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Resumo
Este estudo objetiva, a partir de uma pesquisa bibliográfica exploratória, apresentar
e discutir brevemente a epistemologia do Ensino Religioso presente na BNCC.
Contextualiza, historicamente, as matrizes propostas para o Ensino Religioso e
defende a aplicação do proposto pela BNCC, como sendo uma formulação que
respeita a laicidade e a diversidade religiosa do Brasil. O presente artigo também
discute o lugar do Ensino Religioso no campo científico, afirmando que a melhor
elaboração possível, frente à legislação, é aquela que o define enquanto
transposição didática da(s) Ciência(s) da(s) Religião(ões). Além disso, apresenta
seu principal objeto de estudo, seus principais conceitos e sua metodologia,
conforme o proposto pela BNCC e por autores como Junqueira, Brandenburg,
Teixeira e Rodrigues, entre outros.
INTRODUÇÃO
O desafio de pesquisar a respeito do Ensino Religioso está, primeiramente,
no fato de tratar-se de um tema controverso na sociedade e no meio educacional.
Vejamos que não se discute a necessidade ou a importância do ensino de
Matemática, por exemplo, nas escolas. Sabe-se também, pacificamente, que a
Matemática pertence ao campo das Ciências Exatas. Porém, quanto ao Ensino
Religioso já não é tão simples assim. Por este motivo torna-se importante discutir e
levantar dados sobre o lugar epistemológico do Ensino Religioso, a fim de esclarecer
a qual área do conhecimento pertence essa disciplina escolar, bem como definir de
1 Mestrando em Educação pela UERGS. Licenciado em História, Especialista em Filosofia, com
formação continuada em Ensino Religioso e Mediação de Conflitos. Membro da Associação de
Professores de Ensino Religioso do Rio Grande do Sul (APER/RS) e redator do Referencial
Curricular Gaúcho de Ensino Religioso. Atualmente é Assessor Técnico-Pedagógico da SMED/NH e
Coordenador adjunto da Pós-graduação em Docência no Ensino Religioso da UERGS. Contatos:
dionisio-felipe@uergs.edu.br
É importante deixar claro que, apesar da tradição escolar, por muitas vezes,
trazer consigo a prática da antiga “aula de religião”, esta primeira matriz apresentada
na sistematização é atualmente vedada pela legislação educacional e está em
desconformidade com o que propõe a BNCC. Assim, faz-se necessário a
atualização e qualificação do corpo docente para ministrar o Ensino Religioso nas
escolas públicas em conformidade com a laicidade do Estado brasileiro e com as
normas que definem a epistemologia dessa disciplina escolar.
Por entender que, seja qual for a nomenclatura dada a essa Área do
Conhecimento, trata-se da mesma ciência em questão, com os mesmos objetivos e
objetos de conhecimento, muitos autores optaram por usar o termo “Ciência(s) da(s)
Religião(ões)” como forma de respeitar e incluir as diferentes interpretações sem
entrar no mérito da polêmica. Essa é forma também na qual se encontra essa
ciência citada na BNCC. Outro equívoco se deu quanto ao lugar dessa ciência.
Inicialmente havia um entendimento de que a(s) Ciência(s) da(s) Religião(ões) e a
Teologia eram parte de um mesmo saber, outros entendiam que uma estava dentro
da outra ou que ambas estariam dentro da Filosofia. Essa polêmica foi alvo de
discussões junto ao CNPq/CAPES, conforme descreve Rodrigues (2017, p. 120):
No Brasil, a(s) Ciência(s) da(s) Religião(ões) e a Teologia foram,
inicialmente, classificadas como subáreas da Filosofia. Recententemente,
tais campos tornaram-se distintos da filosofia, passando a ocupar, no âmbito
da árvore de saberes do CNPq/CAPES, a posição de área autônoma, como
área 44 – Ciência(s) da(s) Religião(ões) e Teologia. A despeito de não
constituírem áreas dependentes entre si, Ciência(s) da(s) Religião(ões) e
Teologia permanecem, pois, no mesmo indicador, que vale uma ressalva.
