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CRISTIANISMO

AULA 5

Prof. Ivan Santos Rüppell Júnior


CONVERSA INICIAL

As relações históricas entre o cristianismo e a área da educação no


Ocidente foram tanto próximas como fundamentais para o desenvolvimento do
aprendizado dos cidadãos de nossa civilização. O interesse da religião pelo
conhecimento doutrinário e teológico promovia a educação em diversos períodos
da história, vindo também a influenciar a busca do conhecimento não apenas em
setores internos da Igreja, mas igualmente em toda a sociedade e cultura
secular.
Ao mesmo tempo, sabe-se que por vezes a atuação religiosa também
acabava se tornando uma ferramenta de imposição de ideias, e não somente
para o aprendizado do ser. Isso porque o significado das palavras e a maneira
como se explicam os conceitos podem ocultar ou orientar a subjetividade e o
posicionamento de determinadas propostas, vinculando certos sentidos ao texto.
Tal situação se verificou quando o ensino do criacionismo se tornou um conteúdo
fundamentalista, em desprezo aos conceitos científicos.
Em outra perspectiva, o desenvolvimento, na Idade Média, da filosofia da
escolástica, que utilizava princípios e argumentos de Aristóteles para promover
a racionalidade dos conteúdos da fé cristã, igualmente aproximou a teologia da
razão humana e valorizou o conhecimento de cunho científico nos processos
educacionais do Ocidente.

TEMA1 – CRISTIANISMO – EDUCAÇÃO E RELIGIOSIDADE

1.1 O processo educacional e as instituições sociais

O processo de desenvolvimento educacional do ser humano mediante


uma transformação continuada e consequente é originário do próprio sentido
etimológico dado pelas palavras latinas educare (alimentar, cuidar e criar) e
educere (tirar para fora ou modificar um estado). Para Libâneo (2010), o ato de
educar é o resultado de um processo de formação do ser em suas capacidades
e qualidades humanas, que se dá no mesmo contexto social que dele requer
uma atitude de enfrentamento das situações surgidas na vida, abrangendo a
família, a escola, a igreja e o ambiente de trabalho.
O aprendizado e amadurecimento do indivíduo se dá nas relações sociais,
posto que a personalidade se desenvolve na socialização em cada um dos

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contextos acima descritos. Nesse sentido, a religiosidade é um elemento da
personalidade do ser que irá influencia-lo em todos os ambientes sociais. O tema
provoca o interesse e o estudo da parte de antropólogos, psicólogos e sociólogos
quando analisam as relações do ser diante das demais instituições da sociedade
(Toscano, 2001).
Acerca da influência da religião nas instituições e na sociedade como um
todo, Cury (2004) ressalta que o termo religião se origina do latim religare, na
perspectiva transcendental de que o ser humano reate relações com o ser divino
ou outros seres e realidades além da nossa dimensão e existência. Entretanto,
é possível entender que a etimologia da palavra também se refere ao ato de
reunir pessoas numa instituição social própria, tanto no sentido e propósito
natural quanto sobrenatural. Isso porque a religião é a instituição que unifica
determinadas práticas e conceitos sagrados, agregando ao redor de sua
autoridade os fiéis, que logo se tornam uma comunidade; nesses termos, ela é
reconhecida como instituição social.
Assim, ressaltamos que a própria história da educação está bastante
relacionada às instituições religiosas nos povos antigos e naqueles formadores
da civilização ocidental. Tanto na Mesopotâmia e Antigo Egito quanto com os
hebreus, a transmissão de conhecimento e o processo educacional estavam sob
a responsabilidade dos sacerdotes e líderes religiosos dessas nações. Além
disso, a perspectiva mística e espiritual que causava grande influência no
cotidiano desses povos era igualmente oriunda do ensino religioso.
O cristianismo, como religião oriunda da religiosidade dos hebreus – que
é uma cultura com um legado educacional pleno de ações pedagógicas –,
igualmente assumiu muitas de suas práticas; o objetivo primeiro é sempre
capacitar o indivíduo para reconhecer e assumir as posturas corretas na
formação do caráter. Isso é visível na maneira como os sacerdotes “mestres” de
diversas religiões – pastores, bispos, apóstolos etc. – e palestrantes atuam no
objetivo de ministrar ensinos acerca dos valores da consciência e religiosidade
do ser humano.

