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A PRESCRIÇÃO DE JESUS
A ansiedade, temos visto, é um sintoma de profunda doença espiritual. A teoria,
no entanto, não nos torna capazes de curá-la. Jesus fala sobre a cura: “Eu vos digo,
não andeis ansiosos” (6.25).
Em si mesma, esta é uma cura inconcebível! Imagine receber a notícia de que
você se encontra gravemente doente. Como você reagiria, se o seu médico
dissesse “Não se preocupe”? Você provavelmente responderia: “Só se você me
disser que existe uma cura para a minha doença, daí sim conseguirei parar de me
preocupar”.
O diagnóstico é insuficiente, se não prover tratamento. Por isso a exortação de
Jesus “Não andeis ansiosos” é posta sob o contexto de um ensinamento específico,
que nos ajudará a eliminar a ansiedade que paralisa nossa vida. O ensino em
Mateus 6.25–34 é estabelecido para atuar como um antídoto contra a preocupação.
Em essência, Jesus está nos dizendo: “Sente-se. Há uma série de questões
sobre as quais você precisa pensar e ponderar”. A necessidade de pensar e
ponderar é o trecho de destaque, pois a cura do espírito doente — o processo que
a Escritura chama de “santificação” — se inicia na mente. A transformação de nosso
caráter começa com a transformação da nossa mente (Rm 12.2). É quando
pensamos com a mente já instruída por Cristo que começamos a viver para o reino
de Deus com saúde espiritual.
Mas onde encontraremos a instrução? Nosso presente estudo sobre o Sermão
do Monte nos dá a resposta. Deus transforma nossa vida pela renovação da mente
enquanto estudamos e nos submetemos ao ensino da Escritura! Nela, o Espírito de
Deus abre os nossos olhos para compreendermos as coisas espirituais. Agora,
recebemos uma perspectiva correta (a perspectiva de Deus) do mundo e de como
se deve agir estando nele. A Escritura tem o propósito extremamente prático para
o “ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de
que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra”
(2Tm 3.16–17).
Particularmente aqui, nesta porção da Escritura, uma série de diretrizes nos é
dada com a intenção de renovar-nos a mente, de modo que nossas vidas tornem-
1
William Hendriksen, Mateus, trans. Valter Graciano Martins, 2a edição em português., vol. 1,
Comentário do Novo Testamento (Cambuci; São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, 2010), 431–440.
se consistentes com o reino de Deus. Esse é o antídoto de Jesus contra a
ansiedade.
1. Olhe para a vida como um todo. Já notou o que acontece quando você fica
ansioso por algo? É um sentimento que passa a dominar seus pensamentos, você
vê tudo à luz da ansiedade. Parece (a seus olhos) que tudo depende de solucionar
a situação, e, de fato (para você), tudo em sua vida parece estar ligado ao problema.
Você entra em um ciclo vicioso. Quando ansioso pelo que comer, beber, ou
pelas roupas para vestir, você não demorará a sentir como que toda a sua vida e
felicidade dependem disso. Os servos que deveriam servir de suplemento agora
são mestres.
O cristão não é indiferente à comida, à bebida ou à vestimenta. São
necessidades legítimas para se viver neste mundo e em sociedade, mas que jamais
reinam sobre o cristão. Ele já aprendeu que não precisa comer nos restaurantes
mais modernos da cidade ou cozinhar os alimentos mais elegantes com o objetivo
de aproveitar a vida ao máximo. Ele tampouco precisa de roupas da última moda
para sentir-se “aceito” onde realmente importa. Jesus lhe ensinou que a vida “é mais
do que comida e o corpo é mais do que roupas”.
Abra uma revista sofisticada e leia as propagandas. O que grande parte delas lhe
diz? A vida é centrada em comida, bebida e roupas. Isso se confirma ao olharmos
para a maioria das revistas sofisticadas. Quase sem exceção, as propagandas
proclamam as virtudes da comida, da bebida e da vestimenta, de uma forma ou de
outra. Alguns anúncios chegam a anunciar a marca de comida para gatos que fará
seu felino ficar mais atraente!
O que aconteceu? As necessidades básicas da vida — os servos da vida, por
assim dizer — tornaram-se nossos senhores. Porém, Jesus diz, há mais na vida do
que a comida. A pessoa cujo ser é manifesto por meio de um corpo é muito mais
importante do que as roupas que veste.
