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Elcio Cecchetti; Anderson Luiz Tedesco

DOI: https://dx.doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2022.v31.n66.p133-149

REDE NACIONAL DAS LICENCIATURAS EM


ENSINO RELIGIOSO E O MOVIMENTO DE
DECOLONIZAÇÃO RELIGIOSA DA ESCOLA
Elcio Cecchetti*
Universidade Comunitária da Região de Chapecó
https://orcid.org/0000-0002-0946-320X

Anderson Luiz Tedesco**


Universidade Comunitária da Região de Chapecó
http://orcid.org/0000-0002-7425-1748

RESUMO
O artigo objetiva contextualizar a criação e fortalecimento do movimento
de transformação epistemológica e pedagógica do Ensino Religioso, com a
finalidade de analisar as contribuições da Rede Nacional de Licenciaturas em
Ensino Religioso (RELER) para a decolonização religiosa da escola. Trata-se de
um estudo qualitativo, do tipo bibliográfico e documental. A coleta dos dados é
proveniente do estudo da literatura científica produzida por diferentes autores
de perspectiva decolonial, e de documentos que sustentam a proposta do Ensino
Religioso não confessional. Os resultados indicam que: a colonialidade subsiste
nos campos religioso e educativo; o Ensino Religoso confessional reproduz os
processos históricos de imposição e homogeneização religiosa; o movimento de
decolonização do Ensino Religoso alterou seus fundamentos epistemológicos
e pedagógicos para contribuir no processo de reconhecimento da diversidade
religiosa; a Rede Nacional de Licenciaturas em Ensino Religioso (RELER) vem
atuando com protagonismo no campo da formação de docentes para o Ensino
Religioso de perspectiva decolonial e, portanto, não confessional.
Palavras-chave: formação de professores; ensino religioso; decolonialidade.

ABSTRACT
NATIONAL NETWORK OF LICENTIATE DEGREES IN RELIGIOUS
EDUCATION AND THE SCHOOL RELIGIOUS DECOLONIZATION
MOVEMENT
The article aims to contextualize the creation and strengthening of the movement
for the epistemological and pedagogical transformation of Religious Education,
in order to analyze the contributions of the National Network of Licentiate
Degrees in Religious Education (RELER) to the religious decolonization of
schools. This is a qualitative study, bibliographic and documentary type. Data


Doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Docente da Universidade Comunitária da Região
de Chapecó (Unochapecó). E-mail: elcio.educ@gmail.com
∗∗
Doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). Docente da Universidade Comunitária da
Região de Chapecó (Unochapecó). E-mail: anderson.tedesco@unochapeco.edu.br

Rev. FAEEBA – Ed. e Contemp., Salvador, v. 31, n. 66, p. 133-149, abr./jun. 2022 133
Rede nacional das licenciaturas em ensino religioso e o movimento de decolonização religiosa da escola

collection comes from the study of scientific literature produced by different


authors from a decolonial perspective, and documents that support the proposal
of non-confessional Religious Education. The results indicate that: coloniality
subsists in the religious and educational fields; confessional Religious Education
reproduces the historical processes of religious imposition and homogenization;
the Religious Education decolonization movement changed its epistemological
and pedagogical foundations to contribute to the process of recognition of
religious diversity; the National Network of Licentiate Degrees in Religious
Education (RELER) has been playing a leading role in the field of teacher training
for Religious Education from a decolonial and, therefore, non-confessional
perspective.
Keywords: teacher training; religious education; decoloniality.

RESUMEN
RED NACIONAL DE GRADOS EN EDUCACIÓN RELIGIOSA Y EL
MOVIMIENTO DE DESCOLONIZACIÓN RELIGIOSA ESCOLAR
El artículo tiene como objetivo contextualizar la creación y fortalecimiento del
movimiento de transformación epistemológica y pedagógica de la Educación
Religiosa, con el objetivo de analizar los aportes de la Red Nacional de
Licenciaturas en Educación Religiosa (RELER) a la descolonización religiosa de
las escuelas. Se trata de un estudio cualitativo, de tipo bibliográfico y documental.
La recolección de datos proviene del estudio de la literatura científica producida
por diferentes autores desde una perspectiva decolonial, y documentos que
sustentan la propuesta de Educación Religiosa no confesional. Los resultados
indican que: la colonialidad subsiste en los campos religioso y educativo;
La Educación Religiosa confesional reproduce los procesos históricos de
imposición y homogeneización religiosa; el movimiento de descolonización de
la Educación Religiosa cambió sus fundamentos epistemológicos y pedagógicos
para contribuir al proceso de reconocimiento de la diversidad religiosa; La Red
Nacional de Licenciaturas en Educación Religiosa (RELER) viene desempeñando
un papel de liderazgo en el campo de la formación del profesorado de Educación
Religiosa desde una perspectiva decolonial y, por tanto, no confesional.
Palabras clave: formación docente; educación religiosa; decolonialidad.

1 Introdução
Historicamente, a escola brasileira foi ins- o educativo, por meio da atuação de diferentes
tituída sob a aliança estabelecida entre Esta- missionários e ordens religiosas. Neste contex-
do-Igreja, no âmbito do projeto colonizador to, os princípios da moral cristã e da doutrina
eurocristocêntrico iniciado no século XVI. Por católica entranharam-se ao ensino elementar,
respaldar o poder da Coroa, por meio do regi- cabendo aos professores ensinar tanto os con-
me do padroado,1 o catolicismo assegurou o teúdos sagrados quanto profanos. Assim, as
controle de vários campos sociais, dentre eles expressões “ensino da religião” ou “instrução
1 Por este acordo, as Coroas católicas detinham o direito religiosa” correspondiam à prática da evangeli-
de administrar os assuntos religiosos em seus domínios
ultramarinos, responsabilizando-se pelo financiamento e
zação, catequização e doutrinação em espaços
controle da atividade missionária. formais, como nas escolas, e não formais, como