1.2 Educação religiosa e liberdades individuais

A realidade de que a educação secular esteve sob a responsabilidade das


instituições religiosas gerou situações problemáticas na história, especialmente
com as colonizações desenvolvidas a partir do século 15. Indivíduos nativos de
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povos africanos, indígenas e orientais tiveram as culturas submetidas ou
transformadas em virtude dessa questão religiosa envolvendo a educação dos
colonizados.
O assunto, bastante amplo e complexo, foi tratado de forma direta no art.
18 da Declaração Universal de Direitos Humanos, que dispõe sobre o direito à
fé, nos seguintes termos:

Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e


religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e
a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela
prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em
público ou em particular. (ONU, 1948)

Observe que esse artigo busca tanto ressalvar o direito à fé e sua


propagação pelos fiéis e religiões quanto destaca a necessidade do
entendimento da manifestação da religião, além do direito à vivência da religião
de sua cultura e povo. Trata-se de aspectos importantes no objetivo de que toda
e qualquer religião venha a ser reconhecida socialmente.
O direito à fé e à prática religiosa ressalvado pela Declaração Universal
de Direitos Humanos encontra proteção no art. 5º, inciso 6º, da Constituição
Federal do Brasil (1988): “é inviolável a liberdade de consciência e de crença,
sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da
lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” (Brasil, 1988). Somos um
país laico e que possui uma ampla e diversa gama de religiões e vivências
espirituais, razão por que o direito à fé e à liberdade religiosa dos dois artigos
citados vem respeitar e acolher indivíduos e grupos praticantes de quaisquer
religiões, até porque muitas delas estão intimamente ligadas às culturas de
povos e raças variadas. Portanto, acolher a religião é também valorizar as
crenças, valores e hábitos de determinada cultura e povo, um desafio que se
mostra fundamental, principalmente no ambiente das escolas, instituição social
básica de aprendizado e ensino.
Veja, então, que não há melhor ambiente do que a escola para se acolher
o ensino religioso que propaga o conhecimento e a cultura espiritual dos mais
diversos povos e indivíduos. Por meio da boa abordagem e orientação
pedagógica, será possível destacar e compreender as diferentes opiniões
religiosas, ressaltando, em vez das distinções dogmáticas causadoras de
conflito, a diversidade dos símbolos sagrados que afirmam a beleza do
pensamento humano descrito nas crenças.

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O cristianismo aborda em seu pensamento doutrinário diversas
instituições sociais do ser – como a família e o ambiente político –, além da
maneira de pensar, sentir e viver do homem consigo mesmo e na vida em
sociedade. É, portanto, uma religião que trata aspectos multiculturais da
humanidade, o que também indica ao fiel cristão o valor moral de respeito à
diversidade de crenças, em vez da intolerância religiosa. A liberdade de
discordar é essencial ao ser, no entanto requer que seja movida pelo respeito às
demais pessoas e seus pensamentos; deve-se sempre rejeitar de forma grave a
violência por questões de opinião.

TEMA 2 – O CRISTIANISMO – EDUCAÇÃO RELIGIOSA E CONHECIMENTO


CIENTÍFICO

2.1 O método científico orienta o aprendizado inter-religioso

Após a queda do Império Romano e a ascensão da força política e social


da Igreja cristã, a Idade Média manteve um espaço na sociedade feudal para
que a educação pudesse desenvolver certas áreas do conhecimento. Os
monges religiosos assumiram a responsabilidade de propagar os princípios
morais e jurídicos para a sociedade medieval. Segundo Cambi (1999), a reflexão
pedagógica medieval era feita ao redor da paideia cristã, uma dimensão religiosa
a partir da pessoa de Cristo que posicionava a Igreja como a principal
responsável pelo ensino e educação, já que esta deveria atuar numa ação
redentora da cultura intelectual e espiritual do mundo.
Numa comparação entre as visões do criacionismo e do evolucionismo, o
ato de submeter a busca do conhecimento aos dogmas e às proposições
teológicas de determinada religião revela as diferenças e distinções entre a
maneira pela qual a religiosidade adquire o entendimento da existência. Isso
ocorre segundo os fundamentos da fé a partir da revelação, em contraposição
ao conhecimento científico, que se baseia nas informações extraídas da
observação dos fatos da realidade que se deseja apreender.
Ao mesmo tempo, conforme ressaltam Lakatos e Marconi (2011), deve
ser reconhecida a possibilidade de que o cientista seja um fiel religioso ou
seguidor de alguma filosofia específica, especialmente em pesquisas que
venham a se apoiar em dados da fé, a fim de que estes sejam integrados à razão