Como, então, devemos pensar a respeito destas coisas? Jesus pede que
olhemos para a vida como um todo. Os pássaros e os lírios do campo demonstram
quão maravilhoso criador e provedor Deus é. E, se Ele lhes provê mantimento com
cuidado paterno e afetuoso, quanto mais não proverá àqueles que comprou pelo
preço infinito da morte de Seu filho (Rm 8.32)? Você não crê que o Senhor o suprirá
de tudo aquilo de que você necessita na vida?
Você ao menos já se valeu deste argumento? Deveria, e com frequência — mas
não com um espírito na verdade insatisfeito! Seu Pai conhece as suas
necessidades. Ele o ama. Ele suprirá todas as suas necessidades.
2. Olhe para a natureza da vida. “Qual de vós, por ansioso que esteja, pode
acrescentar um côvado ao curso da sua vida?”, Jesus pergunta (6.27). Ninguém
pode, obviamente. Mas o que Jesus deseja ressaltar? Que simplesmente “a
ansiedade nunca levou ninguém a lugar algum”? Qualquer um com um pouco de
bom senso poderia ter dito isso.
O argumento de Jesus, porém, é mais profundo. Ele esteve ensinando a respeito
da provisão do Pai sobre nossa vida. E, agora, dá ênfase à natureza da vida cristã:
“Sua vida está nas mãos daquele que é seu Pai. Ele a criou. Ele, desde o princípio,
conhece seu fim. Ele traça cada passo do caminho para cumprir o propósito que
tem para você e através de você. Você terá tudo do que precisa para cumpri-lo; e,
estando cumprido, você será levado para casa para estar com ele. Por que se
preocupar, quando Ele tem sua vida na palma das mãos? Sua ansiedade é um sinal
de que você não o conhece suficientemente, de que você não confia nele, ou de
que não se entregou a Ele como é devido”.
Somos presos à ansiedade quando insistimos em fugir das mãos do Pai e tomar
nosso nosso próprio rumo. O segredo para sermos libertos da ansiedade é a
liberdade de nós mesmos e o abandono de nossos próprios planos. Mas esse
espírito surge somente ao termos nossa mente repleta do conhecimento de que
podemos confiar, sem restrições, em nosso Pai, de que Ele nos proverá tudo aquilo
de que precisamos.
É por esta razão que a Bíblia tem tanto a dizer a respeito do reinado soberano
de Deus. Em meio a argumentos teológicos, geralmente perdemos de vista esse
fato. Mas todo o Sermão do Monte está ligado ao fato de que Deus governa este
mundo, que Seus planos são perfeitos e que Seus propósitos serão cumpridos.
Nossas petições para que a Sua vontade seja cumprida tanto na terra como nos
céus, e para que Seu reino venha, têm por objetivo reivindicar que Sua promessa
um dia seja cumprida. Elas manifestam nosso compromisso pessoal com toda e
qualquer que seja a vontade de Deus para a nossa vida. Somente aqueles que se
deleitam nessa espera podem dizer de si mesmos: “Nossa vida é imortal até que o
nosso trabalho por Deus esteja terminado”.
É Deus, nosso Pai, quem estabelece os limites da vida, é Ele quem prepara as
boas obras com antecedência, para que as cumpramos (Ef 2.10), quem promete
que, se vivemos de acordo com o Seu plano, nada nos faltará. Quando
compreendemos isso, então também compreendemos quão inútil é a ansiedade e
o propósito de confiarmos tudo a Ele.
3. Olhe para a generosidade do Senhor. Vimos anteriormente, ao estudar o ensino
de Jesus acerca da hipocrisia, que um elemento característico dos fariseus era a
desconfiança sinistra da graça do Pai. Como o filho mais velho na parábola do filho
pródigo, os fariseus pensavam que estavam se “escravizando para Deus”. Tratava-
se de um eco da primeira tentação, que ocorreu no Jardim do Éden, quando
Satanás insinuou que Deus havia sido mesquinho, de fato cínico, na maneira em
que Ele havia disposto Adão e Eva no jardim, havendo os proibido da diversão (Gn
3.1–5).
O diabo obteve sucesso em arrancar a alegria de Eva deixando-a desconfiada
da provisão generosa do Pai. Mas ela não estava sozinha no interesse e no duvidar
da graça do Pai. Os homens, por natureza, duvidam dela, pois Satanás tem obtido
êxito em persuadi-los de que a presença de Deus arruinará suas vidas para sempre.
Boa parte das ansiedades por que passamos — e nossa relutância em tomar o
remédio divino prescrito — florescem dessa suspeita básica. Mas Jesus as destrói
em Mateus 6.24–30. Nenhum cristão que sente o devido prazer pelo que Ele diz
deveria ser enganado novamente.