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nas missões, pastorais e campanhas diversas no âmbito das mentalidades e práticas sociais,
(CECCHETTI; SANTOS, 2016). e o amálgama político-religioso continuou a se
Durante todo o Brasil Império (1822-1889), reproduzir a despeito dos decretos e disposi-
o ensino da doutrina católica foi parte inte- tivos constitucionais. Por outra parte, a Igreja
grante do currículo clássico humanístico (LO- Católica logo tratou de reformar suas estruturas
RENZ; VECHIA, 2011). Contudo, especialmente visando adaptar o novo regime aos seus interes-
a partir de 1860, quando maçons, liberais e ses, sendo que, no conjunto de ações capitanea-
positivistas difundiram ideais republicanos e das pelo Episcopado brasileiro, a reintrodução
passaram a defender a separação dos poderes da instrução religiosa era o primeiro tópico da
civil e religioso, as sucessivas reformas de sua lista das prioridades (CURY, 1988).
ensino foram progressivamente ampliando os Tal feito se concretizou em 1934, quando a
estudos científicos nas escolas e faculdades, Igreja conseguiu a retirada do dispositivo que
em detrimento do ensino da religião, que foi instituiu o ensino leigo, reintroduzindo o Ensi-
condensado em “uma” dentre um conjunto de no Religioso na Constituição Federal, embora
disciplinas (CECCHETTI, 2016). Com isso, foi de matrícula facultativa (BRASIL, 1934). Foi
possível “liberar” os estudantes não católicos neste período que se cunhou o termo “Ensino
da obrigatoriedade de assistirem às aulas de Religioso” para designar a prática sistemática
instrução religiosa, que passaram a ser ofereci- do ensino confessional nos estabelecimentos
das em dias determinados da semana e sempre de ensino com o caráter de “disciplina” (CEC-
antes ou depois dos horários destinados às CHETTI, 2016).
disciplinas científicas (BRASIL, 1879). Desde então, o percurso dessa disciplina nas
A efervescência dos debates em prol da escolas públicas brasileiras é caracterizado por
separação Estado-Igreja, que demarcou as últi- alianças e disputas diversas, devido às diferen-
mas décadas do regime imperial, ganhou lugar tes finalidades e perspectivas defendidas pelos
no arcabouço jurídico nacional com a implan- distintos grupos em atuação, que resultaram
tação da República. O Governo Provisório logo em diversos dispositivos de regulamentação
tratou de instituir em seus primeiros decretos jurídica, em sua maioria ambíguos e contra-
a separação entre os poderes civil e religioso, a ditórios, o que contribuiu para a perpetuação
plena liberdade de cultos, o casamento civil e a dos embates até nossos dias. Muitos autores
secularização dos cemitérios (BRASIL, 1890a, já se dedicaram a analisar os desdobramentos
1890b, 1890c, 1890d). Sob a égide do Estado desta controversa, tais como Cury (1988, 1993,
laico, a primeira Constituição da República 2004), Cunha (2013, 2014), Figueiredo (1995,
declarou, no artigo 72, que seria “leigo” o en- 2007), Cecchetti e Santos (2016), Santos e Cec-
sino ministrado nos estabelecimentos públicos chetti (2021), entre outros.
(BRASIL, 1891). Fato é que, ao longo do tempo, o Ensino
Contudo, a laicização2 do Estado avançou Religioso confessional, sinônimo de aula de
mais em nível jurídico do que propriamente religião, produziu mais negação do que reco-
2 É importante precisar o sentido dado ao termo “laiciza- nhecimento da diversidade religiosa, justa-
ção” neste trabalho. Desde a origem do Cristianismo, o mente por subalternizar tanto as crenças dos
termo laicus passou a designar aquele que não era clérigo.
Contudo, registros de 1487 indicam que na língua france-
grupos não cristãos, quanto as pessoas ateias,
sa, laicus deu origem a laïque, com sentido de oposição a agnósticas ou sem religião.
“clero”. A partir do século XIX, laïque começou a indicar Por consequência, até o início da década de
um espaço que estava para além do controle religioso. Foi
aí que os termos como “laicidade”, “laicizar” e “laicização” 1990, era praticamente inexistente a preocu-
começaram a ser empregados, principalmente nos países pação pela formação de docentes para a diver-
de língua latina, onde a separação do poder político ocor-
reu em meio a uma disputa direta contra a Igreja Católica. sidade religiosa. Ancorados em argumentos
Para aprofundamento, consultar Cecchetti (2016). confessionais ou interconfessionais, os pro-

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cessos formativos mantinham-se diretamente relações de poder que procuram monopolizar


atrelados à dinâmica de preparação de agentes o campo político, religioso e educacional, obs-
pastorais, segundo as diretrizes de cada igreja taculizando o reconhecimento dos diferentes
cristã, desenvolvido, às vezes, em parceria com e das diferenças.
as próprias secretarias de educação. Assim, a Trata-se de um estudo qualitativo, do tipo
única modalidade de formação existente era bibliográfico e documental. A coleta dos da-
aquela própria do campo religioso, obtida atra- dos, de um lado, é proveniente do estudo da
vés de cursos de Teologia, Ciências Religiosas, literatura científica produzida por diferentes
Catequese, Educação Cristã e outros similares autores de perspectiva decolonial, os quais
(OLIVEIRA; CECCHETTI, 2010). problematizam a manutenção da colonialidade,
Outras perspectivas começaram a ser gesta- do racismo epistêmico e do confessionalismo
das e implementadas a partir de 1995, com a no campo religioso e educativo. De outro lado,
criação do Fórum Nacional Permanente do En- estuda documentos que sustentam a proposta
sino Religioso (FONAPER), com a alteração do do Ensino Religioso não confessional, tal como
Art. 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação o texto presente na Base Nacional Comum Cur-
Nacional (LDB) e com a criação dos primeiros ricular (BNCC) e as DCN de Ciências da Religião,
cursos de licenciatura em Ciências da Religião. cuja análise é consubstanciada por autores
O que conectou estes três acontecimentos foi o de referência nesta área de conhecimento em
desejo de superar o confessionalismo na escola nível nacional.
e, em específico, no Ensino Religioso. Para tal, O trabalho estrutura-se em duas partes prin-
era necessário assentar novas bases epistemo- cipais: na primeira, problematiza a presença
lógicas e pedagógicas, de modo a decolonizar a colonialidade nos campos religioso e educativo.
maneira como historicamente foram tratadas Na segunda parte, apresenta e analisa os fun-
as culturas, crenças, movimentos e tradições damentos epistemológicos e pedagógicos que
religiosas que se distinguiam das que foram alicerçam o currículo do Ensino Religioso não
impostas pelo processo colonizador. confessional, evidenciando sua função social
Nesse contexto, destaca-se a atuação da face à demanda premente de reconhecimento
Rede Nacional das Licenciaturas de Ensino da diversidade religiosa. Por fim, destaca a
Religioso (RELER), cuja articulação de seus atuação da RELER em prol da formação de do-
membros resultou, dentre outras ações, na centes para o Ensino Religioso de perspectiva
construção das Diretrizes Curriculares Nacio- decolonial e, portanto, não confessional.
nais (DCN) para as licenciaturas de Ciências de
Religião, curso oficialmente reconhecido como 2 A colonialidade no campo
habilitação em nível de formação inicial para o
exercício da docência do Ensino Religioso não religioso e educativo brasileiro
confessional. A luta pela afirmação do direito à liberdade
Em vista disso, este trabalho objetiva de pensamento e crença mobilizou distintos
contextualizar a criação e fortalecimento do grupos e coletividades ao longo da história.
movimento de transformação epistemológica Contudo, apesar de juridicamente assegura-
e pedagógica do Ensino Religioso, com a fina- dos em tratados, convenções e normatizações
lidade de analisar as contribuições da RELER internacionais e nacionais, este direito não
para a decolonização religiosa da escola. é usufruído por grande parte da população
Partimos do pressuposto de que a consti- brasileira, sobretudo os povos indígenas e
tuição de redes de colaboração entre cursos, afrodescendentes, que ainda têm sua dignidade
profissionais e instituições das distintas re- cotidianamente afrontada, seja pela falta das
giões do país é um meio eficaz para enfrentar condições mínimas de sobrevivência (água,

