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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO


MESTRADO PROFISSIONAL EM HISTÓRIA - UFAC

NO TÚMULO DA HISTÓRIA: RELIGIOS(IDADE)


(S) NO ENSINO CONFESSIONAL ACRI(ANOS) DO INÍCIO
DO SÉCULO XXI

Felipe Gomes Zanon1


¹ Mestrando do 3º semestre no mestrado profissional em história (UFAC) – Rio
Branco/AC, Licenciado em História (2011) e Bacharel em Direito (2019) pela mesma
instituição.

Resumo: A presente pesquisa aborda uma reflexão crítica e decolonial acerca dos
Planos Curriculares dos Cursos (PCC) da disciplina de história e religião no ensino
médio, elencando aspectos positivos e negativos com relação à temática
pesquisada, capitaneada pela análise da bibliografia pertinente ao tema das
religiosidades, com ênfase no ateísmo, buscando apontar aspectos relevantes na
acerca do ensino confessional em início do século XXI na capital do Acre, Rio
Branco, com ênfase em colégios cristãos. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, na
qual os dados serão levantados por meio da análise teórica, legal e documental
relacionadas à construção dos currículos confessionais do ensino básico em tais
escola confessionais acrianas, e a maneira como a formação teórica
predominantemente cristã é observada e seu reflexo na futura prática docente no
ensino básico. A análise dos dados coletados será subsidiada pelo estudo seguintes
estudiosos do tema: DELORS (2010), PEREIRA (2013), FREIRE (1993), dentre
outros.

Palavras-chaves: Currículo; Religiosidades; ensino básico; ensino confessional.

Abstract: This research addresses a critical and decolonial reflection on the Course
Curriculum Plans (CCP) of the discipline of history and religion in high school, listing
positive and negative aspects in relation to the researched theme, led by the analysis
of the bibliography pertinent to the theme of religiosities, with an emphasis on
atheism, looking for relevant points about confessional teaching at the beginning of
the 21st century in the capital of Acre, Rio Branco, with an emphasis on Christian
schools. This is a qualitative research, in which data will be collected through
theoretical, legal and documentary analysis related to the construction of
confessional basic education curricula in such Acre confessional schools, and the
way in which the predominantly Christian theoretical formation is observed and its
reflection in the future teaching practice in basic education. The analysis of the
collected data will be subsidized by the study of the following scholars on the subject:
DELORS (2010), PEREIRA (2013), FREIRE (1993), among others.

Keywords: Curriculum; Religiosities; basic education; confessional teaching.

1
1 NO TÚMULO DA HISTÓRIA: O APAGAMENTO ATEÍSTA NO CURRÍCULO

O mister do labor curricular é formar o cidadão que transformará o futuro.


