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O FENÔMENO E A

EXPERIÊNCIA
RELIGIOSA
Prof. Thomas Heimann

NESTE CAPÍTULO, VOCÊ VAI


APRENDER
 A compreender o fenômeno religioso, reconhecendo sua presença nas
mais diversas áreas da cultura humana, em uma perspectiva da
integralidade do ser;
 A analisar os principais elementos constitutivos de religiões e
manifestações religiosas do mundo e da realidade brasileira;
 A avaliar a influência das diferentes religiões no estabelecimento de
relações sociais, políticas, econômicas e culturais.
INTRODUÇÃO
O estudo de uma disciplina com o nome de Cultura Religiosa pode
causar certa estranheza a alguns universitários. A pergunta que surge
é: afinal, a religião, um assunto de foro tão íntimo e pessoal, pode ser
objeto de estudo científico e acadêmico? Qual a relevância ou
aplicabilidade disso para uma formação acadêmica e profissional, em
um mundo cada vez mais tecnicista, racional e agnóstico, que se torna,
a cada dia, mais indiferente ao campo religioso?

Do ponto de vista científico, não importa se todos os alunos da


disciplina sejam completos ateus, agnósticos ou até mesmo críticos da
religião, vendo-a como um pensamento primitivo, uma prática
supersticiosa ou até um entrave ao avanço da ciência. O fato é que,
independentemente da nossa atitude pessoal frente às crenças
religiosas, o fenômeno religioso é um dos principais fundamentos da
sociedade, estando presente em diferentes representações culturais
dos diferentes povos e civilizações, desde os tempos mais remotos da
humanidade.

A estrutura deste capítulo passa pela definição de conceitos básicos no


campo da religião, pela demonstração concreta de sua presença nas
diferentes representações culturais, pela dialogicidade com outros
campos do conhecimento humano e também por algumas reflexões
acerca da experiência religiosa.

Portanto, reconhecer que o fenômeno religioso se inscreve e demarca


o processo civilizatório humano é um dos grandes desafios a que se
propõe este capítulo introdutório.

Como afirma um dos grandes pesquisadores das ciências da religião,


se “Deus não é objeto de investigação estritamente científica, porém,
toda vivência religiosa envolve um ser humano e, como experiência
humana, pode ser objeto de investigação científica” (BENKÖ, 1981, p.
14).
O “HOMO RELIGIOSUS”: A
UNIVERSALIDADE DA RELIGIÃO
O ser humano é um ser multidimensional, composto por elementos
físicos, intelectivos, afetivos, volitivos, lúdicos, sociorrelacionais e,
também, por elementos religiosos. O “homo religiosus”, como afirma a
antropologia, “desenvolveu uma atividade religiosa desde a sua
primeira aparição na cena da história [...] todas as tribos e todas as
populações de qualquer nível cultural cultivaram alguma forma de
religião” (MONDIN, 1980, p. 218).

A universalidade religiosa precisa ser compreendida em toda a sua


diversidade. Há muitas formas e expressões religiosas, como o
monoteísmo (crença em um só deus), politeísmo (crença em vários
deuses), panteísmo (Deus e o universo são idênticos), dualismo (duas
forças opostas que regem o universo), deísmo (há um ser supremo,
mas que não interage com a criação), teísmo (um ser divino e pessoal
que interage com a natureza e com as pessoas), esoterismo (a busca
de conhecimentos ocultos através do espiritual, místico ou
sobrenatural – feng shui, astrologia, numerologia etc.) entre outras,
podendo haver pequenas variações conceituais em cada uma delas.

Em uma abordagem histórica, além das já conhecidas tradições


religiosas, como as mitologias grega e romana, as religiões clássicas
como Judaísmo, Cristianismo, Islamismo, Budismo, Hinduísmo, as
religiões antigas dos egípcios, incas, maias e astecas, há também
formas mais primitivas de expressões religiosas. Uma das principais é
o animismo. Nessas antigas crenças, o ser humano atribuía aos
animais, às plantas, aos rios, às montanhas, às estrelas etc., uma
conotação espiritual. Ou seja, nos fenômenos e elementos da natureza
habitavam e se expressavam espíritos e forças divinas, que deveriam
ser venerados e apaziguados, especialmente diante de fenômenos
climáticos, celestes e geofísicos, como secas, terremotos, furacões,
erupções de vulcões, eclipses entre outros. Muitas oferendas e
sacrifícios, inclusive de humanos, foram realizados ao longo dos
séculos na busca de agradar aos deuses ou de aplacar a sua suposta
fúria contra algo ou alguém.

Do animismo, derivou-se outra prática religiosa, o fetichismo, que


consistia em atribuir a objetos, animados ou inanimados, um poder
mágico ou sobrenatural. Esses objetos poderiam ser tanto produzidos
pelos indivíduos como encontrados na natureza, tais como pedras,
dentes, ossos, bonecos, estatuetas, correntes e pingentes, passando a
servir como amuletos protetores individuais. Podemos relacionar o
rico mundo das superstições, ainda tão presente na sociedade de
hoje, como um exemplo atual de crença fetichista.

Em suma, mesmo que estejamos hoje vivendo um processo crescente


de secularização, marcado pelo enfraquecimento do sagrado, pela
perda de interesse na vivência religiosa comunitária, a religiosidade
tem permanecido como uma constante do ser humano, mesmo que
não seja mais cultivada por todos os indivíduos da espécie (MONDIN,
1980, p. 218).
DEFININDO CONCEITOS:
RELIGIÃO, FÉ E
ESPIRITUALIDADE
Religiosidade é um conceito complexo, subjetivo e multifacetado. Ele
pode significar desde um conjunto de crenças, regras e ritos
compartilhados por uma comunidade, até um sentimento misterioso
de interioridade, envolvendo algo místico e pessoal.

No sentido etimológico, o termo latino religio pode advir de dois


verbos. O primeiro seria religere, cujo sentido denota a atitude de estar
atento, refletir e observar, dando a ideia de que a religião está ligada a
um fenômeno que exige cuidado, zelo e dedicação por parte daqueles
que a praticam. O segundo verbo seria religare, ou seja, religar, unir
novamente, sinalizando para o retorno ou reparação de uma situação
que foi rompida, na tentativa de se ligar novamente a Deus. (ROOS,
2008, p. 859-861). Ambas fazem sentido analisando-se o que acontece
na vivência religiosa dos crentes. A título de exemplo, citamos o relato
judaico-cristão que descreve a queda do ser humano em pecado. Ali se
rompia a relação perfeita entre Deus e o ser humano, que justifica o
conceito de reparação através da criação da religião, ou seja, uma
mediação concreta para religar-se novamente com o Criador.

Avançando no conceito, “qualquer definição de ‘religião’ que não inclua


como uma variável-chave a crença em seres (...) sobre-humanos que
possuem poder de auxiliar ou causar dano ao ser humano é
contraintuitiva” (SPIRO, In: WIEBE, 1998, p. 19). Já outras definições
dizem que “a religião é um sentimento ou sensação de absoluta
dependência” ou que “significa a relação entre o homem e o poder
sobre-humano no qual ele acredita ou do qual se sente dependente.
Essa relação se expressa em emoções especiais (confiança, medo),
conceitos (crença) e ações (culto e ética)” (GAARDER, 2000, p. 17).
Essa última definição se aproxima de critérios mais objetivos ao
caracterizar a religião como: a) um conjunto de crenças ou doutrinas;
b) um conjunto de ritos ou cerimônias; c) um código de
comportamento ético e moral a ser seguido; d) uma experiência
relacional com um ser transcendente vivenciada em dimensão
comunitária.

INFOGRÁFICO
Reforça-se que religião implica uma relação em pelo menos dois
sentidos: vertical, em direção ao ser transcendente; e horizontal, em
direção a outras pessoas, que compartilham das mesmas crenças. Não
há, portanto, religião de um indivíduo só. Daí surge a diferenciação
entre o conceito de religião e espiritualidade. A espiritualidade diz
respeito a uma característica humana que designa toda vivência que
pode produzir mudança no interior do ser humano e redimensiona a
sua forma de se relacionar consigo, com os outros e com o cosmos.
Está relacionada com valores, significados e busca de sentido, que
podem ser encontrados em diferentes lugares, inclusive em si mesmo
(GIOVANETTI, 2005, p. 136).

A forma mais usual de manifestação da espiritualidade é através


da religiosidade, ou seja, ela se concretiza quando um indivíduo
encontra em uma religião um conjunto de elementos que dão sentido
para sua existência. Nesse caminho, surge o conceito de fé religiosa,
entendido pela experiência de se sentir chamado e confiar em algo ou
alguém de cunho sagrado, se relacionando com esse ser em uma
postura de reverência, confiança, dependência e reciprocidade.

A religião também ocupa funções importantes. Ela procura dar


respostas para as grandes questões existenciais, elaborando
explicações para a origem, sentido e destino de todos os seres vivos. A
religião também oferece consolo em momentos de sofrimento e
alimenta a esperança de uma vida além morte, aplacando a angústia
humana diante da incômoda consciência de sua finitude. Além de
também ser um meio de preencher o vazio existencial, a religião auxilia
na construção de uma identidade pessoal e coletiva, dando ao ser
humano um sentimento de pertença a um grupo, fator importante
para a coesão social e saúde mental.
O FENÔMENO RELIGIOSO E
SUAS REPRESENTAÇÕES NA
CULTURA
Retomando o que já afirmamos neste capítulo, mesmo que não
tenhamos qualquer crença religiosa, o fato é de que ela está
fortemente presente em diferentes dimensões da cultura e sociedade.

Quem gosta de olhar filmes e seriados, independentemente do gênero,


irá se deparar com enredos permeados de religiosidade. Muitos
clássicos do cinema trazem a marca do religioso, do sobrenatural e do
místico. Filmes épicos como Tróia, Cruzadas, Ben-Hur, A Paixão de
Cristo, Maria Madalena; filmes de ação e aventura como a trilogia de
Indiana Jones, Senhor dos Anéis, Crônicas de Nárnia, A Múmia, Harry
Potter, 2012, Thor, etc.; filmes policiais, de terror e de suspense como
O Exorcista, O Chamado, Ouija - O Jogo dos Espíritos, Seven - Os Sete
Pecados Capitais; dramas como Ghost, Amor Além da Vida, Cidade dos
Anjos, até mesmo grandes comédias como Mudança de Hábito, O Todo
Poderoso, Ghostbusters; a lista é enorme. Das séries, podemos citar
Supernatural, Lúcifer, Ghost Hunters etc. Também muitas telenovelas
abordaram temas religiosos, como Roque Santeiro, A Padroeira, Porto
dos Milagres, Almas Gêmeas, Babel, Eterna Magia entre outras.

Já quem gosta da literatura, além da Bíblia ser o maior best-seller


mundial, vamos encontrar clássicos como Código da Vinci, Anjos e
Demônios e Inferno, de Dan Brown, O Monge e o Executivo, A Cabana,
‘Comer, Rezar, Amar’, além de muitos livros esotéricos e de linha
espiritualista, um dos poucos segmentos que ainda crescem no mundo
editorial. Já no campo das artes, nomes como Leonardo Da Vinci,
Rafael, Michelângelo e Aleijadinho são reconhecidos por suas obras
com temática religiosa. Na própria música, desde autores sacros como
Bach, Mozart e Beethoven, como inúmeras bandas de rock, passando
por cantores e compositores nacionais, além de todo movimento de
música Gospel, trazem conteúdos religiosos em suas letras e
composições.

O campo do turismo é outro elemento importante que se relaciona


com a religião. Países e cidades têm como fonte de renda o elemento
da fé e religiosidade. A Capela Sistina no Vaticano, as pirâmides do
Egito e de Cuzco no Peru, o Monte Olimpo na Grécia e a cidade
suspensa de Machu Picchu, o monumento de Stonehenge na
Inglaterra, a estátua do Cristo Redentor no Rio de Janeiro, as
peregrinações a cidades santas como Jerusalém e Meca, os santuários
de Aparecida do Norte, os templos budistas espalhados pelo mundo
são apenas alguns dos exemplos de lugares turísticos. Já no contexto
econômico e financeiro, além do turismo, a religião movimenta a
economia em diversos setores. Festas como o Natal, Páscoa, São João,
Sírio de Nazaré, Navegantes, além de promoverem feriados em nosso
calendário, também movimentam a economia, gerando empregos e
renda. A venda de produtos religiosos e esotéricos, contratos
comerciais em que questões religiosas precisam ser observadas (ex.:
abate de animais para exportação a países islâmicos) e até mesmo
frases religiosas nas notas de dólar e real mostram essa íntima relação
entre religião e a economia. A própria indústria alimentar tem se
preocupado com questões religiosas, visto que muitas religiões
possuem regras e restrições alimentares que são impostas a seus fiéis.

No esporte, talvez até muitos dos leitores possam dar-se conta de que
praticam ritos religiosos: surfistas fazem o sinal da cruz antes de entrar
no mar, jogadores entram em campo com o pé direito, atletas apontam
para o alto e agradecem a Deus diante de conquistas, treinadores
usam a mesma roupa com que obtiveram um título etc. Crenças,
superstições e trabalhos religiosos são comuns no meio esportivo.

O campo educacional também sofreu e ainda sofre influência das


religiões. Muitas instituições de ensino privadas estão ligadas a grupos
religiosos tradicionais como católicos, metodistas, presbiterianos,
luteranos, batistas e adventistas. Entre as dez mais importantes
universidades do mundo, seis delas tiveram mantenedoras religiosas
em sua origem, tais como Harvard, Cambridge, Oxford, Princeton, Yale
e Columbia. No Brasil, os grupos religiosos também estão vinculados a
universidades como ULBRA, UMESP, Mackenzie, UNISINOS, PUC etc.
No campo da linguagem, o uso de expressões religiosas é comum,
mesmo por quem não é religioso, tais como: “Deus me livre”, “cruz-
credo”, “meu Deus do céu”, “graças a Deus”. A linguagem religiosa
também é expressa em nomes próprios como: João, José, Maria,
Ângelo etc. Estados brasileiros como Espírito Santo, São Paulo, Santa
Catarina além de centenas de municípios pelo mundo possuem nomes
religiosos: São Francisco, San Diego, Los Angeles, San Petersburgo,
Salvador, Bom Jesus, Santa Maria, Aparecida do Norte, Santa Cruz,
Santa Rosa etc.

Por último, dentro dessa perspectiva da relação da religião com


elementos culturais, o campo político não pode ficar de fora, com
ambos, por vezes, fundindo-se em um poder unificado. Nos antigos
impérios egípcio, romano, maia, japonês, só a título de exemplo, os
governantes eram quase todos divinizados, o que legitimava o seu
poder absoluto sobre o povo. Por toda a Idade Média, a religião cristã
esteve muito atrelada às questões políticas, sendo o papado romano
um importante centro de poder, assim como foram – e continuam
sendo – os Estados Islâmicos no Oriente Médio. Até mesmo guerras
foram travadas sob um suposto pretexto religioso, tais como as
inúmeras Cruzadas em prol da conquista da Terra Santa ou as guerras
entre hindus e muçulmanos na região da Kashemira (conflitos entre
Índia e Paquistão). Nos dias atuais, é comum vermos grupos religiosos
buscando espaços e fazendo lobby em decisões políticas que envolvem
a sociedade civil, além de continuarem as tensões político-religiosas
em diversas partes do mundo, incluindo perseguições a determinados
grupos minoritários.

Esses e outros exemplos demonstram o quanto o fenômeno religioso


é parte constitutiva da sociedade e está profundamente imbricado em
diferentes dimensões da cultura humana. Tal como afirmam Reblin e
Sinner, “não é possível entender a experiência religiosa distante da vida
social, como se esta independesse daquela, assim como não é possível
conceber uma sociedade sem uma vida religiosa. Religião e sociedade
se interconectam, se emaranham e, por vezes, se fundem e se
confundem na própria amálgama que é a vida humana” (2012,
Prefácio).
O FENÔMENO RELIGIOSO E
SUAS INTER-RELAÇÕES COM
AS CIÊNCIAS
Um outro importante elemento no estudo do fenômeno religioso é a
sua interrelação com as diferentes ciências. Talvez por perceberem a
relevância histórica e cultural da religião e sua enorme influência no
comportamento individual e social da humanidade, diversos campos
do conhecimento foram reunidos em uma área chamada de Ciências
da Religião. Fazem parte dela a Filosofia da Religião, Psicologia da
Religião, Sociologia da Religião, Antropologia da Religião, Direito
Religioso e História das Religiões, para citarmos apenas algumas, além
do crescente interesse pelo campo da Espiritualidade e Saúde.

Temas de cunho existencial, como a origem do mal ou do sofrimento,


o sentido da vida e da morte, a metafísica, a autotranscendência e
espiritualidade humana, o campo da moralidade e da ética, a discussão
entre fé e razão são alguns dos eixos da Filosofia da Religião, auxiliando
os indivíduos a promoverem uma reflexão crítica sobre o campo
religioso. Já a Antropologia da Religião procura demonstrar que as
diferentes expressões religiosas são criação do próprio ser humano.
Busca estudar e analisar as estruturas sociais, enfocando temas como
mitos, ritos, tabus, xamanismo e outras formas de representações
religiosas inscritas nos diferentes povos.

A Psicologia da Religião, por sua vez, vai analisar os fenômenos


religiosos a partir das funções psíquicas e afetivo-emocionais dos
indivíduos e grupos. Sigmund Freud, pai da Psicanálise, debruçou-se
sobre as estruturas e crenças religiosas, considerando a religião como
uma grande produtora de neuroses, em uma tensão constante entre
os conceitos de desejo e culpa. Já Carl Gustav Jung, outro importante
teórico da Psicologia, é autor de livros como Psicologia e
Religião, Resposta a Jó, Psicologia e Religião Oriental entre outros, vendo
a religião como uma dimensão importante para obtenção do equilíbrio
mental. Pelo viés da psicologia da religião, fenômenos religiosos como
visões, incorporações, obsessões ou até possessões são interpretados
como sintomas de possíveis transtornos mentais, tais como
alucinações e dissociações de personalidade. Também o fanatismo
religioso é objeto de estudo da psicologia da religião, na busca de
compreender que processos mentais atuam quando fiéis comportam-
se de forma irracional, a exemplo do suicídio coletivo incitado pelo
Reverendo Jim Jones nas Guianas, em 1978, ou dos seguidores de
David Koresh, em Waco, Texas, no ano de 1993.

A Sociologia da Religião é outra área que cresce em interesse


acadêmico. Émile Durkheim, a partir da clássica obra As formas
elementares de vida religiosa (1912), cria um modelo interpretativo que
divide o mundo em duas categorias, denominadas
de sagrado e profano. Para Durkheim, a religião é eminentemente
coletiva e possui a função precípua de manter a coesão social. Já Max
Weber procurou explicar a origem da racionalidade ocidental,
escrevendo a obra A ética protestante e o espírito do capitalismo (1904-
05), um dos maiores clássicos da sociologia até hoje. Por fim, o
sociólogo contemporâneo Peter Berger procura demonstrar que a
“religião representa o ponto máximo no processo coletivo de
elaboração de um sentido para a vida no mundo”, além de identificar
as raízes do processo de secularização e desencantamento do mundo,
no qual mostra o porquê as religiões tradicionais vêm perdendo seu
poder e monopólio na sociedade. (FERREIRA, 2008, p. 859-861).