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alimento, moradia, trabalho, saúde, educação, E muito embora haja a obrigatoriedade legal
segurança etc.), seja pela subalternização de para inclusão no currículo oficial das redes de
suas culturas e usurpação de suas memórias, ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e
seja pela “demonização” de suas crenças. Indígena, conforme estabelecido pelas Leis nº
A permanência de relações de colonialidade, 10.639/2003 (BRASIL, 2003) e 11.645/2008
segundo Quijano (2014, p. 783), é responsável (BRASIL, 2008), essas temáticas tendem a não
pelo ocultamento histórico e seletivo dos co- ser incorporadas de maneira satisfatória nos
nhecimentos, saberes cosmologias presentes projetos político-pedagógicos e nas práticas pe-
nas comunidades originárias, deixando mar- dagógicas da maioria das escolas (CARREIRA;
cas profundas que perduram e caracterizam ANDRADE, 2015; MARQUES; BILHÃO, 2020;
a “[...] expressão máxima do domínio cultural, SILVA FILHO, 2016). Isso porque, normalmente,
histórico e global do eurocentrismo”. Por esse as poucas ações efetivadas assumem um cará-
motivo, defende a ideia de que a colonização ter mais comemorativo em tom de efemérides
foi um projeto que determinou quais identida- do que propriamente de inclusão no rol dos
des e culturas poderiam permanecer ou não, conhecimentos curriculares, especialmente
legitimando o monoculturalismo criado pelo quando se trata das religiões de matriz indí-
colonizador como único modelo universal de gena e africana, que ainda são considerados
cultura, história e sociedade. temas interditos em grande parte das institui-
Na atualidade, subsistem estratégias e prá- ções educativas.
ticas de colonialidade em todos os setores da Isso indica que toda a riqueza cultural da
esfera pública, em especial no campo religioso, cosmovisão afro e indígena – a concepção cir-
gerando processos de discriminação e subal- cular do tempo, a reverência aos ancestrais,
ternização de culturas, crenças e identidades a existência coletiva, as expressões rítmicas,
distintas do padrão civilizatório eurocristo- artísticas e corporais, os ideais de solidarie-
cêntrico. Também em escolas e universidades, dade e partilha, a relação de cooperação com
currículos e práticas pedagógicas monocul- a natureza, as formas específicas de pensar,
turais têm contribuído para a (re)produção tratar e conviver com as diferenças, entre
de processos de inferiorização das culturas, tantos outros ensinamentos cultivados, pre-
histórias, literaturas, expressões artísticas e servados e transmitidos de geração em geração
religiosidades de origem indígena e africana. – é relegada a um não-lugar histórico, social,
Isso indica que, cotidianamente, estudantes científico e pedagógico. Isso evidencia que
identificados com as matrizes indígenas e a colonialidade segue ancorando práticas e
afro-brasileiras ainda enfrentam processos currículos monoculturais que desconsideram
de imposição cultural e religiosa, em razão de e excluem epistemes, saberes, ritmos, tempos
práticas educativas monoculturais, que descon- e formas de relacionamento que divergem do
sideram a legitimidade de suas cosmovisões, instituído, limitando e restringindo possibili-
crenças e saberes diversos. dades de construção de práticas pedagógicas
Nesse contexto, a disciplina de Ensino Reli- diferenciadas.
gioso, muitas vezes, se constitui em espaço e Desde uma perspectiva decolonial,3 po-
lugar para imposição de símbolos e práticas re- demos considerar que a produção desta
ligiosas dos grupos socialmente hegemônicos, não-existência está ancorada em um racismo
notadamente cristãs – católicas ou evangélicas 3 Aqui fazemos referência ao “giro decolonial”, movimento
social-intelectual latino-americano que, a partir dos anos
–, sendo que as demais religiões e religiosida- 1990, vem problematizando criticamente a dinâmica so-
des são vistas como “crendices” ou “folclore”, o ciopolítica colonial ainda presente nas sociedades con-
temporâneas por meio da seguinte tríade: colonialidade
que contribui para a discriminação e a exclusão do ser, colonialidade do poder e colonialidade do saber
(SANTOS; SANTOS; GRANDO, 2021). (CASTRO-GÓMEZ; GROSFOGUEL, 2007; QUIJANO, 2011).