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segundo os ditames dos métodos de pesquisa utilizados no estudo do tema. De
acordo com esses mesmos autores, esse conhecimento pode ter base

em doutrinas que contêm proposições sagradas (valorativas), por


terem sido reveladas pelo sobrenatural (inoperacional) e, por esse
motivo, tais verdades são consideradas infalíveis e indiscutíveis
(exatas); é um conhecimento sistemático do mundo (origem,
significado, finalidade e destino) como obra de um criador divino; com
suas evidências não sendo verificadas: pois está sempre implícita uma
atitude de fé perante um conhecimento revelado. (Lakatos; Marconi,
2011, p. 79)

Nesse contexto, a ciência se mantém como um método orientador da


apresentação do conteúdo da fé e de suas conexões, embora, como o
sobrenatural incida naquilo que se crê, essa peculiar concepção não poderá ser
comprovada pelo método, pois não há como provar a existência do Deus cristão
ou do Ser divino de outras religiões. Portanto, com vistas a analisar a veracidade
de algum fenômeno, a ciência irá estudar somente a manifestação da fé, que
seria a religião, em seus mais diferentes elementos que compõem as atividades
da religiosidade do homem.
Na seara do ensino religioso, observe como o Conselho Nacional de
Educação (CNE) se serve de uma orientação científica para definir a composição
do currículo e dos elementos que deverão ser ensinados. A intenção é valorizar
o conhecimento da diversidade das religiões e suas manifestações, assegurando
uma formação de conteúdo segundo uma perspectiva metodológica adequada
para essa área do conhecimento. Além disso busca reconhecer um grande valor
do diálogo do tema religioso com outras áreas da ciência, abrindo espaço para
estudos interdisciplinares, o que também fortalece a visão do Estado laico.
Portanto, com base nesses princípios e segundo o desenvolvimento dado
a essa disciplina pelo CNE, percebemos como o ensino religioso foi organizado
considerando premissas metodológicas dadas pela ciência, conseguindo
integrar nessa perspectiva os temas da religião e da educação do ser, conforme
orienta a Constituição Federal (art. 210, parágrafo 1º): “o ensino religioso, de
matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas
públicas de ensino fundamental” (Brasil, 1988).
Em complemento, o art. 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN), ao regulamentar o ensino religioso na formação básica do
cidadão, orienta que essa disciplina será ministrada nos períodos comuns de
aulas nas escolas públicas do ensino fundamental, assegurando assim o
respeito à diversidade cultural e religiosa da nação brasileira, não devendo
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ocorrer qualquer proselitismo, que é a supremacia de um conhecimento sobre
os demais (Brasil, 1996). Ainda nesse contexto, percebe-se a necessidade de
que os debates que abordam em congressos os temas da ciência, educação e
religião ocorram em um clima de respeito e sem preconceitos, com vistas a nos
habituarmos a partilhar do diálogo inter-religioso.

