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CAPOEIRA

PROFESSORES
Me. Reginaldo Calado de Lima

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CAPOEIRA

NEAD - Núcleo de Educação a Distância


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Cep 87050-900 - Maringá - Paraná - Brasil
www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360

C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância;


LIMA, Reginaldo Calado de.
Capoeira. Reginaldo Calado de Lima
Maringá - PR.:Unicesumar, 2019.
205 p.
“Graduação em Educação Física - EaD”.
1. Capoeira . 2. Cantigas . 3. EaD. I. Título.

ISBN 978-85-459-1836-3 CDD - 22ª Ed. 796.81


Impresso por: CIP - NBR 12899 - AACR/2
Ficha Catalográfica Elaborada pelo Bibliotecário
João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828

DIREÇÃO UNICESUMAR
Reitor Wilson de Matos Silva, Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho, Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor
Kendrick de Matos Silva, Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin, Presidente da Mantenedora Cláudio
Ferdinandi.

NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff, James Prestes, Tiago Stachon, Diretoria de Graduação e Pós-graduação Kátia
Coelho, Diretoria de Permanência Leonardo Spaine, Diretoria de Design Educacional Débora Leite, Head de Produção
de Conteúdos Celso Luiz Braga de Souza Filho, Head de Curadoria e Inovação Tania Cristiane Yoshie Fukushima,
Gerência de Produção de Conteúdo Diogo Ribeiro Garcia, Gerência de Projetos Especiais Daniel Fuverki Hey, Gerência
de Processos Acadêmicos Taessa Penha Shiraishi Vieira, Gerência de Curadoria Carolina Abdalla Normann de Freitas,
Supervisão de Produção de Conteúdo Nádila Toledo.
Coordenador(a) de Conteúdo Mara C R Lopes, Projeto Gráfico José Jhonny Coelho, Editoração Humberto
Garcia da Silva, Designer Educacional Ana Claudia Salvadego, Revisão Textual Ariane Andrade Fabreti,
Ilustração Ilustrador, Fotos Shutterstock.

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Wilson Matos da Silva
Reitor da Unicesumar

Em um mundo global e dinâmico, nós trabalhamos IGC 4 em 7 anos consecutivos. Estamos entre os 10
com princípios éticos e profissionalismo, não maiores grupos educacionais do Brasil.
somente para oferecer uma educação de qualidade, A rapidez do mundo moderno exige dos educadores
mas, acima de tudo, para gerar uma conversão soluções inteligentes para as necessidades de todos.
integral das pessoas ao conhecimento. Baseamo- Para continuar relevante, a instituição de educação
nos em 4 pilares: intelectual, profissional, emocional precisa ter pelo menos três virtudes: inovação,
e espiritual. coragem e compromisso com a qualidade. Por
Iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos de isso, desenvolvemos, para os cursos de Engenharia,
graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de 100 mil metodologias ativas, as quais visam reunir o melhor
estudantes espalhados em todo o Brasil: nos quatro do ensino presencial e a distância.
campi presenciais (Maringá, Curitiba, Ponta Grossa Tudo isso para honrarmos a nossa missão que é
e Londrina) e em mais de 300 polos EAD no país, promover a educação de qualidade nas diferentes áreas
com dezenas de cursos de graduação e pós-graduação. do conhecimento, formando profissionais cidadãos
Produzimos e revisamos 500 livros e distribuímos mais que contribuam para o desenvolvimento de uma
de 500 mil exemplares por ano. Somos reconhecidos sociedade justa e solidária.
pelo MEC como uma instituição de excelência, com Vamos juntos!
boas-vindas

Willian V. K. de Matos Silva


Pró-Reitor da Unicesumar EaD

Prezado(a) Acadêmico(a), bem-vindo(a) à A apropriação dessa nova forma de conhecer


