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APOSTILA DE FILOSOFIA – 2ª SÉRIE DO ENSINO MÉDIO – PROF. JOSSIVALDO A.

DE MORAIS

PROFo: MORAIS
TEMÁTICA:
3a SÉRIE – ENSINO MÉDIO 3o BIMESTRE

1 – RELIGIOSIDADE: necessidade humana em acreditar e buscar o divino


“O corpo é como uma tenda temporária onde habita a alma, que permanece.”
PÃO DIÁRIO
O que é e como aparece na vida humana?
Segundo o Dicionário Aurélio da língua portuguesa,
religiosidade é tendência ou disposição religiosa. Tendência
religiosa é uma inclinação ou disposição para uma determinada
crença. Podemos então definir religiosidade como: disposição
humana para crer em algo.
A religiosidade surge na vida do ser humano quando ele se
percebe no mundo como mais
um ser em meio a outros
seres. Quando se dá conta de
que a natureza ao seu redor é
muito bem organizada e arquitetada e que o autor de tudo isso à
sua volta não pode ser nenhum ser humano ou mesmo um dos
demais seres naturais.
A percepção da natureza (mundo) como algo exterior e
independente da vontade humana introduz a noção de que há por
trás de tudo isso um Ser maior e mais perfeito que todos os outros
que conhecemos. Nasce, assim, a crença numa “entidade divina”,
num Ser Superior.
O núcleo da religiosidade está na crença em divindades e numa outra vida após a morte.

2 – SAGRADO: experiência de uma força sobre-humana


“Não importa quanto Deus nos deu. Importa servir a ele com o que temos.”
PÃO DIÁRIO

Sagrado (do latim, sacratus), de acordo com Dicionário Aurélio, é venerável, divino, santo,
inviolável, puríssimo.
Nas palavras da filósofa Marilena Chauí, sagrado é
a experiência que o ser humano possui da presença de
uma potência (força ou poder) sobrenatural que habita
algum ser – plantas, animais, seres humanos, coisas ou
fenômenos da natureza. Essa potência (poder) pode
tanto pertencer a um ser quanto algo que ele pode
possuir e perder. O sagrado é a experiência simbólica da
diferença entre os seres, da superioridade de alguns
sobre outros.
O sagrado introduz uma ruptura (separação) entre o
natural e o sobrenatural. Os seres ou objetos sagrados são dotados de uma força ou poder
sobrenaturais para realizar aquilo que os seres humanos julgam impossível realizar contando apenas
com as forças e a capacidade humanas.
O sagrado é, pois, a qualidade excepcional que um ser
possui e que o separa e distingue de todos os outros, embora,
em muitas culturas, todos os seres possuam algo sagrado, fato que
os diferenciam uns dos outros.
O sagrado pode despertar devoção e amor, repulsa e ódio; e
esses sentimentos despertam outro: o respeito baseado em temor.

3 – RELIGIÃO: vínculo entre o sagrado e o humano


“Se o contato com a Criação já faz tão bem, imagine a amizade com o Criador!”
PÃO DIÁRIO

A religião surge com o objetivo de resgatar, reunificar os laços rompidos pela sacralidade. A
religião busca religar o mundo humano (profano) ao mundo divino (sagrado).
A religião se realiza num espaço denominado santuário (templum), um espaço consagrado por
gestos e palavras. Os laços (alianças) estabelecidos nesse espaço duram indefinidamente e
representam os laços feitos com o sagrado – a ligação feita entre
homens e Deus.
O templo como espaço sagrado diferencia-se dos demais
espaços humanos, tidos como mundanos. Ao se adentrar o santuário
os seres humanos adotam outra atitude, visto que certas atitudes
praticadas fora desse espaço não são aceitas ou bem vistas por
aqueles que ali congregam. Ao entrar no templo os fiéis devem
adotar novas posturas e
abandonar antigas atitudes,
pois o templo (espaço
sagrado) é totalmente
diferente do espaço da vida
comum humana.
As explicações da religião (as narrativas sobre a criação
do mundo e dos seres) não se dirigem à mente (ao intelecto),
mas ao coração dos fiéis (crentes). E por se dirigirem ao
coração (às paixões) a religião exige apenas uma coisa: fé,
que é confiança e adesão plena ao que lhe é revelado e
manifestado.
A atitude fundamental daquele que crê (tem fé) é a piedade, o respeito e o serviço a Deus.
Manifestação e revelação divinas