2.2 Cristianismo e educação – relações históricas

Ao final da Idade Antiga e início da Idade Média, autoridades cristãs


tomaram decisões no Concílio de Roma (465 d.C.) que vieram a desenvolver a
própria técnica da pedagogia. Isso porque ficou proibida a ordenação de monges
analfabetos, o que trouxe prestígio aos mosteiros e uma consequente dedicação
ao ensino como parte da preparação ao sacerdócio, com o surgimento de
técnicas de aprendizagem e a transformação da experiência sacerdotal em um
ambiente de ensino para a formação religiosa. É importante destacar que as
sinagogas judaicas igualmente atuavam nessa perspectiva de ser um ambiente
educacional para todas as camadas sociais, devido ao costume de memorização
dos escritos sagrados, comum em suas atividades religiosas.
Foi nesse contexto que os textos sagrados e rituais religiosos acabavam
promovendo a aprendizagem e a educação na Idade Média. O Imperador Carlos
Magno (século 7º) estabeleceu escolas nas cidades, além de terem sido
organizados, nos mosteiros e paróquias, currículos mais completos, que
incluíam, no ensino médio, gramática, retórica e dialética, além de geometria,
aritmética, astronomia e música, no ensino superior (Matos, 2008).
Trata-se de um contexto em que as instituições promotoras do ensino
religioso se tornavam o ambiente propício ao desenvolvimento educacional, um
fator comum na história das nações influentes na civilização ocidental e
particularmente na nação hebraica, a qual deu origem às práticas do cristianismo
a partir do judaísmo e as influenciou. Isso porque, entre os hebreus, os princípios
divinos dados à educação moral e familiar, religiosa e social de toda a população
eram ensinos que deveriam ser ministrados no cotidiano, mediante métodos que
integravam o conhecimento ao dia a dia das relações sociais dos cidadãos. As
Escrituras eram lidas com frequência, e havia um processo de memorização para
o aprendizado, com valorização da transmissão oral dos ensinos de pai para
filho. Esse era um costume e uma responsabilidade familiar também utilizados

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pelos gregos, que tratavam com zelo a disciplina por meio da educação dos
filhos.
Trata-se de práticas de ensino e aprendizagem oriundas dos hebreus e
gregos e assumidas pelo cristianismo que legaram ao Ocidente aspectos de uma
relação afetiva entre aluno e mestre, pois originárias de uma relação entre pai e
filho, e sacerdote e fiel, no âmbito das relações humanas. Na Palestina, já havia
uma escola para jovens e escribas desde o século 8º a.C., e à época de Jesus,
no século 1º, já se praticava o ensino pelo idioma grego e as sinagogas
ministravam trechos da lei da Torah, escrita e aritmética.
Portanto, na relação de continuidade religiosa e social que integra o
judaísmo ao cristianismo, vemos o modo como a educação foi um elemento que
se tornou fundamental a essa religião através da história.

TEMA 3 – A QUEDA DO IMPÉRIO ROMANO E A ATUAÇÃO INSTITUCIONAL


DA IGREJA CRISTÃ NA SOCIEDADE

Após a queda do Império Romano, vimos como a estrutura administrativa


do Império e a influência cultural da religião romana foram assumidas pelas
autoridades cristãs, que se organizavam institucionalmente para atuar entre a
população, e especialmente sobre os povos que residiam ao redor, que eram os
bárbaros germânicos, praticantes de religiões politeístas e adoradores da
natureza. Tais aspectos traziam dificuldades na adaptação desses povos aos
costumes romanos, o que também gerava conflitos em virtude de suas
tendências religiosas, especialmente de conteúdos do paganismo e arianismo
diante do catolicismo.
Foi nesse período que a Igreja Católica assumiu o papel de converter os
pagãos ao cristianismo, numa situação que envolvia impor sua doutrina aos
povos de todo o continente, aproveitando-se da estrutura do feudalismo que
havia integrado a sociedade mediante uma organização hierárquica desde o
soberano e nobres até os vassalos que trabalhavam nas terras. O clero se tornou
uma classe social distinta e atuante nesse contexto medieval.
No início do século 7º, a Europa poderia ser considerada uma sociedade
pagã devido ao grande número de povos bárbaros que habitavam as regiões
limítrofes do Império. No entanto, com o passar do tempo, os soldados cristãos
começaram a transmitir suas crenças e fé nos territórios mais distantes,
transformando a antiga religião mediterrânea numa crença de toda a Europa. O
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Papa Gregório foi um dos mais atuantes nos planos de desenvolvimento do
cristianismo, e por meio de um singular cuidado pastoral pelos escravos do
império, orientou que eles fossem comprados por missões da Igreja, no propósito
de que pudessem ser levados aos mosteiros e ali educados no conhecimento
das Escrituras para alcançar a fé da salvação de suas almas. Nesse contexto, o
papa enviou mais de 40 monges às regiões de Paris e até a Inglaterra (Sanchez,
2007, p 47-48).
Além de se integrar à sociedade por intermédio das estruturas
administrativa e religiosa oriundas do Império Romano, o cristianismo se tornou
uma instituição distinta e soberana diante da autoridade dos reis e senhores
feudais. Nomeou um chefe supremo da Igreja, o papa, com poderes religiosos e
políticos reconhecidos na civilização ocidental; nos mosteiros, os sacerdotes se
dedicavam às atividades de estudo e meditação espiritual.
A partir da virada do milênio e após a divisão da Igreja cristã no Oriente,
em 1054, a Igreja ocidental assumiu o título de Católica Romana e passou a
exercer uma função mais cultural, social e jurídica, quando os professores das
paróquias começaram a alfabetizar os camponeses mediante um ensino
gratuito. Ela assumiu também as atividades de diversos serviços sociais,
cuidando de pobres, órfãos, viúvas e doentes, além de organizar os registros
civis, como nascimentos, casamentos e mortes.
A ocorrência das cruzadas entre os séculos 11 e 13 também trouxe
consequências na área da educação, pois houve uma aproximação da cultura
ocidental com a bizantina e muçulmana, especialmente por meio do
conhecimento de Aristóteles. Isso propiciou o desenvolvimento da ciência pelas
disciplinas da astronomia, geografia, medicina e química, além do aprendizado
em técnicas de plantação e cultivo. Houve um incremento das culturas de tecidos
e do vidro pelo conhecimento dos processos de fabricação desses elementos.