Sem nenhuma pretensão de encerrar o tema, propor-se-á uma análise superficial da
base teórica constantes no ensino médio (ensino básico) das escolas confessionais
do estado do Acre, mais precisamente de sua capital Rio Branco. Primeiramente,
vale salientar que aquele que desenvolve um currículo o faz de maneira
extemporânea, não tendo controle sobre o que efetivamente seu trabalho resultará
nas práticas futuras: ele dialoga com aquilo que não pode (nem deve) controlar. Daí
a premente necessidade de a prática docente sempre renovar-se, redescobrir-se e
reinventar-se no papel de atores de um diálogo permanente com as constantes
mudanças do século que se inicia; nos dizeres da professora Maria Célia Marcondes
de Moraes “[...] a educação não pode ficar alheia às consequências da teoria”
(MORAES, 2009, p. 604).
O ensino não confessional, defende-se aqui, é um ensino decolonial por
natureza e em sua essência. Com as caravelas vieram também as doenças e o
cristianismo, hoje, financiado no Estado do Acre em pelo menos três colégios de
ensino básico de Rio Branco. São milhões de reais financiando uma visão retrógrada
e que, historicamente, está bem voltada à repressão e ao fascismo. Salientando-se
sempre que, no Acre, a igreja católica teve importante papel na luta dos seringueiros
e trabalhadores rurais. Contudo, isso não exclui séculos de apagamentos de
silenciamento que hoje urdem no currículo seu status quo. Em terras acrianas, se há
um ensino que deveria receber, sim, grandes somas de financiamento público, é o
indígena, posto que obliterado violentamente no Acre.
No presente artigo será discutido como a formação teoria confessional é
prevista nos currículos do ensino básico, em especial dos colégios São José
(católico) e João Calvino (protestante). No Acre, pululam escolas dessa natureza,
poder-se-ia ainda citar o Instituto Imaculada Conceição, Luterano, entre outros. As
questões das religiosidades curriculares, no Brasil, remontam o Império, no que se
refere ao currículo, especialmente numa época onde a religião oficial ainda era o
catolicismo. Um exemplo crasso do que se visa problematizar na pesquisa em lide e
um norte para a discussão que virá a seguir, sem dúvida poder-se-ia estabelecer
quanto à polêmica entre os pilares deste novo modelo familiar (consignado no
slogan fascista “deus, pátria, família) que rapidamente se transforma diante de
nossos olhos. Tal modelo emolda-se como representação das transformações
sociais às quais este novo modelo educacional e teórico deve adaptar-se para
representar de maneira fiel a nova sociedade que se deslinda perante os futuros
docentes. Uma educação transformadora não pode fixar-se unicamente na teoria e
ignorar, por assim dizer, aquilo que rodeia o fenômeno (se é que assim podemos
chamá-lo) “escola”, que a nosso sentir deve ser prementemente laica. De outra
forma, se o Estado pode custear o ensino confessional cristão, este deve igualmente
estar propenso ao financiamento de outras formas de ensino confessional.
Umbanda, espiritismo, embora estatisticamente menos representados, merecem
igual proteção estatal.
Um currículo jamais aspira neutralidade: ele está sempre (e de forma
indelével) insculpido pela pena daquele que o produz. Enquanto este artigo se
delinia, há vários projetos de leis visando impedir que o professor possa “doutrinar”
(o famigerado escola sem partido é um exemplo) seus alunos dentro de sala de
aula. Essas temerárias iniciativas legais, por si só, já trazem consigo a marca
daquela visão de mundo que visa propalar: a conservadora e engessadora, por
evidente, a não secular.
[...] Nelson Maldonado [...] radicaliza o conceito de colonialidade do saber
afirmando que ocorre um racismo epistêmico relacionado à política e à
sociedade. Esse racismo desconsidera e deslegitima a capacidade
epistêmica de certos grupos de pessoas, com a finalidade, ora explicita ora
velada, de "evitar reconhecer os outros como seres inteiramente humanos"
[...] que essa forma de racismo está profundamente disseminada, até
mesmo entre segmentos de um pensamento filosófico de matriz crítica, e
pauta-se "para além das justificações biológicas de racismo, ou das
justificações baseadas em diferenças de cultura ou de maneira de estar,
é possível encontrar em algumas tendências influentes do pensamento
ocidental uma justificação ontológica e epistemológica mais subtil [...].
(MOLINA, A. H.; FERREIRA, C. A. L., 2016, p. 147, grifo nosso)

A questão de gênero, tão cheia de paixões de ambos os lados, seja ele um


“Bolsonaro” ou um “Willys” denota perfeitamente o quanto a questão educacional
gera polêmicas: deve uma criança estar a par (ou seja, “teorizar”) dessas questões
em que idade? Sob que aspectos e que nortes? Essas são meras elucubrações
daquilo que está por vir. A única certeza é que estamos cheios de dúvidas nesta
senda: daí a necessidade da teoria e seu bojo de caráter prementemente científico e
filosófico. Delors, este Joyce quando o assunto é currículo, levanta questões
bastante intuitivas sobre o tema: as ciências devem dialogar entre si! O ensino, a
prática e a teoria podem sim conversarem enquanto adstritas ao campo do
conhecimento. A Noruega, um país predominantemente secular, é um magnífico
exemplo disto: ali, as subdivisões entre as disciplinas acabaram: o conhecimento é
um só.
Mas, como aprender a conviver nesta aldeia global, se somos incapazes de
viver em paz nas comunidades naturais a que pertencemos: nação, região,
cidade, aldeia, vizinhança? A questão central da democracia é saber se
desejamos e somos capazes de participar da vida em comunidade;
convém não esquecer que esse desejo depende do sentido da
responsabilidade de cada um. Ora, apesar de ter conquistado novos
espaços, domina dos anteriormente pelo totalitarismo e pela arbitrariedade,
a democracia tem tendência a debilitar-se com o decorrer dos anos; como
se tudo tivesse, incessantemente, de recomeçar, renovar-se e ser
reinventado. (DELORS, 2010, p. 08, grifo nosso)