“Veja como o pai cuida dos pássaros”, diz Jesus. “Ele lhes fornece provisão.
Quanto a vocês, vocês são muito mais importantes do que os pardais”. Isso é,
tecnicamente, conhecido como um argumento a minore ad maius (“do menor para
o maior”). Se X é verdade, quanto mais verdadeiro é Y. Se o Pai se preocupa com
passarinhos, quanto mais se preocupará com o Seu povo, que foi criado para
demonstrar a Sua glória e oferecer-lhe louvores?
Jesus também diz “Observai o lírio dos campos. Eles não trabalham para
produzir beleza. Mas nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer
deles”. Não é esta a verdade? Observe as flores — a delicadeza das cores, as
magnificentes combinações de tonalidade e sombra. Nós elogiamos designers que
conseguem aproximar a beleza e a originalidade da natureza em suas “criações”.
“Ora”, diz Jesus, “se Deus tem cuidado tão generosamente dessas criaturas de uma
estação, ‘que hoje existem e amanhã são lançadas no forno’ [6.30], quanto mais Ele
suprirá suas necessidades!”
A lógica é irrefutável. Deixe-a dominar a sua mente e você estará livre de buscar
o que pagãos infiéis buscam (6.32). Note a linguagem de Jesus aqui. Ele diz que os
pagãos “correm atrás de todas essas coisas”. Eles não conhecem nada além digno
de ser alcançado. Mas o cristão “busca” ao Senhor (Sl 42.1)! Quão estúpido é
buscar a dádiva, quando é possível buscar o Doador.
4. Busque primeiro o reino de Deus. A ansiedade nunca pode ser curada, enquanto
obtemos mais do que já temos. Muitas pessoas cometem esse erro fatal. A
ansiedade só pode ser curada pela certeza de que todas as nossas necessidades
serão supridas pelo nosso Rei. Por essa razão, a maior motivação em nossa vida
deveria ser viver sob a autoridade do Rei e ver Seu reino propagado de todas as
formas possíveis — moral, social e geograficamente, bem como pessoal, interna e
espiritualmente. Quando nosso coração está posto na reta justiça que permeia
nossa vida, temos as prioridades ajustadas na ordem correta, e, por conseguinte,
descobrimos duas coisas:
Em primeiro lugar, entendemos que Deus nos dará tudo do que precisamos. Ele
nunca falhou para com um de Seus filhos.
Em segundo lugar, muitas das coisas que pensávamos precisar, descobrimos
agora que não precisamos e que não as queremos. Por fim, no lugar da ansiedade,
encontramos contentamento.
Vivemos em dias de grande ansiedade e incerteza. Os próprios fundamentos da
vida, às vezes, parecem estar à beira do colapso. Não é de se admirar que estamos
ansiosos. Mas por que deveríamos estar, quando Deus, que governa todas as
coisas, tornou-se nosso Pai? Não é racional ou justificável estar ansioso quando Ele
prometeu suprir todas as nossas necessidades.
Se, diante do ensino de Jesus, permanecemos ansiosos, é porque não o
compreendemos ou porque nele ainda não confiamos. Em ambos os casos, a culpa
é nossa, não dele. Pois ele não só diagnostica a causa da ansiedade: Ele também
provê a cura. Ele é a cura.
Você ainda está em processo de cura?2
2
Sinclair Ferguson, O Sermão do Monte, trans. Elmer Pires, 1a edição. (São Paulo: Editora Trinitas,
2019), 202–209.
COMENTÁRIO DO R. C. SPROUL
NÃO ANDEIS ANSIOSOS
Mateus 6.25–34
Por isso, vos digo: não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que
haveis de comer ou beber; nem pelo vosso corpo, quanto ao que haveis de
vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo, mais do que as vestes?
Observai as aves do céu: não semeiam, não colhem, nem ajuntam em
celeiros; contudo, vosso Pai celeste as sustenta. Porventura, não valeis vós
muito mais do que as aves? Qual de vós, por ansioso que esteja, pode
acrescentar um côvado ao curso da sua vida? E por que andais ansiosos
quanto ao vestuário? Considerai como crescem os lírios do campo: eles não
trabalham, nem fiam. Eu, contudo, vos afirmo que nem Salomão, em toda a
sua glória, se vestiu como qualquer deles. Ora, se Deus veste assim a erva
do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós
outros, homens de pequena fé? Portanto, não vos inquieteis, dizendo: Que
comeremos? Que beberemos? Ou: Com que nos vestiremos? Porque os
gentios é que procuram todas estas coisas; pois vosso Pai celeste sabe que
necessitais de todas elas; buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua
justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas. Portanto, não vos
inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã trará os seus cuidados; basta
ao dia o seu próprio mal.