As religiões dividem-se em: a) religiões da manifestação ou iluminação: nelas as divindades


surgem diante dos humanos em beleza, esplendor, perfeição e poder e os leva a ver outra realidade,
escondida sob a realidade cotidiana, uma realidade na qual os elementos encontram-se organizados
e dispostos de outra maneira, secreta e verdadeira; b) religiões da revelação nas quais os entes
divinos revelam verdades aos humanos sem fazê-los sair de seu mundo. Eles podem ter visões e
sonhos, mas o fundamental é ouvir o que a divindade lhes diz, pois sua revelação é sua vontade e
essa vontade é que o crente confia e cumpre.

FONTE:
CHAUÍ, Marilena. Iniciação à Filosofia. São Paulo: Ática, 2010. vol. único. (Série Ensino Médio) p. 230-233.
BRUGGER, Walter. Dicionário de Filosofia. Trad.: Antônio Pinto de Carvalho. 4. ed., São Paulo: EPU, 1987.
FERREIRA, Aurélio B. de H.. Miniaurélio: o dicionário da língua portuguesa. 6. ed., Curitiba: Positivo, 2005.

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APOSTILA DE FILOSOFIA – 3ª SÉRIE DO ENSINO MÉDIO – PROF. JOSSIVALDO MORAIS

ATIVIDADE 1

1) O que é religiosidade?
2) Por que pode-se afirmar que a religiosidade é anterior à religião?
3) Qual o pilar central de toda religião?
4) Por que o sagrado provoca uma ruptura (separação) entre o mundo natural e o mundo divino?
5) Por que a religião se dirige às emoções humanas?

LENDO E REFLETINDO A REALIDADE

Quando nem todos creem do mesmo jeito


Leomar Antonio Brustolin
“As famílias convivem, cada vez mais, com a pluralidade religiosa. E duas posições desconfortáveis podem
se consolidar: intolerância e enfrentamento. A primeira emerge da dificuldade em aceitar o outro e o
diferente. A segunda expressa uma reação para autoafirmação, que acaba agredindo a cultura tradicional. O
diálogo permanece como um desafio em ambos os casos.”

Especialmente para as novas gerações, a imagem de Deus é muito diversificada. Há quem prefira
concebê-lo como uma energia superior ou força espiritual. Muitos se relacionam com o mundo religioso de
acordo com suas preferências. Inclusive Jesus Cristo é interpretado mais a partir da emoção, da
afetividade e das questões existenciais. Pouco se fala de compromisso, comunidade e seguimento.
Romper com o passado
Encontram-se famílias cujos filhos não seguem a
religião que herdaram dos pais. Praticam uma
espiritualidade diferente, questionam e conflitam com a
crença tradicional. Alguns jovens preferem religiosidades
que sejam capazes de responder melhor aos seus
interesses, aos seus desejos e às suas necessidades.
Esse é um fenômeno moderno. Nas sociedades
pré-modernas, o passado determinava o futuro. Assim
cada nova geração integrava-se na tradição e na religião
dos antepassados. Não havia muito espaço para
decisões individuais. Já nas sociedades modernas,
rompe-se com o passado para viver o presente. Investe-
se no valor da liberdade pessoal. [...]
Não é fácil identificar os motivos dessa mudança.
Pode ocorrer pela atual facilidade de acesso à
informação. [...] Além disso, a persuasão dos amigos, o
rompimento com a cultura dos pais, a crise de identidade,
a atração pelo diferente e a carência de respostas para
questões profundas intensificam a busca de alternativas
para crer.
Diálogo e novos caminhos
A passagem do monólogo para o diálogo é extremamente importante, pois o diálogo exige escutar
o outro, descobrir e reconhecer seus valores. Isso só é possível quando se reconhecem, mutuamente,
valores na crença do outro. [...] [...] diálogo inter-religioso não é só debate, mas todo o conjunto das
relações inter-religiosas com pessoas e comunidades de outros credos para o mútuo conhecimento e
enriquecimento.