Logo, deve-se escrutar até onde os currículos eminentemente confessionais


dessas escolas, tão fundamentais na formação básica das jovens mentes estão
afeitos ao diálogo proposto por Delors. Salientando-se ainda a relevância da
realidade dos alunos (sem olvidar a proposta educacional de Paulo Freire) e dos
docentes formados por esta instituição nas escolas do ensino básico analisadas.
Então o primeiro questionamento que exsurge de tal discussão é: discutir
gênero, sexualidade, religião (nosso tema) devem ser possibilitado a partir de que
idade? Quando o tema é sexualidade os arautos da moralidade bradam: “querem
sexualizar nossas crianças”; de outra monta, quando se trata de ensinar os
fundamentos (morais?) de uma religião de milênios, alicerçada na exploração e
saque de outros povos, isso se torna de repente uma meta a ser perseguida no
currículo. Novamente: ou se financia todas as formas de expressão religiosa com
relevância no Estado, em especial a indígena, ou não se financia nenhuma. “
Art. 2º As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e
Continuada em Nível Superior de Profissionais do Magistério para a
Educação Básica aplicam-se à formação de professores para o exercício da
docência na educação infantil, no ensino fundamental, no ensino médio e
nas respectivas modalidades de educação (Educação de Jovens e Adultos,
Educação Especial, Educação Profissional e Tecnológica, Educação do
Campo, Educação Escolar Indígena, Educação a Distância e Educação
Escolar Quilombola), nas diferentes áreas do conhecimento. (BNCC)

Conversamos além-mar, mas não conseguimos atravessar a fronteira até a


Bolívia, o Peru, nossos vizinhos acrianos, e outros países que nos acompanham
neste misto de expropriação, apagamento cultural (especialmente pelas religiões
cristãs) e escravidão que é encerra nossa história comum. Como levar o estudante
de ensino básico a refletir sobre sua realidade se o seu currículo não prepondera
este tipo de perspectiva? E o pior: como ele vai ensinar no que não aprendeu, o que
não pesquisou?

[...] oferecer pressupostos teóricos e metodológicos do Ensino de História e


Cultura Afro-Brasileira e Africana, bem como problematizarmos a
importância da história da África para efetivação da Lei 10.639/2003, em
sala de aula, continuei o curso perguntando aos professores e professoras
se há diferença entre dizer para uma criança negra brasileira que ela é
descendente de escravo ou descendente de homens e mulheres
escravizados. Praticamente todos os docentes responderam que há
diferença e, ao perguntar qual seria, tivemos respostas como "não pode
limitar a história do negro a escravidão"; "porque falar isso para as crianças
negras é maldade"; "porque a história da população negra começa na
África". (p. 61-62)

O mesmo decorre do tema em comento, posto que o título já é


autoexplicativo “no túmulo da história”, este é o lugar do ateísmo não apenas no
currículo. Tal discussão, mais recentemente, veio à tona com força na recente Ação
Direita de Inconstitucionalidade nº. 4439 – que tramitou coetaneamente aos eventos
ora estudados e narrados a seguir - proposta pela Procuradoria Geral da República
contra o ensino confessional em escolas públicas (e as subvencionadas pelo
dinheiro público, como São José e João Calvino) e que resultou numa aperta vitória
em favor do medievalismo jurídico tão tupiniquim: a religião cristã faz é parte
inerente da cultura brasileira, segundo o Supremo. Como provocação deixo a
reflexão de que talvez seja chegada a hora de estabelecermos, no currículo, aqueles
processos de ruptura tão presentes na obra de Paul Veyne, bem como na
historiografia atual e teorizar sobre uma época (a atual) do “mito da laicidade” do
ensino público acriano.
A razão de ser dessa educação secular da visão é uma particularidade
que modelou, de maneira soberana, a fisionomia do gênero histórico:
as diferentes espécies de eventos não são igualmente fáceis de serem
percebidas, e há menos dificuldade em ver, na história das batalhas e dos
tratados, acontecimentos, no sentido corrente da palavra, do que
mentalidades ou ciclos econômicos: em política, distinguimos, facilmente,
guerras, revoluções e mudanças ministeriais; em religião, teologias,
deuses, concílios e conflitos entre Igreja e Estado; em economia,
instituições econômicas e máximas sobre a falta de braços na
agricultura ; a sociedade é estatuto jurídico, vida quotidiana ou vida de
sociedade; a literatura é uma galeria de grandes escritores, a história
da ciência é a das descobertas científicas (VEYNE, 1979, p.172, grifo
nosso).