Um outro campo de crescente interesse na relação entre ciência e


religião é a área da espiritualidade e saúde. É fato histórico a íntima
associação existente entre medicina e religião nas origens da maioria
dos povos e culturas. Deuses ou o mundo sagrado atuando em curas
é um elemento presente desde a antiguidade. Esculápio era o deus da
cura na mitologia grega. Imhotept o deus médico egípcio. Nas
escrituras judaicas e cristãs lemos: “Eu sou o Deus que te cura” (Êxodo
16.26). Jesus Cristo também ganhou notoriedade histórica por curar
muitos doentes, conforme relatos dos evangelhos bíblicos.

Para o médico Alex Botsaris, a medicina, antes de ser ciência, é um


produto da cultura humana. Como a arte de curar, ela está presente
desde as civilizações mais rudimentares, no momento em que surgiu a
necessidade de alguém assumir a tarefa de curar as pessoas,
auxiliando-as a lidar com a dor, com a incapacidade física, bem como
frente à angústia, suscitadas pela doença e morte. Dessa forma,
criaram-se os primeiros “sistemas médicos” que, nas culturas mais
antigas, estavam ligados aos sacerdotes e líderes religiosos, como
xamãs, pajés, druidas, feiticeiros e curandeiros, que exerciam tanto as
funções de religiosos como as de médico/curandeiro. (BOTSARIS, 2001,
p. 57). Os fenômenos da doença e da cura, portanto, foram monopólio,
por muitos séculos, de religiosos e sacerdotes. Isso é chamado
de Teurgia, literalmente traduzido como “trabalho de Deus”. A Teurgia
envolvia cânticos, ritos, preces e outras formas de ligação com as forças
divinas, sagradas e sobrenaturais, que operariam diretamente por
esses meios na cura dos indivíduos.

Em uma correlação com a contemporaneidade, para Landmann, o


carisma e o poder quase divinizado dos médicos na atualidade têm seu
nascedouro justamente em uma concepção religiosa ou mágica
(LANDMANN, 1984, p. 14-15). Porém, a descoberta de técnicas
experimentais de pesquisa no século XVII encaminhou uma
aproximação aos fenômenos do mundo físico e biológico, distinguindo
as novas práticas médicas da visão religiosa e teológica (PAIVA, 2000,
p. 13). Aos poucos, as novas descobertas levaram à desapropriação da
religião como lugar de cura e cuidado físico, passando a ser quase uma
exclusividade da ciência médica.

Gadamer afirma que o médico faz questão de se afastar da figura de


curandeiro de tantas culturas, revestido pelo segredo das forças
mágicas, arrogando ser um homem da ciência, isto é, que conhece o
motivo pelo qual uma determinada técnica de cura tem êxito, bem
como entendendo a relação de causa e efeito. Porém, isso não significa
que os seus pacientes se satisfaçam com essa explicação, ou seja, a
esperança de cura quase mágica associada ao poder do conhecimento
que o médico detém é uma fantasia constante a circular na relação
médico-paciente, mesmo que os médicos procurem evitá-la a qualquer
custo (GADAMER, 2006, p. 40).

Na perspectiva dos benefícios da espiritualidade para a saúde integral


do ser humano, Dal Farra refere-se a um conjunto de estudos que têm
demonstrado o impacto da espiritualidade sobre diversos parâmetros
de saúde que podem ser, inclusive, mensurados de forma
metodologicamente eficiente. Diversas publicações científicas têm
mostrado evidências “de que o envolvimento religioso está
favoravelmente associado a indicadores de bem-estar psicológico,
incluindo a satisfação na vida, a felicidade, menor frequência de
depressão e de utilização de drogas de abuso” etc. (DAL FARRA, 2010,
p. 589).

Elementos da fé e espiritualidade representam um ponto importante a


ser considerado nas questões de saúde coletiva, como podemos
observar nos dados analisados por Jeff Levin, do National Institute for
Healthcare Research, dos Estados Unidos, que resumem os resultados
obtidos nas pesquisas sobre espiritualidade e fé em relação à saúde
em um amplo conjunto de aspectos, conforme descreve Dal Farra
(2010, p. 591-2):
Princípio 1 — A afiliação religiosa e a participação como membro de
uma congregação religiosa beneficiam a saúde ao promover
comportamentos e estilos de vida saudáveis. Princípio 2 — A
frequência regular a uma congregação religiosa beneficia a saúde ao
oferecer um apoio que ameniza os efeitos do estresse e do isolamento.
Princípio 3 — A participação no culto e na prece beneficia a saúde
graças aos efeitos fisiológicos das emoções positivas. Princípio 4 — As
crenças religiosas beneficiam a saúde pela sua semelhança com as
crenças e com estilos de personalidade que promovem a saúde.
Princípio 5 — A fé, pura e simples, beneficia a saúde ao inspirar
pensamentos de esperança e de otimismo e expectativas positivas. [...]
Pesquisa realizada com pacientes terminais demonstrou que o
conforto espiritual não apenas aumenta a esperança de vida dos
pacientes como diminui os índices de depressão, de ideias suicidas e
de desejo de morte breve. (DAL FARRA, 2010, p. 591-2)
Posto esses elementos que colocam a religião como um objeto da
ciência, passível de ser descrito e analisado sob a perspectiva
acadêmico-científico, passamos agora a analisar o conceito de
experiência religiosa.

A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA
Você já teve alguma experiência religiosa? Curiosamente, muitos
alunos respondem negativamente a esse questionamento. Talvez
porque a ideia implícita seja de que uma experiência religiosa precise
ser um evento, algo grandioso, tais como revelações proféticas,
aparições de seres divinos ou angelicais, falar em línguas, sonhos
premonitórios, presenciar espíritos atuando em sessões mediúnicas,
ver demônios sendo expulsos em cultos de libertação, ter recebido
uma cura espiritual ou ter vivido uma experiência miraculosa.

Dentro da subjetividade que caracteriza as experiências religiosas,


podemos afirmar que elas podem ser muito mais simples do que as
listadas acima. Meditar ou fazer uma prece em momentos de angústia
e em seguida entrar em um estado de paz e tranquilidade, sentindo a
presença de Deus, ou ainda experiências de conversão, onde o fiel
acredita que Deus o chamou para viver uma nova vida, em uma
mudança visível de sua forma de pensar, sentir e agir, também são
experiências espirituais/religiosas.

Tais experiências são interpretadas como mediações da esfera do


sagrado ou do mundo sobrenatural somente a partir da fé, pois a
ciência procura sempre encontrar razões lógicas, humanas e científicas
para todas elas. Portanto, a interpretação das experiências religiosas
sempre varia de sentido, dependendo das ideologias, convicções,
argumentos e crenças pessoais de quem as vivencia, estuda e analisa.

Vamos dar um exemplo dessa variação interpretativa: para algumas


religiões neopentecostais, demônios podem possuir pessoas; para os
cultos afro-brasileiros, entidades espirituais “ocupam” ou “incorporam”
nos fiéis; para religiões espiritualistas, espíritos desencarnados podem
orientar, obsediar ou subjugar indivíduos; para a psiquiatria, tais
fenômenos podem ser transtornos dissociativos; para a psicologia,
podem advir de um elemento de indução e sugestionabilidade de
líderes religiosos. O fato é que não há como negar a existência da
experiência ou do fenômeno, mesmo que suas interpretações sejam
tão distintas.

Por essa pluralidade de sentidos, precisamos desenvolver uma atitude


de respeito para com as diferentes experiências religiosas. Para quem
as vivencia, elas são reais, modificando, muitas vezes, sua maneira de
enxergar o mundo, de se relacionar consigo mesmo, com Deus e com
as outras pessoas.
Nas experiências religiosas, portanto, as dimensões intelectuais,
emocionais, espirituais, sócio-relacionais e até físicas se inter-
relacionam. Elas se mostram no cumprimento de regras morais, na
realização de ritos tradicionais como batismos, casamentos, crismas,
funerais, preces e rezas, nas expressões cúlticas como músicas, cantos
e danças, no uso de símbolos ou gestos religiosos. O certo é que todas
as experiências podem variar em intensidade, indo de um mero
formalismo religioso motivado pela tradição, até uma experiência
interior profunda, autêntica e mística, onde se sente a presença do
sagrado e do divino na própria vida.

Finalizando esse capítulo, o estudo da Antropologia parece confirmar,


sem negar as reconhecidas diferenças entre as religiões, que há uma
tendência na busca do ser humano pelo sagrado e transcendente, ou
seja, a ideia de Deus parece estar presente no inconsciente coletivo da
humanidade. Podem mudar as formas de expressão, a linguagem
utilizada, os relatos dos mitos, os tipos de ritos, mas o que não vai se
alterar é que por trás de todas essas diferenças existe o
estabelecimento de uma estrutura religiosa comum com a qual a
humanidade se relaciona.

A verdade é que, independentemente do que cremos, em que ou


quem cremos ou como cremos, nós humanos efetivamente cremos
em algo. Nem mesmo ateus e agnósticos escapam disso, pois como diz
o filósofo Max Scheler, os que não são religiosos podem substituir os
deuses por outras formas de ídolos, seja a ciência ou diferentes formas
de ideologias.

REFERÊNCIAS
BENKÖ, A. Psicologia da religião. São Paulo, Ed. Loyola, 1981.

BOTSARIS, Alexandros Spyros. Sem anestesia: o desabafo de um


médico – os bastidores de uma medicina cada vez mais distante e
cruel. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
DAL FARRA, Rossano; GEREMIA, César. Educação em saúde e
espiritualidade: proposições metodológicas. Revista Brasileira de
Educação Médica. 34 (4): 587-597; 2010.

DICIONÁRIO BRASILEIRO DE TEOLOGIA. BORTOLLETO FILHO,


Fernando (Org.). São Paulo: ASTE, 2008. FERREIRA, Valdinei Aparecido.
Verbete Sociologia da Religião. p. 859-861; ROOS, Jonas.
Verbete Religião. p.859-861.

GAARDER, Jostein. O livro das religiões. São Paulo: Companhia das


Letras, 2000.

GADAMER, Hans-Georg. O caráter oculto da saúde. Petrópolis: Vozes,


2006.

GIOVANETTI, José Paulo. Psicologia e espiritualidade. Em AMATUZZI,


Mauro Martins (Org.). Psicologia e espiritualidade. São Paulo: Paulus,
2005, p. 129-145.

LANDMANN, Jayme. A outra face da medicina. Rio de Janeiro:


Salamandra, 1984.

MONDIN, Battista. O homem, quem é ele?: elementos de


antropologia filosófica. São Paulo: Edições Paulinas, 1980.

PAIVA, Geraldo José de. A religião dos cientistas: uma leitura


psicológica. São Paulo: Edições Loyola, 2000.

REBLIN, Iuri A.; SINNER, Rudolf Von. Religião e sociedade: desafios


contemporâneos. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2012. Prefácio.

WIEBE, Donald. Religião e Verdade: rumo a um paradigma alternativo


para o estudo da religião. São Leopoldo: Sinodal, 1998.

CRÉDITOS
Coordenação e Revisão Pedagógica: Claudiane Ramos Furtado

Design: Luiz Specht

Diagramação: Marcelo Ferreira


Ilustrações: Rogério Lopes

Revisão ortográfica: Igor Campos Dutra


Produzido por Núcleo de Audiovisual e Tecnologias Educacionais (NATE) - ULBRA EADUniversidade Luterana do BrasilTodos os
direitos reservados.
ESPIRITUALIDADE E
CONTEMPORANEID
ADE
Prof. Thomas Heimann

NESTE CAPÍTULO, VOCÊ VAI


APRENDER
 A avaliar a influência das diferentes religiões no estabelecimento de
relações sociais, políticas, econômicas e culturais;
 A participar da reflexão a respeito dos valores humanos, sociais, éticos
e espirituais;
 A construir, a partir de valores éticos e religiosos, princípios
norteadores de sustentabilidade e cidadania;
 A atuar eticamente frente a diferentes situações no campo pessoal,
social e profissional;
 A mediar conflitos no campo da ética e religiosidade a partir dos
princípios de respeito, diálogo e tolerância.

INTRODUÇÃO
Nesse segundo capítulo teremos duas abordagens temáticas que vão
transversalizar o campo da religião e espiritualidade em sua relação
com a sociedade contemporânea.

A primeira parte do capítulo irá abordar alguns conceitos importantes


para compreendermos diversos fenômenos atuais no campo religioso
e relacional. Conceitos como globalização, fundamentalismo,
tolerância e secularização são tratados a partir do fenômeno da
Globalização, ao passo que os conceitos de trânsito, sincretismo e
mercado religioso estarão mais relacionados à religiosidade latino-
americana e brasileira.

A segunda abordagem temática do capítulo parte para um assunto que


transcende especificidades culturais, enfocando um fenômeno de
cunho mais ontológico e existencial, que diz respeito a cada ser
humano na relação intra e interpessoal: a culpa e o perdão. A
abordagem dessa temática é interdisciplinar, pois envolve elementos
não apenas da religiosidade, mas também elementos filosóficos,
antropológicos, psicológicos e teológicos, com diferentes
possibilidades interpretativas.

Que esses temas nos auxiliem a refletir sobre nossos pensamentos,


valores, crenças e posturas cotidianas, nos diferentes âmbitos da
convivência humana.

FUNDAMENTALISMOS,
TOLERÂNCIA E FENÔMENOS
RELIGIOSOS NO CONTEXTO DA
GLOBALIZAÇÃO
Um dos conceitos marcantes do século XXI é o da Globalização. O
mundo globalizado, através dos meios de comunicação, em especial a
internet, permite a interação e conexão entre pessoas em quaisquer
partes do mundo. De certa forma, tornaram-se tênues as linhas que
demarcam nações, territórios, culturas e jurisdições. Vivemos todos em
uma espécie de “aldeia global”. A Globalização não é, portanto, um
fenômeno apenas da área da comunicação, mas mundial, das relações
sociais, econômicas, culturais, religiosas, enfim, das relações humanas.

Hall (2011) descreve que o processo de Globalização, ao interconectar


as pessoas em diversas partes do mundo, cria um novo modelo de
identidade, no qual se deve levar em conta não mais os modelos de
uma sociedade organizada entre fronteiras, mas uma sociedade
híbrida, multifacetada, transcultural em seus usos, costumes, tradições
e concepções da realidade. Afirma Hall: “as identidades nacionais estão
em declínio, mas novas identidades – híbridas estão tomando o seu
lugar” (2011, p. 69).

Na relação com a religiosidade, esse hibridismo retrata uma realidade


muito presente em nosso país, o sincretismo religioso. Nele se
constrói uma identidade religiosa híbrida, resultado da fusão ou
interpenetração de diferentes religiões, seitas, filosofias, personagens,
crenças e visões de mundo, numa mescla harmonizada de diferenças.
Para Araújo, “o sincretismo ocorre quando dois ou mais sistemas
religiosos se combinam, de modo que ambos deixam de existir como
tais e produzem um sistema religioso original” (2008, p.930).

A Umbanda, que combina elementos das religiões africanas, indígenas,


kardecistas e também elementos do catolicismo popular é um claro
exemplo de sincretismo. Além disso, indivíduos que alternam idas a
missas ou cultos, frequentam esporadicamente centros espíritas,
tomam passes em um terreiro, meditam num centro budista, fazem
terapia de Reiki, consultam cartomantes etc, com idas e vindas nesses
diferentes contextos, também demonstram uma atitude religiosa
sincrética, fruto de uma globalização e indiferenciação religiosa,
marcas da religiosidade brasileira.

O próprio trânsito religioso, outra característica marcante de nossa


religiosidade, demonstra a diluição gradativa de referências
identitárias que vivemos na contemporaneidade. Isso é enfatizado pela
socióloga da religião, Hervieu-Léger, que chama esse movimento de
“religiosidade à la carte”, marcada pela mudança, fluidez e mobilidade
de indivíduos entre as diversas opções religiosas existentes no seu
contexto social. (HERVIEU-LÉGER, 2005, p. 28). Esse “trânsito” pode ser
contínuo, implicando novas experimentações religiosas motivadas por
curiosidade, modismos ou por necessidades pessoais, com a
possibilidade de sucessivos retornos à religião de origem. Almeida e
Montero acrescentam outra explicação para o trânsito
religioso, relacionando-o com o processo de mercantilização dos bens
de salvação pelas diferentes instituições, que oferecem cura, sucesso e
prosperidade aos adeptos, numa espécie de “mercado religioso”.
(2001, p.92).

Diferentemente da Europa, onde o movimento de secularização é


cada vez mais visível, com a religião perdendo sua força, poder e
relevância, tanto para indivíduos quanto grupos, implicando a
diminuição significativa do envolvimento religioso, no Brasil a força da
religião ainda se faz muito presente na sociedade. Apesar das
mudanças nas formas de expressão religiosa, ainda há forte influência
da religiosidade na vida da maioria das pessoas. No Brasil, ainda
consegue se encher estádios em cerimônias religiosas e cruzadas pela
fé. Vamos ver esse paradoxo, a partir das imagens abaixo.
Clique aqui e assista ao vídeo sobre a secularização crescente na
Europa: templos religiosos se transformam em bares, livrarias e outros
estabelecimentos comerciais.
Já na relação com os Fundamentalismos, a Globalização introduz
algumas questões para reflexão: é possível afirmar que a formação de
uma identidade híbrida realmente está em processo na sociedade
atual? Em pleno século XXI, pode-se afirmar que as diversas culturas,
com seus princípios, com suas normas e valores, com suas tradições,
com sua religiosidade, estão convivendo harmonicamente? O que
dizer, então, das frequentes notícias que veiculam intolerâncias,
preconceitos, radicalismos, seja em relação à etnicidade, a grupos
minoritários, os indígenas, por exemplo, a gênero, ou mesmo em
questões ligadas à religiosidade?
As questões da intolerância e do preconceito estão ligadas
essencialmente ao Fundamentalismo que, embora não seja algo novo,
reaparece ou “globaliza-se” no século XXI. Pode-se afirmar que atitudes
fundamentalistas muitas vezes têm corroborado práticas e atitudes
discriminatórias para com aqueles que, por assim dizer, não se
adequam a um padrão estabelecido pela sociedade ou por
determinado grupo social. O teólogo Leonardo Boff assim conceitua o
Fundamentalismo:
Não é uma doutrina. Mas uma forma de interpretar e viver a doutrina.
É assumir a letra das doutrinas e normas sem cuidar do seu espírito e
de sua inserção no processo sempre cambiante da história, que obriga
a contínuas interpretações e atualizações, exatamente para manter
sua verdade essencial. O fundamentalismo representa a atitude
daquele que confere caráter absoluto ao seu ponto de vista. (BOFF,
2002, p. 25)
O Fundamentalismo, portanto, se caracteriza basicamente pela ideia
de que existe apenas uma verdade, expressa na opinião do próprio
fundamentalista, e que outras ideias não podem ser consideradas,
respeitadas, sequer devendo existir (BOFF, 2002). Nesse sentido,
precisamos admitir que os “fundamentalismos nossos de cada dia”
estão muito mais perto de cada um de nós do que supomos.
Convivemos e até compactuamos com posturas fundamentalistas em
diferentes áreas da vida. A polarização crescente das discussões nas
redes sociais, por exemplo, seja no campo das ideologias políticas,
religiosas, morais, científicas e até futebolísticas revelam o quanto os
indivíduos estão imersos na onda dos radicalismos e
fundamentalismos na sociedade atual, marcados pela intolerância e
agressividade das relações cotidianas.