Quando eu era jovem, vi meu pai morrer aos poucos. Ele teve quatro derrames
graves, o que o deixou completamente incapacitado e fez com que passasse os
últimos três anos de vida sentado em uma cadeira, inapto a trabalhar ou produzir
qualquer renda. Ainda posso ouvi-lo dizer, com a voz grossa por causa da paralisia
que os derrames lhe causaram: “Não se preocupe com o amanhã, com o que comer,
com o que beber ou com o que vestir.” Ele viveu e morreu segundo essas palavras,
mas eu as odiava com todas as minhas forças. Até hoje, como cristão, tenho
problemas com esse texto, pois é como se Jesus falasse comigo diretamente: “Se
você acredita mesmo na providência divina como diz acreditar, por que é tão
ansioso?”
A futilidade da preocupação
É óbvio que aqui Jesus está ensinando a doutrina da providência ao seu povo.
Quando falamos teologicamente sobre a providência de Deus, falamos sobre os
meios pelos quais ele governa o universo inteiro; os meios pelo quais, em sua
soberania, ele não permite que molécula alguma vagueie fora de sua autoridade
soberana. A palavra providência vem da raiz pronoeō, que originalmente significava
“ver antes” ou “ver de antemão”. No entanto, providência refere-se a algo muito além
do conhecimento que Deus tem do futuro. Essa palavra refere-se à provisão divina
para o futuro, ao plano perfeito de Deus que não falha e que inclui cada um de nós
e tudo o que nos diz respeito, até mesmo os fios de cabelo em nossa cabeça. “Este
é o mundo de nosso Pai”, diz o hino, e não há ninguém que eu preferisse ver
governando este mundo do que o próprio Deus onipotente, que faz bem todas as
coisas.
Jesus estava ciente disso, e de forma muito mais profunda do que nós. Ele
entendia as implicações práticas da soberania de Deus e da providência divina. Ele
nos advertiu contra servir a dois senhores e amontoar tesouros na terra, e, em vez
disso, instruiu-nos a buscar os céus e o reino de Deus. Por este motivo, começou
esta parte apresentando uma conclusão: “Por isso, vos digo: não andeis
ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer ou beber; nem pelo
vosso corpo, quanto ao que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o
alimento, e o corpo, mais do que as vestes?” (v. 25).
Uma das coisas que Jesus ressalta nesta admoestação contra a ansiedade é a
inutilidade de tal sentimento. Toda a preocupação do mundo não seria capaz de
mudar absolutamente nada. Tudo o que conseguimos fazer quando nos
preocupamos é ficar angustiados, e as únicas mudanças acarretadas pela
preocupação são alterações negativas em nossa saúde. Jesus disse que é tolice se
preocupar, pois este é um comportamento inútil.
Ele prossegue dizendo que a ansiedade é questão de falta de fé e caracteriza-
se como uma atitude não apenas inútil, como também, em certo sentido, insensata.
A despeito de suas palavras, nós ainda ficamos preocupados. Às vezes, parece que
simplesmente não podemos evitar. A preocupação, entretanto, é um dos nossos
maiores incentivos à oração, pois a oração é o maior antídoto contra a ansiedade.
Quando me preocupo, sou imediatamente levado a ficar de joelhos, embora isto me
lembre das palavras de Vesta: “Não deveríamos ficar de joelhos antes de nos
preocupar, em vez de deixarmos a preocupação ser o gatilho para orarmos com
mais fervor?”
Providência de Deus
Jesus destaca mais uma vez a inutilidade e a tolice da ansiedade: “Qual de vós,
por ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado ao curso da sua vida?”
(v. 27). A principal inferência deste texto provavelmente não está relacionada à
altura, mas à duração da vida. Nós nos preocupamos mais com a morte do que com
qualquer outra realidade que enfrentamos. Todas as nossas reações de medo estão
intrinsecamente ligadas ao medo da morte. Jesus está dizendo que a nossa vida
está nas mãos do Pai, e, por isso, a ansiedade não tem poder para estendê-la.
Nossos dias foram designados por Deus. Ele designou o dia de nosso nascimento,
e, da mesma maneira, o dia de nossa partida deste mundo. O problema é que ele
não nos forneceu essa informação; não sabemos o dia da nossa morte e, por isso,
ficamos preocupados, muito embora tal preocupação não mude absolutamente
nada.