Neste ponto o apagamento dos professores de história é total: pois não são
eles, os especialistas que irão ministrar tais disciplinas, especialmente para que não
se tornem o que de fato são: palcos intermináveis de lavagem cerebral e inculcação
de preconceitos (menino de azul e menina de rosa, por exemplo). O carnaval
sempre propicia a manifestação de tais preconceito de maneira mais latente, veja o
exemplo do festeja deste ano e a polêmica (novamente) sobre o demônio presente
ali. Tais recordações me levam aos idos do milênio passado, da inscrição que agora
fulgura à lembrança: “mesmo que proibido, olhais por nós!”
O domínio “cristão” sobre o ensino de história no Brasil é de uma claridade
solar, segundo Itamar Freitas “[...] até 1930 não se tinha clareza sobre o que deveria
ser o ensino de História para os jovens, aventando-se teorias que mesclavam
positivismo, catolicismo ultramontano e pragmatismo norte-americano, entre
outras abordagens; [...]” (FREITAS, 2010, p. 11). Assim, não apenas pelos debates
levantados pelo ENA, mas pelo que ocorria pelo país enquanto o tema do presente
estudo era debatido. Ao final, se as hipóteses aqui levantadas forem atingidas, o/a
leitor(a) será transportado para uma era (no sentido epistemológico que lhes
atribuíram os gregos) do mito da laicidade na educação acriana e dos ateus
“radicais”, ou seja, a época atual.
Deve-se salientar no trabalho que será desenvolvido, tendo como fontes
tanto o ENA (Encontro Nacional de Ateus) quando a ADI 4439 - em níveis diversos,
todavia - representam aspectos estruturais do mito da laicidade no ensino público
acriano ora aventado. Um mito, além de um componente fundamental das
sociedades humanas através da história com tragédia (ruptura), faz parte desse
imaginário do qual falará Marilena Chauí, Nietzsche, Strauss, dentre outros
pensadores, cada um a sua maneira e em suas áreas de estudo. Os gregos já
tinham uma concepção bastante avançada sobre a “tragédia da vida” e a
necessidade mitológica como resposta a esta tragédia, como amiúde ocorre com
cristianismo sempre infiltrado através da história e no próprio ensino público pátrio.
E, no entanto, os currículos escolares estão cada vez mais
sobrecarregados; nesse caso, será necessário fazer escolhas, com a
condição de preservar os elementos essenciais de uma educação básica
que ensine a viver melhor pelo conhecimento, pela experiência e pela
construção de uma cultura pessoal (DELORS, 2010, p. 09).

