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A importância de incluir o ensino da cultura Afro-Brasileira na educação

básica, com destaque para as religiões de matrizes africanas.


Maria Amélia Aragão Souza 1

1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Os povos africanos, ao decorrer de toda a sua história, foram marcados por várias
diásporas, as quais são referentes aos diversos processos de dispersão forçada que ocorreram
pelo mundo atlântico. Este grande movimento dentro e fora da África durou cerca de 100 mil
anos, além do fato de que o Brasil foi fortemente afetado por tal aspecto, principalmente,
devido ao comércio atlântico de escravizados africanos que aconteciam aqui. Estima-se que
um total de 3.600.000 escravos foram transportados da África para o Brasil entre os séculos
XVI e XIX (JENSEN, 2001, p. 1 apud BASTIDE, 1978, p. 35).
Diante dessa inegável interligação que existe entre os povos afros e o brasileiro, foi
criada em 2003, a Lei 10.639, a qual tem como objetivo incluir a história e a cultura afro-
brasileira na educação básica, a fim de tornar amplo o entendimento e o conhecimento sobre
a presença da história dos negros no Brasil, em como ela faz parte da história do nosso país e
como ela foi primordial para a formação do universo cultural do território do nosso país.
Entretanto, sabe-se que a legislação já possui quase 10 anos, mesmo assim, ainda há
muitas instituições de ensino que não possuem o intuito de reverter a sua ausência na
composição da estrutura curricular, o que faz tornar presente a visão eurocêntrica no alicerce
escolar, pois não há estímulo e interesse para ocorrer a mudança concreta almejada pela
norma legislativa, com isso, os anseios são colocados apenas no âmbito teórico. Essa
perspectiva eurocentrista está intrínseca na consciência social brasileira, tal fator é
comprovado quando atos e termos são praticados e utilizados cotidianamente, sem haver
qualquer questionamento sobre o quão ofensivo e discriminatório eles podem ser para os
povos afrodescendentes, além da ausência de medidas efetivas que tentam reverter essa
situação. Mas como as pessoas irão possuir a experiência reflexiva, historiográfica e crítica
sobre essas dificuldades sociais, diante de um ensino que transmite apenas um viés?

Por isso, nesse artigo, a temática religiosa será utilizada como exemplo para
evidenciar as problemáticas que foram mencionadas anteriormente, por meio de um debate

1 Graduanda em História pela Universidade Federal de Sergipe (UFS).


E-mail: mariamamelia14@gmail.com
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/3198606759458601
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acerca da intolerância que cerca as religiões de matrizes africanas, consequentemente, é


essencial exemplificar cenários que demonstram a urgência de incluir de fato o que a
legislação 10.630 propõe, ou seja, pautar o ambiente escolar sob o respeito e o
reconhecimento da diversidade, da tolerância para com o próximo e em constituí-la como um
espaço democrático, ressaltar como os atos discriminatórios excluem e ofendem os devotos
dessas religiosidades, aspectos que estão presentes desde o período colonial no Brasil, uma
vez que tais religiões eram enxergadas como seitas, associadas à magia negra e feitiçaria, no
entanto, mesmo com as perseguições que sofriam, a resistência ocorria e a religião foi
sincretizada a alguns elementos católicos, com o objetivo de oferecer continuidade às suas
crenças, além de conseguir praticá-las com segurança. Esse preconceito que rondava as
religiões com raízes africanas no século XIX, não foi modificado com o passar dos anos no
âmbito social do país, sendo ainda presente na nossa contemporaneidade, mesmo que de
maneira distinta ao daquela época, o que comprova a importância de realizar esse paralelo
entre o passado, o presente e essa herança historiográfica deixada sob o povo brasileiro,
através da cultura afrodescendente.

2. A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NO BRASIL ATUAL

O artigo 5º da Constituição Brasileira de 1988, torna inviolável a liberdade de


consciência e de crença, o que faz assegurar o livre exercício dos cultos religiosos e garantir a
proteção aos locais de culto e das suas liturgias. Ainda assim, sua cultura pública e as
instituições estatais são fortemente permeadas pela religião católica e a evangélica, a qual
está cada vez mais ganhando espaço no território brasileiro, é exemplo a eleição de 2018, em
que segundo pesquisas do DataFolha confirmam que o peso para a escolha do Presidente da
República foi o voto dos evangélicos, pois a estimativa indica que Bolsonaro teve mais de 11
milhões de votos do que Haddad por parte desse eleitorado, uma vez que os discursos do até
então candidato pelo PSL, o Bolsonaro, era pautado na Bíblia e nos preceitos embasados pela
religião evangélica.

Tal exemplificação, comprova a inexistência de um Estado Laico, já que a religião e o


Estado não deveriam ser relacionados da maneira como está ocorrendo hodiernamente, mas
cabe ressaltar que não se trata de uma prática exclusiva de tal época, já que a interligação de
ambas na política, ocorre no Brasil desde o período colonial, onde a religiosidade sempre foi
utilizada como uma estratégia por aqueles que estavam no poder. Sendo assim, utilizar-se do
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viés ético religioso da maioria da população, faz com que os aproxime do povo e perpassa a
mensagem de que irá representar as suas questões morais, por consequência, quando ocorre a
análise sobre como é realizada essa aproximação com as questões hodiernas, percebe-se
como a pluralidade interna do campo evangélico se acentua cada vez mais, através da sua
forte visibilidade e sucesso com a base eleitoral dos conservadores que adotam esse discurso
religioso. Nesse sentido, é necessário que as instituições políticas e jurídicas tenham
consciência de que uma democracia substancial e um Estado Laico devem estar dispostos
para preservar a liberdade, a fim de que não haja equívocos que possam trazer prejuízos à
verdadeira consolidação do Estado de Direito, em que não torna presente a culminância de
projetos que pretendam estabelecer entre nós qualquer espécie de ditadura teocrática.