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A questão é promover atitudes de respeito e tolerância, baseados na convivência, na
solidariedade, no mútuo conhecimento e na reverência de quem procura Deus, apesar dos diferentes
caminhos.
Entretanto, considerando a situação plural, pode-se logo perceber que tanto os jovens estão em
busca do novo, quanto as religiões precisam responder às novas perguntas da atual geração. [...] O
desafio é escutar mais a novas inquietações e procurar responder a dúvidas, buscas e anseios que os
filhos apresentam.
Mas o diálogo e o respeito não podem esconder as fragilidades de certas experiências religiosas,
que tendem ao individualismo e à apatia em relação aos outros [...]. Há muitas propostas religiosas sem
transcendência e solidariedade. Visam atender às demandas individualistas e fecham as pessoas em si
mesmas.
O trânsito religioso entre a juventude, contudo, é sinalizador de que a atual forma de viver a
religião precisa vencer o verniz de práticas incapazes de estruturar a vida. Não basta a instrução para a fé,
é preciso uma iniciação em que ritos, símbolos e conhecimentos dão sentido à experiência religiosa.
[...]

FONTE:
In: Mundo Jovem. Porto Alegre: EDIPUCRS, ano 49, nº 420, set. 2011. p. 08.

4 – RITOS: intermediação necessária para que os laços se efetivem


“Dentro de mim soa uma melodia quando chega um amigo. E quando meu amigo se vai, fico pleno de sua música.”
ANTHONY DE MELLO

Os ritos religiosos são criados para garantir que a ligação e a organização – realizadas através
da instituição da religião no templum – se
mantenham e sejam sempre propícias
(favoráveis) aos fiéis (pessoas humanas). Ora,
os ritos têm a função de manter unidos o
mundo humano e o mundo divino.
O rito é uma cerimônia na qual gestos,
palavras, objetos, pessoas e sentimentos
determinados adquirem o poder misterioso de
tornar presente (presentificar) os laços entre os
humanos e a divindade. Os ritos servem para
agradecer dons e benefícios, suplicar novos
dons ou benefícios, lembrar a bondade das
divindades ou exorcizar (afastar) sua cólera.
As cerimônias ritualísticas são de grande variedade, e, uma vez fixados os símbolos que
constituirão o ritual, a sua eficácia dependerá fortemente da repetição minuciosa (cuidadosa) e
perfeita do rito, tal como foi praticado pela primeira vez.
Um rito religioso é repetido em dois sentidos fundamentais:
a) a cerimônia deve repetir um acontecimento essencial da história sagrada. No segmento
católico do cristianismo, por exemplo, a eucaristia e a comunhão buscam repetir a Santa Ceia;
b) os atos, gestos, palavras, objetos devem ser sempre os mesmos, porque foram, na primeira
vez, consagrados pela própria divindade.
O rito, portanto, é a rememoração perene do que aconteceu numa primeira vez e que volta a
acontecer, graças ao ritual que elimina a distância entre o ocorrido no passado e o acontecimento
presente.
“[...] é pelo rito, ou seja, pela repetição de histórias sagradas e pelo uso de
símbolos que o evento sagrado poderá tornar-se atual, permitindo aos seus
participantes estabelecer uma comunicação, um verdadeiro beijo, entre o tempo
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sagrado, extraordinário e infinito, e o tempo comum, finito, cotidiano e
profano.” (MOITEIRO: 2011, p.16)
Os seres e objetos simbólicos são retirados de seu
lugar costumeiro, assumindo um sentido novo para toda a
comunidade religiosa. Esses objetos ou seres podem tanto
simbolizarem algo que contribui para o bem ou mesmo
para o mal, por isso eles podem ser vistos como protetores,
benfeitores, perseguidores, malfeitores etc. Sobre tais
objetos recai a noção de tabu, algo que não pode ser
tocado nem manipulado por ninguém que não esteja
religiosamente autorizado para isso.
Assim, seres se tornam sagrados ou tabus, como a
vaca para os hindus ou mesmo o cordeiro perfeito na
Páscoa para os judeus. O pão e o vinho na eucaristia, as pedras usadas pelos chefes religiosos
africanos etc.

5 – VIDA APÓS A MORTE: desejo, sonho, realidade ou utopia?