E aqui o artigo inicia uma pessoalidade que o presente autor teme


engendrar, embora, de forma inédita, tenha sido exortado por seus docentes da pós-
graduação para tal. As disciplinas escolares, sejam elas confessionais ou não,
devem estar ligadas ao ensino de história de forma indelével, posto que é nesta
ciência que estão as discussões para além das barreiras da lei, da cultura, do
tempo, por que não dizer, “tendo objetivos próprios e muitas vezes irredutíveis aos
das ciências de referência” (BITTENCCOURT, 2008, p. 38). O ensino confessional
no Acre, utilizando-se de uma licença poética, claramente alicerçou a maior votação
conservadora da história recente.
E isto é dito com base em ao menos dez anos de efetiva militância ateísta no
Estado do Acre. O episódio da “queima da bíblia”, como ficou conhecido o Sara(te)u
(sarau de ateus) de 2015, parte do projeto de extensão denominado Encontro
Nacional de Ateus (ENA) do qual, embora não tenha sido um dos idealizadores em
solo nacional, este escriba foi único a torná-lo um evento acadêmico. Das
religiosidades discutidas de forma reflexa no presente artigo, aquela mais
perseguida (na visão de quem sofreu processos, postagens e ofícios de Marco
Feliciano) é a ateísta. Como ensinar história medieval sem mencionar de forma
foucaultiana os processos por heresia, apostasia e afins?
A pergunta acima dirigida acerca da necessidade de “ou se financiar a todos
ou a ninguém” aqui ganha relevo, posto que é somente ao se garantir aos mais
lesados, aos mais excluídos o direito de fazer parte dessa cultura escolar básica,
passa inexoravelmente pela discussão do currículo confessional. Se isso começar
no capital do estado de Chico Mendes, numa escola católica, pelo acompanhamento
de um olhar ateísta, que seja. De todas as vezes em que dei a cara a tapa em
defesa de um estado realmente laico, o que recebi foi preconceito, ameaças e
destruição da minha vida pessoal e profissional. Não só deste que vos escreve, mas
daquele que efetivamente queimou (e não aquele que somente organizou o evento),
até hoje referenciado como “o queimador de bíblia”.
Assim, quando o "mito"2 da maioria verte num daqueles discursos que
representam bem a análise que se visa desconstruir (ódio contra homossexuais,
preconceito e discriminação contra os laicos, etc.) na educação, aquela onde a
minoria tem que se "submeter" a vontade da maioria, fomentando processos
educacionais de exclusão; o mito não tem somente estruturas como acredita
Strauss, o mito “é” em cada milissegundo da história. Logo, em cada sociedade,
cada época, o conceito de laicidade é erigido à sua maneira mítica, incluindo-se aí o

2
Nietzsche entendia a tragédia como algo necessário, daí a necessidade de uma análise mítica no
sentido em que será defendido no presente projeto de pesquisa, posto, como é visto comumente, a
desunião de dos laicos que permite, consequentemente, uma dominação imposta na esfera jurídica
de cima para baixo, como restou claro na decisão da ADI 4431 que será igualmente analisada e que
retumba nas esferas, social, econômica (vide a poderosa igreja erigida por Edir Macedo).
próprio conceito de deus. Eles (a maioria, os não laicos) controlam o poder político,
logo, dominam o Estado, a Educação (e seus vieses, seu currículo), o poder em si.
O Brasil de hoje vive um Estado de exceção ao estado laico, sendo defeso sua
defesa e, porque não dizer, desaconselhada.
A filosofia não surge para dividir, mas sim para unir, tentar encaixar as
diversas peças por meio de uma retórica em forma de escrutínio: ao saber que nada
sei, sei ao menos uma coisa, o fato de que não se sabe. Teoria e prática não
necessitam serem excludentes entre si, podem muito bem complementarem-se de
maneira positiva para a formação do futuro professor do ensino básico: “[...] Boa
parte dos autores até contrapõe teoria à prática. Se não como duas realidades
excludentes entre si, pelo menos como tese e antítese de um mesmo processo.
(PEREIRA, 2003, p. 09). Essa vertente é bastante analisada pelo imortal Lukács no
trecho que se segue:
Por isso, informa Lukács (1979, p. 32), é necessário que o ponto de partida
do conhecimento se constitua em uma abstração correta, que em sua
estrutura interna já possua características da pesquisa científica. Filosofia e
ciência originam-se na vida cotidiana, desenvolvem-se como instâncias
autônomas para, finalmente, retornarem à práxis imediata e informá-la com
novas ou melhores concepções. [...] Marx (1865) assinala que é um
paradoxo que a “terra se mova em volta do sol e que a água seja constituída
por dois gases altamente inflamáveis. A verdade científica é sempre um
paradoxo do ponto de vista da experiência imediata que alcança apenas a
mistificada aparência das coisas”. (p. 594)