Dessarte, o destaque e espaço de algumas religiões, tanto no viés político quanto no


social, acaba por perpetuar um discurso de que só os rituais e discursos que uma determinada
religião prega é o correto, porém tal diligência pode vim, dependendo de como é empregado
essa narrativa, carregada de preconceitos com aqueles que seguem as crenças minoritárias do
país. Prova disso é que, conforme pesquisas da BBC News Brasil, mais de 70% dos casos de
ofensas, abusos e atos violentos registrados no Estado do Rio são contra pessoas de religiões
africanas, sendo assim, para a maioria dos especialistas, as razões para a hostilidade contra as
religiões de origem africana estão interligadas ao racismo e a discriminação presente no
Brasil desde o período colonial, que ganhou esses aspectos através do sistema escravista. A
sua rotulação é embasada por estarem ligadas às religiões de origem africana; o outro motivo
está na conexão com os movimentos neopentecostais que nos últimos anos teriam se valido
de mitos e preconceitos para “demonizar” e insuflar a perseguição aos umbandistas e
candomblecistas, o que curiosamente também ocorria no Brasil Colônia, período responsável
por criar essas imagens negativas sobre as religiões de base africana, como sendo uma
religião de diabos e demônios, por consequência, foi se causando mais medo e intolerância,
os quais acabaram se resultando em tabus e formas desrespeitosas quando se fala sobre essas
religiões.

3. COMO A INSTITUIÇÃO ESCOLAR PODE AUXILIAR NA MUDANÇA DESSE


FORTE ATO DISCRIMINATÓRIO CONTRA AS CRENÇAS DE MATRIZES
AFRICANAS?

A falta de entendimento sobre os processos ritualísticos das religiões de matrizes


africana, é uma das principais razões para a discriminação presente sobre elas. Diante disso,
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não há como discutir sobre o alto número de casos de ofensa, abuso e violência que as
pessoas praticantes dessas religiões sofrem, sem tentar buscar alternativas que visam mudar
tal realidade do país. Por isso, a necessidade de haver um ensino e estudo responsável por
desmistificar certas visões colocadas sobre essas religiões, as quais são carregadas de
preconceito e que são perpassadas, em sua maioria, por pessoas que não a entendem e não
compreendem o que de fato elas são e o que elas significam.

Devido a isso, é essencial compreender o ambiente escolar como responsável por


educar aqueles que serão o futuro do nosso planeta, desse modo, é primordial entender as
problemáticas que embasam o ensino das crianças e jovens, a fim de tentar qualificá-la, a
partir de uma prática ativa embasada na resolução das questões problemáticas, para que esse
futuro não seja constituído pelos mesmos obstáculos que fizeram parte do passado, como o
preconceito praticado sob as religiões de matrizes africanas e o poderio de apenas uma crença
religiosa.

A expectativa de obter-se uma educação pluralista, que se fundamenta em


uma relação de respeito, tolerância e no reconhecimento da diversidade
cultural, abre um leque de possibilidades de discutir-se questões sociais e
pouco “toleradas” pela sociedade, sendo as religiões afro-brasileiras uma
delas. “Falar com respeito não implica em aderi-las ou delas pactuar, apenas
consiste em ser democrático e pluralista respeitando todas as formas de
valores religiosos presentes na sociedade”. (CUNHA JUNIOR, 2009, p. 97)

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O discurso impositivo realizado pelos colonizadores sob os seus colonos, eram, em


sua maioria, embasados na temática religiosa, em que colocava apenas uma religião como a
correta e fundamental, prática recorrente referente a Igreja Católica, curiosamente era a
referente a religiosidade dos colonizadores, esse processo excluía a identidade e religião dos
povos colonizados, uma vez que tal fator não era levado em consideração pelos europeus
quando chegavam na territorialidade desses povos.

Urge, portanto, uma mudança efetiva e concreta no ensino brasileiro, a fim de se


obter entendimento e a prática de reflexão empática sobre multidisciplinaridade e
multiculturalidade que cercam as religiões, compreender os seus processos ritualísticos,
crenças, historiografia, cultura e o significado que os constituem, perceber que tal visão de
estranheza e crítica sob as religiosidade que são distintas daquelas que a maioria da
população brasileira adere, demonstrar que essa perspectiva vem de um contexto que
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utilizava desse fator, tanto para ganhar poder, mas também para perpetuar uma narrativa de
superioridade sobre os demais, em que sempre valoriza apenas a uma cultura, a ocidental.
Essa é a importância de incluir o ensino de cultura afro-brasileira na Educação Básica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

DA SILVA, Maria Rejane; MOREIRA, Harley Abrantes. Religiões afro-brasileiras em sala


de aula a partir da análise de uma turma de educação de jovens e adultos. Natal, Rio
Grande do Norte: ANPUH Brasil, 2013.

DE ARAÚJO, Victor Antônio Bispo; ACIOLY, Augusto Cesar. Intolerância contra Afro-
Religiosos: Conhecendo o candomblé dentro da sala de aula. Paraíba: ANPUH Brasil,
2016.

PUFF, Jefferson. Por que as religiões de matriz africana são o principal alvo de
intolerância no Brasil?. BBC News Brasil, 2016. Disponível em: Por que as religiões de
matriz africana são o principal alvo de intolerância no Brasil? - BBC News Brasil . Acesso
em: 5 de Novembro de 2022.

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