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Resumo: este ensaio oferece uma proposta para que o Ensino Religioso encontre lugar no En-
sino Médio. As Ciências da Religião possibilitam que o seu objeto de estudo, o fe-
nômeno religioso, seja problematizado de forma crítica e reflexiva, a partir de pro-
cessos de construção de sentidos. Considerando que no Ensino Médio os estudantes
são provocados a pensar no seu projeto de vida, propõe-se uma aproximação entre
Ensino Religioso e a abordagem existencial de Viktor Frankl. Para fundamentação
da proposta, foi realizada uma pesquisa bibliográfica de livros e artigos científicos
relacionados ao tema do presente ensaio e uma análise documental de normatiza-
ções que orientam a educação nacional e o Ensino Religioso na escola pública. Ao
final deste estudo, demonstrou-se ser possível abordar o Ensino Religioso no En-
sino Médio quando na construção de projetos de vida, tecendo uma relação com a
busca por sentido de vida, presente em qualquer expressão religiosa e não religiosa.
N
a unidade temática do Ensino Religioso do 9º ano da Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), na sessão Princípios e Valores Éticos, está inserida como
uma das habilidades: a identificação de princípios éticos (oriundos de contextos
–––––––––––––––––
* Recebido em: 04.04.2023. Aprovado em: 30.08.2023.
** Doutoranda em Ciências das Religiões pela Universidade Federal da Paraíba.
E-mail: anacarolineccristino@yahoo.com.br
*** Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências das Religiões da Universidade
Federal da Paraíba. E-mail: magnocarvalhosdb@gmail.com
**** Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
E-mail: lusivalb@gmail.com
***** Mestre em Ciências das Religiões pela Universidade Federal da Paraíba.
E-mail: ccsvvasconcelos@gmail.com
A partir de uma pesquisa bibliográfica, entende-se ser possível abordar o Ensino Re-
ligioso no Ensino Médio quando se executa a construção de projetos de vida,
tecendo uma relação entre ele e o sentido de vida na visão logoterápica e da
análise existencial de Viktor Frankl, base de qualquer expressão religiosa e
não religiosa.
A área das Ciências da Religião investiga o fenômeno religioso e como a diversidade
de expressões religiosas configuram-se não apenas como uma riqueza simbó-
lica e cultural da humanidade, mas como elas são promotoras de sentidos de
vida para inúmeras pessoas ao redor do mundo (ÁVILA, 2007). Tais pessoas
encontram na religiosidade profunda identificação e os fundamentos para mui-
tas das suas decisões.
Ao trabalhar o conhecimento religioso em sala de aula, o Ensino Religioso amplia as pers-
pectivas dos estudantes e permite o compartilhamento de visões de mundo e hori-
zontes de sentidos distintos presentes nas tradições religiosas e não religiosas. Tal
exercício favorece a compreensão do universo simbólico do outro, cria abertura
para o respeito e a boa convivência e instiga o aluno a confrontar-se. Ao tocar no
tema do sentido de vida presente nas religiões e filosofias de vida, a disciplina de
ER provoca no estudante uma reflexão sobre o próprio sentido da sua vida.
Sabe-se que o Ensino Médio lugar privilegiado de confronto, pois os alunos passam por
transições e decisões (MOLL; LECLERC, 2013). Dessa forma, acreditamos que
a reflexão sobre o sentido de vida, pode ser uma via de estabelecimento do En-
sino Religioso no Ensino Médio. Para isso, o presente ensaio se utilizar-se-á de
A Ciência da Religião é o campo que estabelece as bases para que o Ensino Religio-
so direcione tanto seu conteúdo quanto sua abordagem no contexto da edu-
cação (PASSOS; USARSKI, 2013). Entretanto, o Ensino Religioso não é a
mera transposição das Ciências da Religião para a sala de aula, esse não é o
objetivo, pois, por ser uma disciplina da Educação Básica, possui elementos
curriculares, didáticos e pedagógicos que lhe são próprios (BARCELLOS;
HOLMES; CAHÚ; CAVALCANTI, 2021). Como recorda-nos Junqueira
(2015, p. 17):
A expressão “sem ônus para os cofres públicos” provocou imediatamente uma grande
articulação e mobilização liderada pelo Fórum Nacional Permanente (FONA-
PER), que resultou na Lei 9.475/97 e deu nova redação ao Artigo 33 da Lei
9.394/96.
Muitos esforços foram feitos para que o Ensino Religioso fosse uma disciplina in-
dispensável para o currículo escolar e tivesse o mesmo tratamento dado às
demais. Visando a implementar o componente Ensino Religioso no ensino
fundamental, alicerçado na laicidade do Estado brasileiro, foi necessário re-
definir seu objeto de estudo e adotar uma metodologia própria, adequada aos
princípios fundamentais da escola. Uma vez que o Ministério de Educação
e Cultura (MEC), nos anos 1997/1998, não incluiu o Ensino Religioso nos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’S), coube ao FONAPER a criação
de uma Comissão para a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais
do Ensino Religioso (PCNER). Nas duas últimas décadas, os PCNER foram
um dos principais materiais didáticos adotados pelos professores de Ensino
Religioso.
