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Prática de

Ensino:
Etnomatemática
e História da
Matemática
PROFESSORES
Dra. Clélia Maria Ignatius Nogueira
Dr. Wellington Piveta Oliveira

ACESSE AQUI O SEU


LIVRO NA VERSÃO
DIGITAL!
EXPEDIENTE
DIREÇÃO UNICESUMAR
Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de
Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino
de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi

NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff, James Prestes, Tiago Stachon Diretoria de Graduação e Pós-graduação
Kátia Coelho Diretoria de Cursos Híbridos Fabricio Ricardo Lazilha Diretoria de Permanência Leonardo Spaine
Diretoria de Design Educacional Paula Renata dos Santos Ferreira Head de Graduação Marcia de Souza Head de
Metodologias Ativas Thuinie Medeiros Vilela Daros Head de Tecnologia e Planejamento Educacional Tania C.
Yoshie Fukushima Gerência de Planejamento e Design Educacional Jislaine Cristina da Silva Gerência de
Tecnologia Educacional Marcio Alexandre Wecker Gerência de Produção Digital Diogo Ribeiro Garcia Gerência de
Projetos Especiais Edison Rodrigo Valim Supervisora de Produção Digital Daniele Correia

FICHA CATALOGRÁFICA

Coordenador(a) de Conteúdo C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ.


Antoneli da Silva Ramos Núcleo de Educação a Distância. NOGUEIRA, Clélia Maria Ig-
natius; OLIVEIRA, Wellington Piveta.
Projeto Gráfico e Capa
André Morais, Arthur Cantareli e Prática de Ensino: Etnomatemática e História da
Matemática.
Matheus Silva Clélia Maria Ignatius Nogueira e Wellington Piveta Oliveira.
Editoração
Juliana Duenha
Maringá - PR.: UniCesumar, 2021.
Design Educacional
220 p.
Barbara Neves
“Graduação - EaD”.
Revisão Textual
1. Etnomatemática 2.Matemática 3. Ensino. 4. EaD. I. Título.
Cintia Prezoto
Ilustração
Impresso por: CDD - 22 ed. 510
André Azevedo
Fotos CIP - NBR 12899 - AACR/2

Shutterstock ISBN 978-65-5615-586-9

Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679

NEAD - Núcleo de Educação a Distância


Av. Guedner, 1610, Bloco 4 Jd. Aclimação - Cep 87050-900 | Maringá - Paraná
www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360
A UniCesumar celebra os seus 30 anos de história
avançando a cada dia. Agora, enquanto Universidade,
ampliamos a nossa autonomia e trabalhamos diaria-
mente para que nossa educação à distância continue
Tudo isso para honrarmos a
como uma das melhores do Brasil. Atuamos sobre
nossa missão, que é promover
quatro pilares que consolidam a visão abrangente
a educação de qualidade nas
do que é o conhecimento para nós: o intelectual, o diferentes áreas do conhecimento,
profissional, o emocional e o espiritual. formando profissionais
A nossa missão é a de “Promover a educação de cidadãos que contribuam para
qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, for- o desenvolvimento de uma
mando profissionais cidadãos que contribuam para o sociedade justa e solidária.
desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária”.
Neste sentido, a UniCesumar tem um gênio impor-
tante para o cumprimento integral desta missão: o
coletivo. São os nossos professores e equipe que
produzem a cada dia uma inovação, uma transforma-
ção na forma de pensar e de aprender. É assim que
fazemos juntos um novo conhecimento diariamente.

São mais de 800 títulos de livros didáticos como este


produzidos anualmente, com a distribuição de mais
de 2 milhões de exemplares gratuitamente para nos-
sos acadêmicos. Estamos presentes em mais de 700
polos EAD e cinco campi: Maringá, Curitiba, Londrina,
Ponta Grossa e Corumbá), o que nos posiciona entre
os 10 maiores grupos educacionais do país.

Aprendemos e escrevemos juntos esta belíssima


história da jornada do conhecimento. Mário Quin-
tana diz que “Livros não mudam o mundo, quem
muda o mundo são as pessoas. Os livros só
mudam as pessoas”. Seja bem-vindo à oportu-
nidade de fazer a sua mudança!

Reitor
Wilson de Matos Silva
Dra. Clélia Maria Ignatius Nogueira

Possui graduação em Licenciatura Em Matemática pela


Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Tupã (1973),
mestrado em Matemática pela Universidade de São Paulo
(1979) e doutorado em Educação pela Universidade Esta-
dual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2002). Atualmente
é professora convidada do programa de Pós-Graduação
em Educação para a Ciência e a Matemática da Universi-
dade Estadual de Maringá e docente no Centro de Estudos
Superiores de Maringá - CESUMAR. Atua na área de Edu-
cação, com pesquisas nas áreas de Educação Matemáti-
ca; Educação de Surdos e em Epistemologia Genética. É
autora de livros didáticos de Educação Matemática e de
Libras para cursos de Pedagogia e de Educação Especial
na modalidade a distância. Autora de livros sobre ensino
de matemática segundo a perspectiva da epistemologia
genética e sobre ensino de matemática para surdos. É
revisora dos seguintes periódicos; Zetétikè (Unicamp);
Acta Scienciarum (UEM); RBEP (INEP); EMR: Educação
Matemática em revista (SBEM); Ensaio: pesquisa em edu-
cação em ciências (UFMG); Psicologia em Estudo (UEM);
Schème (UNESP); Práxis (UEPG); Em Teia(UFPE) e RPEM
(Unespar). Participa dos seguintes grupos de pesquisa
GIEPEM: Grupo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisa em
Educação Matemática (UEM), GEPEGE: Grupo de Estudos e
Pesquisas em Epistemologia Genética e Educação (UNESP
/ Marília) e GEPSEM: Grupo de Estudos e Pesquisas em
Surdez e Ensino de Matemática (UNESPAR). Membra do
GPEMCAM: Grupo de Pesquisas em Educação Matemática
de Campo Mourão (UNESPAR); Vice coordenadora do GT1:
Educação Matemática na Educação Infantil e Anos Iniciais
do Ensino Fundamental e membro fundadora do GT13:
Diferença, Inclusão e Educação Matemática da SBEM (So-
ciedade Brasileira de Educação Matemática).
Dr. Wellington Piveta Oliveira

Olá, caro(a) estudante!


Sou o Prof. Wellington e, como docente, estou sempre
envolvido com livros, artigos, pesquisas e aulas, pois, em
grande parte do meu dia (e noite!), estou envolvido com o
trabalho e com a pesquisa. Além do meu trabalho na Uni-
Cesumar, participo de um grupo de estudos e pesquisas
na Universidade Estadual de Maringá (UEM), onde com-
partilho e também aprendo sobre práticas e pesquisas.
Confesso para você que tenho uma imensa paixão pela
pesquisa, pois, no trabalho de orientação, é possível mos-
trar como o conhecimento é libertador por nos conduzir a
pensar, analisar e refletir. Essa relação com a pesquisa me
oportunizou participar de eventos, tais como encontros,
congressos e simpósios. Ah… como me fascinam esses
eventos! Lembro-me do primeiro evento que participei, em
que pude conhecer um dos autores referências dos meus
estudos. É impossível descrever a sensação! Por tudo isso,
tenho a pesquisa como princípio nas minhas ações.
Mesmo nos momentos em que tenho algumas “jane-
las” para folga, estou no computador, lendo ou olhando
materiais que podem ser interessantes; e no cumprimen-
to dessas atividades profissionais, sempre tenho a compa-
nhia de um bom café, uma das minhas paixões! Digo uma,
porque outra das minhas paixões é cozinhar. Gosto de
elaborar pratos, doces e salgados que, cá entre nós, ficam
muito bons! Penso que herdei da minha mãe esse gosto
pela cozinha, ela sempre dizia que a cozinha é o coração
da casa e fazia pratos que, mesmo simples, até hoje me
trazem lindas, cheirosas e saborosíssimas lembranças.
Espero que você tenha conhecido um pouco mais a
meu respeito. No decorrer do livro, talvez nos aproxime-
mos ainda mais. Bons estudos!
PRÁTICA DE ENSINO: ETNOMATEMÁTICA E
HISTÓRIA DA MATEMÁTICA

Marcos, no início da sua carreira profissional como educador, enfrentará inúmeros


desafios. O longo caminho até chegar à distante comunidade de Vidê que, embora
fossem lindas as paisagens, exigia algumas horas no interior do barco, equilibrando
e remando para colocar em prática toda sua ânsia como profissional. Naquele belo
povoado praiano, outros desafios se instalavam quando entrava na escola.
Como trazer à tona o sofisticado repertório alicerçado por vivências com mestres e
doutores e colocá-lo em prática na remota turma que receberá, formada por 25 estu-
dantes? O conflito acentuava-se quando os estudantes manifestavam insatisfação com
a abordagem dos conteúdos, frases do tipo: para quê serve isso? Onde vou usar isso?
A vantagem de Marcos é que ele sempre esteve atento à cada sugestão e orien-
tação de seus professores. Com a sua sólida base, repertório e pensamentos flexí-
veis, logo nas primeiras intervenções, o resgate da história de alguns conceitos para
abordar determinados conteúdos foi uma das estratégias que ele utilizou. Marcos
também percebeu que a conquista dos estudantes a participarem e a mudarem as
suas visões sobre a Matemática dependia de como a Matemática era articulada às
necessidades daquela cultura.
Como um bom professor, Marcos passou a conhecer como eles se relacionavam
com a natureza e quais atividades desenvolviam. Essa aproximação permitiu uma incor-
poração de elementos das atividades laborais praticadas pelo povoado e a observação
do espaço natural nas aulas de Matemática.
A exploração da geometria nas redes de pesca e nos bordados foi essencial para
ajudá-los na comercialização desses produtos. O estudo do comportamento das ondas
da maré, a curvatura do camarão e o volume da água no interior dos cocos também
foram algumas das explorações matemáticas que eles desenvolveram.
Com essas práticas, novos comportamentos foram conquistados, os desafios se
tornaram um estímulo para reconhecerem o que de Matemática tinha nos objetos ou
que matemática estava por trás daquilo que desenvolviam. Tudo se tornará Matemá-
tica. Com isso, Marcos se tornou um célebre professor na medida em que conseguiu
articular as vivências na escola com as da comunidade.
Assim como Marcos, neste livro, você terá a oportunidade de vivenciar sofisticados
conhecimentos sobre a História da Matemática e a Etnomatemática. Sofisticados por-
que nos apoiamos em uma literatura especializada para discorrer sobre os temas, tanto
caracterizando-os quanto sugerindo-os (não como uma receita) como abordagens
pedagógicas para as aulas de matemáticas. Sim, matemáticaS no plural, sabe por quê?
Esse “porque” você vai descobrir se, assim como Marcos, mergulhar neste material,
buscando respostas, ao mesmo tempo em que novas perguntas vão surgindo. Espero
que você possa compreender todo conteúdo e colocá-lo em prática quando, num futuro
próximo, estiver habilitado(a) como profissional que ensina Matemática.
E então, está preparado(a)? Espero, com sinceridade e seriedade, que sim! Desejo
bons estudos nessa jornada que, apesar de breve, não se esgota por aqui dado o seu
alto grau de profundidade.
REALIDADE AUMENTADA PENSANDO JUNTOS

Sempre que encontrar esse ícone, Ao longo do livro, você será convida-
esteja conectado à internet e inicie do(a) a refletir, questionar e trans-
o aplicativo Unicesumar Experien- formar. Aproveite este momento.
ce. Aproxime seu dispositivo móvel
da página indicada e veja os recur-
sos em Realidade Aumentada. Ex- EXPLORANDO IDEIAS
plore as ferramentas do App para
saber das possibilidades de intera- Com este elemento, você terá a
ção de cada objeto. oportunidade de explorar termos
e palavras-chave do assunto discu-
tido, de forma mais objetiva.
RODA DE CONVERSA

Professores especialistas e convi-


NOVAS DESCOBERTAS
dados, ampliando as discussões
sobre os temas. Enquanto estuda, você pode aces-
sar conteúdos online que amplia-
ram a discussão sobre os assuntos
de maneira interativa usando a tec-
PÍLULA DE APRENDIZAGEM
nologia a seu favor.
Uma dose extra de conhecimento
é sempre bem-vinda. Posicionando
seu leitor de QRCode sobre o códi- OLHAR CONCEITUAL
go, você terá acesso aos vídeos que
Neste elemento, você encontrará di-
complementam o assunto discutido.
versas informações que serão apre-
sentadas na forma de infográficos,
esquemas e fluxogramas os quais te
ajudarão no entendimento do con-
teúdo de forma rápida e clara

Quando identificar o ícone de QR-CODE, utilize o aplicativo Unicesumar


Experience para ter acesso aos conteúdos on-line. O download do
aplicativo está disponível nas plataformas: Google Play App Store
CAMINHOS DE
APRENDIZAGEM

1
11 2
51
HISTÓRIA DA HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
MATEMÁTICA E EDUCAÇÃO
MATEMÁTICA

3
87 4 137
PRÁTICAS REFLEXÕES
CONVERGENTES SOBRE A
À HISTÓRIA DA ETNOMATEMÁTICA
MATEMÁTICA NO ENSINO

5
171
PRÁTICAS
CONVERGENTES À
ETNOMATEMÁTICA
1
História da
Educação
Matemática
Dr. Wellington Piveta Oliveira

Olá, caro(a) estudante, nesta primeira unidade, você terá a oportu-


nidade de refletir sobre o papel dos conhecimentos teóricos na prá-
tica pedagógica; de conceituar Educação Matemática e Didática da
Matemática; e analisar a evolução do Ensino de Matemática. Espero
que os estudos realizados nesta unidade possam contribuir para que
você compreenda o lócus das discussões que fundamentam a pro-
posta desta disciplina, Prática de Ensino: Etnomatemática e História
da Matemática.
Bons estudos!
UNIDADE 1

O conhecimento matemático e os modos pelos quais se pode ensiná-lo e apren-


dê-lo têm despertado o interesse de muitos professores e pesquisadores. Essa
preocupação tem contribuído para a elaboração de inúmeros estudos, ações e
reflexões que permitiram a sistematização (ainda inacabada) das práticas em-
preendidas no contexto educacional.
Por falar em prática, convido você a refletir sobre duas possibilidades, a His-
tória da Matemática e a Etnomatemática. Você as conhece? Enquanto futuro(a)
profissional, saberia dizer como ocorreu a sistematização dessas possibilidades no
âmbito acadêmico, orientando as práticas pedagógicas? Considerando as possí-
veis respostas para essas e outras questões de “fundo”, vamos estabelecer algumas
reflexões sobre o campo Educação Matemática. Vamos lá?!
Questões do tipo “por que isso é importante? Eu só quero ensinar matemática”
podem surgir nesse momento. É justamente a clareza sobre a manifestação dessas
ideias, ou seja, a compreensão da constituição do campo denominado Educação
Matemática, que pode te auxiliar a compreender a importância e o potencial
que os estudos sobre a História da Matemática e Etnomatemática têm para os
processos de ensino e de aprendizagem da matemática.
Em outras palavras, é importante conhecermos a área de atuação que nós
assumimos quando instauramos a preocupação com tais processos e com todos
os outros aspectos que neles interferem, isto é, a posição que assumimos de edu-
cadores matemáticos.
“Como educador matemático procuro utilizar aquilo que aprendi como ma-
temático para realizar minha missão de educador”. Essa frase de D’Ambrósio
(1996, p. 14) deveria bastar para encerrar o dilema vivenciado pela maioria dos
professores de Didática e de Prática de Ensino ao ministrarem tais disciplinas
no curso de graduação. Afinal, de maneira abrangente, aquilo que é apresentado
nessas disciplinas vai na contramão da experiência vivenciada pelos educandos
ao cursarem disciplinas específicas, quase sempre ministradas por professores de
Matemática que se enxergam como matemáticos (e provavelmente o são), que
buscam desenvolver, em seus alunos, o mesmo amor que sentem pela Matemática
em si. Dito de outra forma, ensinar Matemática para a Matemática.
Ensinar Matemática para aqueles que a escolheram como profissão é relati-
vamente fácil, o problema é o ensino para aqueles que não têm nenhum interesse
por ela e também se sentem “obrigados” a estudá-la. Para esses alunos, é funda-
mental um professor que conheça muito bem Matemática, afinal, ninguém ensina

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UNICESUMAR

o que não sabe, mas seus conhecimentos precisam extrapolar os conteúdos espe-
cíficos. Ele precisa ser capaz de compreender os diversos fenômenos envolvidos
nos processos de ensinar e aprender matemática.
De acordo com D’Ambrósio (1996, p. 13), o primeiro passo para isso é o
professor se entender como um “[...] educador que tem a matemática como sua
área de competência e seu instrumento de ação, mas não como um matemático
que utiliza a educação para a divulgação de suas habilidades e competências”.
Este é o nosso objetivo aqui: apresentar a Educação Matemática, objetivos, ori-
gem e evolução, como a área de conhecimento que objetiva a formação de profis-
sionais que sejam, antes de tudo, educadores comprometidos com a
sua profissão.
Para que você possa compreender o terreno que transitamos – o
campo Educação Matemática –convido vocêa acessar o site da So-
ciedade Brasileira de Educação Matemática – SBEM.

Figura 1 – Interface do site da SBEM / fonte: SBEM (on-line)

Descrição da Imagem: na parte superior da imagem, horizontalmente, constam a guias de acesso aos
conteúdos disponibilizados pelo site da sociedade. Logo abaixo, um convite à visitação do site sobre as
Feiras de Matemática. Mais abaixo, na lateral esquerda, constam as últimas notícias da Sociedade, como
Boletim informativo 2020, posse da Diretora da SBEM-AC, entre outras. No centro, aparecem os links com
os conteúdos que são disponibilizados mais recentemente, como no período de registro da imagem, a
publicação de um e-book pela SBEM, contemplados no Edital SBEM-DNE 03 de 2020. Por fim, à direita da
imagem, a área de acesso restrito dos associados.

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UNIDADE 1

Nesse site, você poderá conhecer um pouco mais da história, das atividades, de
materiais pedagógicos, de leituras na biblioteca, anais de eventos, editais e muito
mais, tudo produzido e organizado por sócios e pela Sociedade. Acessando o site,
clique na aba “A Sociedade” e você terá acesso a um texto explicativo sobre essa
comunidade. Em seguida, na aba “A Sociedade”, você encontrará a guia “Ativida-
des”. Faça a leitura do texto emergente.
Agora, pense: há pouco mais de 40 anos, um coletivo de professores tem se
reunido para debater e buscar entendimentos sobre o que de matemática, como
e para que ensiná-la. Esses debates foram oriundos de respostas às reações his-
tóricas, sociais e, sobretudo, contextuais, na tentativa de aproximar-se de uma
prática pedagógica tendo a matemática como competência e instrumento de ação.
Façamos uma reflexão sobre esse argumento: de que modo as práticas em sala de
aula de matemática têm contribuído para esclarecer esses aspectos? As práticas
têm sido favoráveis a essas reflexões, o que indica que estamos caminhando com
propostas inovadoras, ou estamos na contramão de conceber a matemática como
um instrumento de ação? Conjecture as suas respostas para essas e outras ques-
tões emergentes de seu movimento reflexivo e anote-as em nosso diário de bordo.

DIÁRIO DE BORDO

Pois bem! Agora, como uma imersão teórica nessa temática em busca de respostas
fundamentadas para as questões levantadas, vamos conhecer alguns aspectos
sobre a Educação Matemática e a Didática da Matemática. É somente a par-
tir dos anos 60 do século XX que o fracasso escolar se tornou uma preocupação

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UNICESUMAR

mundial e, desde então, inúmeras teorias foram elaboradas procurando esclarecer


porque isso acontece sem que nenhuma delas tivesse pleno êxito. Ao longo desse
período, no mundo todo, foram propostas mudanças curriculares, aconteceram
rupturas teóricas e ideológicas, multiplicaram-se as orientações metodológicas
fundamentadas em diferentes teorias de aprendizagem, mas a realidade educa-
cional a tudo resiste.
Diversas propostas já foram colocadas em prática, algumas alterando apenas
os conteúdos das propostas curriculares, outras se fixando na questão metodo-
lógica, além daquelas que propunham alteração tanto nos conteúdos quanto na
forma de tratá-los, porém qualquer que seja a proposta, o seu sucesso depende,
essencialmente, do professor. Salvo exceções, contudo, a obsessão pela ação, a pre-
mência em “passar do discurso à prática”, não permite que os professores reflitam
sobre seu fazer pedagógico.
Uma das razões para isso é o fato de que a maioria dos professores ainda
compartilha da conhecida concepção de ensino e aprendizagem que já faz parte
do senso comum: ensinar consiste em explicar exaustivamente, e aprender con-
siste em repetir (ou exercitar) o ensinado até repeti-lo fielmente. Essa maneira de
atuar do docente o fazia encarar os estudantes como ignorantes, sem cultura ou
saberes, que seriam transformados em cidadãos produtivos simplesmente pela
transmissão dos conteúdos escolares.
O primeiro campo do conhecimento a se preocupar com os problemas de en-
sino e aprendizagem foi a Psicologia da Educação, a qual, sozinha, não avançou
muito. Mesmo com o auxílio da Didática Geral, que é o campo do conhecimento
“[...] que estuda os objetivos, os conteúdos, as formas e os processos de ensino, tendo
em vista as finalidades educacionais”, tradicionalmente a disciplina suporte para a
ação pedagógica, a Psicologia da Educação não conseguiu resolver os problemas do
ensino, por uma razão que, vista de hoje, parece bem simples: não se consideravam
as especificidades das diferentes áreas de conhecimento (MATEUS, 2014, p. 16).
Quando estabelecemos como necessária a construção de um novo conheci-
mento em didática, desvinculado da Psicologia da Educação e da Didática Geral,
a principal justificativa para isso foi que essa discussão deveria enfocar os conhe-
cimentos específicos de cada área, acompanhando as especificidades epistêmicas
e históricas de cada campo de saber.
Contudo, por que isso foi importante? Primeiro porque saímos da ideia de
didática geral que ensina tudo a todos sem questionar as especificidades dos

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UNIDADE 1

conhecimentos. Segundo porque essas especificidades levam a singularidades


ou a racionalidades múltiplas do sujeito que aprende.
Isso significa que, para ensinar Matemática, é preciso compreender que sua
natureza dedutiva e não experimental leva os aprendizes a pensarem esse campo
de forma diferente de ciências como a Biologia, a Física e a Química. É evidente
que Matemática é também uma ciência e que por ciências compreendemos co-
nhecimentos da Física, da Biologia e da Química que também diferem entre si.
Contudo, esses três últimos campos científicos se sustentam, com mais ou menos
intensidade, na experimentação, enquanto o conhecimento matemático se sus-
tenta na reflexão, exigindo do profissional que atua com essa área a utilização de
estratégias e métodos diferenciados em seu ambiente de trabalho. Dessa consta-
tação é que emergiram as discussões sobre a necessidade de didáticas específicas.
Para Cachapuz et al. (2011), os próprios psicólogos da educação rejeitaram a
ideia de que as leis de aprendizagem seriam as mesmas, independentemente do
tipo de conhecimento em questão. O que tínhamos para o ensino de Ciências, de
humanidades e da Matemática era uma importação direta dos saberes psicológi-
cos (de caráter mais geral) para resolver os problemas didáticos (de caráter mais
específico). Estava estabelecido, assim, o cenário para o surgimento das Didáticas
Específicas, como a Didática das Ciências e a Didática da Matemática. De acor-
do com Lerner (2001), foi a Didática da Matemática que contribuiu de maneira
decisiva para delimitar o campo da Didática e explicar o objeto e os métodos de
estudo que lhes são particulares.


Ao definir a problemática a ser estudada – a comunicação do saber
matemático e das transformações que esta comunicação produz
nos alunos e no próprio saber – ao assumir-se como uma disciplina
orientada a compreender os fenômenos do ensino e da aprendiza-
gem do saber matemático (independentemente de que os estudos
realizados resultem ou não na produção de métodos, técnicas ou
materiais de ensino), a Didática da Matemática realizou um aporte
essencial às outras didáticas específicas e permitiu uma diferen-
ciação mais nítida entre os problemas psicológicos e os didáticos
(LERNER, 2001, p. 275).

Para os membros da escola francesa, o estabelecimento da Didática da Mate-


mática com o objetivo de empreender investigações para não apenas resolver

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UNICESUMAR

problemas didáticos, mas, principalmente, estudar os processos de construção


dos conhecimentos matemáticos escolares corresponde a uma terceira etapa dos
estudos relacionados aos processos de ensinar e de aprender Matemática, deno-
minando a primeira dessas etapas de “antiga” e a segunda de “clássica”.
A etapa “antiga” corresponderia a uma ausência de profissionalização, na qual
o ensino e a aprendizagem da Matemática eram encarados como uma arte associa-
da aos talentos inatos do professor e do aluno. O fundamental era o domínio dos
conteúdos pelo professor. Trata-se da submissão da Didática à Matemática.
Na etapa “clássica”, começam a ser discutidos alguns assuntos relacionados
à atuação do professor, por exemplo, os conhecimentos prévios dos alunos, a mo-
tivação para a aprendizagem, técnicas para a resolução de problemas, a avaliação
e, o mais importante, trata-se de uma didática que vai utilizar outras disciplinas
para explicar ou justificar seus “fazeres”. É nessa etapa que são usados os traba-
lhos de Piaget, Vygotsky, Bruner, entre outros. Um exemplo de investigações da
Didática da Matemática clássica, centrada na aprendizagem do aluno, é a teoria
da Aprendizagem Significativa de David Ausubel, em que o objeto da investiga-
ção é essencialmente voltado a qual é o conhecimento do aluno e a como esse
conhecimento evolui.
O outro enfoque das investigações da Didática “clássica” da Matemática é a
atividade do professor, obviamente direcionada para a aprendizagem do aluno
e, nesse caso, afirma-se a necessidade de incorporar conhecimentos de outras
disciplinas, como a Psicologia da Aprendizagem, a Sociologia, a História da Ma-
temática, entre outras, porém os fatos didáticos não modificam as noções im-
portadas dessas disciplinas, isto é, trata-se de justaposição, continuando ainda
muito forte a orientação a partir dos fenômenos psicológicos. Podemos dizer
que, no caso clássico, temos uma redução da Didática à Psicologia na explicação
dos fenômenos didáticos da Matemática.
A terceira etapa, segundo os estudiosos franceses, é que pode ser caracteri-
zada como a Didática “Fundamental”, etapa necessária, uma vez que, nas an-
teriores, não era possível resolver assuntos específicos dos “fazeres” da Didática
da Matemática como, por exemplo, o papel da resolução de problemas na
aprendizagem da Matemática, que tipos de relações podem ser estabelecidas
entre as aprendizagens da Aritmética, da Álgebra e da Geometria; a aquisição de
conceitos matemáticos precisos e formais; ou, ainda, o estabelecimento de crité-
rios para a elaboração de currículos para os diferentes níveis de ensino.

17
UNIDADE 1

Assim, de acordo com esses estudiosos, sob a denominação “Didática Funda-


mental da Matemática”, pretende-se constituir uma ciência da comunicação dos
conhecimentos matemáticos e de suas transformações.
Aqui, não temos mais a Didática submetida nem à Matemática nem à Psicolo-
gia, apesar de recorrer à segunda e ter como ponto de partida a primeira. Para Brou-
sseau (1989), a Didática da Matemática é o conjunto de meios e procedimentos
que buscam favorecer a aprendizagem da Matemática. Sintetizando, a Didática
da Matemática é o campo do conhecimento que estuda as ações necessá-
rias à difusão dos conhecimentos matemáticos, enquanto que, por Educação
Matemática, podemos entender tanto “[...] a prática pedagógica conduzida
pelos desafios do cotidiano escolar” quanto uma área de conhecimento
científico (PAIS, 2002, p. 10). Nesse último caso, a Educação Matemática é a
“[...] grande área de pesquisa educacional cujo objeto de estudo é a compreensão,
interpretação e descrição de fenômenos referentes ao ensino e à aprendizagem
da matemática, nos diferentes níveis de escolaridade, quer seja em sua dimensão
teórica ou prática” (PAIS, 2002, p. 10).
De maneira resumida, Fiorentini e Lorenzato (2006, p. 5) apresentam a Edu-
cação Matemática como “[...] uma área de conhecimento das ciências sociais ou
humanas que estuda o ensino e a aprendizagem da matemática”, sendo “[...] resul-
tante das múltiplas relações que se estabelecem entre o específico e o pedagógico
num contexto constituído de dimensões histórico epistemológicas, psicognitivas,
histórico-culturais e sociopolíticas”.
Apesar de as discussões sobre o ensino da Matemática terem sido fortalecidas
já no início do século XX, “[...] as produções nesta área começaram a se multipli-
car com o declínio do Movimento da Matemática Moderna, mais precisamente a
partir da década de 1970” (PARANÁ, 2008, p. 47). Dessa forma, é possível inferir
que a consolidação da Educação Matemática como área de pesquisa é bem recente,
entretanto, nas últimas décadas do século XX e na década inicial do século XXI,
apresentou grande desenvolvimento, “[...] dando origem a várias tendências teó-
ricas, cada qual valorizando determinadas temáticas educacionais do ensino da
matemática”, das quais a Didática da Matemática é uma delas (PAIS, 2002, p. 10).
Assim,


A didática da matemática é uma das tendências da grande área
de educação matemática, cujo objeto de estudo é a elaboração de

18
UNICESUMAR

conceitos e teorias que sejam compatíveis com a especificidade do


saber escolar matemático, procurando manter fortes vínculos com
a formação de conceitos matemáticos, tanto em nível experimental
da prática pedagógica, como no território teórico da pesquisa aca-
dêmica (PAIS, 2002, p. 11).

A História da Matemática no ensino da Matemática e a Etnomatemática, desta-


ques nessa disciplina, são também tendências da Educação Matemática.
Como você pôde perceber, a constituição do campo Educação Matemática
está diretamente relacionada ao ensino de Matemática, portanto, é importante
que conheçamos os caminhos percorridos pelo Ensino da Matemática, como
possibilidade de estabelecer as nossas compreensões.
A importância da disciplina Matemática na educação de crianças e jovens
parece, hoje, inquestionável. Integrando o conjunto de disciplinas que compõem
o núcleo comum, a Matemática faz parte dos currículos escolares da Educação
Infantil, do Ensino Fundamental e Médio. Atualmente, na Educação Fundamental
de todos os países do mundo, a carga horária destinada à matemática é igual ou
superior a das demais disciplinas. Entretanto, nem sempre foi assim.
A Matemática tem suas primeiras manifestações ainda no período paleolítico,
manifestações estas que se ligavam diretamente às necessidades práticas do contex-
to social, acarretando que, enquanto conhecimento, passasse por momentos de im-
portância qualitativamente diferentes durante o seu longo desenvolvimento. Assim
também ocorre com o seu ensino. Sua maior ou menor ênfase está estreitamente
ligada à importância desfrutada pela matemática em determinado contexto social.
Em um passado não muito distante, se uma criança devia ou não aprender
Matemática dependia da profissão para a qual estava sendo preparada. Durante
o período colonial americano, foram organizadas escolas especiais para treinar
os alunos nas habilidades de calcular porque a Companhia Holandesa das Índias
Ocidentais precisava de homens treinados em cálculos para serem encarregados
de seus negócios. Naquele contexto, ser um hábil calculista não era considerado
nada mais do que um simples ofício.
Para a aristocracia do período colonial americano (tal como na Grécia Antiga,
onde apenas a Geometria era valorizada), o sujeito que tinha o domínio de efetuar
operações com competência servia apenas para exercer algumas atividades ou
funções de pouca relevância na visão da sociedade daquele contexto. Valoriza-
va-se a leitura e a escrita como competências indispensáveis, e a sua abordagem

19
UNIDADE 1

no processo de ensino era amparado por lei desde 1679, nos Estados Unidos.
Conforme os entendimentos que permeavam a sociedade, a Aritmética conti-
nuava ausente tanto das práticas quanto dos documentos curriculares escolares
americanos (D’AUGUSTINE, 1976).
Na Europa, por outro lado, em cursos intitulados Lições de Pedagogia, mi-
nistrados durante a segunda metade do século XVIII aos estudantes da Universi-
dade de Könisgberg, o filósofo alemão Emmanuel Kant evidenciava a importância
do ensino de Matemática às crianças. Esse ensino era importante, de acordo com
Kant, não apenas pelo conteúdo intrínseco e utilidade prática da Matemática,
mas, também, pela sua contribuição à memória. Por ser uma ciência ao mesmo
tempo rigorosamente dedutiva e que se adapta exatamente à experiência, a Mate-
mática se apresentava para o grande filósofo, do ponto de vista pedagógico, como
a única disciplina capaz de proporcionar aos aprendizes a possibilidade da “união
entre o saber e a capacidade”, entre a razão e a experiência.

PENSANDO JUNTOS

Considerando o posicionamento de Kant, “Na instrução da criança é preciso unir pouco a


pouco o saber e a capacidade. Entre todas as ciências parece que a Matemática é a única
para se obter da melhor maneira essa finalidade” (KANT, 1996, p. 70).

Fica evidente que, apesar do estágio de desenvolvimento científico-cultural da


época, a Matemática ainda não era considerada uma disciplina “necessária” na
educação infantil.
A educação infantil até então era realizada a domicílio, por professores par-
ticulares, sendo que, na sua grande maioria, as primeiras escolas criadas eram
destinadas a adultos e não tinham por objetivo ensinar os rudimentos escolares,
ao contrário, poderiam ser caracterizadas como grupos de estudos orientados.
As primeiras informações “confiáveis” com relação à criação de escolas as
quais deram origem, posteriormente, às universidades datam do século VIII d.C.,
durante o reinado de Carlos Magno (768 – 814) com a criação de escolas reli-
giosas, o que continuou acontecendo na corte de Alfredo, o Grande, no século
seguinte (SILVA, 1992).
A intenção de Carlos Magno era elevar o nível educacional do clero em seu
reino, constituído, na sua maioria, por analfabetos e, com isso, não ficar atrelado

20
UNICESUMAR

à direção da Igreja em Roma. Além disso, em virtude do enfraquecimento do


sistema feudal e do desenvolvimento comercial e artesanal dos burgos, o monarca
planejava, também, a escolarização das crianças urbanas e das camponesas que
morassem nas cercanias dos mosteiros.


Uma das idéias do monarca era que, uma vez alfabetizados, os reli-
giosos pudessem compreender e ensinar devidamente a fé cristã. E,
desse modo, o clero poderia ajudar no domínio de seu vasto impé-
rio, subjugando, via religião – ao lado de seus exércitos – a crescente
população dos burgos e cidades episcopais (SILVA, 1992, p. 16).

Assim, a partir do reinado de Carlos Magno, no século VIII e nos séculos IX e X, em vir-
tude das transformações sociais e econômicas pelas quais atravessava todo o Ocidente,
as escolas religiosas e as dos Palácios (destinadas à nobreza e seus filhos) são ampliadas
e, nos séculos seguintes, devido ao aprofundamento das mudanças nas estruturas eco-
nômico-sociais, dão início ao florescimento das universidades europeias (SILVA, 1992).
Com a pressão da burguesia, passaram a surgir
“escolas livres”, isto é, locais fora das igrejas, e bas-
tava existir um professor para que os alunos apa-
recessem. Estava-se criado “um centro de estudos”.
Por volta do século XII, começaram a surgir asso-
ciações de mestres e discípulos que ficaram, inicial-
mente, conhecidas como studiae, posteriormente,
devido ao seu significado universal, passaram a ser
chamadas de studiumgenerale. Os mais famosos
studiumgeneraleforam os de Bologna, na Itália, e
os de Paris, na França.
Figura 2 - Encontro de doutores na universidade de Paris /
Fonte: Wikimedia Commons (2013, on-line).

Descrição da Imagem: a imagem é constituída por 14 homens trajados com roupas da época. Na imagem
em perspectiva, há um dos homens sentado em um poltrona, folheando um livro que está sobre um tipo
de tribuna. De ambos os lados, encontram-se dois homens em pé, tendo em suas mãos um objeto que
indica o estabelecimento de ordem. De frente para a poltrona há duas mesas extensas, uma de frente
para a outra, com cadeiras. Nelas, estão acomodados cinco homens de cada lado com livros abertos sobre
as mesas. No primeiro plano da imagem há outro homem com a face voltada para a direita da imagem,
o que indica estar em movimento, provavelmente, assegurando o desenvolvimento das atividades rea-
lizadas no encontro.

21
UNIDADE 1

No século XIII, aconteceu a criação dos Estudos Gerais de Lisboa, que depois
foram transferidos para Coimbra e se transformaram na Universidade de Coim-
bra. É nessa Universidade que se formaram os primeiros docentes do curso de
Matemática da Academia Real Militar da Corte do Rio de Janeiro, a primeira
escola de Matemática do Brasil, fundada em 1810.
O nível do ensino de Matemática no Brasil, no início do século XIX, pode
ser depreendido da decisão da Corte, de 22 de junho de 1809, na qual ficava
estabelecido que a cadeira de Álgebra, Aritmética e Trigonometria, cuja criação
na Corte era recomendada pela Carta-Régia de 19 de agosto de 1799, destinada
a pessoas que desejassem distinguir-se nas diferentes ocupações e empregos da
sociedade, de caráter científico ou mecânico (CARVALHO, 2000).


[...] convém pelo menos que os seus elementos ou primeiros ra-
mos, como são a aritmética, a álgebra, a geometria teórica e prática
se tornem vulgares, e constituam uma das primeiras instruções da
mocidade; por este justificado motivo se deve criar a dita cadeira,
na qual se ensinará aritmética e álgebra até equações do 2º grau,
inclusivamente; a geometria teórica e prática e trigonometria. Este
professor ensinará o cálculo numérico provisoriamente com o algé-
brico, tanto das quantidades inteiras como fracionárias; a resolução
das equações algébricas do 1º e 2º grau; e formação de potências, e
extração de suas raízes; a teoria das proporções e progressões; regra
de três simples e composta, direta e inversa, as de sociedade, de liga
e falsa posição, terminando o ensino de aritmética e álgebra com a
resolução dos diferentes problemas de mais uso no comércio, como
são os que pertencem a juros ou interesses, etc., e com explicação do
uso das tábuas de Price, insertas no tratado das pensões vitalícias
de Saint Cirau, publicadas em português. No ensino da geometria
teórica [...] (CARVALHO, 2000, p. 91-92).

A decisão estabelecia também os conteúdos programáticos para a geometria


teórica e prática. O que é interessante destacar é que a sequência recomendada
(primeiro a parte teórica, depois as aplicações práticas) ainda está presente na
maioria dos livros didáticos.
Até 1808 eram proibidas, no Brasil, a circulação de jornais, as escolas superio-
res, a impressão de livros e panfletos, bem como a existência de gráficas (SILVA,

22
UNICESUMAR

1992). No contexto brasileiro, as primeiras instituições escolares foram consti-


tuídas graças aos padres da Companhia de Jesus e também pelas ações políticas
do rei D. João III, que visava a colonização do país. Nesse período, é importante
destacar como sendo as escolas pioneiras no Brasil a da Bahia, criada em 1549
pelo padre jesuíta Vicente Rijo Rodrigues, e a de São Vicente, instituída por volta
de 1550, pelo também padre Manuel da Nóbrega, em 1550. Vale ressaltar que, em
ambas, era apenas ensinado tópicos de leitura e a escrita, não havendo qualquer
menção à Matemática.
As primeiras aulas de Matemática foram ministradas no Brasil, no Colégio
da Bahia (instituição inaciana), em 1572. O curso era de ciências naturais e nele
se estudava, durante três anos, Matemática, Física, Ética e Metafísica. Esse curso
era de nível superior e ficou conhecido como Curso de Artes, que graduava ba-
charéis e licenciados.
Em 1573, os jesuítas inauguraram o Colégio do Rio de Janeiro e ali teve início um
curso onde se ensinava a ler e escrever os algarismos e as quatro operações algébricas.
Outras ordens religiosas que se encontravam já estabelecidas no Brasil tam-
bém iniciaram a oferta de aulas em seus conventos; entretanto, fossem inacianas
ou não, as escolas existentes no Brasil se destinavam apenas a alunos do sexo mas-
culino. Também existiram, no Brasil, a partir da segunda metade do século XVI,
classes particulares (não eram colégios), dirigidas por professores não religiosos.
A primeira delas surgiu no Rio de Janeiro, em 1578, dirigida pelo escrivão Fran-
cisco Lopes, em que se ensinava as quatro operações. Pernambuco e São Paulo
passaram a ter classes particulares a partir de 1585, mas “em todas elas o reino
da Matemática não ia além das quatro operações algébricas” (SILVA, 1992, p. 34).


Apesar dessas iniciativas, a educação no Brasil é conduzida pelos
jesuítas até a sua expulsão em 1759, pelo marquês de Pombal, e se
caracterizava pela ênfase a uma cultura clássica e humanística, sen-
do a matemática ensinada como simples ferramenta necessária para
as necessidades imediatas do dia-a-dia (CARVALHO, 2000, p. 91).

As reformas no ensino brasileiro tiveram início com a reforma pombalina, em


Portugal, e com a chegada de D. João VI, em 1808, o Brasil foi descoberto de fato,
proporcionando um grande impulso nas questões educacionais. A Matemática
se tornou obrigatória em todos os níveis de ensino no Brasil, em 1826, com a re-

23
UNIDADE 1

forma de Januário Cunha Barbosa, que organizou o ensino, dividindo as escolas


em pedagogias, liceus, ginásios e academias.
É possível afirmar, portanto, que na maioria das escolas ao redor do mundo,
por volta de 1800, a Matemática já era ensinada, mas o processo de ensino e
aprendizagem (se é que havia essa preocupação) consistia na resolução de
problemas utilizando regras. Isso nos faz pensar em uma intencionalidade
diferente da que temos hoje, tanto que os livros (ou materiais) utilizados para
tal instrução eram constituídos por números expressivos de problemas e regras
relacionadas à comercialização e negociações, logo, não se tinham objetivo
de ensinar, principalmente, crianças. Dificilmente, algo além de contagem e
operações era abordado para estudantes com idade inferior a dez anos.
O caráter dos livros de matemática começou a mudar em torno de 1820, com
o método de apresentação do assunto partindo do concreto ao abstrato, sem en-
fatizar a simbolização, que era feita posteriormente. Havia a preocupação em mo-
tivar os alunos com a introdução de conceitos por meio de problemas aplicados.
O currículo de Matemática, nos fins do século XIX, recebeu influências de
duas concepções divergentes sobre a disciplina e que ainda hoje são fortemente
presentes: a de disciplina formal e a de disciplina de caráter indutivo. Os
defensores da disciplina formal acreditavam que a mente da criança poderia ser
desenvolvida por meio de um treino intensivo mediante exercícios repetidos –
como o utilizado pelo popular Método Kumon– e os seus opositores apregoavam
que se chegava aos conceitos aritméticos de maneira indutiva, por meio do uso
de objetos, e não pela aplicação de regras.
No começo do século XX, começou a preocupação com a aplicação dos con-
teúdos escolares à vida real dos adultos, e esse fato levou a abusos, tais como:
ensinar juros e taxas para crianças do então ensino primário. No final dos anos 20,
inicia-se a preocupação com a idade mental adequada à aprendizagem de alguns
tópicos de Matemática. Inúmeros estudos foram feitos acerca do desenvolvimen-
to cognitivo das crianças, estudos esses que exerceram enorme influência nos cur-
rículos escolares nos vinte anos seguintes, embora diversas pesquisas provassem
que o lugar e a época em que determinado tópico deveria ser colocado dentro do
currículo dependia da maneira como ele ia ser ensinado (D’AUGUSTINE, 1976).
Mesmo com algumas alterações, os currículos atuais refletem o modelo da-
quela época, com os seis primeiros anos do Ensino Fundamental enfatizando a
Aritmética e os dois últimos apresentando a Álgebra e os fatos mais simples da

24
UNICESUMAR

Geometria Indutiva. O Ensino Médio continua com a Álgebra, a Geometria é a


dedutiva e aparece a Trigonometria. As mudanças que ocorreram, sobretudo as
baseadas em estudos sobre a criança, tiveram caráter mais metodológico, dei-
xando fixos os conteúdos curriculares. Não podemos negar, por exemplo, que
algumas noções de conceitos matemáticos mais sofisticados estejam presentes,
por exemplo, em níveis escolares mais elementares, conforme recomenda a Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), em sua versão (até o momento) mais
recente publicada em 2018.
Pesquisas evidenciaram que as crianças melhoravam a sua aprendizagem
quando os conteúdos eram trabalhados a partir do concreto para o abstrato,
fato que motivou o uso de muito material manipulável, os materiais concretos,
no ensino de Matemática. Outras pesquisas determinaram que os problemas
deveriam ser orientados no sentido de aproveitar as experiências anteriores da
criança; outras ainda indicaram que a Aritmética requeria um período de tempo
maior para ser compreendida, dando origem ao ensino em espiral.
Diversos foram os movimentos pela reformulação do ensino de Matemática
a partir de 1920, tais como o Movimento Progressivo, o movimento dos defen-
sores da Gestalt, movimento em favor do Ensino pela Compreensão e, o mais
importante deles, o Movimento da Matemática Moderna.
O movimento progressivo buscava atender às necessidades da criança, utilizan-
do-se de experiências significativas para ela. Embora essa metodologia tenha sido
abandonada por ocasionar muitas lacunas na aprendizagem da Aritmética, ela deixou
um legado importante: o de que a criança, quando está motivada, aprende melhor.
Depois de 1920, chegaram os defensores da Gestalt. Para esses estudiosos, a
organização da aprendizagem deve basear-se na percepção total, centrando-se
mais no todo que nas partes. O aspecto positivo que ficou desse movimento foi a
consciência de que é preciso menos repetição para dominar os conceitos quando
a situação é significativa. A partir de 1930, cresceu o movimento em favor do
ensino pela compreensão e, junto com a situação significativa, recomendava-se
desenvolver uma habilidade.
É importante ressaltar que contribuições advindas de pesquisas, teorizações
e novas práticas acabaram cedendo espaço para o novo movimento durante as
décadas de 50 e 60 do século XX, pois o ensino de Matemática, em diferentes
países, foi influenciado por um movimento de renovação que ficou conhecido
como Matemática Moderna.

25
UNIDADE 1

A constatação de que o ensino de Matemática apresentava problemas e neces-


sitava de reformulações não era nenhuma novidade e, desde o século XIX, discus-
sões e estudos sobre o tema eram realizados. Tais atividades foram intensificadas a
partir das décadas iniciais do século XX e ficaram registradas em inúmeras publi-
cações a respeito, como a citação a seguir, de autoria de dois grandes matemáticos
contemporâneos que, apesar de publicada em Madri no ano de 1967, a original,
publicada nos Estados Unidos, data da segunda metade da década de quarenta.


Há mais de dois milênios, uma certa familiaridade com a Matemá-
tica é considerada como parte indispensável da formação intelec-
tual de uma pessoa culta. Atualmente, sem dúvida, se encontra em
grande perigo o posto tradicionalmente ocupado por esta disciplina
na educação, infelizmente, alguns dos profissionais que a represen-
tam compartilham a responsabilidade por tal situação. O ensino
de Matemática tem se degenerado, frequentemente, num vazio
treinamento de resolução de problemas que, se pode desenvolver
uma habilidade formal, não conduz, em troca, a uma compreensão
efetiva nem a uma maior independência intelectual. A investigação
matemática mostra uma tendência para a super especialização e
para uma excessiva insistência no abstrato; as aplicações e conexões
com outros campos do saber têm sido descuidadas. Sem dúvida, tal
estado de coisas não deve justificar uma política de retraimento. Ao
contrário, a reação oposta pode e deve partir daqueles que se sen-
tem conscientes do valor intelectual da disciplina. Professores, estu-
dantes e público culto pedem uma reforma construtiva e não uma
resignação seguindo a linha da menor resistência. A meta será uma
verdadeira compreensão da Matemática como um todo orgânico
e como base para o pensamento e a ação científicos (COURANT;
ROBBINS, 1967, prólogo da primeira edição, p. ix).

No princípio da década de 50, e mesmo antes, já existia o consenso de que o en-


sino de Matemática malograra e não estava atendendo a quem ensinava e, menos
ainda, a quem aprendia.


Como acontece ainda hoje com pessoas adultas, que por pelo me-
nos durante 12 anos estudaram Matemática na Educação Básica,

26
UNICESUMAR

os adultos daquela época pouco ou nada retinham do conteúdo


estudado a não ser nomes famosos, como Teorema de Pitágoras,
apesar de não se recordarem do enunciado, ou fórmulas exaus-
tivamente memorizadas sem a devida compreensão, como a do
quadrado da soma de dois números reais quaisquer, x e y , dada
por: , sem falar, é claro, na total incapa-
cidade de operar com frações, conteúdo que aparece no quarto
ano do Ensino Fundamental e acompanha o indivíduo nos nove
anos restantes, fazendo com que muitos afirmem que nada sabem
de Matemática, o que é evidentemente um exagero (NOGUEIRA,
2007, p. 17-18).