“Tão bom morrer de amor e continuar vivendo.”
MÁRIO QUINTANA

Toda religião explica não só a origem da ordem do mundo


natural, mas também do mundo humano. No caso da pessoa humana,
a religião precisa explicar por que são mortais e o que podem ou não
esperar após a morte.
O mistério da morte é sempre explicado como consequência de
uma culpa original, cometida contra Deus ou contra os deuses.
No princípio, os homens eram imortais e viviam na companhia
dos deuses ou de Deus; a seguir, uma transgressão (pecado, infração)
imperdoável acontece e, com ela, uma grande punição: a
mortalidade. No entanto, a imortalidade não está totalmente perdida, pois Deus (ou os deuses)
concede aos mortais uma vida após a morte, desde que, na vida presente, respeitem a vontade e as
leis divinas.
Algumas religiões afirmam que o corpo
humano é composto de outra matéria (a alma
ou espírito) que permanecerá após a morte.
Por acreditarem firmemente numa outra vida –
que pode ser imediata, após a morte do corpo
ou pode exigir reencarnações purificadoras até
elevar-se à imortalidade – as religiões
possuem ritos funerários, encarregados de
preparar e garantir a entrada do morto na outra
vida. O ritual fúnebre (funerário) limpa,
purifica, enfeita (adorna) e perfuma o corpo
morto e o protege com a sepultura. Os
cemitérios, por conta disso, são vistos como
campos santos, locais onde se guarda os
corpos dos que creem e esperam uma nova vida.
Em algumas religiões, como na egípcia e na grega, a perfeita preservação do corpo morto, isto
é, de sua imagem, era essencial para que fosse reconhecido pelos deuses no reino dos mortos e
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recebesse a imortalidade.
Nas religiões do encantamento, como a grega, as
africanas e as indígenas, a morte é concebida de diversas
maneiras, mas em todas elas o morto fica encantado, isto é,
torna-se algo mágico. Numa delas, o morto deixa seu corpo
para entrar num outro e permanecer no mundo, sob formas
variadas; ou deixa seu corpo e seu espírito permanecer no
mundo, agitando os ventos, as águas, o fogo, ensinando canto
aos pássaros, protegendo as crianças, ensinando os mais
velhos, escondendo e achando coisas. Em outra, o morto tem
sua imagem ou seu espírito levado ao mundo divino, ali
desfrutando das delícias de uma vida perenemente perfeita e
bela; se, porém, suas faltas terrenas forem tantas e tais que não
pôde ser perdoado, sua imagem ou espírito vagará eternamente
pelas trevas, sem repouso e sem descanso.
Esse perambular pelas trevas não existe nas religiões de reencarnação (hinduísmo, por
exemplo), porque, em lugar dessa punição, o espírito deverá ter tantas vidas e sob tantas formas
quantas necessárias à sua purificação, até que possa participar da felicidade perene.
Nas religiões da salvação, como é o caso do judaísmo, do cristianismo e do islamismo, a
felicidade perene não é apenas individual, mas também coletiva. São religiões em que a divindade
promete perdoar a falta originária, enviando um salvador, que, sacrificando-se pelos humanos,
garante-lhes a imortalidade e a reconciliação com Deus.
Como a falta ou queda originária atingiu a todos os humanos, o perdão divino e a redenção
decorrem de uma decisão divina, que deverá atingir a todos os humanos, se acreditarem e
respeitarem a lei divina escrita nos textos sagrados e se guardarem a esperança na promessa de
salvação que lhes foi feita por Deus. Nesse tipo de religião, a obra de salvação é realizada por um
enviado de Deus – messias, em hebraico; cristo, em grego. As religiões da salvação são messiânicas
e coletivas: um povo – povo de Deus – será salvo pela lei e pelo enviado divino.

FONTE:
CHAUÍ, Marilena. Iniciação à Filosofia. São Paulo: Ática, 2010. vol. único. (Série Ensino Médio) p. 233-236.
MOITEIRO, Carlos Renato. Símbolos e ritos nas religiões. Mundo Jovem. Porto Alegre: EDIPUCRS, ano 49, nº 419,
ago. 2011.

ATIVIDADE 2

1) O que são ritos?


2) Qual a finalidade dos ritos nas religiões?
3) O que é um tabu? Cite exemplos de objetos ou coisas consideradas tabus atualmente.
4) Qual a diferença entre as religiões da revelação das leis e as religiões da iluminação mística?
5) Como as religiões prometem imortalidade ou vida após a morte aos seus fiéis?