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epistêmico (GROSFOGUEL, 2016), mecanismo religiosas como demoníacas (BALLOUSSIER,


de poder utilizado pelos grupos socialmente 2021; RIOS, 2019). De outro lado, os povos
hegemônicos para difundir a tese de que os indígenas seguem sofrendo perseguições e in-
únicos conhecimentos, crenças, valores e prá- vasões de seus territórios, em um contexto no
ticas legítimas e verdadeiras são justamente as qual os próprios direitos constitucionalmente
suas. Deste modo, perpetua-se a colonialidade previstos são questionados e atacados (MAR-
do saber, que consiste na deslegitimação e TINS, 2021).
repressão histórica dos modos de produção O fato de a escola ter se estruturado histori-
de conhecimentos que se diferenciam da epis- camente sob uma lógica monocultural contri-
temologia eurocristocêntrica dominante. A bui para o acirramento da disputa epistêmica
violência desta colonialidade, que se manifesta e religiosa entre as distintas identidades. Além
no sistema escolar por meio da imposição de de subestimar as diferentes maneiras encon-
uma hierarquia de saberes, contribuiu para tradas por inúmeras culturas para explicar e
que muitas crianças, adolescentes e jovens se compreender a existência, a adoção de uma
reconheçam como inferiores, atrasados, incul- única perspectiva dá margem ao entendimen-
tos e incivilizados. to das diferenças como desvio, anormalidade,
A colonialidade do saber desarticula a deficiência e inferioridade.
consciência crítica identitária e impulsiona Os amálgamas históricos e atuais envol-
os sujeitos a criarem autorrepresentações ne- vendo as Igrejas e o Estado têm perpetuado
gativas de si mesmos, para que neguem suas práticas prosélitas, seja na disciplina de En-
próprias raízes étnicas e incorporem as crenças sino Religioso, seja em outros componentes
e valores dos dominantes. Desconhecendo e curriculares e atividades escolares, tais como
até envergonhando-se de seu passado, estes festas e comemorações cristãs previstas no
sujeitos não visualizam horizontes e acabam calendário escolar.
por ocupar posições sociais previamente deli- De outra parte, o não reconhecimento da
mitadas pelo opressor. Ou, como alertava Fanon diversidade religiosa que se traduz na ausência
(2008, p. 28), na introdução da obra Pele negra, de estudos escolares sobre as diversas mani-
máscaras brancas: “[...] para o negro, há apenas festações religiosas presentes na sociedade
um destino. E ele é branco.” Assim, opera-se a é terreno fértil para a difusão de preconcei-
naturalização da ideologia dos donos do poder tos, discriminações, suposições, rotulações
e a subalternização cultural, epistêmica, histó- e violências de cunho religioso, praticados
rica e simbólica do(a) outro(a). geralmente às religiões submetidas à colonia-
Não é preciso lentes muito apuradas para lidade do saber, como as de origem indígena e
identificar o racismo epistêmico e a coloniali- africana.
dade do saber no cotidiano escolar, sobretudo Com isso, abre-se espaço para a prática pro-
no que se refere ao tratamento das histórias, selitista no espaço escolar, que atua na propa-
culturas e religiosidades afro-brasileiras e indí- gação de uma única verdade, que coincide com
genas. Com isso, tenta-se deslegitimar elemen- a doutrina cristã, quando muito, com as reli-
tos basilares da identidade destes grupos, uma giões monoteístas. A retórica proselitista opera
vez que servem de resistência aos processos na tentativa de silenciamento e repressão de
históricos de exclusão e desigualdade a que outras formas de religiosidades, no intuito de
foram submetidos. Não por acaso, de um lado, caracterizá-las como inferiores, subalternas,
os terreiros seguem invadidos e vilipendiados anormais ou demoníacas.
por uma nova cruzada colonial cristã, empreen- Diante desse quadro, é fundamental de-
dida em grande parte por membros de igrejas colonizar o campo religioso e reconhecer a
neopentecostais, que classificam suas práticas diversidade religiosa presente e constituinte

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da sociedade brasileira, por meio da utilização II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar


de outros métodos pedagógicos e o desen- e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III
volvimento de outra formação docente, de - pluralismo de ideias e de concepções peda-
perspectiva decolonial, que abarque a comple- gógicas, e coexistência de instituições públicas
xidade das culturas, religiões e religiosidades. e privadas de ensino [...]”
(CECCHETTI; POZZER; TEDESCO, 2020). Faz-se No contexto internacional, vários marcos
necessário ressignificar currículos e práticas normativos induziram a gestação de outras
pedagógicas, para que sejam fomentadores concepções e práticas educativas. A Declaração
de relações dialógicas e problematizadoras mundial sobre educação para todos, aprovada
de cosmovisões etnocêntricas e intolerantes, por uma Conferência Mundial reunida em Jom-
que sustentam processos de colonialidade, tien/Tailândia, em março de 1990, reafirmou
exclusão e desigualdade. que “toda pessoa tem direito à educação” e que
Mas como fazer isso? Seria possível trans- cada criança, jovem ou adulto tem o direito
formar o Ensino Religioso, disciplina historica- de “satisfazer suas necessidades básicas de
mente utilizada para homogeneizar, doutrinar aprendizagem” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES
e converter, em um componente curricular que UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E
promova o reconhecimento da diversidade reli- A CULTURA, 1990). De igual importância, a
giosa e combata a discriminação, a intolerância Declaração de Salamanca sobre princípios,
e a colonialidade na escola? política e práticas na área das necessidades
educativas especiais cobrou dos governos maior
prioridade no processo de inclusão de todas as
3 O movimento de crianças, independentemente das diferenças
decolonização do Ensino ou dificuldades individuais (ORGANIZAÇÃO
Religioso DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A
CIÊNCIA E A CULTURA, 1994).
Como vimos, o Ensino Religioso confessio- Estes e outros documentos internacionais
nal, aliado a outros fatores, contribuiu para a pressionaram o Brasil a criar políticas para en-
manutenção da colonialidade no campo reli- frentamento do analfabetismo, universalização
gioso e educativo. Isso indica que, ao longo de das matrículas para crianças de 7 a 14 anos,
aproximadamente cinco séculos, milhares de redução dos índices de repetência e evasão,
pessoas vivenciaram processos violentos de inclusão de pessoas com deficiência, melhoria
subjugação do corpo e da alma decorrentes das condições estruturais das escolas e uni-
das práticas de doutrinação, imposição e into- versidades, entre outras, com vistas a garantir
lerância religiosa. uma educação inclusiva, democrática, laica e
Foi somente em meados da década de 1990 de qualidade.
que efetivamente foram criados mecanismos Tal movimento incidiu na promulgação da
institucionais para enfrentamento dessa pro- LDB nº 9.394/1996, que definiu a educação
blemática. De um lado, o processo de redemo- como um dever da família e do Estado, a ser
cratização do país provocou um movimento oferecida com base nos princípios de “liber-
de repensar a educação com base nos pressu- dade e nos ideais de solidariedade humana”,
postos da liberdade, democracia e cidadania. tendo por finalidade o “pleno desenvolvimento
O Art. 206 da Constituição Federal (BRASIL, do educando, seu preparo para o exercício da
1988) traduziu estes anseios ao estabelecer cidadania e sua qualificação para o trabalho”
que o ensino deve ser ministrado com base nos (BRASIL, 1996).
seguintes princípios: “I - igualdade de condi- Nesse contexto de efervescência cultural
ções para o acesso e permanência na escola; e de novas definições acerca dos princípios e