Esse movimento ganhou forças com a participação dos Estados Unidos na Segunda
Guerra Mundial, pois nas ações e atividades desempenhadas ficou explícito aos
militares que havia uma lacuna nos conhecimentos de Matemática para os solda-
dos. Essas constatações desencadearam a organização de cursos especiais visando
o melhor desempenho, o que foi motivo para “reformar” o ensino de Matemática.
Contudo, apostaram em uma reforma curricular, pois foram céticos de que a mu-
dança curricular traria êxito ao ensino e aprendizagem de Matemática, mesmo des-
prezando outros aspectos que envolviam (e ainda envolvem) a atividade de ensino.
Esses grupos de reformas eram integrados por matemáticos profissionais, os
quais verificaram que as escolas de todos os países tratavam ainda das noções
mais antigas da Matemática, em particular, da Matemática grega, e que o conhe-
cimento mais recente existente nos programas escolares dessa disciplina datava
de, no mínimo, 200 anos e, portanto, as conquistas mais recentes da ciência Ma-
temática não estavam contempladas nos currículos.
O conflito político entre Rússia e Estados Unidos, particularmente, ao final
da década de 50, influenciou intensamente a educação na década seguinte. No
outono de 1957, os russos lançaram seu primeiro Sputnik, e esse fato convenceu
o governo norte-americano (e todo o país) de que estavam atrasados, em relação
aos russos, em Ciências e em Matemática.
Na verdade, o que ficou enfatizado foi o fato de que a educação intelectual
não recebia a ênfase necessária, com a valorização excessiva da memorização e
do treinamento, em detrimento da compreensão e criatividade.
Como quase sempre acontece na história da Educação, eventos externos obri-
garam os educadores a revisar suas práticas e a ultrapassar seus preconceitos. A

27
UNIDADE 1

corrida espacial estimulou o fomento das agências governamentais americanas


e surgiram muitos grupos interessados em criar um novo currículo para a Mate-
mática, incrementando, assim, o Movimento da Matemática Moderna.
Não há consenso quanto à pertinência do nome “Matemática Moderna” e,
para alguns estudiosos, a palavra “moderna” seria inadequada, sendo mais apro-
priada a expressão “matemática revolucionária”, porque a reforma do currículo
conteria muitas características que normalmente são associadas a uma revolução
(D’AUGUSTINE, 1976, p. xxi).
Para outros estudiosos, a expressão “Matemática Moderna” seria apropriada,
pois a principal mensagem dos grupos que trabalharam na mudança curricular
era a de que o “ensino de Matemática tinha malogrado porque o currículo tradi-
cional oferecia ‘Matemática antiquada’, que era como se referiam à Matemática
criada antes de 1700” (KLINE, 1976, p. 34).
É preciso ficar claro que não foram apenas os fatores externos, tais como
o lançamento do Sputnik ou o rápido desenvolvimento da sociedade técnica
nos anos 1950, cujo mercado necessitava de pessoas com boa preparação em
Matemática, que caracterizavam a urgência de uma nova postura frente ao
ensino dessa disciplina. Fatores “internos” ou pedagógicos vinham, desde os anos
20 do século passado, instigando os profissionais da área a buscarem mudanças.
Podem ser considerados fatores favoráveis ao começo da “revolução”, de acordo
com D’Augustine (1976, p. xxi):

• Informações contínuas sobre o modo pelo qual as crianças aprendiam.

• Melhor conhecimento da estrutura básica da Matemática.

• Tentativas bem-sucedidas de unificar os conhecimentos matemáticos.

• Reconhecimento de que a continuidade do ensino nas diferentes séries


não era o suficiente.

28
UNICESUMAR

• Reconhecimento de que o ensino da Aritmética era totalmente orientado


para desenvolver habilidades de computação.

• Reconhecimento de que a sequência no ensino da Matemática era mais


histórica do que lógica.

• Reconhecimento da sociedade de uma maior competência em Matemá-


tica.

• Reconhecimento do melhor preparo do professor.

A concentração de esforços em modificar os currículos, isto é, o que ficou co-


nhecido pela reforma do Movimento da Matemática Moderna, expressou-se,
basicamente, na substituição dos conteúdos que vinham sendo abordados por
novos campos, a saber: “[...] devíamos largar a matéria tradicional em favor de
campos novos como o da álgebra abstrata, o da topologia, o da lógica simbólica,
o da teoria estabelecida e a álgebra de Boole. O ‘slogan’ da reforma passou a ser
‘matemática moderna’” (KLINE, 1976, p. 35).
Segundo Nogueira (2007, p. 20), “a Matemática a ser ensinada era aquela con-
cebida como lógica, compreendida a partir de estruturas que conferiram um
papel importante à linguagem matemática”. Em outras palavras, a autora afirma
que os defensores dessa reforma tinham como argumentos a pretensão de estrei-
tar a distância que havia entre o saber que era ensinado e o disciplinar, pois era
“[...] como se os alunos tivessem conhecimento do imenso fosso existente entre
os conteúdos da escola e os avanços da disciplina e, por essa razão, se recusavam
a aprender a matéria”. No sentido de estabelecer essa aproximação, a Matemática
Moderna buscava, portanto, aproximar os conteúdos escolares daquele corpo de
conhecimentos produzidos pelos pesquisadores.


A “moderna matemática” apresentava alto nível de generalidade,
elevado grau de abstração e maior rigor lógico. Podendo ser iden-
tificado com as estruturas e a axiomatização, ela surgiu com o de-
senvolvimento dos três ramos seguintes:

29
UNIDADE 1

1. As extensões da noção de número e o aparecimento da álgebra


abstrata.

2. O nascimento das geometrias não euclidianas de Gauss, Loba-


chevsky e Bolyai, seguido mais tarde pelas axiomatizações da geo-
metria de Euclides realizadas por Pasch, Peano e, sobretudo, Hilbert
(1899).

3. O desenvolvimento da lógica, com a publicação da famosa obra


de Boole em 1854 e as contribuições, dentre outros, de Frege e Pea-
no, para culminar no monumental tratado de Russell e Whitehead
(MIORIM, 1998, p. 110).

Essa “nova matemática” trouxe o estilo formalista (já explicitamos características


desse estilo) como abordagem em sala de aula, cujo método de exposição dos
conceitos matemáticos foi “tomando conta”, gradativamente, de todos os níveis
de ensino. Um dos principais exemplos desse tipo de abordagem matemática é a
obra do grupo francês Bourbaki, conforme relatou Miorim (1998):


O desenvolvimento dessa “moderna Matemática”, cada vez mais dis-
tantes da antiga concepção de Matemática como ciência da quan-
tidade, culminou com os trabalhos de Nicolas Bourbaki (nome
fictício, de um grupo de matemáticos, na maioria franceses) cujo
objetivo central consistia na exposição de toda a Matemática de
forma axiomática e unificada, em que as estruturas seriam os ele-
mentos unificadores (MIORIM, 1998, p. 110).

Vale destacar que essa revolução no


ensino da Matemática partiu dos ma-
temáticos profissionais que não con-
cordavam com os conteúdos ensinados
e, por não existirem maiores preocupa-
ções de ordem pedagógica, prevaleceu
a crença de que o êxito da reforma de-
pendia apenas da mudança curricular.
Como esses matemáticos eram, na
sua maioria, professores universitários,

30
UNICESUMAR

que raramente tiveram contato com a realidade do ensino de crianças e adoles-


centes, grande parte dessas reformas reflete a visão que o pesquisador matemático
tem do que deveria ser ensinado nas escolas de Ensino Fundamental e Médio.
“Nota-se, nelas, um viés para transformar essa criança ou adolescente em um
matemático mirim preocupado com a exatidão, rigor e estrutura lógica da Ma-
temática” (CARVALHO, 2000, p. 102).
A esse respeito, assim se pronunciou o ministro da educação do Peru, Dr.
Carlos Cueto Fernandini, na abertura da segunda conferência organizada pelo
Comitê Interamericano para o Ensino da Matemática, o CIAEM:


O trabalho pedagógico da segunda metade do século XX está ainda
derivando daquela combinação de eventos aos quais nos referimos
como a revolução no ensino da matemática. Esta revolução nasceu
primeiro nas mentes dos matemáticos profissionais que, cerca de
25 anos atrás verificaram que as escolas de todos os países estavam
ainda tratando das noções mais obsoletas nas ciências matemáticas.
O que havia de mais “novo” nos programas de matemática escolar
tinha 200 anos. Mesmo hoje, a despeito de tudo, ainda falhamos ao
tirar vantagem das novas e maravilhosas contribuições feitas pela
ciência matemática ao aperfeiçoamento do espírito humano, assim
como ao nosso meio material. Se um dos aspectos essenciais da
educação é a integração do homem e do sistema de conhecimento
contemporâneo a ele, como podemos voltar nossas costas à ma-
temática moderna? Como podemos mover nossos horizontes de
volta ao tempo em que nada se sabia, por exemplo, da teoria dos
conjuntos? (FEHR, 1969, p. 15-16).

Os principais assuntos abordados na segunda conferência foram a modernização


do ensino de Matemática, a necessidade de trazer para a sala de aula algumas
das recentes conquistas da ciência Matemática, a modernização dos currículos e
programas, o treinamento de professores para a realidade e a produção de textos
e materiais adequados ao novo enfoque.
Com a ênfase principal na introdução de novos conteúdos, surgiram grupos
propondo uma reforma curricular bastante radical, como o grupo internacional,
que se reuniu em Royaumont, França, em 1971, e recomendou que se aban-
donassem completamente os conteúdos da Matemática tradicional, inclusive a

31
UNIDADE 1

Geometria Euclidiana, tendência acentuada pelo famoso grito de Dieudonné:


“Abaixo Euclides” (KLINE, 1976).


Já no século passado se considerava a passagem das matemáticas da
escola secundária às das universidades como um salto a um mundo
diferente. Com a introdução das matemáticas modernas, esse fosso
tem aumentado muito [...] Recentemente, têm sido introduzidos
nos últimos programas dos três anos da escola secundária superior
(das escolas francesas) os elementos de cálculo diferencial e integral,
da álgebra vetorial e de geometria analítica, mas esses temas são
sempre relegados a um segundo plano, e o interesse se concentra
em primeiro lugar na geometria pura ensinada, mais ou menos,
à maneira de Euclides, com um pouco de álgebra e de teoria de
números. Eu estou convencido que o tempo deste “trabalho reme-
diado” já passou e que deveríamos pensar em uma reforma mais
profunda, a menos que se deixe piorar a situação até o ponto de
comprometer seriamente cada progresso científico ulterior. Se eu
quiser resumir em uma frase todo o programa que tenho em mente,
tenho de pronunciar o slogan: Abaixo Euclides! (DIEUDONNÉ,
1968 apud MIORIM, 1998, p. 109).

Segundo Nogueira (2007, p. 102), conjuntos, números, probabilidades, estatística


e lógica eram os novos conteúdos a serem abordados. “Além disso, as concepções
modernas invadiram o ensino da Álgebra: operações e sistemas operacionais,
conjuntos, relações e aplicações, estruturas e isomorfismos, estrutura de espaço
vetorial etc. A Geometria foi algebrizada, com a introdução da Geometria afim”.
A preocupação com os métodos e meios começou a aparecer subordinada às
questões de mudança de conteúdo, consideradas como fundamentais até então.
Devido à influência de matemáticos profissionais e como resultado de inves-
tigações realizadas em diferentes partes do mundo por especialistas qualificados,
estavam estabelecidos, segundo a UNESCO (1973, p. 117), no início da década
de 70, os seguintes objetivos para o ensino da Matemática:


Ensinar matemática atualizada, incluindo probabilidades, estatística
e matemática numérica;

32
UNICESUMAR

Ensinar a matemática fortemente unificada por meio de conceitos


básicos e das estruturas fundamentais;

Desenvolver a matemática conceitual, junto com a habilidade no


cálculo;

Ensinar a matemática tanto como um corpo de conhecimentos abs-


tratos, como um útil instrumento operacional;

Ensinar a Matemática como uma disciplina em contínua expansão;

Apresentar uma imagem clara da metodologia da matemática;

Prestar atenção à motivação e desenvolvimento de atitudes positivas


com respeito à matemática;

Definir a matemática necessária ao cidadão médio da nossa sociedade.

No Brasil, no início do movimento (em torno de 1950), os professores demonstra-


ram insatisfação com os programas instituídos e com o modo sugerido de “fazer”
educação (isso inclui ensinar Matemática) sem levar em conta as concepções e ex-
periências deles. Essa insatisfação favoreceu a realização de Congressos do Ensino
de Matemática. O objetivo desses congressos foi reunir um coletivo de professores
de todo o país para debater e estruturar algumas diretrizes visando um plano de
trabalho que fosse comum quando o assunto era ensinar de um modo que os
estudantes aprendessem. Evidenciamos que o I Congresso Brasileiro do Ensino
da Matemática contou com a participação de 94 professores e ocorreu na capital
baiana, em Salvador - BA, entre os dias 4 e 7 de setembro de 1955. Discussões
essas que perpassaram, sobretudo, questões como “que matemática ensinar?”.
No II Congresso, realizado em São Paulo, em 1957, as discussões foram orien-
tadas pela pergunta: “Matemática clássica ou Matemática moderna nos progra-
mas do curso secundário?”. Quando da realização do III Congresso, no Rio de
Janeiro, em 1959, quase não se havia avançado nada e a maioria dos professores
brasileiros ainda não conhecia a Matemática moderna.


Nesta época e devido à insistência dos professores secundários
de Matemática, vários Grupos de Estudo, Centros e mesmo Ins-
titutos foram organizados no país, para atualizar o conhecimento
do professor. Por exemplo, o Grupo de Estudos do Ensino da

33
UNIDADE 1

Matemática de São Paulo, fundado em 31 de outubro de 1961 e


o Instituto de Física e Matemática da Universidade Federal da
Bahia, fundado em 1960.

Os Institutos e Grupos de Estudo começaram a formar equipes de


professores secundários, que podiam atualizar seus colegas, recém
graduados nas faculdades sem bom preparo, bem como professores
registrados que lecionam sem ter preparo universitário. O Grupo de
São Paulo, maior e melhor preparado, apresentou ao IV Congresso
Brasileiro do Ensino da Matemática, que se realizou em Belém do
Pará, em julho de 1962, sua primeira utilização da Matemática Mo-
derna no ensino secundário (FEHR, 1966, p. 219).

Fica evidente que, no Brasil, assim como em outros países, o Movimento da Mate-
mática Moderna desencadeou não só um movimento de inserir uma “matemática
moderna”, mas também em outro sentido, o de professores colocarem-se em mo-
vimento, configurando debates sobre o ensino de Matemática. Debates esses que
foram proferidos, graças a constituição de grupos, os quais, alguns organizados
e reunidos nas férias, investiram na modificação dos programas curriculares e,
consequentemente, dos livros didáticos, ocasionando, de fato, uma modernização
do ensino de Matemática em todo território nacional.


A partir de 1961, alteram-se os programas de Matemática do ensino
do 1º grau. Por um lado, temos a liberdade permitida pela Lei de
Diretrizes e Bases; por outro, começam a chegar ao Brasil as pro-
postas do chamado movimento da Matemática Moderna, com suas
propostas radicais de revisão do ensino da matéria. Temos assim
um movimento em direção à diversidade, com as várias Secretarias
instituindo grupos específicos para estudos de currículos (labora-
tórios de currículos, por exemplo) e ao mesmo tempo um ponto de
abstração muito forte para o qual se direcionavam essas mudanças,
a Matemática Moderna (CARVALHO, 2000, p. 101).

Outro fator importante é que o Movimento da Matemática Moderna coincidiu


com as mudanças políticas iniciadas pelo governo João Goulart, que atingiram seu
clímax na ditadura militar. O espírito ufanista e as metas de um progresso acelera-
do refletiram na educação, reforçando uma tendência tecnicista direcionada pela

34
UNICESUMAR

Psicologia comportamental. Compreende-se que “é o momento da preocupação


com a formulação de objetivos operacionais, com a avaliação objetiva, a instrução
programada e outras inovações de caráter didático” (GOULART, 1998, p. 12).
O Movimento da Matemática Moderna teve forte influência e alcançou os
professores por meio dos livros didáticos, porém, no Brasil, como nos demais
países do mundo, as desilusões com a renovação não tardaram a ocorrer, eviden-
ciando que a Matemática não havia se transformado em algo fácil de aprender.
Alguns objetos de ensino introduzidos sofreram transformações não previstas
pelos autores das reformas e as inovações realizadas não levaram à constituição
de um corpo de conhecimento confiável (PARRA; SAIZ, 1996).
A reforma dos programas, simplesmente inserida na estrutura existente e
sem as necessárias críticas aos objetivos do ensino da matemática no contexto
social, não foi suficiente para satisfazer as exigências de uma sociedade que se
apresentava cada vez mais complexa (CARVALHO, 2000).
Em 1980, o Conselho Nacional dos Professores de Matemática – NTCM – dos
Estados Unidos, elaborou um documento intitulado Agenda para Ação, conten-
do recomendações para o ensino de matemática durante a década que se iniciava,
destacando a Resolução de Problemas como foco da educação matemática dos
anos 80. Esse fato, aliado à compreensão nascente da relevância de aspectos cog-
nitivos, linguísticos, antropológicos e sociais no ensino da matemática, imprimiu
novos rumos às discussões curriculares.
As reformas curriculares que aconteceram em todos os países do mundo en-
tre 1980 e 1995 se fundamentaram nessas ideias e apresentavam diversos pontos
de convergência, entre os quais, destacam-se:

- direcionamento do ensino fundamental para a aquisição de competên-


cias básicas necessárias ao cidadão e não apenas voltadas à aquisição de
pré-requisitos para estudos posteriores.

- importância do desempenho de um papel ativo do aluno na construção


do seu conhecimento.

- ênfase na resolução de problemas, na exploração da matemática do co-


tidiano e na interdisciplinaridade.

35
UNIDADE 1

Wadsworth (1984, p. 204) atribui à metodologia tradicional para os conteúdos


novos o fracasso da “matemática nova” nos EUA:


A tentativa de se implementar a “matemática nova” nos Estados
Unidos durante o final da década de 50 e na de 60 foi um esforço
no sentido de fazer com que as crianças aprendessem um conjunto
de conceitos matemáticos negligenciados pela “matemática velha”.
O fracasso da “matemática nova” nos Estados Unidos em grande
escala provavelmente se deve ao fato de que, embora o conteúdo
do ensino da matemática de certo modo mudasse, os métodos de
ensino não mudaram.

A partir da constatação da inadequação de alguns de seus princípios e das distorções


ocorridas na sua implantação, a matemática moderna teve o seu refluxo no Brasil,
entretanto, estudos revelaram que, até o momento da implantaçãodos Parâmetros
Curriculares Nacionais – PCN, ainda existiam currículos com características do Mo-
vimento da Matemática Moderna em alguns estados, autônomos nas elaborações de
suas propostas curriculares, desde que respeitado um mínimo comum.
Carvalho (2000) analisou os currículos de Matemática de todos os estados
brasileiros, com propostas elaboradas entre 1985 e 1995, e constatou que era pos-
sível dividi-los em duas “Grandes Famílias”, os que ainda enfatizavam a Teoria dos
Conjuntos e os que já a eliminaram ou a reduziram a um mínimo. O estado do
Amazonas seria um exemplo extremo do 1º grupo, e o do Paraná, um bom exem-
plo do 2º grupo. Com o advento dos PCN, esperava-se que, em breve, em todo
Brasil, as propostas curriculares estivessem harmonizadas e distantes da ideia
de formação do “matemático mirim”. Atualmente, outra proposta de renovação
curricular no Brasil é a BNCC, que unifica os currículos do país. As sociedades
representantes dos matemáticos (Sociedade Brasileira de Matemática – SBM)
e a dos educadores matemáticos brasileiros (Sociedade Brasileira de Educação
Matemática – SBEM) foram convidadas pelo Ministério da Educação a partici-
par mais proximamente das discussões, entretanto, após a publicação da Base,
inúmeras críticas surgiram sobre o documento.

36
UNICESUMAR

Para saber mais sobre essas críticas, convido você a acessar esse
PODCAST, afinal, você já ouviu falar sobre esse documento? Nesse
podcast, falaremos, resumidamente, sobre a BNCC, no que diz
respeito, especificamente, ao ensino da matemática à luz de
alguns teóricos da educação matemática. É só dar o PLAY!

Em âmbito internacional, as críticas à Matemática Moderna começaram a ganhar


corpo durante o Terceiro Congresso Internacional sobre Educação Matemática,
realizado em Karlsruhe, na Alemanha Ocidental, em 1976.
A variedade e a abrangência dos temas abordados e o enfoque dado às dis-
cussões revelaram uma mudança significativa no Movimento da Educação Mate-
mática, com a intensa preocupação com a modernização dos currículos, perden-
do espaço para debates sobre a influência da vida social, o desenvolvimento da
atitude de investigação no estudante, a formação dos profissionais, preocupação
com os estudantes lentos e deficientes, a relação entre Matemática e linguagem,
o uso de computadores, entre outros.
Nesse Congresso de Karlsruhe, foi criado, pelo israelense E. Fischbein, o Gru-
po Internacional de Psicologia da Educação Matemática, internacionalmente
conhecido por PME e que, atualmente, continua ainda muito ativo. Esses eventos
foram se consolidando e, simultaneamente, a Educação Matemática se constituiu
enquanto área do conhecimento que:


Investiga, também, como o aluno, por intermédio do conhecimento
matemático, desenvolve valores e atitudes de natureza diversa, vi-
sando a formação integral como cidadão. Aborda o conhecimento
matemático sob uma visão histórica, de modo que os conceitos são
apresentados, discutidos, construídos e reconstruídos, influencian-
do na formação do pensamento do aluno (PARANÁ, 2008, p. 48).

37
UNIDADE 1

EXPLORANDO IDEIAS

Enquanto área de conhecimento, a Educação Matemática tem se preocupado (entre ou-


tras coisas que se amalgamam nas relações pedagógicas), com os modos pelos quais
os sujeitos aprendem e como podemos desempenhar o nosso papel como educadores
para que isso aconteça. É nesse sentido que devemos pensar na prática pedagógica como
favorecedora da elaboração de conhecimentos. Sabemos que um conhecimento só é ple-
no se for associado e aplicado em diferentes situações. Para atingir a esse objetivo, os
conhecimentos construídos devem ser descontextualizados, para serem novamente con-
textualizados em outras situações. O conhecimento aprendido não deve ficar exclusiva-
mente vinculado a um único contexto concreto, deve ser transferido a outros contextos e,
finalmente, generalizado. É pensando nesse dinamismo que a Educação Matemática vem
contribuindo com a realização de práticas que permitam essa contextualização, descon-
textualização e (re)contextualização.

O estudante, ao ingressar na escola, já traz consigo um conhecimento matemático


de natureza prática que precisa ser elaborado e ampliado pela escola. O professor
deve levar o estudante a fazer relações entre diversas noções da matemática e,
dessa forma, contribuir para que este reconheça propriedades gerais e relações
importantes entre os diversos temas. O conhecimento matemático mantido iso-
lado não se estabelece como ferramenta eficaz na resolução de problemas ou na
construção de novos conhecimentos matemáticos necessários para o crescimento.
A compreensão de que o estudante é o principal agente na construção de seu
conhecimento é recente. Nesse contexto, o papel a ser desempenhado pelo pro-
fessor que ensina Matemática no Ensino Fundamental assume novas dimensões:
a de organizador da aprendizagem. Para isso, deve considerar as condições
socioculturais, expectativas e as diferenças individuais dos estudantes e escolher
atividades e problemas que possibilitem a construção de conceitos tendo em vista
os objetivos a serem alcançados.
O professor deve, também, estimular a cooperação entre os estudantes, pois
o contato com diferentes formas de interpretar e resolver um mesmo problema
estabelece uma aprendizagem significativa, obrigando os interlocutores a argu-
mentar, cooperar na resolução, questionar, verificar e validar as soluções; tarefas
que são impossíveis de serem realizadas sem a compreensão real das questões.
Assim, a interação entre estudantes, além do aspecto afetivo e da interação social,

38
UNICESUMAR

desempenha papel fundamental no desenvolvimento das capacidades cognitivas,


pois, como já dissemos, ao tentar compreender outras formas de resolver uma
situação, o aluno, necessariamente, ampliará seu grau de compreensão das noções
matemáticas envolvidas.
Para esclarecer esses argumentos, convido você a refletir sobre algumas
abordagens educacionais para a matemática, as quais têm sido desveladas como
tendências em Educação Matemática. O termo tendências faz referência às
diferentes maneiras de se conceber alguma coisa e não a um modismo, algo que
está por vir e que vai passar como sugere o termo no senso comum. Assim, por
tendências em Educação Matemática, compreendemos ser os “[...] diferentes mo-
dos de ver e conceber a educação matemática” (CUNHASQUE; GRANDO, 2006,
p. 77). Por falar em tendências, um texto clássico é o de Fiorentini (1995). O autor
identificou seis concepções ou tendências que apresentam aspectos singulares,
as quais ainda hoje nos fazem refletir sobre os processos de ensinar e aprender
Matemática. No que se refere a essas tendências, o autor as intitulou como: for-
malista clássica, empírico ativista, formalista moderna, tecnicista e suas variações,
construtivista e socioetnoculturalista.
Passados vinte e poucos anos, essas diferentes maneiras de se conceber o
ensino e a aprendizagem em Matemática, a partir do grande impulso que o de-
senvolvimento da Educação Matemática enquanto área científica obteve nas
últimas décadas, foram sendo especificadas, detalhadas e delimitadas, dando
origem ao que Pais (2002, p. 10) denomina de tendências teóricas, “[...] cada qual
valorizando determinadas temáticas do ensino da matemática”. Para esse autor,
a expressão tendência teórica em Educação Matemática representa o coletivo de
pesquisadores que compartilha de um mesmo referencial teórico.
Assim, atualmente, são consideradas tendências teóricas em Educação Ma-
temática: Etnomatemática, Psicologia Cognitiva da Matemática, Modelagem
Matemática, História da Matemática, Didática da Matemática, Análise de Er-
ros, Resolução de Problemas, Processos Linguísticos e Cognitivos no Ensino da
Matemática, Investigações Matemáticas em Sala de Aula, dentre outras. Como
caminhos para se fazer Matemática nos contextos educacionais, isto é, as tendên-
cias em Educação Matemática como encaminhamento metodológico, é o que
abordaremos nas próximas seções deste livro.

39
UNIDADE 1

NOVAS DESCOBERTAS

Caro(a) estudante, o gráfi-


co ao lado expõe o núme-
ro de downloads do artigo
de Dario Fiorentini, “Alguns
modos de ver e conceber o
ensino da Matemática no
Brasil”, que foi publicado na
revista Zetetiké, em 1995.
Dado o seu reconhecimento
para a Educação Matemática, deixo como indicação de leitura. Nesse artigo,
o autor identificou e caracterizou as seis tendências em Educação Matemá-
tica, bem como sugeriu mais duas como sendo emergentes, isso no período
da pesquisa e sistematização do texto. Para que você possa “descobrir”, em
sua totalidade, que tendências são essas e refletir como elas se manifesta-
ram (e será que ainda manifestam?) nas práticas pedagógicas, acesse o link:
https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/8427

Há mais de duas décadas, naquela época, Fiorentini (1995) considerava ainda


a existência de duas outras tendências que consideramos estarem atualmente
consolidadas: a tendência histórico-crítica que, analogamente à didática histó-
rico-crítica, considera que a aprendizagem em Matemática acontece quando o
aluno consegue atribuir sentido e significado aos conceitos e ideias matemáticas,
analisando-as criticamente; e a tendência sócio-interacionista-semântica, que
se sustenta na teoria de aprendizagem de Lev Vygotsky e, segundo Cunhasque e
Grando(2006, p. 79), “[...] a ênfase está no processo de significação e, portanto, o
professor tem o papel de planejar atividades que possibilitem tanto a apropriação
como a atribuição de significados”.
Você se lembra de quando estudou didática e falamos de Didática Tradi-
cional, Escolanovista e Tecnicista? Pois bem, as tendências identificadas por
Fiorentini (1995) se aproximam dessas didáticas.
Assim, para a tendência formalista clássica, o professor é o centro do pro-
cesso de ensino e aprendizagem e, para se melhorar o ensino e a aprendizagem

40
UNICESUMAR

da Matemática, basta ter um professor com muitos conhecimentos matemáticos.


Para a formalista moderna, as concepções de ensino e aprendizagem não mu-
dam. O que muda são os “conteúdos”, com a ênfase recaindo nos aspectos lógicos
e estruturais da Matemática. Em ambas as tendências, o aluno é passivo.
Da mesma forma que a Didática Escolanovista surge em oposição à Didática
Tradicional, a tendência empírico-ativista surge em oposição às formalistas, e
o professor deixa de ser o centro do processo, passando a ser um facilitador da
aprendizagem, e a metodologia se sustenta em atividades em pequenos grupos, com
exploração de materiais manipuláveis. “No processo de ensino há a valorização da
pesquisa, da descoberta, dos estudos do meio e das atividades experimentais, com
o que o aluno aprende fazendo” (CUNHASQUE; GRANDO, 2006, p. 78).
Da mesma forma que a Didática Tecnicista, a tendência tecnicista em Edu-
cação Matemática considera que “[...] a escola tem o papel de preparar recursos
humanos e tecnológicos para uma sociedade cujo sistema seria tecnologicamente
perfeito, orgânico e funcional” e, assim, a metodologia das aulas de Matemática
se centra nos recursos, como calculadoras, computadores, softwarese em estra-
tégias de ensino e técnicas de organização escolar. Para Fiorentini (1995, p. 18),
os conteúdos tendem:


[...] a ser encarados como informações, regras, macetes ou princí-
pios organizados lógica e psicologicamente por especialistas [...] e
que estariam disponíveis nos livros didáticos, nos módulos de en-
sino, nos jogos pedagógicos, em “kits” de ensino, nos dispositivos
áudio visuais, em programas computacionais [...]

Saindo dos três tipos “históricos” de Didática, adentramos no terreno das didáti-
cas atuais, cujos paralelos são as tendências construtivista e socioetnocultural,
esta última essencialmente ligada à Didática progressista de Paulo Freire.
Para a tendência construtivista, a Matemática é concebida como uma cons-
trução humana, tendo sua origem na Epistemologia Genética de Jean Piaget,
embora nem todo construtivismo hoje seja genético.

41
UNIDADE 1

EXPLORANDO IDEIAS

De modo geral, Epistemologia Genética pode ser atribuída a uma teoria de aprendiza-
gem idealizada por Jean Piaget, mas não deve ser reduzida a ela. No contexto do ensino
e aprendizagem, o termo Epistemologia faz referência à construção do conhecimento e
o termo Genética, ao como, na perspectiva desse teórico e seguidores, o sujeito vai ela-
borando e modificando as suas estruturas internas com e a partir desse conhecimen-
to. Como uma espiral em movimento, a aprendizagem ocorre com as experiências que
o sujeito vivencia, ele sempre estará num estágio de conhecimento mais evoluído em
relação a um anterior; ainda que estímulos externos influenciam nesse desenvolvimen-
to, as estruturas orgânicas são as determinantes. Termos como esquema, assimilação,
acomodação, equilibração e adaptação são importantes, pois, grosso modo, o sujeito
possui uma série de esquemas e quando se depara com novos desafios que o causam
desequilíbrio, ainda que inconscientemente, ao buscar (re)equilibrar-se, ele procura en-
caixar o novo objeto ao seu conjunto de esquemas e, para isso, modificará os existentes
ou criará novos, reorganização suas estruturas.

Para se considerar construtivista, o ponto de partida é se admitir que o conhe-


cimento é um “estado” em constante construção. Para essa tendência, o caráter
formativo do conhecimento matemático favorecia o desenvolvimento do pen-
samento lógico-formal. Uma mudança substancial para as aulas de Matemática
é que aqui não se busca mais por respostas exatas e o erro “[...] não mais é consi-
derado como um aspecto negativo, passando a ser visto como um momento rico
do processo de aprendizagem” (CUNHASQUE; GRANDO, 2006, p. 78).
Para a tendência socioetnocultural, a Matemática, mais do que ser uma
construção humana, seria influenciada histórica e culturalmente pelas diferentes
práticas sociais e, assim, em consonância com a Didática progressista, os “[...]
problemas do cotidiano, passam a ser o ponto de partida do processo ensino-
-aprendizagem, numa relação dialógica entre professor e aluno” (CUNHASQUE;
GRANDO, 2006, p. 79).
Fica evidente, por meio dessas tendências, que o papel do educador no ensino
de Matemática é imprescindível para o êxito de qualquer uma delas na sala de
aula. Compreendendo a Educação Matemática no contexto de nossa disciplina
como ação pedagógica em sala de aula e não como área de conhecimentos (no
sentido de pesquisa científica), entendemos que a prática não admite especifi-
camente e unicamente elementos de uma das “oito” tendências identificadas por
Fiorentini (1995). Queremos dizer que, na sala de aula, o dinamismo acontece,

42
UNICESUMAR

portanto, a intencionalidade pedagógica do educador admite ou conjuga dife-


rentes aspectos entre os supracitados.
Assim, entendemos que o conhecimento matemático é construído (tendência
construtivista), com o estudante sendo um sujeito ativo nessa construção (peda-
gogia ativa), mas que o nosso papel de educador(a) é fundamental para favorecer
essa construção. Para isso, você pode planejar as aulas com atividades que tenham
significado para os estudantes (tendências histórico-crítica e sociointeracionista
semântica). Ora, mas para que sejam elaboradas tais atividades, um bom caminho é
buscar situações do cotidiano do estudante (tendência socioetnocultural). Contudo,
nenhum conhecimento prescinde da sistematização, ou seja, há a necessidade de
que você, educador(a), como “fechamento” do processo, apresente o conhecimento
matemático formalizado e, daí, alguns aspectos das tendências formalista clássica
ou moderna (depende de qual matemática se está tratando) entrarão em cena.
Você pode observar que, das oito tendências mencionadas por Fiorentini
(1995), não falamos aqui apenas da tecnicista. Entretanto, alguns aspectos dessa
tendência, como planejamento das atividades e avaliação do ensino desenvolvido,
devem também estar presentes quando se pretende uma educação matemática
de boa qualidade.
Enfim, o que pretendemos estabelecer é que nenhuma tendência sozinha
“dá conta” da complexidade dos processos de ensinar e de aprender, e também
nenhuma delas pode ser completamente desconsiderada na ação pedagógica. Daí
a importância do professor e sua formação, pois ele é responsável por balizar o
“quanto” de cada uma delas compõe sua ação pedagógica. Esse raciocínio também
é válido quando se trata de tendências teóricas da Educação Matemática.
Não se propõe, aqui, que toda ação docente seja pautada exclusivamente pela
Modelagem, pela Etnomatemática ou pela Resolução de Problemas. Cada con-
teúdo a ser ensinado pode se adaptar melhor a uma ou outra abordagem e essa
decisão cabe ao docente. O profissional que ensina Matemática deve desempe-
nhar o papel de mediador entre o conhecimento matemático e o estudante na
construção de seu conhecimento. Para realizar essa tarefa com segurança, esse
profissional precisa ter uma sólida formação em Matemática, juntamente com
outros conhecimentos específicos do ofício de ensinar. Para facilitar nessa tarefa,
ele pode contar com documentos norteadores ou propostas curriculares.
As propostas curriculares atualmente em vigor no Brasil são: Referencial
Curricular Nacional para a Educação Infantil – RCNEI, os PCN para os ensinos

43
UNIDADE 1

Fundamental e Médio que, como os próprios nomes indicam, são documentos


norteadores, cabendo a cada Estado e mesmo a cada município o estabelecimento
de suas propostas curriculares. Como obrigatoriedade, temos a BNCC, que em-
bora seja possível algumas interpretações categóricas a respeito dessas tendências,
ela se mostra mais como uma estrutura curricular. No Estado do Paraná, temos as
Diretrizes Curriculares para a Educação Básica – DCE e, atualmente, o Currículo
da Rede Estadual Paranaense – CREP.
Tanto os documentos nacionais quanto os estaduais se caracterizam pela
apresentação não apenas de um rol de conteúdos, mas também de discussões
acerca do conhecimento matemático, de concepções didático-pedagógicas es-
pecíficas (os documentos nacionais defendem a construção dos conhecimentos,
e o estadual destaca a importância sócio-histórica desse conhecimento) e todos
estabelecem orientações metodológicas, ou, segundo os PCN (1998, p. 32), “ca-
minhos para se fazer Matemática em sala de aula”. Tanto os documentos
nacionais quanto as diretrizes estaduais apresentam os conteúdos agrupados em
“blocos” (quatro blocos para o RCNEI e os PCN, a saber: Números e Operações;
Espaço e Forma; Grandezas e Medidas; Tratamento da Informação). Na
BNCC, temos as “unidades temáticas”, Números, Álgebra, Geometria, Gran-
dezas e Medidas, Probabilidade e Estatística e, em “eixos estruturantes” (cinco
para as DCE, a saber: Números e Álgebra; Grandezas e Medidas; Geometrias;
Funções; Tratamento da Informação).


[...] por meio da articulação de seus diversos campos – Aritmética,
Álgebra, Geometria, Estatística e Probabilidade –, precisa garantir
que os alunos relacionem observações empíricas do mundo real a
representações (tabelas, figuras e esquemas) e associem essas repre-
sentações a uma atividade matemática (conceitos e propriedades),
fazendo induções e conjecturas. Assim, espera-se que eles desen-
volvam a capacidade de identificar oportunidades de utilização da
matemática para resolver problemas, aplicando conceitos, procedi-
mentos e resultados para obter soluções e interpretá-las segundo os
contextos das situações (BRASIL, 2018, p. 265).

As DCE denominam os eixos organizadores de Conteúdos Estruturantes,


estabelecendo que são “[...] os conhecimentos de grande amplitude, os con-
ceitos e as práticas que identificam e organizam os campos de estudos de

44
UNICESUMAR

uma disciplina escolar, considerados fundamentais para a sua compreensão”


(PARANÁ, 2008, p. 49).

EXPLORANDO IDEIAS

Comparando os PCN e as DCE, nesta última, temos a presença de um quinto eixo, Fun-
ções, em relação aos PCN. Esse eixo se consolida a partir dos anos finais do Ensino Fun-
damental, porém, compreendemos que, desde os Anos Iniciais, pode ser abordado com a
relação de dependência entre duas quantidades, presente na multiplicação, por exemplo.
As DCE inovam também com o conteúdo estruturante Geometrias, em que noções de
geometrias não euclidianas são explicitadas a partir do quinto ano, mas que são iniciadas
já na Educação Infantil, com as noções topológicas de interior e exterior de uma figu-
ra, por exemplo. Não podemos deixar de mencionar a BNCC, que apresenta como uma
unidade temática, Probabilidade e Estatística. Semelhante ao que tínhamos nos PCN,
Tratamento da Informação, na Base há indicação de que habilidades como coletar, or-
ganizar, representar, interpretar e analisar dados oriundos de diferentes contextos são
indispensáveis na sociedade contemporânea.

Como ponto comum, tanto as propostas nacionais quanto a do Estado do


Paraná apresentam encaminhamentos metodológicos, a saber: Resolução de
Problemas, Etnomatemática, Modelagem Matemática, Mídias Tecnológicas,
História da Matemática e Investigações Matemáticas, no caso das DCE e Re-
solução de Problemas, História da Matemática, Tecnologias da Informação e
Jogos, para os PCN.
Os PCN denominam essas abordagens de “caminhos para fazer Matemática
na sala de aula”, e as DCE de “encaminhamentos metodológicos”. Pois bem, tra-
balhar com as abordagens propostas pela Educação Matemática exige preparação
adequada do professor, planejamento cuidadoso, mas flexível, das ações, o envol-
vimento da escola, a compreensão dos pais, principalmente porque a avaliação
precisa ser adequada à metodologia escolhida, mas, principalmente, exige do
professor uma enorme e permanente dedicação.
Bom, caro(a) estudante, até aqui tivemos a oportunidade de refletir sobre al-
guns pontos que não são muito conhecidos fora do meio acadêmico, por exemplo,
que a diferença da natureza dos conhecimentos, em particular das ciências da
natureza (Física, Química e a Biologia) e da Matemática, estabeleceu a necessi-
dade de didáticas diferenciadas para cada uma dessas ciências.

45
UNIDADE 1

Vimos que as discussões acerca do ensino da Matemática se intensificam em


meados do século XX, com o advento do Movimento da Matemática Moderna,
não é mesmo? A partir desse movimento, dos Congressos realizados, da reu-
nião de professores e pesquisadores em torno de interesses de estudos comuns,
foram se delineando as tendências em Educação Matemática. Também tivemos
a oportunidade de saber que esse corpo de conhecimentos está em movimento
de consolidação, pois o objeto de estudo centrado na prática pedagógica e que
engloba as múltiplas relações entre a Matemática, seu ensino e sua aprendiza-
gem ainda está em construção, sendo “moldado” (indefinidamente) por esse
momento de estudos que estamos tendo, junto a tantos outros(as) futuros(as)
professores como você.
Durante a construção desse campo de conhecimento, os problemas enfrentados
foram e são tão complexos que, segundo Steiner (1985 apud GODINO, 1991, p.
142), produziam duas reações extremas: os que afirmam que a Educação Matemáti-
ca não poderia se constituir como um campo com fundamentação científica e que,
portanto, o ensino da Matemática seria essencialmente uma arte, e os que, acredi-
tando ser possível a existência da Educação Matemática como ciência reduzem a
complexidade dos problemas selecionando somente aspectos parciais, como análise
de conteúdos, construção do currículo, métodos de ensino, desenvolvimento de
competências no estudante e interação em sala de aula, e lhes atribuem um peso
especial dentro do conjunto, ensejando diferentes definições e visões dela.
Não desconsideramos a enorme complexidade dos problemas enfrentados
pela Educação Matemática, até porque, se eles fossem fáceis, as dificuldades de
se ensinar e de aprender Matemática já teriam sido superadas. Entretanto, qua-
renta anos se transcorreram após a análise de Steiner (1985) e, apesar de ainda
os problemas serem abordados por temáticas (que constituem as tendências), a
Educação Matemática avançou muito do ponto de vista científico, podendo sim
ser reconhecida como área científica.
Agora chegou a hora de refletirmos acerca dos conhecimentos favorecidos
pelos estudos que realizamos até aqui. Com base nas reflexões e conhecimentos
construídos, você, como futuro(a) educador(a), o que pensa a respeito da for-
mação do educador matemático para enfrentar o dia a dia da profissão?
Vamos fazer um exercício que pode te ajudar a responder essa pergun-
ta: imagine-se como professor que ensina Matemática em uma escola pública
(caso já não esteja na função) e relembre suas experiências como estudante

46
UNICESUMAR

de Matemática na segun-
da fase do Ensino Funda-
mental e no Ensino Médio.
Existia o enfrentamento de
dificuldades aparentes pe-
lo(a) seu(sua) professor(a)?
Veja, mesmo assim,
existem motivos que fize-
ram com que você optasse
por esse curso. Para você,
o que seria um ensino de
Matemática de boa qualida-
de? Como o professor pode
contribuir para isso? Essas e
outras perguntas nos guiam
ao nosso futuro ambiente
profissional. E uma forma-
ção que se preze pela quali-
dade (isso me envolve como
autor desse material, o pro-
fessor da disciplina, a insti-
tuição, mas, sobretudo, você
como futuro(a) profissional)
tende a valorizar elementos
que extrapolam essa visão
de conteúdo, ela precisa ir
além… adentrar aos pro-
blemas da escola, relacionar
teoria e prática, fazer-nos
refletir sobre: agora que
sou professor que ensina
Matemática, o que fazer?
Reflita sobre isso!

47
1. Considerando a Didática da Matemática como o conjunto de meios e procedimentos
que buscam favorecer a aprendizagem da Matemática, avalie as seguintes afirmações
e a relação proposta entre elas:

I - A Didática da Matemática é uma área de conhecimento que, apesar de inde-


pendente da Psicologia e da Matemática, relaciona-se intimamente com esses
campos científicos.
PORQUE

II - A Didática da Matemática recorre sempre à Psicologia como sustentação teórica


e tem como ponto de partida os conhecimentos matemáticos que se pretende
ensinar.
a) As afirmações I e II são verdadeiras, e a II é uma justificativa correta para a I.
b) As afirmações I e II são verdadeiras, mas a II não é uma justificativa correta para a I.
c) A afirmação I é verdadeira, mas a asserção II falsa.
d) A afirmação I é falsa e a afirmação II é verdadeira.
e) As afirmações I e II são falsas.

2. O trecho a seguir evidencia uma entrevista da professora Amélia Domingues de


Castro à pesquisa de Viviane Ferreira (2011):

No interior da faculdade, o conflito existia… Era um “conflito de limites”: até onde vai
a Didática e onde começa a Prática de Ensino? [...] Então você estuda uma teoria da
prática? Então você estuda na faculdade? E os professores de Didática Especial, que
passaram para as Práticas de Ensino, diziam: “Mas eu preciso ter aulas com esses
alunos! Eu não posso soltar essa turma nas escolas! O que eles vão fazer lá se não
houver uma organização aqui?” A luta foi para conseguirmos aulas no currículo. E
muitos diziam: “O que vocês querem é teoria da prática!” E nós dizíamos: “É isso
mesmo! Teoria da prática!” Você não pode ter uma prática que seja por ensaio, erro
e acerto (CASTRO, 2007 apud FERREIRA, 2011, p. 98).

Analisando esse excerto, assinale a alternativa correta sobre a Prática de Ensino.

I - Esse trecho da entrevista evidencia o movimento de conquista dos primeiros


professores de Prática de Ensino, para que essa disciplina ganhasse seu espaço
no currículo da formação de professores, sendo responsável por articular teoria
e prática.

48
II - O trecho da entrevista mostra o desafio por demarcar os conteúdos que seriam
destinados à Didática e à Prática de Ensino. No caso da Matemática, esse desafio
exigiu clareza de conhecimentos e saberes sobre como se aprende e se ensina
Matemática.
III - O trecho da entrevista mostra que, em linhas gerais, a Prática de Ensino é uma
disciplina que se preocupa com a prática, já que os conhecimentos teóricos se
tornam dispensáveis quando realizamos a ação pedagógica.
IV - O trecho da entrevista evidencia a preocupação que se tinha em formar pro-
fessores apenas com experiências em sala de aula, sem o domínio da teoria
matemática ou dos conhecimentos didático-pedagógicos.
Em relação às alternativas, é correto o que se afirma em:

a) II, apenas.
b) I e II, apenas.
c) III e IV, apenas
d) I, II e IV, apenas.
e) I, III e IV, apenas.

3. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, há algumas concepções acerca do sa-


ber matemático, do aluno, do professor, bem como das relações que se estabelecem
entre eles para planejar a prática pedagógica desencadeando uma aprendizagem.
Segundo esse documento:

“[...] o estabelecimento de relações é fundamental para que o aluno compreenda efe-


tivamente os conteúdos matemáticos, pois, abordados de forma isolada, eles não se
tornam uma ferramenta eficaz para resolver problemas [...]. [contudo] a prática mais
freqüente no ensino de Matemática tem sido aquela em que o professor apresenta o
conteúdo oralmente, partindo de definições, exemplos, demonstração de proprieda-
des, seguidos de exercícios de aprendizagem, fixação e aplicação, e pressupõe que o
aluno aprenda pela reprodução. Assim, considera-se que uma reprodução correta é
evidência de que ocorreu a aprendizagem” (BRASIL, 1998, p. 37).

Interpretando esse excerto à luz das tendências apontadas por Fiorentini (1995),
analise as asserções e assinale a correta.

49
I - O excerto contextualiza o ensino de Matemática, afirmando que esse modo de
abordar a prática pedagógica partindo de definições, exemplos, demonstração
de propriedades, seguidos de exercícios de aprendizagem, fixação e aplicação
contribui para o estabelecimento de relações.
PORQUE

II - Estabelecer relações é uma forma de contribuir com as aprendizagens e, embora


esse modelo de prática seja convergente às manifestações de ações que fazem
referência às tendências clássica e moderna, o excerto indica que ele deve ser
superado para que, de fato, essa aprendizagem seja resultado de relações entre
a matemática e outras áreas.
a) As afirmações I e II são verdadeiras, e a II é uma justificativa correta para a I.
b) As afirmações I e II são verdadeiras, mas a II não é uma justificativa correta para a I.
c) A afirmação I é verdadeira, mas a asserção II falsa.
d) A afirmação I é falsa e a afirmação II é verdadeira.
e) As afirmações I e II são falsas.

50
2
História da
Matemática
e Educação
Matemática
Dra. Clélia Maria Ignatius Nogueira
Dr. Wellington Piveta Oliveira

Caro(a) estudante, seja bem-vindo(a) a essa segunda unidade de estu-


dos e reflexões. Aqui, você terá a oportunidade de refletir, a partir das
discussões que serão apresentadas, sobre as possibilidades pedagó-
gicas da História da Matemática no processo didático da Matemática
escolar, em qualquer nível de ensino; sobre a História da Matemática
como fonte de situações-problema; e, também, estabelecer as inter-
conexões entre os eixos estruturais da Educação Matemática, por
exemplo, a investigação e a problematização, e a História da Mate-
mática. Para tanto, discorreremos sobre a História da Matemática na
contextualização do saber; a importância da História da Matemática
na formação docente; e, a História da Matemática como agente de
cognição na Educação Matemática.
UNIDADE 2

Para iniciarmos os estudos e reflexões no tocante à História da Matemática sob o


viés da Prática de Ensino, convido você para a seguinte reflexão: como um conteúdo
abordado, por exemplo, na disciplina História da Matemática pode ser utilizado
para abordagens de ensino e aprendizagem? Como abordar, por exemplo, a radi-
ciação, no 8º ano dos Anos Finais do Ensino Fundamental? Pense um pouco! Ficou
curioso? Então, sigamos, pois explicitaremos alguns pressupostos teórico-práticos
que serão úteis para elaborar possíveis respostas para essa pergunta.
É evidente que a pergunta anterior é um convite para que você possa refletir
sobre as potencialidades da História da Matemática quando planejar uma prática
pedagógica desencadeadora da aprendizagem. Contudo, é importante que tome-
mos conhecimento, num sentido mais teórico, de que quando nos referimos à
História da Matemática para ensinar Matemática, emerge um viés metodológico,
isto é, aponta para um “fazer didático-pedagógico” com ela, o que é diferente de
tratarmos de aspectos históricos da Matemática como conhecimento.
É por isso que, antes de adentrarmos em elementos específicos da História
da Matemática sob um viés metodológico – foco dessa componente curricular
de Prática de Ensino –, vamos diferenciar os três campos atuais de investigação,
quando o assunto é História da Matemática. De maneira geral, vamos considerar,
aqui, a importância que a História da Matemática; a História na Educação Ma-
temática e a História da Educação Matemática têm na formação do profissional
que trabalha com a Matemática.
Conhecer a História da Matemática é muito útil ao fazer pedagógico, porque
pode despertar o interesse dos estudantes quando elementos históricos passam a
fazer parte da prática pedagógica. Esses elementos se configuram como anedo-
tas e notas históricas ou, simplesmente, a explicitação dos problemas dos quais
se originaram determinados conteúdos matemáticos. Esses elementos podem
contribuir para que a solução matemática de problemas ou das demonstrações
que são realizadas no contexto educacional ganhe sentidos e significados encon-
trando justificativas do porquê estudá-la.
Outro desses campos é a História da Educação Matemática, que não deve
simplesmente ser entendida como a História da Matemática escolar, mas como
a História de várias áreas da Educação Matemática, como história do ensino
de determinados conteúdos matemáticos, história de educadores matemáticos,
história dos livros didáticos, de instituições educacionais etc.