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LENDO E REFLETINDO A REALIDADE

Compadre da Morte
João Monteiro
Diz que era uma vez um homem que tinha tantos filhos
que não achava mais quem fosse seu compadre. Nascendo
mais um filhinho, saiu para procurar quem o apadrinhasse e
depois de muito andar encontrou a Morte a quem convidou. A
Morte aceitou e foi a madrinha da criança. Quando acabou o
batizado voltaram para casa e a madrinha disse ao compadre:
- Compadre! Quero fazer um presente ao meu afilhado e
penso que é melhor enriquecer o pai. Você vai ser médico de
hoje em diante e nunca errará no que disser. Quando for
visitar um doente me verá sempre. Se eu estiver na cabeceira
do enfermo, receite até água pura que ele ficará bom. Se eu
estiver nos pés, não faça nada porque é um caso perdido.
O homem assim fez. Botou aviso que era médico e ficou
rico do dia para a noite porque não errava. Olhava o doente e ia logo dizendo: - Este escapa!
Ou então: - Tratem do caixão dele!
Quem ele tratava, ficava bom. O homem nadava em dinheiro.
Vai um dia adoeceu o filho do rei e este mandou buscar o médico, oferecendo uma riqueza pela vida do
príncipe. O homem foi e viu a Morte sentada nos pés da cama. Como não queria perder a fama, resolveu
enganar a comadre, e mandou que os criados virassem a cama, os pés passaram para a cabeceira e a
cabeceira para os pés. A Morte, muito contrariada, foi-se embora, resmungando.
O médico estava em casa um dia quando apareceu sua comadre e o convidou para visitá-la.
- Eu vou, disse o médico - se você jurar que voltarei!
- Prometo! - disse a Morte. E levou o homem num relâmpago até sua casa. Tratou muito bem e mostrou a
casa toda. O médico viu um salão cheio de velas acesas, de todos os tamanhos, uma já se apagando, outras
vivas, outras esmorecendo. Perguntou o que era:
- É a vida do homem. Cada homem tem uma vela acesa. Quando a vela acaba, o homem morre.
O médico foi perguntando pela vida dos amigos e conhecidos e vendo o estado das vidas. Até que lhe
palpitou perguntar pela sua. A Morte mostrou um cotoquinho no fim.
- Virgem Maria! Essa é que é a minha? Então eu estou, morre-não-morre!
A Morte disse:
- Está com horas de vida e por isso eu trouxe você aqui como amigo, mas você me fez jurar que voltaria e
eu vou levá-lo para você morrer em casa.
O médico quando deu acordo de si estava na sua cama rodeado pela
família. Chamou a comadre e pediu:
- Comadre, me faça o último favor. Deixe eu rezar um Padre-Nosso. Não
me leves antes. Jura?
- Juro, prometeu a Morte.
O homem começou a rezar: - Padre-Nosso que estás no céu... E calou-
se. Vai a Morte e diz:
- Vamos, compadre, reze o resto da oração!
- Nem pense nisso, comadre! Você jurou que me dava tempo de rezar o
Padre-Nosso, mas eu não expliquei quanto tempo vai durar minha reza.
Vai durar anos e anos...
A Morte foi-se embora, zangada pela sabedoria do compadre.
Anos e anos depois, o médico, velhinho e engelhado, ia passeando nas
suas grandes propriedades quando reparou que os animais tinham furado

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a cerca e estragado o jardim, cheio de flores. O homem, bem contrariado disse:
- Só queria morrer para não ver uma miséria destas!...
Não fechou a boca e a Morte bateu em cima, carregando-o.
A gente pode enganar a Morte duas vezes mas na terceira é enganado por ela.

FONTE:
CHAUÍ, Marilena. Iniciação à Filosofia. São Paulo: Ática, 2010. vol. único. (Série Ensino Médio) p. 233-236.
MOITEIRO, Carlos Renato. Símbolos e ritos nas religiões. Mundo Jovem. Porto Alegre: EDIPUCRS, ano 49, nº 419,
ago. 2011.

6 – O BEM E O MAL: dois lados de uma mesma moeda?