O ENA representa apenas uma das facetas (ou rupturas) da luta dos laicos
na prática, da tentativa de saída dessa cova onde sempre esteve na história e, claro,
em seu ensino: parafraseando Marx, foi a "epifania" de uma minoria para sair das
páginas dos livros e transformar de fato a realidade 3, tal projeto, por si só, é
justificativa suficiente para um estudo acerca do tema proposto, agora pelo viés de
seus ecos na educação acriana. A queima da bíblia foi o "basta", o rompimento e
porque não o réquiem deste mito, a "chegada do meio dia" do qual Nietzsche fala na
obra Assim Falava Zaratustra; ou ainda representado na sustentação oral da
advogada da Associação Nacional de Ateus (ATEA) na ADI ora analisada. E que
implicações isso trará para os processos educacionais num futuro não tão distante?

5 CONCLUSÃO

3
É famoso o aforismo marxista de que “chega” de estudar a história, pois é chegada a hora de transformá-la.
Assim, resta claro que as deficiências curriculares constantes nos Planos
Curriculares de história e religião necessitam de uma análise mais aprofundada, não
se pretendendo aqui jamais - o parco e pequeno artigo - abarcar a totalidade de
significados e problematizações possíveis relacionados ao tema em debate. Por
outro espeque, o presente trabalho buscou de forma humilde aventar que tais
configurações poderão prejudicar de forma indelével a formação não apenas dos
futuros cidadãos, mas daqueles que estes igualmente formarão, tendo em vista que
“nenhum homem é uma ilha”, muito menos o ofício de ensinar se faz só, ou seja,
formando-se um péssimo círculo vicioso e porque não dizer, preconceituoso e
colonial.
A filosofia, a história, e penso que a própria religiosidade humana, não
surgem para dividir, mas sim para unir, tentar encaixar as diversas peças daquilo
que denominamos existência por meio de uma retórica em forma de escrutínio: ao
saber que nada sei, sei ao menos uma coisa, o fato que desconheço. Teoria e
prática seculares não necessitam serem excludentes com as religiosidades, podem
muito bem complementarem-se de maneira positiva para a formação do futuro
cidadão do ensino básico: “[...] Boa parte dos autores até contrapõe teoria à prática.
Se não como duas realidades excludentes entre si, pelo menos como tese e antítese
de um mesmo processo. (PEREIRA, 2003, p. 09). Essa vertente é bastante
analisada pelo imortal Lukács no trecho que se segue:
Por isso, informa Lukács (1979, p. 32), é necessário que o ponto de partida
do conhecimento se constitua em uma abstração correta, que em sua
estrutura interna já possua características da pesquisa científica. Filosofia e
ciência originam-se na vida cotidiana, desenvolvem-se como
instâncias autônomas para, finalmente, retornarem à práxis imediata e
informá-la com novas ou melhores concepções. [...] Marx (1865)
assinala que é um paradoxo que a “terra se mova em volta do sol e que a
água seja constituída por dois gases altamente inflamáveis. A verdade
científica é sempre um paradoxo do ponto de vista da experiência imediata
que alcança apenas a mistificada aparência das coisas”. (LUKÁCS, 1979, p.
594)

Por fim, enquanto continuarmos alijando determinados setores da sociedade,


reproduzindo uma educação não-inclusiva, onde as religiosidades não dominantes
são vistas de forma pejorativa - quando não completamente obliteradas, como no
caso ateísta - o triste (para citar somente o exemplo mais gritante de nossa
realidade) quadro onde os principais herdeiros de uma terra, os indígenas, os
semeadores dos jardins amazônicos, continuarão pelo centro da cidade, pedindo
esmola, como se um dia este torrão não houvesse sido “deles”.
Portanto, uma educação inclusiva é aquele que forma o cidadão não apenas
para a vida futura, mas para respeitar suas raízes pretéritas, seus ancestrais,
especialmente no ensino de história e religião, onde tais características estão tão
presentes. Para a visão ateísta, na singular e despretensiosa deste escriba, é
respeitando-se a todos que se consegue o respeito próprio. Logo, enquanto outras
formas de religiosidade não se virem efetivamente representadas no currículo de
história e religião, a ateísta continuará no túmulo da história, seja ela curricular, seja
ela metodológica, seja ela histórica.

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