52
UNICESUMAR

E, finalmente, por História na Educação Matemática, entendemos a presença


da História da Matemática em diversas áreas da Educação Matemática, seja como
campo de pesquisa ou abordagem metodológica. Esse é o foco desta unidade.
A História da Matemática pode contribuir para dar sentido aos conceitos es-
tudados porque ela esclarece as ideias matemáticas que estão sendo construídas
pelos estudantes e sugere caminhos para a abordagem dos conceitos e os objetivos
a serem alcançados com eles. Esta é a discussão que encaminhamos nesta unidade,
apoiados em Miguel e Miorim (2004, p. 10) que justificam a importância de promo-
ver um vínculo entre “[...] a produção sócio-histórica do conhecimento matemático
no passado e a produção/apropriação desse conhecimento no presente”.
Como você pode ver, embora se tenha interseções entre os conceitos, eles
também admitem as suas particularidades, e para que possamos ampliar o seu
repertório conceitual, a proposta é de que você coloque a “mão na massa”. Você
pode se perguntar: “Como assim?”. Bem, vários estudiosos sobre Educação Mate-
mática evidenciam a importância de que, na formação do educador matemático,
algumas experiências sejam desenvolvidas, a fim de construir bases sólidas para
a formação profissional docente.
Diante disso, convido você a experienciar uma atividade ancorada na Histó-
ria da Matemática para que tenha condições de analisá-la, após os estudos que
desenvolveremos com esta unidade.
O breve caso a seguir pode surgir como respostas a uma abordagem de en-
sino no 8º ano do Ensino Fundamental, para o conteúdo de radiciação. Essa
experiência foi inspirada em Silva, Lima e Silva (2019), e as autoras relataram
que, muitas vezes, a radiciação pode ser um conteúdo abstrato de ser abordado
em sala de aula.
Na prática desenvolvida, inicialmente, foi apresentada uma definição que
constava no livro didático e, em seguida, alguns exemplos foram desenvolvidos
no intuito de que os estudantes compreendessem a definição. Como estratégia
didática, foi apresentado um texto revelando as contribuições dos povos babilô-
nicos à Matemática e, dentre eles, um método para o cálculo da raiz quadrada de
um número. Junto ao texto, foi apresentada a figura a seguir, com o objetivo de
ilustrar a estratégia para o cálculo da raiz quadrada do número 2.

53
UNIDADE 2

Figura 1: Tabuleta 2 - Babylonian Collection,


Yale University
Fonte: MOL (2013).

Descrição da Imagem: a imagem represen-


ta uma rocha num formato circular. Nela há
alguns frisos indicando a representação de
um quadrado e suas diagonais.

Sabendo o método utilizado, na se-


quência, estabeleceu-se um diálogo
acerca de como o método seria utili-
zado, na prática, para encontrar a raiz
quadrada de um número, o que levou os estudantes e professores à resolução
de alguns exemplos, no quadro. Conhecido o método, realizaram o cálculo de
2 2 , isto é, a = 2 , iniciando a1 = 1 e sendo acordado de utilizarem quatro
decimais após a vírgula. O quadro a seguir ilustra o movimento de resolução:
Para a = 2, temos que:

As autoras relataram que, no desenrolar da atividade, os estudantes alertaram


sobre a possibilidade de calcular a raiz quadrada de um número sem utilizar
instrumentos, tais como a calculadora, o que até então, parecia impossível. Na
sequência, foi proposto o cálculo da raiz quadrada considerando a = 4 e a1 = 1
Prontamente, os estudantes responderam 2, mas foram convidados a utilizarem
o método. Assim, temos que:

54
UNICESUMAR

Em meio às discussões, encontrar a raiz de um número “qualquer” pareceu interes-


sante, mas uma pergunta surgiu: quando calcular a raiz de 80, começaremos por
a1 = 1 ?. Foi quando um dos estudantes relatou que “81 tem raiz quadrada igual
a 9, assim 80 é perto de 81, então a raiz é perto de 9”. Essa contribuição levou os
estudantes a calcularem a raiz de 80, ou seja, a = 80, tendo a1 = 9 e, nesse contexto,
considerar quatro casas decimais foi importante para encontrarem o resultado.
Caro(a) estudante, você concorda que essa pergunta gerou um conflito e a
própria atividade promoveu a investigação? Veja que ela emergiu da utilização de
um método histórico em sala de aula e que a sua utilização, tendo como respaldo
a História da Matemática, contribuiu para que os estudantes compreendessem
que é possível calcular a raiz quadrada sem recorrer a uma calculadora, ainda que
esse não fosse o objetivo da professora. Pois é, e já estavam no 8º ano!
Agora que você experimentou cognitivamente alguns aspectos de uma práti-
ca, convido você a refletir e apontar, no Diário de Bordo, o que você pensa sobre
esse tipo de atividade na Educação Básica? Ela envolve conhecimentos históricos?
Ela poderia ser introduzida e conduzida de modo diferente? Na sua compreensão,
por que essa atividade pode ser importante para o processo de ensino e aprendi-
zagem do(a) estudante? Já deixei algumas indicações.
Lembre-se de anotar as suas reflexões para que, ao término dos estudos,
possamos revisitá-las e confrontar os seus argumentos à luz dos conheci-
mentos construídos.

55
UNIDADE 2

Certamente, a prática pedagógica relatada anteriormente revelou, em poucos argu-


mentos, a História da Matemática no processo de contextualização do saber.
Em função da maneira descontextualizada, despersonalizada e atemporal
com que o matemático reorganiza os conhecimentos produzidos em suas pes-
quisas, para dar-lhes uma forma, segundo Brousseau (1996, p. 48),“[...] mais geral
possível [...] e comunicável”, a Matemática carrega estereótipos que se constituem
em “verdadeiros dogmas”, conforme estabelecido por Machado (1990, p. 20): “A
Matemática é exata”; “A Matemática é abstrata”; “A capacidade para a Matemáti-
ca é inata”; “A Matemática justifica-se pelas aplicações práticas”; “A Matemática
desenvolve o raciocínio”.
Ainda segundo Machado (1990, p. 20), esses “slogans”, quando entrelaçados,
“[...] acabam por constituir uma bem tecida rede que distorce a visão da Matemá-
tica para as pessoas em geral, dificultando uma ação pedagógica mais fecunda”.
Isso já era alertado pelo matemático e filósofo português Bento de Jesus Ca-
raça, em um livro indispensável para todos que se interessam pela Matemática,
intitulado Conceitos Fundamentais da Matemática, publicado, pela primeira
vez, em 1948: “A Matemática é geralmente considerada como uma ciência à parte,
desligada da realidade, vivendo na penumbra do gabinete, um gabinete fechado,
onde não entram os ruídos do mundo exterior, nem o sol, nem os clamores dos
homens” (CARAÇA, 1984, p. XIV).
Para o matemático português, contudo, essa visão da Matemática seria apenas
em parte verdadeira e uma visão totalmente diferente da Matemática, assim como de

56
UNICESUMAR

toda ciência emerge, quando se procura “[...] acompanhá-la no seu desenvolvimento


progressivo, assistir à maneira como foi sendo elaborada” (CARAÇA, 1984, p. XIII).
Atualmente, segundo Mendes, Fossa e Valdés (2006, p. 11), o “[...] lugar da mate-
mática nos contextos cotidiano, escolar e científico tem sido alvo de discussões [...]
que volta e meia costumam resgatar aspectos referentes ao uso desse saber como
ferramenta” para diferentes atividades profissionais. Na tentativa de desvincular
a Matemática dessa visão cartesiana, ou estereótipo, de que encontramos justifi-
cativas para a Matemática dada às suas aplicações práticas (MACHADO, 1990),
retomamos a discussão aqui já iniciada de “[...] caracterizações da matemática que a
apresentam como uma ciência à parte, sem história e sem inter-relações com outros
aspectos da cultura humana” (MENDES; FOSSA; VALDÉS, 2006, p. 11).
Desmistificar essa visão da Matemática de algo desvinculado do mundo real
tem sido alvo de inúmeras pesquisas, as quais apresentam como recomendação
em comum que o ensino dessa disciplina procure se pautar, por exemplo, em
resolução de problemas que sejam significativos para o aluno ou, dito de outra
forma, “contextualizados”.
Brousseau (1996, p. 48), inclusive, especifica que, em sua ação pedagógica com
a Matemática, o professor deve iniciar a apresentação de um determinado conteú-
do, realizando um “[...] trabalho inverso ao do cientista, uma recontextualização
do saber: procura situações que deem sentido aos conhecimentos que devem ser
ensinados”. Entretanto, conforme anteriormente explicitado, o saber matemático é
generalizado, isto é, deve ser descontextualizado, impessoal e atemporal. Portanto,
ainda segundo Brousseau (1996), para que os conhecimentos matemáticos sejam
efetivamente construídos, se a fase de contextualização realizada pelo professor
foi efetiva, é necessário ainda um segundo movimento, o de descontextualização.
Assim, somente quando o aluno utilizar o conhecimento que produziu em uma
situação contextualizada em outras situações é que o conceito está construído.


Para transformar suas respostas e seus conhecimentos em saber
deverá, com a ajuda do professor, re-despersonalizar e re-descontex-
tualizar o saber que produziu, para poder reconhecer no que fez algo
que tenha caráter universal, um conhecimento cultural re-utilizável
(BROUSSEAU, 1996, p. 48).

57
UNIDADE 2

A contextualização dos conhecimentos matemáticos escolares tem sido cons-


tantemente debatida, sendo que uma recomendação dos pesquisadores é que
se procure superar a visão utilitarista da Matemática, que reduz as situações de
contextualização a situações do cotidiano, quase sempre sendo reduzidas a ope-
rações de “compra e venda”. Muitas vezes, a contextualização, principalmente
para os níveis mais elevados da escolarização, pode ser possível apenas mediante
problemas internos à própria ciência matemática.
Quando nos referimos a situações de contextualização, estamos nos referindo
a situações de aprendizagem que favoreçam a construção dos conhecimentos
pelos alunos, como “[...] uma resposta pessoal a uma pergunta, e os faça funcionar
ou os modifique como resposta às exigências do meio e não a um desejo do pro-
fessor” (BROUSSEAU, 1996, p. 49). Assim, um dos principais desafios do ensino
de Matemática é introduzir na sala de aula uma melhor relação entre os conceitos
e a resolução de problemas, de maneira a torná-los interessantes e compreensíveis
para os alunos, motivando-os a mobilizar os conhecimentos já construídos para
sustentar a construção dos novos.
Como, então, estabelecer as relações entre o conteúdo e a forma de lidar com
esse conteúdo? Como escolhemos as situações-problema? Para fins deste texto,
denominamos de situação-problema tanto aquelas situações “[...] nas quais o
sujeito se encontra diante de um novo resultado matemático sem dispor de toda
informação necessária” (o que Borasi denomina de situação problemática) quan-
to “[...] aquelas tarefas que facilitam a formulação de conjecturas por parte do
aluno” (VALDÉS, 2006, p. 28).
É comum, conforme já mencionamos anteriormente, a questão “como es-
colhemos as situações-problema?” ter-se como resposta a contextualização, aqui
entendida como situações coletadas do cotidiano das pessoas. Essas situações
realmente são necessárias, porém podem não ser suficientes à aprendizagem, pois
a Matemática não se limita às questões da vida cotidiana. Outra possibilidade é
levar para a escola os problemas do matemático da maneira que ele os aborda.
Entretanto, não é suficiente escolher uma situação que seja apropriada para o
desenvolvimento da aula. Para haver aprendizagem, é preciso, ainda, que o aluno
reconheça, na situação proposta, algo que faça sentido para ele, que ele identifique
os objetivos nela ou que contenham “uma boa pergunta” – e isso não é uma tarefa
fácil quando se trata de problemas dos matemáticos.

58
UNICESUMAR

Para conseguir que os alunos construam determinado conceito, é necessário


mais do que situações isoladas, é necessário estabelecer uma cadeia de situações
que constituam o que Brousseau (1982) denominou de gênese artificial (porque
produzida intencionalmente) do conceito. Contudo, como articular uma sequên-
cia de situações que permita gerar um conceito? Para isso, de acordo com Lerner
(2001), algumas questões precisam ser respondidas, tais como:

QUESTÕES ORIENTADORAS À ELABORAÇÃO DE UMA SEQUÊNCIA DE SI-


TUAÇÕES

- Qual foi o problema de que originou essa técnica, esse conceito ou pro-
cedimento?

- Quais são os problemas capazes de promover a elaboração dos diferentes


significados desse conceito?

- Que problemas teóricos ou práticos são respondidos pela introdução de


determinado conceito, propriedade ou técnica?

- Como fazer avançar as soluções produzidas pelas crianças na direção do


conhecimento matemático que se pretende ensinar?

Para poder elaborar situações adequadas, é necessário conhecer não apenas os


conteúdos matemáticos específicos, mas onde eles são aplicados (para ter signifi-
cado) e, principalmente, quais são as suas condições de produção. Para isso, é pre-
ciso analisar, formalmente, determinado conhecimento matemático (conhecer
suas filiações, rupturas, aplicações, o que é possível mediante um conhecimento
consistente do conteúdo a ser ensinado) e, também, recorrer à gênese histórica
do conceito, o que é possível mediante a História da Matemática.
É a análise histórica que permite identificar os problemas dos quais origi-
naram um determinado conceito para reproduzi-los, pelo menos aproximada-
mente. Evidentemente, essa aproximação é relativa, pois as situações didáticas
elaboradas não precisam ser muito semelhantes à situação original; seus efeitos

59
UNIDADE 2

é que devem ser semelhantes. A construção histórica da noção no conhecimen-


to científico serve de referência e, sobretudo, contribui para a identificação dos
problemas que possuem como resposta a noção que se quer ensinar.
Vamos nos ater aqui ao que destacamos no parágrafo anterior. Não precisa-
mos restabelecer o problema original que deu origem a determinado conceito,
até porque tais problemas podem não ter significado para o estudante, no mo-
mento atual. Assim, é preciso recorrer ao que mencionamos anteriormente, como
“gênese artificial do conceito”. “A gênese escolar é ‘artificial’ no sentido de [que],
se diferencia do que ocorre com a gênese ‘natural’ ou ‘histórica’, é produzida in-
tencionalmente” (LERNER, 2001, p. 282).
Ainda segundo Lerner (2001), a gênese ou a formação, ou a construção de um
determinado conceito no âmbito da escola, acontece “[...] em condições muito
diferentes das que existiam no momento de sua gênese histórica”, entretanto,
conhecer como determinado conhecimento se constituiu ao longo dos tempos é
um ponto de referência importante. Como exemplo do que estamos afirmando,
consideremos o Teorema de Tales, que estabelece que feixes de retas paralelas
interceptados por retas transversais determinam segmentos de retas proporcio-
nalmente correspondentes.
Sejam as retas paralelas a, b e c, cujas intersecções com as retas transversais r
e s são, respectivamente, os pontos A, B e C; A’, B’ e C’, conforme a figura.

r s

A A’ a

B B’ b

C C’ c

60
UNICESUMAR

Então, a razão entre as medidas dos segmentos determinados em r: AB� � e BC � e a


razão dos segmentos determinados em s: A ' B � '� e B ' C ' são iguais, ou seja:

AB A ' B ' AB A ' B '


= =
BC B ' C ' BC B ' C '

A História da Matemática registra que Tales de Mileto (640-546 a.C.), conside-


rado um dos “sete sábios” da Grécia, passou alguns anos no Egito, onde estudou
Matemática com os sacerdotes egípcios. Ainda, segundo historiadores gregos
como Plutarco, Tales agradou o rei egípcio Amasis por ter sido capaz de medir a
altura das pirâmides com a ajuda de suas sombras e utilizando o resultado que
ficou conhecido como o Teorema de Tales e enunciado anteriormente.


De acordo com Plutarco, isto foi feito porque a razão do compri-
mento da sombra de um bastão na vertical para o comprimento
da sombra da pirâmide é igual à razão entre as alturas do bastão
e da pirâmide [...] Segundo Diógenes Laércio, as pirâmides foram
medidas por Tales usando um procedimento diferente, a saber, me-
dindo o comprimento da sombra da pirâmide e no momento em
que o comprimento da sombra do bastão é igual à sombra deste
(CAJORI, 2007, p. 44).

Para Cajori (2007), é bastante provável que os dois métodos foram usados. Borges
(2004) elaborou uma situação-problema semelhante à de determinar a medida
da altura da pirâmide, de maneira a produzir efeitos semelhantes, para a apre-
sentação do Teorema de Tales. Com os estudantes no pátio da escola, debaixo de
uma árvore, foi relatada a seguinte história:


Imaginem vocês que estão perdidos em uma ilha totalmente de-
serta devido a um naufrágio ocorrido com nosso barco. Os únicos
pertences que nos restaram foram as roupas do corpo e um pedaço
de pano branco. Como vocês não têm comida, precisam sair o mais

61
UNIDADE 2

rápido possível da ilha e, para isso, dependerão da ajuda de outro


barco qualquer, que deve passar perto da ilha nos próximos dias,
visto que este local faz parte de uma rota marítima de embarcações
turísticas. Para isso, vocês deverão amarrar o pano branco no ponto
mais alto possível, na esperança de que outro barco perceba a pre-
sença do grupo. Além disso, o grupo deverá construir uma escada
com madeira e cipó, visando facilitar a subida e descida deste ponto
da árvore, pois, assim, ficaria mais fácil avistar a aproximação de
outros barcos. O problema maior é que o local onde as madeiras e
o cipó apropriados para a construção estão localizados fica a uma
grande distância da árvore e ficaria mais fácil para o grupo saber a
altura exata da mesma, para que a escada fosse construída no mes-
mo local onde se encontra a matéria-prima, ou seja, a madeira ade-
quada e o cipó. Como calcular então a altura da árvore? (BORGES,
2004, p. 46-47).

É disso que falamos quando se trata de criar situações artificiais que produzam,
para a gênese do conceito, efeito semelhante aos estabelecidos pela situação origi-
nal. No caso da experiência realizada por Borges (2004), a finalização do processo
se deu com a formalização do conhecimento produzido, ou seja, o Teorema de
Tales. Para isso, foi mostrado aos alunos que um problema semelhante àquele que
lhes foi apresentado havia sido resolvido muitos séculos antes, pelo matemático
grego Tales, quando determinou a altura da pirâmide de Quéops, no Egito. Borges
(2004) destacou também a importância de se registrar os dados e garantir que o
conhecimento produzido possa ser utilizado por outras pessoas no futuro.
Ao relatar a experiência realizada a partir da contextualização explicitada
anteriormente, Borges (2004) menciona o desempenho do estudante por ele de-
nominado de F, que foi decisivo para a solução do problema, e também destaca
a importância da mediação do professor para que a aprendizagem se efetive:


Queremos enfatizar a importância do papel do professor nesse
tipo de situação. O grupo de alunos poderia chegar à solução do
problema sem a presença do educador, porém isso poderia levar
um tempo maior, o que não seria interessante para uma atividade
escolar. Consideramos que o professor deve criar no trabalho um
ambiente adequado e investigativo, apoiando o trabalho dos alunos

62
UNICESUMAR

e avaliando o progresso da aula. No caso de nossa pesquisa, houve


dificuldade para realizar a divisão e multiplicação com números
decimais, porém o grupo sabia quais os passos deveriam tomar.

Gostaríamos de registrar que, conversando com F (o menino que


sugeriu a solução do problema) logo após a terceira etapa de nossa
pesquisa, este me disse que era “ruim” em Matemática. A impressão
que ele nos passou era de que ele teria se saído bem naquela ati-
vidade porque ela não teria nenhuma relação com a Matemática
escolar. O que nos deixa outra questão para refletir [...] (BORGES,
2004, p. 49).

Esta é, portanto, uma importante contribuição da História da Matemática para


o ensino da Matemática ou, da História da Matemática na Educação Mate-
mática: a possibilidade de oferta de situações favoráveis ao aprendizado.
Contudo, para isso, é fundamental que o professor que ensina Matemática, em
qualquer nível de ensino, conheça a História da Matemática.
Procurando destacar elementos que justifiquem a abordagem dessas discus-
sões aqui, nesse momento da sua formação, passamos a discorrer sobre a impor-
tância da História da Matemática na formação docente.
De maneira geral, a formação em Matemática, seja para aqueles que desejam
se tornar matemáticos e mergulhar no mundo da pesquisa teórica, seja para aque-
les que se dedicam às suas aplicações ou para o professor que ensina Matemática,
não contemplava o estudo da História da Matemática.
Para Valdés (2006, p. 16), que é argentino, “[...] a história da matemática pode
estar totalmente ausente da formação universitária em nosso país”, situação que
não se diferencia em muito da realidade brasileira. Concordamos com o autor,
para quem o estudante de qualquer área se beneficiaria com o conhecimento da
História da sua disciplina, afinal, conhecer pelo menos um panorama global da
ciência, a qual vai dedicar toda sua vida profissional, pode fornecer bases mais
sólidas de atuação.
Valdés (2006, p. 16) acrescenta que o conhecimento da História da Matemáti-
ca, além de um eficaz auxiliar na ação pedagógica do professor, é também impor-
tante “[...] porque a história pode lhe proporcionar uma visão verdadeiramente
humana da Matemática” e, assim, aquele mito de que “a capacidade para a Mate-
mática é inata” cai por terra e a possibilidade de aprendizagem dessa disciplina

63
UNIDADE 2

por TODOS os estudantes se torna real. Assim, segundo o autor, saber como as
coisas aconteceram é importante para o professor, porque, dentre outros aspectos
menos relevantes, permite:

- Compreender melhor as dificuldades do homem genérico, da humani-


dade, na elaboração das ideias matemáticas e, através delas, as de seus
próprios alunos.

- Entender melhor a dedução das ideias, dos motivos e das variações da


sinfonia matemática.

- Utilizar este saber como um organizador da própria pedagogia.

Outro aspecto fundamental para o professor que ensina Matemática conhecer


a história dessa ciência se relaciona às respostas aos porquês. Se pretender-
mos um ensino de Matemática que favoreça a compreensão e a significação dos
conceitos, conteúdos e procedimentos, é fundamental que consideremos “[...]
o levantamento e a discussão dos porquês, isto é, das razões para a aceitação
de certos fatos, raciocínios e procedimentos por parte do estudante” (MIGUEL;
MIORIM, 2004, p. 46).
De maneira geral, segundo Jones (1969), os porquês que precisam ser con-
siderados pelos professores de Matemática são: os cronológicos (razões de na-
tureza histórica, como, por exemplo, por que há 60 minutos em uma hora?), os
1
lógicos (decorrentes de encadeamento lógico de proposições, do tipo: 3 = 3 2
e os pedagógicos (procedimentos metodológicos utilizados em sala de aula).
Mendes, Fossa e Valdés (2006, p. 90), ao estabelecerem que a História da Ma-
temática é capaz de “justificar as origens e os porquês matemáticos dos conteúdos
ensinados na escola”, concordam com Jones (1969) em que não são apenas os
porquês cronológicos ou de origem que são explicados pela História, mas que ela
“[...] não só pode como deve ser o fio condutor que amarraria as explicações que
poderiam ser dadas aos porquês pertencentes a qualquer uma das três categorias”
(MIGUEL; MIORIM, 2004, p. 47).
Os Parâmetros Curriculares Nacionais – Matemática, de acordo com Miguel
e Miorim (2004, p. 52), também consideram a História da Matemática como um

64
UNICESUMAR

“[...] espaço privilegiado para a seleção de conceitos”. Contudo, proporcionar


situações que favoreçam a gênese artificial dos conceitos não é a única possibi-
lidade da História da Matemática na Educação Matemática. Miguel e Miorim
(2004, p. 45) também sugerem “[...] como elemento orientador da sequência de
trabalho com um tema específico, [...] na apresentação de diferentes métodos
históricos; na discussão de problemas de natureza histórica”.

NOVAS DESCOBERTAS

História na Educação Matemática: Propostas e Desafios


Antonio Miguel e Maria Ângela Miorim
Editora: Autêntica
Sinopse: este livro foi uma das principais fontes de apoio para as
reflexões aqui apresentadas. Os autores discorrem sobre diferentes temas
de interesse daqueles que se propõem a ensinar Matemática. Neste texto,
fica clara a diferença que nos propomos estabelecer já na Introdução desta
unidade, quando tratamos de História da Matemática; História na Educação
Matemática e História da Educação Matemática. Os autores tratam, em es-
pecial, das interfaces entre a História da Matemática e a Educação Matemá-
tica, de forma acessível e interessante. Vale a pena você conferir para aper-
feiçoar as compreensões sobre a História da Matemática. Ah, e sabe o que é
bacana? Esse material pode ser encontrado na Biblioteca Digital Unicesumar
(BDU). Aproveite e tenha bons estudos!

Miguel e Miorim (2004) ainda reforçam, recorrendo a Zúñiga (1987), que a His-
tória da Matemática possui, ainda, o “[...] papel de um elemento esclarecedor
do sentido e das teorias e dos conceitos matemáticos que serão estudados”, sen-
do que esse papel só seria efetivamente cumprido mediante à “[...] utilização da
ordem histórica da construção matemática devidamente adaptada ao estado
atual do conhecimento” (destaque dos autores), alertando, contudo, que não se
trata de “[...] reproduzir mecanicamente a ordem cronológica de constituição dos
conceitos matemáticos na história”, mas sim buscar um equilíbrio entre a lógica
interna que norteia o processo de transformação de qualquer ciência ao longo
dos tempos, isto é, a evolução dos conceitos (MIGUEL; MIORIM, 2004, p. 46).

65
UNIDADE 2

Um bom exemplo da desconsideração da ordem histórica na apresentação


dos conteúdos matemáticos é encontrado no ensino do Cálculo Diferencial e
Integral. Primeiramente, apresenta-se o conceito de limite, depois de derivada;
e, finalmente, o de integral, como sendo a operação que permite determinar
uma função, a partir da sua derivada, ou seja, a integração e a derivação seriam
operações inversas.
Entretanto, Eudoxo de Cnido (408-cerca de 355 a.C.), pela demonstração
realizada do teorema que estabelece que as áreas dos círculos são proporcionais
ao quadrado das medidas dos diâmetros, que parece ser “[...] o primeiro teorema
preciso relativo a figuras curvilíneas, aponta Eudoxo como o provável originador
do cálculo integral” (BOYER, 1974, p. 78), ou seja, as origens do Cálculo Integral
remontam ao século IV a. C.; enquanto que o Cálculo Diferencial é estabelecido
quase que simultaneamente, por Newton e Leibniz, no século XVII depois de Cristo.
Resumindo, segundo Miguel e Miorim (2004, p. 53), a História da Matemática
pode favorecer a consecução de objetivos pedagógicos que levem o estudante a
perceber, por exemplo:

66
UNICESUMAR

HISTÓRIA DA
MATEMÁTICA EM AÇÃO
Objetivos Pedagógicos
1) A matemática como uma criação
humana;
2) As razões pelas quais as pessoas fazem
matemática
3) As necessidades práticas, sociais,
econômicas e físicas que servem de
estímulo ao desenvolvimento das ideias
matemáticas

4) As conexões existentes entre


matemática e filosofia, matemática
e religião, matemática e lógica etc.
5) A curiosidade estritamente
intelectual que pode levar à
generalização e extensão das ideias
e teorias

6) As percepções que os
matemáticos têm do próprio objeto
da matemática, as quais mudam e
se desenvolvem ao longo do tempo;
7) A natureza de uma estrutura, de
uma axiomatização, de uma prova.

Figura 2 - Objetivos pedagógicos da História da Matemática na Educação Matemática


Fonte: adaptado de Miguel e Miorim (2004).

Descrição da Imagem: ao topo da imagem, temos o título “História da Matemática em ação!”; logo abaixo,
temos como subtítulo, “Objetivos pedagógicos”. A seguir, descreve-se sete objetivos pedagógicos que
podem ser alcançados com a História da Matemática, utilizando de três ilustrações que fazem alusão ao
conteúdo de algumas delas, por exemplo, a ilustração de duas pessoas que remetem às razões humanas
pelas quais se produz matemáticas; um professor expondo um triângulo retângulo e a dedução do Teo-
rema de Pitágoras, fazendo referência à generalização de ideias e aplicação em outros contextos; e um
conjunto de instrumentos, como compasso, calculadora, régua e esquadro, evidenciando a construção e
natureza do conhecimento matemático que pode ser desvelado pela investigação histórica.

67
UNIDADE 2

Dessa forma, o que se busca ao recorrer à História da Matemática na Educação Ma-


temática é “[...] transmitir, de uma maneira mais sistemática possível, os processos de
pensamento eficazes na resolução de verdadeiros problemas” (VALDÉS, 2006, p. 19).
Na introdução desta segunda unidade, comentamos que a História da Ma-
temática nos permite compreender a natureza do conhecimento matemático.
Boyer (1974) comenta que, se fosse possível a um matemático atual viajar no
tempo, seria possível que ele mantivesse uma conversa com os matemáticos da
Grécia Antiga, o que não aconteceria, por exemplo, com um físico. A razão para
isso é que os conhecimentos matemáticos não são descartados. Por exemplo, a
criação ou a descoberta das geometrias não euclidianas não invalidou ou con-
testou os resultados da Geometria Euclidiana. Esses fatos nos permitem inferir
que o conhecimento matemático é cumulativo, pelo menos na forma como ele
é formalmente apresentado. Entretanto, a História da Matemática nos permite
constatar que o desenvolvimento dessa ciência não se deu nem se efetiva de ma-
neira linear e meramente acumulativa, ao contrário, apresenta crises e profundas
transformações de conceitos e teorias.
Valdés (2006) destaca que são muitos os equívocos cometidos por aqueles
que se dedicam à investigação matemática, às suas aplicações ou ao seu ensino
em virtude de uma formação que contemple a História da Matemática, dentre
os quais destacamos:


Visão individualista, na qual o conhecimento matemático aparece
como obra de gênios alienados, ignorando o papel do trabalho co-
letivo de gerações e de grupos de matemáticos;

Visão elitista, que esconde a significação dos conhecimentos atrás


do aparato matemático e apresenta o trabalho científico como um
domínio reservado a minorias, especialmente dotadas;

Visão descontextualizada, socialmente neutra, alijada dos proble-


mas do mundo e ignorando suas complexas interações com outras
ciências, a técnica e a sociedade (VALDÉS, 2006, p. 19).

É possível inferir que essas visões da Matemática estão na base dos estereótipos
estabelecidos por Machado (1990), aos quais já nos referimos anteriormente,

68
UNICESUMAR

além de afastar ou até mesmo alijar os estudantes dessa disciplina, reforçando a


importância da História da Matemática na formação docente.
A perspectiva histórica nos aproxima da Matemática, nos permite enxergá-la
como um bem cultural da humanidade e, ao compreendê-la como criação hu-
mana, a concepção que possuímos dessa ciência pode ser transformada. Particu-
larmente, no caso do professor, a maneira como ele concebe a Matemática exerce
enorme influência na maneira como ele orienta sua ação pedagógica. Afinal, não
existe uma definição precisa, bem ao gosto dos matemáticos, para o que seja um
“ensino de matemática de boa qualidade”, e, portanto, precisamos aceitar que o
que cada professor entende como maneiras adequadas para se ensinar Matemá-
tica se relaciona com sua concepção dessa ciência.
Se você estuda ou trabalha com Matemática, ela lhe parece a coisa mais na-
tural do mundo. Fica difícil até compreender por que todas as pessoas não são
apaixonadas por essa ciência! Entretanto, se paramos para pensar na natureza
do que fazemos, em nossos objetos de estudo, no que eles significam, então a
Matemática assume um caráter misterioso.

PENSANDO JUNTOS

Como podemos nos dedicar a estudar alguma coisa que nunca vimos no mundo real,
como um número, uma função, uma equação? Como podemos compreender esses obje-
tos, mais do que compreendemos objetos de nosso cotidiano, que enxergamos e muitas
vezes utilizamos, como, por exemplo, os recursos tecnológicos?

Fazer um exercício para pensar em respostas para essas questões pode nos co-
locar numa posição que compartilha de uma concepção platônica da Matemá-
tica. Sabemos que essa é uma concepção que parece estar superada, mas que é
frequentemente encontrada entre os profissionais da educação e que facilmente
“gruda” em nós. Compreender como ocorre a evolução da ciência Matemática,
perceber a dinamicidade de seu desenvolvimento, a motivação das ideias iniciais,
enriquece, amplia ou mesmo pode transformar a concepção que você tem dela.


Do ponto de vista do conhecimento mais profundo da própria ma-
temática a história nos proporciona um quadro no qual os elemen-
tos aparecem em sua verdadeira perspectiva, o que resulta em um

69
UNIDADE 2

grande enriquecimento, tanto para o matemático técnico como para


quem ensina (VALDÉS, 2006, p. 16).

Lembro-me de que, na primeira vez em que tive contato com a função logarítmi-
ca, como função inversa da função exponencial, peguei-me pensando em como
alguém conseguia “inventar” tais coisas. Para mim, era como se fossem peças de
um grande jogo em que tudo que era feito devia ser desfeito. A subtração “desfaz”
adição; a divisão “desfaz” a multiplicação. Para mim, esses eram os fundamentos
e, a partir daí, o matemático alienado em seu escritório inventava o que quisesse.
Eu não conseguia ver a importância ou a utilidade do estudo de tais conteúdos.
Eu me fascinava, simplesmente, pela coerência, consistência e os desafios de tais
estudos. Lembro-me também quando, apta ao exercício da docência, comecei a
estudar a História da Matemática e tudo aquilo que eu já conhecia assumiu sig-
nificado. Encontrei-me no texto de Valdés (2006, p. 15), que transcrevo a seguir:


A visão histórica transforma meros fatos e destrezas sem alma em
porções de conhecimento buscadas ansiosamente, e em muitas oca-
siões com genuína paixão por homens de carne e osso que se ale-
graram imensamente quando pela primeira vez se depararam com
elas. Quantos teoremas, que em nossos dias têm aparecido para os
estudantes como verdades que saem da obscuridade e se dirigem
para o nada, têm mudado o aspecto para nós, ao adquirir um per-
feito sentido dentro da teoria, depois de havê-la estudado mais a
fundo, incluído seu contexto histórico e biográfico?

A História da Matemática contribui ou mesmo derruba nossa visão platônica da


Matemática e nos mostra uma ciência vibrante. Dessa forma, têm crescido muito
as discussões que evidenciam a importância do ensino da História da Matemática
como disciplina escolar, em todos os níveis de ensino, mas, em particular, no en-
sino superior, nos cursos de licenciatura e bacharelado em Matemática. Paralela-
mente a esse fato, também têm sido intensas as discussões sobre como a História
da Matemática pode ser explorada pedagogicamente no ensino de Matemática.
Para ilustrar o que estamos afirmando, vamos considerar as recomendações
de dois ICME – Internacional Congress in Mathematics Education, separados

70
UNICESUMAR

no tempo por um intervalo de 16 anos; o primeiro, realizado em Adelaide, na


Austrália, em 1984, e o segundo, em 2000, no Japão.
Segundo Miguel e Miorim (2004, p. 48), foi a partir do Congresso de Adelaide
que os problemas históricos começaram a ser considerados como motivadores
da aprendizagem matemática e que “[...] a resolução de problemas históricos,
a apreciação e análise das soluções apresentadas a esses problemas por nossos
antepassados” favoreceriam o desenvolvimento da matemática escolar.
Essa capacidade motivadora dos problemas históricos existe porque, segundo
Swetz (1977apud MIGUEL; MIORIM, 2004, p. 48-49), eles:


possibilitam o esclarecimento e o reforço de muitos conceitos, pro-
priedades e métodos matemáticos que são ensinados;

constituem veículos de informação cultural e sociológica;

constituem meios de aferimento da habilidade matemática de nos-


sos antepassados;

permitem mostrar a existência de uma analogia ou continuidade


entre conceitos e processos matemáticos do passado e do presente.

Dezesseis anos depois, no ICME de 2000, era possível constatar que as pesquisas
pelo estabelecimento de relações entre a Matemática e sua história, como ferra-
menta didática, haviam ultrapassado, em muito, as recomendações de utilização
de problemas históricos como motivadores da aprendizagem matemática. Isso
pode ser constatado pelas questões constantes do documento de discussão pre-
liminar do Congresso do Japão, tais como, estabelecer:


Nível de sistema educativo no qual a história da matemática adquire
relevância como ferramenta de ensino;

Consequências da utilização da história para a organização e a prá-


tica da classe;

Utilidade da história da matemática para os investigadores em Edu-


cação Matemática;

Incorporação da história da matemática no currículo (VALDÉS,


2006, p. 24).

71
UNIDADE 2

Atualmente, vinte anos depois, as pesquisas realizadas nos permitem considerar


a História da Matemática como um poderoso auxiliar na organização da prática
pedagógica em sala de aula, em qualquer nível de ensino, “[...] pois tanto os estu-
dantes do nível elementar como os universitários têm necessidades e possibilida-
des diferentes de aprendizagem”, e é exatamente esse fato que estabelece uma das
principais razões da História da Matemática na formação docente, uma vez que
ela só poderá ser incluída no processo didático da Matemática escolar em todos
os níveis “[...] desde que os professores de cada nível sejam adequadamente pre-
parados para usar a história da matemática imbricada na matemática ensinada”
(MENDES, 2006, p. 87).
A importância da História da Matemática para os investigadores em Educa-
ção Matemática está comprovada mediante à consolidação desse campo como
uma tendência em Educação Matemática e, atualmente, as próprias resoluções do
Conselho Nacional de Educação recomendam a História da Matemática como
componente curricular obrigatório dos cursos de Licenciatura em Matemática,
além dos Parâmetros Curriculares Nacionais que sugere como um dos caminhos
para fazer matemática, indicações na própria Base Nacional Comum Curricular
– BNCC e, no caso do Estado do Paraná, das Diretrizes Curriculares da Educação
Básica – Matemática, que a consideram como enfoque metodológico.

Como futuro(a) profissional, é importante que você conheça o


que esses documentos curriculares apontam sobre a História da
Matemática. Quer saber mais? Nesse podcast, vou te contar um
pouco sobre a visão de como esses documentos, PCN, BNCC e
DCE-Paraná, sugerem a inserção da História da Matemática nas
práticas pedagógicas dos professores. Ficou curioso(a)? Não perca
tempo. Acesse, tenho certeza de que essa reflexão vai contribuir
com a elaboração de conhecimentos teórico-práticos em História
da Matemática.

Mendes, Fossa e Valdés (2006) consideram que a História da Matemática, além


de todas as competências e utilidades já estabelecidas, pode ser ainda um “agente
de cognição na Educação Matemática”:


É necessário que passemos cada vez mais a discutir o processo
gerativo da construção do conhecimento matemático (saber/fazer).

72
UNICESUMAR

Conhecer é um processo dinâmico e jamais finalizado (pro-


cesso histórico), sujeito ao contexto natural, cultural e social.
Esse processo cognitivo se manifesta na interação do indivíduo com
seu contexto natural e sociocultural, considerando que não há inter-
rupção nem priorização entre o saber e o fazer (MENDES; FOSSA;
VALDÉS, 2006, p. 12, grifo nosso).

Com esse pressuposto, os pesquisadores Iran Abreu Mendes e John A. Fossa, am-
bos professores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, e Juan
E. Nápoles Valdés, professor titular da Universidad de La Cuenca de La Plata
(UCP) e da Universidad Tecnológica Nacional (UTN), da Argentina, escreveram
o livro intitulado A História como um agente de cognição na Educação Mate-
mática, em que procuram estabelecer as relações entre a História da Matemática,
a cognição matemática e a aprendizagem matemática.
A partir desse momento, nos baseamos fundamentalmente no livro supra-
citado, especificamente no segundo capítulo, de autoria de Iran Abreu Mendes,
intitulado “A investigação histórica como agente de cognição matemática na sala
de aula”, em que o autor destaca aspectos teóricos e práticos da utilização da His-
tória no ensino de Matemática.
Para refletirmos sobre a História da Matemática como agente de cognição
na Educação Matemática, destacamos, na citação anterior, de Mendes, Fossa
e Valdés (2006, p. 12), a frase: “Conhecer é um processo dinâmico e jamais
finalizado (processo histórico), sujeito ao contexto natural, cultural e so-
cial”, porque ela estabelece, de maneira inequívoca, as relações entre o processo
histórico e o processo cognitivo, afinal, a palavra “conhecer” poderia ser substi-
tuída por “A História”, como campo científico, que continuaria sendo verdadeira.
Dessa forma, os autores consideram a História “como um princípio de susten-
tação da cognição matemática”, e a História da Matemática “como um princípio
unificador da matemática escolar ensinada pelos professores”, com potencialida-
des pedagógicas de se constituir como um “[...] reorganizador cognitivo capaz
de justificar as origens e os porquês matemáticos dos conteúdos ensinados na
escola”(MENDES; FOSSA; VALDÉS, 2006, p. 12).
Miguel e Miorim (2006, p. 48) também entendem que a História da Matemá-
tica, além de possibilitar a formulação de situações-problema ou mesmo de apre-
sentar problemas históricos que se constituam como elemento motivador para

73
UNIDADE 2

o ensino de Matemática, atua nos processos heurísticos da


solução de um problema, isto é, é um agente de cognição.


Realmente, a busca de esquemas motiva-
dores para as aulas de Matemática, via uti-
lização da história, tem se deslocado mais
recentemente de um plano no qual eles são
entendidos de forma meramente externa ao
conteúdo de ensino, para outro em que esta
motivação aparece vinculada e produzida
no ato cognitivo da solução de um proble-
ma (MIGUEL; MIORIM, 2004, p. 48).

Para Mendes (2006, p. 79), a utilização da investigação his-


tórica da Matemática se constituiria em um agente de cog-
nição matemática em sala de aula, desde que a História da
Matemática fosse assumida como um “[...] princípio unifi-
cador entre os aspectos cotidiano, escolar e científico” dessa
ciência, levando também em consideração a perspectiva
sociocultural dessa história.
Para poder estabelecer de que modo é possível a utili-
zação da investigação histórica da matemática de maneira
a favorecer a cognição matemática em sala de aula, o autor
realizou estudos preliminares para a constituição de um ce-
nário para as discussões centrais de seu texto, abrangendo:
História e construção da realidade matemática; A Histó-
ria no ensino da Matemática; o aspecto central, a saber: A
investigação histórica como agente de cognição matemá-
tica na sala de aula (tema subdividido em: A investigação
histórica no ensino da matemática; Aspectos teóricos do
modelo de uso de atividades históricas), para então apre-
sentar uma Proposta Concreta de Ensino da Matemática
por atividades apoiadas pela História, finalizando seu ca-
pítulo com uma reflexão que leva a indicar caminhos para
a investigação em sala de aula.

74
UNICESUMAR

NOVAS DESCOBERTAS

Deixo aqui, como sugestão para leitura, esse material incrível produzido pelo
Prof. Dr. Iran A. Mendes, intitulado, Cognição e Criatividade na Investigação
em História da Matemática: contribuições para a Educação Matemática, que
foi publicado pela ALEXANDRIA - Revista de Educação em Ciência e Tecnolo-
gia no ano de 2013. Nesse texto, Mendes (2013) nos convida para pensar a
prática em sala de aula, tendo a História da Matemática como recurso para
despertar, no estudante, o processo criativo, o desenvolvimento de habili-
dade e de raciocínio, subsidiado pela investigação histórica. Segundo ele, o
envolver-se com a problematização e investigação contribui para um “pen-
sar” matematicamente, que vai na contramão do “reproduzir” matemática.

Apresentamos, a seguir, um resumo desse capítulo, que se constitui em impor-


tante conhecimento para os que pretendem considerar a História da Matemática
como estratégia metodológica para o ensino da Matemática. Vamos manter, nesse
resumo/resenha, a mesma estrutura do capítulo original de Mendes (2006), co-
mentando cada tópico.
História e construção da realidade matemática: nesse tópico, o autor des-
taca que, ao relatar o percurso de construção de um determinado conhecimento,
é preciso que o historiador considere a relação entre os contextos social, cultu-
ral e político dessa produção. Assim, a elaboração do conhecimento científico
pela humanidade sempre foi influenciada pelo momento histórico-cultural e
pela necessidade da sociedade, do grupo de indivíduos ou indivíduo responsável
por sua elaboração. Contudo, não é apenas a produção do conhecimento que
é influenciada pelo contexto sociocultural, a própria elaboração da escrita da
história também não está livre dessas influências.
Da mesma forma que a História de um povo, a História da Matemática tam-
bém foi construída pela sociedade, transmitida culturalmente e “[...] selecionada
e reorganizada de acordo com as necessidades da ciência”, de maneira que “[...]
a história escrita é seletiva e depende do modo como os fatos são selecionados e
controlados” (MENDES, 2006, p. 79-80).


Assim sendo, toda história é escrita do ponto de vista que o presente
julga ser importante para a sociedade atual. Isto significa que os fatos
do presente refletem o seu passado e com a reflexão de ambos é

75
UNIDADE 2

possível escrevermos a história [...] a história é, a nosso ver, uma ten-


tativa de responder às perguntas acerca do processo de construção
das informações apresentadas no presente (MENDES, 2006, p. 81).

Essa concepção de uma História da Matemática em constante processo de elabo-


ração, não apenas pelos pesquisadores e estudiosos, mas por cada um de nós, no
momento em que elaboramos nosso conhecimento matemático, é que imprime
a característica sociocultural da elaboração histórica.
Entretanto, não se trata apenas da história da constituição do conhecimento
matemático específico que é importante para a construção da realidade mate-
mática que apresentamos em sala de aula. O conhecimento e a compreensão do
desenvolvimento da sociedade e suas transformações nos possibilitam diferentes
formas de compreender e explicar um mesmo fato, evento ou fenômeno. Para
Mendes (2006), esse processo se constitui em uma “rede sociocognitiva e cultural”.


É nessa rede sociocognitiva e cultural que poderemos captar ele-
mentos característicos do conhecimento matemático, visto que as
atividades humanas sempre apresentam um entrelaçamento de
ações que explicitam a realidade matemática construída (MEN-
DES, 2006, p. 81).

Assim, para o autor, é possível reorganizar, de acordo com as necessidades do


momento, o conhecimento matemático socialmente produzido, mediante uma
releitura histórica, e, então, utilizá-lo para resgatar esses aspectos do entorno
social. Para o autor, em ambientes educacionais, é possível propor projetos de
investigação “[...] históricos para a construção dos conceitos matemáticos entre
os alunos de cada classe, em uma perspectiva atual” (MENDES, 2006, p. 83).
A História no ensino da Matemática: nesse tópico, o autor discute as razões
para a inclusão da História no processo didático da Matemática escolar. Consi-
dera que a principal finalidade dessa inclusão é promover uma ressignificação da
Matemática construída pela humanidade ao longo dos tempos, pois essa prática
permitiria ao docente elaborar atividades mais motivadoras e que favorecessem
a criatividade cognitiva dos estudantes.
Entretanto, essas não são as únicas justificativas para o uso didático da Histó-
ria da Matemática. Mendes (2006, p. 84) reconhece que existe “[...] uma variedade

76
UNICESUMAR

de tendências e modalidades” de utilização desse conhecimento, “[...] que, mui-


tas vezes, apresentam vantagens na construção do conhecimento matemático”.
Embora ele se limite a discutir em seu texto apenas o “[...] caráter motivador e
gerador de conhecimento enfatizado por essa abordagem pedagógica”, destaca
14 razões apontadas por Fauvel (1991) para se usar a História na Educação Ma-
temática, a saber:


[...] 1) a história aumenta a motivação para a aprendizagem da ma-
temática; 2) humaniza a matemática; 3) mostra o seu desenvolvi-
mento histórico através da ordenação e apresentação de tópicos
do currículo; 4) os alunos compreendem como os conceitos se
desenvolveram; 5) contribui para as mudanças de percepções dos
alunos em relação à matemática; 6) a comparação entre o antigo
e o moderno estabelece os valores das técnicas modernas a partir
do conhecimento desenvolvido ao longo da história da socieda-
de; 7) ajuda a desenvolver uma aproximação multicultural para a
construção do conhecimento matemático; 8) suscita oportunidades
para investigação matemática; 9) pode apontar os possíveis aspectos
conceituais históricos da matemática que dificultam a aprendiza-
gem dos estudantes; 10) contribui para que os estudantes busquem
no passado soluções matemáticas para o presente e projetem seus
resultados para o futuro; 11) ajuda explicar o papel da matemáti-
ca na sociedade; 12) faz da matemática um conhecimento menos
assustador para os estudantes e para a comunidade em geral; 13)
explora a história ajudando a sustentar o interesse e a satisfação
dos estudantes; 14) fornece oportunidades para a realização de
atividades extracurriculares que evidenciem trabalhos com outros
professores e/ou outros assuntos (caráter interdisciplinar da história
da matemática) (MENDES, 2006, p. 86).

Após a discussão das razões apresentadas por Fauvel (1991) e de outros pes-
quisadores, como os brasileiros Antonio Miguel e Eduardo Sebastiani Ferreira,
para a inclusão da dimensão histórica no fazer pedagógico do professor que
ensina Matemática, Mendes (2006) destaca as possibilidades que essa inclusão
fornece aos estudantes, como, principalmente, “[...] iniciá-los de modo prazeroso
no mundo da matemática como ciência (conhecimento escolar e científico)”, ao

77
UNIDADE 2

favorecer o estabelecimento de um ambiente investigativo em sala de aula. É nessa


possibilidade que a História transforma a sala de aula “[...] em um meio dinâ-
mico de investigação/pesquisa (experiência) sobre o conhecimento matemático
escolar” que sustenta a proposta do autor, de se utilizar a investigação histórica
como agente da cognição matemática em sala de aula (MENDES, 2006, p. 99).