“Não use as palavras de Deus para justificar suas ideias. Veja antes se suas ideias
estão de acordo com as palavras de Deus.”
JOSÉ DIAS GOULART

As religiões ordenam a realidade segundo dois princípios fundamentais: o bem e o mal (ou a
luz e a treva, o puro e o impuro).
Sob esse aspecto, há três tipos de
religiões: as politeístas, em que há
inúmeros deuses, alguns bons, outros
maus, ou até mesmo cada deus
podendo ser ora bom, ora mau; as
dualistas, nas quais a dualidade do
bem e do mal está encarnada e
figurada em duas divindades
antagônicas que não cessam de
combater-se; e as monoteístas, em
que o mesmo deus é tanto bom quanto
mau, ou, como no caso do judaísmo,
do cristianismo e do islamismo, a
divindade é o bem e o mal provém de
entidades demoníacas, inferiores à divindade e em luta contra ela.
No caso do politeísmo e do dualismo, a divisão bem-mal não é
problemática, assim como não o é nas religiões monoteístas que
não exigem da divindade comportamentos sempre bons, uniformes
e homogêneos, pois a ação do deus é insondável e incompreensível.
O problema, porém, existe no monoteísmo judaico-cristão e
islâmico.
De fato, a divindade judaico-cristã e islâmica é definida
teologicamente como um ser positivo ou afirmativo: Deus é bom,
justo, misericordioso, clemente, criador único de todas as coisas,
onipotente e onisciente, mas, sobretudo, eterno e infinito. Deus é o
ser perfeito por excelência, é o próprio bem e este é eterno como
Ele. Se o bem é eterno e infinito, como surgiu sua negação, o mal?
Admitir um princípio eterno e infinito para o mal seria admitir dois deuses, incorrendo no
primeiro e mais grave dos pecados, pois tanto os Dez Mandamentos quanto o Credo (a crença do)
cristão afirmam haver um só e único Deus.
Além disso, Deus criou todas as coisas do nada; tudo o que existe é, portanto, obra de Deus. Se
o mal existe, seria obra de Deus? Porém, Deus sendo o próprio bem, poderia criar o mal? Como o

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perfeito criaria o imperfeito? Qual é, pois, a origem do mal? A resposta é: a criatura.
Deus criou inteligências imateriais perfeitas, os anjos. Dentre
eles, surgem alguns que aspiram a ter o mesmo poder e o mesmo
saber que a divindade, lutando contra ela. Menos poderosos e
menos sábios, são vencidos e expulsos da presença divina. Não
reconhecem, porém, a derrota. Formam um reino separado, de caos
e trevas, prosseguem na luta contra o Criador. Que vitória maior
teriam senão corromper a mais alta das criaturas após os anjos, isto
é, o homem? Valendo-se da liberdade dada ao homem, os anjos do
mal corrompem a criatura humana e, com esta, o mal entra no
mundo.
O mal é o pecado, isto é, a transgressão da lei divina, que recebeu como punição o surgimento
dos outros males: morte, doença, dor, fome, sede, frio, tristeza, ódio, ambição, luxúria, gula,
preguiça, avareza. Pelo mal, a criatura afasta-se de Deus, perde a presença divina e a bondade
original que possuía.
O mal, portanto, não é uma força positiva de mesma realidade que o bem, mas é pura ausência
do bem, pura privação do bem, negatividade, fraqueza. Assim como a treva não é algo positivo, mas
simples ausência da luz, assim também o mal é pura ausência do bem. Há um só Deus e o mal é
estar longe e privado dele, pois Ele é o bem e o único bem.

7 – O PECADO: violação da lei divina


“Condenar quem não aceita a fé em Jesus Cristo, é negar essa mesma fé, que proíbe condenar.”
JOSÉ DIAS GOULART

Existem religiões da interioridade e religiões da


exterioridade. As religiões da exterioridade são aquelas
em que os deuses possuem forma visível (humana,
animal, vegetal ou mineral) e se dirigem às ações externas
e visíveis do ser humano; as ordens e os mandamentos se
referem a comportamentos divinos e humanos externos e
visíveis e a relação dos homens com os deuses se
exprimem nos ritos e nas cerimônias.
Em algumas religiões da exterioridade o pecado é
uma ação externa visível, cometida voluntária ou
involuntariamente contra a divindade pela violação de um
tabu ou pela má realização de um rito. A falta traz como
consequência a impureza que contamina o faltoso e o
grupo, exigindo rituais de purificação ou sacrifícios
expiatórios (de libertação).
Nas religiões da exterioridade a divindade pode ou não perdoar (conceder uma graça),
independentemente dos rituais de purificação realizados.
As religiões da interioridade são aquelas em que a divindade é concebida como puro espírito,
invisível para os olhos de nosso corpo, e se dirigem ao coração, ao espírito, à alma do crente,
falando à sua consciência e julgando os atos humanos pelas intenções interiores de quem age.
Nas religiões da interioridade, como o judaísmo, o cristianismo e o islamismo, o pecado é uma
ofensa cometida contra Deus por meio de uma ação interna invisível (a intenção do agente) que tem
como causa uma vontade má (crime) ou um entendimento equivocado (erro). Essa ofensa é uma
transgressão que é experimentada na forma de culpa, que exige como reparação uma expiação