Comunidade do Conhecimento. transformou-se hoje em um dos principais fatores de
Essa é a característica principal pela qual a Unicesumar agregação de valor, de superação das desigualdades,
tem sido conhecida pelos nossos alunos, professores propagação de trabalho qualificado e de bem-estar.
e pela nossa sociedade. Porém, é importante Logo, como agente social, convido você a saber cada
destacar aqui que não estamos falando mais daquele vez mais, a conhecer, entender, selecionar e usar a
conhecimento estático, repetitivo, local e elitizado, mas tecnologia que temos e que está disponível.
de um conhecimento dinâmico, renovável em minutos, Da mesma forma que a imprensa de Gutenberg
atemporal, global, democratizado, transformado pelas modificou toda uma cultura e forma de conhecer,
tecnologias digitais e virtuais. as tecnologias atuais e suas novas ferramentas,
De fato, as tecnologias de informação e comunicação equipamentos e aplicações estão mudando a nossa
têm nos aproximado cada vez mais de pessoas, lugares, cultura e transformando a todos nós. Então, priorizar o
informações, da educação por meio da conectividade conhecimento hoje, por meio da Educação a Distância
via internet, do acesso wireless em diferentes lugares (EAD), significa possibilitar o contato com ambientes
e da mobilidade dos celulares. cativantes, ricos em informações e interatividade. É
As redes sociais, os sites, blogs e os tablets aceleraram um processo desafiador, que ao mesmo tempo abrirá
a informação e a produção do conhecimento, que não as portas para melhores oportunidades. Como já disse
reconhece mais fuso horário e atravessa oceanos em Sócrates, “a vida sem desafios não vale a pena ser vivida”.
segundos. É isso que a EAD da Unicesumar se propõe a fazer.
boas-vindas

Kátia Solange Coelho


Janes Fidélis Tomelin Diretoria de Graduação
Pró-Reitor de Ensino de EAD
e Pós-graduação

Débora do Nascimento Leite Leonardo Spaine


Diretoria de Design Educacional Diretoria de Permanência

Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está de maneira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja,
iniciando um processo de transformação, pois quando estes materiais têm como principal objetivo “provocar
investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta
profissional, nos transformamos e, consequentemente, forma possibilita o desenvolvimento da autonomia
transformamos também a sociedade na qual estamos em busca dos conhecimentos necessários para a sua
inseridos. De que forma o fazemos? Criando formação pessoal e profissional.
oportunidades e/ou estabelecendo mudanças capazes Portanto, nossa distância nesse processo de crescimento
de alcançar um nível de desenvolvimento compatível e construção do conhecimento deve ser apenas
com os desafios que surgem no mundo contemporâneo. geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos
O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita.
Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo Ou seja, acesse regularmente o Studeo, que é o seu
este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos
se educam juntos, na transformação do mundo”. fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe
Os materiais produzidos oferecem linguagem das discussões. Além disso, lembre-se que existe
dialógica e encontram-se integrados à proposta uma equipe de professores e tutores que se encontra
pedagógica, contribuindo no processo educacional, disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em
complementando sua formação profissional, seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe
desenvolvendo competências e habilidades, e trilhar com tranquilidade e segurança sua trajetória
aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, acadêmica.
autor

Professor Me. Reginaldo Calado de Lima


Doutorando em Educação Física pelo Programa de Pós-Graduação em Educação
Física Associado UEM/UEL. Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Gradua-
ção em Educação da Universidade Estadual de Maringá - PPE/UEM. Graduação
em Educação Física - Licenciatura/Bacharelado pelo Centro Universitário de
Maringá - Unicesumar. Professor assistente do Departamento de Educação
Física - DEF da Universidade Estadual de Maringá - UEM. Pesquisador integrante
do Grupo de Pesquisa Corpo, Cultura e Ludicidade GPCCL/CNPQ. Desenvolve
pesquisa acerca da relação entre capoeira e Educação Física, sobretudo no
que tange o desenvolvimento e a abordagem desta manifestação cultural no
contexto escolar.
<http://lattes.cnpq.br/3396790957668600>
apresentação do material

CAPOEIRA
Reginaldo Calado de Lima

Olá, caro(a) aluno(a), seja bem-vindo(a)!