Nossa concepção a respeito da investigação histórica como um mo-
delo teórico de apoio à elaboração de atividades didáticas para o
ensino da matemática baseia-se na história e na investigação como
fonte de geração da matemática escolar [...] como agente fomenta-
dor do ato cognitivo em sala de aula (MENDES, 2006, p. 99-100).

Dessa forma, Mendes (2006) considera que a articulação entre os aspectos co-
tidiano, escolar e científico do conhecimento matemático é possível mediante a
adoção de atividades investigativas históricas e, então, apresenta uma proposta
concreta de ensino de matemática por atividades apoiadas na história, ou seja,
“[...] um modelo de atividades para o ensino de matemática contendo as carac-
terísticas dos dois eixos estruturais que o geraram: a investigação e a problema-
tização evidenciadas na história da matemática” (MENDES, 2006, p. 100).
Mendes (2006) apresenta, então, uma sequência de ensino sobre o tópico
de Trigonometria Básica para o primeiro ano do Ensino Médio composta de
onze atividades de investigação histórica, assim intituladas: Noção de ângulo;
Explorando triângulos retângulos; Formulando o Teorema de Pitágoras; Me-
dindo altura de objetos pela sombra; Construindo e explorando relógios de sol;
Medindo alturas de objetos sem utilização de sombras; Razões trigonométricas:
das cordas ao triângulo retângulo; Construindo os valores de seno, cosseno e
tangente de ângulos agudos; Construindo e explorando o trigonômetro (explorar
razões trigonométricas); A razão Pi π entre o comprimento da circunferência
e seu diâmetro; e Explorando o Ciclo trigonométrico. Apenas considerando o
título das atividades, é possível inferir que toda trigonometria básica (Trigono-
metria do triângulo retângulo) até a constituição do círculo trigonométrico está
contemplada nessa sequência.

78
UNICESUMAR

EXPLORANDO IDEIAS

Antes de finalizarmos esta unidade, convido você a filtrar alguns conceitos importantes
para pensarmos em práticas apoiadas na História da Matemática, sobretudo, que sub-
sidiem o seu processo de formação e que nos permitam a refletir sobre o conteúdo da
próxima unidade (a terceira).
Análise histórica: efetuar uma análise histórica do conceito é buscar conhecer as origens,
razões, circunstâncias, entre outros aspectos que se mostram na historicidade do concei-
to. Essa análise é indispensável para que o profissional possa planejar e empreender a
sua prática, elaborando e propondo tarefas que favoreçam o desenvolvimento do sujeito.
Gênese artificial: o termo emprestado de um dos teóricos da Didática da Matemática im-
prime, no contexto da discussão, uma intencionalidade pedagógica. Nesse sentido, a ideia
de propor uma atividade é que, por meio dela e com ela, o estudante possa compreender
o conceito do qual o professor intenciona abordar com aquela prática.
Agente de cognição: a História da Matemática pode ser compreendida como um modo
de pensar organizado do ponto de vista psicológico, para a compreensão dos conceitos
matemáticos. Assim, ela se mostra como uma possibilidade para que o estudante pense,
reflita, crie hipóteses, teste e (re)formule situações, baseadas na construção dos conceitos.

Bem, caro(a) estudante, nesta unidade, procuramos destacar a importância e as


possibilidades da inclusão da História da Matemática no processo didático da
Matemática escolar, em todos os níveis de ensino. Para tanto, iniciamos discutin-
do os diferentes significados de História da Matemática; História na Educação
Matemática e História da Educação Matemática, para constituir um pano de
fundo para os tópicos que foram abordados a seguir.
Ao considerarmos a História da Matemática na contextualização do saber,
destacamos, principalmente, a importância de se elaborar situações-problema
que sejam significativas ao estudante, evidenciando o caráter motivador e gerador
do conhecimento enfatizado por uma abordagem que privilegie a História da
Matemática. O principal dessa parte é entender que não se trata de trazer o pro-
blema original para a sala de aula, mas de um problema que permita reproduzir
os efeitos do problema do qual foi gerado determinado conhecimento.
Após a indicação de como a História da Matemática pode ser empregada
nas aulas de Matemática, nossa intenção foi convencê-lo(a) da pertinência de
uma proposta didático-pedagógica para a Matemática que explore sua História.

79
UNIDADE 2

Para isso, elencamos diferentes justificativas para essa adoção, particularmente


no que se refere à necessidade do professor ser capaz de responder aos três tipos
de porquês que permeiam sua ação docente, a saber: os cronológicos, os lógicos
e os pedagógicos.
Finalmente, mostramos que, atualmente, além das 14 justificativas elencadas
por Fauvel (1991) para a inclusão da História em geral e da História da Matemá-
tica no ensino desta disciplina, Mendes, Fossa e Valdés (2006) apresentam, ainda,
suas possibilidades como agente de cognição na Educação Matemática, desde que
introduzida em sala de aula mediante atividades investigativas.
Agora que você teve contato com uma atividade matemática e com alguns
pressupostos teóricos que justificam a História da Matemática como orientado-
ra da prática pedagógica, convido você a conhecero seguinte fragmento sobre o
Quadrante Geométrico, retirado de Filho, Santos e Mendes (2013, p. 7-9). Vejamos:


Em diversas situações-pro-
blemas vinculadas a práticas
sociais relacionadas seja ao
transporte de massa, à co-
municação de voz, dados
ou outras práticas, nós nos
deparamos com a utilização
de conceitos matemáticos
envolvendo a geometria e a
trigonometria. Em atividades
relacionadas à Engenharia verificamos que profissionais envolvidos
na solução de tais problemas se valem de dispositivos munidos de
softwares amigáveis1com soluções padrão onde o uso de conceitos
matemáticos não é perceptível. Com o objetivo de tornar o ensino
de matemática significativo propomos o envolvimento dos nossos
alunos com tais práticas sociais encontradas na história, que apre-
sentam a possibilidade do uso de conceitos utilizados no ensino da
matemática escolar.

O livro intitulado “Instrumentos nuevos de geometria muy neces-


sários para medir distancia y alturas sem que interuengan numeros

1 Software concebido para conduzir o usuário para acesso rápido de forma prática e intuitiva.

80
UNICESUMAR

como se demuestra en la practica”, de autoria de Andrés de Cespe-


des, de 1606, publicado em Madrid, na Espanha está organizado em
3 livros menores contando no total com 21 capítulos que tratam da
formação de práticos e técnicos liberais envolvendo temas variados.

No primeiro capítulo do livro, intitulado


“Em que se ensina a construção de um
quadrante geométrico com o qual se
pode medir qualquer distância, altura e
profundidade, sem que seja necessário
conhecer números”, o autor descreve e
ensina como elaborar fisicamente o ins-
trumento de geometria por ele apresen-
tado e como utilizá-lo.

O Quadrante Geométrico apresentado por Cespedes é constituído


de um tabuleiro feito de madeira ou outro material resistente divi-
dido em quatro superfícies conforme a figura a seguir. O quadrado
maior, que chamaremos de quadrante, deve ter 50 cm de lado. Um
fio de prumo que chamaremos de pêndulo será utilizado também
como auxiliar para realizar medições. Cada lado do quadrante é
dividido em 100 partes iguais contabilizando 10000 pequenos qua-
drados de 0,5 cm de lado. As 100 partes de cada lado deverão ser
agrupadas e registradas de 10 em 10 partes na moldura para facilitar
a leitura das medições como se fosse uma régua.

A partir do vértice superior direito


deverão ser produzidos no sentido
horizontal e no sentido vertical gru-
pos de orifícios, para fixação do pên-
dulo, separados também de 0,5 em
0,5 cm. Chamaremos cada grupo de
orifícios de agulheiros. Dois pontos
fixos do tabuleiro serão chamados de
pínulas e, serão utilizados como auxi-
liar da visada.

Cespedes propõe a um método para se obter a medida da altura


de uma torre vista ao longo de um terreno plano e orienta como

81
UNIDADE 2

proceder para obter tal medida a partir de duas medições que ele
chama de estações, conforme figura acima. Medir em duas estações
significa que, haverá dois procedimentos para a medição. Fixado
o local da primeira medição (primeira estação) o prático2 deverá,
inicialmente, fixar o pêndulo no orifício do ponto e com o auxílio
das pínulas, mirar para a torre que se quer medir (o raio de visada
deverá passar pelas duas pínulas atingindo a altura daquilo que se
deseja medir). Desta forma o quadrante se encontrará inclinado e
o pêndulo, por gravidade, naturalmente definirá o primeiro ângulo
de inclinação. A seguir ele deverá dar, por exemplo, 10 passos para
trás e deslocar verticalmente o ponto de fixação do pêndulo tantos
orifícios quantos forem os passos dados (no nosso exemplo 10 orifí-
cios) e novamente mirar a torre, obtendo o segundo ângulo que será
indicado também pelo
pêndulo. As indicações
definidas pelo pêndu-
lo verificadas nas duas
medições devem ser
registradas geometri-
camente conforme fi-
gura a seguir.

Feitas as medições o autor argumenta que o número de divisões


observadas de e até A representa a distância em passos da posição da
primeira medição até a torre e o número de divisões observadas de e
até B representa o número de passos da altura da torre que se mede.

Com base nesse recorte, façamos o exercício de pensar a prática pedagógica. Na


condição de educador(a), vamos elaborar uma tarefa envolvendo esses aspectos?
Veja, considerando as informações extraídas de Filho, Santos e Mendes (2013),
uma tarefa que poderia ser proposta aos estudantes seria a investigação da refor-
ma da Catedral Basílica Menor Nossa Senhora da Glória de Maringá.
A ideia seria propor aos estudantes que eles, engenheiros de uma empresa
contratada para a reforma da Catedral de Maringá, necessitam contratar produ-
tos para efetuar o serviço e, dentre eles, os andaimes para realizar a obra. Uma

2 Pessoa designada para operar as medições.

82
UNICESUMAR

pergunta que poderia ser feita aos estudantes seria: que dados são importantes
para poder contratar os andaimes? Certamente, a altura da Catedral surgirá
como resposta a essa pergunta.
Nesse sentido, você proporia que a empresa não possui recursos suficientes
para efetuar o cálculo da altura da Catedral de Maringá e que seria necessário
pensar em outras estratégias, buscando soluções criativas. Assim, a hipótese que
você irá considerar é a de que os seus estudantes haviam pesquisado sobre a
utilização do quadrante proposto por De Céspedes e, com base nessa estratégia,
solicitaria: qual seria a medida da altura, resultante da medição que eles
encontraram, considerando que utilizaram de tal recurso?
Analisando essa ta-
refa, na sua compreen-
são, ela está apoiada na
História da Matemática
como orientação meto-
dológica? Justifique.
Agora, após refletir
sobre a tarefa, desafio
você a planejar uma pro-
posta didática tendo como base os conceitos teóricos que aqui foram abordados,
isto é, supondo que você esteja professor de Matemática em uma instituição es-
colar, como você encaminhará a sua aula, utilizando dessa atividade para desen-
volver o processo de ensino e aprendizagem?
Você apresentaria as informações impressas e depois a tarefa? É uma possi-
bilidade!
Solicitaria uma pesquisa sobre Quadrante Geométrico De Céspedes, su-
gerindo uma apresentação de seminários, a fim de que os estudantes com-
partilhassem os conhecimentos e saberes e depois problematizaria a tarefa?
Outra possibilidade!
Ou você iniciaria com a tarefa e indicaria uma pesquisa sobre Quadrante
Geométrico De Céspedes como alternativa para solução? Está aí, mais outra pos-
sibilidade que pode ser amadurecida!

83
1. A fim de que você possa ter clareza sobre diferenças entre o que parece ser um jogo
de palavras, conceitue e exemplifique: História da Matemática, História na Educação
Matemática e História da Educação Matemática.

2. Considerando o que foi apresentado sobre A História da Matemática na contextuali-


zação do saber, leia as afirmações e assinale a alternativa correta.

I - Para ser eficaz, o ensino da Matemática deve se pautar, entre outros aspectos, na
resolução de problemas que sejam significativos para o aluno ou, dito de outra
forma, “contextualizados”.
II - O saber matemático é generalizado, isto é, deve ser descontextualizado, impes-
soal e atemporal e, portanto, se a fase de contextualização foi efetiva, é neces-
sário, ainda, um segundo movimento, o de descontextualização.
III - Situações de contextualização são aquelas que favorecem a construção dos co-
nhecimentos pelos alunos, como uma resposta pessoal a uma pergunta que os
desestabilize não apenas como resposta a um desejo do professor.
IV - Um dos principais desafios do ensino de Matemática é introduzir na sala de aula
uma melhor relação entre os conceitos e a resolução de problemas, de maneira
a torná-los interessantes e compreensíveis para os alunos.
a) Somente I e II estão corretas.
b) Somente II e III estão corretas.
c) Somente I, II e IV estão corretas.
d) Somente I, III e IV estão corretas.
e) Todas estão corretas.

84
3. Considerando que é a análise histórica que permite identificar os problemas dos
quais originaram um determinado conceito para reproduzi-los, avalie as seguintes
afirmações e a relação proposta entre elas:

I - As situações didáticas elaboradas baseadas na análise histórica da gênese de


um conceito ou procedimento não precisam ser muito semelhantes à situação
original, seus efeitos é que devem ser semelhantes.
PORQUE

II - A construção histórica da noção do conhecimento científico serve de referência


e, sobretudo, contribui para a identificação dos problemas que possuem como
resposta a noção que se quer ensinar, tornando-os significativos aos estudantes.
a) As afirmações I e II são verdadeiras, e a II é uma justificativa correta para a I.
b) As afirmações I e II são verdadeiras, mas a II não é uma justificativa correta para a I.
c) A afirmação I é verdadeira, mas a asserção II falsa.
d) A afirmação I é falsa, e a afirmação II é verdadeira.
e) As afirmações I e II são falsas.

4. Considerando o que abordamos no tópico A importância da História da Matemática


na formação do professor, responda, em texto dissertativo-argumentativo, de 08 a
12 linhas, quais as principais contribuições que esse conhecimento pode oferecer à
ação pedagógica do professor de Matemática em qualquer nível de ensino.

5. Considerando o que foi tratado no último tópico desta unidade, comente em texto
dissertativo-argumentativo, de 08 a 12 linhas, a afirmação de Mendes (2006, p. 99-
100), transcrita a seguir: “Nossa concepção a respeito da investigação histórica como
um modelo teórico de apoio à elaboração de atividades didáticas para o ensino
da matemática baseia-se na história e na investigação como fonte de geração da
matemática escolar [...] como agente fomentador do ato cognitivo em sala de aula”.

85
3
Práticas
Convergentes
à História da
Matemática
Dra. Clélia Maria Ignatius Nogueira
Dr. Wellington Piveta Oliveira

Caro(a) estudante, teremos a oportunidade de conhecer, à luz de


alguns autores, algumas possibilidades de prática com História da
Matemática. Primeiramente, com um olhar crítico, iremos problema-
tizar o material de apoio - o livro didático - ao trabalho do docente;
você terá a oportunidade de conhecer atividades e práticas apoiadas
na História da Matemática para o trabalho pedagógico em ambientes
educacionais; e, por fim, será apresentada uma sequência didática
para o ensino de Funções, também apoiada na História da Matemática
como possibilidade didática.
UNIDADE 3

Entre 2011 e 2014, fui professor na Educação Básica. Trabalhei com Educação
de Jovens e Adultos, Salas de Apoio à Aprendizagem (SAA) de Matemática no
Ensino Fundamental e com aulas regulares nos Ensinos Fundamental e Médio.
Foi uma experiência única e ela me guiou ao trabalho com a formação de profes-
sores que ensinam Matemática. Contudo, essa discussão cabe em outro momento,
não é o nosso foco, pois o que quero compartilhar contigo é que, durante essa
experiência profissional, fui convidado a participar da escolha do livro didático
para os anos subsequentes.
Eu nunca havia participado dessa escolha, aliás, na minha formação inicial,
também não tive a oportunidade de refletir ou compreender como se dava essa
seleção. Portanto, enquanto profissional, procurei compreender como acontecia
esse processo de seleção e de aquisição dos livros didáticos, bem como que cri-
térios pedagógicos eram relevantes ou determinantes nessa seleção. Te pergunto,
caro(a) estudante, você teria condições de me dizer que critérios implicam na
seleção dos livros didáticos?
Sei que esse tema pode parecer um pouco técnico, mas ele exige de nós, pro-
fissionais, competências predominantemente pedagógicas, contribuindo para
a formação docente, conforme apontou Gomes (2008, p. 22): “a mobilização da
história da Matemática por parte dos autores de livros didáticos acaba também
condicionando a formação de professores e estudantes”.
Os critérios de escolha do material didático são amplos e fazem parte de um
Programa denominado Plano Nacional do Livro Didático (PNLD). Segundo Biffi
e Trivizoli (2017, p. 1), esse Programa foi “instituído em 1985 com a edição do De-
creto nº 91.542, de 19/8/85, o PNLD [e] é responsável pela avaliação e distribuição
de livros didáticos para alunos da educação básica de escolas públicas brasileiras”.
Segundo essas autoras, o PNLD possui um Guia do Livro Didático que apre-
senta uma série de critérios para os autores submeterem as suas propostas. Crité-
rios esses que, ao serem confrontados nas obras, ajudam a selecionar as coleções
para serem destinadas às secretarias, que encaminharão às instituições de ensi-
no para serem analisadas e indicadas. Em seguida, as coleções são adquiridas e
distribuídas por todas as escolas públicas brasileiras. Esse processo de escolha
ocorre a cada três anos.
Um exemplo desses critérios apresentados no Guia para o ano de 2015, que
foi sinalizado por Biffi e Trivizoli (2017), é a “contextualização”. Para essas autoras,
houve uma preocupação com a História da Matemática nos livros ao interpre-

88
UNICESUMAR

tarem a seguinte informação presente no Guia: “[...] são avaliadas as [...] contex-
tualizações feitas com base na história da Matemática, com o objetivo de tornar
o estudo mais significativo” (BRASIL, 2014, p. 18).
Também como critério de escolha na instância escolar, podemos considerar
os conhecimentos pedagógicos dos professores, conhecimentos esses que podem
ser os da Educação Matemática. Você pode estar se perguntando: que impor-
tância tem isso? Quando participei da escolha do livro didático, coletivamente,
concordamos que os materiais que abarcam as tendências em Educação Matemá-
tica despertam a curiosidade dos estudantes por relacionar a historicidade com
a atualidade, sobretudo, conectando-as aos conceitos e saberes.
Nesse contexto e considerando o nosso objeto de estudo - História da Mate-
mática - um instrumento analítico possível para tal escolha é verificar:


[...] como histórias da matemática, da educação matemática ou his-
tória em geral, são mobilizadas pelos autores de livros-texto e, em
seguida, apresentadas por eles em suas obras didáticas a fim de que
histórias participem como um recurso didático para a melhoria da
educação matemática escolar (GOMES, 2008, p. 12).

Assim, olhar para essas obras pode ter um fator de impacto no ensino de Mate-
mática, modificando as propostas que desencadeiam a aprendizagem matemática.
Obviamente que essas propostas (no caso o livro) não é a única responsável pelo
sucesso ou fracasso do ensino, mas sabemos como ele “sustenta” as práticas em sala
de aula, não é mesmo? Bem, antes de adentrarmos em algumas reflexões teóricas e
exemplos que podem amparar as nossas experiências como profissionais que deci-
dem adotar a História da Matemática nas aulas, convido você a fazer um exercício.
Vamos supor que você seja professor(a) (caso já não o seja) e precisa fazer
um exercício analítico sobre essa atividade (figura a seguir), presente em um dos
livros didáticos que foi apresentado pelo PNLD e escolhido pela instituição de
ensino em que você é colaborador.
A atividade a seguir é apresentada na dissertação de Mestrado de Biffi (2018).
A autora fez uma análise do Guia do Professor oferecido por algumas das co-
leções que foram apresentadas ao PNLD. A atividade intitulada “Aristarco e a
estimativa de grandes distâncias” foi extraída do livro “Novo Olhar: Matemática”,
de Joamir Souza (2013, p. 203).

89
UNIDADE 3


“Conforme já mencionado neste capítulo, é provável que o estudo
inicial da Trigonometria esteja diretamente relacionado à Astro-
nomia. Por isso, quando estudamos a História da Matemática, nos
deparamos com diversos problemas astronômicos envolvendo as
relações trigonométricas. Um desses problemas, que lidava com as
distâncias da Terra ao Sol e da Terra à Lua, foi tratado por Aristarco
de Samos (c.310-230 a.C.) em cerca de 260 a.C.

Aristarco observou que, quando a Lua estava com a metade ilumi-


nada e a outra metade escura, a Terra, o Sol e a Lua formavam um
triângulo retângulo. O ângulo reto era localizado no vértice ocupa-
do pela Lua; no vértice ocupado pela Terra havia um ângulo de 87º;
e no vértice ocupado pelo Sol, um ângulo de 3º.

Diga aos alunos que o es-


quema tem objetivo me-
ramente ilustrativo, não
apresentando as medidas
proporcionais à realidade.

Aristarco de Samos

a) De acordo com os dados obtidos por Aristarco, a distância da


Terra ao Sol corresponde a quantas vezes a distância da Terra à Lua?
(a resposta é: aproximadamente 19 vezes)

b) Atualmente, com equipamentos mais modernos e precisos, verifi-


cou-se que o ângulo no vértice ocupado pela Terra é de aproximada-
mente 89,83º, e não de 87º, como estimava Aristarco. Considerando
este ângulo, calcule novamente quantas vezes, aproximadamente, a
distância da Terra ao Sol corresponde à distância da Terra à Lua. (a
resposta é: aproximadamente 333 vezes)

Considere sen 0,17º=0,0003.

c) A partir do resultado obtido no item b, determine a distância


aproximada da Terra ao Sol, sabendo que a distância da Terra à Lua
é, aproximadamente, 384,400km. (a resposta é: aproximadamente
128 005 200 km)

90
UNICESUMAR

d) Em sua opinião, a diferença aproximada de 2,83º entre as me-


dições realizadas por Aristarco e as atuais, com o auxílio de equi-
pamentos mais modernos, ocasiona discrepância considerável no
cálculo da distância da Terra ao Sol? Justifique. (Explique aos alunos
que a distância da Terra ao Sol é de aproximadamente 150 000 000
km; o valor obtido nesta atividade é uma aproximação utilizando o
mesmo método empregado por Aristarco.

Sei que, matematicamente falando, não dá para escolher um livro por uma única
atividade, mas supondo que as demais atividades tenham características seme-
lhantes a essa, pergunto:
■ Tendo como base essa atividade, você escolheria esse livro didático como
material de apoio às práticas pedagógicas de ensino de Matemática?
■ Com suas palavras, argumente, por que essa atividade pode ser conside-
rada como sendo de História da Matemática. Considerando a História
da Matemática, como “pano de fundo”, como você classificaria essa ati-
vidade?

O que achou? Você sentiu dificuldades para analisar essa atividade? Como você
classificou essa atividade? Sugiro que você anote, no Diário de Bordo, as suas
respostas para essas questões. Depois de finalizarmos o estudo desta unidade,
podemos retomá-las e analisarmos se elas convergem para o que a literatura tem
apresentado sobre a análise de atividades em livros didáticos.

91
UNIDADE 3

Como desejamos empreender práticas apoiadas na História da Matemática, convi-


do você a estudar as possibilidades de práticas que dispomos na literatura, a come-
çar pelos livros didáticos. Muitas vezes, o material didático pode oferecer condições,
ideias ou limitações às práticas em sala de aula. Por essa razão é que o docente deve,
criticamente, avaliar as condições que o material oferece à prática e considerá-las
desde o seu planejamento didático-pedagógico. Como o nosso objeto de estudo é
a HISTÓRIA DA MATEMÁTICA NOS LIVROS DIDÁTICOS, refletiremos,
à luz de estudos científicos, como ela tem sido apresentada nesses materiais.
Quando estamos na condição de profissionais, geralmente, o material que
temos à disposição é o livro didático. No entanto, é importante termos a clareza
de que este é apenas um apoio para planejarmos as práticas que visam o ensino e
a aprendizagem, independentemente da área de conhecimento que lecionamos.
Isso porque é fundamental se considerar o conhecimento prévio dos estudantes
para apoiar a construção dos conhecimentos seguintes. Então a questão é: como
se ampliam os conhecimentos escolares?
De acordo com Vergnaud (2003, p. 64), a


resposta mais plausível a esta questão atualmente, apela para quatro
grandes ideias: a atividade do sujeito que aprende, a oferta de situa-
ções favoráveis ao aprendizado, a mediação por parte de pessoas
que o rodeiam, a utilização de formas linguísticas e simbólicas para
comunicar e representar.

Acrescentamos uma última etapa ou ideia: a necessidade de consolidar o co-


nhecimento construído, aplicando-o a outras situações.
Essas situações, segundo Brousseau (1996), podem ser de quatro diferentes
tipos: a) situações de ação, na qual é apresentado um problema para o aluno, cuja
melhor solução é o conhecimento a ensinar; b) situações de formulação, cuja
finalidade é produzir uma mensagem e comunicá-la é a troca de informações;
c) as situações de validação que têm por objetivo demonstrar a verdade de um
enunciado ou de uma teoria e conseguir a adesão dos demais; d) situações de ins-
titucionalização, aquelas em que o professor fixa convencional e explicitamente o
novo estatuto cognitivo do saber. Esta etapa é importante, pois, uma vez construí-
do e validado, o novo conhecimento vai fazer parte do patrimônio matemático
da classe, mas não tem ainda o estatuto de saber social, que é adquirido depois

92
UNICESUMAR

da institucionalização feita pelo professor. Com a institucionalização do saber


feita pelo professor, o saber se torna oficial e os alunos devem incorporá-lo a seus
esquemas mentais, tornando-o, assim, disponível para a resolução de problemas
matemáticos. Como escolhemos ou formulamos as situações-problema?
É buscando elementos para responder a essa indagação que nos debruçare-
mos sobre algumas pesquisas, as quais investigaram as possibilidades que alguns
livros didáticos de Matemática oferecem ao trabalho com a História da Matemá-
tica, indicando tipificações de situações-problema. Vamos em frente porque tem
muita coisa bacana para explorarmos!
Para o estudo desse aspecto - História da Matemática no livro didático - nos
apoiaremos nas reflexões de Vianna (1995) e Bianchi (2006). Segundo esses au-
tores, a presença da História da Matemática nos livros didáticos é reconhecida
de maneiras distintas e, do mesmo modo, pode ser influenciada pelo período
histórico em que os livros foram produzidos, pelas aspirações dos seus autores,
pelas determinações curriculares e pelos debates recorrentes.
Para Viana (1995), por exemplo, a História da Matemática nos livros didáticos
pode aparecer pelo menos de quatro modos, a saber, como Motivação, como
uma Informação, como Estratégia Didática e com Uso Imbricado. Apoiando-
-se nessa categorização, ao analisar os livros didáticos, Bianchi (2006) apresentou
outras denominações, tanto para a parte teórica quanto para as atividades que
são apresentadas nos livros didáticos e utilizados pelos estudantes.
Segundo a autora, é possível analisar a História da Matemática presente na
Parte Teórica, como:

INFORMAÇÃO GERAL: “informam sobre acontecimentos, datas, biografias


de matemáticos etc. Podem aparecer no início ou no interior do conteúdo,
sendo importante ressaltar que o assunto em questão será ainda aborda-
do no decorrer da explanação do tópico” (BIANCHI, 2006, p. 48).

INFORMAÇÃO ADICIONAL: “presentes geralmente no final dos capítulos,


em forma de apêndices e nenhum trabalho embasado nestas informa-
ções é proposto. Às vezes colaboram com o entendimento do conteúdo”
(BIANCHI, 2006, p. 48).

93
UNIDADE 3

ESTRATÉGIA DIDÁTICA: “são utilizadas as menções históricas como um


recurso para o entendimento do conteúdo matemático [...] e este objeto
histórico pode encorajar o estudante a pensar a respeito do conteúdo
discutido. Por exemplo, relacionar a circunferência com seu diâmetro uti-
lizando um barbante” (BIANCHI, 2006, p. 48-49).

FLASH: “aparece de forma sutil e não é mencionada qualquer nota sobre


esta presença. Em meio a problemas e textos, insere-se discretamente
alguma informação histórica. São pequenas citações que podem estar den-
tro de uma frase, uma vaga citação sobre uma data ou a menção sobre
‘Matemáticos’, por exemplo” (BIANCHI, 2006, p. 49).

De modo semelhante, ela também se faz presente na parte das Atividades como:

INFORMAÇÃO: “atividade em questão matemática na qual apresenta uma


informação sobre a História da Matemática e em seguida uma tarefa com
objetivos da aprendizagem da Matemática” (BIANCHI, 2006, p. 49).

ESTRATÉGIA DIDÁTICA: “forma de inserir uma menção histórica na ativida-


de e aproveitá-la para adquirir um conhecimento matemático, ajudando o
estudante a deduzir o conceito em questão” (BIANCHI, 2006, p. 49).

ATIVIDADE SOBRE A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA: “atividade ou exercício


em que se questiona o conteúdo de História da Matemática abordado
anteriormente. Geralmente vem em seguida de um texto que trata deste
assunto” (BIANCHI, 2006, p.49).

Mesmo que os nomes das categorias da pesquisa supracitada já indiquem os


modos de manifestação da História da Matemática, é importante que reflitamos
sobre essa presença, aliás, que conheçamos as possibilidades que o material ofe-
rece, inclusive, de ampliação às práticas pedagógicas em sala de aula. O que quero
dizer é que, muitas vezes, um texto da parte teórica pode trazer insights para que
você, futuro(a) profissional, possa planejar uma atividade que configure o ponto
de partida para a aprendizagem dos conceitos que pretende abordar.

94
UNICESUMAR

Vejamos, a seguir, três exemplos selecionados por Bianchi (2006) que, na


compreensão da autora, justificam a categorização da parte teórica dos livros
por ela analisados. Outras pesquisas, inclusive, mais recentes, também analisaram
a História da Matemática em outras coleções de livros, mas, geralmente, como
elas assumem as categorias de Bianchi (2006) como referência, optei por trazer
os exemplos apresentados pela própria autora como uma tentativa de expressar
essas tipificações emergentes e que, portanto, podem ser um instrumento para
analisarmos outros materiais ou subsidiar a nossa elaboração.

Exemplo 1 - Parte teórica: Informação Adicional

Esse exemplo foi extraído da coleção apresentada por Onoga e Mori (2002, p.
161) ao Plano Nacional do Livro Didático (PNLD). Retirado do exemplar da 8ª
série (atualmente, 9º ano), Bianchi (2006, p. 73) argumenta que as informações,
conforme identificou no material analisado, “mostram que a Matemática pode
estar presente na natureza ou em vários outros objetos (a razão áurea é usada,
por exemplo, por artistas em suas pinturas). Como informação adicional, ilustra
o conteúdo de proporções visto anteriormente”. Vejamos a seguir:


LEITURA + LEONARDO DA VINCI –
“A proporção é linda!” Leonardo da Vinci
(1452-1519) foi um dos gênios da Renas-
cença. Tinha pensamento ousado e original,
era um homem tanto de ação quanto de
contemplação. Foi também um dos artistas
mais completos da época: pintor, arquiteto,
criador de projetos e inventor de instru-
mentos e máquinas muito avançados para
a época. Em 1509, o mate-
mático Pacioli publicou a obra De divina propor-
tione (lê-se: “proporcione”). O tema considerado
mais importante nessa obra tratava dos sólidos
regulares, dos polígonos regulares e de uma razão
particular: a “secção áurea”. Essa razão influenciou
o trabalho de muitos pintores, arquitetos e constru-
tores da época, inclusive os trabalhos de Da Vinci.

95
UNIDADE 3

Com relação à beleza do corpo humano, Da Vinci afirmava: “Para


que seja harmonioso e proporcional existem algumas condições a
serem verificadas. A altura total dividida pela altura até o ombro
deve ser igual à altura até o ombro dividida pela distância ombro
– cabeça.”

Cânone de harmonia do corpo humano...

Essa proporção está presente em muitas de suas obras de arte.

Como parte do conteúdo abordado no capítulo, as informações adicionais reve-


lam uma aplicação do conceito de proporção. Esse tipo de informação histórica
pode ser utilizada pelo professor para o desenvolvimento de projetos que am-
pliam os conhecimentos abordados dentro de uma unidade do livro didático,
na rotina escolar. Entendo que projetos podem promover o espírito científico e
investigativo do estudante e esse caráter de aplicação se mostra como um convite
para isso, que tem início pela História da Matemática.

Exemplo 2 - Parte teórica: Estratégia Didática

Como um material teórico presente no livro didático, o texto que segue foi re-
tirado do exemplar da 6ª série (atualmente, 7º ano), pertencente à colação dos
autores Imenes e Lellis (2004, p. 28-30).


CIRCUNFERÊNCIA A carne do peixe se deteriora com muita fa-
cilidade. Por isso, é preciso manter os peixes sob refrigeração tão
logo são pescados. Mas o que deve ser feito quando não há geladei-
ra? Há muitos séculos, os pescadores de Moçambique empregam a
defumação para conservar o pescado. Eles fazem uma fogueira na
praia e espetam cada peixe em uma vara fincada na areia. O fogo
desidrata os peixes que, assim, demoram mais a se estragar. Se as
varinhas fossem espetadas muito perto do fogo, os peixes torrariam.
Se ficassem muito distantes, o calor seria insuficiente para secá-los.

96
UNICESUMAR

Para que isso não aconteça, é preciso dispor os peixes de modo que
o calor os desidrate igualmente. Os pescadores resolvem esse pro-
blema usando um cordão e dois pedaços de pau.

Figura 1 - A construção da representação de uma circunferência / Fonte: Imenes e Lellis (2004, p. 29).

Descrição da Imagem: um pescador, à beira mar, fixa uma ponta do cordão esticando-o. Na outra ponta
está amarrado a um pedaço de pau, que girando-o, ele cria uma circunferência. Na imagem dá essa sen-
sação de movimento do pescador, ao mostrar o desenho de uma semicircunferência.

Cravando uma das estacas no chão e mantendo o cordão sempre


esticado, desenham uma circunferência na areia. Depois, fazem uma
fogueira no centro, no local onde se fincou a estaca, e espetam as
varas com peixes sobre a curva desenhada. Assim, todos os peixes
secam por igual. Dá para perceber o porquê, não é?

Figura 2 - Circunferência representada pelos peixes / Fonte: Imenes e Lellis (2004, p. 29).

Descrição da Imagem: ilustração representando o descrito no texto: uma circunferência definida com
peixes e uma fogueira ao meio.

97
UNIDADE 3

Repare que o tamanho da circunferência traçada pelos pescadores


depende do comprimento do cordão. Em matemática, esse compri-
mento corresponde ao raio da circunferência. O raio determina o
tamanho da circunferência. (...).

Segundo Bianchi (2006, p. 60), esse texto é informativo “[...] que traz um pouco
da História através de figuras interessantes no texto. A forma da apresentação
deste conteúdo é considerada de grande valia, quando se aproveita totalmente
o fato histórico, definindo assim o conceito matemático de circunferência”. Veja
que, por meio da situação histórica cultural de uma atividade econômica – a dos
pescadores –, é possível definir raio e circunferência com os estudantes. Esse tipo
de situação pode ser transposta para outras experiências, levando os estudantes
a colocarem em prática o conceito abordado.
Existem outras formas de manifestação da História da Matemática em livros
didáticos que podem ser exploradas. Vejamos:

Exemplo 3 - Parte teórica: Flash

O exemplo a seguir foi retirado da coleção de Onoga e Mori (2002, p. 149), do


exemplar da 6ª série (atualmente, 7º ano).


A LINGUAGEM MATEMÁTICA Os matemáticos antigos não
conheciam a Álgebra da forma como a estudamos atualmente. A
utilização de letras do nosso alfabeto para representar números é
um fato bastante recente: começou por volta do século XVI.

Segundo a Bianchi (2006, p. 73), essa informação histórica “[...] caracteriza


a época aproximada e a repercussão do acontecimento. Esta informação na
forma de flash pode instigar o aluno a pesquisar mais a respeito do assunto
ou apenas contextualizar o fato”. Como o próprio nome sugere, são aspectos
que surgem, momentaneamente, porém, que podem ser utilizados como uma
finalidade pedagógica.
Até aqui você teve contato com textos que apareceram nos livros didáticos
analisados. Na sequência, selecionei alguns exemplos que se encaixam na cate-
gorização para as Atividades. Vejamos: o primeiro tem a História da Matemática

98
UNICESUMAR

presente na Atividade como informação; o segundo como Estratégia Didá-


tica; e o terceiro como Atividade sobre História da Matemática. Vamos lá?!

Exemplo 4 - Atividades: Informação

O exemplo a seguir foi retirado do exemplar da 7ª série (atualmente 8º ano), da


edição para o PNLD 2005, da coleção de Imenes e Lellis (2004, p. 206):


QUESTÃO 3: Leonardo
da Vinci é famoso por sua
arte e por suas invenções.

Ele também se dedicou


à geometria, estudando
figuras curvilíneas que
podem ser transformadas
em retângulos de mesma
área. No caso que vamos apresentar, ele estuda a área de uma figura
a que chamou de pêndulo, pois lembra o pêndulo de alguns relógios.

Na figura, indica-se com r o raio dos círculos que formam o pêndulo.

a) Calcule a área do pêndulo supondo r = 2 cm.

b) Escreva em seu caderno a fórmula da área A do pêndulo em


função de r.

r r
Segundo Bianchi (2006, p. 64), nes-
sa atividade, aparece uma “Menção
Histórica sobre Leonardo da Vinci,
citandouma de suas pesquisas em
Geometria, exemplificando o pêndu-
lo transformado em retângulo”. Fica
evidente que essa menção é apenas
para informar ou, digamos, contex-
tualizar a tarefa matemática que, em
seguida, é apresentada.

99
UNIDADE 3

Exemplo 5 - Atividades: Estratégia Didática

O segundo exemplo de atividade foi retirado do exemplar apresentado Onoga e


Mori (2002, p. 179), da 6ª série (atualmente, 7º ano).


UM CASO DE AMOR Alguns povos da Antiguidade divertiam-se
com a Matemática. Particularmente os hindus eram eloqüentes e até
poéticos. No século XVII, eles publicaram um tratado de teologia
geral, chamado Lilavati, e nele constavam várias situações-problema.

Este é um dos problemas que estão no Lilavati: “Partiu-se um colar


durante uma luta amorosa. Um terço das pérolas caiu no chão, um
quinto ficou no leito, um sexto foi encontrado pela mulher e um
sexto foi achado pelo homem; seis pérolas ficaram no fio. Diz- me,
de quantas pérolas se compunha o colar?”.

Concordo com Bianchi (2006, p. 75), que essa atividade utiliza a História da
Matemática como Estratégia Didática porque não só ilustra uma situação que
consta em uma obra, como também propõe o desafio ao estudante que encontre
a solução para a situação-problema. Nesse sentido,“[...] se utiliza do fato histórico
para propor algum desafio, mediante o conceito embutido em um acontecimento
antigo, mostrando também que a Matemática é fruto de um trabalho que vem
sendo realizado por várias pessoas já a algum tempo”.

Exemplo 6 - Atividades: Atividade sobre História da Matemática

Agora apresento o último exemplo. Ele foi retirado do exemplar da 7ª série (atual-
mente, 8º ano) da coleção de Onoga e Mori (2002, p. 25). É importante destacar
que, no material, antes da atividade ser apresentada, um texto é apresentado como
suporte ao desenvolvimento da tarefa.


EXPLORANDO O TEXTO A História conta sobre a fama do nú-
mero pi: ele até parece um superastro! Por que toda essa fama?

O Número pi é o quociente aproximado entre duas medidas re-


lacionadas a uma circunferência. Que medidas são essas? Dê dois
valores aproximados para pi

100
UNICESUMAR

Segundo Bianchi (2006), os questionamentos apresentados fazem referência ao


conteúdo de um texto disponível em uma seção intitulada “Leitura +”. O texto abor-
da a “história” e comentários sobre o número p (~3.1415…). Na compreensão dela,
os questionamentos consistem em um convite à exploração, pois, para respondê-
-los, o estudante necessita revisitar o texto e compreender os procedimentos para
encontrar essa razão, portanto, uma atividade sobre a História da Matemática.
Você conheceu, ainda que brevemente, exemplos de como a História da Mate-
mática pode estar presente em livros didáticos e, certamente, pode concordar que:


Com relação à presença de textos históricos que se propõem a for-
necer ao aluno informações históricas, presentes em muitos livros
didáticos atuais brasileiros, encontramos algumas diferenciações
na forma como tais informações são introduzidas bem como nos
objetivos da introdução (MIGUEL; MIORIM, 2004, p. 58).

Como o nosso objetivo é refletir sobre a presença dela nesses materiais visan-
do a sua formação como profissional que ensina Matemática, compreendo que,
após esses exemplos, você terá condições de analisar, refletir e planejar tarefas
que contemplem elementos históricos. Bianchi (2006) apontou que a presença
da História da Matemática como Informação Geral e Informação Adicio-
nal são as mais recorrentes nos livros analisados. Embora compreendamos a
importância dessas informações (geral e adicional), elas parecem figurar como
apêndices dos materiais.
É importante que a História da Matemática não seja figurante, mas
protagonista no planejamento e ação pedagógica. Assim, tanto nos materiais
didáticos como nas ações em contextos educacionais, recomendamos e
sustentamos a História da Matemática em atividades como Estratégia Didática,
atividades essas que combinadas com outras tarefas e exemplos já apresentados,
sobretudo, alinhadas a uma boa didática do professor, podem subsidiar o pro-
cesso de ensino e aprendizagem.
Aprendizagem guiada pela compreensão e significação dos conceitos favore-
cida pelas explorações históricas que podem e devem ser apresentadas, conver-
gindo para o apresentado nas discussões anteriores, isto é, tendo a História da
Matemática como agente de cognição ou como condição fundamental para a
produção de efeitos semelhantes à situação original (gênese artificial).

101
UNIDADE 3

NOVAS DESCOBERTAS

Para saber mais sobre o assunto e ter acesso a outros exemplos de análise
da História da Matemática em livros didáticos, veja as seguintes pesquisas:
A História da Matemática nos livros didáticos de Matemática do Ensino Mé-
dio: conteúdos e abordagens, produzida por Elisângela M. Pereira (2016).

Conforme já explicitamos, essa problematização acerca do livro didá-


tico serve de inspiração para que professores e estudantes reconheçam,
na sua estrutura, oportunidades de estudo e investigação, atentando-se,
por meio da História da Matemática, à construção da própria ciência
matemática, que a delineia como área de conhecimento produzida hu-
manamente e socialmente, portanto, não linear e estanque, mas rela-
cionada com outras áreas de conhecimento.
De outro modo, essa abordagem sobre História da Matemática nos
livros didáticos também se mostra importante para o (futuro) profis-
sional por fornecer bases teórico-metodológicas para a escolha do
material, para reconhecer as suas limitações e ir além dele enquanto
professor, isto é, entendemos ser o livro didático um material de apoio
que pode nortear o trabalho docente, mas não descartamos a sua auto-
nomia intelectual e profissional para buscar, em outras fontes seguras,
argumentos e materiais que possam enriquecer o processo pedagógico.
Agora, caro(a) estudante, já pensou em como você pode utilizar
esses tipos de atividades que são apresentadas em livros didáticos ou
outras situações matemáticas apoiadas na História da Matemática no
contexto escolar? Bem, será esse aspecto que estudaremos na sequência,
pois teremos a oportunidade de conhecer algumas tarefas e práticas
apoiadas na história da matemática.
Sabemos que os textos e as atividades que contemplam a História da
Matemática, seja nos livros didáticos ou nas práticas pedagógicas, quan-
do abordados em sala de aula, são utilizados com uma intencionalidade
pedagógica. Esta, por sua vez, articula-sepelos objetivos didáticos e de
aprendizagem que o docente deseja alcançar.
Com o objetivo de refletirmos sobre objetivos didáticos e de apren-
dizagem, convido você a conhecer algumas tarefas que podem ser uti-

102
UNICESUMAR

lizadas em sala de aula, bem como analisar uma prática apoiada na História
da Matemática. É sabido que o professor dispõe de diferentes estratégias para
conduzir a prática pedagógica apoiada na História da Matemática, dentre elas:


[...] propor ao estudante que pesquise sobre a constituição histórica
de determinado conceito ou modelo; abordar determinado conceito
ou modelo a partir da perspectiva de uma determinada civilização; ter
em vista que o estudante investigue sobre os conhecimentos matemá-
ticos gerados por uma determinada civilização (LARA, 2013, p. 56).

Fundamentada nessas estratégias: pesquisa sobre a constituição histórica do


conceito – historicidade do conceito como objeto; a história como convite –
historicidade como argumento contextual; e investigação conceitual histórica
– conceito no contexto histórico como objeto, Lara (2013) apresentou algumas
propostas que podem ser utilizadas para a abordagem de conceitos matemáticos.
Consideremos aqui, três delas: i) Equações do primeiro grau; ii) O algoritmo
da multiplicação; e, iii) Tales de Mileto e a altura da grande pirâmide.

I) Equações do primeiro grau

A primeira proposta incentiva a compreensão de equação do 1° grau por estu-


dantes do 7º ano. Segundo a autora, ao saberem que métodos, raciocínios e des-
cobertas mais sofisticados eram registrados em papiros, como o Papiro Rhind, os
estudantes se sentem motivados em buscar e conhecer o pensamento matemático
adotado pelos antepassados. Argumenta ainda que, ao serem apresentados às
ideias e raciocínio empregados no método da falsa posição para a resolução de
equações do 1º grau e, na oportunidade, confrontarem com o princípio da ba-
lança ou método da operação inversa, eles ficam admirados com a complexidade
do pensamento egípcio.
Segundo Lara (2013), nesse papiro, encontramos:


[...] problemas de quantidades envolvendo equações do 1º grau com
uma incógnita, do tipo x  a x  b ou x  a x  bx  c , resolvidas
pelo método da falsa posição. Por exemplo, na equação x + x/7 = 24,

103
UNIDADE 3

assume-se um valor conveniente para x, digamos x = 7, encontrando


x + x/7 = 8 e não 24. Então, era feita a proporção de 8 para 24, assim
como 7 para o valor da incógnita, neste caso x = 21. Ou seja, como
8 deve ser multiplicado por 3 para se obter 24, então o valor correto
de x será 7x3, 21 (LARA, 2013, p. 57, destaque da autora).

Contudo, quando o valor da incógnita admite valores fracionários, segundo os


estudantes, essa proporção se torna complexa, levando-os a compreenderem as
facilidades da matemática acadêmica.

II) O algoritmo da multiplicação

Lara (2013) argumenta que, em diferentes etapas da Educação Básica, é possível


encontrarmos estudantes com dificuldades no algoritmo da multiplicação. Para
tanto, ela sugere como atividade que o professor solicite aos estudantes, organi-
zados em grupos, que realizem uma pesquisa histórica sobre essa operação em
cada civilização, portanto, aliada a Etnomatemática de cada cultura.
Como exemplo, a autora cita a multiplicação hindu (arábica) conhecida por
Gelosia. Foi um “[...] algoritmo para multiplicação com dois ou mais algarismos
desenvolvidos pelos hindus, utilizando-se de tábuas quadriculadas. Esse modelo
foi difundidopor toda a Europa pelos árabes” (LARA, 2013, p. 58). Vejamos o
exemplo apresentado pela autora:
O cálculo de 5482 x 639:
Dispomos os dois números numa tabela de tal modo que os algarismos do
número 5482 ocupem uma primeira linha (externa ao quadro) e os algarismos
do número 639 em uma coluna (também fora do quadro). Depois traçamos a
diagonal “secundária” de cada um dos quadrados, conforme a Figura 3.
Figura 3 - Primeira etapa da construção da tabela do
5 4 8 2 método Gelosia / Fonte: Lara (2013, p. 59).

6 Descrição da Imagem: tabela de 4 por 3, com 12


quadrados divididos ao meio diagonalmente. Fora
da tabela, acima dos quadrados, estão os algaris-
3 mos que compõem o número 5482, posicionados
um em cada coluna da tabela e, também, fora dos
9 quadrados, na lateral direita, estão os algarismos
que compõem o número 639.

104
UNICESUMAR

5 4 8 2 Nesses quadros colocaremos o produ-


3 2 4 1 to referente à operação dos algarismos
0 4 8 2
6 de sua coluna pela linha, de modo que
1 1 2 0 a dezena será alocada na parte supe-
5 2 5 6 3 rior do quadrado e a unidade na parte
4 3 7 1
inferior do quadradinho.
5 6 2 8
9 Figura 4 - Segunda etapa da construção da
tabela do método Gelosia
Fonte: Lara (2013, p. 59)

Descrição da Imagem: a mesma tabela representada acima, seguindo as orientações do texto. Os qua-
drados foram divididos diagonalmente ao meio, estando, na parte de cima um número e, na parte de
baixo, outro. Na primeira linha, da esquerda para a direita, temos o número 30, sendo o algarismo 3 que
representa a dezena, à esquerda (parte de cima) e o algarismo 0 à direita (parte de baixo). Seguindo essa
forma de dispor o produto dos algarismos, temos, ainda na primeira linha, os números 24, 48 e 12. Na
segunda linha, da esquerda para a direita, temos 15, 12, 24, 06. Na terceira linha, da esquerda para a
direita, temos 45, 36, 72 e 18.

Por fim, o resultado da multiplicação será a soma dos algarismos indicados pe-
las “tiras” das diagonais, da direita para a esquerda. Quando a soma de uma das
diagonais resultar em um nú-
mero de dois algarismos, o da 5 4 8 2
2 2 1
dezena vai no início da próxi- 3 2 4 1
3 6
ma tira, dentro do quadrado 0 4 8 2

(a ideia de “sobe um”). Essa 1 1 2 0


soma será escrita ao final da 5 5 2 4 6 3
tira, fora do quadrado, con- 4 3 7 1
forme a Figura 5: 5 6 2 8
9
0

Figura 5 - Última etapa da construção


da tabela do método Gelosia
2 9 9 8
Fonte: Lara (2013, p. 59).