Com a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em 2017, o ER
passa a ser uma área de conhecimentos obrigatória a ser ofertada no Ensino
Fundamental da Educação Básica. Não compete, portanto, à educação pública
favorecer qualquer crença ou experiência religiosa como uma verdade abso-
O objetivo do Ensino Religioso não é o mero ensino das religiões, mas a aquisição
de conceitos indispensáveis para a compreensão das manifestações religiosas,
culturais e filosofias de vida na sociedade (BARCELLOS; HOLMES; CAHÚ;
CAVALCANTI, 2021). Não se trata de aprofundar a história de cada uma das
[...] trata-se de mais uma política na agenda da educação integral que visa muito
mais a necessidade de ampliar o tempo do que de ampliar as possibilidades edu-
cativas comprometidas com a formação mais completa do educando, demonstran-
do que o que se deseja é, na verdade, um aluno por mais tempo na escola.
A Base também evidencia que os anos finais do Ensino Fundamental “[...] pode con-
tribuir para o delineamento do projeto de vida dos estudantes, ao estabelecer
uma articulação não somente com os anseios desses jovens em relação ao
seu futuro, como também com a continuidade dos estudos no Ensino Médio.”
(BRASIL, 2017a, p. 62).
Projetos de vida referem-se a desvelar e/ou construir propósitos significativos a serem
realizados. Eles dão senso de direção individual e coletivo, e o desenrolar de
suas ações impactam o entorno. Refletem também o desejo de fazer a diferença
Qualquer que seja a crença acerca da experiência religiosa, mesmo que a crença seja
não crer, o homem sempre vai ter os sentidos de vida para encontrar e poder
transcender a si mesmo. O Ensino Religioso, quando aborda projetos de vida,
fomenta espaços de diálogo de crenças, valores e propósitos que colaboram na
realização de ações que contribuirão para um mundo melhor.
O trabalho com projeto de vida, presente na Lei 13.415/2017, é um caminho para inse-
rir o Ensino Religioso, pois a legislação coloca como dever aplicar a temática
para a formação integral dos alunos. Mais especificamente, pode-se ter a teoria
frankliana como um dos backgrounds possíveis para discorrer acerca da religião.
Ainda que uma pessoa não esteja vinculada a uma crença religiosa específica, todos
possuem uma espiritualidade inconsciente. E essa aparece quando se faz per-
guntas das razões das coisas. A presença contínua da fé, embora apenas no
inconsciente, demonstra que todos podem encontrar o sentido de vida porque
têm a vontade de sentido movendo aquele anseio (FRANKL, 2020). Esse en-
tendimento de homem religioso engloba tanto o agnosticismo quanto o ateís-
mo, pois é impossível haver qualquer situação sem sentido na vida.
O Ensino Médio contempla, geralmente, a faixa etária dos 14 aos 17 anos, período que
o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) define como adolescência. E é
nela que “[...] o adolescente se vê levado a dar uma orientação à sua vida e
tem, também, necessidade de adotar uma posição não só teórica, mas existen-
cial, diante do religioso” (ÁVILA, 2007, p. 168).
O Ensino Religioso é importante para a constituição de identidades, uma vez que o fenô-
meno religioso faz parte da história de toda identidade cultural e social. Quando
se dialoga com a alteridade, percebe-se a diversidade cultural que habita o mun-
do. Nesse sentido, a interface entre Ensino Religioso e Ensino Médio oferece
espaço para a reflexão sobre as crenças religiosas e filosofias de vida que movem
e dão sentido à existência e, portanto, estão integradas em projetos de vida.
Os projetos de vida, no contexto da proposta do novo Ensino Médio, não podem se redu-
zir a projetar o futuro profissional. Eles estabelecem uma correspondência com
toda a existência, pois a vida é um questionamento constante sobre os modos de
comprometimento no presente, diante do que se coloca como possibilidade para
o devir. Trata-se, pois, de um homem consciente da sua dinâmica noológica, e
pondo-a em prática, que se torna sujeito ativo do seu processo de transformação.
Sabendo da importância do Ensino Religioso no Ensino Médio, mas cientes de que
a Constituição Federal de 1988 prevê a obrigatoriedade da disciplina apenas
para o Ensino Fundamental, nosso artigo buscou apresentar uma proposta de
inserção da disciplina nos anos finais da educação básica. Para tanto, propôs-se
à reflexão sobre o projeto de vida, exercício de planejamento da própria vida,
que nasce de perguntas sobre o sentido da existência e da percepção de que
todo sujeito está inserido numa teia de relações sociais.
O tema abordado é complexo e desafiador. O Ensino Médio público brasileiro é alvo
de inúmeros desafios, dentre eles, por parte dos jovens: a angústia diante de
questões existenciais, desejo de inserção no mercado de trabalho ou no curso
acadêmico, medo de “sobrar” numa sociedade neoliberal extremamente com-
petitiva, descaso do poder público etc. Tudo isso, evidencia a necessidade de
buscarmos estratégias para a inserção do Ensino Religioso no Ensino Médio.
Trabalhar com projetos de vida, dialogando sobre o sentido de vida, o que o
motiva (vontade de sentido) e a liberdade de escolha (liberdade de vontade) é
um caminho para dialogar sobre o fenômeno religioso e toda sua diversidade
na perspectiva de uma formação humanizada.
Abstract: this essay offers a proposal for Religious Education to find a place in High Scho-
ol. The Sciences of Religion allow their object of study, the religious phenomenon,
to be problematized in a critical and reflective way, based on processes of cons-
truction of meanings. Considering that in High School students are provoked to
think about their life project, an approximation between Religious Education and
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