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FECUNDO.
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Cientista Social e especialista em Coordenação Pedagógica, Gestão Escolar e Ensino de História - FAFICA.
Mestrando em Educação Contemporânea pelo PPGDUC da UFPE – CAA. E-mail: mattos.junior@ufpe.br
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Pedagogo e Mestrando em Educação Contemporânea pelo PPGDUC da UFPE – CAA. E-mail:
perycles.macedo@ufpe.br
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Doutor e Mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: Marcelo.gmiranda@ufpe.br
das contradições sociais uma maneira de manifestar o amor de Deus pela humanidade, tal qual
nos ensinou Leonardo Boff (2009). Lembramos ainda que o trato das problemáticas
concernentes a gêneros e sexualidades no âmbito religioso não é recente: tais questões já foram
alvo de enfrentamento sensível por mestres da arte sacra, como Bernini, Donatello, Boticelli
entre outros, que se opuseram à maneira ascética com que a Igreja tratou tais temas, tal qual nos
mostrou Camille Paglia (1999).
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Segundo dados do IBGE de 2020, 50% da população brasileira declara-se católica. Com a margem de erro de
2% para mais ou pata menos.
e significados da cosmovisão cristã, a fim de propor hermenêuticas que sejam mais afirmativas
da vida na terra, das diferenças, do corpo e do sexo.
É próprio das formações discursivas o elemento da heterogeneidade. Um discurso é
sempre composto por uma infinidade de discursos que se confrontam, que se influenciam, se
aniquilam, se reafirmam e se ressignificam (FISCHER, 2001; FOUCAULT, 2004; 2008).
Não obstante a heterogeneidade e a abertura para a transformação que se pode verificar
em alguns de seus desdobramentos, em termos políticos e democráticos, é preciso reconhecer
e preocupar-se com o caráter problemático e potencialmente nocivo que alguns grupos cristãos
têm revelado, principalmente nos últimos decênios da história do Brasil. Para determinados
setores reacionários, católicos e protestantes (sobretudo os pentecostais e neopentecostais), não
basta que seus membros vivam de acordo com as interpretações bíblicas e com as visões de
mundo que livremente escolheram. Para esses grupos, não é suficiente que eles mesmos tenham
a autonomia de viver de acordo com suas crenças e tradições e de transmiti-las à sua
descendência, bem com àqueles indivíduos que livremente as desejarem. O que vimos no Brasil,
a partir da década de 1990 e, de maneira mais radical nos anos seguintes à década de 2000, foi
o desenvolvimento de um projeto de poder proselitista/religioso, profundamente
descomprometido e que viola os direitos humanos e com os próprios pilares do cristianismo5,
vinculado a valores ultraconservadores e reacionários, que representam uma ameaça à
sociedade de maneira geral e, particularmente, às pessoas que vivenciam suas subjetividades
fora da normativa heterossexual, que tenta se apropriar do dispositivo sexualidade para barrar
o avanço de grupos subalternizados e categorizados como minorias sociais e para levar a cabo
seu plano de dominação.
A título de compreensão, Maria Machado (2018) nos oferece uma visão privilegiada
dos elementos que estão presentes no momento da construção do dispositivo “ideologia de
gênero. Segundo afirma, essa ferramenta discursiva tem origem na segunda metade da década
de 1990. Por ocasião da Conferência Internacional da Mulher, realizada pela ONU em Pequim,
no ano de 1995, tem início um debate entre as estudiosas e ativistas feministas e representantes
do vaticano ali presentes. Nesse episódio, os membros da Santa Sé questionaram o uso da
palavra “gênero”. A exigência desse grupo de religiosos era que os documentos em pauta
usassem a palavra “sexo” ao invés de “gênero”. Com isto, o que eles pretendiam era reafirmar
5
Chamamos aqui de cristianismo os valores ensinados pela figura histórica/literária de Jesus.
a ideia de que a mulher é uma realidade essencial, natural, provinda de Deus, ou seja, eles
desejavam sustentar a origem biológica do construto social “mulher”.
A partir daí, intelectuais ligados à Igreja Católica começaram a elaborar diversos
argumentos no sentido de desmobilizar aquilo que passaram a chamar de “ideologia de gênero”
– ou seja, se organizaram para descredibilizar o diverso e heterogêneo conjunto de teorizações
que sustentam que gênero é uma formulação paulatina, que não nasce com os indivíduos, sendo,
portanto, um aparato social e historicamente construído.
De modo geral, o sintagma “ideologia de gênero” tenta desqualificar os estudos de
gênero e os direitos sexuais e reprodutivos a partir de uma ressignificação anacrônica e
capiciosa da palavra ideologia. A argumentação desse grupo de reacionários afirmava que os
estudos de gênero não poderiam ganhar status de teorias, pois, segundo eles, uma teoria
necessita ser verificável através de experimentos e isso seria impossível no caso em questão. A
ideologia, por outro lado, seria um corpo fechado de ideias, um falso discurso inventado por
algum grupo ou indivíduo pessoalmente implicado na situação em questão, logo, não é neutra
e, por conseguinte, também não é científica (MACHADO, 2018).