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fins da educação pública, seria uma verdadei- PER reivindicou a superação do proselitismo
ra contradição oferecer Ensino Religioso de e a adoção de uma proposta inter-religiosa.
forma confessional ou interconfessional, sem A ação coletiva resultou na aprovação da Lei
preocupação alguma com o processo de reco- nº 9.475/1997, que alterou a concepção da
nhecimento da diversidade religiosa. disciplina:
Herança da histórica aliança entre Igreja-Es- Art. 33 - O ensino religioso, de matrícula facul-
tado, o caráter eminentemente confessional tativa, é parte integrante da formação básica
do Ensino Religioso somente começou a ser do cidadão, constitui disciplina dos horários
questionado a partir dos anos 1970, quando normais das escolas públicas do ensino funda-
coletivos de educadores, líderes religiosos e mental, assegurando o respeito à diversidade
cultural religiosa do Brasil, vedadas quais-
pesquisadores de diferentes áreas buscaram quer formas de proselitismo (BRASIL, 1997,
superar o modelo catequético-doutrinário, grifo nosso).
tomando o ecumenismo como modelo refe-
rencial (FIGUEIREDO, 1995). Por conseguinte, A alteração da LDB foi determinante para
em algumas regiões do país, por cerca de duas a constituição de um outro modelo de Ensi-
décadas, o desenvolvimento de propostas cur- no Religioso, agora sem afrontar o princípio
riculares ecumênicas gerou novas reflexões que constitucional da laicidade. Isso porque, no
fizeram repensar a natureza epistemológica e sentido dado pela Lei, cabe a este componente
pedagógica do Ensino Religioso. Buscava-se disponibilizar conteúdos científicos acerca da
uma proposta que pudesse acolher integral- diversidade religiosa no currículo escolar, com
mente a diversidade religiosa brasileira e não a finalidade de promover e exercitar a liberda-
apenas as denominações cristãs. de de consciência e de crença (BRASIL, 1988).
Um dos resultados desse movimento resul- Portanto, se até meados da década de 1990,
tou na instalação, em 1995, do Fórum Nacional em decorrência da linha confessional e/ou
Permanente de Ensino Religioso (FONAPER).4 interconfessional adotada, a formação dos
Esta instituição, com o passar do tempo, docentes ocorria mediante cursos organizados
tornou-se um espaço de discussão e ponto pelas próprias instituições religiosas, tornava-
aglutinador de ideias e propostas de operacio- se urgente superar este quadro e oferecer uma
nalização de um Ensino Religioso que supere habilitação específica com este novo enfoque.
seu histórico enfoque confessional e prosélito.5 O conjunto de esforços empreendidos em
No entanto, contradizendo essas intenções, busca da consolidação desse modelo de Ensi-
a LDB nº 9.394 (BRASIL, 1996) originalmente no Religioso resultou na configuração de um
manteve o caráter confessional e interconfes- movimento em prol da decolonização religiosa
sional do Ensino Religioso. Insatisfeitos com da escola. Trata-se da tarefa de superar sua na-
essa medida, no início de 1997, uma forte tureza confessional para assegurar o respeito à
mobilização social capitaneada pelo FONA- diversidade religiosa no cotidiano escolar, por
meio do exercício do diálogo e do fomento de
4 O FONAPER é uma associação civil de direito privado, de
âmbito nacional, sem vínculo político-partidário, con-
relações interculturais e inter-religiosas. Ou
fessional e sindical, sem fins econômicos, que congrega, seja, na formulação proposta pelo FONAPER e
conforme seu Estatuto, pessoas jurídicas e pessoas natu- seus associados, o Ensino Religioso não mais
rais identificadas com o Ensino Religioso, constituindo-se
num organismo que trata de questões pertinentes a esta busca colonizar os imaginários e nem difundir
área de conhecimento, sem discriminação de qualquer uma única verdade, mas contribuir na convi-
natureza (FÓRUM NACIONAL PERMANENTE DE ENSINO
RELIGIOSO, 1996). vência democrática entre pessoas e grupos
5 Sobre o legado do FONAPER na proposição de um Ensi- que assumem convicções religiosas diferentes.
no Religioso não confessional, consultar Pozzer e outros
(2010), Pozzer e outros (2015) e Maria, Pazza e Cecchetti
Não foi por acaso que, em meados de 2013,
(2019). quando se deram os primeiros movimentos em

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Elcio Cecchetti; Anderson Luiz Tedesco

prol da construção da Base Nacional Comum zem as identidades, buscando desenvolver a