TEMA 4 – O SURGIMENTO DAS UNIVERSIDADES E O DESENVOLVIMENTO


DO CONHECIMENTO

Iniciamos este tema a respeito do surgimento das universidades com as


palavras de Shelley (2004, p. 220): “Apropriadamente, as escolas que existiam
nessas catedrais deram origem às universidades – [...] as universidades revelam
uma profunda fome de conhecimento da verdade de Deus vinda de toda parte”.

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O surgimento das universidades nos primeiros séculos do segundo
milênio se apoiou na ascensão da classe burguesa junto da valoração da
educação da classe eclesiástica. Essa situação gerou um ambiente em que os
primeiros mestres se dedicavam ao ensino sob a orientação das igrejas; esses
elementos vieram a dar vazão à criação dessas instituições educacionais na
Europa (Aranha, 2006).
As universidades foram criadas a fim de promover o aprendizado do ser
e assim foram compreendidas como instituições educacionais, utilizando um
conteúdo que compreendia as artes liberais, a medicina e a jurisprudência, com
o acréscimo da teologia segundo pedidos do Papa Inocêncio II. A primeira foi
instalada no ano de 1150, na cidade de Bolonha, seguindo-se as de Paris,
Oxford, Cambridge, Salamanca, e ainda, na cidade de Coimbra, que se destacou
na área da literatura pela obra Divina Comédia, de Dante Alighieri.
Segundo McGrath (2005, p. 67-68), nos primeiros séculos do novo milênio
havia um ambiente propício na Europa para “o reavivamento de cada área do
trabalho acadêmico”. Surgiu a oportunidade de um recomeço para as atividades
da Universidade de Paris, além do fato de que foram iniciadas diversas escolas
teológicas próximas do Rio Sena e da Catedral de Notre Dame – a mais famosa
veio a ser o College de la Sorbonne. A França também se tornou a nação
responsável por impulsionar o conhecimento no início da Idade Média, pois
alguns importantes autores saíram de seus monastérios, com destaque para
Lanfranc (1010-89) e Anselmo (1033-1109). Esse movimento de incentivo à
educação e ao conhecimento perdurou até o século XV, permitindo que boa
parte da Europa ocidental fosse palco do nascimento de diversas universidades
importantes, como a da Alemanha.
O ambiente escolar e educacional da Idade Média também progrediu
pelos esforços da Igreja cristã a partir do desenvolvimento individual e também
da integração entre as disciplinas de teologia e filosofia, especialmente nos
séculos 13 e 14. A filosofia patrística já havia sido utilizada pelos pais da Igreja
nos primeiros quatro séculos para integrar e desenvolver a doutrina da fé
mediante elementos do pensamento platônico. Isso, no pensamento de
Agostinho, era percebido na orientação de que o ser humano não deveria
desprezar a inteligência, pois o próprio Deus iluminava a razão humana, de tal
forma que o conhecimento da verdade se originava de uma experiência interior
do ser, numa reflexão que aproveitava as perspectivas de Platão.