Num olhar histórico-social, identificamos exemplos clássicos de


fundamentalismo. Na Idade Média, os tribunais da Santa Inquisição
assumiram posições radicais, condenando todos os que se
posicionavam contra os preceitos da Igreja. Também ideologias
políticas como o Fascismo e Nazismo são reputadas como exemplos
de fundamentalismos, com efeitos nocivos à sociedade.

O Nazismo de Adolf Hitler, durante a Segunda Guerra Mundial, ao


afirmar a existência de uma “raça superior” às demais, e a necessidade
de extermínio das ditas “raças inferiores”, numa posição de eugenismo
extremo, fez a humanidade presenciar os horrores dos campos de
concentração, onde milhares de judeus e outros grupos minoritários
foram exterminados pelos nazistas. De forma mais recente, o atentado
do grupo fundamentalista islâmico al-Qaeda em 11 de setembro de
2001, às Torres Gêmeas do World Trade Center, matando cerca de três
mil pessoas, mostra a relação entre o fundamentalismo e a violência.

Como vai dizer Odalia, muitas vezes, atitudes violentas são justificadas
sob o argumento do “pensar diferente”. O uso da violência se torna
algo corriqueiro, banal, assumindo contornos de normalidade ao dizer
que “o ato violento se insinua [...] como um ato natural cuja essência
passa desapercebida” (ODALIA, 2004, p. 23).

Com relação ao fundamentalismo religioso, nele os indivíduos e grupos


se apresentam como únicos detentores da verdade, não permitindo
outras compreensões do Sagrado e do Divino que não seja aquela
considerada pelo fiel. Esse pensamento pode levar à discriminação, à
intolerância, ao desrespeito ao semelhante e, em muitos casos, até
mesmo a atos de violência, como já aconteceu no cenário social e
religioso brasileiro.

É óbvio e claro que cada ser humano pode e deve eleger as suas ideias
a respeito do Divino e do Transcendental. O que está em discussão é o
respeito à diversidade de pensamento, seja ele religioso, ideológico ou
moral.

Aqui se mostra a importância de conhecermos o conceito de tolerância,


tal como propugnado por Gaarder:
Tolerância, ou seja, respeito pelas pessoas que têm pontos de vista
diferentes do nosso, é uma palavra-chave no estudo das religiões. Não
significa, necessariamente, o desaparecimento das diferenças e das
contradições. [...] Uma atitude tolerante pode perfeitamente coexistir
com uma sólida fé e com a tentativa de converter os outros. Porém, a
tolerância não é compatível com atitudes como zombar das opiniões
alheias ou se utilizar da força e de ameaças. A tolerância não limita o
direito de fazer propaganda, mas exige que esta seja feita com respeito
pela opinião dos outros. (GAARDER, 2004, p. 14-5)
Clique aqui e assista ao vídeo de Karen Armstrong sobre a intolerância
e fundamentalismo religioso.
Cabe ao ser humano, no respeito ao seu semelhante, perceber as
diversas religiões e culturas existentes, compreender as diversas
formas de religiosidade e de pensamento numa sociedade plural e
caminhar para uma convivência ética, onde possa dar testemunho do
que crê sem desrespeitar quem pensa diferente.

Passamos agora a uma outra questão contemporânea, que também


está vinculada à promoção de uma cultura de paz e de resgate de
relacionamentos mais saudáveis: o tema da culpa e perdão.
CULPA E PERDÃO: UMA
QUESTÃO EXISTENCIAL
Numa reportagem de capa da revista Veja (2002), intitulada "Culpa: por
que esse sentimento se tornou um dos tormentos da vida moderna" a
revista aborda um tema de grande relevância, não só para o campo da
religião mas para toda vida relacional: o sentimento de culpa. A
reportagem procura apontar para "as culpas cotidianas de cada um",
que parecem não ser uma questão de escolha pessoal, mas sim uma
realidade inexorável aos indivíduos que vivem na sociedade moderna:
competição no emprego, optar por filhos ou carreira, o desempenho
sexual, comer demais, a ditadura da beleza, o insucesso financeiro são
apenas algumas dentre as diversas culpas listadas.

Poderíamos perguntar se é possível um sujeito saudável


psiquicamente olhar para o seu passado e dizer que nunca sentiu
algum tipo de culpa. Estudiosos do comportamento humano
confirmam que a ausência completa de culpa é um dos indicativos para
um possível diagnóstico de psicopatia e sociopatia. Visto sob esse
ângulo, a culpa parece fazer parte da dimensão humana, sendo uma
questão inclusive civilizatória, que nos permite viver em coletividade,
abarcando a dimensão da alteridade, ou seja, a capacidade de nos
colocar no lugar do outro na relação interpessoal.

O fato de ser universal não tira da culpa o seu caráter pessoal,


particular e subjetivo. Há elementos familiares, religiosos, sociais e
culturais na sua constituição, ou seja, o que para determinados
indivíduos, grupos, sociedades ou culturas poderia ser considerado um
ato culposo, para outros poderá ser um costume normal ou uma
prática natural.

Com relação às fontes da culpa, ela pode ser de origem interna ou


externa. As culpas externas são atribuídas ou impostas aos indivíduos
pelos costumes, tradições, regras e leis dos mais diferentes âmbitos:
civis, religiosos, sociais, profissionais e mesmo pessoais. Quando uma
regra ou lei é violada, o transgressor se torna culpado perante ela,
mesmo que ele não se sinta culpado internamente, o que
denominamos de culpa objetiva (COLLINS, 2004, p.158). Já a culpa
subjetiva é o sentimento pouco confortável de pesar, remorso,
vergonha e autocondenação que surge, com frequência, quando
fazemos e pensamos algo que sentimos estar errado, ou quando
deixamos de fazer algo que julgamos que deveria ter sido feito (2004,
p. 158).

A culpa subjetiva, portanto, está intimamente associada aos


sentimentos humanos, no sentido de provocar algum tipo de
sofrimento psíquico, remetendo-nos à segunda fonte da culpa, essa de
caráter interno: a nossa própria consciência. É possível afirmar que o
ser humano é dotado de uma capacidade inata, uma voz interior que
lhe dá uma intuição íntima e pessoal do que é certo ou errado. O
curioso é que a culpa subjetiva pode brotar no indivíduo mesmo
quando não há uma culpa objetiva ou exterior imposta a ele, ou seja,
posso me sentir culpado por algo que objetivamente não foi provocado
por mim (exemplo: a culpa de ter sido o único sobrevivente de uma
tragédia ou acidente).

Isso nos leva a uma outra reflexão. Afinal, o sentimento de culpa é um


aspecto positivo ou negativo na vida das pessoas e da própria
sociedade?

Por mais paradoxal que possa parecer, a culpa pode cumprir funções
positivas e construtivas para a vida relacional. Ela nos auxilia
na prevenção de atos ilícitos ou prejudiciais, pois antes mesmo de
violar uma regra a culpa antecipatória já pode se fazer presente no
indivíduo. Uma segunda função é o ato da reflexão, pois após cometer
um ato que a sua consciência apontou como má, a culpa surge e pode
levar o indivíduo a uma autoanálise crítica das suas próprias ações.
A reparação, no sentido de pedir perdão e restituir concretamente a
quem lesamos também é um aspecto positivo da culpa. Por último, a
culpa pode levar o indivíduo a não mais cometer um ato que sua
consciência julgou ilícito e o fez sofrer, gerando uma mudança
positiva de comportamento.

Olhando para as funções positivas elencadas, pode-se afirmar que um


indivíduo que não sinta nenhuma culpa diante de algumas atitudes e
decisões pessoais, pode tornar-se uma ameaça para si e para a
sociedade. A ausência da culpa, que parece indicar a inoperância da
consciência moral, faz com que o indivíduo perca a noção dos limites e
da liberdade do outro, tornando-o um indivíduo "perigoso"
socialmente.

Quanto aos aspectos negativos da culpa, esses são mais fáceis de


serem percebidos. A culpa pode cobrar um alto preço do indivíduo,
como provocar crises de ansiedade, angústia, preocupação, insônia,
mau humor, baixa autoestima, melancolia, depressão e, inclusive, levar
um indivíduo a cometer o suicídio. Doenças como úlceras, gastrites,
impotência, frigidez, enxaquecas, entre outras, também podem ter um
forte componente emocional ligado às culpas individuais. Culpas
reprimidas e não resolvidas se tornam, potencialmente, sintomas
neuróticos. A culpa também pode ser utilizada negativamente como
forma de manipular e chantagear pessoas. Relacionamentos pautados
sobre o sentimento de culpa são nocivos, pois geram sentimentos
como pena, comiseração, rancor, indiferença, criando um ambiente
não saudável e de sofrimento aos envolvidos.

INFOGRÁFICO
Um outro elemento que merece destaque nesse assunto que estamos
tratando é a relação existente entre a culpa e pagamento. Para o
psiquiatra suíço Paul Tournier, a culpa traz como consequência quase
inevitável uma ideia de pagamento, como se houvesse uma atitude
psicológica enraizada no coração humano que nos diz que "Tudo deve
ser pago". (1985, p.200).

Esse sentimento de dívida constante está presente em muitos atos


religiosos. Como diz Tournier (1985, p. 201), basta lembrar as
multidões inumeráveis de fiéis hindus que mergulham nas águas do
rio Ganges a fim de serem lavados de suas culpas e até nas ofertas
votivas e no ouro que cobrem as estátuas de Buda. Igualmente, são
inúmeros os penitentes e peregrinos de todas as religiões que impõem
a si mesmos sacrifícios, práticas ascéticas (privar-se de qualquer forma
de prazer) ou duras jornadas como formas de pagamento, seja por
culpas cometidas ou até por graças alcançadas. Tais pessoas parecem
ter uma necessidade interna de pagar, de expiar as suas culpas.
Porém, essa ideia de pagamento não fica circunscrita ao mundo
religioso. O ser humano também busca pagar suas culpas do cotidiano.
Uma falha leve com a namorada, por exemplo, pode ser paga com um
buquê de flores e um convite para jantar. Um castigo imposto
injustamente a um filho pode ser compensado com um presente; e
assim por diante.

A típica frase "Essa ele me paga!", muitas vezes repetida por nós em
inúmeros e variados contextos e situações, expressa o que estamos
aqui afirmando. Todas as faltas, erros, delitos e pecados parecem exigir
um pagamento, cujo preço geralmente será proporcional ao tamanho
do erro. Na prática da confissão católica, por exemplo, a penitência que
é atribuída pelo sacerdote ao fiel normalmente será proporcional à
gravidade do seu pecado.

Os pagamentos podem ser, inclusive, inconscientes. A psicanálise


afirma que muitas doenças nervosas e físicas, e até mesmo acidentes,
bem como frustrações na vida profissional, podem ser tentativas de
expiação da culpa que é totalmente inconsciente. Seriam formas de
punição que o sofredor administra a si mesmo e continua repetindo
indefinidamente como uma espécie de fatalidade inexorável
(TOURNIER, 1985, p. 201).

CULPA E RELIGIÃO
Já vimos que muitas religiões também têm na culpa um de seus
aspectos fundantes sendo, por vezes, até utilizada como instrumento
de domínio das igrejas sobre os fiéis. Como diz Tournier (1985, p. 202),
para apagar o passado de culpas e pecados, uma expiação
(pagamento) deve ser feita, sendo esse o sentido de quase todos os
ritos e sacrifícios praticados nas diferentes religiões. Espera-se que eles
garantam a libertação da culpa descartando o débito que deu origem
a ela.

Isso pode ser percebido desde as práticas primitivas de aplacar a ira


dos deuses por oferendas e sacrifícios, quando acreditava-se que
alguém havia cometido um delito grave contra os deuses. Nas religiões
orientais o conceito da transmigração das almas e da lei do carma
trazem implícita a ideia de que para evoluir espiritualmente o indivíduo
precisa “pagar” as suas faltas através de ações positivas, negação de
determinadas práticas ou realização de diferentes rituais.

Em religiões espiritualistas, afro-brasileiras e mesmo em muitas


denominações cristãs, também está presente o conceito da teologia
retributiva, ou seja, de que dificuldades, doenças, sofrimentos e
tragédias seriam uma forma de pagamento por erros, más ações ou
pecados cometidos, doutrina também conhecida como “lei do
retorno”.

Por um longo tempo, o cristianismo também se estruturou sobre a


prática do pagamento por culpas e pecados cometidos. Na Idade
Média, era comum a venda de indulgências, que nada mais eram do
que uma compra do perdão e da salvação eternas. Além disso, havia a
veneração de relíquias sagradas, encomendas de missas pagas,
realização de votos e promessas, práticas de autoflagelo, tudo como
forma de expiar as suas culpas, pagar as dívidas com Deus e ganhar
algum mérito pessoal diante Dele.

Não é essa proposta, porém, que um cristianismo comprometido com


os evangelhos bíblicos e com o ensino e obra de Jesus Cristo oferece
aos seres humanos. A igreja cristã tem o compromisso de proclamar a
salvação, a graça e o perdão de Deus à humanidade oprimida pela
culpa: a salvação conquistada em Cristo, por Cristo e através de Cristo.
Essa salvação não tem preço, não pode ser comprada por ninguém, até
porque, para o cristianismo, sacrifícios expiatórios ou esforço moral
não são suficientes para pagar a dívida com Deus. Na realidade, o
cristão não precisa pagar nada, pois Cristo já pagou em seu lugar.
Como lembra Tournier:
[...] é Deus mesmo quem paga, Deus mesmo pagou o preço de uma
vez por todas, o preço mais caro que ele poderia pagar: a sua própria
morte, em Jesus Cristo, na cruz. A obliteração (destruição/eliminação)
de nossa culpa é livre para nós porque Deus pagou o preço. Jesus Cristo
veio "para salvar o que estava perdido" (Mt 18:11). (TOURNIER, 1985, p.
212-3)
Em síntese, a libertação total da culpa, a salvação, não é mais uma ideia
remota de perfeição para sempre inacessível; mas passa a ser
personificada numa pessoa - Jesus Cristo - que veio como presente de
amor e misericórdia dado por Deus à humanidade. (TOURNIER, 1985,
p. 214). Essa é uma possibilidade que, racionalmente, é vista como
“loucura para aqueles que não creem”, tal como diz o apóstolo Paulo
em 1 Coríntios 1.18.

O PERDÃO COMO ATO


LIBERTADOR
O grande ápice do nosso capítulo é a palavra "perdão". De nada adianta
falar de culpas se não abrimos a possibilidade de refletir sobre o
perdão. Numa dimensão humana, das relações interpessoais,
poderíamos afirmar que o perdão é uma das mais importantes
ferramentas terapêuticas existentes nesta vida.

Numa sociedade cada vez mais pautada pela violência, intolerância,


orgulho e individualismo, a arte de perdoar se torna um dos grandes
desafios humanos, a ponto de esse ser um dos pedidos que Jesus
inseriu na oração do Pai Nosso, ensinando aos seus discípulos: “[...]
perdoa as nossas dívidas (ofensas), assim como nós perdoamos aos
nossos devedores (a quem nos tem ofendido)” (Mateus 6.12). Jesus
ensina e encarna o perdão, intercedendo até mesmo em favor
daqueles que o açoitaram, crucificaram e o conduziram à morte,
dizendo: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lucas
23.34).

O psicólogo americano Dr. Frederic Luskin, autor do livro O poder do


perdão, criador do Projeto do Perdão da Universidade de Stanford, faz
uma relação entre o bem-estar trazido pelo perdão e a saúde do ser
humano. Luskin afirma que guardar ressentimentos, culpar os outros
ou apegar-se às mágoas estimulam o organismo a liberar na corrente
sanguínea as mesmas substâncias químicas associadas ao stress, que
prejudicam o corpo. Outro estudo de Luskin indicou que as pessoas
mais inclinadas ao perdão sofriam menos enfermidades e tinham
menos doenças crônicas diagnosticadas (TARANTINO, 2003).

Portanto, perdoar e pedir perdão são ações promotoras da saúde, na


dimensão emocional, física e espiritual. Sabemos, porém, que isso não
é fácil. Mais do que ações, o ato de perdoar e pedir perdão acabam
sendo um longo processo que precisa ser buscado e aprimorado em
nossa vida. Numa perspectiva psicológica, o perdão sempre acontece
no interior do indivíduo, sendo uma decisão íntima e pessoal. Por isso
é que perdoar e reconciliar são conceitos diferentes. O perdoar é uma
relação consigo mesmo, já o reconciliar envolve a relação com o outro,
que nos feriu. Podemos perdoar mesmo quando não houver
reconciliação, até porque, por vezes, ela é impossível de ser efetivada
concretamente.

Porém, quem não consegue perdoar acaba por fazer um pacto com o
agressor, no qual só vai aumentar sua própria dor e sofrimento,
ficando prisioneiro dela. Por isso é que se diz que perdoar é libertar-
se, pois quem perdoa rompe os laços com o mal feito a si, eliminando
o poder e domínio daquele que cometeu a ofensa.

Já numa perspectiva religiosa cristã, o primeiro passo para


aprendermos a perdoar e a recebermos o perdão é confiar que as
nossas culpas e os nossos erros já foram todos pagos por Deus através
da morte de Jesus Cristo.

O reconhecimento dos nossos erros, que leve a um verdadeiro e


sincero arrependimento, que nos motive a viver de forma correta e a
ter uma disposição interna constante em perdoar aos outros, num
compartilhamento mútuo e recíproco do perdão que nos é oferecido
por Deus em Cristo Jesus, é aquilo que o próprio Jesus ensina nos
evangelhos. Nada mais de auto sacrifícios, penitências ou sofrimentos
auto impingidos.

Culpa e perdão! Questões existenciais que permanecerão atuando,


afligindo e ressoando nos corações humanos enquanto o indivíduo
viver, mas cuja resolução está mais próxima do nosso alcance do que
podemos imaginar. Dentre tantas possibilidades, na visão cristã, a
resposta está na pessoa que se tornou a encarnação viva do amor, da
paz, do consolo e do perdão, chamada Jesus Cristo. Crer e apoderar-se
desse perdão é a ferramenta terapêutica por excelência, fonte de vida
e alegria, da qual todos, sem exceção, podem fazer uso.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, João Dias. Sincretismo. In: Dicionário Brasileiro de
Teologia. (Fernando Bortolleto Filho – Org.). São Paulo, ASTE, 2008,
p.930-1.

BOFF, Leonardo. Fundamentalismo: a globalização e o futuro da


humanidade. Rio de Janeiro: Sextante, 2002.

COLLINS, Gary R. Aconselhamento cristão. Edição Século 21. São


Paulo: Vida Nova, 2004.

GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O livro das


religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

HERVIEU-LÉGER, D. O peregrino e o convertido: a religião em


movimento. Lisboa: Gradiva, 2005.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio


de Janeiro: DP&A, 2011.

ODALIA, Nilo. O que é violência? 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 2004.

TARANTINO, Mônica. Perdoar é humano. Revista Isto É, 8 de janeiro


de 2003, edição n.1736.

TOURNIER, Paul. Culpa e graça: uma análise do sentimento de culpa e


o ensino do evangelho. São Paulo: ABU, 1985.