Iniciaremos os nossos estudos acerca da capoeira, manifestação possuidora de
uma racionalidade bastante distinta de outras práticas corporais. Neste sentido,
este material que você tem em mãos não foi preparado com o intuito de lhe ensinar
a jogar capoeira, ou seja, não temos a intenção de formar capoeiristas, mas sim,
lhe apresentar a estrutura da capoeira por meio de seus elementos constitutivos.
Desta forma, esperamos que você, prezado(a) aluno(a), uma vez formado(a),
ao se deparar com a necessidade da abordagem da capoeira, seja na escola, durante
as aulas de Educação Física, ou em outros espaços, sinta-se à vontade, mas, so-
bretudo, sinta-se capacitado(a) para tal abordagem. Para que atinjamos os nossos
objetivos, estruturamos este livro em cinco unidades.
Na Unidade 1, discutiremos o desenvolvimento histórico da capoeira, refleti-
remos acerca da percepção que temos dessa manifestação, analisaremos algumas
teorias quanto às suas origens, transitaremos por períodos distintos, desde o que
promoveu o processo de criminalização da capoeira até as iniciativas para a sua
ascensão social.
Nossa atenção, na Unidade 2, será direcionada às vertentes e aos estilos de
capoeira, ou seja, as diferentes formas pelas quais essa prática corporal tem sido
organizada e representada. Assim, conheceremos a capoeira Angola de mestre Pasti-
nha e a capoeira Regional de mestre Bimba, dois estilos consolidados, mas também
conheceremos o que se tem convencionado chamar de capoeira Contemporânea.
O repertório gestual da capoeira será o nosso objeto de análise na Unidade
3, na qual conheceremos alguns dos gestos técnicos característicos da capoeira.
Na Unidade 4, serão apresentados elementos referentes aos instrumentos, às
cantigas e à roda de capoeira. Conheceremos os instrumentos presentes na capoeira,
as suas funções e como são organizados. Quanto às cantigas, nos ocuparemos de
conhecer os diferentes tipos e as suas respectivas estruturas.
Na quinta e última unidade, apresentaremos algumas experiências quanto à
possibilidade de abordagem prática e pedagógica dos elementos constitutivos da
capoeira.
Esperamos, com a elaboração deste material, que este venha a contribuir para
que você, caro(a) aluno(a), aproprie-se de saberes básicos acerca dessa prática
corporal, contribuindo, desta forma, com a sua formação profissional.
Desejo-lhe, desde já, ótimos estudos!
sum ário

UNIDADE I 133 Considerações finais


DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA CAPOEIRA
138 Referências
14 Luta, Jogo, Dança, Esporte... Afinal, o Que é a
139 Gabarito
Capoeira?
20 As Origens da Capoeira
UNIDADE IV
26 Capoeira, uma Atividade Criminosa OS INSTRUMENTOS, AS CANTIGAS E A RODA DE CAPOEIRA
30 Ascensão Social da Capoeira 144 Os Instrumentos Característicos da Capoeira
35 Considerações finais 152 Bateria: o Conjunto de Instrumentos da Ca-
40 Referências poeira
42 Gabarito 156 As Cantigas de Capoeira e a sua Estrutura
162 A Roda, o Momento de Expressão da Capoeira
UNIDADE II 165 Considerações finais
VERTENTES E ESTILOS DE CAPOEIRA
171 Referências
48 A Capoeira Angola de Mestre Pastinha
173 Gabarito
52 A Capoeira Regional de Mestre Bimba
64 Capoeira Contemporânea: uma Tendência UNIDADE V
Atual ABORDAGEM PEDAGÓGICA DOS ELEMENTOS CONSTI-
70 Considerações finais TUTIVOS DA CAPOEIRA
75 Referências 178 Fuga Para o Quilombo, uma Forma de Re-
76 Gabarito sistência
182 Pega e Salva o Capoeira
UNIDADE III 186 Berimbau de PVC: uma Alternativa à Falta de
OS GESTOS TÉCNICOS CARACTERÍSTICOS DA CAPOEIRA Instrumentos
82 Distribuição Didático-Pedagógica dos Gestos 194 Na Roda, o Jogo de Compra é “Nunca Três”
Técnicos 197 Considerações finais
86 Ginga, o Gesto Fundamental 203 Referências
92 Gestos Técnicos Ofensivos, o Ataque do 203 Gabarito
Capoeira
112 Gestos Técnicos Defensivos 204 CONCLUSÃO GERAL
122 Gestos Técnicos Acrobáticos, Desafiando os
Limites do Corpo
DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA
CAPOEIRA