Curricular (BNCC),6 o FONAPER foi convida- autopercepção de que cada sujeito é um ser
do a indicar especialistas para essa área de singular, flagrando-se também como diferentes
conhecimento. Homologada ao final 2017, a num universo de diferentes (OLIVEIRA et al.,
BNCC demarcou que o Ensino Religioso possui 2007).
natureza e finalidades pedagógicas distintas O documento explicitou que o “conheci-
da “confessionalidade”. O documento também mento religioso” é o objeto da área de Ensino
estabeleceu que “cabe ao Ensino Religioso Religioso, entendido como um bem simbólico
tratar os conhecimentos religiosos a partir produzido no âmbito de diferentes culturas e
de pressupostos éticos e científicos, sem sociedades. Assim, o estudo dos conhecimen-
privilégio de nenhuma crença ou convicção” tos religiosos visa subsidiar a compreensão
(BRASIL, 2017, p. 432, grifo nosso). Isso implica e valorização do conjunto de aspectos cons-
em não conceder vantagens ou supervalorizar tituintes da diversidade religiosa e de suas
um determinado credo e excluir ou menos- conexões com outras instâncias socioculturais.
prezar outros. Trata-se de considerar todas as Este saber, contudo, não possuiu um fim em si
tradições e movimentos religiosos com mesmo mesmo, porque almeja o desenvolvimento de
grau de valor. atitudes de reconhecimento dos diferentes e
O reconhecimento das identidades religio- das diferenças.
sas e não religiosas, por meio do estudo das De outro lado, o pressuposto científico cor-
diferentes culturas, religiosidades e filosofias responde à abordagem dos conhecimentos reli-
de vida na escola, contribui para a promoção giosos a partir da ciência e não de uma opinião
dos direitos humanos e para o exercício do ou doutrina particular. Como a ciência busca
direito à liberdade de pensamento, crença elucidar e interpretar os fatos com a maior
e convicção. A dinâmica do reconhecimento imparcialidade possível, os conhecimentos
mobiliza a ressignificação de concepções e científicos acerca dos fenômenos religiosos
práticas etnocêntricas e fundamentalistas, ao são apresentados sem pretensões prosélitas.
mesmo tempo em que instiga e problematiza A adoção dos pressupostos éticos e científi-
relações de saberes e poderes de caráter reli- cos objetivam superar práticas pedagógicas que
gioso, tanto nos espaços educativos como na partem de convicções religiosas particulares ou
sociedade em geral. dos grupos religiosamente hegemônicos. Nas
O processo de reconhecimento das identida- aulas de Ensino Religioso, o reconhecimento
des e alteridades inclui o exercício do diálogo da alteridade requer a abordagem qualificada
intercultural. Isso significa que as diferentes de todas as culturas e tradições religiosas sem
perspectivas religiosas e filosofias de vida proselitismos e discriminações.
devem ser reconhecidas como legítimas e tra- Com essa abordagem, a BNCC posiciona-se
tadas com igual respeito e dignidade. O diálogo explicitamente contra o proselitismo religioso
intercultural tem como objetivo a superação na escola, ao mesmo tempo em que procura
de processos de exclusão, desigualdade, into- definir o objeto, objetivos e unidades temáticas
lerância e discriminação. Trata-se de produzir do Ensino Religioso, bem como aponta um con-
concepções e práticas que respeitem e valori- junto de competências e habilidades a serem
desenvolvidas pelos estudantes ao longo dos
6 Embora não constitua objeto do presente trabalho, é im- nove anos do Ensino Fundamental. Nela está
portante registrar que o processo de elaboração, o teor e
a estrutura da BNCC são temas controversos na atualida- contida, portanto, a perspectiva de um Ensino
de brasileira. O dossiê “BNCC e a formação de professo- Religioso decolonial, cuja função social reside
res: concepções, tensões, atores e estratégias” (AGUIAR;
DOURADO, 2019) apresenta diferentes análises sobre o
na busca de superação do confessionalismo e
documento. laicismo escolar, para que o cotidiano escolar

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Rede nacional das licenciaturas em ensino religioso e o movimento de decolonização religiosa da escola

seja lugar do exercício de diálogo e do reconhe- gional de Blumenau (FURB), Universidade da


cimento das múltiplas formas de ser, pensar, Região de Joinville (UNIVILLE) e Universidade
crer e viver do humano. do Sul de Santa Catarina (UNISUL). De acordo
Nesse sentido, como indicam Borges e com Oliveira, Riske-Koch, Wickert (2008), os
Baptista (2020, p. 35), a inclusão do Ensino pressupostos e a organização curricular destes
Religioso na BNCC fortalece a mudança epis- cursos foram construídos em consonância com
temológica e pedagógica deste componente, o Art. 33 da LDB (BRASIL, 1996) e a partir das
favorecendo o movimento de superação da orientações emanadas do FONAPER. O termo
discriminação e do preconceito, “produzindo “Ciências da Religião” foi escolhido por razões
atitudes de respeito às diferenças e às diver- epistemológicas, uma vez que o estudo dos
sidades”. Contudo, como bem alertam esses fenômenos religiosos vinha sendo realizado
autores, isso depende da ação qualificada de por diversas disciplinas científicas, cada qual
seus docentes. Daí emerge um grande desafio: fazendo uso de um conjunto de procedimentos
qual licenciatura habilitará os professores para teórico-metodológicos específicos. Daí adveio
atuarem com o Ensino Religioso decolonial na o emprego de “ciências” (referindo-se à plura-
escola pública? Que experiências e práticas em lidade metodológica) da “religião” (objeto de
rede podem contribuir nesta tarefa? estudo), reunindo de forma interdisciplinar as
diferentes ciências humanas que se ocupam do
estudo da diversidade religiosa (FILORAMO;
4 A formação de docentes PRANDI, 1999).
para o Ensino Religioso não Desde o surgimento dessas experiências
pioneiras, muitos outros cursos de licenciatura
confessional em Ciências da Religião foram criados por Ins-
Para que o Ensino Religioso efetivamente tituições de Educação Superior (IES) em várias
contribua para o reconhecimento da diversi- regiões do país.7 Ao longo do tempo, cada um
dade religiosa é imprescindível a formação de a seu modo buscou assegurar aos egressos os
docentes conhecedores da complexa dinâmica conhecimentos e habilidades necessárias ao
dos fenômenos religiosos e didaticamente estudo da diversidade religiosa no cotidiano
preparados para o tratamento das diversas escolar, a partir de uma sólida formação no
culturas, religiões e religiosidades. Logo, esta campo da Educação e das Ciências da Religião.
formação necessita ocorrer em cursos de gra- Isso ocorreu porque, por mais de duas déca-
duação, na modalidade de licenciatura plena, das, esses cursos funcionaram sem a existência
de modo a atender às especificidades curricula- de diretrizes curriculares nacionais (DCN) para
res e pedagógicas deste componente curricular. balizar o processo de formação. A ausência de
A partir do estabelecido no artigo 62 da LDB DCN, portanto, não impediu que muitos cur-
nº 9.394 (BRASIL, 1996), de que “a formação de sos fossem criados em várias regiões do país,
docentes para atuar na educação básica far-se contribuindo na habilitação de profissionais
-á em nível superior, em curso de licenciatura, a partir de uma perspectiva inter-religiosa,
de graduação plena”, historicamente, diferentes intercultural e decolonial.
iniciativas surgiram na perspectiva de assegu- 7 De acordo com o Parecer CNE/CP nº 12 (BRASIL, 2018a),
cursos de licenciatura em Ciências da Religião foram ofe-
rar a formação específica aos profissionais do recidos pela FURB (Blumenau/SC), UNIVILLE (Joinville/
Ensino Religioso. SC), UNISUL (Tubarão/SC), Unochapecó (Chapecó/SC),
UNOESC (São Miguel do Oeste/SC), UnC (Canoinhas/SC),
Inicialmente surgiram cursos de Ciências da USJ (São José/SC), UEPA (Belém/PA), UEMA (São Luís/
Religião-Licenciatura em Ensino Religioso em MA), UFPB (João Pessoa/PB), UFJF (Juiz de Fora/MG), Uni-
montes (Montes Claros/MG), PUC-MG (Belo Horizonte/
três universidades comunitárias de Santa Cata- MG), UERN (Natal/RN), UFS (São Cristóvão/SE), UEA (Ma-
rina no ano de 1996, a saber: Universidade Re- naus/AM), UFSM (Santa Maria/RS) e UNICAP (Recife/PE).