CRÉDITOS
Coordenação e Revisão Pedagógica: Claudiane Ramos Furtado

Design: Luiz Specht

Diagramação: Marcelo Ferreira

Ilustrações: Marcelo Germano


Revisão ortográfica: Ane Arduin
Produzido por Núcleo de Audiovisual e Tecnologias Educacionais (NATE) - ULBRA EADUniversidade Luterana do BrasilTodos os
direitos reservados.
A RELIGIÃO NO
MUNDO
Prof. Mario Rafael Yudi Fukue

NESTE CAPÍTULO, VOCÊ VAI


APRENDER
 A compreender o fenômeno religioso como uma dimensão
antropológica, constituinte das civilizações;
 A conhecer as principais formas religiosas e as principais religiões do
mundo ocidental e oriental;
 A reconhecer os principais fatos da história das religiões, bem como
suas consequências;
 A demonstrar consciência da diversidade, respeitando o ser humano
em suas diferenças geracionais, religiosas, de acesso, credo, gênero,
classes sociais, escolhas sexuais e das pessoas com deficiência;
 A analisar a importância dos valores éticos, morais e espirituais na
formação integral do ser humano.

INTRODUÇÃO
Quem sou eu? Como foi que tudo veio a existir? Por que existe tanto
sofrimento? Existe um propósito no Universo? Se Deus existe, como
faço para ser salvo? O que acontece depois da morte? - essas são
algumas questões presentes em todas as culturas humanas. São
questões existenciais, pois lidam com a existência humana. Elas
formam a base de todas as religiões e, por conseguinte, de toda a
cultura humana. Conforme Gaardner, “não existe nenhuma raça ou
tribo de que haja registro que não tenha tido algum tipo de religião”
(2013, p. 11).

As culturas dos povos foram moldadas conforme as respostas que


suas religiões ofereciam às questões existenciais. Por exemplo, o
conceito de Direitos Humanos tem profundas raízes na tradição bíblica,
especialmente no visão do ser humano como “criado à imagem de
Deus”.

Outro exemplo é a preferência de hindus pela culinária vegetariana por


razões religiosas, pois acreditam que todos os animais carregam
um atman, grosso modo, uma alma imortal.

Além da capacidade de moldar culturas, os conceitos religiosos de um


povo também influenciam a forma como indivíduos fazem suas
escolhas cotidianas. Por exemplo, um judeu ou adventista não
trabalham depois do pôr do sol da sexta-feira, que, para eles, marca o
início do sábado, dia de santificar a Deus e se dedicar ao descanso.
Outro exemplo é o pastor Dietrich Bonhoeffer que, por razões
religiosas, se opôs ao regime nazista e chegou a afirmar: “Jesus Cristo, e
não homem algum ou o Estado, é o nosso único Salvador” (Declaração de
Bremen).

Em um mundo cada vez mais interconectado, você certamente


trabalhará com pessoas de diversas etnias e de variadas tradições
religiosas. Mesmo aqueles que não professam nenhuma crença
específica são filhos e filhas de culturas marcadamente religiosas. Por
todas essas razões, conhecer as grandes religiões do mundo é útil para
desenvolver competências que ajudarão você a melhor se relacionar
com todas as pessoas, especialmente com aquelas que agem, creem e
pensam diferentemente de você. Além disso, esse conhecimento
ajudará você a compreender melhor suas próprias questões
existenciais. Neste capítulo, começaremos nossa jornada no Oriente e
conheceremos a tradição dos hindus na Índia, os ensinos de Sidarta
(Buda) e a pregação da simplicidade e da ordem por parte de Confúcio
e Lao Tsé. Depois, iremos ao Oriente Médio e estudaremos as religiões
abraâmicas que moldaram a sociedade ocidental: o Judaísmo e o
Islamismo.

Para saber mais:


 Direitos humanos: o que a igreja tem a ver com isso?
 Dietrich Bonhoeffer: uma biografia.

RELIGIÕES DO ORIENTE
Vamos encontrar, nesta seção, quatro grandes religiões: Hinduísmo,
Budismo, Confucionismo e Taoísmo. De cada uma podemos tirar lições
transmitidas por séculos e vividas por seguidores que buscavam
sentido para a vida entre essas religiões e filosofias.

HINDUÍSMO
O Hinduísmo não tem fundador, nem credo fixo. Na verdade, o
Hinduísmo é o conjunto de religiões que se originam das interações
entre o povo nativo do vale do rio Indo e os povos indo-europeus, que
chegaram na região 4 mil anos atrás.

A religião que surge dessas interações de povos sustenta uma visão


cíclica da história. A cada final de ciclo, o Deus Shiva dança sobre o
mundo até reduzi-lo a pedaços. Depois, o deus Brahman recria o
mundo novamente.

Um hindu crê que, depois da morte, sua alma renasce numa nova
criatura, humana ou animal. O que determina a próxima existência é
o carma, que aponta para o movimento de “ação e reação”: o que você
faz nesta vida determinaria sua próxima existência. Veja que a visão
cíclica também está presente na forma como o Hinduísmo explica o
sofrimento e a libertação dele. A esse ciclo de nascimento, morte e
renascimento dá-se o nome de Samsara, a roda da vida. Para se libertar
da Samsara, o hindu deve dedicar-se a ações nobres. O que determina
a próxima existência é o carma, que aponta para o movimento de ação
e reação: o que você faz nesta vida determinaria sua próxima
existência. Também há no conceito de carma a ideia de ordem natural
das coisas, da existência que deve ser aceita para que o indivíduo
aprenda e evolua.

As Castas
Desde tempos imemoriais, sempre houve quatro varnas (cor em
sânscrito). De acordo com o RigVeda (textos sagrados hindus),
as varnas se originam do sacrifício do deus Purusha: da boca, nasceram
os brâmanes (classe sacerdotal); de seus braços, vieram os guerreiros;
de suas pernas, surgiram os agricultores e artesãos; e de seus pés, os
servos. Havia também os dalits (intocáveis), que teriam nascido do pó
das unhas de Purusha.

A base religiosa desse sistema é a noção de impureza e pureza. Castas


baixas ocupam trabalhos impuros para ajudar as castas altas a se
manterem puras, que por sua vez realizam rituais religiosos em favor
de todas as castas. Para reencarnar em uma casta superior, o indivíduo
deve usar suas existências para melhorar seu carma.

Apesar de abolido pela Constituição indiana de 1947, o sistema de


castas continua tendo um papel importante na sociedade indiana.

Preconceito? Não é bem assim que os indianos pensam. Quer saber


mais sobre as castas? Clique aqui.

Da vaca ao conceito de ahimsa (resistência pela


não-violência)
A vaca é um animal sagrado na Índia, e é considerada mais pura do que
um brâmane. Para os hindus, a vaca e todos os outros animais
possuem atman (alma) e, por essa razão, não podem ser mortos. Isso
transformou muitos hindus em vegetarianos e, conforme Gaarder
(2013, p. 48) “abriu caminho para o ideal da não violência, que ficou
mais tarde conhecido com a luta de Gandhi pela independência da
Índia."

Mahatma Gandhi ensina a ahimsa - a resistência pela não violência.


Conheça mais de suas ideias neste link.

Como se libertar do carma? Três vias de Salvação


No Hinduísmo védico, o ciclo do carma e reencarnação era visto como
positivo. Mais tarde, a reencarnação foi vista como um círculo vicioso,
do qual seria necessário se libertar. No período védico tardio, de 1000
a.C. a 500 a.C., os escritos Upanishads introduziram a noção de
Brahman, a força divina que permeia todo o universo.

Assim, três novas formas de se libertar do carma foram sendo


gradualmente formados: Via do sacrifício - o hindu deve realizar
corretamente os rituais religiosos, além de seguir o caminho do
ascetismo; Via do Conhecimento - conforme os Upanishads o ser
humano alcança a libertação por meio da compreensão plena da
unidade entre o atman (alma) e Brahman; Via da Devoção - nesta via
ensina-se que a libertação por meio do bhakti, isto é, a fé e devoção a
Deus, realizando os rituais sem pensar em recompensas.

O hindu empenha-se em se libertar do carma e da reencarnação e


atingir o moksha, que é a união final do atman (alma) com o Brahman.
No moksha não haverá mais individualidade, pois todos estarão
dissolvidos no Brahman.

Três deuses
Até o momento, você já ouvir falar sobre Shiva, o deus destruidor, e
Brahman, o deus criador, que permeia todo o universo, mas o
Hinduísmo também tem um terceiro grande deus: Vishnu, o deus
sustentador.
Brahman
conhecido como o Deus criador, Senhor da Sabedoria, cultuado pelos
sacerdotes. Todos nascem dele.
Vishnu
o deus mantenedor da criação.
Shiva
deus renovador, senhor da vida e da morte, o deus dos iogues,
retratado como um asceta, traz a doença e a morte, mas também a
cura.
O hindu comum não dirige suas orações aos três grandes deuses, mas
aos milhares de divindades locais. Quase todas as aldeias têm a sua
própria divindade local. Além disso, há uma infinidade de deusas.
Segundo Gaarder (2013, p. 48): “Alguns adotam a teoria de que essa
abundância de deusas não passa da expressão de uma grande e
poderosa divindade feminina, a “Rainha do Universo” ou “Deusa-Mãe””.
A importância das deusas na religião indiana é visível pela escolha da
“Mãe Índia” (Bhárata Mata ou Bharthamata) como a divindade nacional
do atual Estado da Índia.

BUDISMO
O Budismo teve início com o príncipe Siddartha que cresceu em meio
à fortuna e ao luxo. Aos 29 anos, ele teria tido o primeiro contato com
um velho, um doente e um cadáver. Ao mesmo tempo, ele teria visto
um alegre asceta. Dessa comparação, ele concluiu que a vida de
conforto não concede plenitude à existência.

Siddatha renuncia à vida do palácio e parte para uma vida de


ascetismo, que não lhe traz resultados. Tendo experimentado os dois
extremos, conforto e ascetismo, Siddartha conclui que nenhum deles
levavam ao nirvana. Por isso, propôs o “caminho do meio”, da
meditação, pelo qual chegou à iluminação (bodhi). Pela meditação, ele
percebe que todo o sofrimento do mundo é causado pelo desejo.
Assim, é apenas suprimindo o desejo que se pode escapar de outras
encarnações.

No “Sermão de Benares”, Siddartha apresenta as quatro verdades que


guiam o ser humano na superação do sofrimento:
 Tudo é sofrimento. O apego aos elementos dessa existência nos leva
ao sofrimento, tudo aquilo que amamos não dura para sempre. Tudo
é maya (ilusão).
 Desejo é a causa do sofrimento. Se tudo é ilusão, não há razão para
se apegar ao que quer que seja, pois sofremos sempre que perdemos
o ser ou o objeto a que somos apegados;
 Quando o desejo cessa, começa o nirvana. Abandonar o desejo e
conhecer a transitoriedade da vida é a saída do carma e o início do
Nirvana;
 Uma pessoa alcança o Nirvana pelo caminho das oito vias:
1. entendimento justo: conhecer o caminho que conduz à cessação do
sofrimento;
2. resolução justa: não prejudicar ou matar qualquer ser vivo;
3. palavra justa: abster-se da mentira, calúnia e injúria;
4. conduta justa: abster-se de tirar a vida, de roubar e praticar a luxúria;
5. sustento de vida justo: abster-se das armas, álcool, tóxicos e de
qualquer atividade ilícita;
6. esforço justo: a vontade necessária para estancar as más qualidades
que afloram à mente;
7. pensamento justo: ter consciência do seu próprio corpo, dos
sentimentos e das atividades da mente;
8. meditação justa: a serenidade interna é desenvolvida através da
prática de meditação que, em última análise, conduz ao nirvana.

Tipos de Budismo
Depois da morte de Siddartha, o Budismo se dividiu em duas
tendências: o Theravada (“a escola dos antigos”), predominante no sul
da Ásia e o Mahayana (“grande veículo”), predominante na China,
Coréias e Japão.

O Budismo Theravada enfatiza a salvação por meio de ascetismo e


meditação. Não há deuses. E nem mesmo Buda seria capaz de iluminar
alguém. Cada indivíduo deve imitar o exemplo de buda até atingir o
Nirvana. Nessa linha de Budismo, o nirvana só é possível para monges.

Conheça mais do Budismo Theravada e Mahayana, assistindo o vídeo:


O Budismo Mahayana, por seu turno, ensina que todas as pessoas
podem alcançar o nirvana. A famosa escola Zen Budista, por exemplo,
enfatiza a “visão direta” de Buda por meio de um estudo e
contemplação de si mesmo. Na prática zen, a iluminação também pode
ocorrer nas atividades rotineiras. Por esse motivo, no Japão, atividades
como fazer arranjo de flores (ikebana), tomar chá, poesia (haicai) e lutar
(bushidô) passaram a ter importância ritualística.

Assista A esse vídeo e compreenda a diferença entre as escolas


budistas:
CONFUCIONISMO E TAOÍSMO
Com seu PIB de 12,7 trilhões de dólares (2017), a China é segunda
maior potência econômica. Provavelmente, hoje ou no futuro próximo,
seu trabalho e relações terão algum ponto de contato com o maior país
da Ásia. Por isso, conhecer as religiões que formaram a cultura e
religiosidade chinesa são importantes.

Confucionismo
Confúcio nasceu em 551 a.C em uma China devastada pelas guerras
civis. Depois de tentar reformar o país pela via política, se estabelece
como professor particular. A filosofia de Confúcio não dedica muita
atenção às grandes perguntas existenciais, mas à vida diária e a busca
por harmonia. Ele está mais preocupado com uma visão política
pragmática do que com o destino da alma após a morte. Ele teria dito:
“quando não se compreende nem sequer a vida, como se pode
compreender a morte?”.

Ensinos
Confúcio buscava o tao, a harmonia predominante do Universo, que só
pode ser alcançada com conhecimento e compreensão. Nesse ponto,
o estudo da tradição era capaz de ensinar ao ser humano as regras
éticas corretas, as celebrações rituais corretas e seu lugar correto na
sociedade. Para Confúcio, os conceitos de uma atitude correta em
todas as esferas são piedade filial, respeito e reverência.

Outro ponto do ensino de Confúcio é a simplicidade como base da


harmonia. Por isso, um mundo em paz começa com honra do
indivíduo. Para ele, se um indivíduo possui honra, terá caráter. Se tem
caráter, seu lar terá harmonia. Se há harmonia na família, o país estará
em paz. E países em paz produzem um mundo harmonioso. Quer
mudar o mundo? Comece com seu quarto.

O Confucionismo conquistou as classes dominantes, tornando-se


praticamente uma religião estatal, que influencia a forma chinesa de
pensar até hoje. O coração do povo simples não foi conquistado por
Confúcio, mas por Lao Tsé, fundador do Taoísmo.
Taoísmo
A origem do taoísmo é apresentada com o nome de um homem
chamado Lao-Tsé, o grande e velho mestre. Teria sido contemporâneo
de Confúcio.

O Livro Sagrado e seus conceitos


Uma boa ideia do início do taoísmo, como conta a tradição, é o que
lemos no texto de Huston Smith (2001, p. 194), que assim coloca:
Lao-tsé (...) recolheu-se durante três dias e retornou com um magro
volume de 5.000 caracteres intitulado Tao Te King, ou O Caminho e o
seu Poder. (...) Um livrinho de apenas 25 páginas e 81 capítulos.
No Tao Te King, tudo gira em torno do Tao, que literalmente significa
“caminho”. Esse caminho pode ser entendido de três maneiras: 1- Tao
é o caminho da realidade última; 2- Tao é o caminho do Universo, o
poder propulsor de toda a natureza, o princípio ordenador por trás da
vida; 3- O Tao refere-se ao caminho da vida humana, quando ela se
harmoniza com o Tao do Universo.

YIN/YANG
Uma das principais características do taoísmo é a sua noção da
relatividade de todos os valores e, como ideia correlata, a identidade
dos opostos. Nesse aspecto, o taoísmo está ligado ao tradicional
símbolo chinês do yin/yang:
Essa polaridade resume todas as oposições básicas da vida: bem/mal,
ativo/passivo, etc. Mas as metades, embora estejam em tensão, se
contemplam e se equilibram com a outra. “A vida não se dobra sobre
si mesma, e chega, completando o círculo, à percepção de que tudo é
um e tudo está bem” (SMITH, 2001, p. 210).

O conceito de Tao e Ying/Yang está presente na realidade brasileira,


especialmente em práticas vindas da China, tais como terapias
chinesas do Do-In, Acupuntura e Reiki, Feng-Shui (harmonização de
ambientes), artes marciais como Kung Fu.

Quer conhecer mais desse conceito? Leia neste link e assista esse
vídeo.

RELIGIÕES ABRAÂMICAS
O que Cristianismo, Judaísmo e Islamismo têm em comum? Seus
seguidores adoram somente um Deus, Senhor e Criador de tudo. As
três religiões possuem origem no patriarca Abraão, por isso também
são chamadas de religiões abraâmicas. Neste capítulo, estudaremos o
Judaísmo e o Islamismo.

JUDAÍSMO
O Judaísmo possui muitas narrativas que são compartilhadas pelo
Cristianismo e Islamismo.

O Monoteísmo das religiões abraâmicas reconhece “Elohim” como o


Deus único, o criador do mundo e de suas criaturas. Toda vida depende
dele e tudo o que é bom flui dele. É um deus pessoal, que tem
preocupação com as coisas que criou e nelas intervém. O nome
pessoal de “Elohim” é representado pelas letras IHVH, que significa “eu
sou o que sou” em hebraico.

Assim, conforme o relato de Gênesis, Deus criou o universo e fez o ser


humano à sua imagem e semelhança. Tudo na mais perfeita ordem,
pois “viu Deus que tudo era bom” (Gênesis 1.31).
Perceba que, na tradição abraâmica, o ser humano está acima das
outras coisas criadas. O conceito de “imagem de Deus” serviu de base
na criação dos Direitos Humanos, que prevê direitos inalienáveis do ser
humano, como liberdade e direito à vida. Além disso, o ser humano é
considerado o parceiro de Elohim na cuidado e preservação da Criação.
Por isso, no Judaísmo, a ética ecológica brota do relacionamento com
Deus.

Com a desobediência (pecado) de Adão e Eva, o primeiro casal, a


humanidade abandona o relacionamento com Deus. Essa distância e
rebeldia contra Deus seria a causa do sofrimento humano.

Visto que o ser humano é incapaz de alcançar a Deus e pagar seus


pecados, o próprio Deus promete abençoar todas as famílias por meio
de Abraão e seus descendentes. Abraão foi chamado por Deus (Elohim)
da distante Ur dos Caldeus (cidade situada na região da Mesopotâmia),
para ocupar a Terra de Canaã, situada nas proximidades do Mar
Mediterrâneo.

Deus cumpre sua promessa e concede inúmeros filhos a Abraão. Um


deles é Isaque, que vem a ser pai de Jacó, também chamado de Israel,
termo que designa todos os descendentes de Jacó.

O povo de Israel considerava-se o “povo escolhido” não como uma


superioridade étnica, mas como resultado da Aliança de Deus com
Abraão. Assim, Israel considera sua missão a redenção dos povos e
reconciliação de toda humanidade com Elohim.