ÚLTIMAS PALAVRAS.
Os marcadores de gênero e sexualidade têm insistentemente se reafirmado como causa
de sofrimento, de perseguição e de violência em inúmeros espaços, inclusive nos diversos níveis
da escola. Estudiosos, como Bourdieu e Passeron (2014) dentre outros, começaram a
problematizar e a denunciar visões encantadas a respeito da escola e do sistema educacional
como garantia do progresso, de mobilidade social e de inclusão. A partir desses estudos,
sabemos que essa instituição (confessional ou não) não somente foca na construção de
conhecimentos, mas ao fazê-lo, reproduz padrões sociais que podem ser profundamente
opressores e segregadores. Em virtude disso, diferentes sujeitos não têm visto a escola como
um lugar no qual se deve demorar e ou considera-la como um espaço que contribui para a
mobilidade social, na democracia e pluralidade (CARRITO; ARAUJO, 2011).
Em virtude de sua alegada vocação ao amor e ao acolhimento do outro, a superação
das diversas violências, inclusive as de gênero, deveria ser algo eminente para as instituições
educativas religiosas. Em consonância com essa perspectiva, o Papa Francisco (2013, p. 88),
em sua exortação apostólica Evangelii Gaudium, chama a atenção dos cristãos católicos
afirmando que “[...] na sua encarnação, o Filho de Deus convidou-nos à revolução da ternura”.
Os questionamentos levantados em torno desse campo, certamente precisam de
amadurecimento e da elaboração de perguntas que ajudem todos e todas a ir além da
ingenuidade e da tentativa de manter o mundo onde todos e todas vivenciam exclusivamente a
cisheterossexualidade – ou seja, um mundo que nunca existiu.
Tal qual já vimos em tempos recentes, com as ecumênicas e insurgentes teologias da
libertação, as instituições católicas – dentre elas as escolas, precisam ser aliadas às vozes que
desejam trabalhar em prol da renovação do mundo e da afirmação da vida. Para Buber (1982),
assim como para Arendt (2016), o educativo atravessa incontornavelmente o movimento de
apresentar o mundo àqueles que nele chegam. Trata-se de, em um mesmo movimento, preservá-
lo e renová-lo. Preservar as ideias, as ações e expressões que celebram a humanidade em suas
infinitas possibilidades e renovar aquilo que já não cabe, superar as vozes que aprisionam, que
negam, dividem, marginalizam e matam. Tal empreendimento educativo/religioso certamente
se apresenta como tarefa que deveria inspirar responsabilidade e abertura, e não imposição. E,
imbuídos dessa responsabilidade ética para com aqueles e aquelas que chegam ao mundo e não
deveriam ter de escolher entre suas vidas e sua fé, afirmamos que entre a educação confessional
católica e os estudos de gênero não precisa haver nenhuma dicotomia, mas um diálogo fecundo.
REFERÊNCIAS
ARENDT, Hanna. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Editora Perspectiva, 2016.
BOURDIEU, Pierre;PASSERON, Jean-Claude. Reproduções: elementos para uma teoria do
sistema de ensino. Petrópolis: Vozes, 2014.
BOFF, Leonardo. A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana. Petrópolis: Vozes,
2009.
CARRITO, Manuela; ARAUJO, Helena. Insucesso e abandono escolar e a construção social a
masculinidade. Atlas do XI congresso da sociedade portuguesa de educação. Instituto
Politécnico da Barra, jun – jul. 2011.
FISCHER, Rosa Maria Bueno. Foucault e a análise do discurso em educação. In Cadernos de
pesquisa, n.114, p. 197 – 223, 2001.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada
em 2 de dezembro de 1970. São Paulo: Edições Loyolaa, 2004.
FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica Evangelli Gaudium. Vaticano, 2013.
MANACORDA, Mario A. História da Educação: da antiguidade aos nossos dias. 13. Ed.
São Paulo: Cortez, 2010.
MACHADO, Maria das Dores C. O discurso cristão sobre a “ideologia de gênero”. Revista
Estudos Feministas, Florianópolis, 2018.
OLIVEIRA, Aurenéa de; MIRANDA, Marcelo H. G. de; SILVA, Maria A. M. P. da. Questões
de gênero, sexualidade e laicidade no ensino público tendo como eixo de debate a disciplina de
ensino religioso em escolas de Recife. ETD – Educação Temática Digital, v,20, n. 4, p. 864
– 886, 2018.
PAGLIA, Camile. Personas sexuais: arte e decadência de Nefertit a Emily Dickinson. São
Paulo: Companhias das Letras, 1992.