimento do país. Ademais, podemos visualizar
os graves problemas sociais vividos não só por Ruanda, mas por grande parte dos países
que compõem o continente africano.
Inserção no Temário:
Ensino de África
Compartilhando experiências
Considerações Finais
Referências Bibliográficas
- QUIJANO, Aníbal. “O que é essa tal de raça?”. In: Santos, Renato Emerson dos.
Diversidade, espaço e relações étnico-raciais: o negro na Geografia do Brasil. Belo
Horizonte: Autêntica, 2007.
- SANSONE, Lívio. “Nem somente preto ou negro: o sistema de classificação racial no
Brasil que muda”. Afro-Ásia, n. 18, 1996, Salvador, pp. 165-188.
- SILVA, T.T. Currículo:uma questão de saber, poder e identidade. In: SILVA, T.T.
Documentos de identidade – uma introdução às teorias do currículo. 2ª. Ed, Belo
Horizonte, Autêntica, 2001, p.145-150.