Libertação do Egito e os 10 Mandamentos


Um evento importante na história do povo de Israel é a libertação da
escravidão do Egito. Após anos de escravidão, Deus envia Moisés ao
Egito para libertar os israelitas. Confira essa história a partir de
Gênesis, capítulo 25, e a história da Libertação da Escravidão do Egito
nos capítulos iniciais do livro de Êxodo, neste link.

Durante a fuga do Egito, após a épica travessia do Mar Vermelho,


Moisés recebe da parte de Deus a Lei, ou os dez mandamentos ou
“decálogo”, fonte da ética judaica (KWASNIEWSKI, 2008, p. 551).

Você pode conhecer os 10 Mandamentos neste link.


O Reino de Israel e o Messias
Por volta do ano 1.000 a.C., o povo de Israel passa a ser governado por
monarquias. Destaques para o rei Davi, que unifica as 12 tribos de
Israel, e também para o rei Salomão, que constrói o famoso Templo de
Jerusalém no século X a.C.. Depois do reinado de Salomão, Israel se
divide em dois reinos: Israel (norte) e Judá (sul).

No período monárquico tardio, Israel e Judá são palco da veneração a


outros deuses aliada à injustiça social. Deus levanta profetas para
denunciar a infidelidade do povo e a opressão dos pobres pelos ricos.
Um exemplo foi o profeta Amós, que viveu por volta de 750 a.C..

Desde os primórdios, Israel considerava-se o povo que traria paz e


redenção ao mundo. A partir dos profetas, a esperança por um reino
de paz centraliza-se na vinda de um messias (“o Ungido”), que seria
descendente do rei Davi. Muitos israelitas passaram a acreditar que
esse Messias traria de volta o período de glória e poder dos tempos do
reinado de Davi, mas a esperança messiânica mudou ao longo da
história.

Quer saber mais sobre o Messias? Clique aqui.

Diáspora e Perseguição
Em 722 a.C., os assírios devastaram Israel, e em 587 a.C, Judá cai sob
domínio babilônico. Os habitantes de Judá tiveram a permissão de
voltar a sua terra em 539 a.C. Daí em diante, passaram a se tornar
conhecidos como judeus. A partir do século IV a.C., a região de Judá é
conquistada pelo Império Romano e em 70 d.C., Jerusalém é destruída
pelos romanos, o que leva o povo judeu a se dispersar pelo mundo. O
povo judeu se dispersa pelo mundo de novo.

Ao longo da história, os judeus enfrentaram diversas perseguições. Já


em 1492, por exemplo, os judeus foram expulsos da Espanha. E, entre
1933 e 1945, o avanço nazista na Europa comete o maior genocídio
judeu da história, com 6 milhões de judeus mortos no holocausto.

Em 1948, a ONU cria o atual Estado de Israel. No entanto, a convivência


com os povos da região não é pacífica. O Oriente Médio vê, de um lado,
israelenses com seus aliados ocidentais e, de outro lado, palestinos
com seus aliados, em sua maioria países árabes e muçulmanos.

Por causa do holocausto, para muitos judeus de linha reformista o


“messias” não será mais uma pessoa, mas apenas uma era de paz
futura.

Os escritos sagrados
O chamado cânone judaico reconhece 24 livros divididos em três
grupos: - Torah (a Lei de Moisés); - Nevim (os Profetas): os livros
históricos e proféticos; - Ketuvim (os Escritos): os demais livros.

O judeus obedecem ao Talmude, texto baseado em tradição oral e


usado pelos rabinos como orientação aos fiéis em situações concretas
(KUCHENBECKER, 2005).

O Sábado e a principais festas judaicas:


 Shabat (sábado): o shabat dura do pôr do sol de sexta-feira até o pôr
do sol de sábado. É uma lembrança do descanso de Elohim, após a
Criação.
 Rosh há-shaná (Ano-Novo): celebrado em setembro ou outubro,
rememora Elohim como criador e rei e convida o povo à autoanálise e
ao arrependimento. Culmina no Yom Kippur (Dia do Perdão).
 Pessach (Páscoa): relembra a libertação da escravidão e fuga do Egito.
É ponto central o fato de Deus ter poupado a vida dos primogênitos
daqueles que pintaram os batentes de suas portas com o sangue de
cordeiros sacrificados.

Quer conhecer mais sobre a diferença entre o Judaísmo e o


Cristianismo? Clique aqui (Para acessar o link, você deverá estar
logado em sua conta Google da Ulbra).

ISLAMISMO
O Islamismo é a religião que mais se expande no mundo e abarca 15%
da população mundial (GAARDER, 1998). Islã, em língua árabe, significa
“submissão”. O muçulmano, aquele que segue o Islã, submete sua vida
à Alá, e tem Mohammed (Maomé) como o grande profeta.
O Islamismo é classificado como uma religião revelada, pois Maomé,
o último e mais importante dos profetas, teria recebido revelações por
meio do anjo Gabriel, que dariam origem ao sagrado livro Corão (do
árabe al qur´rãn, que significa leitura). Por meio deste livro sagrado, o
muçulmano aprende a se submeter a Alá, o Deus onipotente e Criador
de todas as coisas. Etimologicamente, a palavra Alah se relaciona com
a palavra hebraica el, que é utilizada na Bíblia para nomear o Deus dos
hebreus.

Conforme a fé islâmica, Alá criou o ser humano e deu-lhe uma posição


privilegiada no Universo. O ser humano seria uma criatura divina
perfeita e possuidora de uma alma imortal, boa por natureza. Não há
a noção de um pecado herdado, mas o muçulmano combate o pecado
pela submissão à vontade de Alá.

Basicamente, cinco pilares são essenciais numa existência de


submissão a Alá:
1. Confissão de Fé Monoteísta: Alá como Deus único e Maomé como o
seu grande profeta;
2. Realização de cinco orações diárias voltadas para Meca;
3. Você deve viver em generosidade para com os pobres;
4. Jejum durante o mês de ramadã e abstinência total de carne de porco
e álcool; e
5. Peregrinação a Meca pelo menos uma vez na vida. Caso uma pessoa
não tenha condições financeiras de ir a Meca, pode cooperar com o
envio de uma pessoa, que a representa na peregrinação.

Você deve estar se perguntando “Por que Meca?”

Meca era a principal cidade árabe desde os tempos de Maomé. O


profeta inicia as pregações nessa cidade, mas os poderosos se
opuseram à pregação monoteísta, pois ela ofendia o tradicional
politeísmo dos árabes. Assim, em 622, Maomé sai de Meca e vai para
Medina. Esse episódio é conhecido como hégira (partida) (LUCCHESI,
2002). Na década seguinte, ele conquista Meca por meios militares e
diplomáticos. O conjunto das atividades desenvolvidas por Maomé
com vistas ao retorno a Meca é conhecido como jihad.

A fé islâmica ressignificou o centro de peregrinação politeísta de Meca.


Antigo artefato politeísta, Maomé ensina que a Kaaba de Meca foi
erigida por Adão, destruída no Dilúvio e reconstruída por Abraão e
Ismael, o antepassado dos árabes. A partir daí, a Kaaba se torna o local
mais sagrado do Islamismo.

Fonte: Pixabay.

A morte e Salvação
Influenciado pelo Cristianismo e pela cultura grega, o Islamismo ensina
que existem dois destinos após a morte: 1- o muçulmano vai ao paraíso
desfrutar dos seus deleites e contemplar o rosto de Alá; e 2- a alma do
infiel vai ao inferno.

O muçulmano aguarda o dia do juízo e o retorno de Jesus, que virá para


proclamar o Islão como religião oficial. Nesse dia, todos serão julgados
e receberão o pagamento de suas ações.

O cisma no Islã após Maomé


Antes de sua morte, em 632, Maomé conseguiu unificar a península
arábica, fazendo do Islamismo um fator de união e identidade mais
forte do que os antigos laços familiares e tribais.

No entanto, após a morte de Maomé, o movimento se divide. Em um


primeiro momento, a liderança do movimento (califado) foi assumida
pelos parentes de Maomé. Os três primeiros califas eram parentes de
Maomé. O quarto califa, Ali, era genro de Maomé e foi assassinado por
seus adversários. Os seguidores de Ali eram identificados como xiitas
(do árabe Shiat Ali, que significa ‘o partido de Ali’) e julgavam que o
califado só poderia ser exercido por um descendente do profeta. Por
sua vez, o partido sunita julgava que a liderança poderia ser exercida
por qualquer homem reconhecido pela Umma (comunidade islâmica)
como califa. Hoje os xiitas se concentram no Irã e Iraque, enquanto que
sunitas são majoritários no restante do Oriente Médio.

Ao ler a palavra “califado” você deve estar se perguntando: “E o Estado


Islâmico?” Clique aquii e leia mais sobre isso. (Para acessar o link, você
deverá estar logado em sua conta Google da Ulbra)

ISLAMISMO NO BRASIL E NO MUNDO


Em nosso país, a religião islâmica chegou, inicialmente, por meio dos
escravos vindos da África. Mais tarde, houve uma grande confluência
migratória de árabes para o Brasil, contribuindo para a expansão da
religião. A primeira mesquita no Brasil foi fundada em 1929, em São
Paulo. Atualmente, existem aproximadamente 35.167 muçulmanos no
Brasil, de acordo com o último censo IBGE, enquanto que a população
mundial de adeptos ultrapassa 1,7 bilhões de pessoas.
INFOGRÁFICO

REFERÊNCIAS
FLOR, Douglas Moacir. Judaísmo e Islamismo. in: Cultura
Religiosa. Canoas: ULBRA, 2017.

______. Religiões Orientais. in: Cultura Religiosa. Canoas: ULBRA, 2017

GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O Livro das


Religiões. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

KUCHENBECKER, Valter (Org.). O Homem e o Sagrado. Canoas: Ulbra,


2005.

KWASNIEWSKI, Guershon. Judaísmo. in: Dicionário Brasileiro de


Teologia. São Paulo: ASTE, 2008.

LUCCHESI, Marco (coord.). Caminhos do Islã. Rio de Janeiro: Record,


2002.

SMITH, Huston. As religiões no mundo: nossas grandes tradições de


sabedoria. São Paulo: Cultrix, 2001.

CRÉDITOS
Coordenação e Revisão Pedagógica: Claudiane Ramos Furtado

Design: Luiz Specht

Diagramação: Marcelo Ferreira

Ilustrações: Marcelo Germano / Rogério Lopes


Revisão ortográfica: Ane Arduin
Produzido por Núcleo de Audiovisual e Tecnologias Educacionais (NATE) - ULBRA EADUniversidade Luterana do BrasilTodos os
direitos reservados.
CRISTIANISMO E
CULTURA
OCIDENTAL
Prof. Maximiliano Wolfgramm Silva

NESTE CAPÍTULO, VOCÊ VAI


APRENDER
 A reconhecer a presença do fenômeno religioso nas mais diversas
áreas da cultura ocidental, com foco no cristianismo.
 A avaliar a influência do cristianismo no estabelecimento de relações
sociais, políticas, econômicas e culturais.
 A identificar, conhecer e refletir acerca de elementos e princípios da
tradição cristã presentes no mundo ocidental, em uma perspectiva da
identidade confessional da instituição.

INTRODUÇÃO
Em uma das disciplinas cursadas no doutorado, identificamos mais de
20 definições diferentes para a palavra cultura. Obviamente, elas
apresentavam inúmeros elementos comuns, mas também
características distintas. Analisadas a partir de uma certa perspectiva,
cada definição cumpria um papel: sustentar a argumentação do seu
proponente. Nessa tentativa, específicos elementos do conceito
costumam ser destacados de maneira que uma tese possa ser mais
bem articulada.

A definição apresentada neste capítulo não é diferente. Zoltán


Kövecses define cultura como "um conjunto de entendimentos
compartilhados." Alguém pode argumentar que essa definição é
demasiadamente limitada por, entre outras coisas, não enfatizar
objetos reais que participam da cultura. No entanto, a definição se
torna mais abrangente à medida que compreendemos que ela
também inclui os entendimentos compartilhados que as pessoas têm
em conexão com aqueles objetos reais. Esses entendimentos
compartilhados lidam com as concepções das pessoas, com a forma
como elas entendem a si, seu mundo, sua realidade. Esses
entendimentos formam sistemas conceituais que governam a maneira
como funcionamos na vida cotidiana. São essencialmente nossos
processos mentais e os sentimentos e emoções desencadeados por
esses processos que definem a maneira como interagimos com todos
os entes que compõem a realidade de nossa existência, o que inclui a
nós mesmos.

Inúmeros são os elementos que compõem o “conjunto de


entendimentos compartilhados” que caracterizam a cultura brasileira,
a qual integra o conjunto mais amplo que caracteriza a cultura
ocidental.* Os processos históricos que constituíram essas culturas
são diversos e complexos, e podem ser compreendidos a partir de
perspectivas diversas. O objetivo deste capítulo é abordar nossa
constituição cultural com ênfase em seu elemento religioso, com foco
no Cristianismo. Tal ênfase se justifica pelo profundo impacto que a
religiosidade cristã, também com suas raízes judaicas, tem tido nos
últimos dois mil anos do hemisfério ocidental. Assim, nosso estudo
incluirá um passeio histórico por este período que, em seus complexos
movimentos, deu origem ao mundo ocidental. Neste passeio, diversos
entendimentos caracteristicamente cristãos serão destacados em seu
impacto na história e cultura ocidentais. Que este passeio seja rico de
experiências e aprendizados para você.

* Este capítulo considerará o período histórico compreendido entre a vida e obra de Jesus de Nazaré e os movimentos
reformatórios do século XVI. Os últimos cinco séculos de nossa história serão tratados no capítulo capítulo 5, o qual trará um foco
mais específico sobre a religiosidade brasileira.

O CRISTIANISMO E A CULTURA
OCIDENTAL

UMA CULTURA JUDAICO-CRISTÃ


O cristianismo surge de dentro do judaísmo. Reconhece como sagrado
o texto da Torah e, consequentemente, partilha inúmeras percepções
de mundo com a fé testemunhada pelos judeus. Por isso, muitos
percebem o pensamento ocidental como sendo caracteristicamente
judaico-cristão.

A Criação de Adão de Michelangelo. Fonte: Wikimedia


Um tema central na fé judaica e também na fé cristã é a crença em um
Deus Criador. Não se tem por objetivo aqui entrar no velho embate
entre evolucionismo e criacionismo, mas ressaltar o impacto que a
percepção criacionista, filosoficamente falando, teve sobre a história
do ocidente. Pensar a realidade a partir de um Criador estabelece uma
clara distinção entre Deus e todo o universo. Mais do que isso, implica
a compreensão da realidade que molda nossa maneira de interagir
com o mundo e de entender nosso papel na história deste mundo. Karl
Löwith, filósofo alemão falecido em meados do século passado,
desenvolve uma interessante tese sobre esse tema. Ele argumenta que
existem duas visões da história do mundo: uma cíclica e outra linear.

O calendário Maia, que causou inúmeras especulações apocalípticas em


2012, apresenta essa visão cíclica de realidade. Fonte: Wikimedia.
De acordo com sua tese, a visão cíclica se origina em uma compreensão
da história da humanidade como um reflexo da realidade cíclica
percebida na natureza, no universo. A maneira como os corpos
celestes se movem, as diferentes estações do ano, a reprodução dos
seres vivos – todos esses elementos apontavam para uma realidade
que não tinha fim, mas que se repetia de alguma maneira. Nas
civilizações não influenciadas pelo pensamento cristão, ainda se pode
ver esse entendimento cíclico da história. Um exemplo é a relação
entre Brahman, Vishnu e Shiva, uma expressão da compreensão
hinduísta da realidade alicerçada nos conceitos de carma e
reencarnação.

A outra visão é linear. Nela, é marcante a ideia de uma história que


segue a partir de um ponto inicial. Nessa visão, entende-se a realidade
com base em eventos passados quando Deus estava atuando
diretamente na história do universo (crença na “Criação” e na
“Encarnação de Deus em Jesus,” por exemplo) e prevê-se eventos que
acontecerão no final dos tempos (visão escatológica). Isso confere a
essa visão uma característica futurista, de uma história que ainda vai
alcançar seu clímax. De acordo com Löwith, essa visão tem suas raízes
na tradição judaica e cristã e é essencialmente diferente da visão
cíclica.

A cultura ocidental está profundamente conectada às ideias judaico-


cristãs e essa é a razão pela qual mesmo os entendimentos seculares
da história apontam para algum traço progressivo na história humana,
o que é uma consequência dessa visão linear. Isso leva a uma
compreensão de que a humanidade está progredindo para um
objetivo final ou, pelo menos, em direção a um mundo melhor. Tal
perspectiva pode ser percebida em pensadores como Georg Hegel,
que constrói sua filosofia a partir de um Deus que se realiza através da
história, vendo o cristianismo e o hegelianismo como o estágio final do
processo. Outro exemplo é Karl Marx, o qual via no proletariado o
instrumento para alcançar o objetivo de uma transformação mundial
nas relações socioeconômicas. Podemos ainda citar Auguste Comte o
qual, inebriado pelo positivismo, reflete sobre como a superioridade
intelectual e moral pode ser alcançada pela humanidade para
melhorar sua própria existência. O fato é que esses pensadores (entre
outros) usam conceitos, ideias, linguagem originados no mundo
judaico-cristão, e isso evidencia uma profunda conexão entre o
cristianismo e o pensamento ocidental.

Essa tese sustenta que, mesmo que a humanidade não seja capaz de
alcançar um estado de perfeição, ela caminhará nessa direção. Esse
senso de futuro, de mudança de status, de algo a ser alcançado,
origina-se da perspectiva judaica e cristã. Nele, o futuro é o verdadeiro
foco da história. No ocidente, esse esquema teleológico ou
escatológico tornou possível que a história se tornasse universal,
dando a ela um significado existencial.

JESUS: VIDA E OBRA

A historicidade de Jesus
No século passado, uma enorme especulação dominava as conversas
ao redor da pergunta: “Jesus realmente existiu”? Em círculos mais
céticos, sua história era encarada como um grande mito religioso, e os
relatos de sua vida como contos fantasiosos recitados por pessoas
ingênuas. No entanto, as pesquisas recentes têm demonstrado que há
consenso em um ponto: Jesus existiu! Se por um lado ainda há
discussão sobre os milagres que marcaram sua história de vida, a
comunidade científica hoje não nega que, há quase dois mil anos,
surgiu na região da palestina um homem que, impactando
profundamente a vida de centenas de pessoas, deu origem a um
movimento religioso que transformou a história do ocidente de tal
maneira que a dividimos em antes e depois de Cristo.

Nesta disciplina, tratamos o texto bíblico como saber e herança


religiosa, reconhecendo o valor dado a ele por cristãos em todo o
mundo. Não nos ateremos aqui aos detalhes da história de Jesus
registrados no Novo Testamento. A leitura de um dos evangelhos,
como o de Mateus, ou uma sessão de cinema* são boas opções para
aqueles que querem conhecer um pouco mais sobre o registro que
temos de sua vida. Buscaremos, resumidamente, extrair daquele
registro temáticas que norteiem nossa percepção da fé que é elemento
estruturante da história e cultura ocidentais.

* Algumas opções sugeridas são: “Jesus, a História do Nascimento” (2006, direção de Catherine Hardwicke), “O Filho de Deus”
(2014, direção de Christopher Spencer), “A Paixão de Cristo” (2004, direção de Mel Gibson) ou “A Maior História de Todos os
tempos” (1965, direção de George Stevens).