“E por que andais ansiosos quanto ao vestuário? Considerai como
crescem os lírios do campo: eles não trabalham, nem fiam. Eu, contudo, vos
afirmo que nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer
deles” (v. 28–29). Por mais magnífico que fosse o vestuário do rei, ele não era, nem
de perto, tão lindo quanto as cores em tons sutis das flores silvestres que brotam
pelo caminho. Jesus não achava que a flores do campo evoluíam; ele acreditava
que as roupas dignas de realeza usadas por elas eram resultado direto da
providência divina mencionada. É o nosso Pai quem adorna as flores com a beleza
que exibem.
Jesus, então, chega à sua conclusão: “Ora, se Deus veste assim a erva do
campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós
outros, homens de pequena fé?” (v. 30). Ele destaca o “quanto mais” de Deus e
conclui: “Portanto, não vos inquieteis” (v. 31). Em outras palavras, se Jesus diz
que não há necessidade de ficarmos preocupados, então não precisamos nos
preocupar. Este é o ponto final da questão.
“Porque os gentios é que procuram todas estas coisas; pois vosso Pai
celeste sabe que necessitais de todas elas” (v. 32). Nosso Pai sabe daquilo que
precisamos antes mesmo de pedirmos. Isso não significa, evidentemente, que não
devemos pedir. Na verdade, ele não apenas nos encoraja a pedir; ele ordena que o
façamos. Nós não o informamos de nossas necessidades, pois ele já as conhece.
Somos chamados a ir até sua presença para que descansemos o coração, sabendo
que falamos com o Pai sobre nossas preocupações. Trocando em miúdos, Deus
diz: “Eu sei do que você precisa, mas venha aqui e me diga o que é.” É para o nosso
benefício, não o dele.
O que ocupa o primeiro lugar em sua vida: o reino dos céus ou as coisas
materiais? (6.25–34)
Você é uma pessoa ansiosa? Você é daquele tipo de gente que vive roendo as
unhas, antecipando os problemas? Os problemas ainda estão longe e você pensa
que eles estão batendo à sua porta? Você sofre pensando no que vai comer, com o
que vai se vestir? Onde vai morar, onde vai trabalhar, onde seu filho vai estudar?
3
R. C. Sproul, Estudos Bíblicos Expositivos em Mateus, trans. Giuliana Niedhardt Santos, 1a edição.
(São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2017), 154–159.
A ansiedade é o mal deste século. Atinge homens e mulheres, jovens e velhos,
doutores e analfabetos, religiosos e ateus. As pessoas andam com os nervos à flor
da pele. São como um vulcão prestes e entrar em erupção. São como um barril de
pólvora pronto a explodir.
O que é ansiedade
Jesus fala sobre cinco evidências da ansiedade, como vemos a seguir.
Em primeiro lugar, a ansiedade é destrutiva (6.25). A palavra ansiedade (6.25)
significa “rasgar”, enquanto a palavra inquietação (6.31) significa “constante
suspense”. Essas duas palavras eram usadas para descrever um navio surrado
pelos ventos fortes e pelas ondas encapeladas de um mar tempestuoso. A palavra
“ansiedade” vem de um antigo termo anglo-saxônico que significa “estrangular”. Ela
puxa em direção oposta. Gera uma esquizofrenia existencial. Warren Wiersbe,
citando Corrie ten Boom, diz que a ansiedade não esvazia o amanhã do seu
sofrimento; ela esvazia o hoje do seu poder. Ansiedade é ser crucificado entre dois
ladrões: o ladrão do remorso em relação ao passado e o ladrão da preocupação em
relação ao futuro.
Em segundo lugar, a ansiedade é enganadora (6.25,26). A ansiedade tem o
poder de criar um problema que não existe. Muitas vezes sofremos não por um
problema real, mas por um problema fictício, gerado pela nossa própria mente
perturbada. Os discípulos olharam para Jesus andando sobre as águas vindo para
socorrê-los e, cheios de medo, pensaram que era um fantasma. É sabido que as
pessoas se preocupam mais com males imaginários do que com males reais.
Estatisticamente falando, 70% dos problemas que nos deixam ansiosos nunca vão
acontecer. Sofremos desnecessariamente.
A ansiedade tem o poder de aumentar os problemas e diminuir nossa
capacidade de resolvê-los. Uma pessoa ansiosa olha para uma casa de cupim e
pensa que está diante de uma montanha intransponível. As pessoas ansiosas são
como os espias de Israel, só enxergam gigantes de dificuldades à sua frente e veem
a si mesmos como gafanhotos. Davi agiu de forma diferente dos soldados de Saul.