Descrição da Imagem: a tabela mostra a soma dos algarismos em cada uma das tiras na diagonal, con-
forme o método descrito no texto. Também aparecem duas setas, uma localizada à esquerda da tabela
na posição vertical, indicando para baixo, contendo os algarismos 3, 5 e 0, dentro dela; outra seta na parte
inferior da tabela, indicando para a direita, com os algarismos 2, 9, 9 e 8 dentro dela. A leitura desses
números indica o produto da multiplicação, sendo 3.502.998.

Entendo que essa também é uma possibilidade para o professor do 6º ano traba-
lhar com os estudantes, quando visa desenvolver, por exemplo, habilidades como

105
UNIDADE 3

“(EF06MA03) Resolver e elaborar problemas que envolvam cálculos (mentais ou


escritos, exatos ou aproximados) com números naturais, por meio de estratégias
variadas, com compreensão dos processos neles envolvidos com e sem uso de
calculadora” (BRASIL, 2018, p. 301).

III) Tales de Mileto e a altura da grande pirâmide

Lara (2013) explicitou que essa atividade exigiu procedimentos semelhantes ao


que Tales desenvolveu para calcular a altura da pirâmide Quéops. Os estudantes
foram desafiados a calcular a altura de uma pirâmide a partir da perspectiva de
Tales, e conforme apresentavam estratégias para a resolução do problema, alguns
materiais eram fornecidos pela professora, por exemplo, uma vela ou lanterna
para simular o sol, um objeto piramidal e um pedaço de palito para ser bastão.

Figura 6 – Disposição dos materiais oferecidos aos estudantes / Fonte: Lara (2013, p. 60).

Descrição da Imagem: da esquerda para a direita, na imagem, há uma vela acessa sob uma base; ao
centro, uma objeto piramidal (de base quadrangular) e à direita um pequeno pedaço de palito. Todos os
objetos posicionados verticalmente.

A autora ainda explicita que outras explorações também ocorreram, tais como
a própria confecção pelos estudantes do material utilizado nessa atividade; o
cálculo de altura, na rua, utilizando da própria luz solar; e, o cálculo de alturas
desconhecidas de outros objetos, como prédios e árvores.

106
UNICESUMAR

Essas três propostas de atividades apresentadas por Lara (2013), junto a inú-
meras outras que se apresentam na literatura em Educação Matemática, podem
incentivar a realização de práticas que coloquem o estudante como protagonista,
isto é, que ele pense matematicamente em soluções para os problemas, desenvol-
vendo competências e habilidades. Veja que em todas elas há o incentivo à pesqui-
sa, a seleção de informações e a relação com a matemática acadêmica, mostrando
que ela é um constructo humano, produto de desafios, erros e dificuldades.
Segundo a autora, ensinar usando a História da Matemática é uma possibili-
dade que “[...] deve ser abordada criando condições para que o estudante reflita
sobre esse saber/fazer e o utilize de algum modo na elaboração do seu próprio
saber/fazer, seja tomando-o como base, ou colocando-o sobre suspeita, ou ainda
comparando-o à Matemática aprendida na escola” (LARA, 2013, p. 61).
A abordagem dessas atividades em sala requer uma dinâmica de prática di-
ferente daquela que, comumente, conhecemos: definição, exemplos e listas de
exercícios. A seguir, teremos a oportunidade de conhecer um pouco desse outro
modo de configurar a prática em sala de aula, quando assumimos a História da
Matemática. A experiência expressa uma prática desenvolvida no Ensino Médio.
Intitulada Método de Multiplicação Chinesa: uma proposta metodoló-
gica para o ensino da Matemática, de Silva, Gonçalves e Cardoso (2020), foi
compartilhada e publicada no Boletim Cearense de Educação e História da Ma-
temática – BOCEHM, no ano de 2020. A experiência envolveu algumas situa-
ções-problema apresentadas a estudantes de 1ª e 2ª anos do Ensino Médio de um
município cearense, sendo solicitado para a resolução o método multiplicativo
utilizado na civilização chinesa.
Como a multiplicação pode ser concebida não apenas como a soma de parcelas
iguais (CHAVES; BESSA, 2017), podendo ser explorada de outros modos, as auto-
ras propuseram uma prática alternativa para modificar o modo como os estudantes
lidam com o algoritmo da multiplicação, tornando essa relação mais lúdica.
Para que possamos compreender algumas resoluções dos estudantes, é impor-
tante que conheçamos o referido método. Segundo as autoras, o método chinês
da multiplicação se baseia na contagem de pontos que emergem do agrupamento
e sobreposição de varetas. O sistema de numeração chinês “[...] é caracterizado
pela escrita ideográfica, na qual os números são representados por varetas de
bambus nas posições verticais e horizontais. A unidade é representada pelo o

107
UNIDADE 3

vertical e a dezena pelo horizontal” (SILVA; GONÇALVES; CARDOSO, 2020, p.


84), conforme a figura a seguir:

Figura 7 - Representação do sistema numérico na unidade e dezena


Fonte: Silva, Gonçalves e Cardoso (2020, p. 86).

Descrição da Imagem: na figura, é possível visualizar a representação do sistema numérico chinês,


representado por alguns pequenos traços na vertical (unidade) e horizontal (dezena). Para o algarismo
um, temos um traço na vertical. Para o dois, dois traços mais próximos um do outro, seguindo essa lógica
temos a representação até o cinco. Ainda, na figura, é possível visualizar as representações dos algarismos
11 ao 14, sendo um traço na vertical e outro sobre ele, na horizontal, para o 11; dois traços na vertical e
um sobre eles na horizontal; e assim sucessivamente.

São essas mesmas varetas de bambu as utilizadas para proceder o método de


multiplicação. É preciso dispor as varetas nas posições verticais (representando
o multiplicador) e horizontais (representando o multiplicando), com um espaço
entre elas como expressão de unidades, dezenas e centenas. Vejamos a represen-
tação para o exemplo da multiplicação, 246 x 42:

2 4 6

Figura 8 - Representação dos pontos nas varetas no método de multiplicação chinês


Fonte: Silva, Gonçalves e Cardoso (2020, p. 86).

Descrição da Imagem: na figura, temos a representação dos traços que expressam os fatores 246 e 42,
sendo um conjunto de 12 traços na vertical e 6 na horizontal sobrepondo os 12. O ponto de interseção
entre eles é destacado por pontos coloridos, sendo da esquerda para direita, um conjunto 8 pontos na
cor vermelha e logo abaixo quatro pontos na cor roxa; ao meio da figura outro conjunto de 16 pontos na
cor roxa e abaixo, 8 na cor verde; à direita, 24 pontos na cor verde e 12 na cor preta.

108
UNICESUMAR

Depois de traçar os segmentos que representam as varetas de bambu e identificar os


pontos em seus entrecruzamentos, o procedimento é traçar as diagonais, de modo
a identificar e contar os pontos pertencentes a cada uma delas. Vejamos a figura:

2 4 6

20
32 12

Figura 9 - Contagem dos pontos da interseção. / Fonte: Silva, Gonçalves e Cardoso (2020, p. 86).

Descrição da Imagem: a figura é semelhante a anterior, pois contêm a representação da multiplicação


com traçados na vertical, horizontal e a identificação de pontos coloridos nas interseções. Aqui é efetua-
da a contagem dos pontos e, para isso, setas foram traçadas na diagonal, indicando, na parte inferior, a
quantidade de pontos, sendo da esquerda para a direita, 8, 20, 32 e 12.

Por fim, para encontrar o produto é orientado baixar a unidade em cada uma das
diagonais e, se o número a ser baixado for maior que 9, soma-se a dezena com a
unidade de diagonal subsequente, conforme expressa a figura a seguir:

8 20 32 12

10 3 3 2

Figura 10 - Resultado da operação / Fonte: Silva, Gonçalves e Cardoso (2020, p. 86).

Descrição da Imagem: a figura expressa o produto resultante da multiplicação. Na parte superior estão
localizados os números 8, 20, 32 e 12, e na parte inferior estão localizados os algarismos que expressam
as unidades de cada valor encontrado nas diagonais, seguindo o método (se o número encontrado for
maior que 9, deve-se somar a dezena com a unidade da próxima diagonal).

109
UNIDADE 3

Portanto, o produto é de 246 x 42 é igual a 10.332.


A fim de estudar esse método, inicialmente, foi contextualizado alguns tópicos
que evidenciaram o desenvolvimento da Matemática na China Antiga,“[...] desta-
cando aspectos econômicos e culturais dessa civilização, bem como os primeiros
vestígios da Matemática, o sistema de representação numérico criado nessa época
e as contribuições dos matemáticos da China para a Matemática que conhecemos
atualmente” (SILVA; GONÇALVES; CARDOSO, 2020, p. 89). Na sequência, foi
solicitado a um grupo de estudantes a resolução de algumas situações-problema,
ocorrendo de modo colaborativo.


Este ambiente colaborativo, com outra forma de resolução de
problemas multiplicativos, difere da prática pedagógica do professor
em sala de aula, muitas vezes, limitada a um único método para
se desenvolver o cálculo, nesse sentido, os alunos desconhecem
ou tendem a acreditar que não existem outra maneira de realizar
o algoritmo da multiplicação (SILVA; GONÇALVES; CARDOSO,
2020, p. 89).

Vejamos, a seguir, duas das situações propostas e seus respectivos registros que
foram utilizados, isto é, a produção escrita dos estudantes que evidenciam a re-
solução dos problemas propostos a eles:
“Em uma caixa há 45 limões. Quantos limões caberão em 7 caixas?”
Figura 11 - Resolução do aluno H
Fonte: Silva, Gonçalves e Cardoso (2020,
p. 90).

Descrição da Imagem: a figura expres-


sa a representação elaborada por um
dos alunos sujeitos da pesquisa. Nela,
encontram-se 9 traços na vertical e 7 na
horizontal, de modo a interceptar os 9.
Na parte superior e lateral direita estão
indicados com algarismos indo-arábicos
a quantidade de traços e, na parte infe-
rior, também estão indicados a quanti-
dade de pontos constituídos. Da direita
para a esquerda, 35 e 28. Há uma seta
abaixo do número 35, indicando para um
algarismo 5 (o que indica a conservação
da unidade) e, logo abaixo, o número 31.

110
UNICESUMAR

A Figura 11 ilustra a resolução do estudante H,


assim identificado pelas pesquisadoras, a fim de
manter o anonimato do sujeito. Segundo elas, to-
dos os estudantes resolveram sem dificuldades
esse problema. Embora no registro não esteja
evidente o traçado das diagonais, o número “31”,
indica que o estudante conservou o “5” do “35” e
remanejou o “3” para com o “28”, ou seja, somou
a dezena da primeira com a unidade da segunda,
resultando em “31”.
Para a segunda situação-problema que se-
lecionei, cujo enunciado é: “O chefe do José
encomendou 5 salgados e 10 doces para cada
funcionário, para comemorar a meta alcança-
da no ano. Se a empresa tem 56 funcionários,
quantos salgados e doces foram encomenda-
dos?”, as respostas foram divergentes.
Vale destacar que as autoras indicaram duas
possibilidades de respostas para essa multiplica-
ção, tanto uma única representação para o algo-
ritmo [(5+10) x 56], quanto duas representações,
uma para (5 x 56) e outra para (10 x 56) e ao final
a soma de ambas.
O registro a seguir é do estudante B (Figura
12A) e evidencia a resposta correta, pois pelo re-
gistro fica evidente que ele escolheu o primeiro
modo de resolver a situação, traçando as diagonais
e contando os pontos corretamente. Já o registro
do estudante A (Figura 12B) mostra que o estu-
dante, apesar de representar de modo correto, efe-
tuou a contagem dos pontos de modo incorreto.
Ele contou 36, sendo que, pelo método, deveria
contar apenas 30 e os 6 pontos (produto de 6x1),
deveria ser computado com os 25 (produto de
5x5), isto é, pertencentes à mesma diagonal.

111
UNIDADE 3

Figura 12A Figura 12B

Figura 12 - Resoluções dos alunos B e A, respectivamente


Fonte: Silva, Gonçalves e Cardoso (2020, p. 92).

Descrição da Imagem: a figura 12A e 12B expressam a resolução de 56x5. Em 12A, à esquerda aparecem
5 traços na vertical, um espaço livre, e à direita, também na vertical 6 traços, representando os algarismos
5 e 6. Cortando horizontalmente, aparecem 6 traços, sendo que um deles está posicionado mais distante
dos outros 5. Por ser um registro de produção de sala de aula, provavelmente feito à lápis, as diagonais
não estão nítidas, mas são indicadas com números, as somas dos pontos oriundos das interseções. Na
Figura 12A aparece, da direita para esquerda, o número 840 e um sinal de igual. Do outro lado da igual-
dade, o número 30 e um 0 posicionado abaixo dele, o quatro e um oito. Na Figura 12B, da direita para
a esquerda, aparece a letra “R” e um sinal de igual e um espaço em branco. À esquerda de “R” consta o
número 36 e abaixo dele uma seta indicando o algarismo 6, como a unidade que permaneceu. Há também
outra seta curvada que liga o 36 ao número 30, do qual sai outra seta para baixo, indicando o algarismo 0.

Além de problematizar e apresentar outros modos de efetuar a operação da mul-


tiplicação, as autoras argumentaram que, por meio das atividades desenvolvidas,
os estudantes puderam relacionar esse método chinês com os métodos conven-
cionais utilizados por eles para operar, sobretudo, por colocarem em evidência a
importância que esse método traz sobre o valor posicional. Ressalto que a com-
preensão do valor posicional é apontada por elas como uma das dificuldades
apresentadas pelos estudantes quando precisam estruturar o algoritmo da mul-
tiplicação, principalmente, em anos/séries anteriores.
Quero que você, caro(a) estudante, note que aprender por meio da História
da Matemática é uma oportunidade de ampliar o conhecimento teórico, cultural
e conceitual. A experiência também deixa evidente que esse método é alternativo,
mas quando os fatores da operação são expressivos, é inegável que a contagem
dos pontos pode ser dificultada. Isso nos faz pensar e reconhecer que outros

112
UNICESUMAR

métodos podem agilizar esse cálculo. Esse tipo de reflexão também deve emergir
na sala de aula de Matemática, com o objetivo de reconhecer conceitos e modos
alternativos de pensá-los.
Outro aspecto importante que nos cabe refletir, a partir dessa experiência, é
a possibilidade de ela ser adaptada para outras turmas e outros níveis de ensino,
como do Ensino Fundamental. Além disso, podemos pensar em outras formas
de conduzir a prática com História da Matemática. Na experiência relatada, foi
utilizada uma apresentação contextualizando o objeto de estudo (o método) e a
civilização do qual é proveniente, seguindo de discussões.
Essa dinâmica pode ser caracterizada como algo diferente do que comumente
acontece numa aula de Matemática. Também destaco o trabalho em grupo, pois
a negociação de significados entre os estudantes membros de um coletivo pode
gerar, entre outras coisas, atitude de respeito e interpretações distintas que levam
a constituição de aprendizagens.

Para saber mais sobre o que consideramos por dinâmica da


prática pedagógica,acesse esse PODCAST. Aqui contarei, concei-
tualmente, o que entendo por esse termo, assim como contarei
sobre outras possibilidades de práticas pedagógicas apoiadas em
História da Matemática, revelando essa dinâmica. Práticas essas
que foram socializadas e relatadas na literatura em Educação
Matemática e que poderão inspirá-lo(a) a conjecturar as suas
práticas como (futuro(a)) professor da Educação Básica. É só dar o
PLAY!

O intuito de apresentar a prática anterior não é a de receitar como a História da


Matemática deve ser desenvolvida; pelo contrário, ela é uma e não a única! Por
meio dela, ofereço indicativos para o seu trabalho como profissional, podendo
ressignificá-la, recontextualizá-la e torná-la original.
Pensando nisso e com o objetivo de inspirá-lo(a) a planejar uma sequência
de situações para ensinar e aprender Matemática, tendo como fundamento a
História da Matemática, apresento, a seguir, a pesquisa de Roratto (2009), como
outra possibilidade para ampliar o seu know-how sobre modos de colocar em
prática a História da Matemática em ambientes educacionais. Vejamos, agora,
uma sequência didática de situações-problema para a construção do con-
ceito de funções utilizando a história da matemática.

113
UNIDADE 3

Durante os anos de 2008 e 2009, Cauê Roratto produziu a sua dissertação de


Mestrado se dispondo a estudar uma situação do tipo: Poderíamos pensar em
uma sequência de situações-problema sustentadas na História da Matemática
para o ensino de funções? Em outras palavras, considerando o que já estudamos
aqui sobre como utilizar a História da Matemática, Roratto (2009) se aventurou
em elaborar situações-problema que produzissem o MESMO EFEITO que os
problemas dos quais se originaram o conhecimento matemático sobre funções,
mas transpostos para a realidade atual.
Aqui, entrelaçamos, então, a Resolução de Problemas concebida de maneira
ampla, mas atendendo ao seu pressuposto principal de que o problema é o de-
sencadeador da aprendizagem. O texto que segue se sustenta na dissertação de
mestrado desenvolvida por Cauê Roratto, defendida no Programa de Pós-Gra-
duação em Educação para a Ciência e a Matemática, em 2009, e orientada pela
Profa. Dra. Clélia Maria Ignatius Nogueira.
A problematização para a investigação foi constatada por considerarmos
que o modo pelo qual a Matemática é abordada nos materiais que, geralmente,
os docentes utilizam para planejar as aulas – os livros didáticos – está revestida
com estrutura formalizada e repleta de abstrações. Contudo, sabemos que os
estudantes apresentam dificuldades para desenvolver um nível de abstração e
formalismo, por conta das dificuldades de relacionar o conhecimento prévio ao
novo, muitas vezes, justamente por conta da própria estrutura com que o novo
conhecimento é apresentado para eles. Analogamente ao que ocorre com a mate-
mática, espera-se que os estudantes possam se desenvolver de modo semelhante
ao sujeito matemático, percorrendo caminhos entre a intuição até a sua exposição
final, formal e abstrata de uma teoria matemática.
Essa diferença entre a sequência de desenvolvimento epistemológico do co-
nhecimento matemático científico e a do desenvolvimento pedagógico pode
dificultar a tarefa de se aprender Matemática. Nossa conjectura é a de que essa
matéria deveria ser ensinada em uma sequência condizente com a de sua cria-

114
UNICESUMAR

ção, ou seja, conforme vimos anteriormente, obedecendo à sequência histórica,


permitindo que o aluno passe pelos estágios de desenvolvimento e de elaboração
de um conhecimento matemático, não o recebendo já pronto, formal e descon-
textualizado, mas participando ativamente de sua construção.
Assim, a história foi um elemento importante na elaboração de uma pro-
posta didática para favorecer o estudo de Funções, isto é, tendo informações da
História, foi pensada em uma proposta valendo-se da perspectiva evolucionista
desse conceito, iniciando pelas ideias e noções mais básicas até a sua formali-
zação. Conforme apontado em Roratto (2009, p. 13), esse desenvolvimento foi
tal qual como ocorreu epistemologicamente, foram abordados os conceitos de
relação de dependência, representações tabulares, reconhecimento de padrões,
variável, representações gráficas, linguagem algébrica e representação analítica,
culminando na formalização daquele conceito.
Cada um dos conceitos que atuaram como base para a formalização conceitual
das Funções ao longo da história foi abordado, pedagogicamente, em uma atividade
envolvendo algumas situações-problema. Ao todo, foram seis atividades, cada uma
delas com situações-problema com graus de dificuldades diferentes, porém em tor-
no de um conceito base. Esperávamos que cada um desses conceitos se constituísse
como conhecimento prévio para o estudo dos conceitos subsequentes.
Destacamos, então, que, epistemologicamente, a sequência histórica da cons-
trução do conceito de função passou por sete etapas. A primeira foi o estabeleci-
mento das relações de dependência entre grandezas; em seguida, essa dependên-
cia passa a ser expressa em tabelas, as quais, por sua vez, permitem a identificação
de padrões, que, naturalmente, levam à noção de variável. As ideias básicas do
conceito de função estavam constituídas. A partir de então, inicia-se o processo
de formalização do conceito, com o estabelecimento de representação gráfica,
definição, linguagem algébrica e representação analítica, que completa a
formalização do conceito.

115
UNIDADE 3

EXPLORANDO IDEIAS

O termo “representação”, segundo Duval (2012), é importante quando o assunto é a Mate-


mática. Uma escrita ou um símbolo representam um número, uma função; um traçado e
uma figura representam um segmento e um círculo. Logo, as representações diferem dos
objetos matemáticos. No contexto das funções, por exemplo:
REPRESENTAÇÃO GRÁFICA: é aquela que, no plano cartesiano, expressa uma curva que
permite a visualização do comportamento dos dados. Logo, a representação gráfica é
uma forma de registrar o objeto matemático.
REPRESENTAÇÃO ANALÍTICA: é aquela que utiliza de uma linguagem simbólico-algébrica
para expor uma expressão que permita análise, por exemplo, dos coeficientes de uma
função. Aqui temos outra forma de registro do objeto matemático.
Grosso modo, quando o sujeito transita, isto é, “muda” de uma representação para outra,
dizemos que ele realiza uma conversão. A coordenação de pelo menos dois registros,
segundo Duval (2012), indica a aprendizagem do conceito.

Passemos a uma contextualização dessa sequência didática.


Historicamente, sabemos que a evolução do homem na sociedade, e dela ao
mesmo tempo, foi marcada por diferentes circunstâncias. Se retomarmos o período
renascentista, veremos que o avanço da ciência foi inevitavelmente marcado pela
necessidade do homem se relacionar com a natureza, ao buscar conhecê-la e domi-
ná-la. Naturalmente, a observação de fenômenos procurando entendê-los foi uma
alternativa inteligente, mas apenas conhecê-los não bastava, já que os mecanismos
de defesa de tragédias naturais, por exemplo, poderiam ser estratégias oriundas
da capacidade de prevê-los. Hoje, se pensarmos, por exemplo, em um terremoto,
a escala que prevê a sua magnitude, certamente, é fruto desse avanço. Talvez resida
aqui, essa ideia de previsão, o início da formalização do conceito de Funções.
Em seguida, para facilitar a antecipação de fenômenos naturais, favorecen-
do a adoção de medidas de defesa, o ser humano começou a utilizar de tabelas
para registrar as observações que realizava. Obviamente que, naquele contexto,
as informações que constituíam as tabelas eram mais de natureza qualitativa,
utilizando, para isso, de representações verbais. Contudo, as relações estabelecidas
nas observações e também nos registros se tornaram limitados frente ao alto grau
da ferramenta emergente.
Caraça (1984, p. 117) destaca que “é grande o perigo de deslizar no abuso da
explicação qualitativa”. Nesse sentido, evitando correr tais riscos e tendo a obser-
vação da ocorrência dos fenômenos como um elemento a mais a ser considerado

116
UNICESUMAR

para a produção de registros, o homem passou a reconhecer que determinadas


relações de dependência poderiam ser quantificadas e registradas.
Os pitagóricos foram os primeiros a interpretar o mundo de forma quantita-
tiva. Filalao, um dos grandes representantes da escola Pitagórica (580-504 a.C.),
afirmava que “todas as coisas tem um número e nada se pode compreender sem o
número” (CARAÇA, 1984, p. 66), o que nos permite inferir que temos, aqui, a mais
valiosa contribuição da história da Ciência, pelos pitagóricos, a matematização
do universo, quando buscavam interpretá-lo e compreendê-lo fazendo relações
entre números. “A partir dessas ideias, a Matemática poderia assumir um papel
de leitura e controle de fenômenos” (RORATTO, 2009, p. 52).


A civilização babilônica é considerada uma das precursoras dos
registros de pensamento funcional por confeccionar tabelas ou
tábuas talhadas em argila com duas colunas. As tábuas de multipli-
cação são uma dessas representações, em que, para cada número da
primeira coluna, apresentava-se outro na segunda, representando o
resultado da multiplicação do primeiro por algum valor fixo (RO-
RATTO, 2009, p. 52).

Entretanto, as tabelas babilônicas não se prendiam apenas às tabelas multiplica-


tivas, aparecendo, também, representações tabulares de quadrados e raízes qua-
dradas, como também de cubos e raízes cúbicas em base sexagesimal, indicando
a relação de dependência.
Apesar da existência de pensamento funcional nessas representações ta-
bulares, para os babilônios, cada problema se constituía como em uma nova
situação e eles não conseguiam compreender a possibilidade de generalização.
Isso é uma evidência de a Matemática formalizada ter surgido aos poucos, não
sendo constituída de uma hora para outra, como aparentam os manuais de ensi-
no. Lentamente, com o desenvolvimento da cultura e do pensamento matemático,
o formalismo foi sendo atingido. No entanto, embora de forma não rigorosa,
vale destacar que se iniciou a confecção de um “instrumento matemático cuja
essência seja a correspondência de dois conjuntos” (CARAÇA, 1984, p. 67), noção
encontrada atualmente no estudo formalizado de Funções.
Até aqui, temos indicativos do estabelecimento da relação de dependência entre
grandezas e da representação tabular. O próximo conceito a surgir é o de variável.

117
UNIDADE 3

É importante lembrarmos de que o pensamento funcional se limitou às


descrições qualitativas de fenômenos e às relações entre números apresentados
em tabelas. Contudo, com a expansão do comércio, essas relações e praticidade
com que elas pudessem ser utilizadas tornaram-se ainda mais viáveis quando
se tinha a relação de dependência como protagonista, por exemplo, a qualidade
do material para a fabricação de determinado produto refletindo a sua durabi-
lidade. “Situação em que o instrumento matemático de correspondência de dois
conjuntos poderia mostrar um potencial significativo” (RORATTO, 2009, p. 55).
Também, como expresso por Caraça (1984, p. 119), para se trabalhar com
esse instrumento matemático, “a primeira coisa a fazer, para torná-lo facilmente
manejável, é arranjar uma representação simbólica para os conjuntos; do con-
trário teríamos sempre que estar pregados a tabelas de resultados particulares”,
além de que, trabalhando com particularidades, não chegaria à generalidade em
determinadas situações. Aqui, também se torna iminente o contexto histórico no
qual se inicia o trabalho com variáveis, que pode ser compreendida como símbolo
que expressa um elemento qualquer de um conjunto.
Em linhas gerais, a variável representada por um símbolo seria capaz de re-
presentar todos os elementos de um conjunto, assim como não fazer referência a
ele. Nas palavras de Caraça (1984, p. 120), “uma variável é o que for determinado
pelo conjunto numérico que ela representa – a sua substância, o seu domínio”,
isto é, a essência que referencia a uma coleção.
Estabelecida a ideia de variável, o conceito de função inicia sua caminhada
rumo à formalização, que começa com a introdução de uma representação geo-
métrica para o pensamento funcional por Nicole Oresme (1323 - 1382).
Nessa mesma época do desenvolvimento dos trabalhos de Galileu, que desen-
volveu um estudo com representações gráficas na quantificação de grandezas,
François Viéte (1540 - 1603) apresentou a notação algébrica. Esse advogado,
encantado pela álgebra, indicou o uso de vogais para expressar variáveis, assim
como o uso de consoantes para os parâmetros no estudo de situações por meio
da matemática. Essa indicação contribuiu para o desenvolvimento da notação
algébrica, ao consolidar uma linguagem simbólica que se tornou crucial para o
desenvolvimento da própria matemática como ciência.
Com a facilitação das ideias matemáticas traduzidas em representações
matemáticas, fazendo o uso dessa nova notação, aproximadamente, três décadas
depois, deu-se o sistema cartesiano de referência, dirigindo-se à construção

118
UNICESUMAR

gráfica iniciada por Fermat (1601 - 1665) e que foi consagrado por Descartes
(1596 - 1650).


Um sistema caracterizado por dois eixos ortogonais em que cada
um representa um conjunto de variáveis, usualmente, o eixo x (eixo
horizontal), as variáveis independentes e o eixo y (vertical), as va-
riáveis dependentes. Para cada variável em x, existiria uma variável
determinada em y, o que ficaria conhecido como um par ordena-
do. Traçando retas ortogonais aos eixos, cada uma partindo da sua
variável correspondente, teríamos a representação gráfica de uma
função ao tomar o conjunto dos pontos de interseção de todas as
retas, ou, então, o conjunto de todos os pares ordenados (CARAÇA,
1984) (RORATTO, 2009, p. 57).

No mesmo período em que a representação gráfica, utilizando o plano cartesiano


para o estudo das funções estava efervescente, também surge a representação
algébrica como outra forma simbólica de “enxergar” uma função. Temos, aqui, o
início do método analítico de reconhecimento funcional.
Como se deu a realização de cada uma dessas etapas, os problemas que as
originaram foram considerados no estabelecimento das atividades e você pode
encontrar essas etapas, de maneira mais aprofundada, na dissertação de Cauê
Roratto (2009).

NOVAS DESCOBERTAS

Para saber mais sobre essa pesquisa e ter acesso ao conteúdo completo da
análise realizada por Cauê Roratto (2009), acesse o seguinte link a seguir.
Além de uma brilhante viagem histórica sobre o desenvolvimento do con-
ceito de função, você terá a oportunidade de conhecer sobre a Teoria da
Aprendizagem Significativa de David Ausubel. Teoria que o autor respaldou
os seus argumentos sobre a História da Matemática como favorecedora da
aprendizagem.
A HISTÓRIA DA MATEMÁTICA COMO ESTRATÉGIA PARA O ALCANCE DA
APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA DO CONCEITO DE FUNÇÃO, de Cauê Ro-
ratto (2009).

119
UNIDADE 3

Reproduzimos, a seguir, a sequência de atividades propostas para o ensino de


funções, na perspectiva da História da Matemática. Como cada uma das seis ati-
vidades constantes da proposta de Roratto (2009) continham, em média, quatro
situações-problema, limitamo-nos a apresentar um problema de cada uma.

Atividade 1

Objetivos: perceber a complexidade de uma situação e notar relações de depen-


dência, sendo essas essencialmente qualitativas.
Situação-problema: cadeia alimentar.
Entende-se por Cadeia Alimentar o “conjunto das espécies animais e vegetais,
dispostas em níveis, de forma que a espécie situada em nível superior se alimenta
da inferior” (EMA, [2021], on-line). Sendo assim, um desequilíbrio populacio-
nal em certo nível ocasiona desequilíbrios nos demais. Sabendo que o tamanho
de uma população está diretamente relacionado com a quantidade de alimento
disponível e inversamente proporcional à quantidade de predadores existentes,
responda as perguntas a respeito da cadeia alimentar ilustrada abaixo:

a) O que acontecerá com as outras espécies, se houver uma redução da quan-


tidade de vegetais nesse ecossistema? Por quê?
b) Se, por algum motivo, aumentar consideravelmente o número de águias
na região, o que acontecerá com cada uma das espécies? Por quê?
c) Se a população de passarinhos reduzir consideravelmente, o que aconte-
cerá com a população de águias? E com a de vegetais? Por quê?

120
UNICESUMAR

d) Com base no enunciado e na figura, de que fatores depende o tamanho


da população de determinada espécie?
e) Existe algum outro fator externo, não especificado pelo enunciado e pela
figura, que poderia afetar o tamanho da população de alguma espécie?
Cite alguns.

Atividade 2

Objetivos: sistematizar e organizar o conhecimento em quadros explicativos.


Perceber a tabela como um instrumento facilitador da leitura de situações.
Situação-problema: desempenho do Brasil nas últimas 10 olimpíadas ante-
riores a 2008.
Na página do Comitê Olímpico Brasileiro na internet, pode-se encontrar um
histórico do desempenho da delegação brasileira durante as olimpíadas.
No ano de 1972, os jogos foram realizados em Munique, na Alemanha. O
Brasil contou com a participação de 89 atletas e conquistou duas medalhas de
bronze, uma no atletismo e outra no judô. Essa quantidade de medalhas se re-
petiu em 1976, nos jogos de Montreal, quando dois dos 93 atletas participantes
voltaram, cada um, com uma medalha de bronze.
A vela brasileira ganhou destaque no cenário internacional ao voltar dos
jogos de Moscou, em 1980, com duas medalhas de ouro. Além dessas, mais duas
medalhas de bronze foram conquistadas por integrantes da delegação brasileira
que, dessa vez, contou com a participação de 109 atletas.
A tendência de aumentar o número de atletas participantes a cada evento
continuou em 1984, quando 151 brasileiros competiram nos Jogos de Los Ange-
les, conquistando uma medalha de ouro, cinco de prata e duas de bronze.
Após o grande número de medalhas conquistadas em Los Angeles, houve
uma pequena queda de rendimento dos atletas brasileiros quatro anos mais tarde,
em Seul. Dos 170 participantes, seis voltaram com medalhas, sendo uma de ouro,
duas de prata e três de bronze.
Esse número caiu ainda mais em Barcelona – 1992, apenas três medalhas
foram conquistadas, dentre os 197 atletas brasileiros. Entretanto, uma delas foi
de prata e as outras duas de ouro, inclusive com o voleibol, que, a partir dessa
olimpíada, passou a estar sempre presente no pódio.

121
UNIDADE 3

Quatro anos mais tarde, nos jogos de Atlanta, 15 dos 225 atletas brasileiros
conquistaram medalhas, três de ouro, três de prata e as restantes de bronze. A
grande quantidade de medalhas se repetiu em Sidney – 2000, doze medalhas
foram conquistadas, entretanto, nenhuma foi de ouro. Metade delas foi de prata
e a outra metade de bronze, numa olimpíada que 205 brasileiros competiram.
Duas medalhas a menos que em Sydney foram conquistadas em Atenas –
2004. Porém o desempenho foi surpreendente, uma vez que metade delas foi de
ouro. O restante se dividiu em duas de prata e três de bronze. 247 atletas brasi-
leiros participaram desses jogos.
Por fim, a maior delegação brasileira já participante dos jogos, num total de
277 atletas, voltou das olimpíadas de Pequim com três medalhas de ouro, quatro
de prata e oito de bronze, dando-se o devido destaque às mulheres, que conquis-
taram 6 medalhas, feito inédito para o esporte nacional.
Baseado nas informações lidas:
a) Construa uma tabela representando os dados presentes no texto.
b) Qual a olimpíada que o Brasil conquistou mais medalhas de Ouro?
c) Qual a olimpíada que o Brasil ganhou mais medalhas?
d) Qual olimpíada o Brasil contou com a maior participação de atletas?
e) Pode-se dizer que o número de medalhas conquistadas depende do nú-
mero de atletas participantes em cada olimpíada? Justifique sua resposta.
f) Qual o maior benefício que você achou em representar os dados por meio
de uma tabela?

Atividade 3

Objetivos: introduzir tabelas com relações de dependência e iniciar o processo


de reconhecimento de padrões.
Situação-problema: a fervura da água.
É comum ouvirmos que a água ferve a 100ºC. Analise a tabela a seguir e
responda as perguntas:

122
UNICESUMAR

Temperatura Temperatura
Pressão atmos- de fervura da Pressão atmos- de fervura da
férica (em atm) água férica (em atm) água
(em ºC) (em ºC)

1 100,0 8 170,8

2 120,6 9 175,8

3 133,9 10 180,3

4 144,0 20 213,0

5 152,2 30 236,2

6 159,2 40 252,5

7 165,3 50 265,9

Fonte: Roxo (1930, p.149).

a) Após a leitura da tabela, podemos afirmar que a água ferve a 100ºC?


b) De quais fatores a água depende para ferver?
c) Quanto maior for a pressão, ______________ será a temperatura neces-
sária para se ferver a água.
d) Quanto menor for a pressão, ______________ será a temperatura ne-
cessária para se ferver a água.
e) Será que é possível ferver água em uma temperatura menor que 100ºC?
Como?
f) Tente, com suas palavras, elaborar uma justificativa para o fato de que,
quanto maior a pressão, maior deve ser a temperatura para se ferver a
água.

123
UNIDADE 3

Atividade 4

Objetivos: trabalhar com o reconhecimento de padrões e introduzir a noção de


“variável”.
Situação-problema: o próximo termo da sequência.
Dê o próximo termo das sequências a seguir e justifique o porquê da sua
escolha:
a) 1 2 3 4 5
b) 8 10 12 14
c) 89 85 81 77
d) -7 -4 -1 2
e) 5 7 11 13 17 19
f) 27 9 3 1
g) -3 -6 -12 -24
h) 4 -8 16 -32
i) 1 1 2 3 5 8 11
j) 1 1 2 4 7 13 24

Atividade 5

Objetivos: introduzir a representação gráfica de funções, destacar a percepção de


relações de dependência existentes entre variáveis em um gráfico e reconhecer
padrões em gráficos.
Situação-problema: coeficiente de saúde no jogo Sim City 3000 – WE.
A figura a seguir foi retirada do jogo de computador Sim City 3000 World
Edition. Trata-se de um simulador, em que o jogador deve assumir o papel de
um prefeito, construir uma cidade e zelar pela qualidade de vida da população.
Um dos itens ao qual se deve ficar atento é o coeficiente de saúde dos cidadãos.
Para isso, o jogo dispõe de um gráfico para orientar as decisões do prefeito da
cidade. Nesse gráfico, explicita-se uma escala de “coeficiente de saúde”, que varia
de 0 a 90, em que 0 significa condições extremamente precárias de saúde, e 90,
condições bastante adequadas.
Com base no gráfico, responda as perguntas.

124
UNICESUMAR

a) Que grandezas o gráfico associa?


b) Qual é, aproximadamente, o coeficiente de saúde de uma pessoa de ses-
senta anos? E de um jovem de quinze anos?
c) Com que idade o cidadão apresenta um coeficiente de saúde de 60?
d) O que acontece com o coeficiente de saúde à medida que as pessoas ficam
mais velhas? Você considera isso normal?
e) Existe alguma relação de dependência no gráfico, qual?
f) Qual a variável dependente? E qual a independente?
g) Com base no gráfico, você considera que a cidade feita por esse jogador de
Sim City é uma cidade boa para se viver em termos de saúde? Justifique.

Atividade 6

Objetivos: formalizar a notação algébrica e enfatizar a representação analítica


de funções.
Situação-problema: adivinhe a frase (adaptado de SOUZA; DINIZ, 1994).
Essa situação se refere a um jogo em que cada aluno recebe uma tira de papel
contendo uma das seguintes frases:
Indique o número seguinte
Indique o número anterior
Indique o número par seguinte*

125
UNIDADE 3

Indique o número ímpar seguinte*


Indique o dobro do número
Indique o triplo do número
Indique o número mais dois
Indique o número mais três
Indique o número menos dois
Indique o número menos três
Indique o quadrado do número mais um
Indique o quadrado do número menos um
Indique o triplo do número mais um
Indique o triplo do número mais dois
Indique o triplo do número menos um
Indique o triplo do número menos dois

Os alunos jogam em duplas. Um deles diz um número e o outro faz com esse
número a operação indicada pela frase e diz o resultado. Com esse resultado, o
primeiro aluno efetua a operação indicada pela sua frase e assim por diante até
que um deles descubra a frase do outro.
Ao descobrir a frase, o aluno deve escrevê-la em um papel e, se possível,
representar a frase por uma expressão matemática. Caso não possa ser expressa
matematicamente, deve indicar 3 exemplos.
Você deve ter percebido que os objetivos das atividades apresentadas represen-
tam a sequência histórica da construção epistemológica do conceito de funções.
Com a perspectiva histórica de desenvolvimento do conceito, o estudante tem a
oportunidade de vivenciar processos semelhantes ao do matemático. Esse vivenciar
está relacionado às condições de problematização e de investigação matemática que
a situação exige, diferente daquela perspectiva de ensino em que, inicialmente, são
apresentadas as definições seguidas de exercícios, sugerindo a reprodução deles.
Esclarecemos que esse modo de proporcionar as experiências aos estudantes
permite com que eles mobilizem conhecimentos prévios e que, intuitivamente,
eles possam pensar em estratégias que os conduzem a níveis mais abstratos e
formais do conceito ou conteúdo que é abordado. Note que, uma abordagem con-
textualizada fornece condições para que os estudantes possam, gradativamente,
“ativando” esses conhecimentos prévios e como âncora para novos conhecimen-
tos, avançando na formalização, inclusive, adotando uma linguagem matemática.

126
UNICESUMAR

Obviamente que, uma das preocupações é o tempo depreendido para o de-


senvolvimento de práticas como essas, um dos fatores que parece dificultar a
presença mais efetiva da História da Matemática nas aulas de Matemática. Essa
é uma preocupação legítima, no entanto, você mesmo pôde ver que, no caso das
Funções, as expressões matemáticas envolvidas, certamente, terão muito mais
sentido para os estudantes, não se configurando como algo artificial e desprovido
de significado. Nesse sentido, o fator tempo fica em segundo plano quando os
benefícios se tornam mais expressivos. Portanto, como estratégia para driblar
esses empecilhos, cabe,


[...] ao educador ter o bom senso do que seria de fundamental na
História para contextualizar o ensino de determinado conceito.
No caso das Funções, sugerimos breves comentários expositivos
a respeito de relação de dependência, seguido de atividades de re-
conhecimento de regularidades que culminem na elaboração de
expressões matemáticas. Com isso, podemos apresentar gráficos
de Funções e evidenciar que relacionam duas variáveis, sendo que
uma irá depender da outra e essa dependência dar-se-á por uma
regularidade expressa por uma relação matemática (NOGUEIRA,
2016, p. 161).

É evidente que dificuldades surgirão em determinados momentos quando


optamos por sair da zona de conforto, seja diante de uma prática mais
estruturada ou de uma prática mais flexível que exige pesquisa, problematização
e investigação.

PENSANDO JUNTOS

Não podemos esquecer que qualquer dinâmica também pode ser portadora de algumas
dificuldades. Na literatura, algumas delas são alegadas para o uso da História da Mate-
mática no ensino, dentre as quais, o despreparo dos professores e a falta de tempo dos
professores da escola básica. Como mudar tais condições, de modo que a História da
Matemática se torne presente nas aulas de Matemática?

Espero que essas reflexões possam torná-lo(a) mais confiante, apostando na


formulação ou no empréstimo de situações-problema que sejam pautadas na

127
UNIDADE 3

História da Matemática, para o desempenho


de suas ações como docente, visando o seu
aperfeiçoamento como profissional e dos seus
(futuros) estudantes como aprendizes da e
com a Matemática.
Bem, caro(a) estudante, chegamos ao fim
de mais uma unidade. Evidenciamos as pos-
sibilidades que as tarefas que compõem os
livros didáticos podem oferecer para o traba-
lho com a História da Matemática. Trabalho
que se mostra tanto no sentido de uma abor-
dagem explícita quanto de modo mais sutil,
evidenciando aí a possibilidade de ampliação
à prática pedagógica, tendo em vista as opor-
tunidades de aprendizagens que você, (futuro)
profissional, pode arquitetar.
Refletimos, também, sobre a importân-
cia de ofertar diferentes situações-problema,
sobretudo, aquelas que se configuram como
estratégia didática na sala de aula, pois po-
dem ser resolvidas mediante à mobilização
de conhecimentos e saberes, os quais fazem
referência aos conceitos formalizados siste-
maticamente, ainda que por meio de diferen-
tes representações.
Relacionado a isso, apresentamos alguns
exemplos que podem auxiliá-lo(a) a analisar
e planejar criticamente situações-problema
apoiadas na História da Matemática, e também
mostramos que, para conseguir que os alunos
construam determinado conceito, é necessá-
rio mais do que situações isoladas, isto é, faz-se
necessário estabelecer uma cadeia de situações
que constituam o que Brousseau (1996) deno-
minou de gênese artificial do conceito.

128
UNICESUMAR

Contudo, como articular uma sequência de situações que permita gerar um


conceito? Para isso, uma das questões que se impõe é: “qual foi o problema que
originou essa técnica, esse conceito ou procedimento?”, e recorrer à História da
Matemática parece uma atitude inteligente. Em outras palavras, como elaborar
situações-problema foi evidenciado pelos exemplos e, no caso específico desta
seção, a resposta veio mediante os subsídios de uma das tendências teóricas da
Educação Matemática: uso da História da Matemática no ensino, conforme apre-
sentou a sequência didática de Roratto (2009).
Agora que você tem condições de pensar em situações-problema apoiadas na
História da Matemática para ensinar Matemática, proponho o seguinte desafio:
Você, professor(a) de Matemática no Colégio Estadual Padre Anchieta - EFM,
pretende desenvolver uma prática de ensino abordando a unidade “Números” no
Ensino Fundamental. Dentre as habilidades da Base Nacional Comum Curricular
(BRASIL, 2018, p. 307) que pretende desenvolver está:
“(EF07MA03) Comparar e ordenar números inteiros em diferentes contex-
tos, incluindo o histórico, associá-los a pontos da reta numérica e utilizá-los em
situações que envolvam adição e subtração”.
Lembre-se: antes de mais nada, efetue uma análise histórica dos números
negativos e proponha uma prática que atenda às necessidades de aprendizagem
dos seus estudantes. Veja que, na descrição da própria habilidade, há sugestão de
incluir contextos históricos.
Sabemos que, com o Renascimento, a expansão das ideias e conceitos mate-
máticos decorreram, sobretudo, do desenvolvimento do comércio e das cidades
e um “novo número” se fez ainda mais necessário. Número que os matemáticos
conheciam por número absurdo. Se retornarmos à Antiguidade, veremos que
os chineses utilizavam de números que podiam ser entendidos como expressão
de excessos ou faltas, utilizando de palitos vermelhos e palitos pretos para
simbolizar, respectivamente, tais expressões.
Resgatando essa historicidade e aprofundando-se nela, pode-se utilizar de
representações para uma situação referente a posições de um avião, barco e um
submarino; cartões coloridos para representar soluções de situações; contextua-
lizar com situações que envolvam saldos bancários ou transações comerciais;
bem como situações que exigem até mesmo uma investigação matemática; são
algumas alternativas que nos parecem contemplar aspectos históricos.
Agora é com você, bons estudos e excelente trabalho para a sua produção!

129
1. Segundo Pereira (2016, p. 46), os livros didáticos podem ou não apresentar menções
históricas. O termo utilizado pela autora pode ser definido como:


“[...] trechos que abordam: origem/surgimento de alguma ideia/no-
ção/conceito relacionado à Matemática; atribuição de autoria (fatos,
obras, teoremas, relações, paradoxos, etc); biografias; fatos da vida
de estudiosos ou suas realizações no campo da Matemática; crono-
logias; histórico do desenvolvimento de algum conceito matemático;
conhecimento das antigas civilizações a respeito da Matemática (ba-
bilônios, egípcios, gregos, chineses, árabes, etc); problemas de origem
histórica (Papiro de Rhind, de Cairo, etc); utilização de conhecimentos
matemáticos em outras áreas (Astronomia, Física, Artes, Arquitetura,
etc), que fazem parte da HM (PEREIRA, 2016, p. 46).

Considerando essa definição, o exemplo a seguir foi retirado do livro “Matemática:


contextos e aplicações” de Luiz Roberto Dante (2014, p. 21).

1 5
1 6180339887
2

(Estimule os alunos a pesquisar sobre o número áureo ou número de ouro dos


gregos).
1 +� 5
Esse número irracional, 2 , cujo valor aproxima-
do racional é 1,618034, é conhecido como número
de ouro, razão de ouro ou ainda razão áurea. Para
os gregos, o número de ouro representava harmonia,
equilíbrio e beleza. Por esse motivo, muitas construções
gregas tinham como base esse número. Mas foi no sé-
culo VIII que o matemático Fibonacci constatou que o
número de ouro está presente também na natureza.
No Renascimento, a revalorização dos conceitos esté-
ticos gregos levou grandes pintores, como Leonardo
da Vinci, a utilizar o número de ouro em suas pinturas,
como na obra Mona Lisa, citada no início deste capítulo. Mona Lisa, óleo sobre tela de
Leonardo da Vinci.
(O número de ouro será retomado no capítulo 2, que
aborda sequências).

130
Considerando os seus conhecimentos construídos até aqui, analise essa imagem e
avalie as seguintes asserções quanto à classificação desse tipo de menção histórica,
que apareceuno Guia do Professor apresentado por Dante (2014).

I - A imagem expressa uma menção histórica no Guia do Professor da Coleção do


Livro Didático apresentado por Dante (2014). Essa menção histórica pode ser
considerada como uma Atividade sobre a História da Matemática.
PORQUE,

II - Apesar de apresentar-se como um texto, mais no sentido curiosidade sobre o


número de ouro, são apresentadas sugestões para que o(a) professor(a) apre-
sente-o como uma proposta de pesquisa aos estudantes, de modo que eles
conheçam sobre a historicidade desse número de ouro ou razão áurea.
A respeito dessas asserções, assinale a opção correta.

a) As asserções I e II são proposições verdadeiras e a II é uma justificativa correta da I.


b) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa
correta da I.
c) A asserção I é uma proposição verdadeira e a II é uma proposição falsa.
d) A asserção I é uma proposição falsa e a II é uma proposição verdadeira.
e) As asserções I e II são proposições falsas.

2. O seguinte episódio representa uma prática desenvolvida pelo professor Alberto:

Alberto, professor de Matemática do 8º ano do Ensino Fundamental, solicitou que os


estudantes se organizassem em seis grupos. Em folhas impressas, apresentou, para
cada grupo, a seguinte informação: “Caminhante! Aqui estão sepultados os restos de
Diofante e os números podem mostrar quão longa foi a sua vida, cuja sexta parte foi
a sua bela infância. Tinha decorrido a duodécima parte de sua vida, quando seu rosto
se cobriu de pelos. E a sétima parte de sua existência decorreu com casamento estéril.
Passou mais 5 anos e ficou feliz com o nascimento de seu querido primogênito, cuja
bela existência durou apenas metade da de seu pai. Que com muita pena de todos
desceu à sepultura quatro anos depois do enterro de seu filho”. Em seguida, cada
grupo ficou responsável por interpretar um trecho do problema e apresentar uma
sentença matemática que a expressasse para que, juntos, pudessem responder: “E
então, quantos anos viveu Diofante?”. Uma estratégia sugerida pelo professor foi que
cada grupo interpretasse o seu trecho sem desconsiderar o contexto do problema.