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Elcio Cecchetti; Anderson Luiz Tedesco

O FONAPER, ao mesmo tempo, realizou vá- atuação na área de Ensino Religioso.


rias tratativas com o Ministério da Educação (FÓRUM NACIONAL PERMANENTE DO
(MEC) e com o próprio Conselho Nacional de ENSINO RELIGIOSO, 2012, p. 1).
Educação (CNE) para o estabelecimento de Para consecução desses objetivos, a RELER
DCN para esses cursos de formação inicial, tem promovido anualmente os Seminários Na-
encaminhando, inclusive, propostas formais ao cionais das Licenciaturas em Ensino Religioso
CNE nos anos de 1998, 2004 e 2008. (SENALER), tanto para congregar os integran-
Para fortalecer o movimento em prol das tes da Rede (coordenadores, professores e
licenciaturas, o FONAPER, em 2012, articulou acadêmicos das licenciaturas) quanto para
os cursos existentes e fundou a Rede Nacional debater e aprofundar temáticas relacionadas à
de Licenciaturas em Ensino Religioso (RELER). formação docente, tal como o evento realizado
Desde então, a Rede tem se constituído como em 2018 nas dependências da Universidade
um espaço de diálogo entre os cursos de Ciên- Comunitária da Região de Chapecó (Unocha-
cia(s) da(s) Religião(ões),8 com os objetivos de: pecó), cujo tema central foi a “BNCC e a iden-
I. Implantar e implementar uma rede de tidade pedagógica dos professores de Ensino
diálogo e cooperação entre as Institui- Religioso”.
ções de Ensino Superior (IES) que ofer- Com a intenção de valorizar os percursos
tam ou que pretendam ofertar Cursos e experiências dos cursos de licenciatura, em
de Ciência(s) da(s) Religião(ões) – Li- 2017, a RELER publicou a obra Formação inicial
cenciatura em Ensino Religioso; em ensino religioso: experiências em cursos de
II. Articular ações e parcerias com os ciência(s) da(s) religião(ões) no Brasil (RIS-
órgãos governamentais responsáveis KE-KOCH; OLIVEIRA; POZZER, 2017). Esta
pelas políticas públicas educacionais apresenta registros históricos, concepções
da área; pedagógicas, currículos, conquistas e desafios
III. Promover ações e parcerias com as or- decorrentes do processo de implementação
ganizações não governamentais repre- destes cursos em nove universidades de seis
sentativas dos segmentos envolvidos estados brasileiros: Amazonas, Minas Gerais,
com a área; Pará, Rio Grande do Norte, Sergipe e Santa
IV. Desenvolver estratégias e ações visando Catarina.
à formação docente em Ensino Reli- Entretanto, uma das mais expressivas con-
gioso com base nas Políticas Públicas tribuições da RELER à formação de docentes
de Educação advindas da Legislação e ocorreu em 2018. Com a homologação da BNCC
Diretrizes Nacionais vigentes; ao final de 2017 (BRASIL, 2017), tanto o MEC
V. Fomentar e incentivar a produção quanto o CNE comprometeram-se em produzir
acadêmica e materiais pedagógicos de diretrizes para a formação de professores de
apoio à formação inicial e continuada Ensino Religioso. Afinal, que profissionais es-
na área do Ensino Religioso; tariam aptos a colocar em prática a proposta de
VI. Realizar e/ou apoiar eventos referentes Ensino Religioso não confessional estabelecido
ao Ensino Religioso; pela BNCC?
VII. Articular e apoiar Grupos de Pesquisas Foi então que o CNE instituiu uma Comis-
na área de Ensino Religioso; são interna para elaborar a minuta de DCN
VIII. Incentivar e apoiar cursos de pós-gra- para as licenciaturas em Ciências da Religião.
duação (lato sensu e stricto sensu) com Para auxiliar o trabalho, foi instituída uma
subcomissão de especialistas formada por três
8 Usamos o termo no plural para incluir a diversidade de
nomenclatura utilizada pelas diferentes instituições de
representantes da RELER e outros três repre-
educação superior. sentantes indicados pela Associação Nacional

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Rede nacional das licenciaturas em ensino religioso e o movimento de decolonização religiosa da escola

de Pós-Graduação e Pesquisa em Teologia e e valorizem as identidades, buscando superar