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Para Agostinho, Jesus Cristo atuava no homem interior, tornando o
processo educacional uma experiência de autoeducação, na qual o
entendimento da verdade seria alcançado pela iluminação divina. Segundo
Borges (2002), Agostinho buscava entender os fundamentos do conhecimento,
vindo a propor uma pedagogia de cunho religioso baseada em valores culturais
e fundamentada em conceitos teóricos, na qual a educação era um processo de
valorização das potencialidades humanas, posto que o ser fora criado à imagem
e semelhança de Deus.
A escolástica dos séculos 12 a 14 orientava um aprendizado educacional
que veio a ser desenvolvido por Anselmo, Pedro Abelardo, Alberto Magno e
Tomás de Aquino segundo uma proposição de unidade entre a fé e a razão, a
teologia e a filosofia. Os conceitos racionalistas aristotélicos foram utilizados
especialmente por Tomás de Aquino, que se servia dos conceitos filosóficos
demonstrativos da primazia da razão para o conhecimento e que revelavam a
racionalidade como um princípio criador e sustentador da estrutura do universo.
Uma grande contribuição do escolasticismo para a religião e para o
aprendizado do ser surgiu das discussões acerca do papel da razão e da lógica
na teologia. O termo é bastante abrangente, pois se refere mais a uma
perspectiva metodológica desenvolvida para a reflexão do que propriamente a
um conjunto de definições doutrinárias (McGrath, 2005, p. 71).
Esse foi um período da história em que o cristianismo utilizou um método
de aprendizado filosófico para ensinar os conteúdos da religião, pois na
escolástica o ensino religioso não estava separado dos conceitos educacionais,
o qual se desenvolvia em quatro etapas: a leitura (lectio); o comentário (glosa);
as questões (quastio); e a discussão (disputatio). Era um ambiente em que se
aprendia a ler e a escrever utilizando os textos das Escrituras enquanto se
copiavam suas letras.
Os monges se serviam da lógica de Aristóteles em um processo no qual
a razão era um instrumento de propagação e fortalecimento da fé, o que evitava
interpretações múltiplas, e a educação se tornava um movimento de superação
das dificuldades causadas pelo pecado. Também foi um ambiente em que o
cristianismo medieval acabava impedindo o acesso à educação para a
população, pois o aprendizado se voltava somente para os conteúdos
relacionados à religião, conforme destaca Borges (2002).

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TEMA 5 – AS REFORMAS RELIGIOSAS DO SÉCULO 16 E A EDUCAÇÃO

Vimos como as reformas cristãs do século 16 foram influenciadas pelos


movimentos renascentista e humanista do final da Idade Média. A Reforma
Protestante assumiu para si o princípio ad fontes, resgatando o conhecimento e
ensino do texto grego das Escrituras por meio de traduções feitas para o inglês,
o francês e o alemão. Enquanto promovia uma autoeducação espiritual do
homem mediante o incentivo da leitura e interpretação de cada indivíduo
diretamente do texto bíblico, igualmente desenvolvia valores humanistas acerca
da autonomia da personalidade do homem. Conforme salienta Borges (2002),
foram acontecimentos que renovaram o interesse pelo ensino e instrução dos
povos, transformando a história da educação.
O reformador Martinho Lutero organizou um novo sistema escolar na
Alemanha, buscando instruir os meninos e capacitá-los para o trabalho, em uma
educação que ocorria em três ciclos (fundamental, médio e superior), além de
propagar o desejo de que deveria ser organizado um sistema de ensino universal
e público sob a responsabilidade do Estado (Ferrari; Aranha, 2008). Lutero dava
grande importância à escola, pois entendia que os benefícios da educação
incluíam a formação de cidadãos instruídos, trazendo prosperidade para a
sociedade, vindo a valorizar as disciplinas literárias, de história e matemática,
incentivando que as mulheres pudessem atuar no magistério.
Sabe-se que praticamente todos os escritos antigos do cristianismo,
especialmente a Bíblia, eram conservados nos mosteiros e também ali copiados.
Os mosteiros beneditos que seguiam a ordem de São Bento eram administrados
em uma dinâmica diária voltada para os momentos de oração, nos quais grande
parte do tempo era utilizado no recitar dos salmos e na leitura de textos bíblicos.
O próprio monge agostiniano Martinho Lutero, líder da Reforma Protestante,
demonstrava grande conhecimento dos salmos e de bom número de passagens
das Escrituras, em razão de ter participado das ordens monásticas da Igreja
(González, 2011, p. 255-256).
João Calvino foi o líder francês da Reforma e considerado o maior
responsável pela organização sistemática do pensamento teológico protestante.
Estudou na Universidade de Paris e se desenvolveu no conhecimento do
humanismo, tornando-se mestre em Artes, até se dedicar à jurisprudência, vindo
a estudar em Orleans e Bourges com dois dos mais renomados juristas da