Desta forma, ao definir quais são os conceitos que farão parte do processo
escolar de socialização do saber, está se definindo uma série de paradigmas que se
considera minimamente consensual no meio científico e que pode ser submetido ao
público escolar. Esses conceitos estão distribuídos em toda literatura e produção
científica do Ensino Religioso e da(s) Ciência(s) da(s) Religião(ões), porém, ficaram
mais evidenciados, sistematizados e até simplificados na BNCC. Analisando os
principais conceitos propostos pela BNCC, realizamos a sistematização deles e da
conceituação apresentada nesse documento em uma tabela, apresentada abaixo:
Tabela 2: Principais conceitos do Ensino Religioso presentes na BNCC
Estes conceitos servem como baliza para o Ensino Religioso no decorrer das
etapas do Ensino Fundamental, e são estudados progressivamente, conforme as
habilidades e as competências propostas pela BNCC. São conceitos oriundos de
produções intelectuais diversas, que compõe o arcabouço do Ensino Religioso e são
uma progressão do que já vinha sendo proposto nos PCNs. Estes conceitos estão
divididos no documento em 3 (três) diferentes Unidades Temáticas maiores, sendo
elas: (a) Crenças religiosas e filosofias de vida, (b) Manifestações religiosas e (c)
Identidades e alteridades.
Os fundamentos teóricos (e os autores) para o Ensino Religioso não são
citados na BNCC, porém, ao analisar os principais conceitos a serem abordados
pelo Ensino Religioso no decorre do currículo escolar, observa-se que estes estão
presentes em produções científicas de diversos autores da(s) Ciência(s) da(s)
Religião(ões), da Antropologia e da Teologia. Porém, nota-se que grande parte da
discussão conceitual desses termos já se fazia anteriormente presente em
documentos do Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (FONAPER),
entidade que congrega estudiosos do Ensino Religioso e membros das mais
diversas Tradições Religiosas de todo Brasil.
METODOLOGIA DO ENSINO RELIGIOSO
Brandenburg (2013, p.223) afirma que a “fenomenologia ou o estudo do
fenômeno religioso pode funcionar como método de organização desse
conhecimento específico”, referindo-se ao Ensino Religioso. De fato, o próprio objeto
de estudo do Ensino Religioso já sugere, nele mesmo, um método, que é análise,
estudo e observação do fenômeno em questão.
A fenomenologia é um tipo de estudo oriundo da filosofia e que atualmente é
mais empregado em estudos antropológicos. Porém, por tratar-se de uma
transposição didática, dificilmente os métodos mais profundos da fenomenologia
serão aplicáveis para o estudo em sala de aula, no Ensino Fundamental. Assim, é
importante percebermos que se recorre ao substrato desse estudo, que é o
conhecimento religioso, esse já mais mastigado, trabalhado, apesar de ainda ser
complexo e profundo.
Assim, as metodologias do Ensino Religioso, não diferentemente das demais
disciplinas escolares, serão buscadas no campo das metodologias educacionais da
atualidade. A BNCC propõe a adoção de metodologias educacionais ativas para o
desenvolvimento das aulas de Ensino Religioso, conforme o texto evidencia:
No Ensino Fundamental, o Ensino Religioso adota a pesquisa e o diálogo
como princípios mediadores e articuladores dos processos de observação,
identificação, análise, apropriação e ressignificação de saberes, visando o
desenvolvimento de competências específicas. (BRASIL, BNCC, 2017,
p.436)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O grande feito da BNCC para o Ensino Religioso é a definição do lugar
epistemológico dessa disciplina escolar, ligando-a à(s) Ciência(s) da(s) Religião(ões)
e definindo que seu objeto principal de estudo é o Conhecimento Religioso,
substrato do Fenômeno Religioso.
O documento também estabeleceu uma série de conceitos-chave para se
trabalhar esse objeto de estudo em sala de aula, já observando o tratamento
didático necessário, além de apontar o lugar desses saberes na progressão
longitudinal do currículo. Com isso, foi dado um grande passo, apesar de algumas
dúvidas ainda pairarem sobre o tema, em especial no que tange à metodologia, que
merece mais estudos.
Portanto, ministrar Ensino Religioso no Brasil, seguindo o que se propõe na
BNCC, exige do profissional da educação, em primeiro lugar, um trabalho intelectual
de apropriação dos saberes da(s) Ciência(s) da(s) Religião(ões), no geral pouco
conhecida dos docentes, por tratar-se de uma área bastante nova na academia
brasileira. Em segundo lugar, há a necessidade de um esforço para se realizar a
transposição desses saberes para a linguagem da sala de aula, exigindo nesse
período inicial, que se busquem e desenvolvam metodologias que deem conta das
habilidades que se propõe desenvolver em cada etapa do Ensino Fundamental.
REFERÊNCIAS
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