Ensinamentos
Na época de Jesus, havia vários rabis. Eram como professores, mestres,
procurados por aquelas pessoas que desejavam aprender de sua
sabedoria. Mesmo pelos seus opositores, Jesus foi reconhecido como
rabi. Partindo da realidade dos alunos, ele transmitia mensagens
transformadoras. Grande exemplo disso são suas famosas
“parábolas”.* Com certeza, uma das mais conhecidas e significativas
dessas parábolas é a do Filho Pródigo, a qual muitos preferem chamar
de “A Parábola do Pai Amoroso”. Por quê? Leia o texto de Lucas 15
através deste link e tente responder você mesmo. Além disso, busque
compreender que grande verdade transcendente Jesus ensina através
dessa parábola. Uma dica: um conceito central na interpretação dessa
parábola é a palavra amor.

*Parábola é uma comparação. Nela, faz-se uso de personagens, objetos, lugares, situações do cotidiano das pessoas e, a partir
destes, são feitas comparações que transmitem mensagens transcendentes.
Jesus transmitia mensagens transformadoras.
Na verdade, o conceito de amor pode ser usado para resumir os
ensinamentos de Jesus. Aqui, mais uma vez, percebemos a influência
do cristianismo no pensamento ocidental. Enquanto outras culturas
destacam outros princípios para o viver humano (a cultura japonesa,
marcadamente influenciada pelo Xintoísmo, aponta para a honra
como valor mais nobre, por exemplo), no ocidente, o amor é
reconhecido como o bem supremo na vida e nas relações humanas.
Diante disso, torna-se significativo refletirmos um pouco sobre o que o
amor significa em um sentido bíblico-cristão.

Comumente, usamos a palavra amor para falar de paixão ou desejo


sexual. Outras vezes, compreendemos amor como o mais nobre de
todos os sentimentos. No entanto, o amor ensinado por Jesus está
acima de desejos físicos e sentimentalismos. Ele se concretiza em uma
postura, em uma atitude diante da vida. Tal compreensão nos ajuda a
entender melhor palavras bíblicas como “Amem os seus inimigos”
(Mateus 5.44). Para Jesus, o amor ultrapassa qualquer sentimento
desconfortável, coloca o interesse do semelhante acima de sensações
e desejos pessoais e age para o bem das pessoas. Portanto, no
cristianismo, não podemos desvencilhar a palavra amor de ação. O
amor não pode ficar no nível das ideias, sentimentos ou desejos. Para
alcançar a sua essência, ele precisa manifestar-se em ações. Assim,
percebemos em Jesus um mestre que ensinava através de palavras e
através de exemplos, atitudes. Ele não ficou apenas dizendo “Ama teu
próximo”, ele mesmo foi prova irrevogável desse amor. Como ele
mesmo disse “Ninguém tem mais amor por seus amigos do que aquele
que dá a sua vida por eles” (João 15.13). Encarnando a compreensão
divina de amor, o testemunho de vida de Jesus torna-se referencial
existencial e ético para os seus seguidores, inspirando milhões de
pessoas até os dias de hoje. Suas palavras são: “Eu lhes dou este novo
mandamento: amem uns aos outros. Assim como eu os amei, amem
também uns aos outros” (João 13.34).

DE PERSEGUIDA À RELIGIÃO OFICIAL DO


IMPÉRIO

A expansão
Na primeira metade do século I, o Império Romano vivia um período
de relativa prosperidade. A cultura era dominada pelo helenismo e a
religião apresentava diversas formas de politeísmo. Havia segurança
na maioria das estradas que ligavam o Império e era grande a atividade
nos portos. O período ficou conhecido como Pax Romana. Dentro
dessa realidade, os judeus eram um povo que ainda mantinha, em
grande parte, traços distintos. Em geral, seus costumes e religiosidade
os diferenciavam do restante do Império. Muitos deles estavam
espalhados pelo mundo de então, como consequência da diáspora. Foi
nessa realidade que o Cristianismo do Novo Testamento floresceu.
A antiga moeda com duas mãos entrelaçadas representa a busca romana
por harmonia e paz no império. A imagem foi largamente utilizada durante
o período da Pax Romana. Fonte: Wikipedia
A mensagem cristã era transmitida de boca em boca através de
pessoas que, impactadas pela história da ressurreição de Jesus,
comprometiam suas vidas com a causa do Mestre judeu. Seus
seguidores se espalharam pelo mundo romano, e cada novo
convertido tornava-se um multiplicador dos ensinamentos de Jesus.
Entre os inúmeros missionários destaca-se a figura de Paulo. Com sua
vida dando uma volta de 180 graus, torna-se o mais importante
divulgador da mensagem sobre Jesus no mundo não judeu. Sua
incontestável convicção de fé alcançou o centro do Império, Roma.
Com o passar do tempo, o Cristianismo avançava cada vez mais.
Pessoas consideradas inimigas do estado romano, muitas vezes, eram
condenados à tortura ou morte sendo jogados em arenas com feras
selvagens. Esses condenados eram chamados de bestiários.
Fonte: Wikimedia
Alguns por questões religiosas, outros por questões políticas,
percebiam na mensagem de Jesus e no número de seus seguidores
uma ameaça em potencial. Isso ocorreu tanto entre líderes judeus
como entre líderes romanos. Nero, imperador romano, ao acusar os
cristãos pelo incêndio na capital do império (18 a 19 de julho de 64),
deu origem a um longo período de intolerância. O Cristianismo foi
declarado uma religião fora da lei. Seus seguidores eram passíveis de
prisão, tortura, confisco de bens e morte. A intolerância alastrou-se por
três séculos. Nesse período, houve momentos de calmaria e
tranquilidade para os cristãos. Em outros momentos, líderes romanos
promoveram verdadeiros derramamentos de sangue, como é o caso
de Décio e Diocleciano. No entanto, como registrou o historiador
Tertuliano, o sangue dos mártires era uma semente de cristãos.
Quanto mais eram perseguidos, mais aumentava o número daqueles
dos que seguiam a Jesus Cristo.

De perseguidos a perseguidores
Não era mais possível fugir de um fato: o Cristianismo era uma
realidade irreversível. Nações inteiras dentro do império já haviam sido
convertidas. Foi então que uma mistura de convicção religiosa e
interesses políticos causou uma reviravolta na situação do
Cristianismo. Galério iniciou, oficialmente, o processo de mudança. Em
311, ele promulgou um Édito de Tolerância, dando fim à perseguição
iniciada por Diocleciano. Em 313, no ocidente, Constantino fez do
Cristianismo uma religião lícita através do Édito de Milão. Em 380,
Teodósio tornou o Cristianismo a religião oficial do Império Romano
através do Édito de Tessalônica.

De marginais, os cristãos passaram a dominar o cenário religioso de


então. Agora pense: De que maneira essa mudança foi positiva e de
que maneira ela foi negativa para o Cristianismo? Positivamente, talvez
alguns possam apontar para a liberdade de culto bem como para o
apoio do Estado para a atividade missionária. No entanto, desde o
início, essa perigosa mistura mostrou-se perniciosa, tanto para o
estado quanto para a religião que se fortalecia politicamente. O
decreto de Teodósio foi imediatamente seguido por intolerância e
perseguição, com atitudes extremistas contra aqueles que
professavam outra fé. O poder crescente dos líderes da igreja ofuscou
sua visão de maneira que não mais enxergavam os ensinamentos mais
básicos deixados pelo Mestre Jesus.

A atual separação entre clero e laicato, ainda marcante em algumas


denominações cristãs, era desconhecida no chamado cristianismo
primitivo. Aqueles que exerciam funções sacerdotais eram respeitados
pelo seu ofício, mas estavam tão perto de Deus como qualquer outra
pessoa poderia estar. Com o passar do tempo, as diferenças entre
clero e laicato foram sendo intensificadas. Tal diferença foi reforçada
quando os bispos de algumas cidades do Império começaram a
assumir um grau de importância maior. Isso aconteceu especialmente
com aquelas cidades por onde um dos doze apóstolos havia passado.
Esses bispados assumiram primazia entre os demais. Pastoreando a
cidade tida tradicionalmente como o local da morte dos grandes
apóstolos Pedro e Paulo, a qual também representava a glória do
Império, o Bispo de Roma gozava de posição especial. Não demorou
para que se defendesse a submissão de outras comunidades cristãs ao
bispo de Roma, que mais tarde veio a ser conhecido como Papa. Cada
vez mais o clero colocava-se em uma posição de ascensão, poder e
dominação. Regiam sobre as consciências das pessoas devido a
distorcidas compreensões da mensagem de Cristo e, obviamente, ao
desejo natural do ser humano de manter e ampliar o poder adquirido.

O papado de Roma impunha suas convicções, muitas vezes baseadas


em simples ignorância científica e/ou teológica, pela força da espada.
Um grande exemplo disso é a Inquisição. Inicialmente criada para
orientar e instruir, transformou-se em um braço de julgamento e cruel
condenação da época.
Retrato da inquisição. Fonte: Wikimedia.
Disputas de poder ocorreram por todo Império e foram intensificadas
nas disputas entre o Bispo de Constantinopla e o de Roma. Além da
questão cultural, marcante diferença entre os dois grupos de cristãos,
vários desentendimentos provocaram uma crescente divisão entre o
oriente e o ocidente. A Controvérsia Iconoclasta (movimento no
Império Bizantino que se opôs à veneração de ícones e imagens
religiosas) foi apenas o estopim que impulsionou a oficialização da
separação através da bula de excomunhão no qual o Bispo de Roma
expulsava da Igreja o Bispo de Constantinopla, e vice-versa. Ocorria a
primeira grande divisão dentro da Igreja Cristã, conhecida como o
Cisma de 1054. Formam-se, então, as Igrejas Ortodoxas Orientais e a
Igreja Católica Apostólica Romana. Devido à sua influência sobre o
mundo ocidental, esta última será o foco de nossos estudos.

AS REFORMAS PROTESTANTES DO SÉC.


XVI
A Igreja Cristã na Idade Média
Mil e quinhentos anos depois de seus primeiros passos na Palestina, a
Igreja Cristã havia mudado muito. No processo de massificação que
seguiu o reinado de Teodósio, ser cristão passou a não depender mais
de uma convicção pessoal, mas de uma nova ordem política e social. O
Cristianismo estava dividido entre Oriente e Ocidente. Nesse mesmo
período, vivia-se na Europa as consequências da exploração marítima,
do renascimento do grande comércio e da invenção da imprensa. O
mundo estava mudando, e tudo isso despertou um grito de mudança
dentro da própria igreja.
Adaptando uma prensa usada para extrair o suco de uvas, Gutenberg criou
um aparelho que, fazendo uso de tipos móveis, agilizava em muito a cópia
de textos escritos. A partir daí, ideias se proliferaram com facilidade.
Vozes dissidentes se manifestaram através dos escritos de João
Wycliffe, professor de Oxford que viveu no século XIV e é considerado
o precursor das reformas religiosas que sacudiram a Europa. Ele
inspirou João Hus, que entre outras coisas defendia a ideia de que
qualquer um poderia se comunicar com Deus sem mediação
sacerdotal. Seus ensinamentos, considerados heréticos, o levaram
para a fogueira. Mais tarde, também se destacaram os movimentos
reformistas liderados por João Calvino e Ulrico Zuínglio. O pensamento
desenvolvido por eles impactou muito a teologia evangélica que se
seguiu. Apesar de sua importância, iremos focar nossa atenção no
movimento reformatório liderado por Martinho Lutero, especialmente
considerando seu profundo impacto nas estruturas religiosa, social e
política do ocidente e sua conexão com a tradição da Ulbra.
Maximilian Karl William Weber, mais conhecido como Max Weber, escreveu
a clássica obra “A Ética Protestante e o Espírito Capitalista,” onde
argumenta que a religião foi uma das causas para que as culturas oriental
e ocidental se desenvolvessem de forma diversa. Sua tese coloca o
protestantismo como um dos elementos essenciais para o nascimento do
capitalismo.

A Reforma Luterana
No início do século XVI, o papa Leão X sentia a necessidade de firmar a
autoridade e poder de Roma. Percebia a Igreja Romana enfraquecida
e via na construção da Catedral de São Pedro um movimento
importante naquela direção. Para tanto, precisava de recursos
financeiros, o que motivou a prática da venda de indulgências.
Assista ao documentário "Os caminhos de Lutero." Nele, Rogério
Enachev nos faz conhecer, através de um tour pela Alemanha dos dias
de hoje, elementos importantes da Reforma Luterana.
Naquela época, ensinava-se que a Igreja Romana possuía um “tesouro
de méritos” (boas ações) conquistado através da vida piedosa de Jesus,
Maria, os Santos Apóstolos, entre outros. Esse tesouro poderia ser
transferido para os fiéis da igreja através de uma Carta de Indulgências,
compensando com as boas ações dos santos o castigo que deveria vir
como consequência dos pecados cometidos. A lógica aqui presente
está associada ao Sacramento da Penitência, e pode representar um
conceito difícil para quem não está familiarizado com a teologia
romana. No entanto, grosso modo, a venda dessas Cartas de
Indulgência consistia em venda de perdão dos pecados, ou melhor
dizendo, isenção do mal que cada um deveria sofrer como
consequência do pecado. Era possível comprar indulgências até
mesmo para entes queridos já falecidos, garantindo a saída destes do
purgatório. Essa cultura surgiu durante o período medieval com forte
influência do pensamento religioso que se afastou da Bíblia.

João Tetzel, pregador dominicano, inquisidor, foi o grande promulgador de


indulgências na Alemanha na época de Lutero. Fonte: Wikimedia
Você sabe qual é a base conceitual do logo da ulbra? Clicando aqui,
você terá acesso ao texto que explica um pouco sua origem.
É importante afirmar que o objetivo de Lutero nunca foi o de dividir a
Igreja Cristã. Percebemos isso no próprio nome do movimento:
Reforma Protestante (Luterana). Reformar não é construir algo novo, é
fazer o que temos em mãos voltar a ser o que era antes. Lutero queria
que a Igreja voltasse ao caminho do perdão gratuito ensinado por
Cristo e à liberdade conquistada por Ele. No entanto, se muitos
apoiaram suas propostas de mudança, tantos outros não concordaram
com as ideias defendidas por Lutero. Da mesma maneira como era
indesejada, a separação tornou-se inevitável.

Os desdobramentos desse movimento para a sociedade ocidental são


profundos, e não temos como articulá-los na mesma dimensão com
que impactaram nosso mundo. Em uma sociedade impregnada pelo
religioso, mudanças dessa ordem atingiram a vida como um todo. De
maneira resumida, podemos dizer que a Reforma alterou a
organização política da Europa, enfraquecendo o poder da Igreja
Romana e, consequentemente, fortalecendo o poder da nobreza e
contribuindo para a criação dos estados-nação. Em sua doutrina dos
dois reinos, o pensamento de Lutero lançou as bases filosóficas para o
que hoje chamamos de distinção entre igreja e estado. Além disso,
fortaleceu ideais humanistas os quais, valorizando virtudes e
capacidades humanas, abriram caminho para a revolução cultural e
científica que caracterizam o iluminismo. Na economia, trouxe uma
certa sacralidade para as profissões lícitas e, valorizando também as
bênçãos materiais dadas por Deus para o benefício das pessoas, deu
origem a uma nova relação da pessoa religiosa com os bens materiais.
Elevou a educação formal à posição de elemento essencial para o
desenvolvido das sociedades, defendendo que lugar de crianças,
meninos e meninas, era na escola. Isso porque Lutero, que por toda
sua vida foi professor universitário, sabia por experiência própria do
poder transformador do conhecimento na vida dos indivíduos. Não é
sem razão que países impactados diretamente pela Reforma se
tornaram referência em educação para o mundo. Universidades que
são famosas em todo mundo tiveram sua fundação intimamente ligada
a empreendimentos educacionais de protestantes. Para uma maior
aprofundamento sobre a relação entre Lutero e Educação, acesse este
link.
Como parte das celebrações dos 500 Anos da Reforma Protestante, em
2017, a Universidade Luterana do Brasil produziu o documentário “A
Reforma Luterana através da Arte” o qual analisou obras de arte
produzidas pelos artistas alemães Lucas Cranach e Albert Dührer sobre
Martinho Lutero e sua obra:
Também em 2017, a Revista Ultimato publicou o texto “A influência da
Reforma na história da pintura” (Clique aqui para acessar),
destacando elementos de uma palestra ministrada pelo pintor
espanhol Miguel Angel Oyarbide. Em suma, o texto traça uma linha
histórica que conecta expressões artísticas contemporâneas ao
movimento da Reforma Protestante.

Nessas poucas páginas, fizemos uma viagem panorâmica pelos


primeiros quinze séculos da história da igreja cristã. No próximo
capítulo, trataremos dos últimos cinco séculos, mas com um olhar
voltado para a história brasileira.

INFOGRÁFICO
REFERÊNCIAS
BLOMBERG, Craig L. The Historical Reliability of the Gospels. Credo
Courses, 2007.

BUSS, Paulo W. (Org.). Reforma Luterana - Ontem e Hoje. Porto


Alegre: Editora Concórdia, 2019.

DREHER, Martin Norberto. A Igreja no Império Romano. São


Leopoldo: Sinodal, 2001.

________. A Igreja no Mundo Medieval. São Leopoldo: Sinodal, 2001.

________. De Luder a Lutero - Uma Biografia. São Leopoldo: Sinodal,


2014.

GONZALES, Justo L. Uma História Ilustrada do Cristianismo. São


Paulo: Vida Nova, 1980-2005, v 1-5.

HÄNGGLUND, Bengt. História da Teologia. 7. ed. Porto Alegre:


Concórdia, 2003.

LÖWITH, Karl. Meaning in History. Chicago: Phoenix Books, 1949.

MAIER, Paul L. Jesus - Verdade ou Mito? São Paulo: CPTN, 2007.

MEIER, John P. A Marginal Jew - Rethinking the Historical Jesus. New


York: Doubleday, 1994.

WALKER, Williston. História da Igreja Cristã. São Paulo: Aste, 2001.

CRÉDITOS
Coordenação e Revisão Pedagógica: Claudiane Ramos Furtado

Design: Luiz Specht

Diagramação: Marcelo Ferreira


Ilustrações: Rogério Lopes

Revisão ortográfica: Igor Campos Dutra


Produzido por Núcleo de Audiovisual e Tecnologias Educacionais (NATE) - ULBRA EADUniversidade Luterana do BrasilTodos os
direitos reservados.
RELIGIOSIDADE
BRASILEIRA
Prof. Maximiliano Wolfgramm Silva

NESTE CAPÍTULO, VOCÊ VAI


APRENDER
 A conhecer os principais elementos constitutivos da religiosidade
brasileira;
 A compreender a influência das diferentes religiões no
estabelecimento das relações sociais, políticas, econômicas e culturais;
 A identificar, conhecer e refletir acerca de elementos e princípios da
tradição cristã presentes no mundo ocidental, marcadamente no
Brasil, em uma perspectiva da identidade confessional da instituição.