Enquanto todos viam a ameaça do gigante Golias, Davi olhou para a vitória sobre o
gigante. Geazi olhou os inimigos de Israel e ficou com medo, ao passo que Eliseu
olhou com outros olhos e viu os valentes de Deus cercando sua cidade.
A ansiedade tem o poder de desviar os nossos olhos de Deus e fixá-los nas
circunstâncias. A ansiedade é um ato de incredulidade, de falta de confiança em
Deus. Onde começa a ansiedade, aí termina a fé.
A ansiedade tem o poder de desviar os nossos olhos da eternidade e fixá-los
apenas nas coisas temporais. Uma pessoa ansiosa restringe a vida ao corpo e às
necessidades físicas. Jesus disse que aqueles que fazem provisão apenas para o
corpo, e não para a alma, são loucos. John Rockefeller disse que o homem mais
pobre é aquele que só tem dinheiro.
Em terceiro lugar, a ansiedade é inútil (6.27). Côvado aqui não se refere a
estatura (45 centímetros), mas prolongar a vida, dilatar a existência. A preocupação,
segundo Jesus, em vez de alongar a vida, pode muito bem encurtá-la. A ansiedade
nos mata pouco a pouco. Rouba nossas forças, mata nossos sonhos, mina nossa
saúde, enfraquece nossa fé, tira nossa confiança em Deus e nos empurra para uma
vida menos do que cristã. Os hospitais estão cheios de pessoas vítimas da
ansiedade. A ansiedade mata! Como já afirmamos, o sentido da palavra “ansiedade”
é estrangular, é puxar em direções opostas. Quando estamos ansiosos, teimamos
em tomar as rédeas da nossa vida e tirá-las das mãos de Deus.
A ansiedade nos leva a perder a alegria do hoje por causa do medo do amanhã.
As pessoas se preocupam com exames, emprego, casas, saúde, namoro,
empreendimentos, dinheiro, casamento, investimentos. A ansiedade é incompatível
com o bom senso. É uma perda de tempo. Precisamos viver um dia de cada vez.
Devemos planejar o futuro, mas não viver ansiosos por causa dele.
Preocupar-nos com o amanhã não nos ajuda nem amanhã nem hoje. Se alguma
coisa nos rouba as forças hoje, isso significa que vamos estar mais fracos amanhã.
Significa que vamos sofrer desnecessariamente se o problema não chegar a
acontecer e que vamos sofrer duplamente se ele vier a acontecer.
Em quarto lugar, a ansiedade é cega (6.25b,26). A ansiedade é uma falsa visão
da vida, de si mesmo e de Deus. A ansiedade nos leva a crer que a vida é feita só
daquilo que comemos, bebemos e vestimos. Ficamos tão preocupados com os
meios que nos esquecemos do fim da vida, que é glorificar a Deus. A ansiedade não
nos deixa ver a obra da providência de Deus na criação. Deus alimenta as aves do
céu. As aves do céu não semeiam, não colhem, não têm despensa (provisão para
uma semana) nem celeiro (provisão para um ano).
Vejamos a seguir alguns dos argumentos de Jesus contra a ansiedade.
Primeiro, do maior para o menor. Se Deus nos deu um corpo com vida e, se o
nosso corpo é mais do que o alimento e as vestes, ele nos dará alimentos e vestes
(6.25). Deus é o responsável pela nossa vida e pelo nosso corpo. Se Deus cuida do
maior (nosso corpo), não podemos confiar nele para cuidar do menor (nosso
alimento e nossas vestes?).
Segundo, do menor para o maior. As aves e as flores são apresentados como
exemplo (6.26,28). Martinho Lutero disse que Jesus está fazendo das aves nossos
professores e mestres. O mais frágil pardal se transforma em teólogo e pregador
para o mais sábio dos homens, dizendo: “Eu prefiro estar na cozinha do Senhor. Ele
fez todas as coisas. Ele sabe das minhas necessidades e me sustenta”. Os lírios se
vestem com maior glória que Salomão. Valemos mais que as aves e os lírios. Se
Deus alimenta as aves e veste os lírios do campo, não cuidará de seus filhos? O
problema não é o pequeno poder de Deus; o problema é a nossa pequena fé (6.30).
