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O PARADIGMA PÓS-CRÍTICO E O ENSINO RELIGIOSO NO BRASIL

Eduardo Sales de Lima

1. INTRODUÇÃO

O tema da nossa pesquisa versa sobre a utilização do paradigma pós-crítico


como proposta epistemológica para o ensino religioso (ER). A escolha deste tema
resulta dos problemas e dificuldades que a sociedade tem enfrentado para pensar a
diversidade e a pluralidade a partir das religiões.

Essa diversidade pode ser verificada nas próprias nas salas de aula,
inclusive, pelas dificuldades inerentes a aplicação de uma metodologia válida que,
relacione aprendizagem com as exigências sociais e legais de um Estado Laico.
Essa problemática tem se agravado nos últimos anos, principalmente pelo
surgimento e legitimação de novas abordagens epistemológicas buscando ideais de
inclusão sobre gênero, etno-racialidades, diferenças culturais, colonialidades, etc.

Diante disso nosso objetivo é propor o pensamento “pós-crítico” como um


paradigma capaz de atender às necessidades de Ensino Religioso laico, plural,
dialógico, contemporâneo e científico. Para isso apresentaremos os paradigmas
epistemológicos correntes e os desafios e dificuldades relacionados à BNCC.

Assim, ao término espera-se uma apresentação dos estudos pós-críticos


que ressalte sua relevância para o ER, apresentando sua relação com as mudanças
epistemológicas contemporâneas.

2. DESENVOLVIMENTO

Para fundamentar nossa proposta de pesquisa o referencial teórico será


abordado em três perspectivas, observando os estudos epistemológicos,

Primeiro, quanto aos estudos epistemológicos, procura-se entender a


necessidade do ensino religioso fundamentar suas práticas a partir das Ciências da
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Religião. Assim, o professor de ensino religioso precisará entender o papel da
epistemologia como fundamento do saber (PASSOS, 2007; NASCIMENTO, 2016;
TEIXEIRA, 2008). Por ela é possível identificar os fundamentos que orientam os
estudos sobre as religiões, qual proposta vai guiar os estudos e as aulas. De
referência nesta pesquisa é o livro: “A dimensão teórica dos Estudos da Religião”
(SILVEIRA; MORAES, 2017).

A epistemologia é a porta de entrada para a pesquisa pois possibilita


entender as dificuldades inerentes ao estatuto científico para o ER, principalmente
quanto à definição do objeto de estudo e das metodologias de abordagem
(USARSKI; STERN, 2023). Dentre as principais dificuldades para o ER destacamos
as relacionadas à pluralidade religiosa e à laicidade do Estado. Desta forma, além
das dificuldades comuns a todos os professores, o ER ainda precisa “lidar” com a
necessidade de inclusão e valorização da pluralidade e liberdade religiosa sem
atacar, perverter ou reduzir a laicidade do Estado (BAPTISTA; SIQUEIRA, 2020;
MONTEIRO, 2023; GIL FILHO, 2016). Neste caso a epistemologia serve para refletir
sobre a própria metodologia observando a aplicabilidade e validade das
considerações diante da necessidade de pluralidade e laicidade, ampliando a
complexidade do objeto estudado, que não pode ser reduzido à simplicidade de
epistemologias como as presentes no positivismo (PACHECO, 2013).

Isso possibilita antever e romper com paradigmas dualistas (POPPER, 1972)


e classificatórios incompatíveis com uma proposta laica e plural. Dessa forma o
professor pode articular outros saberes em perspectivas mais abrangentes que
incluam a diversidade social brasileira (GROSFOGUEL, 2008; BONETI, 2014; LINS,
1964; MACNABB, 2019; MOSER, 2002; SANTOS, 2015).

Uma das propostas mais abrangentes já utilizada no contexto brasileiro são


os estudos Pós-Críticos realizados por pesquisadores da pedagogia do currículo
(SILVA, 1999). Em nossa pesquisa por meio de levantamento bibliográfico no portal
de periódicos da Capes, não foram localizados trabalhos sobre “Ensino-Religioso” e
Pensamento Pós-Crítico.

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Os estudos pós-criticos, para situar melhor a proposta, foram desenvolvidos a
partir da década de 1990 entre pedagogos brasileiros preocupados com uma
proposta que atendesse à diversidade cultural brasileira. Dentre os principais
pesquisadores, destacamos os textos de Tadeu Tomaz da Silva, (1999) cuja
proposta além de atender à necessidade legal e pública, também tem potencial de
refletir de forma crítica sobre os paradigmas positivista e cartesiano (PACHECO,
2013; PARAÍSO 2004; BARBOSA, 2021). Todavia, devido às dificuldades relativas
tanto à cientificidade disciplinar do ER quanto ás epistemes que configuram o
paradigma pedagógico, o elemento religioso foi praticamente omitido de pesquisas
pós-críticas.

Assim, nossa proposta é refletir a partir dos estudos Pós-Críticos. Com isso, a
partir da proposta de diálogo com outras epistemes culturais, pode-se contribuir para
um programa epistemológico que atenda ao ER no Brasil. O fundamento dessa
proposta está no rompimento com os dualismos e na inclusão de chaves de leitura
que valorizem questões relacionadas a identidade, gênero, etno-racialidade,
colonialidade, e cultura em geral, já consideradas nos estudos pós-críticos, e a
estas, incluir a percepção religiosa como dimensão cultural. Essa proposta tem
como fundamento o diálogo intercultural, pressupondo a diversidade e pluralidade
como fundamentos do saber (HERVIEU-LEGER, 2008; OLIVEIRA; GOMES, 2021;
BORGES; BAPTISTA, 2020; MEYER; PARAÍSO, 2012; PANOTTO; FRANCO, 2021;
SANTOS, 2013).

3. CONCLUSÃO

A partir da pesquisa inicial, pode-se entender que a proposta pós-crítica


representa uma episteme plural capaz de lidar com a complexidade e a diversidade
do contexto brasileiro, sendo portanto, válida também para o tratamento e aplicação
no ER. Principalmente em razão de sua proposta questionadora dos essencialismos
e dualismos, assim como a compreensão da pluralidade sem “abrir mão” da
cientificidade, torna viável para uma aplicação que considere a diversidade das
religiões valorizando aspectos plurais e dialógicos, optando por outras formas e
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percepções científicas não limitadas pelo paradigma epistemológico, que ao mesmo
tempo possam interagir com a proposta de um Estado Laico.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAPTISTA, Paulo A. Nogueira; SIQUEIRA, Giseli P. Ensino Religioso na escola pública


brasileira e a questão da laicidade. In: Horizonte, Belo Horizonte, v. 18, n. 55, p. 33-60,
jan./abr. 2020.

BARBOSA, Renata Peres. Pensamento Pós-Crítico, Currículo e Teoria Crítica:


Aproximações e Tensões. Marília: Oficina Universitária; São Paulo: Cultura Acadêmica,
2021.

BONETI, Lindomar Wessler. O positivismo como fundamento epistemológico clássico das


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Práxis Educativa, Ponta Grossa, v. 9, n. 2, p. 395-418, jul./dez. 2014.

BORGES, Cristina; BAPTISTA, Paulo A. N. Entender o passado e falar do presente: aportes


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GIL FILHO, Sylvio Faustino (Org.) Liberdade e religião: o espaço do sagrado no século
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coloniaís. In: Revista Crítica de Ciências Sociais, 80, Marco 2008:115-1

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2019.

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4
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Projetos de Pesquisa e de intervenção com exemplos de estudos da religião. São Paulo:
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