131
Num segundo momento, os membros de cada grupo selecionaram as informações
matemáticas e, com auxílio do professor, cada grupo apresentou a sua sentença
" x" , construíram a
matemática. Juntando todas elas e, padronizando a incógnita
equação: x x x x
x     5   4 , sendo possível resolver o problema. Após a
6 12 7 2
resolução e antes que a aula terminasse, o professor Alberto apresentou outros
exemplos de situações que poderiam ser resolvidas utilizando a estratégia utilizada
por eles.

Com base nesse episódio, assinale a alternativa correta que analisa a dinâmica da
prática desenvolvida pelo professor Alberto.

a) O professor Alberto decidiu por uma dinâmica que pouco contribuiu para a apren-
dizagem dos estudantes. Embora tenha ficado evidente que o conteúdo matemá-
tico permaneceu secundário às informações históricas, essa prática foi orientada
pelos pressupostos da História da Matemática no ensino.
b) O professor optou pelo empreendimento de uma prática pautada na História
da Matemática para abordar o conteúdo de equações. No entanto, a dinâmica
por ele escolhida não valorizou os conhecimentos do cotidiano do estudante,
um aspecto necessário quando falamos de um dos fatores internos à própria
Matemática para ensinar essa ciência.
c) O professor optou pelo desenvolvimento de um problema de vertente histórica
para problematizar o conteúdo de equações. A dinâmica poderia ser outra, mas
fica evidente que a interpretação da situação em trechos, aliada à mediação do
professor, contribuiu para uma resolução coletiva da situação-problema.
d) O professor Alberto não considerou elementos da História da Matemática na
escolha do seu problema. Do mesmo modo, a sua dinâmica foi ineficaz do ponto
de vista teórico-metodológico, pois o fato de ter apresentado outros exemplos
após essa atividade a classifica num paradigma tradicional de ensino.
e) O professor optou pelo desenvolvimento de um problema de vertente históri-
ca para abordar o conteúdo de equações. A dinâmica por ele desenvolvida é a
recomendada pela Educação Matemática quando se trabalha na perspectiva de
problemas, pois a interpretação da situação em trechos garante a compreensão
do conteúdo matemático.

132
3. Atividade adaptada de Roratto (2009) - “Caminho para o trabalho”.

Cidade Bela é um local fictício agradável de viver, fica localizada às margens do Rio
Molhado e entre as cidades Grande e Maior Ainda. Estas duas cidades são interli-
gadas por uma via expressa que cruza o centro de Cidade Bela, passando por uma
ponte com exuberante arquitetura. Além dessa ponte, existem mais duas formas de
se cruzar o rio, uma delas é a balsa e a outra é a ponte móvel. Entretanto, existem
dois inconvenientes: demora-se 25 minutos para se cruzar pela balsa e, nas segun-
das, quartas e sextas-feiras, o tráfego de navios é intenso, mantendo a ponte móvel
bloqueada para veículos por cerca de 20 minutos a cada navio que passa.

Outro orgulho para a Cidade Bela são as feiras de artesanato que ocorrem todas as
terças e quintas-feiras nos locais indicados no mapa. Nesses dias, fecham-se as ruas
para o trânsito de automóveis, deixando-as restritas à realização da feira.

Entretanto, como todas as cidades, Cidade Bela tem seus problemas. Todas as quin-
tas e sextas-feiras o trânsito entre Cidade Grande e Maior Ainda é intenso, fazendo
com que a via expressa fique congestionada. Estudiosos do trânsito estimam que
40 minutos são perdidos ao usar a via nesses dias. Em dias de chuva, a via expressa
também congestiona, mantendo os 40 minutos de perda ao utilizá-la. O caos, na via
expressa, toma conta quando chove nas quintas ou sextas-feiras, fazendo com que
o motorista perca uma hora no trânsito. Outro problema grave são os alagamen-
tos causados justamente pelos dias de chuva, quando o Rio Molhado transborda e
acaba inundando algumas ruas da cidade, tornando-as intransitáveis. Contudo, a
prefeitura municipal está construindo três obras para sanar esse problema. Operá-
rios trabalham todos os dias nessas obras, exceto em dias com chuva, quando eles
recebem folga. Nesses dias chuvosos, os automóveis podem transitar livremente
pelas ruas onde existem obras, já nos dias em que os operários trabalham, o trânsito
é bloqueado.

Um fator polêmico em Cidade Bela é o grande número de semáforos existentes. Além


do demasiado número, como exaltam os motoristas, critica-se o fato de demorar
cinco minutos para pegá-lo fechado.

133
rua 5
C rua 2 rua 3 rua 6
Balsa
rua A rua A

rua B

Via expressa
Via expressa

rua C rua sem nome


Ponte móvel

rua D
rua 3
rua 1 rua 2 rua D

Legenda
Semáforo
rua E
Área sujeita a alagamento
Obras
Feira rua F
Casa
Trabalho rua 4
rua 5 T rua 6

Baseado no texto descritivo e no mapa de Cidade Bela, ajude o senhor Traba Lhador
a escolher o melhor caminho para ir de sua casa, situada no ponto A do mapa, até
seu trabalho, situado em B. O critério para escolha do melhor caminho deve ser o
de menor tempo para descrever o trajeto, uma vez que o senhor Traba Lhador é um
executivo com muitos compromissos. Ajude-o, então, a escolher o caminho para os
seguintes dias:

134
a) Sexta-feira com sol.
b) Quarta-feira com chuva.
c) Terça-feira com sol.
d) Quinta-feira com sol.
e) Quinta-feira com chuva.
f) O que explica o fato de se levar menos tempo para ir ao trabalho na quinta-feira
com chuva do que com sol?
g) Das situações apresentadas, qual dia o senhor Traba pode sair mais tarde de casa
sem chegar atrasado ao trabalho? Qual deve sair mais cedo?
h) Baseando-se nas informações do mapa e do texto, de quais fatores o senhor
Traba depende para escolher o trajeto para o trabalho?
i) Existem outros fatores, diferentes dos considerados pelo texto e mapa, que o
senhor TrabaLhador poderia depender para chegar no horário em seu trabalho?
Cite alguns.

135
4
Reflexões Sobre a
Etnomatemática
no Ensino
Dra. Clélia Maria Ignatius Nogueira
Dr. Wellington Piveta Oliveira

Olá, caro(a) estudante, seja bem-vindo(a) a mais uma unidade de


estudos e reflexões, visando a sua formação profissional. Pois bem,
nesta unidade, você terá a oportunidade de refletir sobre possibi-
lidades pedagógicas da Etnomatemática no processo didático da
Matemática escolar, em qualquer nível de ensino; de conhecer os
fundamentos para uma Educação Etnomatemática, na medida em que
forem estabelecidas compreensões sobre o que é Etnomatemática e
a sua contribuição para o fazer pedagógico. Para tanto, esta unidade
contemplará discussões sobre a Etnomatemática na contextualização
do saber, sobre a Etnomatemática como ação pedagógica e, também,
sobre a Etnomatemática e a formação docente.
UNIDADE 4

Professores que lecionam Matemática ainda se sentem “ameaçados” com


a publicação da Lei 11.645/08. Você já ouviu falar sobre essa Lei? Ela torna
obrigatória em todas instituições de ensino, públicas e particulares, do Ensino
Fundamental ao Ensino Médio, a inclusão no currículo oficial da temática “His-
tória e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.
Essa é uma reportagem que, mesmo fictícia, é totalmente apropriada para o
contexto de discussões dessa nossa disciplina, porque, se levada “ao pé da letra”,
ela reflete a dificuldade de contextualizar o processo de ensino e aprendizagem
da Matemática, quando algo que parece externo ao “mundo da matemática” é
imposto para ser trabalhado.
Quando fui estudante do Ensino Médio, período em que essa Lei foi publi-
cada, lembro-me bem dos meus professores quase malucos, sobretudo, aqueles
de Exatas, para incluir, na Educação Básica, essa abordagem histórica e cultural
da cultura Afro-Brasileira e Indígena. lembro-me que realizamos uma pesquisa
quantitativa envolvendo dados estatísticos sobre o continente africano.
Mais tarde, esse episódio fez parte das minhas experiências profissionais, e a
dificuldade para “enxergar” e “colocar” matemática onde não tinha foi inevitável.
Posso dizer que até algum tempo atrás me incluiria, com certeza, nessa dificulda-
de. Hoje, diria que estou na periferia, talvez eu compartilhe menos dessa dificul-
dade por, a cada dia, estar ampliando a minha visão sobre as coisas. Hoje, encontro
na Etnomatemática outro modo de abordar esse tema, talvez, o mais apropriado.
Mas, me diga, você concorda com esse termo “ameaça”?
Por que você acredita que alguém elaboraria esse tipo de reportagem?
É evidente que tal “ameaça” se materialize nas dificuldades que sentem os pro-
fissionais que trabalham com Matemática em relacionar conteúdos matemáticos
a um tema que, aparentemente, parece externo a essa disciplina. E essa dificuldade
está articulada a diferentes argumentos, como a própria concepção que assumem,
as suas experiências de formação, as limitações do ambiente, entre outros.
Você concorda que chega a ser “sinistro” o fato de a Matemática fazer parte
de nosso cotidiano e, ainda assim, enquanto disciplina, ela ser considerada como
um bicho de sete cabeças? Algo que parece estar implícito às nossas práticas e
atividades diárias parece ser objeto de resistência.
É justamente por conta desse descompasso que a busca de estratégias para
a atribuição de sentidos e significados àquilo que é abordado no contexto

138
UNICESUMAR

educacional e fora dele parece ser uma atitude profissional plausível, afinal, a
escola é um encontro de culturas de formação humana.
Por um lado, sabemos que há aquela compreensão de que o sujeito nasce com
uma capacidade inata propenso à Matemática, ainda que estudiosos e pesquisas
mostraram o contrário, que isso é desenvolvido/construído. Por outro lado, é
evidente que os modos de ensinar e aprender revelam a compreensão sobre esse
processo do profissional docente que, muitas vezes, busca caminhos e estratégias
para superar a resistência existente entre os estudantes e a disciplina.
É nesse sentido que encontramos razões e argumentos para estudar sobre
Etnomatemática, porque, talvez, ainda sejamos incapazes de compreender que o
conhecimento, ao mesmo tempo que é universal, também é situado.
Estudar sobre Etnomatemática pode ser uma forma de não nos sentirmos
“ameaçados”, por conta, ainda, dessa nossa dificuldade de estabelecer relações e de
aceitar que existem diferentes modos de pensar e agir e que todos eles merecem
respeito e, no contexto do qual são provenientes, eles são válidos e pode ser que
mais do que suficientes.

Pois bem, para que possamos iniciar os estudos, proponho que


você assista o vídeo que aborda elementos de Geometria Sona:
técnicas matemáticas do continente africano.

Após assistir ao vídeo, reflita sobre as possibilidades que ele oferece à prática pe-
dagógica para ensinar e aprender Matemática. Observe pontos importantes, tais
como a história, aspectos culturais, conteúdos previstos no currículo, entre outros
elementos que considera importantes. Essa é uma oportunidade para que você vá
elaborando conhecimentos e ampliando a sua visão sobre Etnomatemática. Veja,
você se sentiria ameaçado em ter que explorar Geometria Sona?
Com base no vídeo e nos pontos sugeridos para observação, convido você a
realizar as suas anotações no Diário de Bordo a seguir. Sugiro que você elabore
uma síntese, concatenando os pontos destacados anteriormente, respondendo à
interrogação: “você se sentiria ameaçado em ter que explorar Geometria Sona?”,
bem como refinando a sua compreensão sobre o que é Etnomatemática. Vamos lá?!

139
UNIDADE 4

Como já mencionamos, é aparentemente contraditório o fato de que a Matemá-


tica faz parte de nosso cotidiano e, ainda assim, enquanto disciplina, ser consi-
derada como um “bicho de sete cabeças”. Esta contradição ganha forças quando
se constata que, desde os tempos pré-históricos, a humanidade demonstra sentir
um prazer que Gerdes (2010) denomina de artístico-matemático e que pode
ser constatado nos contextos culturais mais diversos, por homens e mulheres, ao
decorar objetos, em criar formas e padrões.
O fato é que, desde o momento em que o humanoide começa a utilizar las-
cas de pedra como ferramentas para descarnar um osso, as ideias matemáticas
emergem, afinal, para “[...] selecionar a pedra é necessário avaliar suas dimensões
e para lascá-la o necessário e o suficiente para cumprir os objetivos a que ela se
destina, é preciso avaliar e comparar dimensões” (D’AMBROSIO, 2002, p. 33).
Pois bem, se desde os primórdios da humanidade, as ideias matemáticas se
desenvolvem, isto significa que diferentes práticas matemáticas foram desenvol-
vidas para atender necessidades de grupos culturais diferentes, algumas das quais
foram transmitidas de uma cultura a outra. Isso aconteceu com o conhecimen-
to produzido no Egito e na Mesopotâmia, que foram assimilados pelos gregos,
depois traduzidas para o árabe, depois para o latim, e constituíram a base da
Matemática ocidental que estudamos até hoje. Contudo, o mesmo não ocorreu
com o conhecimento produzido por todas as civilizações, por exemplo, pelos
chineses, pelos maias, povos africanos e mesmo pelos hindus, que eram muito
úteis para tais civilizações.

140
UNICESUMAR

Da constatação de diversos pesquisadores que tiveram, em função de suas


trajetórias profissionais, a oportunidade de viver em diferentes culturas e poder
“[...] estudar e analisar variados contextos em que as ideias matemáticas nascem e
se desenvolvem” (GERDES, 2010, p.15), é que surgiu o Programa Etnomatemática.
Compreendo que a reflexão sobre esse Programa pode nos mostrar cami-
nhos para superar essa “ameaça” que sentimos quando decidimos incorporar
algo que, aparentemente, seja de “fora” das práticas educacionais. Ora, outra vez,
soa aí mais uma reflexão: Educação Matemática é “algo à parte” do mundo?
A resposta é NÃO, considerar práticas matemáticas é “andar” junto com a Edu-
cação Matemática que considera as distintas formas de manifestações de pensar
matematicamente e do próprio mundo.
Iniciemos os nossos estudos trazendo elementos que justificam a Etnomate-
mática na contextualização do saber. Contudo, antes disso, é importante que
você saiba que o brasileiro Ubiratan D’Ambrosio é reconhecido internacional-
mente como o “pai da Etnomatemática”, pois foi o fundador de um programa “[...]
sobre e de pesquisa do desenvolvimento de ideias matemáticas nos mais diversos
contextos históricos, culturais e educacionais”, promovendo a reflexão sobre as
“raízes socioculturais da arte ou da técnica de conhecer” (GERDES, 2010, p.17).

NOVAS DESCOBERTAS

Caro(a) estudante, nesse momento, convido você a navegar na página do


professor e pesquisador Ubiratan D’Ambrosio. Nela, você encontrará inú-
meros materiais, como indicações de livros que foram publicados, artigos
publicados em periódicos e alguns vídeos retratando pensamentos do autor
sobre Etnomatemática e Educação Matemática.
Entre os vídeos, você encontrará uma entrevista que foi concedida ao Prof.
Ubiratan D’Ambrosio pelo grande educador brasileiro, Prof. Paulo Freire, di-
gitalizado pela California StateUniversity, Sacramento, porém em língua por-
tuguesa. No vídeo, eles expressam a essência da Educação Matemática e sua
relação com a Etnomatemática.

De acordo com D’Ambrosio (2002, p. 7), a Etnomatemática não é uma disciplina


nova. Trata-se de um programa que “[...] nasce de um inconformismo com a
fragmentação do conhecimento em Artes, Religião, Filosofia e Ciências e de cada
um desses setores em várias áreas”.

141
UNIDADE 4


O que eu chamo de Programa Etnomatemática é um programa de
pesquisa [...] que vem se mostrando em uma alternativa válida para
um programa de ação pedagógica. [...] Parte da realidade e chega, de
maneira natural e através de um enfoque cognitivo com forte fun-
damentação cultural, à ação pedagógica (D’AMBROSIO, 2002, p. 7).

Esta afirmação de D’Ambrosio foi feita, originalmente, em publicação de 1993 e


reeditada em 2002. O pesquisador considerava, em 1993, que o Programa Etno-
matemática estava crescendo em repercussão. Atualmente, neste início do século
XXI, já é consenso que é “[...] possível a internacionalização das práticas mate-
máticas presentes em contextos culturais específicos” (ROSA; OREY, 2005, p.12).
Ao analisarmos as práticas matemáticas de diferentes povos, é possível identi-
ficar a presença da Matemática na solução de problemas cotidianos, na produção
de obras artísticas e artesanais, práticas que, quando compartilhadas com os que
estão se iniciando nessa ciência, realizam a contextualização do saber. É nesse
sentido que destacamos que a Etnomatemática constitui em si mesma a contex-
tualização do saber.
A denominação inicial para este estudo das ideias e práticas matemáticas,
desenvolvidas por culturas específicas, foi atribuída por Claudia Zaslavsky (1917-
2006) como sociomatemática, e o próprio Ubiratan D’Ambrosio utilizou este
termo em um artigo que publicou em 1976. Para este eminente pesquisador, os
aspectos socioculturais e políticos são fundamentais para responder à questão
essencial para se estabelecer currículos, programas, metodologias, enfim, para a
própria existência da Matemática escolar, que é: por que ensinar Matemática?
No Terceiro Congresso Internacional de Educação Matemática, ICME-3,
realizado em Karlshure, na Alemanha, em 1976, ao destacar a importância de se
responder com clareza a esta questão, para a Educação Matemática, foram lan-
çadas, segundo o próprio D’Ambrosio, “as bases do Programa Etnomatemática”.


Foram assim lançadas (no ICME 3) as bases do Programa Etno-
matemática. Este programa repousa sobre uma melhor compreen-
são da história do conhecimento científico e do processo de países
periféricos, que passaram pelo processo de conquista, colonização
e agora subordinação neocolonialista. Esse processo de desenvolvi-
mento enfatiza ciência e tecnologia, e ao procurar entender compa-
rativamente, nos países da chamada periferia e nos países centrais,

142
UNICESUMAR

industrializados, os objetivos da educação matemática, fui levado


à proposta crítica que é, em essência, o Programa Etnomatemática
(D’AMBROSIO, 2002, p. 8).

Para chegar ao termo Etnomatemática, que foi utilizado, pela primeira vez,
em 1977, por D’Ambrosio, em uma palestra em Denver, nos Estados Unidos,
o pesquisador recorreu a três radicais gregos, a saber: ethno, mathema e tics.
Ethno ou etno se refere a um contexto cultural próprio; mathema ou matema
se refere ao entendimento, ao desempenho, à explicação da realidade; e tics ou
téchene ou, ainda, tica, significa arte ou técnica.

OLHAR CONCEITUAL
Aqui, neste infográfico, reproduzimos a compreensão sobre este Programa que aparece no
início do livro de D’Ambrosio (2011). Como você pode perceber, a compreensão sobre o que
vem a ser Etnomatemática se estabelece quando realizamos uma interpretação favorecida
pela leitura inversa dos radicais, isto é, as ticas de mathema dos etnos.
Em outras palavras, historicamente, criamos e conquistamos estilos de comportamentos
e de conhecimentos para sobreviver, abstrair e ir além, nos ambientes mais distintos, e a
valorização deles é que está em jogo neste Programa.

MODOS,
ESTILOS,
ARTES,
O AMBIENTE DE EXPLICAR, TÉCNICAS
NATURAL, APRENDER,
SOCIAL, CONHECER
CULTURAL E LIDAR COM
IMAGINÁRIO

ETNO MATEMA TICA

Assim, Etnomatemática é a arte ou técnica de explicar, de entender, de se desem-


penhar na realidade dentro de um contexto cultural próprio.


Na perspectiva Dambrosiana, a Etnomatemática é o estudo das
ideias e práticas matemáticas que foram desenvolvidas por culturas
específicas (etno versus etnia), através da história, com a utilização
de técnicas e ideias (tics = técnica) apropriadas para cada contexto

143
UNIDADE 4

cultural, com o objetivo de aprender a lidar com o ambiente, como,


por exemplo, trabalhar com medidas, cálculos, inferências, compa-
rações e classificações. Assim, essas culturas específicas desenvol-
veram a habilidade de modelar os meios natural e social, de acordo
com as próprias necessidades, para explicar e entender determi-
nados fenômenos (mathema) que ocorrem nesses meios (ROSA;
OREY, 2005, p. 6).

Dito de outra forma, de acordo com Rosa e Orey (2005), a perspectiva Dambro-
siana enfatiza a influência dos fatores socioculturais nos processos de ensinar
e aprender Matemática. Destaca, também, que muitos aspectos da Matemática
que são utilizados, cotidianamente, são diferentes daqueles ensinados na escola.
Podemos ampliar essa compreensão atribuindo que a “[...] Etnomatemáti-
ca estuda os diferentes tipos de Matemática que emergem de distintos grupos
culturais” (KNIJNIK et al., 2012, p. 23), o que, segundo D’Ambrosio (1990, p. 7),
implica em ter como objeto de estudo a explicação “[...] dos processos de geração,
organização e transmissão de conhecimento em diversos sistemas e as forças
interativas que agem entre os três processos”.
Concordamos com Knijnik et al. (2012, p. 23) no sentido de que D’Ambrosio
(1990), ao definir, de maneira tão ampla, o objeto de estudo da Etnomatemática,
sem se referir, especificamente, às etnias (povos, raças) permite que “[...] sejam
consideradas, entre outras, como formas de Etnomatemática: a Matemática pra-
ticada por categorias profissionais específicas, em particular pelos matemáticos;
a Matemática Escolar”, a presente nas brincadeiras infantis, a etnomatemática do
cozinheiro, a presente no jogo de futebol, na construção civil, entre outras.
Aqui, para os nossos estudos, vamos adotar esta perspectiva, como aquela que
abarca uma totalidade de experiências, buscando valorizar os saberes, os modos
de ser e de fazer pertencente a cada contexto.


A matemática de uma criança de rua em Angola, a matemática do
Movimento dos Sem Terra no Brasil, a matemática urbana vincu-
lada às tecnologias e às mídias, a matemática da aquisição de bens
em países em guerra, são exemplos de outras tantas formas de co-
nhecimento matemático vital que se adquirem, em geral, à margem
da sala de aula (VERGANI, 2007, p. 7).

144
UNICESUMAR

As palavras de Vergani (2007) elucidam outras manifestações de Etnomatemática.


Assim, temos um pressuposto fundamental para qualquer ação científica ou edu-
cacional que se oriente pela Etnomatemática: admitir a existência de diferentes
formas de matemática, das quais a Matemática, com letra maiúscula, produzida,
exclusivamente, pelos matemáticos, é somente uma dessas formas.
Conforme explicita D’Ambrosio (2011, p. 73), matemática é uma etnoma-
temática “que se originou e se desenvolveu na Europa, tendo recebido algumas
contribuições das civilizações indiana e islâmica, e chegou à forma atual nos
séculos XVI e XVII, sendo, a partir de então, levada e imposta a todo mundo”. Em
outras palavras, a Matemática Escolar, que seria a transposição da Matemática
dos matemáticos para a sala de aula, seria, então, outra forma.
De acordo com Rosa e Orey (2005), na palestra de abertura do ICME-5, em
Adelaide, na Austrália, em 1984, proferida por Ubiratan D’Ambrosio, o termo
Etnomatemática foi consolidado, internacionalmente, e o Programa Etnomate-
mática fica, oficialmente, instituído como campo de pesquisa.
Concebido, então, inicialmente como um campo de pesquisa, o Programa
Etnomatemática buscava, essencialmente, compreender o processo criativo de
diferentes povos e, ao compreender este processo, estaria, também, compreen-
dendo o processo cognitivo, que, para D’Ambrosio (2002, p.11), seria, de maneira
ampla, a relação dialética entre códigos e símbolos.


A Etnomatemática é então, um programa de pesquisa visando enten-
der o processo cognitivo nesse sentido e daí propor práticas educa-
cionais. Desta forma, desde suas primeiras manifestações, o Programa
Etnomatemática é [...] um programa de pesquisa que caminha junta-
mente com uma prática escolar (D’AMBROSIO, 1990, p. 5).

Não se deve, entretanto, conceber a Etnomatemática como uma metodologia


de ensino, com o significado que o senso comum atribui a esta palavra, ou seja,
como um conjunto de estratégias e utilização de materiais didáticos que favore-
cem a construção do conhecimento matemático. Esta é uma ideia equivocada. A
Etnomatemática não é uma metodologia de ensino.“Essa forma de compreender
a etnomatemática como uma relação de causa e efeito, ou seja, de um lado uma
metodologia que articule os saberes escolares e cotidianos e do outro o interesse

145
UNIDADE 4

gerando disciplina, é um entendimento equivocado dessa proposta” (MONTEI-


RO, 2004, p. 433 apud FANTINATO et al., 2009, p. 22).
De acordo com D’Ambrosio (2010), ao “[...] reconhecer ‘mais de uma ma-
temática’ aceitamos que existem diversas respostas a ambientes diferentes, do
mesmo modo que há mais de uma religião”, a Etnomatemática contribui para
expandir a concepção reinante acerca do conhecimento matemático, e isto, por
si só já tem implicações pedagógicas.
Portanto, a ação docente que considere a Etnomatemática necessita de aportes
estruturais, como a recomendação de Gerdes (2007, p. 209) de que sejam incor-
porados ao currículo, “[...] elementos pertencentes ao ambiente sociocultural
dos alunos e professores, como ponto de partida para as atividades matemáticas”.
Entretanto, para que esta incorporação ocorra de fato, em ambientes educa-
cionais, não basta que os documentos institucionais que orientam a ação docente
a estabeleçam. É preciso uma atitude do professor que, segundo Domite (2011, p.
68), reverta a dinâmica em uma aula de Matemática “[...] que, em geral, são feitas
de respostas em vez de perguntas”. Para isso, segundo a autora, o profissional
precisa desenvolver uma escuta mais atenta e apurada do estudante.
Domite (2011) recorre a Freire para estabelecer o que seria esta “escuta”, no
sentido de que é preciso estar aberto à fala dos alunos, às diferenças e, assim,
considerar o que está sendo dito, como um ponto de partida. Freire classifica
este “ponto de partida” como um pré-requisito para o que se deseja ensinar. Co-
mumente, o que entendemos como pré-requisito no ensino de Matemática é o
conhecimento considerado pelo matemático como necessário para o embasa-
mento lógico do tema a ser ensinado.


Pré-requisito dentro deste novo olhar refere-se ao esforço do pro-
fessor em compreender como o aluno compreende esta ou aquela
ideia (matemática), como ele/ela faz relações significativas em torno
de uma ideia/conteúdo matemático – como um tal conhecimento
matemático está para o aluno [...] como ele o usa, maneja (DOMI-
TE, 2011, p. 64).

Neste sentido, a autora estabelece outra noção de pré-requisito “[...] como


aquele conhecimento que pode servir de filtro/apoio para a aprendizagem de
outras (novas) ideias em matemática”. Com esta concepção, uma atitude funda-

146
UNICESUMAR

mental para o profissional, e que deve preceder qualquer outra ação didática é
compreender como e o que o estudante já conhece sobre o que deseja ensinar
(DOMITE, 2011, p. 64).
Escutar o estudante, portanto, constitui a base de um dos principais princípios
da Etnomatemática que consiste em “[...] focalizar/identificar/legitimar as rela-
ções quantitativas e espaciais a partir do conhecimento do ‘outro’, na sua própria
racionalidade e termos” (DOMITE, 2011, p. 65).
Se exerço a minha atividade profissional num contexto escolar situado em
uma região retratada pela imagem a seguir, escutar o estudante se traduz em
considerar o seu repertório cultural, tentando compreendê-lo, e isso não invia-
biliza que noções e conceitos matemáticos se manifestem.
Afinal, “como saber a massa ideal de cada biscoito de farinha?” seria uma
excelente oportunidade para iniciar um trabalho educativo com essas crianças
e adolescentes, socializando estratégias, conhecendo técnicas e habilidades para
essa prática, assim como ampliá-las, apresentando outras formas para desempe-
nhá-la (sem inferiorizá-la).

Figura 1 - A produção de biscoitos

Descrição da Imagem: na foto, temos algumas garotas e mulheres africanas, sentadas ao chão, rodeadas
de crianças e adolescentes. Elas estão usando roupas coloridas e turbantes, fazendo biscoitos doces tra-
dicionais com farinha de trigo na pequena cozinha de fabricação local. Os biscoitos parecem do mesmo
tamanho e estão alocados em grandes recipientes com espaçamentos entre uns e outros.

147
UNIDADE 4

Sob outra perspectiva, apresentamos, a seguir, um fragmento da pesquisa que


resultou na tese de doutorado de Maria do Carmo dos Santos Domite, que é
a autora a que nos referimos anteriormente, e que ilustra muito bem o que ela
afirma sobre escutar o estudante e considerar seu conhecimento prévio como
“ponto de partida” e embasamento para o que se deseja ensinar.
Domite observou professoras em sala de aula que se dispuseram a iniciar suas
aulas a partir de uma problematização extraída do cotidiano dos alunos. Uma
dessas professoras, sob a orientação de Domite, propôs aos alunos que construís-
sem plantas para a suposta construção de uma lanchonete na escola.
Seriam realizadas duas plantas, uma a que denominamos de “planta baixa”,
que determina as dimensões no plano, e a outra, denominada pelos estudantes
de “planta alta”, e que representava o uso do espaço em volume ocupado pelos
móveis. Domite (2011, p. 64-65) reproduz o diálogo ocorrido entre a professora
e um grupo de estudantes observado no decorrer da investigação realizada em
1993 e que transcrevemos a seguir:


Aluna Tereza: “Olha o meu desenho. Aqui é um armário com o
micro-ondas em cima. Aqui são as caixas de refrigerantes empilha-
das. Aqui é a geladeira. Dá para guardar caixas fechadas de copos,
papel e sei lá o que mais... Eu vou começar a calcular este espaço
para cima, mas eu não sei...”

Prof.ª Adriana: “Como você aprendeu a calcular o volume?”

Aluna Tereza: “Eu aprendi? Eu sei que eu estudei isto, mas não sei.”

Aluna Talita: “A gente pode chutar pensando numa coisa que a


gente conhece, não pode?”

Aluna Tereza: “Pensando no quê? Chutar como?”

Prof.ª Adriana: “Ótimo, você pode. Mas o que é que você sabe de
volume?”

Aluna Talita: “Não é que eu sei, é que o meu pai sempre faz cálculo
pensando assim: quantos passos tem daqui até lá? Quantas pessoas
cabem nesse elevador? Aí, eu pensei, se uma geladeirinha de isopor tem
10 litros de volume, eu posso pensar quantas geladeirinhas cabem aí.”

148
UNICESUMAR

A estudante Talita apresenta sua forma de conhecer volume e sua linguagem para
designar este conceito. Nesta sua contribuição à questão, podemos reconhecer
memórias, símbolos e raciocínios e passa a constituir o ponto de partida para o
conceito de volume que a professora pretende apresentar. A experiência com-
partilhada por Talita com a classe exemplifica bem o que Domite (2011) está
considerando como uma nova noção de pré-requisito.
Outro pressuposto da Etnomatemática é considerar que, na solução de pro-
blemas ou explicações de fenômenos, de grupos culturalmente diferenciados, são
diferentes, revelando características próprias de pensar e agir, não apenas “[...]
na mera utilização de técnicas, habilidades e práticas distintas, mas refletem postu-
ras conceituais distintas e enfoques cognitivos distintos” (D’AMBROSIO, 1990, p.6).


Essencialmente, admitimos que toda atividade humana resulta de
motivação proposta pela realidade na qual está inserido o indivíduo
através de situações ou problemas que essa realidade lhe propõe,
diretamente, através de sua própria percepção e de seu próprio me-
canismo sensorial, ou indiretamente, isto é, artificializados mediante
propostas de outros, sejam professores ou companheiros [...] admi-
timos também que a abordagem dessas situações ou problemas é
cultural [...] (D’AMBROSIO, 1990, p. 5-6).

É natural que um programa tão fortemente arraigado aos aspectos socioculturais


esteja intimamente relacionado com a História. Para Rosa e Orey (2005, p. 6),
“[...] o programa Etnomatemática é um campo de pesquisa que pode ser descrito
como o estudo da história das ideias e práticas matemáticas que são encontradas
em diversos e específicos contextos culturais”.
Ainda mais, de acordo com Rosa e Orey (2005, p. 6), para D’Ambrosio (1990),
este programa pode fornecer “[...] uma metodologia para auxiliar a descoberta e
a análise dos processos de transmissão, difusão e institucionalização do conheci-
mento matemático” produzido por diversos grupos culturais através da História.
Até aqui, apresentamos, sucintamente, alguns indicativos que promovem a
Etnomatemática como favorecedora à contextualização do saber. De maneira
geral, é consenso entre os educadores matemáticos de que uma das formas mais
eficientes de favorecer os processos de ensino e de aprendizagem da Matemática
seria a contextualização do saber, trazendo a realidade do aluno para as aulas des-

149
UNIDADE 4

ta disciplina. De acordo com Knijnik et al. (2012), trazer a realidade dos alunos
para a sala de aula pode ter dois fundamentos:

- primeiro, é de que “trazer a ‘realidade’ do aluno para a sala de aula é


importante para transformar socialmente o mundo”, uma vez que “[...] a
apreensão da ‘realidade’ pelo aluno e seu empoderamento matemático,
associado a uma consciência crítica, criariam condições para que ele pu-
desse ‘sair de sua condição de oprimido’” (KNIJNIK et al., 2012, p. 66-67).

- segundo, para o “trazer a realidade do aluno para a sala de aula”, segun-


do Knijnik et al. (2012) é a de que “trazer a ‘realidade’ do aluno possibilita
dar significado aos conteúdos matemáticos, suscitando o interesse pela
aprendizagem” (KNIJNIK et al., 2012, p. 68).

Assim, a Etnomatemática, como considerada neste texto, permite a contextua-


lização do saber, de maneira a “trazer a realidade do aluno para a sala de aula”,
segundo as duas perspectivas apontadas pela autora; mas, provavelmente, você
deve estar querendo saber como essas compreensões se articulam no “chão da
escola”, não é mesmo?
É inegável essa curiosidade de conhecer como um Programa de Pesquisa se
revela como ação pedagógica, isto é, conhecer sobre a Etnomatemática como
ação pedagógica; mas como você já pôde ver, ela não é uma metodologia, não
há procedimentos didáticos fixos, tampouco lineares, como muitas vezes se pode
conjecturar quando falamos desse assunto.
Não há como expressar uma “receita” para que você planeje e desenvolva
práticas apoiadas em Etnomatemática, porque isso depende de cada contexto e
porque se compreende como “uma pedagogia viva, dinâmica, de fazer o novo em
resposta às necessidades ambientais, sociais, culturais, dando espaço para a imagi-
nação e para a criatividade” (D’AMBROSIO, 2008, p. 10). No entanto, é consenso
que “[...] o professor pode, em suas aulas, introduzir a matemática presente no
cotidiano, para que essa disciplina faça algum sentido para a vida do aluno [...]”
(VERGANI, 2007, p. 25) e a Etnomatemática, sem sombra de dúvidas, cumpre
esse quesito e vai além disso.
Conforme o próprio Ubiratan D’Ambrosio sinalizou, seria uma atitude con-
traditória às próprias raízes da Etnomatemática e, também, como se entende a

150
UNICESUMAR

produção do conhecimento, reduzir a Etnomatemática como ação pedagógica,


a uma metodologia. Ela é mais que isso, é um modo de enxergar o processo de
ensino e aprendizagem e, por isso, caímos nas concepções de quem exerce essa
atividade profissional (a de ensinar), muitas vezes, exigindo uma mudança delas.
Para o autor, a Etnomatemática como ação pedagógica pode ser entendida
como o pensar fora do que ele chamou, metaforicamente, de gaiola.


Durante alguns anos, tenho utilizado o conceito de “gaiola episte-
mológica” como uma metáfora para descrever sistemas de conheci-
mento. O conhecimento tradicional é como uma gaiola de pássaros.
Os pássaros na gaiola comunicam-se numa linguagem somente co-
nhecida por eles. São alimentados com o que está na gaiola, voam
apenas no espaço da gaiola, veem e sentem apenas o que as grades da
gaiola permitem. Eles se repetem, reproduzem e procriam. Mas não
podem ver a cor exterior da gaiola (D’AMBROSIO, 2018, p. 199).

É importante que tenhamos a compreensão de que falar sobre Etnomatemáti-


ca não é falar de uma tradução das matemáticas à luz da Matemática Escolar ou
Matemática acadêmica. Uma interpretação possível para o que D’Ambrosio diz é
que possamos enxergar e considerar, nessas outras formas de produção do conheci-
mento, o raciocínio matemático empreendido, isto é, nos desprendermos das amar-
ras matemáticas preexistentes em nossa estrutura cognitiva para enxergar outras.
O autor ainda complementa que não se trata, portanto, de “destruí-las”, porque
sabemos a importância dos conhecimentos e que eles conduzem ao “necessário
avanço do conhecimento especializado”. Mas afirma ser importante que “[...] as
portas da gaiola devem estar abertas para sair e voltar com ideias novas apreen-
didas do mundo exterior” (D’AMBROSIO, 2018, p. 199). Esse argumento sugere
tanto uma compreensão sobre a Etnomatemática como um modo de produzir
conhecimento local e relacional, quanto que sejamos flexíveis ao planejamento
de nossas abordagens, isto é, que abramos as portas ao mundo.
Essa reflexão nos convida a pensar que Etnomatemática como ação pedagó-
gica é uma abordagem que tem o saber/fazer (matemático) historicamente cons-
truído e disseminado ao longo dos anos por diferentes culturas, um instrumento
para pensar, conhecer e se modificar. Segundo D’Ambrosio (2011), esse saber/
fazer matemático pode ser compreendido como aquele que se revela no fazer

151
UNIDADE 4

matemático no cotidiano, o qual se sustenta por saberes e atitudes que, muitas


vezes, realizamos mesmo inconscientemente.


Dentre as distintas maneiras de fazer e de saber, algumas privilegiam
comprar, classificar, quantificar, medir, explicar, generalizar,
inferir e, de algum modo, avaliar. Falamos então de um saber/fazer
matemático na busca de explicações e de maneiras de lidar com
o ambiente imediato e remoto. Obviamente, esse saber/fazer ma-
temático é contextualizado e responde a fatores naturais e sociais
(D’AMBROSIO, 2011, p. 22, grifos nosso).

São esses saberes e fazeres que nos dão margem para considerar a Etnomatemáti-
ca como ação pedagógica. Uma pergunta que pode surgir é: mas como? Um dos
caminhos seria problematizá-los segundo as atitudes e manifestações culturais
trazidas pelos próprios estudantes ou especuladas, segundo o “jogo de cintura”
do profissional de ensino. Essa problematização pode admitir diferentes encami-
nhamentos, sejam articulados ao uso da História da Matemática, de Tecnologias
Digitais, da Resolução de Problemas, da Modelagem Matemática, entre outros.
É importante que tenhamos a responsabilidade de, para isso, recorrermos,
quando necessário, a uma imersão cultural para se valorizar os aspectos natura-
lizados pelo eu, pelo outro e, simultaneamente, os nossos. Bom, entre as distintas
interpretações possíveis, temos por imersão, um mergulhar na cultura, no am-
biente, no contexto do qual as situações que podem se tornar problemas sejam
oriundas. Entendemos que esse mergulho se articula também a uma preocupação
em compreender uma linguagem própria, que é inerente à cada cultura, povos
ou grupos específicos.
Por falar em linguagem, Vergani (2007) explicita que ela é um importante
artefato para que haja comunicação que, por sua vez, permite a nossa locomo-
ção dentro de uma cultura, sendo passível de compreendê-la, segundo os seus
modos de expressão.


Tecer pontos viáveis de comunicação implica que o mundo da
matemática se reconheça “etno” (local), e que os mundos “etno” se
reconheçam no domínio da matemática (universal). O vetor da
comunicação tem dois sentidos e a linguagem da etnomatemática

152
UNICESUMAR

é uma linguagem de tradução, isto é, reciprocidade (VERGANI,


2007, p. 14).

Isso quer dizer que, por meio dessa linguagem, é que vamos estabelecendo uma
compreensão, que nos leva à universalização do conhecimento matemático en-
volvido. É possível que essa linguagem seja semelhante à linguagem matemática
que conhecemos. Para exemplificar, em Knijnik et al. (2012), as autoras apresen-
taram vários exemplos de usos dessas linguagens, que puderam ser identificadas
em formas de vida, as quais denominaram de jogos de linguagem matemáticos.
Um exemplo relacionado ao que as autoras classificaram como Aritmética
retrata o raciocínio de um assentado para efetuar o cálculo de 92 x 0,32, referente
à venda do leite retirado na propriedade, isto é, 92 litros de leite vendidos a R$
0,32, o litro. Na entrevista com esse assentado, ele expressou o modo como ope-
rava mentalmente, o qual foi descrito pelas autoras:


Inicialmente, dobrou o valor de R$ 0,32, obtendo R$ 0,64; a seguir,
repetiu duas vezes a operação “dobrar”, encontrando o valor de R$
2,56 (correspondente a 8 litros). Somou a este valor de 2 litros, an-
tes calculado, encontrando, então, o valor de 10 litros de leite: R$
3,20. O próximo procedimento foi, sucessivamente, ir dobrando os
valores encontrados, isto é, obteve o resultado de 20, 40 e 80 litros.
Guardando “na cabeça” todos os valores que ele foi computando ao
longo do processo, o assentado terminou a operação adicionando ao
valor de 80 litros (antes calculados), encontrando, assim, o resultado
de 92 x R$ 0,32 (KNIJNIK et al., 2012, p. 38).

Utilizando de decomposição, ele evidenciou que: “[...] primeiro a gente separa


tudo [referindo-se à decomposição dos números em centenas, dezenas e unida-
des] e depois soma primeiro o que vale mais [centenas como centenas, dezenas
com dezenas e unidades com unidades]. [...] É isto [o que vale mais] que conta”
(MONTEIRO, 2004 apud KNIJNIK et al., 2012, p. 42). Possivelmente, você rea-
lizaria essa operação de outro modo, se considerarmos as suas vivências e que
possui um repertório matemático mais “sofisticado”.
Veja, esse exemplo poderia ser, tranquilamente, utilizado para abordar, por
meio de uma situação-problema, a unidade temática Números nos Anos Finais
do Ensino Fundamental, estabelecida pela Base Nacional Comum Curricular

153
UNIDADE 4

(BNCC), em um contexto em que as atividades econômicas sejam voltadas para


a agricultura familiar ou agropecuária.
Outro exemplo relatado pelas autoras, mas que expressa uma Matemática
Camponesa diz respeito a Medidas, mais especificamente, à prática de medir a
terra para o plantio. Conforme Knijnik (2007, p. 17), o camponês argumentou
que “a gente põe o trator em cima da terra. Trabalhando com ele três horas, dá
certinho um hectare”.
Veja que nesse contexto e para essa atividade prática, tempo e espaço são utili-
zados como unidades de medida, pois três horas é um hectare e um hectare é igual
a três horas. Conforme relatou a pesquisadora, é provável que, em virtude das
atividades de cultivo dessa comunidade, a hora de uso da máquina (por exemplo,
evidenciando custos e trabalho) é um dado mais relevante se comparado com a
exatidão da área de plantio. Logo, o arredondamento da área plantada parece ser
suficiente para o sustento e outras práticas comuns compartilhadas pelo grupo.
Tão importante quanto a cultura para tal atividade é a prática matemática de-
sempenhada pelo camponês, que adota uma unidade de medida não convencional
para lidar com uma situação que, intuitivamente, seria realizada de modo distinto.
Com esse outro exemplo fica nítida a utilização de uma unidade de medida
que é utilizada ser diferente daquela que é disseminada no ambiente educacional
para essa atividade. Diferentemente do que vem à nossa mente quando falamos
de medidas (unidades de medidas de comprimento como, quilômetros, metros,
centímetros, entre outras), a utilizada pelo grupo de camponeses foi o tempo, “o
tempo de trator utilizado para carpir”.
A mensagem que quero passar é que só com o respeito e conhecimento sobre
o que o outro pensa, como se desenvolve, produz conhecimento e age no mundo
é que podemos compreendê-lo e tornar esse conhecimento um objeto também
meu, ainda que seja sob lentes teóricas (no caso a Matemática Escolar e acadê-
mica). Nesse sentido, “infiltrar-se” (no bom sentido) na cultura, no ambiente, na
profissão, no diálogo do outro, e com ele procurando entendê-lo e sem deslegiti-
má-lo, é um excelente caminho para qualquer ação pedagógica.
O que sugere Knijnik et al. (2012) é que possamos investir nesses jogos de
linguagens matemáticos, não no sentido de propiciar e enaltecer uma linguagem
que seja predominante, a Matemática produzida pela escola, por exemplo, mas
investir no sentido de ampliar as condições de aprendizagem dos estudantes. Esse
investimento parece ser uma condição para que tenhamos avanço na solução de

154
UNICESUMAR

problemas emergentes, criados por nós mesmos, visando as suas soluções pelas
próximas gerações.


[...] ignorar os jogos de linguagens matemáticos que, por não serem
marcados pelo formalismo, pela neutralidade, pela ‘pureza’, pela pre-
tensão de universalidade - como os que conformam a Matemática
Escolar - acabam por ser pensados como de ‘menos’ valor, como
contaminados pela ‘sujeira’ das formas de vida mundanas. Mas é
preciso que se diga: nós todos também circulamos por tais formas
de vida e, portanto, aprender como ali se pratica os jogos de lingua-
gem matemáticos deve ser, necessariamente, parte dos processos
educativos das novas gerações (KNIJNIK et al., 2012, p. 84).

Como bem lembrado por D’Ambrosio (2011), a prática sofisticada para dar troco,
desempenhada por crianças feirantes; a análise comparativa de preços, contas e
orçamentos em supermercados; a etnomatemática em cirurgias cardíacas, abar-
cado medidas de tempo, riscos e noções topológicas; entre outras evidenciam
práticas etnomatemáticas e, consequentemente, mobilizam jogos de linguagem
matemáticos que podem e devem constituir a prática pedagógica.
Essas reflexões nos mostram, portanto, que “[...] a etnomatemática é parte do
cotidiano, que é o universo no qual se situam as expectativas e as angústias das
crianças e dos adultos” (D’AMBROSIO, 2011, p. 25), ou seja, Etnomatemática é
um modo pelo qual se valoriza as práticas cotidianas nos ambientes educacionais,
uma necessidade para adquirirmos competências e habilidades matemáticas, que
ocorrem de modo contextualizado.

155
UNIDADE 4

NOVAS DESCOBERTAS

Livro: Etnomatemética: elo entre as tradições e a modernidade


Autor: Ubiratã D’Ambrósio
Ed.: Autêntica
De autoria daquele que instituiu a Etnomatemática como uma perspec-
tiva da Educação Matemática, este livro trata da cultura humana, destacando a
Matemática como parte importante desta cultura. Para isso, o autor recorre a
conhecimentos históricos, geográficos, socioculturais e políticos para mostrar
a construção da realidade por meio do pensamento, desde a Grécia antiga
até as mais recentes páginas da Internet. Sabe o que é legal? Esse material se
encontra disponível na Biblioteca Digital da UniCesumar (BDU), e você tem ele
inteiro à sua disposição. Tenha esse material como base para a edificação dos
conhecimentos e saberes sobre a Etnomatemática.

Cabe, aqui, destacar também as potencialidades que a Etnomatemática como ação


pedagógica traz à vida das pessoas. Segundo Knijnik et al. (2012), os problemas oriun-
dos da vida cotidiana, penetrando às práticas escolares, na medida em que eles vão
sendo resolvidos, tendem a retornar para o contexto natural, porém, modificados.
Entendo que esse retorno é uma oportunidade para transformar essa comu-
nidade, a sociedade como um todo, mas sem romper com sua historicidade e
cultura, no sentido de evolução do conhecimento e dos saberes. Como já dizia
o saudoso Paulo Freire (1987, p. 87): “Educação não transforma o mundo.
Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo”.
É nesse sentido que D’Ambrosio (2018) nos convida para refletir sobre as
implicações pedagógicas da Etnomatemática, já que quase sempre recorremos
aos conteúdos escolares, seja lá qual for o nível de escolaridade. Para o autor,


Os conteúdos na Educação Matemática tradicional são um arranjo
engessado de teorias e técnicas desenvolvidas, muitas vezes há cen-
tenas de anos, acumuladas em ambientes acadêmicos, em gaiolas
epistemológicas [...]. Mesmo assim, é possível, no ensino tradicional,
organizar as aulas procurando atalhos e novas organizações e
aplicações de técnicas e teorias, sobretudo com os amplos recur-
sos oferecidos pelas novas tecnologias de informação e comuni-
cação. Os professores podem contextualizar os conteúdos através

156
UNICESUMAR

de problemas formulados em termos da vida real, do cotidiano.


Lamentavelmente, muitos criam problemas e questões artificiais,
descontextualizadas, como mero mecanismo repetitivo para ilustrar
teorias. O que podemos chamar de situações e problemas ‘realmen-
te reais’ estão lá, fora das gaiolas, não ‘inventadas’ pelo professor
(D’AMBROSIO, 2018, p. 201, grifos nosso).