Em quinto lugar, a ansiedade é incrédula (6.31,32). A ansiedade nos torna menos
do que cristãos. Ela é incompatível com a fé cristã e nos assemelha aos pagãos. A
ansiedade não é cristã. É gerada no ventre da incredulidade; é pecado. Quando
ficamos ansiosos com respeito ao que comer, ao que vestir e coisas semelhantes,
passamos a viver num nível inferior ao dos animais e das plantas. Toda a natureza
depende de Deus, e ele jamais falha. Somente os homens, quando julgam depender
do dinheiro, se preocupam, e o dinheiro sempre falha.
Como podemos encorajar as pessoas a colocarem a sua confiança em Deus
com respeito ao céu, se não confiamos em Deus nem em relação às coisas da
terra? Um crente ansioso é uma contradição. A ansiedade é o oposto da fé. É uma
incoerência pregar a fé e viver a ansiedade. Peter Marshall diz que as úlceras não
deveriam se tornar o emblema da nossa fé. Mas, geralmente, elas se tornam!
A ansiedade nos leva a perder o testemunho cristão. Jesus está dizendo que a
ansiedade é característica dos gentios e dos pagãos, daqueles que não conhecem
Deus. Mas um filho de Deus tem convicção do amor e do cuidado de Deus (Rm
8.31,32).
COMENTARIO DO FRITZ
b. A preocupação
25–34 Por isso, vos digo: Não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que
haveis de comer ou beber; nem pelo vosso corpo, quanto ao que haveis
de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo, mais do que
as vestes? Observai as aves do céu: Não semeiam, não colhem, nem
ajuntam em celeiros; contudo, vosso Pai celeste as sustenta.
Porventura, não valeis vós muito mais do que as aves? Qual de vós, por
ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado ao curso da sua vida?
E por que andais ansiosos quanto ao vestuário? Considerai como
crescem os lírios do campo: Eles não trabalham, nem fiam. Eu, contudo,
vos afirmo que nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como
qualquer deles. Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje
existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós outros, homens
de pequena fé? Portanto, não vos inquieteis, dizendo: Que comeremos?
Que beberemos? Ou: Com que nos vestiremos? Porque os gentios é
que procuram todas estas coisas; pois vosso Pai celeste sabe que
necessitais de todas elas. Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino
(dos céus) e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão
acrescentadas.
Portanto, não vos inquieteis com o dia de amanhã, pois o amanhã
trará os seus cuidados. Basta ao dia o seu próprio mal.
Essa é a palavra para os pobres. O que o Senhor quer dizer com
“preocupar-se”? Será que não se preocupem significa “não trabalhem”,
“fiquem de braços cruzados”? Não, porque sempre de novo a Bíblia fala do
trabalho e da bênção do trabalho: “Quem não quiser trabalhar também não
coma” (2 Ts 3:10), e: “Preguiçoso, aprenda uma lição com as formigas” (Pv
6:6). Fundamentalmente, pois, preocupar-se e trabalhar são coisas
diferentes.
Com a palavra “preocupar-se” o Senhor refere-se, não ao “prover”, mas
ao angustiar-se medroso, cismado e atormentado. A essas preocupações
falsas, angustiantes, insistentes, arrasadoras de coração e nervos, o Senhor
contrapõe três argumentos:
• Ele aponta para a revelação de Deus em nossa própria vida;
A indicação para nós mesmos: Não é a vida mais do que o alimento, e
o corpo, mais do que as vestes? Ambos, a vida e o corpo, nós os
recebemos sem contribuirmos para isso. Deus os deu a nós. Deus os
5
William MacDonald, Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento, 2a edição. (São Paulo: Mundo
Cristão, 2011), 30–31.
conserva em sua mão. Aquele que dá o maior, o corpo e a vida, não seria
capaz de cuidar também do menor?
Perante Deus nenhuma angústia é tão grande que ele não a pudesse
resolver, e nenhuma necessidade tão pequena que ele não a pudesse ver.
Diante de Deus (falando em figuras), a maior montanha da terra e a maior
profundeza da terra são iguais a um pequeno cupinzeiro. Deus situa-se
acima de todas as medidas de espaço e de tempo deste mundo. Diante dele
não existem coisas grandes e coisas pequenas. Nenhum pardal cai do
telhado sem a sua vontade. Ele cuida com máxima atenção de cada instante
de nossa vida. O Pai dos céus, que governa o mundo das estrelas e os
sistemas solares do universo, tem sob seu controle também o mínimo
acontecimento que se aproxima de mim na próxima hora. Nada (esse “nada”
tem sentido total) pode acontecer comigo, a não ser o que ele previu e o que
será benéfico para mim (cf. Is 40:26–31). É blasfêmia contra Deus se nos
preocupamos e nos angustiamos temerosamente. É paganismo (cf. v. 32). É
“inútil”, porque com todas as preocupações não se muda nem melhora nada
(v. 27). Pelo contrário: através da tristeza somente aumentamos nossa cruz
e sofrimento.