INTRODUÇÃO
Neste capítulo, fazemos um corte histórico específico, o qual tem início
em 1500 e segue até os dias de hoje. Além disso, diferentemente do
capítulo anterior, que tratava do Cristianismo em uma perspectiva
mais universal, temos aqui um foco territorial que considera a história
do Brasil. Entre outras coisas, isso significa que não abordaremos a
religiosidade dos povos indígenas da Terra brasilis, termo comumente
utilizado para se referir ao período anterior à chegada dos
colonizadores portugueses ao que hoje chamamos de Brasil.

A construção histórica não se deterá em um encadeamento de datas,


personagens e eventos, mais salientará elementos que contribuam
para a construção de uma compreensão panorâmica da história e das
características atuais da religiosidade brasileira.

DEUS AINDA É BRASILEIRO


O Papa Francisco é conhecido por seu carisma, simplicidade e bom
humor. Para os brasileiros, isso foi evidenciado pouco tempo depois
que ele assumiu o pontificado. Ciente da rivalidade que tem
caracterizado a relação entre brasileiros e argentinos, ele falou a um
repórter: “Vocês querem tudo. Vocês já têm um Deus brasileiro,
queriam um Papa brasileiro também?”[1]

Papa Francisco. Fonte: Wikimedia


“Deus é brasileiro!” Essa frase, dita tantas vezes e em tantos contextos
por muito de nós, fala de uma característica ainda essencial da
cultura brasileira: somos um povo religioso. Mesmo que mudanças
significativas tenham sido percebidas nas últimas décadas, o fato é
que, conforme dados do censo do IBGE, mais de 90% dos brasileiros
acreditam na existência de Deus ou acreditam em uma dimensão
transcendente de nossa existência.[2] Ainda que a mesma pesquisa
indique que 86,8% de nossa população se declara cristã, é possível
dizer que diversidade é uma das características religiosas desta
nação. Isso se dá pelo crescimento da religiosidade afro-brasileira,
pela difusão de doutrinas como o espiritismo kardecista, pela maior
popularização de crenças e práticas orientais, mas também pela
diversidade presente dentro do próprio cristianismo. Este jeito de ser
religioso se deve a diferentes processos históricos, os quais
normalmente têm origem no sincretismo em seus diferentes níveis
ou em processos de caracterização identitária. Sobre esses processos
queremos falar brevemente.

O censo de 2010 indicou significativa mudança no quadro religioso


brasileiro. Destaca-se um significativo crescimento no número de
evangélicos e, pela primeira vez, queda no número de católicos. Acesse
este link para maiores detalhes. Fonte: Revista VEJA / IBGE
O CATOLICISMO PORTUGUÊS
NO BRASIL COLONIAL
Quando os portugueses aportaram em terras brasileiras, eles
trouxeram consigo a fé oficial de Portugal. Uma compreensão mais
ampla do espírito dessa presença considera os desdobramentos da
Reforma Protestante sobre o catolicismo, os quais foram expressos
através do concílio de Trento. Esse concílio, ocorrido na cidade de
Trento no norte da Itália entre 1545 e 1563, foi em grande parte uma
reação do catolicismo romano aos movimentos reformatórios que
estavam tomando conta da Europa e, entre outras coisas,
enfraquecendo o domínio do Papa. O concílio fortaleceu a relação
entre o papado romano e as coroas de Espanha e Portugal,
solidificando um tratado conhecido como Padroado. Esse tratado
garantia a autonomia daqueles países para indicar bispos católicos,
bem como estruturar a presença da igreja em seus territórios. Por
outro lado, as coroas portuguesa e espanhola garantiam a defesa e se
comprometiam com a expansão da fé católico-romana em todo o
mundo. Tal tratado delineou as características religiosas da presença
europeia no Brasil.
Imagem da primeira missa celebrada no Brasil de Vitor Meireles. Poucos
dias depois da chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil, Henrique de
Coimbra celebra a primeira missa em solo brasileiro.
Fonte: Wikimedia. Clique aqui para saber mais.
Ao refletir sobre o clássico Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre,
Rogério Souza destaca uma interessante característica do português
do século XVI – a miscibilidade. O termo se refere à capacidade ou
condição de misturar elementos de uma forma homogênea. De acordo
com Souza, essa característica do português quinhentista se deve à
posição geográfica de Portugal, uma nação localizada entre dois
mundos, o europeu e o africano, cuja história é marcada por domínios
e influências distintos. Em sua tese, essa condição formou no povo
português um espírito mais tolerante, onde o catolicismo estava mais
aberto a elementos pagãos.[3] Essa característica cultural portuguesa
contribuiu para o sincretismo presente em solo brasileiro.

As religiosidades indígenas e africanas que interagiram com o


catolicismo português apresentavam grande diversidade em sua
estrutura. Os ritos, crenças, espíritos e deuses indígenas eram tão
diversos quanto eram os povos que ocupavam a terra brasilis. Os
africanos escravizados e trazidos forçadamente ao Brasil, cuja cultura
era marcada pela diversidade dos povos e tribos que compunham o
mosaico africano, trouxeram sua compreensão religiosa aberta, várias
divindades e seus respectivos rituais. Com todos esses elementos
trabalhando juntos, ao mesmo tempo em que a colônia se tornou
marcadamente católica, sua religiosidade era composta de variados
elementos. Não se afirma aqui que o catolicismo no Brasil colonial
permitia uma livre expressão de manifestações religiosas diversas da
romana, mas sim uma maior tolerância quanto a uma expressão mais
sincrética de religiosidade popular.

A REFORMA PROTESTANTE
CHEGOU AO BRASIL?
Tendo criado uma tradição teológica distinta do catolicismo, o
protestantismo é uma importantíssima manifestação da fé cristã. Sua
presença em solo brasileiro, no entanto, é tardia. Mesmo que haja
registros da chegada de um luterano em terras brasileiras em 1532, foi
somente no século XIX que um número mais expressivo de europeus
protestantes aportou no Brasil, em sua maioria fugindo de crises
econômicas e políticas e buscando melhores condições de vida na
américa.

Quando se pensa na história do protestantismo no Brasil, eles são


normalmente organizados em dois grupos: o protestantismo de
imigração e o protestantismo de conversão ou expansão. Quando os
protestantes chegaram ao Brasil, ele ainda era um país oficialmente
católico, o que cerceava a liberdade de expressão de fés que diferiam
da católico-romana, mesmo que também fossem cristãs. Casamentos
realizados por comunidades protestantes não eram reconhecidos, e
seus locais de culto não podiam ter aparência externa de prédios
religiosos, de igreja. No início, a liderança espiritual desses grupos
ficava a cargo de leigos escolhidos dentre os próprios imigrantes. Com
o passar do tempo, pastores de outros países como Alemanha e
Estados Unidos foram enviados ao Brasil, passando a atender às
comunidades protestantes aqui instaladas. Entre outras coisas, as
condições de vida e vivência religiosa encontradas no Brasil
contribuíram para que essas comunidades religiosas tivessem um
estilo mais voltado para si mesmas, o que os caracterizou como
“fechados,” conforme defendem autores como Cândido Camargo.

Historiadora revela que a primeira igreja evangélica do Brasil foi criada por
índios da tribo potiguara convertidos por holandeses em
Pernambuco. Fonte: Wikimedia. Clique aqui para saber mais.
Também vieram ao Brasil cristãos de tradição protestante oriundos
dos Estados Unidos, os quais tinham como objetivo a adaptação à
cultura brasileira e o crescimento da fé cristã protestante em nosso
território. Eles já traziam em sua bagagem a experiência com
movimentos de renovação e avivamento ocorridos nos Estados
Unidos, os quais haviam trazido características próprias a esses grupos
de protestantes. Eles eram, em sua maioria, de origem batista,
presbiteriana, metodista e episcopal. Estavam mais abertos à cultura
do país e buscavam trazer para a fé cristã protestante o maior número
de pessoas possível.
OS MOVIMENTOS
PENTECOSTAL E
NEOPENTECOSTAL
O pentecostalismo surge nos Estados Unidos e chega ao Brasil no início
do século XX. Caracteriza-se por celebrações fervorosas, que buscam
evidenciar de maneira externa, visível, a presença do Espírito Santo em
cada crente. Logo no início, seus cultos traziam uma grande ênfase na
glossolalia, também conhecida como o dom de falar em línguas
estranhas. Tal prática era percebida como um sinal visível da presença
de Deus Espírito Santo na vida das pessoas. A ênfase nos dons do
Espírito e na glossolalia remetiam esse movimento ao evento bíblico
conhecido como o Dia de Pentecostes. Assim, ele passou a ser
conhecido como pentecostalismo.
O Pentecostes era uma festa judaica que ocorria 50 dias após a festa da
Páscoa celebrando as colheitas. De acordo com o Novo Testamento, nessa
festa, 50 dias depois da ressurreição de Jesus, o Espírito Santo desceu sobre
os discípulos em forma de “línguas de fogo” trazendo, entre outras coisas,
o dom de anunciar a mensagem de Jesus em várias línguas.
Fonte: Wikimedia
Se espalhando por todo Brasil, especialmente a partir do trabalho da
Igreja Assembleia de Deus, que teve origem no estado do Pará, o
pentecostalismo se diversificou grandemente, atraindo inúmeros
adeptos. Essa diversificação deu origem ao movimento neopentecostal
que, mantendo a ênfase nos dons do Espírito Santo, desenvolveu um
discurso mais voltado para a cura. Além disso, as pregações de seus
líderes apontam para a mudança no status socioeconômico de uma
pessoa como uma evidenciação da presença de Deus em sua vida, o
que dá origem à chamada teologia da prosperidade. A Igreja Universal
do Reino de Deus se torna a grande representante desse movimento,
fortalecido por inúmeras outras denominações que acabaram
surgindo, como a Igreja Internacional da Graça de Deus, Renascer em
Cristo e Igreja Mundial do Poder de Deus. É a partir daí que surgem
figuras de reconhecimento nacional como Edir Macedo, R. R. Soares e
Valdemiro Santiago.

Foram os movimentos pentecostais e neopentecostais que


provocaram profunda mudança no cenário religioso brasileiro. A
mesma é evidenciada, entre outras coisas, pelo censo de 2010, que
pela primeira vez registrou uma queda no número absoluto de
católicos no Brasil, apontando que mais de 27% da população
brasileira se identifica como pertencendo à tradição evangélica. O
ativismo desse grupo também pode ser percebido na política brasileira
em seus diferentes níveis, com especial atenção para o congresso
nacional e a bancada evangélica, a qual tem trazido para a pauta de
Brasília demandas características dos evangélicos brasileiros.
No artigo O Pentecostalismo no Brasil: uma reflexão sobre novas
classificações, a antropóloga Mariana Picolloto apresenta os frutos de
um estudo etnográfico nos faz conhecer um pouco mais da evolução
do pentecostalismo no Brasil. Clique aqui para acessar o artigo.

CULTOS AFRO-BRASILEIROS
Durantes os séculos XVI, XVII e XVIII o mundo viveu a maior migração
forçada de pessoas de sua história, também conhecida como diáspora
africana. Apesar de os números não serem precisos, acredita-se que
mais de 10 milhões de africanos, das mais diversas tribos e nações,
foram capturados e trazidos para as américas. A maior parte deles
aportou no Brasil, e aqui foram escravizados. Obviamente, essas
pessoas trouxeram consigo sua identidade religiosa e cultural e, no
meio de inúmeras adversidades, buscavam achar seu caminho em
uma terra estranha e inóspita.

Como o catolicismo era a religião oficial do país, os africanos aqui


trazidos deveriam se adaptar à fé de seus senhores. Mesmo que
tenham ocorrido inúmeras conversões, em grande parte as expressões
cristãs dessas pessoas eram externalidades que buscavam satisfazer
os olhares atentos dos europeus. Número significativo de escravos e
seus descendentes, no entanto, mantiveram várias características de
suas culturas africanas. Aqui entra outro elemento que precisa ser
considerado: a diversidade cultural africana. As milhões de pessoas
aqui trazidas provinham de diversos grupos na África, com tradições
religiosas distintas, apesar de conectadas por elementos semelhantes,
como o animismo. Assim, ao compor sua vivência religiosa, essas
pessoas precisaram lidar com o catolicismo romano, com o contato
com povos indígenas e com a diversidade da própria cultura-africana.
Iemanjá, considerada a Orixá mais popular em terras brasileiras, para
o povo Egba, é a divindade da fertilidade associada a rios e
desembocaduras. No Novo Mundo, através de um processo de assimilação
de diferentes culturas promovido pela diáspora africana, passou a ser
associada também aos mares. Está marcadamente presente em nossa
cultura através da arte e de ritos que se espalham por todo o país. Em
grande parte, representa o arquétipo materno dentro dos cultos afro.
Para os povos aqui trazidos, sua religiosidade também se transformou
em um elemento de resistência. Foi através dela que eles puderam
manter várias características de sua cultura, não somente aquelas
ligadas à sua espiritualidade, mas também à suas línguas e culinária,
por exemplo.

Apesar de ter estado sempre presente na história do Brasil desde o


início da escravização africana, foi somente no séc. XIX que as religiões
afro-brasileiras começaram a se organizar. Mesmo assim, existe ainda
grande diversidade religiosa dentro dos cultos afro-brasileiros. No
entanto, podemos destacar duas principais vertentes: o Candomblé e
a Umbanda. O primeiro tem suas raízes em quatro nações africanas:
Kêtu, Fan, Jejê e Angola, que creem na pluralidade de divindades,
conhecidas como orixás. Essas entidades são ligadas a elementos da
natureza, o que aponta para o animismo que marca essa manifestação
religiosa. Apesar dos orixás serem correlacionados a figuras católicas,
o que é uma consequência de processos sincréticos, existe no
Candomblé uma busca por suas raízes africanas. Esta busca procura
aproximá-lo cada vez mais de suas origens pré-escravatura. Na
Umbanda, temos um sincretismo bem mais evidente, unindo nessa
manifestação elementos da cultura religiosa africana, europeia e
indígena, bem como elementos do espiritismo kardecista. Alguns o
consideram como sendo uma religião genuinamente brasileira. Uma
das características que une esses grupos é a diversidade, assim, nem
tudo que é observado em uma comunidade será, necessariamente,
observado em outras.

ESPIRITISMO KARDECISTA
O espiritismo kardecista teve origem na França no séc. XIX com Leon
Hippolyte Denizard Rivail, mais conhecido como Allan Kardec. Kardec
seria, na verdade, um espírito iluminado que revelou através de Leon
a doutrina espírita. O espiritismo kardecista apresenta-se como um
movimento científico, filosófico e religioso, que busca através da
racionalidade evidenciar a existência de uma realidade que transcende
a matéria.

Em suas afirmações mais essenciais, faz uso de conceitos provindos de


religiões diversas, como reencarnação, carma e caridade. Afirma que
nossa essência é espiritual e que, através das inúmeras vidas que
vivemos (encarnações), aperfeiçoamos o nosso espírito através das
situações que vivenciamos (carma) em busca da plena caridade (amor
desprendido). Nesse processo cíclico de evolução espiritual, nossa
alma enquanto faísca divina se aproxima cada vez mais da plena
realidade transcendente.

Em nenhum lugar do mundo as ideias de Leon Rivail encontram solo


tão fértil quanto no Brasil. Acredita-se que isso se deve, em grande
parte, ao espírito sincrético que tem caracterizado a religiosidade
brasileira ao longo da história, conforme já afirmamos anteriormente.

SHEILAISMO – SOBRE NOVAS


FORMAS DE RELIGIOSIDADE
Vivemos hoje no Brasil fenômenos que também estão presentes em
todo o mundo ocidental. A globalização tem trazido o diferente cada
vez para mais perto de nós. Se antes o hinduísmo era uma realidade
distante, muitas vezes resumido a um tópico curioso para conversas
descompromissadas, hoje recebo em minha casa um amigo indiano.
Ele, por convicções religiosas, entende que a vaca é um animal sagrado
por apontar para a realidade maior que é Brahman. Isso levanta para
mim questões bem práticas como, por exemplo, o que vou oferecer
para o jantar.
A aldeia global na qual vivemos demanda conversas sobre tolerância e
diversidade religiosa. Isso fortalece uma atitude pluralista na qual as
diferentes manifestações religiosas são cada vez mais valorizadas pelo
que elas são. Ao mesmo tempo, vivemos uma época de afirmação
identitária. Inseguros no meio de tanta diversidade e sentindo-se
ameaçados no meios da liquidez que caracteriza a
contemporaneidade, muitos grupos vivem um processo de
autoafirmação, através do qual salientam suas características
identitárias se distinguido de outros movimentos religiosos. Soma-se a
isso a ênfase contemporânea na autonomia de cada indivíduo, a qual
tende a enfraquecer figuras de autoridade externas, inclusive
religiosas, e fortalecer perspectivas individuais de vida e mundo. Tudo
isso se alinha a uma ideologia de mercado que entende o capitalismo
não apenas como a forma através da qual trocamos bens e serviços,
mas também como um conjunto de significados que estrutura a vida a
partir da perspectiva do mercado. Nesse cenário, também as
manifestações religiosas competem entre si, buscando atrair a atenção
e a fidelidade das pessoas. Isso também tem contribuído para uma
diversidade cada vez maior dos bens simbólicos e religiosos
disponíveis no mercado brasileiro.
A Revista ISTOÉ publicou um artigo cujas pesquisas indicam o aumento
da migração religiosa entre os brasileiros. Clique aqui para acessar o
artigo.
Tudo isso acaba facilitando o trânsito religioso, onde as pessoas se
movem de uma tradição religiosa para a outra com relativa liberdade
de consciência, buscando respostas para os mais diversos
questionamentos e demandas pessoais. Mais do que isso, muitas
pessoas acabam se sentindo confortáveis vivendo as experiências de
distintas tradições religiosas ao mesmo tempo, como que numa dupla
cidadania da fé. Assim, se torna cada vez mais comum conhecermos
católicos que fazem oferendas a orixás, ou kardecistas que encontram
em Lutero inspiração para sua evolução espiritual. Todos esses
elementos trabalhando juntos abrem espaço para formas
individualizadas de religiosidade, como é o caso de Sheila Larson.
Entrevistada em uma pesquisa sobre religiosidade, ela afirmou: “Eu
acredito em Deus. Eu não sou uma fanática religiosa. Não me lembro
da última vez que fui à igreja. Minha fé me tem acompanhado por um
longo caminho. Ela se chama sheilaismo. Apenas minha própria voz.”[4]

De certa maneira, esse conjunto de elementos da religiosidade


brasileira caminham juntos com o grande paradigma religioso da
atualidade: o pluralismo de princípio. Nele, o reconhecimento do
direito do outro de ser outro se torna um princípio moral. A diversidade
de vivências religiosas é tão grande quanto o número de indivíduos.
Como tudo na vida, isso traz oportunidade e desafios para esta e as
futuras gerações.

INFOGRÁFICO
REFERÊNCIAS
[1] “Vocês têm Deus brasileiro, também querem um Papa?” Portal
G1, acessado em 12. out.2019

[2] Censo 2010, Portal do IBGE. Acessado em 12. out.2019 <<>>


[3] Robério Américo do Carmo Souza, “O Hibridismo na Construção
da Religiosidade: Repensando a Contribuição de Gilberto Freyre
para o Debate.” Angelus Novus, no. 3 (Julho, 2012), 291–309, 292.

[4] Robert N. Bellah et al., Habits of the Heart: Individualism and


Commitment in American Life (Los Angeles: University of California,
2008), 220.