Ciências da Religião (ANPTECRE). Esta Co- a colonialidade ainda presente no campo reli-
missão produziu o texto referência Minuta de gioso e educacional.
Parecer e Projeto de Resolução (MINISTÉRIO DA A formação docente de perspectiva não
EDUCAÇÃO, 2018), que foi alvo de Audiência confessional pressupõe que a licenciatura em
Pública no dia 18 de setembro de 2018. Mais de Ciências da Religião assuma o reconhecimento,
30 pessoas de várias instituições participaram o diálogo intercultural e a cidadania enquanto
da sessão e apresentaram suas contribuições princípios orientadores do percurso formativo
para o documento. oferecido a seus egressos. Desse modo, o curso
Acolhendo as contribuições dos participan- deverá propiciar:
tes da Audiência, a Comissão produziu nova I. Sólida formação teórico, metodológica
versão do documento, o qual deu origem ao e pedagógica no campo das Ciências da
Parecer CNE/CP nº 12, aprovado em 02 de Religião e da Educação, promovendo
outubro de 2018 (BRASIL, 2018a). Posterior- a compreensão crítica e interativa do
mente, este foi homologado pelo MEC em 28 contexto, a estrutura e a diversidade
de dezembro do mesmo ano, dando origem à dos fenômenos religiosos e o desenvol-
Resolução CNE nº 5 (BRASIL, 2018b), a qual vimento de competências e habilidades
instituiu as DCN para o curso de licenciatura adequadas ao exercício da docência do
em Ciências da Religião. Ensino Religioso na Educação Básica;
O Parecer e a Resolução fixaram princípios II. Sólida formação acadêmico-científica,
epistemológicos e pedagógicos para a regula- com vistas à investigação e à análise dos
mentação e avaliação dos cursos existentes, fenômenos religiosos em suas diversas
além de fornecer parâmetros curriculares manifestações no tempo, no espaço e
comuns para projetos futuros, tendo em vis- nas culturas;
ta a histórica demanda por sólida formação III. O desenvolvimento da ética profissional
docente que assegure a formação aberta à nas relações com a diversidade cultural
diversidade cultural e religiosa e atendam às e religiosa;
especificidades do exercício da profissão nas IV. O aprendizado do diálogo inter-religioso
diferentes etapas e modalidades da Educação e intercultural, visando o reconhecimen-
Básica (BRASIL, 2018a). to das identidades, religiosas ou não, na
Especificamente, o Parecer CNE/CEP nº perspectiva dos direitos humanos e da
5/2018 indicou que a formação inicial em cultura da paz. (BRASIL, 2018b, p. 1).
Ciências da Religião deve assegurar o
Como é possível concluir, a atuação histó-
[...] desenvolvimento de processos de reco-
nhecimento das identidades religiosas e não
rica dos cursos de licenciatura em Ciências
religiosas, de forma que as diferentes culturas, da Religião e/ou Ensino Religioso, reunidos
religiosidades e filosofias de vida sejam estuda- e representados pela RELER, conseguiram
das a partir de pressupostos científicos, éticos e instituir no plano normativo vários elementos
estéticos, salvaguardando os direitos humanos, e abordagens favoráveis ao reconhecimento
a liberdade de pensamento, crença, culto e orga- da diversidade religiosa no Brasil, superando
nização nos termos da lei. (BRASIL, 2018a, p. 8).
o paradigma secular do confessionalismo. Tal
Isso significa que as diferentes perspecti- conquista é resultado do esforço contextual
vas religiosas e filosofias de vida devem ser de muitos professores, pesquisadores e ins-
reconhecidas como legítimas e tratadas com tituições engajadas e comprometidas com o
igual respeito e cientificidade. Isso implica em movimento de decolonialidade religiosa no
construir concepções e práticas que respeitem ambiente social e escolar.

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O crescente número de iniciativas de forma- Ainda assim, em alguns lugares e regiões


ção inicial e continuada, eventos e publicações do país, experiências ecumênicas buscaram
relacionadas ao Ensino Religioso não confes- romper com o modelo confessional. Após duas
sional vêm consolidando outra perspectiva a três décadas, tais experiências apontaram
de trabalho educativo na escola pública, que para a necessidade de se repensar a natureza
contribua para a convivência democrática en- do Ensino Religioso, com o propósito de aco-
tre pessoas e grupos que assumem distintas lher a diversidade religiosa brasileira. Um dos
convicções religiosas e não religiosas. resultados desse movimento foi a instalação,
A atuação e protagonismo da RELER favo- em 1995, do FONAPER, entidade cujas ações
receu sobremaneira o alcance desses com a colaboraram para a aprovação da Lei nº 9.475
publicação de DCN para os cursos formadores de 1997, que alterou a concepção e metodolo-
de docentes de Ensino Religioso. É a primeira gia vigente até então (BRASIL, 1997).
vez que o Estado reconhece a função social e Com a nova lei, o Ensino Religioso passou a
pedagógica deste componente na formação ter o dever de respeitar a diversidade religiosa
integral dos estudantes, o que exige uma ver- na escola, o que gerou a demanda de criação
dadeira reinvenção das práticas pedagógicas de licenciaturas específicas para a formação
historicamente estabelecidas. adequada dos seus professores. Foi então que
surgiram os primeiros cursos de Ciências da
Religião para formar docentes de Ensino Re-
Considerações Finais ligioso em uma perspectiva decolonial e não
confessional.
Diante da persistência da colonialidade nas
Por mais de duas décadas, esses cursos fun-
relações sociorreligiosas e do aumento dos ca-
cionaram sem DCN, uma vez que somente em
sos de discriminação e da intolerância pratica-
2018 o MEC publicou os marcos normativos
da contra pessoas em razão de suas crenças ou
com princípios epistemológicos e pedagógicos
convicções, neste trabalho retratamos alguns
para a regulamentação e avaliação dos cursos
dos esforços empreendidos nas últimas déca-
existentes, além de disponibilizar os parâme-
das em prol da decolonização do Ensino Reli-
tros curriculares comuns para projetos futuros.
gioso e da habilitação de docentes que atuem Nesse contexto, retratamos o papel da
em favor do reconhecimento da diversidade RELER na articulação das iniciativas em-
religiosa. Por isso, destacamos a atuação da preendidas no campo da formação inicial de
RELER na articulação de um coletivo de cur- professores de Ensino Religioso, seja por meio
sos, docentes e instituições universitárias que de eventos anuais e publicações científicas,
desenvolvem experiências formativas acerca seja na representação política junto ao MEC e
dos fenômenos religiosos desde a perspectiva ao CNE.
decolonial e não confessional. Apesar do progresso alcançado, muitos de-
Especificamente, abordamos o problema da safios persistem para o tratamento adequado
função social da disciplina de Ensino Religioso, da diversidade religiosa nas escolas. Na atua-
que desde a época colonial esteve a serviço lidade, cada vez mais, a influência religiosa na
da difusão da cosmovisão eurocristocêntrica esfera da educação pública faz parte de um
como referência para a homogeneização da conjunto de estratégias empreendidas por
diversidade religiosa. Consequentemente, até algumas confissões religiosas que disputam a
o início dos anos 1990, as iniciativas de forma- hegemonia na sociedade. O resultado é a con-
ção de docentes eram calcadas em princípios figuração de uma nova “cruzada”, altamente
confessionais e diretamente ligados às deno- danosa à comunidade escolar, uma vez que a
minações religiosas cristãs. disseminação do preconceito, as práticas de

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Rede nacional das licenciaturas em ensino religioso e o movimento de decolonização religiosa da escola

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