O que o autor chama de atalhos e novas organizações e aplicações de técnicas


e teorias pautados na vida real configuram o leque de possibilidades, dentre as
quais temos a Etnomatemática. Em certo sentido, a Etnomatemática se mostra
como a oportunidade que temos para abrir as portas das gaiolas e empreender
uma prática que, de fato, seja pedagógica.
Sem sombra de dúvidas, essa abertura também nos convida a refletir sobre
uma outra forma de desenvolvimento e organização curricular, quando nos co-
locamos para fora das gaiolas, que transitivamente, contribui para o desenvolvi-
mento de outras dimensões na Educação.
Por falar em organização curricular, é importante alertar que concebemos
currículo não reduzindo-o a um aglomerado de conteúdos que se esvazia os
objetivos de qualquer prática conduzida por intencionalidades pedagógicas de
aprendizagem e formação. Sobre essa compreensão, os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) argumentam que, por meio desse desenvolvimento curricular,
o estudante se reconheça num mundo situado, mas tenha clareza da sua abran-
gência, e os conteúdos se tornam instrumentos para que isso aconteça.


[...] um currículo de Matemática deve procurar contribuir, de um
lado, para a valorização da pluralidade sociocultural, evitando o
processo de submissão no confronto com outras culturas; de ou-
tro, criar condições para que o aluno transcenda um modo de vida
restrito a um determinado espaço social e se torne ativo na trans-
formação de seu ambiente (BRASIL, 1998, p. 28).

Admitindo essa concepção, a Etnomatemática instaura a possibilidade para


esse desenvolvimento. Contudo, não só, pois, segundo D’Ambrosio (2011), as
demandas da sociedade em tempos modernos exigem outras práticas, saberes,
conhecimentos, habilidades, competências que favoreçam a comunicação e
locomoção do sujeito no mundo, para exercer o seu ofício de cidadão, e isso

157
UNIDADE 4

tudo pode ser conquistado por diferentes abordagens de ensino, como por
meio da Etnomatemática.
“Focalizando a organização de conhecimentos e comportamentos que serão
necessários para a cidadania plena, propus, recentemente, um trivium para a
era que se inicia [século XXI], a partir dos conceitos de literacia, materacia e
tecnoracia” (D’AMBROSIO, 2011, p. 66). Para o autor, a Etnomatemática pode
ser um modo de promover essa organização de currículo para a promoção e de-
senvolvimento de capacidades que atendam a essas demandas. Resumidamente,
esses termos significam:

LITERACIA
INSTRUMENTOS COMUNICATIVOS
A capacidade de processar informações escrita e falada (leitura,
escrita, cálculo, diálogo, mídia...).

MATERACIA
INSTRUMENTOS ANALÍTICOS
A capacidade de interpretar e analisar sinais e códigos, de
propor e utilizar modelos, de elaborar abstrações sobre
representações do real.

TECNORACIA
INSTRUMENTOS MATERIAIS
A capacidade de usar e combinar instrumentos simples ou
complexos, avaliando suas possibilidades e suas limitações.

A proposta do autor é que não se tenha novas disciplinas, mas que possamos
pensar nas já existentes, sobre como elas têm permitido o desenvolvimento des-
ses instrumentos, isto é, de que modo as abordagens de ensino têm permitido o
sujeito desenvolver tais capacidades de processar, de analisar, interpretar, comu-
nicar-se, entre outras, e dispor de instrumentos mais adequados para isso.
Quando focalizamos a Etnomatemática como ação pedagógica, prontamente
verificamos, na análise das práticas matemáticas, a manifestação dessas capacida-
des; sobretudo, quando se busca compreendê-las, estudantes e docentes tendem
a mobilizar e desenvolver estratégias que convergem para esses instrumentos de
comunicativos, analíticos e de materiais.

158
UNICESUMAR

Rosa e Raimundi (2019) apresentam uma discussão interessante sobre o de-


senvolvimento de tal concepção. No artigo intitulado, Uma abordagem etno-
matemática para o Currículo Trivium, apresentam também alguns exemplos
baseados em pesquisas acadêmicas, os quais podem representar uma “chance”
para o desenvolvimento desse trivium. Dentre esses exemplos, os autores citam
as pesquisas de Bandeira e Lucena (2004) e a de Cortes (2017).
De modo resumido, Bandeira e Lucena (2004) investigaram as ideias ma-
temáticas emergentes na produção e comercialização de hortaliças, atividades
desenvolvidas por uma comunidade situada num município do estado do Rio
Grande do Norte. De modo geral, o que esse grupo denominou de técnica do par
de cinco, entre outras, que são práticas adotadas por eles como uma estratégia
facilitadora para as atividades, mostrou conhecimentos matemáticos específicos
elaborados pelos próprios horticultores.
Para Rosa e Raimundi (2019), essas técnicas e saberes específicos demandam
também uma política de currículo matemático que privilegie a abordagem de
procedimentos e práticas que tenham a própria cultura como propulsora. Em
outras palavras, o trivium pode ser um caminho para atender as necessidades e
interesses locais, com vistas a um conhecimento globalizado.
A pesquisa de Cortes (2017) investigou “quais são as possíveis contribuições
que a etnomodelagem pode oferecer para o processo de re-significação de concei-
tos de funções para alunos do 2º ano do ensino médio de uma escola pública da
região metropolitana de Belo Horizonte por meio de sua abordagem dialógica?”
(CORTES, 2017, p. 23).
Ao buscar na fonte, essa pesquisa exigiu alguns objetivos específicos para que
pudesse ser desenvolvida. Vejamos:


a) descrever a conexão entre a Etnomatemática e a Modelagem Ma-
temática;

b) compreender a importância das concepções culturais para a ela-


boração de etnomodelos matemáticos extraídos das práticas coti-
dianas encontradas no contexto sociocultural do feirante;

c) descrever como as abordagens êmica, ética e dialógica da etno-


modelagem se manifestam durante os encontros entre um grupo de
alunos do segundo ano do ensino médio e um feirante;

159
UNIDADE 4

d) verificar como as práticas matemáticas de um feirante podem ser


utilizadas em sala de aula para o desenvolvimento da ação pedagó-
gica da etnomodelagem (CORTES, 2017, p. 24).

Ao analisarmos esses objetivos da pesquisa de Cortes (2017), fica evidente uma


relação entre objeto matemático “novo”, oriundo da prática matemática dos fei-
rantes e aquele objeto de conhecimento matemático “familiar”, isto é, a Matemá-
tica Escolar. A elaboração de etnomodelos consiste, de modo geral, em uma tra-
dução ou interpretação na linguagem matemática, um fenômeno essencialmente
cultural, o que estabelece vínculo entre ambas esferas.
Veja, a relação existente entre as matemáticas que estavam em “jogo” no com-
partilhamento e produção de conhecimentos, certamente, enriqueceu o reper-
tório de saberes de ambos os grupos, acadêmicos (estudantes e professores) e
feirantes, aumentando ou modificando as capacidades dos sujeitos.
É nessa perspectiva de desenvolvimento curricular que D’Ambrosio propõe
a prática educativa, que tenhamos capacidades de estabelecer relações integra-
tivas e não isoladoras. É nesse sentido também que, na compreensão de Rosa e
Raimundi (2019, p. 79), a pesquisa de Cortes (2017) mostra que:


[...] estava relacionado com uma abordagem integradora do currí-
culo matemático escolar, que considerou ambos os conhecimentos
matemáticos, local e acadêmico, para que os professores e alunos
pudessem compreender, de uma maneira holística e abrangente, as
informações matemáticas desenvolvidas pelos membros de grupos
culturais distintos que compõem a população discente escolar.

Esse é um movimento que não considero ser simples de identificar, de planejar e


colocá-lo em prática, bem como refletir sobre todo o processo, olhando “de cima”
e avaliando possíveis ajustes à prática pedagógica. Portanto, para que o profissio-
nal consiga orientar sua ação docente mediante a este Programa, é necessária uma
formação que, mais do que lhe proporcionar recursos didáticos e metodológicos,
altere sua própria concepção acerca da Matemática.
É nesse sentido que, agora, refletiremos sobre alguns pontos importantes que
relacionam a Etnomatemática e a formação docente. Vimos que, para um profes-
sor que ensina Matemática assumir uma ação docente na perspectiva da Etnomate-

160
UNICESUMAR

mática, é preciso, antes de tudo, uma mudança em suas concepções e crenças acerca
do conhecimento matemático e dos processos de ensinar e aprender Matemática.
Para desencadear tais mudanças, um bom ponto de partida é buscar respostas
para as questões que motivaram D’Ambrosio, por exemplo: Por que ensinar
Matemática?. Entrelaçada a esta questão, emerge outra, igualmente importante:
O que ensinar em Matemática?.

PENSANDO JUNTOS

E você, como futuro(a) profissional que, certamente, empreenderá práticas de ensino, o


que pensa sobre essas questões: “Por que ensinar Matemática?”, “O que ensinar em
Matemática?”. Essas questões são de extrema importância para dimensionar o nosso
papel e as nossas ações na prática profissional.

Obviamente que essas questões não são facilmente respondidas. Sempre acreditei
(Clélia) firmemente na importância de se estudar Matemática, entretanto, o que
ensinar ou qual deve ser o foco da Matemática escolar na Educação Básica ainda
é algo que está em discussão. Neste momento (ano de 2021), o Brasil, por meio
de ações do Ministério da Educação – MEC, propôs o estabelecimento de uma
Base Nacional Comum Curricular - BNCC, ou seja, estabeleceu um currículo
comum a todos os estados brasileiros.
Esta proposta, no que se refere aos conteúdos matemáticos, mobilizou ma-
temáticos e educadores matemáticos, que mesmo realizando reuniões, fóruns e
discussões virtuais, na tentativa de se estabelecer o que se ensinar em Matemática,
levou a produção de um documento extenso. É inegável que há prós e contras
sobre a BNCC, e para exemplificar a dificuldade em se estabelecer um consenso
sobre o que se ensinar em Matemática, relato, aqui, uma experiência pessoal.
No início da década de 90, desenvolvi (Clélia) uma pesquisa acerca do ensino
de Matemática para surdos. Naquela época, não se falava em educação inclusiva
e se acreditava na possibilidade de oralização dos surdos. Sem o apoio da língua
de sinais, a educação dos surdos era muito penosa e, assim, demandava-se muito
tempo para que os conteúdos fossem trabalhados com os alunos, em função da
dificuldade de comunicação. O resultado era que o programa estabelecido para
as disciplinas nunca era cumprido.

161
UNIDADE 4

Então, considerando que a pesquisa se efetivou em uma escola especializada


para surdos, tentei estabelecer o que, dentre os conteúdos estabelecidos para a 5ª
série (atual 6º ano) do Ensino Fundamental, poderiam ser considerados essen-
ciais para a aprendizagem das crianças surdas, de maneira a enxugar o programa.
Elaborei, então, um questionário que foi respondido por professores de Matemá-
tica da Educação Básica, por professores de Matemática do ensino superior e por
matemáticos. O resultado foi que não consegui estabelecer pontos em comum.
Alguns anos depois, tive contato com o artigo intitulado: Matemática para
não matemáticos, de autoria do matemático espanhol Luis A. Santaló. Neste
trabalho, o autor estabelece uma discussão acerca de qual Matemática deve ser
ensinada na Educação Básica, levando-se em consideração que estamos no ter-
ceiro milênio. Santaló (1996, p. 11) destaca não apenas o que é importante, como
o que já perdeu seu sentido diante da realidade atual e futura.


A missão dos educadores é preparar as novas gerações para o mun-
do em que terão que viver. Isto quer dizer proporcionar-lhes o en-
sino necessário para que adquiram as destrezas e habilidades que
vão necessitar para seu desempenho, com comodidade e eficiência,
no seio da sociedade que enfrentarão ao concluir sua escolaridade.

O pesquisador espanhol destaca que estabelecer conteúdos para ser ensinados para
aqueles que pretendem futuramente se tornar matemáticos ou professores de Mate-
mática, ou seja, para aqueles que são, naturalmente, motivados para a aprendizagem
desta disciplina, é relativamente fácil, pois “[...] basta mostrar as grandes linhas
gerais e ensinar a aprender, deixando que cada aluno vá selecionando segundo seu
gosto e vocação, a matemática de seu interesse” (SANTALÓ, 1996, p. 15).
A dificuldade, segundo Santaló (1996, p. 15) estaria em selecionar a Matemá-
tica a ser ensinada para aqueles que não se interessam por esta disciplina e “[...]
só a aceitam como uma necessidade que ajuda desempenhar melhor suas tarefas
e a entender seu substrato básico”. Para estes alunos, Santaló (1996) considera ser
importante não apenas considerar o valor formativo da Matemática, mas também
os temas que devem ser ensinados em cada ciclo da escolarização e os que se
destinam a uma formação específica.
Convencer alunos universitários que não gostavam de Matemática a se torna-
rem professores de Matemática foi o desafio assumido pelo matemático holandês

162
UNICESUMAR

Paulus Gerdes, em meados da década de 70, em Moçambique, e que ele relata


no capítulo I do livro Da Etnomatemática a arte-design e matrizes cíclicas.

NOVAS DESCOBERTAS

Título: Da etnomatemática a arte-design e matrizes cíclicas


Autor: Paulus Gerdes
Ed. Autêntica
Neste livro, Gerdes, que se considerava o “filho da Etnomatemática”,
apresenta uma cuidadosa discussão e diversos exemplos de como a Ma-
temática se relaciona com outras atividades humanas, escrito, segundo o
próprio autor, “na forma de fragmentos semiautobiográficos” com o objetivo
de fazer “brotar nos leitores um prazer artístico-matemático”. Esse livro tam-
bém se encontra disponível na BDU. Aproveite!

No capítulo intitulado: Etnomatemática e a formação de professores, Gerdes


(2010, p. 18) relata que logo após a independência de Moçambique de Portugal,
em 1975, após uma luta que durou onze anos, o novo governo constatou que não
existia no país “[...] nem uma meia dúzia de professores moçambicanos qualifi-
cados de Matemática para o ensino secundário”, o equivalente, aqui, à segunda
fase do Ensino Fundamental e Ensino Médio.
Foi, então, formada uma equipe internacional de docentes para um primeiro
curso de formação de professores de Matemática, na única universidade do país.
Gerdes integrou esta equipe. Havia 20 alunos que sonhavam em se tornar médi-
cos, engenheiros, advogados, “[...] profissões que durante o tempo colonial não
eram acessíveis à grande maioria dos moçambicanos”, mas, que, contaminados
pela euforia da independência e considerando as prioridades nacionais daquele
momento, aceitaram assumir, temporariamente, a função de professores e – de-
talhe importante – não gostavam de Matemática.


A Matemática parecia-lhes uma disciplina esotérica, pouco interes-
sante, e pouco útil para o desenvolvimento do país. A Matemática pa-
recia-lhes ser ensinada para ter um mecanismo de seleção dos alunos,
um baluarte utilizado no tempo colonial para impedir que os alunos
moçambicanos progredissem nas escolas [...] (GERDES, 2010, p. 18).

163
UNIDADE 4

Esta concepção de Matemática dos estudantes moçambicanos como uma disciplina


ensinada com o objetivo de selecionar e excluir era reforçada com os conteúdos
estranhos,“[...] cheia de termos gregos, importada da Europa, e sem raízes na socie-
dade e culturas moçambicanas”. Com esta imagem da Matemática, segundo Gerdes
(2010, p. 19), “[...] ninguém queria ser professor de uma disciplina tão horrenda”.
Assim, o grupo de professores tinha, diante de si, o desafio de convencer não
apenas estudantes, que aspiravam se aprofundar em outras áreas a ser professores,
como se tornarem “professores de Matemática”. Uma estratégia adotada para pro-
porcionar motivação aos estudantes foi introduzir, no currículo, a disciplina Aplica-
ções da Matemática na vida corrente das populações, e Paulus Gerdes foi o docente
designado para seu ensino. Além dos estudos em salas de aula, Gerdes programou
visitas de estudo e relata a surpresa e o “[...] ‘estado de choque’ dos estudantes ao
visitarem uma fábrica de cerveja na cidade de Maputo” (GERDES, 2010, p. 19).


Constataram que operários pouco ou não escolarizados trabalha-
vam com números negativos para controlar vários processos da
fábrica, enquanto os estudantes pensavam que aqueles números
horrendos tinham sido introduzidos pelos colonos somente para
complicar a vida dos moçambicanos [...] começaram a ver a relevân-
cia do conhecimento matemático como um instrumento poderoso
para melhorar a vida dos camponeses e de outros trabalhadores
(GERDES, 2010, p. 19).

Experiências como a relatada começaram a ganhar espaço no currículo do curso


de formação de professores de Matemática e não só os estudantes começaram
a gostar da disciplina como a maioria deles permaneceu como professores de
Matemática por toda sua vida profissional.
Desta experiência, surgiu o projeto de Gerdes “Etnomatemática em Moçambi-
que”, de relevância mundial. Por esse relato, é possível inferir que “trazer a realidade
do aluno para a sala de aula” permite atribuir significado ao que se está estudando
e também permite instrumentalizar o indivíduo para transformações sociais.
Provavelmente, com esta formação, os professores de Matemática de Moçam-
bique, certamente, atuam pedagogicamente na perspectiva da Etnomatemática.

164
UNICESUMAR

Os professores cuja formação inicial não contemplou ações na perspectiva da


Etnomatemática podem rever suas crenças e mudar suas concepções? A resposta
é SIM, e, para isso, nos apoiamos nos estudos de Fantinato et al. (2009).
Fantinato e mais oito pesquisadores integrantes de um grupo de pesquisa em
Etnomatemática realizaram minicursos para professores sobre a prática na sala de
aula na perspectiva da Etnomatemática e, ao final, eram convidados a preencher
um questionário acerca das razões para participarem do minicurso, quais as suas
expectativas em relação a ele e quais as contribuições para a sua prática docente.
Uma das constatações dos pesquisadores foi que os professores procuraram
o curso em razão da curiosidade despertada pela palavra Etnomatemática, que
era desconhecida pela maioria. Como contribuições à sua prática docente, os
participantes destacaram que os minicursos ensinaram a “[...] valorizar o saber
discente e otimizá-lo ao saber docente”; que a Etnomatemática “[...] mostra como
desenvolver o ensino de Matemática a partir do conhecimento prévio do aluno”
(FANTINATO et al., 2009, p.22).


A legitimação dos saberes e das experiências que os alunos trazem
em sua bagagem contribui para um processo de ensino e de apren-
dizagem que referenda os interesses de alunos e professores e leva
a uma compreensão da relação entre ação e reflexão (FANTINATO
et al., 2009, p. 22).

A investigação realizada por Fantinato et al. (2009) demonstrou, ainda, que os


professores estão permanentemente em busca de um aprofundamento, de ma-
neira que a formação continuada espontânea, isto é, aquela que é procurada pelo
professor e não imposta pelos órgãos gestores da educação, ganha cada vez mais
espaço e importância na formação do professor e que é só por meio da realização
de estudos que promovam reflexões sobre a própria prática que é possível mudar
concepções e transformar efetivamente a prática docente.
Para finalizarmos os nossos estudos desta unidade, segundo D’Ambrosio
(2011), a articulação de todos os conceitos que discutimos até aqui visam a for-
mação de pessoas para viverem o que ele chama de uma civilização planetária.
Tal civilização é regida por conhecimentos e comportamentos que não ficam
restritos a grupos ou culturas específicas, mas caminha em direção a um dina-
mismo cultural.

165
UNIDADE 4

O que promove a vida e, consequentemente, pode favorecer tal dinamismo


é a relação existente entre três fatos, que independentes não se sustentam, o in-
divíduo, o outro(s)/sociedade e a natureza, traduzidos no seguinte esquema
apresentado em D’Ambrosio (2011, p. 71):

indivíduo natureza

outro(s)/sociedade
Figura 2 -Triângulo de equilíbrio / Fonte: D’Ambrosio (2011, p. 71).

Descrição da Imagem: a imagem representa um triângulo invertido, cujos vértices são “indivíduo”, “na-
tureza” e “outro(s)/sociedade”. A posição do triângulo na imagem indica que os vértices “indivíduo” e
“natureza” constituem a “base” e, como ele está invertido, o vértice “outro(s)/sociedade” está posicionado
abaixo desses.

Considerando a imagem como um triângulo, para o autor, a relação equilibrada e


harmoniosa entre esses vértices desse triângulo produz o que denomina de ética
da diversidade, que pode ser entendida como as distintas dimensões da PAZ,
materializada nas ações (militares, ambientais, sociais, entre outras). É nesse con-
texto que o autor sustenta a nossa prática (talvez, que também admita um tipo de
etnomatemática), como profissionais da educação que trabalham com Matemática.
A busca por isso é o que dá sentido às nossas ações como profissionais que
trabalham com Matemática, pois ela “[...] como é hoje praticada no ambiente
acadêmico e organizações de pesquisa, continuará sendo o mais importante ins-
trumento intelectual para explicar, entender e inovar, auxiliando principalmente
na solução de problemas maiores que estão afetando a humanidade” (D’AMBRO-
SIO, 2011, p. 71). Portanto, buscar uma nova organização de sociedade e fazer isso
por meio e com as diferentes técnicas matemáticas, mesmo que utópico, pode
ser o objeto que sempre nos motiva a desempenhar as nossas ações com clareza
e responsabilidade, mas sempre abertos às mudanças.

166
UNICESUMAR

Caro(a) estudante, agora que você “venceu” essa batalha de estu-


dos e reflexões acerca da Etnomatemática, convido você a acessar
este podcast, pois, preparei um resumo de alguns conceitos que
considero importantes para a sua aprendizagem e que foram abor-
dados nesta unidade. Conceitos que te ajudarão a compreender o
que vem pela frente, em nossa próxima unidade. Ouça e aproveite
esse momento para ampliar o seu conhecimento. Como sugestão,
anote-os, pois isso pode auxiliá-lo na sua trajetória de formação.

Agora que você teve a oportunidade de ampliar o seu repertório conceitual sobre
Etnomatemática, convido você a fazer o seguinte exercício analítico-reflexivo:
■ Pense na atividade profissional que, atualmente, você desenvolve.
■ Você consegue identificar nela ações que exigem raciocínios, como os ci-
tados por D’Ambrosio (2011), comprar, classificar, quantificar, medir,
explicar, generalizar, inferir ou avaliar?
■ Você considera que essa atividade poderia ser explorada nas aulas de
matemática?

Veja, você conhece a atividade que desenvolve (a prática, o saber/fazer) e, ao


mesmo tempo, a Matemática Escolar. Isso implica em transitar entre “culturas”
aparentemente distintas. Automaticamente, você está imerso em ambas culturas.
Sendo assim, com base nos pressupostos teóricos da Etnomatemática, con-
vido você a elencar tópicos da Matemática Escolar que poderiam ser explorados
a partir da sua atividade profissional, ou seja, relacione conteúdos matemáticos
previsto no currículo, com elementos da sua profissão, relações que poderiam
servir para uma abordagem etnomatemática em ambientes educacionais.
Um exemplo que pode ser esclarecedor se revela nos saberes e estratégias
matemáticas praticados por um pedreiro para encontrar, por exemplo, a meta-
de do comprimento de uma parede. Certamente, a estratégia que essa categoria
profissional adota seria distinta das praticadas em ambientes escolares, tendo
como embasamento conceitual e técnico, a Matemática Escolar. Na Matemática
Escolar, provavelmente, utilizaremos o ponto médio.

167
UNIDADE 4

São diante de situações como essa que espero de


você, estudante, o reconhecimento de que o contexto
pode ser ponto de partida para a aprendizagem.
Essa prática, visando uma abordagem profis-
sional, pode parecer um tanto contraditória com
o que apresentamos nesta unidade, mas não é. É
importante ressaltar que essa proposta feita para
você é uma das perspectivas de Etnomatemática,
isto é, relacionar práticas matemáticas à Matemáti-
ca Escolar. Outra possibilidade seria identificar ou
trazer à tona, formas de pensar (que possuem uma
natureza matemática, digo, noções ou conceitos)
que você mobiliza e produz em sua prática, durante
o desempenho dessa atividade.

168
Caro(a) estudante, agora que você teve a belíssima oportunidade de estudar e
se deparar com sugestão de alguns materiais para enriquecer esse processo de
formação, convido você a realizar uma autoavaliação de tudo o que estudamos
nesta unidade.
Sei que as reflexões aqui expostas foram potencializadoras de inúmeros movimen-
tos que você, futuro profissional, certamente, relacionou com o seu conhecimento
e saberes construídos em sua trajetória escolar e acadêmica, sobretudo, aquela
envolvida pelo ensino da Matemática.
Nesse sentido, convido você a preencher esse mapa de empatia expondo os seus
sentimentos e compreensões acerca da Etnomatemática. Essa é uma oportunidade
para analisar criticamente o contexto educacional, as necessidades e os “pedidos
de socorro” dos estudantes, bem como as nossas ações como futuros profissionais.

PENSO

OUÇO VEJO

FALO

DORES GANHOS

169
5
Práticas
Convergentes à
Etnomatemática
Dr. Wellington Piveta Oliveira

Caro(a) estudante, na última unidade deste livro, você terá a oportu-


nidade de conhecer algumas práticas convergentes à Etnomatemá-
tica, visando a sua formação como profissional que trabalhará com
a Matemática. Para isso, abordaremos, nesta unidade, experiências
apoiadas na Etnomatemática desenvolvidas nos contextos do Ensino
Fundamental - Anos Finais e no Ensino Médio; por fim, lançaremos
algumas sugestões que, na nossa compreensão, configuram-se como
possibilidades para explorar a Etnomatemática no contexto educativo,
fazendo referência ao conceito de Etnomodelagem. Esperamos que,
assim, você tenha condições de analisar e propor práticas à luz dos
elementos que embasam e enriquecem as experiências de ensino e
aprendizagem de Matemática.
UNIDADE 5

Para iniciarmos os estudos nesta última unidade, proponho que analisemos o


seguinte caso relatado em Ferreira (2009, p. 57), quando analisou uma produção
escrita publicada em um evento científico:


Miro (Professor Dr. Ademir Donizeti Caldeira), quando estava no
Parque do Xingu, preparando os professores indígenas e querendo
trabalhar com a divisão, propôs o seguinte problema: alguém saiu
para pescar e conseguiu pescar 33 peixes; quando voltou à aldeia
quis repartir esses peixes com 3 pessoas. Quantos peixes ficaram
para cada um? A primeira pergunta dos professores foi: que peixes
eram? Aí, eles chegaram à conclusão de que deveriam ser matrixã;
depois, queriam saber quais eram as pessoas que iriam receber os
peixes, que grau de parentesco tinham e finalmente disseram que
não podiam dividir todos, pois, afinal, quem tinha pescado tinha
direito de ficar com alguns.

Após esse breve relato, pergunto: o que de Etnomatemática tem nesse caso?
Essa pergunta sugere que recapitulemos o que entendemos por Etnomatemá-
tica. Vimos, na unidade anterior, que, em linhas gerais, a Etnomatemática valoriza
as práticas matemáticas culturais, o saber-fazer realizado por diferentes grupos,
com o intuito de valorizar a historicidade e os sentidos que as práticas assumem
dentro e para aquela cultura. Tomando como ponto de partida essa compreen-
são, quando focalizamos essa proposta Etnomatemática, concebendo-a como
ação pedagógica, sabemos que, na sala de aula, temos um currículo a cumprir,
envolvendo uma linguagem matemática ocidental.
É inevitável a preocupação de que não haja uma sobreposição de conhe-
cimentos e saberes, dando a impressão de que uma forma de pensar seja mais
importante que a outra, caso contrário estaríamos descaracterizando esse Pro-
grama - Etnomatemática - como ação pedagógica. Na tentativa de analisar sobre
esse desafio que se configura aos docentes e estudantes, o que torna uma aborda-
gem relevante (já que abordaremos exemplos de práticas), bem como para que
também possamos analisar a sua viabilidade no contexto da problematização,
recorremos ao termo “desencantamento”.
Ferreira (2009) apresentou algumas reflexões interessantes que nos fizeram
pensar sobre e em que medida, muitas vezes, a tentativa de articulação da ma-
temática ocidental às práticas recorrentes nos diferentes ambientes, pode estar

172
UNICESUMAR

contribuindo para um “desencantamento” do mundo. Aqui, desencantamento faz


referência à “perda de sentido”, isto é, um deslocamento, talvez, fora de contexto,
perda da historicidade que aquela prática assume desde a sua origem.
Em busca de significar esse termo, o caso descrito no episódio que foi pro-
blematizado anteriormente, de fato, pode parecer uma estratégia para “levarmos”
a Etnomatemática aos ambientes educacionais, mas ficou evidente (mesmo que
o relato de Miro não tenha sido sobre Etnomatemática) que a experiência, a lin-
guagem, entre outros aspectos carecia da vivência cultural para que a atividade
pudesse ser resolvida. A presença da cultura e das crenças foi uma condição de-
terminada pelos sujeitos daquela tribo, pois só fazia sentido resolver o problema
caso fosse significativo para eles, isto é, contextualizado.
Ferreira (2009, p. 57) apresentou algumas reflexões que justificam a nossa
atribuição de significados, argumentando que foram esquecidos:


1. Qual tipo de peixe era possível pescar naquela época do ano.

2. A relação de parentesco da etnia; quem é mais importante em


grau.

3. Quem saiu para pescar foi para trazer alimento para sua família.
Portanto, não poderia repartir todos os peixes.

4. Se estivéssemos numa aldeia tapirapé, nunca se poderiam pescar


33 peixes, pois para eles a unidade é o dois, eu teria que pescar 32 ou
34. Para um índio tapirapé, não se pode pescar meio peixe.

5. Finalmente, para eles era uma brincadeira, não havia peixe algum.
Mesmo sendo uma brincadeira, deve-se respeitar todo o contexto
social da etnia.

Possivelmente, a consideração, na prática, dos itens pontuados teria subsidiado


o seu desenvolvimento com poucos ou quase sem embates. O que pretendo que
você compreenda é que as práticas que iremos relatar até podem contemplar
alguns elementos que pareçam, em algum momento, contribuir para que ocorra
um “desencantamento”, mas sem sombra de dúvidas, quando olhamos para as
aprendizagens (considerada aqui como uma atribuição de significado mediante
o estabelecimento de relações) favorecidas pela prática, veremos que uma “dose”

173
UNIDADE 5

de Etnomatemática se torna indispensável para nos distanciarmos de abordagens


que, desavisadamente, acabam contribuindo para uma descontextualização.
Caro(a) estudante, como um longo e infinito caminho a seguir em busca
da formação constante e permanente, convido você, neste momento, a iniciá-lo
exercitando a sua capacidade de assimilar o conteúdo abordado, colocando-o em
prática. Considerando que a Etnomatemática se mostra como a própria contex-
tualização do saber, elabore uma proposta de atividade para abordagem de algum
conteúdo relacionado a unidade temática Geometria, para uma turma de Ensino
Fundamental, situada em uma periferia de grandes centros.
Elabore uma proposta contextualizada que, na sua opinião, pode ser conside-
rada uma prática efetiva. A título de curiosidade e para que possa inspirá-lo(a),
deixo aqui outra reflexão de Ferreira (2009, p. 56) “[...] a construção do papagaio
(pipa), para, depois, vê-lo voar, como fruto do saber-fazer e da magia do céu,
perde o encantamento quando se restringe a explorar somente a geometria da
construção e o estudo da aerodinâmica”.
E então, como vai lidar com esse desafio? Tenho a certeza de que você será
criativo(a) e que a sua proposta será convertida em uma prática quando profes-
sor(a) da Educação Básica, afinal, muito do que produzimos e vivemos nesse mo-
mento da formação, nos acompanha por longos anos e, talvez, são aprendizados
que levamos eternamente.
Ao propor uma brilhante reflexão em um de seus textos sobre as práticas
etnomatemáticas, Ferreira (2009) expressou que devemos privilegiar a magia
que existe nas atividades e práticas culturais. Cite, aqui, que desafios você enca-
rou ao propor uma prática que, supostamente, seja desenvolvida em uma escola
de periferia, para abordar algum conceito geométrico no Ensino Fundamental.
Lembre-se de anotar todas as suas reflexões no Diário de Bordo.

174
UNICESUMAR

Dando continuidade às reflexões que tivemos em nossa unidade anterior, vimos


que é fundamental se considerar o conhecimento prévio dos estudantes para
apoiar a construção de outros novos conhecimentos. Apoiados em Vergnaud
(2003), nós estabelecemos que o conhecimento trazido pelos estudantes se amplia
quando consideramos, no processo educativo, pelo menos cinco aspectos, a saber:

- A atividade do sujeito que aprende.

- A oferta de situações favoráveis ao aprendizado.

- A mediação por parte de pessoas que o rodeiam.

- A utilização de formas linguísticas e simbólicas para comunicar e repre-


sentar.

- A necessidade de consolidar o conhecimento construído, aplicando-o a


outras situações.

Levando em consideração esses aspectos, sabemos que a principal dificuldade


de um professor de Matemática que domine bem os conteúdos específicos da
sua disciplina e os pedagógicos para conduzir sua ação pedagógica é saber como
elaborar situações-problema que permitam estabelecer relações entre o conhe-
cimento prévio do aluno e o que se pretende ensinar.
Uma possibilidade é trazer para a escola situações coletadas no cotidiano,
mas isso não é suficiente, porque, ao longo de sua trajetória, homens e mulheres
se defrontam com situações que não estavam diretamente ligadas às suas vidas
cotidianas e, assim, não podemos limitar a Matemática apenas a tais aspectos.
Dessa forma, nem sempre apenas se pensar em cotidiano ou cultura (Etnomate-
mática) é suficiente na hora de elaborar situações.
Essa reflexão abre precedentes para podermos pensar em abordar problemas
que o matemático resolve e do modo como ele faz, na escola. Isso é possível, mas
não com frequência, porque é necessário realizar um movimento que conhece-
mos por recontextualização. Recontextualizamos o saber matemático em saber

175
UNIDADE 5

matemático escolar. Lembremo-nos da finalidade de ambos os exercícios, um


é resolver um problema, o outro é aprender Matemática. Para isso, precisamos
desenvolver engenharias didáticas ou dramatização.
O professor não pode esquecer de que em sala de aula ele é um ator e/ou
diretor da peça de teatro. Ele vai propor para os seus estudantes problemas para
os quais ele já conhece a resposta. As crianças sabem disso. Então, trata-se de
um jogo, de uma dramatização, mas de um jogo sério, porque nele se ensina e se
aprende. Contudo, não é suficiente escolher uma situação que seja apropriada
para o desenvolvimento da aula. Para haver aprendizagem, é preciso, ainda, que
o estudante reconheça, na situação proposta, algo que faça sentido para ele, que
ele identifique os objetivos dela e essa não é uma tarefa fácil!
Nesse contexto, para facilitar as escolhas, não se pode deixar de considerar a
psicogênese, isto é, o que pensam as crianças acerca de determinado conteúdo, e
enxergar esse conteúdo a partir dessas concepções infantis. Entendemos que Con-
siderar as concepções e conhecimentos prévios dos estudantes sobre um assunto,
conteúdo ou conceito permite trazer à tona, isto é, para discussão e consenso, uma
pluralidade de manifestações distintas para o mesmo “objeto” matemático (diferen-
ciando as representações e modos de tratamento a ele associados, mostrando em
que medida se adaptam a resolução de certa classe de problemas etc.).
Particularmente, nessas manifestações, ocorre o que consideramos de maior
importância: as diferentes concepções dos alunos sobre um mesmo tema, as-
sunto, problema, ajuda a derrubar a ilusão de transparência didática transmitida
pelos modelos empiristas de aprendizagem, permitindo diferenciar os conheci-
mentos que se pretende ensinar dos que são efetivamente construídos pelos alunos.

PENSANDO JUNTOS

Como seres humanos, somos sujeitos sociais. Em nossas experiências educacionais, pro-
fissionais, familiares, em círculos de amizade, religião etc., sempre nos deparamos com
visões diferentes às nossas. Elas são oriundas das formas de criação, crenças, ideologias,
dos diferentes estilos de vida. Na sala de aula, a riqueza dessa pluralidade cultural está
“dando sopa”, imagina quantas oportunidades para exploração.

No âmago dessa reflexão, também repousa a compreensão sobre a Etnomate-


mática, enviesada por uma valorização cultural. Quando nos debruçamos sobre

176
UNICESUMAR

as manifestações, certamente, inerentes às concepções, transparecem estilos de


vida, modos de pensar e colocar em prática conhecimentos e saberes envolvidos
e presentificados no repertório histórico, conceitual, cultural e social.
Considerando essas e outras reflexões, entendemos que você está preparado para
ser apresentado a algumas experiências convergentes à Etnomatemática, com o intui-
to de que, inspirando-se nelas, você possa planejar e se aventurar em suas experiências.
Para tanto, relataremos quatro experiências sustentadas na Etnomatemática.

Caro(a) estudante, você não pode deixar de ouvir o que tenho


para contar. Neste podcast, todo especial e bastante didático,
abordarei assuntos que se configuram em possibilidades de
exploração temáticas. Sei que as ideias e exemplos de práticas
nunca são demais, pois sei que esse é um anseio de todos nós
que trabalhamos com a Educação. Por isso, com base em alguns
textos, produzidos por professores e pesquisadores, elaborei uma
coletânea, buscando alguns eventos da área, e vou expor difer-
entes ideias oriundas de profissionais espalhados por diferentes
regiões do nosso grande Brasil. É um convite para conhecer o rep-
ertório de ideias que, carinhosamente, chamei de: A brasilidade
da produção matemática escolar.

No que se refere às experiências que serão relatadas, a primeira envolve o con-


ceito de área e do volume; a segunda sobre matemática Financeira, buscando o
entrelaçamento entre Resolução de Problemas e a Etnomatemática; e a terceira
envolve o conteúdo de progressão aritmética. Façamos, aqui, uma ressalva de que,
essa última experiência foi desenvolvida por estudantes, assim como você, que
ainda estavam no processo de formação inicial, no contexto da Educação Básica.
Como já expressamos, todas essas experiências ocorreram nos Anos Finais do
Ensino Fundamental e no Ensino Médio.
Apresentaremos também, apoiados na pesquisa de Klein e Rodrigues (2019),
algumas sugestões de atividades de natureza Etnomatemática. As autoras apre-
sentaram quatro propostas de atividades apoiadas na Etnomatemática, oriundas
de um movimento analítico que realizaram em trabalhos monográficos de es-
tudantes da Licenciatura em Matemática da Universidade Federal do Tocantins,
campus de Arraias.
Pois bem, no que se refere aos relatos, o primeiro deles se sustenta nos resul-
tados de uma investigação realizada pela professora Dra. Neiva Ignês Grando,

177
UNIDADE 5

da Universidade de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, pela


professora Dra. Terezinha Nunes, da University of Oxford, na
Inglaterra, e pelo professor Dr. Méricles Tadeu Moretti, da Uni-
versidade Federal de Santa Catarina.
Tais resultados foram apresentados e discutidos no capí-
tulo intitulado Matemática em diferentes contextos: conceitos
de área e volume, constante do livro Pesquisa em Educação
Matemática: contribuições para o processo ensino-aprendiza-
gem, organizado pela primeira autora e publicado, em 2006, pela
editora da Universidade de Passo Fundo.
É importante destacar que os autores não apresentam a in-
vestigação realizada como sendo dentro do programa de Etno-
matemática. Nós estabelecemos essa vinculação. Os autores men-
cionam apenas que procuram discutir a “relação entre a matemática
e a realidade, entre conhecimento escolar e conhecimento utilizado em outros
contextos” (GRANDO; NUNES; MORETTI, 2006, p.11).
Os autores iniciam seu texto justificando que o capítulo em questão se apoia
em duas investigações anteriormente realizadas, uma delas “objetivava comparar os
modelos matemáticos utilizados por agricultores e estudantes na resolução de pro-
blemas relacionados com atividades agrícolas” (GRANDO; NUNES; MORETTI,
2006, p. 12), realizada com alunos dos atuais 6º e 8º ano do Ensino Fundamental,
e a outra, realizada com estudantes do 8º ano e 1º ano do Ensino Médio, tinha a
resolução de problemas pelos estudantes, com os mesmos objetivos da primeira,
considerando, agora, sujeitos profissionais de serrarias, olarias e funilarias.
No último caso, o destaque ficou para a “análise dos conceitos e relações ma-
temáticas subjacentes às atividades profissionais” dos sujeitos considerados e
comparar com os “procedimentos de estudantes para resolver problemas com
conteúdos espaciais extraídos do cotidiano desses grupos profissionais” (GRAN-
DO; NUNES; MORETTI, 2006, p.12).


Nesse sentido, as análises das situações cotidianas dos grupos profis-
sionais e dos processos desenvolvidos para lidar com tais situações
subsidiaram a elaboração de situações problema para os estudantes
[...] as questões relacionavam-se ao campo conceitual espaço [...] os
estudantes revelaram inúmeras dificuldades para lidar com situa-

178
UNICESUMAR

ções de contextos definidos, não conseguindo utilizar os conceitos


matemáticos já estudados para resolver os problemas apresentados
(GRANDO; NUNES; MORETTI, 2006, p. 12-13).

Considerando, então, os resultados, em particular as dificuldades dos estudantes


na resolução dos problemas vivenciados pelos agricultores, os pesquisadores
entenderam ser necessário uma ação pedagógica diferenciada e optaram pela
“utilização de conhecimentos de práticas sociais como referência para atividade
de estudo, mais especificamente, para a generalização lógico-abstrata dos concei-
tos matemáticos” (GRANDO; NUNES; MORETTI, 2006, p. 13).
Dessa forma, situações-problema foram apresentadas aos agricultores, que
as resolveram de forma prática, e aos estudantes, que as resolveram apenas uti-
lizando as fórmulas escolares. Um destaque: os agricultores sempre escolhem a
unidade correta para a grandeza que está sendo medida, ao passo que os alunos
apresentam dificuldades no estabelecimento da unidade de medida adequada.
O método utilizado pelos agricultores para o cálculo da área de um polígono,
com exceção dos quadrados e retângulos, é o esquadrejamento, que significa
calcular a média das medidas dos seus lados opostos; para determinar a área de
triângulos, estes são, inicialmente, transformados em quadriláteros e, em seguida,
aplicam o esquadrejamento.
Relatamos, aqui, os procedimentos utilizados por um agricultor para deter-
minar a área de um terreno em forma de trapézio, cujas medidas dos lados são:
15m; 45m, 35m e 50m. Para resolver o problema, o agricultor calcula a média
das medidas dos lados opostos e as multiplica, conforme fica estabelecido no
diálogo a seguir:


Agricultor: Aqui vou ter que pegar... vou somar 15, 35 com 15
(Efetua a adição) 10,5. Aqui vou ter que dividir e fazer paredes
iguais, né. Dividir por... 2. (Efetua a divisão) [...] A divisão agora
deu certo, dá 25. Agora tenho que achar esta parede aqui (Efetua
outra adição) 45 por 50, tem que somar, 95... dividido por 2... (Efe-
tua a divisão) Dá 4, sobrou 15, dá 7, sobrou 1. Dá 47 e meio. Então
eu pego esse 47 e meio multiplicado por 25 ... 37 .... daria 11.875
metros né? (GRANDO; NUNES; MORETTI, 2006, p.15).

179
UNIDADE 5

Observemos que o agricultor se refere aos lados da figura como “paredes” e o


que ele faz é buscar um retângulo cujos lados medem, respectivamente, a média
aritmética das medidas dos lados opostos do trapézio inicial e, a seguir, aplicam
a fórmula escolar para determinar a área do retângulo encontrado, cujas medidas
dos lados são, respectivamente, 25m e 47,5m.
Para a utilização em sala de aula, uma possibilidade é apresentar o proble-
ma original (determinar a área do trapézio cujos lados medem 15m, 45m, 35m
e 50m) e, dependendo do nível de escolaridade, determinar ou não as áreas,
comparando os resultados. Entretanto, mesmo que não se determine a área real,
é possível e interessante discutir, com os alunos, que os resultados encontrados
seriam diferentes, pois, ao “transformarem” o trapézio em retângulo, a medida en-
contrada pelos agricultores é maior que a determinada pelas fórmulas escolares.
Uma maneira interessante de fazer isso é construir as figuras em papel: um
trapézio cujos lados medem, em escala: 15cm, 45cm, 35cm e 49,24cm (no proble-
ma original, estabeleceu-se 50m em vez de 49,24m para facilitar as contas, mas
a medida correta para “fechar” a figura é 49,24m) e construir um retângulo de
medidas 25cm por 47,5cm. Em seguida, sobrepor as figuras utilizando recortes.
Discutir com os alunos porque essa diferença ocorre, mediante à reconfigu-
ração dos procedimentos utilizados pelos agricultores, permite trabalhar com as
propriedades dos quadriláteros; retomar e consolidar as fórmulas para o cálculo
de áreas, além de possibilitar discussões relevantes para a formação do cidadão,
por exemplo, quais as consequências práticas desse cálculo apenas aproximado
da área de um terreno destinado à agricultura.
A segunda experiência que relatamos neste texto foi realizada
pela professora mestre da Universidade Federal de Passo Fundo,
Sandra Mara Marasini, em conjunto com uma das pesquisadoras
da investigação anterior, a professora doutora Neiva Ignês Gran-
do, da mesma universidade, acerca da Matemática Financeira,
constituindo o segundo capítulo, denominado Matemática
financeira na escola e no trabalho, publicado no mesmo livro
organizado por Grando e mencionado anteriormente.
As pesquisadoras assim justificaram sua investigação:


Por acreditar no importante papel que assu-
mem as situações cotidianas como elementos

180
UNICESUMAR

mediadores no processo de apropriação dos conceitos científicos e


da necessidade de, no ambiente escolar, investigar os significados
da cotidianidade [...] (escolhemos dentre) os conteúdos desenvol-
vidos na escola do ensino fundamental [...] a matemática financeira
[...] pela importância que esta parte da matemática tem na vida das
pessoas, as quais estão permanentemente vivenciando questões fi-
nanceiras, necessitando de clareza e autonomia para tomar decisões
perante as situações diárias, para que possam compreender as tran-
sações comerciais e bancárias e não sejam exploradas (MARASINI;
GRANDO, 2006, p. 38-39).

As questões que a investigação realizada buscava responder eram: “Que matemá-


tica financeira é desenvolvida na escola? Que matemática financeira é utilizada
no dia-a-dia fora da escola? Que matemática financeira é necessária para a vida
na escola e fora dela?” (MARASINI; GRANDO, 2006, p. 39).
Em busca das respostas a essas questões, Marasini e Grando (2006) entrevis-
taram profissionais de instituições bancárias e de estabelecimentos comerciais,
bem como professores de Matemática de escolas da Educação Básica.
Nas entrevistas realizadas com os gerentes de banco, constatou-se que os tó-
picos de Matemática utilizados nas transações bancárias são as operações básicas
de adição, subtração, multiplicação e divisão, há muito destaque à operação de
potenciação que, “muitas vezes, é relegada a segundo plano no ambiente escolar
pela dificuldade de se visualizar suas aplicações”, razão, porcentagem como uma
razão especial, regra de três simples, juros simples, montante e juro composto
(MARASINI; GRANDO, 2006, p. 43).
Apesar de esses tópicos constarem no programa da Matemática escolar, to-
dos os entrevistados afirmaram não se lembrar de os haverem estudado. Para
as autoras, “essa falta de relação aponta para a possibilidade de esses conceitos
científicos não terem sido ensinados na escola de forma equivalente ao que é
utilizado nos bancos”, uma vez que tais conceitos, nas “instituições bancárias,
aparecem de forma integrada nos diferentes modelos, envolvendo vários deles
numa mesma operação bancária, desde a definição até o cálculo final” (MARA-
SINI; GRANDO, 2006, p. 43).
A mesma constatação ocorreu com os profissionais que atuam nos estabe-
lecimentos comerciais: todos afirmaram não se lembrar de estudar Matemática
Financeira na escola. Os conteúdos utilizados nesse contexto são: operações de

181
UNIDADE 5

adição, subtração, multiplicação, divisão e porcentagem, além de razão, grandezas


proporcionais, proporção, regras de três, montante, juros simples e composto.
Diferentemente dos profissionais bancários, os comerciários apenas aplicam as
fórmulas e não apresentam compreensão sobre os modelos utilizados.
Para compreender a Matemática Financeira da escola, foram entrevistados
professores de 7º e 8º ano do Ensino Fundamental de duas escolas da rede esta-
dual, uma municipal e uma particular. As professoras afirmaram utilizar folders
de propaganda como ilustração para os conceitos trabalhados relacionados à
matemática comercial, embora não abordem nada referente à matemática ban-
cária que, inclusive, afirmam não conhecer.
Marasini e Grando (2006, p. 49) concluíram que, de modo geral, “os conceitos
matemáticos apresentados tanto na escola, quanto na cultura do trabalho, particu-
larmente nos bancos e no comércio são os mesmos”, entretanto, os profissionais não
se lembravam de havê-los estudado na escola, afirmando que aprenderam tais con-
ceitos em treinamentos específicos, proporcionados pelas empresas, demonstrando
a importância da contextualização do saber que tanto destacamos neste livro.


A utilização dos conceitos nos contextos de trabalho, contraria-
mente ao que acontece na escola, aparece de forma integrada, en-
volvendo vários deles ao mesmo tempo, ao passo que na escola a
aplicação dos conceitos aparece de forma isolada e em situações
frequentemente artificiais, em virtude do conhecimento parcial que
os professores possuem das diferentes práticas sociais [...] (MARA-
SINI; GRANDO, 2006, p. 49).