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(pagamento, resgate) individual.
Nas religiões da interioridade, o perdão exige uma
experiência interior precisa: o arrependimento e a prática de
ações que manifestem externamente a disposição ao
arrependimento da falta, seja por preces seja por sacrifícios
atribuídos a si.

8 – O CONFLITO ENTRE FÉ E RAZÃO: crer para ver ou ver para crer?


“O perdão é a escolha de ver a luz, e não a lâmpada.”
GERALD JAMPOLSKY

Os primeiros conflitos entre razão e fé surgiram já na


antiguidade, com os filósofos pré-socráticos, os quais afirmavam que
era contraditório, do ponto de vista da razão, a existência de uma
pluralidade de deuses, pois a essência da divindade é a plenitude
infinita, e, para tanto, só deve haver uma única potência divina. Os
pré-socráticos discordavam, também, do caráter antropomórfico das
divindades, caráter esse que atribuía a eles qualidades e propriedades
humanas num grau extremo. A razão humana sabe que os deuses
devem ser entes supra-humanos, ou seja, as qualidades dos seres
divinos não podem se confundir com as qualidades da natureza humana.
Os conflitos concentraram-se, pouco a pouco, na afirmação da diferença entre a crença numa
divindade sobrenatural que impõe leis aos homens e o conhecimento racional da essência de Deus.
Para a alma religiosa, há um Deus; já para a razão, é preciso provar a existência da divindade.
Para o religioso, Deus é um ser perfeito, bom e misericordioso, no entanto justo, punindo os maus e
recompensando os bons. Para a razão, Deus é uma substância infinita, mas é preciso provar que sua
essência é constituída por um intelecto onisciente e uma vontade onipotente.
A peculiaridade racional da cultura ocidental afetou a própria religião. Para competir com a
razão e suplantá-la, a religião precisou oferecer-se na
forma de provas racionais, teses, conceitos, teorias.
Tornou-se teologia, ciência sobre Deus. Transformou os
textos da história sagrada em doutrina, coisa que
nenhuma outra religião fez. Apesar de todas as
transformações que a religião passou, há coisas que
jamais serão comprovadas racionalmente, o que irá
gerar questionamento sempre.
A Filosofia e a ciência acusam a religião de
dogmatismo, atraso, superstição e intolerância,
enquanto a religião acusa a razão e a ciência de ateísmo
e heresia.
FONTE:
CHAUÍ, Marilena. Iniciação à Filosofia. São Paulo: Ática, 2010. vol. único. (Série Ensino Médio) p. 237-241.

ATIVIDADE 3

1) Que críticas a filosofia levantou acerca da religião?


2) Em sua opinião é possível haver convivência pacífica entre fé e razão? Quais os motivos de sua
opinião?

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INDICAÇÕES DE LEITURA COMPLEMENTAR

LIVROS:

ALVES, Rubem. O que é religião. São Paulo: Brasiliense, 2004. (Coleção Primeiros Passos)

FONTES. Carlos. A experiência religiosa e o mundo dos valores. Disponível em:


<http://afilosofia.no.sapo.pt/10valRelig.htm> Acesso em 21 ago 2011.

GAARDEN, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O livro das religiões. Editora Companhia das Letras
Disponível em: http://megaupload.com/?d=12TFMXVX

PATIAS, Jaime Carlos. O sagrado e o profano: do rito religioso ao espetáculo midiático. Disponível em:
<http://www.pluricom.com.br/forum/o-sagrado-e-o-profano-do-rito-religioso-ao> Acesso em 20 ago 2011.

PEREIRA. José Carlos. O poder simbólico da religião. In: A questão social no novo milênio. VIII CongressoLuso-
afro-brasileiro de Ciências Sociais. Coimbra, Set. 2004.

FILME:

SANTO FORTE – Eduardo Coutinho – 1999 – Brasil.

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