• Ele aponta para a revelação de Deus na criação;
A indicação para a criação é a seguinte: Observai as aves do céu: Não
semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros; contudo, vosso Pai
celeste as sustenta. […] Considerai como crescem os lírios do campo:
Eles não trabalham, nem fiam (não realizam “nem trabalho masculino nem
feminino”). Eu, contudo, vos afirmo que nem Salomão, em toda a sua
glória, se vestiu como qualquer deles.
Está aí a palavra: “Não se afadigam, i. é, não trabalham, não semeiam…”
Não deveríamos deduzir daí: Não trabalhamos, não semeamos, cruzamos
os braços e deixamos que o Pai do céu nos alimente? Assim como os
pássaros não semeiam, assim também nós não temos necessidade de
semear e colher?
Que tolice! Olhemos bem claramente para a figura dos pássaros. O
passarinho não consegue semear, mas não obstante precisa fazer uso dos
dons que Deus depositou nele para providenciar seu alimento. Não pode ficar
sentado preguiçosamente no ninho, até que Deus lhe jogue a comida no bico.
O sustento não chega voando. É ele que precisa voar até o alimento e
procurar dedicadamente aquilo de que necessita.
E os lírios, eles não podem voar como os pássaros nem trabalhar para
procurar comida, mas apesar disso precisam sugar as gotas de chuva e
orvalho que caem sobre suas pétalas e abrir-se aos raios do sol. Se não o
fizessem, morreriam.
Pássaros e lírios, portanto, não precisam se inquietar para além do que
estabelece sua natureza de pássaros e lírios. Mesmo que não semeiem, não
colham nem se afadiguem, Deus lhes dá o de que precisam. Deve, agora, o
filho de Deus ansiar-se em vista de sua natureza de filho de Deus? Não, mas
deve trabalhar, isso sim. Verdadeiros filhos e filhas de Deus são por isso
sempre as pessoas mais dispostas e diligentes no trabalho.
Contudo, se, apesar de todo o esforço, falta o mais necessário? O que
fazem os pássaros na tempestade? Abrigam-se o melhor que podem e
aguardam. É o que faz também o filho de Deus! Quando a tempestade ruge,
ele se abriga na proteção de Jesus – e espera. Bonhoeffer disse: “Creio que,
em cada necessidade, Deus nos quer dar tanta força de resistir como
precisamos. Mas ele não a dá antecipadamente, para que não nos fiemos
em nós próprios, mas unicamente nele. Nessa fé deveria estar superando
todo o medo do futuro.”
• Ele aponta para a revelação de Deus no seu reino.
Chegamos à terceira revelação. O Senhor diz: Ora, se Deus veste assim
a erva do campo (da qual fazem parte os lírios), que hoje existe e amanhã
é lançada no forno, quanto mais o fará a vós? Com essas palavras o
Senhor pára bem diante de nós, olha fundo nos olhos de cada um e, por meio
dessa terceira indicação, nos eleva a uma altura que deixa bem atrás tudo o
que é terreno e todas as preocupações: Vocês foram comprados por preço
alto e são destinados ao céu, não ao forno. Vocês são destinados à
eternidade. Não destinados ao suicídio, como diziam os estóicos quando as
cargas da vida haviam se tornado muito pesadas.
Existe apenas uma única preocupação justificada, que é a preocupação
pelo céu. Dela o Senhor fala no final.
Ela é: Buscai, em primeiro lugar, o reino (dos céus) e a sua justiça, e
todas estas coisas vos serão acrescentadas. “Reinado dos céus” é o
domínio de Deus, é a presença de Deus. Esse reino já quer agora,
invisivelmente, obter espaço. Tudo o que existe é apenas um pequeno início,
um indício sugestivo para o grande e visível estado de consumação, quando
Deus será tudo em todos, quando o reino perfeito de Deus abrangerá a terra
numa grandeza visível. Para esse reino futuro deve estar direcionada toda a
busca.
Buscar significa deixar-se preencher já agora com toda a riqueza desse
maravilhoso reino futuro de Deus.6
6
Fritz Rienecker, Comentário Esperança, Evangelho de Mateus (Curitiba: Editora Evangélica
Esperança, 1998), 112–114.