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época. Foi bastante influenciado por um deles, o humanista Andrea Alciati, o que
fez o reformador integrar um grupo de estudos das obras de Erasmo; logo após,
preparou e publicou um comentário sobre a obra De clementia, de Sêneca.
Decidiu voltar-se ao estudo de obras literárias, tendo firme interesse nas
Escrituras a fim de propiciar conhecimento da fé aos fiéis e à Igreja. Escreveu o
tratado teológico protestante mais famoso, As Institutas da Religião Cristã
(González, 2011, p. 65).
Calvino fundou a Universidade de Genebra, pois entendia que era
impossível existir a fé sem o conhecimento. O humanista da Reforma não fazia
distinção de valor e hierarquia entre os estudos de línguas e história, ciência e
religião, pois considerava que todo ensino visava igualmente o aperfeiçoamento
do ser humano para capacitá-lo na dedicação de sua vocação existencial
(Borges, 2002, p. 48). O currículo dessa universidade continha as disciplinas de
teologia, hebraico, grego e matemática, além da retórica, e estudava textos de
autores como Heródoto e Xenofonte, Homero e Demóstenes, Plutarco e Platão,
Cícero e Virgílio. Os líderes da Reforma defendiam que a fé e a razão eram
conteúdos que deveriam estar juntos numa perspectiva de que tanto o
conhecimento quanto o Evangelho eram fundamentais para o desenvolvimento
do ser humano.

NA PRÁTICA

O nascimento das universidades na Idade Média na busca por um


conhecimento cada vez mais amplo surgiu a partir dos monastérios e escolas
das catedrais, assim que alguns alunos discordavam dos limites dados pelos
professores, os quais desejavam orientar as reflexões apenas para os temas
importantes à teologia ou à Igreja. Ainda que a primeira universidade tenha sido
criada na Bolonha, o título teve origem em Paris, quando professores e alunos
de grupos de estudo próximos do Rio Sena fundaram uma associação
denominada Universitas Societas Magistrorum et Scholarium (Sociedade
Universal de Mestres e Alunos).
Houve grande interesse nos estudos que começaram a ser desenvolvidos
na Universidade de Paris, o que atraiu estudantes de outras regiões que
precisavam de alojamentos para residir, o que criou a oportunidade para o
desenvolvimento das faculdades. Posteriormente, o século 13 se tornou o auge
do conhecimento erudito na Idade Média, e Oxford, Paris e Bolonha foram
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reconhecidas por seus estudos nas áreas da teologia, filosofia e ciência, além
de serem a base dos movimentos do renascimento e da Reforma. As tradições
educacionais que perduram até hoje no Ocidente têm origem nas universidades
(Curtis; Lang; Petersen, 2003, p. 87).

FINALIZANDO

Não há como estudar qualquer elemento cultural surgido no Ocidente nos


últimos 2 mil anos em separado do desenvolvimento histórico do cristianismo.
Afinal, essa religião se tornou a instituição espiritual fundamental de nossa
civilização desde que foi alçada ao posto de “fé oficial” no século 4º, durante o
Império Romano.
Nesse contexto – e conforme vimos a partir da íntima relação existente
entre os estudos de textos sagrados e a prática de experiências educativas e de
aprendizado do ser – o cristianismo e a educação são dois elementos culturais
que se desenvolveram na Idade Média praticamente em situação de
dependência um do outro. Trata-se de algo que podemos visualizar na
ocorrência dos movimentos religiosos da escolástica e da reforma, diante dos
movimentos educacionais das universidades e do renascimento.
Portanto, o conhecimento de uma dessas áreas da vivência social do
homem ocidental exige a compreensão da existência e de elementos da outra,
a fim de que possamos entender qualquer uma delas de modo apropriado.

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REFERÊNCIAS

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