Professor Me. Reginaldo Calado de Lima

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta
unidade:
• Luta, jogo, dança, esporte... Afinal, o que é a capoeira?
• As origens da capoeira
• Capoeira, uma atividade criminosa
• Ascensão social da capoeira

Objetivos de Aprendizagem
• Identificar os diferentes sentidos atribuídos à capoeira.
• Apresentar as teorias que discutem a origem da capoeira.
• Entender o processo de criminalização da capoeira.
• Descrever o processo de reestruturação da capoeira.
unidade

I
INTRODUÇÃO

Olá, caro(a) aluno(a), seja bem-vindo (a)!


Iniciamos as nossas discussões sobre a capoeira, valendo-nos de al-
guns pontos de referência, na forma de questionamentos sobre esta prá-
tica corporal. Para começar, você já se perguntou: o que é a capoeira? Por
vezes, ela é representada como luta, em outros momentos, como dança,
têm aqueles que a classificam como esporte e até como filosofia de vida.
Você já refletiu como essa prática corporal surgiu? Ou ainda, se a
capoeira que nós conhecemos, atualmente, sempre apresentou esta con-
figuração? E por que algumas pessoas “torcem o nariz” quando falamos
de capoeira? Estas questões nos auxiliarão a compreender, dentro de
nossas limitações, obviamente, essa manifestação da cultura corporal
que é a capoeira.
Nesse sentido, organizamos a unidade em quatro tópicos. No primei-
ro, abordaremos os diferentes sentidos e percepções existentes acerca da
capoeira. No segundo tópico, já com alguma noção do que estamos tra-
tando, enveredaremos pelas teorias que discutem as origens da capoeira.
No terceiro tópico, atentar-nos-emos ao seu processo de criminalização,
buscando entender o contexto em que tal prática foi considerada uma
prática criminosa, a ponto de figurar no código penal brasileiro. No quar-
to tópico, poderemos perceber como é complexa e cheia de contradições
a dinâmica social, visto que, mesmo sendo considerada uma prática cri-
minosa, havia aqueles que viam a capoeira uma prática virtuosa e que,
com o passar do tempo, para atender aos anseios sociais, foi reestrutura-
da aos moldes desportivos da época.
Espero que as discussões vindouras lhe permita, como futuro(a) pro-
fissional de Educação Física, de um ponto de vista específico, refletir so-
bre como a história da capoeira pode ser abordada nos mais diferentes
espaços e, de um ponto de vista mais amplo, refletir sobre o percurso his-
tórico das mais diversas práticas corporais, reconhecendo-as, desta for-
ma, como uma forma de conhecimento situado histórica e socialmente.
CAPOEIRA

Luta, Jogo, Dança, Esporte...


Afinal, o Que é a Capoeira?