Dessa forma, os resultados da investigação realizada por Marasini e Grando


(2006) evidenciaram, de maneira inquestionável, a importância da contextuali-
zação e que “os conceitos cotidianos apresentados na cultura do trabalho podem
caracterizar-se como excelentes situações para desenvolver não apenas os concei-
tos, mas as suas características essenciais” (MARASINI; GRANDO, 2006, p. 51).
Por último, a terceira, mas não menos importante, relatamos a experiência que
escolhemos compartilhar com você, descrita por Costa et al. (2018). Os autores
argumentaram que o objetivo da prática desenvolvida foi que, por meio dela, os
futuros professores pudessem ter experiências docentes aliada ao diálogo entre
saberes da tradição e saberes escolares. Para tanto, uma atividade envolvendo a

182
UNICESUMAR

produção de paneiros foi desenvolvida com 12 estudantes


do 1º ano do Ensino Médio de uma escola da rede pública
de ensino de Parintins-AM.
A proposta de trabalho ocorreu porque os formandos,
durante atividades de ensino que desenvolviam na escola,
reconheceram a dificuldade dos estudantes com a defi-
nição de Progressão Aritmética (PA) e, ao dialogarem com
professores orientadores, além de enxergarem a possibilidade
de explorar, matematicamente, “no âmbito de vivências de
alunos da Região Amazônica, a confecção de cestos e paneiros
cujo desenvolvimento da trama” é uma PA, um dos bolsistas “se
apresentou como oriundo de uma comunidade ribeirinha, filho
de agricultores que confeccionam paneiros para transportar e
armazenar produtos da roça e da pesca” (COSTA et al., 2018, p. 82).
A elaboração da proposta foi coletiva, e como não havia matéria-prima sufi-
ciente, foi utilizado para construção dos paneiros tiras de papel cartão “[...] para
substituir as talas naturais. Então, com tiras de 1 cm de largura realizamos o
teste da confecção do objeto cultural e a identificação dos objetos matemáticos
possíveis de serem contextualizados naquela prática” (COSTA et al., 2018, p. 83).
Quando levaram a proposta para a sala de aula, como já era esperado, por
conta do contexto em que a escola estava inserida, prontamente, os estudantes
identificaram que aquele objeto se tratava de um paneiro, sendo oportuno para os
formandos, na condição de professores, aprofundarem sobre aspectos do objeto
e seus produtores: indígenas e os ribeirinhos.
Naquele momento, um dos estudantes informou que também tinha familiaridade
com a produção de paneiros, porque antes de estar naquela escola, ajudava o tio na
confecção deste produto e de outros, fazendo parte da comunidade ribeirinha.
Esse contexto foi riquíssimo, pois permitiu discutirem sobre a presença do
objeto em outras atividades exercidas na região, como, além de “[...] em um dos
bairros da periferia, o padeiro [que] utiliza um paneiro para entregar pães nas
casas, os alunos lembraram que nas feiras é comum o uso de paneiros e que mi-
niaturas desse objeto são vendidas em lojas de artesanatos como lembranças da
região” (COSTA et al., 2018, p. 84).
Nessa perspectiva, o planejamento da prática era proporcionar aos estudantes
o “[...] reconhecimento e a valorização dos saberes da tradição, das ideias ma-

183
UNIDADE 5

temáticas mobilizadas na confecção de paneiros para posteriormente mostrar


possíveis relações com os elementos de uma P.A” (COSTA et al., 2018, p. 85).
Contudo, no processo de mediação, ao identificarem as dificuldades dos estudan-
tes, já que o objetivo era trabalhar com P.A. e os argumentos deles se restringiam
aos aspectos geométricos na produção do paneiro, os autores afirmam que uma
intervenção imediata foi necessária.
Os professores sugeriram que eles, ao receberem as tiras de papel cartão, de-
veriam posicioná-las seguindo as orientações:


Escolham duas tiras e as posicionem de forma paralelas sobre a
mesa.

Anotem com quantas tiras vocês começaram a confecção.

Agora acrescente mais duas tiras entrelaçando-as de forma oblí-


qua, acrescentem mais duas tiras na posição diagonal (COSTA et
al., 2018, p. 86).

Nesse contexto, com o objetivo de que os estudantes fossem reconhecendo que a


construção da trama que daria origem ao paneiro era regida por uma P.A. de razão
2, os professores realizavam questionamentos assertivos, indagando, por exemplo:

3 - Qual a diferença entre a


quantidade anterior de tiras
1 - Quantas tiras foram e o total de tiras agora?
acrescentadas?"

2 - Quantas tiras 4 - Que tipo de figura se


têm agora? formou com o entrelaçamento
dessas tiras?

Figura 1 - Questionamentos assertivos. / Fonte: adaptada de Costa et al. (2018).

Descrição da Imagem: quatro balões de fala com os seguintes questionamentos: “Quantas tiras foram
acrescentadas?”,“Quantas tiras têm agora?”,“Qual a diferença entre a quantidade anterior de tiras e o total
de tiras agora?” e“Que tipo de figura se formou com o entrelaçamento dessas tiras?”.

184
UNICESUMAR

Um aspecto interessante observado quando interpretamos essa tarefa com uma


matemática ocidental e que se mostra bastante curioso é que:


A inserção de tiras de papel segue até a quantidade necessária de
acordo com o tamanho do paneiro que queremos confeccionar ou
tecer. Nesse processo de confecção, o olho (centro ou umbigo) se
constitui em um hexágono vazado e a quantidade de olhos implica
na determinação da forma do fundo do paneiro, pois uma quantida-
de ímpar de olhos determina um fundo redondo e uma quantidade
par, um fundo triangular (COSTA et al., 2018, p. 86, grifos nossos).

A presença dessas informações matemáticas foi discutida, na atividade, no de-


correr da dinâmica de produção sob a orientação dos professores, produção que
pode ser visualizada na Figura a seguir.

Figura 2 - Os três olhos do paneiro, três hexágonos. / Fonte: Costa et al. (2018, p. 87).

Descrição da Imagem: a figura expressa o entrelaçamento das tiras de papel cartão, indicando a constru-
ção da trama que dá origem ao paneiro. Na figura, temos a imagem de uma mão sinalizando a manipula-
ção das tiras sobrepostas em um fundo na cor azul, constituindo os três “olhos”, isto é, os três hexágonos.

Nesse contexto, os estudantes reconheceram que foram necessárias 6 tiras


para a confecção do primeiro olho e, caso tivessem interesse em criar novos
olhos, deveriam acrescentar apenas mais 2 tiras para cada olho. Também foi
discutido outros aspectos matemáticos como “[...] elementos da geometria
plana como retas paralelas, concorrentes, oblíquas, perpendiculares,formas

185
UNIDADE 5

triangulares, polígonos (paralelogramo, hexágono, losango), lados e vértices”


(COSTA et al., 2018, p. 87).
A partir dos registros que realizavam durante a confecção das tramas, iden-
tificaram a existência de uma sequência numérica, (2, 4, 6, 8, 10), em que a
diferença entre a quantidade de tiras a partir do segundo movimento é sempre
2. Notando que a compreensão sobre essa sequência havia ficado claro para eles,
os professores questionaram:

...imaginem que vocês estão tecendo um paneiro com 18


tiras, com quantas tiras vocês ficariam se tirássemos 2?
E se tirássemos 2 novamente? Representem esse
movimento de retirada das tiras de papel da trama tecida.

Figura 3 - Questionamentos realizados pelos professores / Fonte: adaptada de Costa et al. (2018).

Descrição da Imagem: um balão de fala com os seguintes questionamentos: “...imaginem que vocês estão
tecendo um paneiro com 18 tiras, com quantas tiras vocês ficariam se tirássemos 2? E se tirássemos 2
novamente? Representem esse movimento de retirada das tiras de papel da trama tecida”.

Essa intervenção ocorreu com a intenção de que os estudantes compreendessem


a existência de uma P.A. decrescente e, ao procederem utilizando um registro
numérico, estabeleceram a sequência (18, 16, 14, 12, 10, 8, 6, 4, 2) e concluíram
que ia diminuindo de 2 em 2, portanto, teria uma razão de -2. Com isso, os pro-
fessores puderam generalizar, chegando a equação do termo geral de uma P.A. e
fechar essa atividade.
Para além do aspecto matemático, foi discutido que ações como observar,
comparar, medir, entre outras estiveram presentes nessa prática e que elas também
são utilizadas quando o material é outro, no caso, o utilizado na construção dos
paneiros. Essa reflexão foi alimentada pelo reconhecimento desse saber que, his-
toricamente, é cultivado pelas pessoas que produzem artesanalmente, esse tipo de
objeto, permitindo que essas habilidades sejam repassadas de geração para geração.
No texto, os autores apresentaram o seguinte quadro que sintetizou as ações
empreendidas nessa prática, apoiada na Etnomatemática.

186
UNICESUMAR

Contri-
Ideias ma- buição à
Objeto ma-
Objeto cultural (contexto) temáticas formação
temático
mobilizadas docente dos
bolsistas

O paneiro Definição de Comparar Trabalho em


P.A. grupo.
Ordenar
Razão de Elaboração
uma P.A. Classificar de sequên-
cias didáti-
Tipos de P.A. Medir cas.

Polígonos Inferir Reconheci-


mento da
Descrição da Imagem: na Posição de Avaliar matemática
imagem aparecem 6 cestos retas como produ-
produzidos artesanalmente,
to cultural.
de tamanhos diferentes, que
ilustram paneiros. Eles estão
sob um tecido, em que três Reconheci-
deles estão posicionados em mento do sa-
pé e, outros três, mais ao fun-
ber matemá-
do, posicionados na horizontal
(caídos). tico implícito
no contexto
social.

Quadro 1 - Síntese dos resultados obtidos / Fonte: Costa et al. (2018, p. 89).

Podemos refletir, a partir da estruturação desse quadro que sintetiza os resultados


provenientes do estudo relatado, que essa prática apoiada na Etnomatemática, ao
ser desenvolvida na escola e conduzida por futuros professores de Matemática,
constituiu-se em uma ação formativa ao favorecer o reconhecimento e incentivo
aos professores a valorizarem uma “prática cultural na qual podemos vislumbrar
a possibilidade de diálogo entre os saberes da tradição e os saberes curriculares
da matemática escolar, um diálogo onde nenhum saber se sobrepõe ao outro,
ao contrário, se complementam e dão sentido ao objeto matemático em estudo”
(COSTA et al., 2018, p. 91).
Perceba que, nesses três relatos que apresentamos, há um movimento distinto
de Etnomatemática. No primeiro, há um esforço por compreender as técnicas ma-

187
UNIDADE 5

temáticas utilizadas por uma categoria profissional e articulá-las às atividades dos


estudantes, visando a importância da matemática acadêmica. Na segunda, há uma
comparação entre esses modos de pensar e fazer por diferentes grupos, enaltecendo
a contextualização. Na terceira, há um relato dos encaminhamentos da prática,
mostrando um esforço por parte dos professores em elaborar atividades que ad-
mitam a presença dos elementos que dimensionam o contexto dos estudantes.
Temos, portanto, três reflexões distintas que convergem para o mesmo as-
pecto de que empreender práticas convergentes à Etnomatemática exige o forte
aspecto de uma compreensão da dinâmica cultural.
Ao focalizarmos esse aspecto contextual, recorremos à pesquisa que Klein e
Rodrigues (2019) apresentaram no Encontro Nacional de Educação Matemática -
ENEM, em que reuniram os vários contextos que emergiram de 12 investigações
realizadas por licenciandos da Universidade Federal do Tocantins. Contextos
esses que fizeram referência a comunidades campesinas, quilombolas e grupos
de artesão, entre outras. Segundo as autoras, de modo geral, essas pesquisas:


[...] possuem caráter etnográfico, descrevem todo processo desen-
volvido pelas pessoas em suas atividades/objetos pesquisado desde
a origem até o produto elaborado. Desses contextos, os pesquisado-
res buscaram identificar as ideias matemática presentes nos saberes
e fazeres das atividades diárias, na confecção e uso dos artefatos, nas
construções e nas relações de comércio entre as pessoas da comuni-
dade com o comércio da região (KLEIN; RODRIGUES, 2019, p. 7).

Escolhemos apresentar três das quatro atividades que as autoras apresentaram.


Essa escolha se justifica para que você possa enxergar e refletir sobre as possi-
bilidades de exploração do contexto e dos aspectos culturais, como fonte para a
problematização e abordagem pedagógica em sala de aula. Vejamos:

I. Processo de produção da farinha de mandioca


Conteúdos/conceitos matemáticos escolares: medidas de compri-
mento, área, conversão de medidas, estimativa, proporção.

188
UNICESUMAR

Contexto: Seu Diomar, morador da Comunidade Quilombola da


Lagoa da Pedra, Arraias - TO produz farinha de mandioca para
o consumo da sua família. O processo de produção inicia desde
a preparação do solo para o plantio das manivas (partes do cau-
le) da mandioca até a farinha pronta. Utiliza vários instrumentos e
medidas, como relatada por ele e apresentadas no quadro a seguir
(KLEIN; RODRIGUES, 2019, p. 8):

a) Em um terreno de 06 (seis) por 09 (nove) varas (uma vara significa uma


braça que representa 1 metro) produz-se aproximadamente uma tonelada
de raízes de mandioca; b) Em 1m², são plantados 04 (quatro) pés de man-
dioca; c) Um carro de boi carrega uma tonelada de raiz de mandioca (isso
equivale a 28 balaios ou 14 carrinhos de mão); d) Uma tonelada de raízes de
mandioca produz aproximadamente 170 kg de farinha; e) 500 kg de raízes
são suficientes para três fornadas de massa; f) Uma fornada com 15 litros de
massa leva, em média, 2 horas de torração e uma fornada com 30 litros de
massa leva em média 3 horas; g) Um saco de farinha possui aproximadamen-
te 80 litros (lata que continha óleo de soja) de farinha, o que corresponde a
50 kg de farinha; h) 01 (um) litro de farinha pesa aproximadamente 0,65 kg
(KLEIN; RODRIGUES, 2019, p. 8).

A partir das informações, as autoras propuseram as seguintes interrogações:


a) Represente a forma do terreno com as medidas que Seu Diomar
prepara para o cultivo da mandioca.

b) Para calcular a área de um terreno retangular devemos multipli-


car o comprimento pela largura. Assim, qual é a medida da área do
terreno onde foi plantado mandioca, em metros quadrado? Quantas
manivas são plantadas nesse terreno?

c) Quantos balaios de raízes de mandioca são produzidos nesse ter-


reno? Quantos balaios de mandioca necessita para 2h de torração
de massa?

d) Seu Diomar estima que uma tonelada de raízes de mandioca


produz aproximadamente 170 kg de farinha. Quanto, em litros, de
farinha obtém de produção?

189
UNIDADE 5

e) Um saco de farinhas possui aproximadamente 80 litros. Quantos


sacos de farinha podem ser produzidos com uma tonelada de raízes
de mandioca? (KLEIN; RODRIGUES, 2019, p. 8).

II. Processo de confecção do adobe e seu uso


Conteúdos/conceitos matemáticos escolares: medidas de compri-
mento, área e volume.

Contexto: Na Comunidade Quilombola Lagoa da Pedra, Arraias


– TO, as pessoas produzem o adobe (tipo de tijolo/cerâmica) para
construir casas. Para confeccionar o adobe é necessário barro (ar-
gila molhada), água, capim seco ou estrume de gado para dar liga
à massa. É feito a mistura e amassado com os próprios pés das pes-
soas até formar uma massa homogênea. O formato e tamanho do
adobe é moldado em formas de madeira com as seguintes medidas:
a forma simples (imagem 1), com 40 cm de comprimento, 16 cm de
largura e 12 cm de altura. A forma com divisória interna (imagem
2), medindo 44 cm de comprimento, 24 cm de largura e 10 cm de
altura e uma terceira forma apresenta 44 cm de comprimento, 40
cm de largura e 11 cm de altura (KLEIN; RODRIGUES, 2019, p. 11).

Figura 4 - Forma simples para Figura 5 - Forma com divisória Figura 6 - Secagem do adobe
confecção de adobe interna para confecção Fonte: Reges (2009 apud
Fonte: Reges (2009 apud do adobe. KLEIN; RODRIGUES, 2019,
KLEIN; RODRIGUES, 2019, Fonte: Reges (2009 apud p. 11).
p. 11). KLEIN; RODRIGUES, 2019, Descrição: na imagem, há
Descrição: na imagem, há uma p. 11). vários adobes em formato
forma simples de formato Descrição: na imagem, há uma retangular, posicionados um
retangular, para a produção forma com divisória ao meio ao lado do outro sob o chão.
do adobe (tijolo). para a produção do adobe.
A forma está no chão, em uma
região, aparentemente,
alagada.

Com base nessas informações, foram propostas as seguintes tarefas:

190
UNICESUMAR


a) Ao observar a imagem 1, vemos um dos modelos de formas uti-
lizados para a confecção do adobe. - Desenhe o formato da forma.
- Que figura geométrica melhor representa a forma? Argumente a
resposta com algumas características próprias. - Que outros obje-
tos você conhece que tem semelhança com a forma? - O que é um
paralelepípedo? - Quais são os elementos que o compõe?

b) O adobe (imagem 3) pode ser representado geometricamente pelo


sólido geométrico denominado paralelepípedo. Os elementos que
caracterizam um paralelepípedo são as faces (lados), arestas (segmen-
to de retas que une uma face a outra) e vértices (ponto que liga três
arestas) e ângulos internos (todos de 90º). Observando a imagem do
adobe, responda: - Possui quantas faces? - Possui quantos vértices? -
Possui quantas arestas? - Possui quantos ângulos de 90º?

c) Utilizando as dimensões do adobe simples, informado pelo Seu


Manoel: 40 cm de comprimento, 16 cm de largura e 12 cm de altu-
ra, calcule a quantidade de barro necessário para fazer um adobe
(KLEIN; RODRIGUES, 2019, p. 11-12).

III. Processo de elaboração da peta


Conteúdos/conceitos matemáticos escolares: Formas geométricas,
quantidade, instrumentos, unidades e transformação de medidas,
proporção, fração.

Contexto: D. Josefa, moradora da Comunidade Ponta da Serra, Ar-


raias – TO, produz a peta de araruta (biscoito de polvilho) para o
consumo da sua família. O processo de produção da peta segue
a receita fornecida por ela durante o fazer, em um momento que
antecedeu a uma festa organizada pela comunidade (KLEIN; RO-
DRIGUES, 2019, p. 12):

191
UNIDADE 5

Coloca-se 3 pratos de araruta em


uma bacia, em seguida em uma
panela, coloque um litro de água
e um de óleo na mesma quantida-
de, medidos em uma garrafa tipo
de cerveja. Leve ao fogo, quando
levantar fervura adicione aos poucos
essa mistura na araruta (o mesmo
que polvilho) e mexa bem para não
empelotar até formar uma massa
cozida. A massa está boa quando
você arriba ela para cima e ela desce
na forma de um canudinho.

Figura 7 - Modelando a Peta / Fonte: Xavier (2013 apud KLEIN; RODRIGUES, 2019, p. 12).

Descrição da Imagem: na imagem, há uma senhora com lenço vermelho na cabeça, segurando um saco
transparente preenchido mais da metade com uma massa que é utilizada para produção de Petas. Ela
está modelando as petas em uma forma em que já há 12 petas dispostas em formato circular. Ao lado,
temos a receita do biscoito: “Coloca-se 3 pratos de araruta em uma bacia, em seguida, em uma panela,
coloque um litro de água e um de óleo na mesma quantidade, medidos em uma garrafa tipo de cerveja.
Leve ao fogo, quando levantar fervura adicione aos poucos essa mistura na araruta (o mesmo que polvilho)
e mexa bem para não empelotar até formar uma massa cozida. A massa está boa quando você arriba ela
para cima e ela desce na forma de um canudinho.

A partir dessas informações relatadas pela Senhora Josefa, na fabricação da peta


(biscoito de polvilho), medidas e instrumentos para realizar essas medições são
utilizadas para “acertar” a quantidade de ingredientes para realizar a receita com
perfeição e sabor. Com vistas a elaborar um comparativo dessas medidas e ins-
trumentos de medida são apresentadas, no quadro a seguir, as diferentes medidas,
equivalências e a relação com as medidas convencionais utilizadas na elaboração
dos pratos típicos da culinária local.

Equivalência
Medidas não Equivalência Equivalência em quilogra-
convencionais em pratos em litros mas (medida
convencional)

1 prato 1 prato 2 litros 2 kg

192
UNICESUMAR

1 quarta 20 pratos 40 litros 40 kg

1 salamin 5 pratos 10 litros 10 kg

Quadro 2 - Diferentes medidas e suas equivalências


Fonte: Xavier (2013 apud KLEIN; RODRIGUES, 2019, p. 12).

Tomando como referência essas informações sobre a receita e as diferentes medidas e


equivalências utilizadas para fazer a peta, são propostos os seguintes questionamentos:


a) Como ficaria a receita da D. Josefa se utilizar medidas conven-
cionais? Reescreva.

b) D. Josefa faz peta para servir nos festejos da comunidade.

- Se ela utilizar na receita, 2 salamin de araruta para fazer peta, quan-


to equivale em quilogramas? - Qual o rendimento da receita?

c) A araruta é o ingrediente que serve como referência para o rendi-


mento da receita da Dona Josefa, ou seja, pela quantidade de araruta
sabe a quantidade dos demais ingredientes e o rendimento.

- Pesquise em sua família uma receita de um prato que tenha como


um dos ingredientes o polvilho doce (araruta). Identifique os instru-
mentos e as medidas utilizadas para medir a quantidade de polvilho
da receita e os demais ingredientes.

- Transcreva a receita pesquisada utilizando uma das medidas (a


que considerar mais adequada) do quadro 03. Analise o resultado
encontrado e socialize com os demais colegas (KLEIN; RODRI-
GUES, 2019, p. 12-13).

Caro(a) estudante, espero que você tenha compreendido com e a partir dessas
experiências e atividades que a prática contextualizada, tendo os fundamentos da
Etnomatemática como ação pedagógica, pode contribuir para uma ampliação
da visão que, na tradição, construímos sobre a Matemática. Ampliação essa que é
entendida como uma “janela cultural” para olharmos a matemática e pensarmos
a prática docente (COSTA et al., 2018).
Perceba que nos três relatos de práticas e nas propostas de atividades, para que
ocorra essa ampliação, o papel do professor foi essencial no desenvolvimento da

193
UNIDADE 5

prática educativa com Etnomatemática. Por que essencial? Porque, caso contrário, o
descuido ao deixar com que os estudantes pesquisem o que quiserem e relacionem
com o que bem entenderem, pode haver um esvaziamento das intencionalidades
pedagógicas, o que descaracteriza não só a Etnomatemática como uma ação peda-
gógica, mas todo o sentido educativo de ensinar e aprender Matemática.
Além desses modos de organizar e desenvolver a prática pedagógica conver-
gente à Etnomatemática, outra possibilidade que, por sinal, tem saltado aos olhos de
alguns pesquisadores em Educação Matemática se apoia no conceito de Etnomo-
delagem. De maneira geral, essa perspectiva de ação pedagógica encontra sentidos
numa combinação de aspectos da Etnomatemática com a Modelagem Matemática.

EXPLORANDO IDEIAS

Para que você possa conhecer um pouco mais sobre a Modelagem Matemática, traze-
mos algumas explorações conceituais que poderão ser aprofundadas em outras compo-
nentes curriculares do seu curso. Embora a Modelagem Matemática tenha as suas raízes
na Matemática Aplicada, aqui ela é concebida também como uma tendência da Educação
Matemática. De maneira geral, a Modelagem Matemática, nessa perspectiva, consiste na
problematização e investigação de uma situação, muitas vezes, não essencialmente ma-
temática, mas que faz uso de um ferramental matemático. Como resultado dessa investi-
gação se obtém uma representação matemática que convencionamos chamar de modelo
matemático. Assim, modelagem é a atividade de produzir um modelo. Na literatura, há
várias concepções sobre a Modelagem Matemática no ensino, seja como uma estratégia
de ensino, como uma alternativa pedagógica, uma metodologia, até como a configuração
de um ambiente de aprendizagem.

Dito de modo exemplar, Rosa e Orey (2003; 2010) argumentaram que a Etno-
modelagem consiste na conexão de aspectos etnomatemáticos (culturais) com
os da modelagem matemática (matemática acadêmica), fazendo uma analogia
em um dos seus textos com Vinho e Queijo e, também, em outro, com Alho e Sal.

194
UNICESUMAR

NOVAS DESCOBERTAS

Com esses títulos bastante convidativos, não poderíamos deixar de reco-


mendá-los para leitura!
Deixaremos, aqui, como sugestão para que você possa se aprofundar nas
leituras e estudos sobre Etnomodelagem, dois textos produzidos pelos pro-
fessores e pesquisadores, Prof. Dr. Milton Rosa e Prof. Dr. Daniel C. Orey.
Os textos são:
Vinho e Queijo: Etnomatemática e Modelagem! (2003).
Alho e Sal: Etnomatemática com Modelagem! (2010).
Podemos contar um segredo? Não são apenas os títulos convidativos, os
conteúdos desses textos são sensacionais.
Ótima leitura!

Como os autores supracitados apresentam a elaboração de etnomodelos, cabe aqui


expormos o entendimento por eles, já que essa abordagem visa a sua elaboração.


Etnomodelos podem ser entendidos como artefatos culturais, que
são instrumentos pedagógicos utilizados para facilitar o enten-
dimento e a compreensão de sistemas retirados da realidade de
grupos culturais distintos (ROSA; OREY, 2009). Nesse sentido, os
etnomodelos são representações externas precisas e consistentes
com o conhecimento científico, que é socialmente construído e
compartilhado pelos membros de grupos culturais específicos. De
acordo com essa perspectiva, o objetivo primordial para a elabora-
ção de etnomodelos é a tradução dos procedimentos envolvidos nas
práticas matemáticas presentes nos sistemas retirados da realidade,
que são sistemas simbólicos organizados pela lógica interna dos
membros desses grupos culturais (ROSA; OREY, 2012, p. 870).

Esses autores ainda classificam os etnomodelos em êmico, ético e dialógico que,


em linhas gerais, conceitualmente, podem ser distinguidos pela posição e inten-
ção que assumem os sujeitos que buscam compreender determinados fenômenos
investigados. Segundo Rosa e Orey (2012), quando assumimos esses constructos,
algumas implicações no campo da pesquisa precisam ser consideradas. Impli-
cações que, transitivamente, entendemos também penetrarem às nossas ações
enquanto (futuros) educadores quando optamos por planejar práticas que visam

195
UNIDADE 5

o estudo e construção de etnomodelos. Por essa razão, passemos a uma exposição


do que esses autores compreendem por essas tipificações de etnomodelos.

[...] a análise êmica concentra-se em uma única cultura, empregan-


do métodos prescritivos e qualitativos para o estudo de uma prática
matemática que seja de interesse ético. Assim, o foco dessa ação
está no estudo do contexto interno do grupo cultural, no qual
os pesquisadores e investigadores desenvolvem os critérios de
pesquisa em relação às características internas e à lógica do siste-
ma de conhecimento desenvolvido pelo grupo. Nessa perspectiva,
o significado é adquirido em relação ao contexto e, portanto, não
é facilmente transferível para outras contextualizações culturais
(grifos nossos).

[...] a ética quando, no exame de práticas matemáticas culturais e


distintas, existe a utilização de métodos padronizados de pesqui-
sa (LETT, 1996). Nesse sentido, a abordagem ética procura identifi-
car as relações e explicações causais que são válidas em diferentes
contextos culturais. Assim, se os pesquisadores e investigadores
desejam elaborar afirmações sobre os aspectos universais ou éti-
cos do conhecimento matemático, essas declarações devem ser
redigidas de maneira abstrata (grifos nossos).

[...] abordagem ética pode ser uma maneira de chegarmos à abor-


dagem êmica das práticas matemáticas desenvolvidas nos grupos
culturais. Dessa forma, a abordagem ética pode ser útil para que
possamos penetrar, descobrir e elucidar os sistemas êmicos que
foram desenvolvidos nesses grupos. Então, uma vez que os concei-
tos tradicionais das abordagens êmica e ética são importantes para
que possamos entender e compreender as influências culturais nos
modelos matemáticos, propomos uma abordagem diferenciada para
a pesquisa em etnomatemática e modelagem por meio da etnomo-
delagem. [....] uma relação dialética na qual se podiam evidenciar
as interdependências, os entrecruzamentos e as complementa-
ridades entre essas duas abordagens, pois, nesse caso, o êmico

196
UNICESUMAR

é parte do ético e o ético é parte do êmico (grifos nossos) (ROSA;


OREY, 2012, p. 872).

Note que, quando nos “aventuramos” em compreender elementos da cultura do


outro, colocando-nos na posição dele, isto é, considerando características que
são importantes para o indivíduo, falamos de uma abordagem êmica. Já a ética
consiste na tradução desses elementos para o repertório de conhecimentos do
observador, isto é, parece haver uma recontextualização de elementos. A aborda-
gem dialógica vislumbra uma superação dessas anteriores, tentando relacioná-las.
Por que isso se mostra importante no contexto de nossa formação?
Certamente, quando nos aproximamos da Etnomatemática como uma ação pe-
dagógica, não podemos negligenciar o modo de pensar do outro, mas também
temos o desafio de mostrar-lhes outros modos de pensar, tornando uma prática
pedagógica holística e abrangente. Está instaurado, portanto, uma jornada de
reflexões para analisarmos o quanto de cada uma dessas abordagens ou a arti-
culação entre elas influenciam as relações entre ensinar e aprender matemáticas.
Considerando que esses etnomodelos são, portanto, artefatos culturais, isto
é, representações que envolvem práticas culturais combinadas com uma lingua-
gem matemática, entendemos ser relevante exemplificar algumas construções
desses etnomodelos que, na nossa compreensão, podem se revelar em possíveis
explorações para a prática pedagógica. Abordaremos, aqui, duas ideias que, à luz
da literatura, são consideradas explorações matemáticas sob essa perspectiva.
A primeira delas é apresentada na pesquisa de Rosa e Orey (2003). Esses autores
apresentaram o estudo de aspectos culturais recorrendo ao processo de modelagem.
O exemplo apresentado por eles se refere às cabanas típi dos índios sioux.
Esses autores argumentaram que opção por cabanas sustentadas por uma
fundação tripé e não quadripé, advém da localização geográfica que habitam essas
tribos, pois, nas grandes planícies norte americanas, os ventos fortes constantes
exigem moradias resistentes e, ao longo da historicidade desses povos, o enfren-
tamento de situações que permitem explicar a sua própria realidade, permitiu
compreenderem que uma cabana sustentada por tripé além de ser mais resistente
é estável e leve para caso haja a necessidade de transportá-la.
Quanto a esse fator resistência, é possível interpretá-lo por meio da matemá-
tica. Imaginemos:

197
UNIDADE 5


[...] três pontos não colineares denominados A, B e C. Existe um
número infinito de planos que passam pelos pontos A e B e que
contêm a reta AB. Porém, apenas um desses planos também passa
pelo ponto C. Portanto, podemos afirmar que três pontos colineares
determinam um plano e que um plano também pode ser deter-
minado por uma reta e um ponto localizado fora dessa reta. [...]
Geometricamente, esse fato pode ser explicado com a utilização do
postulado do plano, que estabelece que dados três pontos quaisquer,
não colineares, existe um único plano no qual esses mesmos três
pontos estão localizados (ROSA; OREY, 2012, p. 873-874).

Essa compreensão pode ser melhor compreendida por meio das represen-
tações que seguem, em que podemos visualizar a determinação do plano
(Figura 8A), a estruturação da cabana (Figura 8B) e o encontro do centroide
ou baricentro (Figura 8C), determinado pelas medidas dos lados do triângulo
delimitado na base no cabana:

198
UNICESUMAR

Figura 8B - Construção da
Figura 8A cabana Tipi Figura 8C - Centroide ou
Determinação de Fonte: Rosa e Orey (2012, p. 874). baricentro do triângulo
Descrição: na imagem, há a
um plano representação do esqueleto de uma ABC
Fonte: Rosa e Orey (2012, cabana Tipi. Na base, tem a Fonte: Rosa e Orey (2012,
p. 873). representação de uma circunferência
p. 874).
pontilhada. Sob ela, marcados três
Descrição: na imagem, há pontos (A, B e C), que interligados Descrição: na imagem, há
um plano α (alfa), por segmentos pontilhados, a determinação de um
constitui um triângulo. Em cada
determinado pela reta AB, vértice do triângulo, projetando para centroide na
e um ponto C fora dela. cima, há uma vareta inclinada, em representação de um
que as três se entrecruzam no centro,
formando o ápice da cabana. triângulo ABC, cujas as
Também está representada uma medianas são AM, CP e
corda, dependurada, que vai do topo
até a base, no centro da cabana.
BN.

Figura 8 - Determinação do plano, construção da cabana e encontro do centroide ou baricentro


Fonte: Rosa e Orey (2012, p. 873-874).

Descrição da Imagem: a figura apresenta as imagens 8A, 8B e 8C descritas no texto. Imagem 8A: na ima-
gem, há um plano a (alfa), determinado pela reta AB, e um ponto C fora dela. Imagem 8B: na imagem, há
a representação do esqueleto de uma cabana Tipi. Na base, tem a representação de uma circunferência
pontilhada. Sob ela, marcados três pontos (A, B e C), que interligados por segmentos pontilhados, constitui
um triângulo. Em cada vértice do triângulo, projetando para cima, há uma vareta inclinada, em que as três
se entrecruzam no centro, formando o ápice da cabana. Também está representada uma corda, depen-
durada, que vai do topo até a base, no centro da cabana. Imagem 8C: na imagem, há a determinação de
um centroide na representação de um triângulo ABC, cujas as medianas são AM, CP e BN.

Nesse exemplo, fica explícito que conhecimentos e saberes matemáticos se di-


fundem no agir desses povos, delegando especificidades que se materializaram,
ao longo da história, como um repertório de práticas culturais. Temos, portanto,
um belo exemplo de um etnomodelo dialógico, na medida em que essa prática
nos permite lê-la sob uma perspectiva da matemática acadêmica, evidenciando
uma comparação na utilização dos conceitos matemáticos.
Outro exemplo que evidencia a elaboração de etnomodelos é apontado por Cor-
tes (2017), quando desenvolveu uma pesquisa com estudantes que ocorreu em uma
escola pública e em uma feira livre na região metropolitana de Belo Horizonte - MG.

199
UNIDADE 5

Com o objetivo de ressignificar o conhecimento sobre funções de estudantes


do 2º ano do Ensino Médio, o autor desenvolveu vários empreendimentos, os
quais caracterizaram a elaboração de etnomodelos dialógicos. Essa elaboração
revelou que a Etnomodelagem propiciou uma abordagem integradora do currí-
culo matemático escolar, na medida em que os estudantes e professores puderam
relacionar conhecimentos matemáticos, êmicos e éticos.
A elaboração do etnomodelo dialógico, nesse contexto, foi após a visita à feira,
tendo contato direto com o estilo de atividade laboral que o feirante desenvolvia,
após a realização de atividades êmicas e éticas, bem como a realização de semi-
nários. A proposta vivenciada por 36 estudantes, consistiu em uma sequência de
tarefas, que iniciou com a escolha, por eles, de uma das mercadorias que o feirante
comercializava. Essa escolha foi condicionada pelas informações da seguinte
tabela elaborada pelo autor, com base nas informações coletadas nos Centrais
de Abastecimento - CEASA de Minas Gerais no ano de 2016:

Preço de custo Apro- Kg por caixa/Embala-


Mercadoria
ximado gem

Quiabo R$ 48,00 12

Chuchu R$ 24,70 19

Cebola R$ 50,00 20

Inhame R$ 38,00 19

Mandioca R$ 24,00 24

Tomate R$ 40,00 20

Quadro 3 - CEASA/MG – 03/05/2016. / Fonte: Cortes (2017, p. 140).

Na análise do autor, para a elaboração do etnomodelo, grande parte dos estudan-


tes apontaram que as escolhas foram influenciadas pelas suas percepções oriun-
das da vivência com o ambiente cultural – a feira e o feirante. A mercadoria mais
escolhida foi a cebola, seguida da mandioca, do tomate, do quiabo, entre outros;
quanto à forma de venda (quilograma, caixa ou sacola) mais rentável, a escolhida
por eles (90% dos estudantes) foi a venda por quilogramas. Justificaram que as
“[...] rentabilidades das vendas estão relacionadas com a facilidade em operar,

200
UNICESUMAR

e incluir preço da embalagem à obtenção de um lucro razoável, com o retorno


financeiro, com a cobertura dos gastos e despesas” (CORTES, 2017, p. 142).
Após definirem essas variáveis que implicaria na construção de uma repre-
sentação para a situação, a próxima tarefa consistiu na elaboração de um modelo
que traduzisse, portanto, a situação que eles vinham definindo, isto é, a relação
entre as grandezas envolvidas. A tarefa se complementava com o estudo desse
modelo, observando o tipo de função, o seu comportamento e as características
que permitiam tais inferências como respostas.
Em seguida, os estudantes deveriam elaborar uma tabela relacionando Do-
mínio (D) e Imagem (Im) da função por eles estabelecida, bem como o esboço
gráfico do modelo, tendo em vista a sua representação de venda da mercadoria
escolhida. Para essas tarefas, a análise das respostas pelo pesquisador mostrou
que “[...] 33 (91,7%) participantes relacionaram corretamente as grandezas massa,
embalagem e preço com o conceito de Domínio e Imagem” (CORTES, 2017, p.
143) e que, 25 participantes apresentaram o gráfico corretamente, porém, poucos
destes, um gráfico, conforme a representação a seguir, um modelo linear discreto.

Figura 9 - Gráfico apresentado por um dos participantes / Fonte: Cortes (2017, p. 145).

Descrição da Imagem: na imagem, há duas representações de planos cartesianos. Uma sendo o registro
do estudante e a outra uma reprodução dela, a fim de melhor visualizar os valores. O plano cartesiano
evidencia a representação de uma função discreta, cuja lei de formação é y(x) = 50.x. Estão sinalizados os
pares ordenados (1,50), (2,100), (3,150), (4, 200), (5, 250), (6, 300) e (7,350).

201
UNIDADE 5

A partir da elaboração desse etnomodelo, é possível inferir que mesmo os es-


tudantes não tendo conhecimento de uma representação como essa, porque o
conteúdo programático não introduziu funções discretas, isso não se configurou
como um impasse para o desenvolvimento da atividade, pelo contrário, parece
ter contribuído para o que indica uma ressignificação do conceito de Função
favorecida pelo contexto da atividade. Segundo Cortes (2017, p. 179), ele “[...]
emergiu naturalmente durante o contato do conhecimento matemático ético dos
participantes com o conhecimento matemático êmico do feirante”.

NOVAS DESCOBERTAS

Deixemos, aqui, outra sugestão para que você possa analisar um rol de ati-
vidades que foram elaboradas por Cortes (2017) e apresentadas no produto
educacional intitulado “Etnomodelos como uma Ação Pedagógica: Suges-
tões para a Prática Docente em Sala de Aula”. O autor apresentou algumas
compreensões sobre etnomodelos êmicos, éticos e dialógicos,bem como
três blocos de atividades que, na compreensão dele, são convergentes a
cada um desses etnomodelos.

Bem, caro(a) estudante, com base nessas explorações, é possível inferirmos que, para
uma abordagem pedagógica, várias possibilidades coexistem. Nesse sentido, parece
saudável sustentar o que Rosa e Orey (2012) argumentam sobre uma abordagem
dialética para o desenvolvimento do currículo a partir da Etnomodelagem:


Um currículo matemático escolar baseado na perspectiva da etno-
matemática combina os elementos-chave do conhecimento local
com os da academia em uma abordagem dialética, permitindo que
os alunos gerenciem a produção do conhecimento e dos sistemas
de informações extraídas da própria realidade, e apliquem criativa-
mente esse conhecimento em outras situações. Existe a necessidade
de optarmos por uma abordagem integradora do currículo, que
além de considerar a abordagem êmica, reconhece que também é
preciso considerar os dados éticos, desde que nos comprometamos
com a busca de uma compreensão holística e abrangente sobre as
informações culturais (ROSA; OREY, 2012, p. 876).

202
UNICESUMAR

Em certo sentido, a Etnomodelagem parece se mostrar como uma possibilidade


frutífera para que o currículo escolar seja desenvolvido sob uma perspectiva
que é compartilhada por aqueles que defendem a bandeira de uma Educação
Matemática. Ao mesmo tempo que pode parecer a Etnomodelagem se revelar
como uma mistura de abordagens, você pôde ver que ela apresenta as suas espe-
cificidades, quase que como um desdobramento de uma perspectiva mais ampla
como é a Etnomatemática.
Então, frente a tantas ideias apresentadas, cabe a você escolher, segundo as
particularidades do seu contexto e de seus estudantes, que elementos você pode
combinar para exercer a sua atividade profissional e garantir que os seus estu-
dantes tenham uma aprendizagem dos conceitos matemáticos de modo crítico
e reflexivo, sobretudo, para que ele desempenhe o seu papel como cidadãos em
uma sociedade cheia de desafios, plural e em constante transformação.
Caro(a) estudante, para este momento, após uma vivência teórica e especu-
lativa sobre experiências exitosas apoiadas em Etnomatemática, convido você
a colocar em prática os conhecimentos e saberes elaborados até aqui, com essa
atividade que vou lhe propor, adaptada de Domite (2011).
Para isso, imagine-se no ambiente profissional e coloque-se no lugar do Pro-
fessor Mário. Ressalto que esse episódio é verídico, o que fortalece a importância
de situações como essas serem inseridas em seu processo formativo.

Prof. Mário: “Como vocês fazem o cálculo 125 dividido por 8?”

José (aluno): “Nós somos mais ou menos 10 ‘caras’, quase todo dia, alguns
meninos e algumas meninas. Daí, dividimos assim: mais para as meninas que
são mais responsáveis que os meninos, mais para os maiores do que para
os menores”.

Prof. Mário: “Dê um exemplo José. Como foi a divisão ontem ou anteontem?”.

José (aluno): “Ah! Assim... eram 4 meninas, 1 é das pequenas; 6 meninos


grandes e 2 mais ou menos pequenos. Então nós éramos 12 e os chicletes
eram 60. Daí, foi dado metade e metade, um pouco mais para as meninas. A

203
UNIDADE 5

menina pequena ficou com 3 e as outras com 6 ou 7, eu não me lembro bem...


Os meninos...” (DOMITE, 2011, p. 65 - 66).

Após esse breve diálogo ocorrido entre o professor Mário e o aluno José que
vendia chicletes num farol próximo à escola, pergunto:
Você, na condição do professor Mário, como encaminharia ou continuaria as
situações em sala de aula, ao pretender ensinar a operação de divisão, a partir do co-
nhecimento prévio de seus alunos, em um curso de educação para jovens e adultos?

204
Visando a sua formação profissional docente, convido você para finalizarmos os
estudos desta unidade, a elaborar um Mapa Mental estabelecendo relações con-
ceituais entre alguns termos que, na sua compreensão, revelaram-se importantes
à prática pedagógica apoiada em Etnomatemática.
O objetivo dessa atividade avaliativa é que, com ela, você possa refletir sobre os
conceitos, temas, exemplos, atividades, enfim, todo o seu know-how construído
com essa disciplina, envolvendo Etnomatemática como possibilidade de prática
pedagógica nos ambientes educacionais.
Um start para a realização dessa atividade é que você comece a esclarecer que
relação o Programa Etnomatemática tem com a Etnomatemática como Ação Peda-
gógica. A partir disso, você poderá estabelecer outros conceitos que, certamente,
ajudarão a compreendê-la. Destaco que, para isso, você também poderá utilizar
de alguns conectivos, sabe como ocorre na construção de um mapa conceitual?
Então, talvez eles possam facilitar a sua elaboração.
Uma sugestão para que você possa iniciar o seu Mapa Mental é:

AÇÃO
PROGRAMA ETNOMATEMÁTICA PEDAGÓGICA
DE
PESQUISA

Aproveite esse momento e relacione todo o seu aprendizado.

205
UNIDADE 1

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208
UNIDADE 3

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210
UNIDADE 4

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UNIDADE 5

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quem não aprende?: A teoria. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

213
UNIDADE 1

1. A. A Didática da Matemática é uma área que surge da necessidade de encontrar


caminhos para enfrentar as dificuldades encontradas no processo de ensinar e
aprender os conceitos dessa área de conhecimento (a Matemática), considerando as
especificidades desta Ciência. Nesse sentido, há uma relação entre o conhecimento
da Psicologia sobre como o sujeito aprende e a particularidade do conhecimento
matemático.

2. D. A afirmativa III é falsa, pois a disciplina de Prática de Ensino se preocupa em conciliar


teoria e prática, tendo-a como unidade, portanto, toda prática bem empreendida é
portadora de uma teoria.

3. D.A afirmativa I é falsa, pois, teoricamente, o modelo explicitado enquanto prática


não contribui para o estabelecimento de relações.

UNIDADE 2

1. História DA Matemática. Trata da construção do conhecimento matemático, saber


qual foi o problema originário de um determinado conceito, qual o percurso, qual
o contexto. Por exemplo, saber que o cálculo diferencial foi estabelecido quase que
simultaneamente por Newton e Leibniz, embora partissem de problemas originais
diferentes.

História NA Educação Matemática. Trata-se da utilização da História em geral ou


da História da Matemática como estratégia didático pedagógica para o ensino de
Matemática. Como exemplo, utilizar situações semelhantes às vivenciadas pelo ma-
temático Tales (como na história do naufrágio), para criar condições semelhantes às
originais e fazer emergir o conhecimento matemático.

História DA Educação Matemática. Trata-se de conhecer a história do ensino de


Matemática. Exemplos desses estudos são as análises da evolução de livros didáticos
ao longo do tempo.

214
2. Alternativa E. A contextualização do saber consiste em um convite ao estudante para
o processo de aprender com significado. Contudo, o processo de descontextualização
também é relevante porque favorece a generalização, isto é, a abstração do conceito
para que, em outras situações, o estudante possa aplicá-lo, a fim de solucionar os
problemas emergentes. Por essa razão, ensinar e aprender Matemática na escola
exige o desafio de realizar uma abordagem interessante, que causa a curiosidade e,
ao mesmo tempo, permita a compreensão.

3. Alternativa A. Por meio de situações cujos efeitos sejam semelhantes àquelas que de-
ram origem as noções ou conceitos é que o estudante desenvolverá uma compreensão
sobre o conteúdo e outras situações em que ele poderá mobilizar o conhecimento
construído para solucioná-las.

4. Subjetiva, porém, um ponto importante a ser destacado é que, conhecendo a Histó-


ria DA Matemática, é possível ao professor conhecer a gênese do conhecimento em
questão e explicar aos alunos qual a origem, podendo então formular problemas que
reproduzam o mesmo efeito dos problemas originais para favorecerem a construção
do conhecimento matemático pelo aluno.

5. Espera-se que o futuro profissional tenha compreendido que a investigação histórica


se mostra como uma possibilidade didática, isto é, pressupõe a compreensão desses
aspectos pelo professor para que, por meio da sua intervenção, ele proponha um
processo de ensino e aprendizagem que favoreça o desenvolvimento de habilidades
matemáticas, pois quando convida o estudante a investigar, selecionar e interpretar
dados, situações e contextos históricos, exige dele o pensamento reflexivo, crítico e
analítico.

UNIDADE 3

1. A. As afirmações I e II são corretas e uma justifica a outra.

2. C. O professor optou pelo desenvolvimento de um problema de vertente histórica


para problematizar o conteúdo de equações. A dinâmica poderia ser outra, mas fica
evidente que a interpretação da situação em trechos, aliada à mediação do professor,
contribuiu para uma resolução coletiva da situação-problema.

215
3. Conforme o enunciado, é preciso ajudá-lo a escolher o caminho para os seguintes dias:

a. Sexta-feira com sol (R:50 minutos pela balsa).


b. Quarta-feira com chuva (R: uma hora pela ponte móvel).
c. Terça-feira com sol (R:15 minutos pela expressa).
d. Quinta-feira com sol (R: uma hora e 5 minutos pela ponte móvel).
e. Quinta-feira com chuva (R:55 minutos pela ponte móvel).
f. O que explica o fato de se levar menos tempo para ir ao trabalho na quinta-feira
com chuva do que com sol? (R: Poder transitar pelo trecho em obras e se livrar os
semáforos).
g. Das situações apresentadas, qual dia que o senhor Traba pode sair mais tarde de
casa sem chegar atrasado ao trabalho? Qual deve sair mais cedo? (R:3ª e 4ª com sol,
5ª com sol).
h. Baseando-se nas informações do mapa e do texto, de quais fatores o senhor Traba
depende para escolher o trajeto para o trabalho? (R: Do clima, do dia da semana).
i. Existem outros fatores, diferentes dos considerados pelo texto e mapa, que o senhor
Traba poderia depender para chegar no horário em seu trabalho? Cite alguns. (R: O
trânsito nas ruas, um acidente durante o percurso...).

UNIDADE 4

Avaliação - Em relação ao mapa de empatia, espero que você, estudante, avalie


criticamente o que considera relevante, frente aos estudos, aos diálogos e as suas
concepções sobre ensinar e aprender Matemática.

O incômodo de muita gente, e que ainda precisamos superar, é a resistência à abor-


dagem Etnomatemática. Nesse sentido, proponho que você avalie o que ouve, o que
sabe, o que pensa, os benefícios e as desvantagens sobre ela. Sabemos que algumas
pessoas acreditam que sacrificar a aprendizagem em virtude de vencer o currículo
seja uma escolha inteligente.

Contudo, o que é proposto por esse e outras tendências da Educação Matemática


não é negligenciar o currículo, mas se abrir para um outro modo de desenvolvê-lo,
trazendo os aspectos socioculturais e conhecimentos prévios, científicos e de vida,
para a prática formativa.

Deixo aqui essas reflexões que poderão te ajudar a pensar nessas questões. Boas
reflexões!

216
UNIDADE 5

Caro(a) estudante, sugiro que, para a elaboração do seu Mapa Mental, você pense
nos elementos que subsidiaram a elaboração das atividades e práticas apresentadas
nesta unidade, estabelecendo relações com o que foi apresentado em nossa unidade
anterior.

Note que, a Etnomatemática enquanto Programa de Pesquisa, há uma compreensão


da prática sustentada pelo grupo cultural. Por outro lado, essa atividade compreensiva
parece uma condição para que ocorra uma imersão no contexto cultural, econômico,
social, entre outros. A partir de então, concebendo-a como uma ação pedagógica,
temos perspectivas de Etnomatemática, por exemplo, aquela que explora o pensa-
mento matemático compartilhado na prática empreendida, e outra, que combina a
matemática cultural com a matemática acadêmica.

Lembre-se que a intencionalidade pedagógica é o que vai sustentar a prática desenvol-


vida. Diante disso, reflita que outros conceitos foram abordados nas unidades e que
conduzem reflexões sobre a Etnomatemática. Por exemplo, como essas perspectivas
de Etnomatemática se articulam à construção de etnomodelos?

217

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