ANDRADE, Maristela Oliveira de, A Religiosidade Brasileira: O


Pluralismo Religioso, a Diversidade de Crenças e o Processo Sincrético.
In: CAOS – Revista Eletrônica de Ciências Sociais 14, (Setembro
2009): 106–118.

BELLAH, Robert N. et al. Habits of the Heart: Individualism and


Commitment in American Life. Los Angeles: University of California,
2008.

CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e Escravidão no Brasil


Meridional. São Paulo: Paz e Terra, 1991.

DAVIS, David Brion. The Problem of Slavery in Western Culture. NY:


Oxford, 1988.

KUCHENBECKER, Valter (coord.). O Homem e o Sagrado: A


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MARQUESE, Rafael de Bivar Marquese. A Dinâmica da Escravidão no


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http://dx.doi.org/10.1590/S0101-33002006000100007 (Acesso: 20
jun.2019).

MATTOSO, Kátia de Queirós. Ser Escravo no Brasil. São Paulo:


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RIBEIRO, Claudio de Oliveira. Um Olhar sobre o Atual Cenário Religioso


Brasileiro: Possibilidades e Limites para o Pluralismo. In: Estudos da
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SILVA, Vagner Gonçalves da. Religião e Identidade Cultural Negra:


Católicos, Afro-brasileiros e Pentecostais. In: Cadernos de Campo 20,
(2011): 295–303.
STEYER, Walter O. Os Imigrantes Alemães no Rio Grande do Sul e o
Luteranismo. Porto Alegre: Singular, 1999.

WULFHORST, Ingo. Discernindo os Espíritos – O Desafio do


Espiritismo e da Religiosidade Afro-brasileira. São Leopoldo: Sinodal,
1996.
Coordenação e Revisão Pedagógica: Claudiane Ramos Furtado

Design: Luiz Specht

Diagramação: Marcelo Ferreira

Ilustrações: Marcelo Germano / Rogério Lopes

Revisão ortográfica: Ane Arduin


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REFLEXÕES SOBRE
ÉTICA E MORAL
Prof. Mario Rafael Yudi Fukue

NESTE CAPÍTULO, VOCÊ VAI


APRENDER
 A participar da reflexão a respeito dos valores humanos, sociais, éticos
e espirituais;
 A construir, a partir de valores éticos e religiosos, princípios
norteadores de sustentabilidade e cidadania;
 A mediar conflitos no campo da ética e religiosidade a partir dos
princípios de respeito, diálogo e tolerância;
 A atuar eticamente frente a diferentes situações no campo pessoal,
social e profissional.

INTRODUÇÃO
A humanidade é a única espécie ética no planeta, pois somente o ser
humano tem a capacidade de avaliar e julgar suas ações buscando
saber se são boas ou más, certas ou erradas, justas ou injustas. Cortella
escreve: “Só é possível falar em ética quando falamos em seres
humanos, porque ética pressupõe a capacidade de decidir, julgar,
avaliar com autonomia. Portanto, pressupõe liberdade.” (Cortella,
Mario Sergio. Qual é a tua obra? . Editora Vozes. Edição do Kindle. pos.
1043)

Na verdade, se você prestar atenção, está fazendo escolhas o tempo


todo, a vida inteira. Você escolheu ler esse capítulo. Você decidiu
estudar o seu atual curso de graduação. No Brasil, você pode decidir
com quem vai se relacionar, casar, onde trabalhar, etc. Nesse capítulo,
vamos compreender que todo ser humano possui um sistema de
valores que o ajuda a tomar decisões. Por exemplo, você escolheu
passar o Natal com seu família ao invés de viajar com os amigos, pois
na sua escala de valores, a família está acima dos amigos. Mas, talvez,
sua melhor amiga prefira viajar com os amigos, pois para ela, pelo
menos naquele momento, os amigos são mais importantes do que a
família.

Além das escolhas cotidianas, o ser humano também enfrenta várias


escolhas difíceis ao longo da vida. São os angustiantes “dilemas”. No
mundo da chamada pós-modernidade, o que se experimenta é o vazio
e a incerteza. Para a maioria das pessoas não existem mais valores
fixos ou absolutos. Vivemos uma época caracterizada pela pluralidade
de valores, de crenças, de pensamentos, fazendo com que indivíduos
de uma mesma sociedade sejam orientados em suas decisões por
princípios muito diferentes. Essa convivência em meio a tantas visões
diferentes nem sempre é amistosa ou fácil de ser obtida.

Se somarmos a isso o impacto tecnológico sobre nossas vidas,


percebemos que a crise ética é maior do que imaginamos. Temos
condições de fazer coisas que nossos antepassados nunca sonharam
fazer. A tecnologia aumentou em muito o alcance das decisões do ser
humano, mas também aumentou o dilema ético quando se busca
refletir sobre as consequências e possíveis limites para essas incríveis
potencialidades.

Programação genética, manipulação de embriões, desligar os


aparelhos que mantêm viva uma pessoa numa UTI, uso sustentável
dos recursos naturais sem prejudicar a economia. O que fazer ou não
fazer, ou fazer diferente? Existe certo e errado? Quem tem a palavra
final?
É desse contexto plural que este capítulo procura tratar, refletindo
sobre alguns conceitos e teorias no campo da moral e da ética. O
capítulo irá propor também a ética cristã como o referencial ideal capaz
de nortear a existência humana na tentativa de se atingir o grande
objetivo da ética – a busca do bem comum.

ÉTICA E MORAL
As palavras ética e moral, embora usadas muitas vezes como
sinônimos, possuem significados distintos. Apesar de não haver
consenso sobre a exata diferença entre os dois conceitos, para fins de
aprendizagem, podemos estabelecer a seguinte conceituação: A ética
trata dos princípios e valores que orientam a conduta de uma pessoa.
A moral é a prática dessa conduta ética. A ética trata dos princípios e a
moral da prática baseada nesses princípios. Por exemplo, você pode
ter um princípio ético de “preservar a vida humana”. E no dia-a-dia,
você aplica esse princípio na prática moral ao ajudar uma pessoa em
necessidade.
“Os latinos tinham uma expressão para “eu” que era ego. E usavam
duas para falar de não eu: uma é alter, que significa “o outro”, mas
usavam também alius, para indicar “o estranho”. Palavras em
português que vêm de alius: “alienado”, “alheio”, “alien”, “alienígena”.
Nos filmes de faroeste mais antigos, o nome que se dava para quem
não era daquele lugar era “forasteiro”, “estrangeiro”. Aliás, em inglês se
usa isso até hoje: stranger ou foreigner. Aquele que não é daqui, aquele
que não é como nós, aquele que é, talvez, menos. Visão de alteridade
é a capacidade de ver o outro como outro, e não como estranho. Há
pessoas que só conseguem olhar o outro como estranho, e não como
outro.

(Cortella, 2002, kindle pos. 1172)


O objetivo do estudo da ética é ver o outro como um outro igual a nós,
não como um estranho. Em suma, uma questão que tentamos
responder quando estudamos ética é: Quais são os princípios que
determinam as minhas ações e as ações do outro? Em outras palavras:
Como você toma decisões? Por que tomamos decisões diferentes?

Basicamente, três fatores são determinantes para a formação ética de


uma pessoa: Valores, Consciência e Responsabilidade.

VALORES
O ser humano toma decisões com base em sua escala de valores. Por
exemplo, o presidente de um país escolhe enviar seus soldados à
guerra, pois na escala de valores dele “defender a pátria” está acima do
“não arriscar a vida dos soldados”. Outro exemplo é o pastor
Bonhoeffer que transgride leis para ajudar judeus a escaparem da
Alemanha nazista, pois na escala de valores dele “ajudar o próximo”
estava acima de “obedecer às leis do governo”.

A escala de valores também é usada em decisões cotidianas, mesmo


que de forma automática ou inconsciente. Por exemplo, você escolheu
ler este capítulo porque, nesse momento, “estudar ética” é mais
importante do que “assistir Netflix”.
Parece simples, né? No entanto, problemas acontecem quando a
escala de valores de uns contrariam as escalas de outros. A discussão
dos princípios ou valores que orientam nossas escolhas morais acaba
assim se tornando uma discussão também dos limites de nossas ações
enquanto indivíduos e como grupo ou sociedade. A ética se propõe a
buscar, por meio do diálogo, a identificação desses limites para que as
atitudes ou escolhas individuais não oprimam o bem comum, e
também para que o contrário não aconteça, ou seja, as atitudes ou
escolhas coletivas ou da sociedade não oprimam o indivíduo.

Há também um problema individual que acontece quando você


contraria o seu sistema de valores. Mas isso é um assunto extra que
você poderá ver no final desse conteúdo.

CONSCIÊNCIA
A consciência desempenha um papel importante no sentido de coibir
ou incentivar a tomada de determinada decisão a partir de algum valor.
Consciência é a capacidade que temos de reagir ao certo ou ao errado,
a partir daqueles que são os nossos valores mais importantes.

Um ditado popular bastante conhecido diz que podemos fugir de tudo,


menos de nossa consciência. Podemos perguntar, então, de onde vem
a consciência?

Há, pelo menos, três respostas a essa questão: uma que afirma que o
ser humano já nasce tendo consciência; outra que diz ser ela imposta
pelo ambiente externo, ou seja, o ser humano e, consequentemente,
sua consciência, é moldado ao longo do tempo pelas condições
culturais externas; uma última, ainda, considera que o ser humano já
nasce com consciência, mas ela também recebe informações e
influência externas, sofrendo modificações ao longo do tempo.

De qualquer forma, a consciência sempre será uma instância psíquica


interna e singular a cada indivíduo, mesmo que possamos também
admitir a existência de uma consciência social ou coletiva. Elas não são
excludentes, mas interagem entre si.
RESPONSABILIDADE
Na escolha ética e na prática moral, temos a responsabilidade de ver o
outro como um outro igual a nós, não como um estranho. Somos
responsáveis pelas nossas escolhas, por isso precisamos analisar e
considerar as consequências benéficas ou maléficas de nossas
decisões e atitudes.

Muitas vezes, nossa tendência é cobrar responsabilidade dos outros,


ao mesmo tempo em que nos esquivamos de próprias
responsabilidades. É comum também pessoas transferirem a culpa de
algo para outros. Por exemplo, alguns justificam a sonegação de
impostos apontando para a corrupção que há no governo. “Se eles
roubam milhões, eu também posso sonegar uns milhares” - dizem. É a
“filosofia” do “todo mundo faz”. Mas, nossas mães, acredito, já
apontaram a falácia desse pensamento ao dizerem: “você não é todo
mundo. Pare de culpar os outros pelos seus erros.”

O perigo que corremos é o da diluição da responsabilidade, em que


nem o indivíduo e nem a sociedade assumem a responsabilidade pelo
que está acontecendo. Quando isso acontece, as pessoas buscam seus
próprios interesses sem considerar os outros.

ÉTICA RELIGIOSA
Vimos que a forma como organizamos nossa escala de valores ajuda a
determinar nossas escolhas. Mas, como uma pessoa constrói sua
escala de valores?

Basicamente, nossos valores são provenientes de nossa família,


amigos, cultura e religião. Por essa razão, é importante também
estudar a ética religiosa, cujos princípios não partem de reflexões
filosóficas, mas têm como fundamento as doutrinas principais de uma
determinada religião. Como qualquer reflexão ética, seu ponto de
partida é a liberdade do ser humano em fazer ou não fazer algo. Mas,
em geral, a ética religiosa entende essa liberdade como algo limitado
não apenas pelo chamado “bem comum”, mas por um
comprometimento com a vontade ou orientação revelada pela(s)
divindade(s) venerada(s) pela religião. Outra característica comum na
ética religiosa é a crença de que as consequências da conduta moral
da pessoa não se limitam a essa vida ou situação presente, mas podem
ter implicações maiores, que vão além da vida terrena.

É interessante perceber que a maior parte das religiões tem o amor ao


próximo como atitude desejável em seus sistemas de valores. Veja o
vídeo:
A Regra de Ouro nas Tradições Religiosas

Intolerância, fundamentalismo e radicalismo são totalmente contrários


à regra de ouro. Um fiel pode discordar dos ensinos doutrinários de
outro grupo religioso, mas isso jamais deveria levá-lo às atitudes de
ódio.

ÉTICA CRISTÃ
Jesus amplia a regra de ouro e ensina também o amor aos inimigos,
algo possível somente a partir do próprio amor de Deus em nós.
Conforme escreve João: “Nós amamos, porque Deus nos amou
primeiro.” Veja o vídeo:
Jesus ensina a amar os inimigos.
A chave para se compreender a ética cristã é o próprio amor de Deus,
que se revela nos seguintes pontos: a dança da Criação, queda em
pecado e a redenção da humanidade.

DANÇA DA CRIAÇÃO
Na teologia cristã, a Trindade mutuamente se relaciona em amor,
mesmo antes da Criação do mundo. Como fruto desse amor trinitário
e divino, o Deus Triúno cria o Universo e o ser humano. Isso significa
que, teologicamente falando, o ser humano foi criado para se
relacionar com Deus e uns com os outros. Em outras palavras, estamos
no mundo para amar e ser amado.

QUEDA EM PECADO: HUMANIDADE


DECIDE DANÇAR SOZINHA
Numa humanidade perfeita, não haveria dilemas éticos, pois a
humanidade seria totalmente pautada pelo amor a Deus e ao próximo.
No entanto, conforme a teologia cristã, a humanidade se rebelou
contra Deus, voltando-se a si mesma, a seus próprios interesses. Nesse
momento, o ser humano passa a olhar o próximo não como um outro,
mas como um estranho.

O pecado original de Michelangelo. Fonte: Wikimedia


A incapacidade humana de se relacionar em amor perfeito com Deus
e com o próximo revela nossa imperfeição e fracassos, mostrando que
todos nós, seres humanos, fomos afetados pela queda em pecado.

Para a fé cristã, apesar da queda em pecado, a consciência humana


continua minimamente conectada com a “lei natural”, escrita por Deus
no coração do ser humano desde a concepção. Nesse sentido, todo ser
humano já nasce com a capacidade de identificar se certas atitudes são
corretas ou não, tornando o ser humano responsável, diante de Deus,
por seus atos.

REDENÇÃO EM CRISTO
Se por um lado a perspectiva ética cristã tem como um de seus
princípios o fracasso humano em viver e agir de maneira correta de
acordo com o plano original de Deus, por outro lado, a ética cristã
também tem como princípio a fé na restauração, ainda que incompleta
aqui neste mundo, dessa capacidade de tentar viver de acordo com o
plano do Criador, de se buscar um comportamento que reflita o amor
a Deus, aos outros seres humanos e a toda a criação.

Fonte: Pxhere.
E essa restauração não é resultado de nenhum esforço ou exercício
ético humano, mas é uma iniciativa e ação do próprio Criador. A fé
cristã aponta para Cristo como redentor da humanidade. Conforme o
apóstolo Paulo ensina, Jesus, o Filho de Deus, esvazia-se e assume a
forma humana para morrer na cruz em lugar de toda a humanidade.
Por meio da morte de Jesus, o ser humano é reintegrado à dança da
Trindade.

FÉ ATIVA NO AMOR
Assim, a partir de amor de Deus, revelado em Cristo, o ser humano,
apesar de continuar imperfeito, é capacitado a amar a Deus e a amar
ao próximo, assumindo atitudes éticas pautadas no amor. Essas
atitudes são descritas nos Dez Mandamentos como orientações para a
vida humana movida pelo amor a Deus. Os primeiros três
mandamentos tratam da relação entre indivíduo e Deus. Os demais
mandamentos refletem sobre a relação entre os seres humanos.
Vamos ao texto dos mandamentos:
ÉTICA CRISTÃ APLICADA
Os cristãos estão cientes de que, hoje, grande parte da população,
senão a maioria, dentro de suas liberdades individuais, não faz parte
do cristianismo. Ainda assim, os cristãos entendem que seus princípios
éticos baseados no amor a Deus e ao próximo podem contribuir na
busca do chamado “bem comum”.

A seguir, apresentamos alguns apontamentos que, de forma resumida,


procuram, na discussão de alguns temas importantes, apontar a ação
desejada pela ética cristã.

RESPONSABILIDADE SOCIAL
A ética cristã prescreve que, por amor, a pessoa cristã procura exercer
sua responsabilidade em quatro esferas:

1- para com sua própria vida – cuidando de sua própria saúde física
e mental, grato a Deus pelo dom da vida que recebeu;

2- na família - provendo o necessário para o bem-estar de todos os


seus familiares, tendo por base o cuidado, a compreensão, o perdão, a
confiança e o respeito na maneira de se relacionar com o cônjuge, com
os filhos e todos os demais integrantes da família;

3- no seu trabalho – vivendo de maneira honesta e buscando, por


meio de sua profissão ou atividade, promover não apenas o seu
sustento mas o bem do próximo também;

4- na sociedade – buscando contribuir de todas as formas para que


seres humanos, amados por Deus em primeiro lugar, mas desprovidos
de recursos para uma vida minimamente digna, possam ser atendidos
em suas necessidades básicas.
A sacralidade da vida

Vimos anteriormente que, conforme a fé cristã, Deus Triúno criou o ser


humano para participar do relacionamento de amor com a Trindade.
Nessa dança da Trindade, o ser humano foi criado à “imagem e
semelhança de Deus”. Sendo assim, a dignidade da pessoa humana
está intrinsecamente ligada à imagem de Deus. Isso significa que que
nenhum ser humano pode ser tratado como “coisa”, não pode ser
“objetificado”. Ninguém deveria usar um ser humano como um meio
para conseguir atingir um objetivo, pois seres humanos possuem
valores e fins em si mesmos.

A ética cristã propõe sermos corresponsáveis, uns pelos outros, sejam


eles quem quer que sejam, não importando seu estágio de
desenvolvimento, suas capacidades ou “utilidades”, seu potencial ou
qualquer outro critério que não seja a de que a vida humana seja
enxergada na perspectiva de que ela pertence em primeiro lugar a
Deus que a nós concede a dádiva de vivê-la.

Clicando nos links abaixo você pode ver como a ética cristã lida com os
seguintes assuntos:

BIOÉTICA

ABORTO

EUTANÁSIA

PENA DE MORTE

SUSTENTABILIDADE
INFOGRÁFICO
REFERÊNCIAS
CORTELLA, Mário Sérgio. Qual é tua obra? São Paulo: Vozes, 2015.

FORELL, George. Ética da decisão. São Leopoldo: Sinodal, 1988.

MEILAENDER, Gilbert. Bioética: um guia para os cristãos. São Paulo:


Vida Nova, 1997.

NEDEL, José. Ética aplicada – pontos e contrapontos. São Leopoldo:


Ed. UNISINOS, 2004.

GOLDIM, José Roberto (Org.). Bioética & Espiritualidade. Porto


Alegre: EDIPUCRS, 2007.

WARTH, Martim Carlos. A ética de cada dia. Canoas: Ed. ULBRA, 2002.

WESTPHAL, Euler Carlos. Bioética. São Leopoldo: Sinodal, 2006.

VALLS, Álvaro L.M. O que é ética. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.

CRÉDITOS
Coordenação e Revisão Pedagógica: Claudiane Ramos Furtado

Design: Luiz Specht

Diagramação: Marcelo Ferreira / Lucas Dias Luiz

Ilustrações: Rogério Lopes

Revisão ortográfica: Ane Arduin


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