Caro(a) aluno(a), quando as práticas corporais são Você já se perguntou em qual, ou mesmo, em
abordadas nas aulas de Educação Física em diferen- quais categorias dos conteúdos da Educação Física
tes níveis escolares, via de regra, uma das primeiras escolar podemos enquadrar a capoeira? Ou seja,
estratégias adotadas pelo(a) professor(a) é a apre- ela será abordada quando tratarmos, nas aulas de
sentação de uma definição clara e objetiva da prática Educação Física, de esportes, quando tratarmos das
em questão. Esta é uma estratégia compreensível a ginásticas, das danças, dos jogos ou das lutas? A
qualquer um de nós e, até desejada, afinal de contas, questão pode parecer insignificante à primeira vista,
ao nos depararmos com determinado objeto, é im- contudo, basta uma pequena dose de cautela e perce-
portante sabermos do que se trata. Entretanto, você beremos as possíveis implicações à nossa futura atu-
vai perceber que, no que se refere à capoeira, essa ação profissional. O que queremos dizer de fato é que
estratégia de definição não é uma tarefa das mais fá- fará diferença se você, caro(a) aluno(a), ao abordar a
ceis. Aliás, como muitos outros aspectos ligados à capoeira no contexto escolar, conhecer os diferentes
capoeira. sentidos atribuídos a tal manifestação corporal.

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EDUCAÇÃO FÍSICA

É a partir destas reflexões que podemos nos per- cam a predominância do confronto, do combate
guntar: mas, afinal, o que é a capoeira? Esta questão corporal. É o que podemos verificar nos argumen-
norteará as discussões empreendidas neste tópico. tos de Lamartine Pereira da Costa que, ao redigir
Perceba que ela não é uma exclusividade do contexto uma espécie de manual didático com o sugestivo
escolar, mas se apresenta também no contexto cultu- título “Capoeira sem Mestre”, define tal manifes-
ral da própria capoeira. É bastante comum sermos tação como uma “luta em que os executantes se
questionados, enquanto praticantes de capoeira, se valem dos pés, das mãos e da cabeça para bater
nós a dançamos, a lutamos ou a jogamos. nos adversários ou derrubá-los [...] É uma luta es-
Uma possibilidade para entendermos os senti- sencialmente agressiva: o capoeira se defende ata-
dos atribuídos à capoeira passa pelo esforço de ana- cando” (COSTA, s. d., p. 17).
lisar o seu percurso histórico. Porém deixemos essa Nunca é demais termos em mente em que am-
empreitada para um próximo tópico. Por agora, nos biente e, principalmente, em que momento esta-
deteremos às impressões de autores do calibre de mos pensando sobre a capoeira. Estamos agora
Luís da Câmara Cascudo que, ao estudar a capoeira imersos em um processo de formação profissional,
por um viés folclórico, a definiu como um “jogo atlé- o qual, em tese, permitir-nos-á agir com expertise
tico de origem negra, ou introduzido no Brasil pelos sobre determinadas realidades por meio de deter-
escravos bantos de Angola, defensivo e ofensivo, es- minados conteúdos. Diante de tal assertiva, é im-
palhado pelo território [brasileiro] e tradicional no perativo que reflitamos acerca das possibilidades
Recife, cidade de Salvador e Rio de Janeiro” (CAS- de abordagem de tais conteúdos e, em nosso caso
CUDO, 1959, p. 371). específico, estamos refletindo sobre uma manifes-
Do excerto apresentado, é possível extrairmos, tação corporal que, aparentemente, ao ser definida
além do sentido, elementos referentes à capoeira, como luta, apresenta uma característica agressiva.
tais como origem, características e locais de inci- Quais são as implicações que isto demanda para o
dência, contudo, mantendo o nosso foco no senti- ambiente escolar?
do, destacamos a ideia apresentada pelo autor, da
capoeira ser um jogo atlético defensivo e ofensivo.
Esta definição evoca, em certa medida, um senti-
REFLITA
do esportivo, ao tratar a capoeira como jogo atléti-
co, mas também com um caráter combativo, uma
vez que a descrição apresenta a natureza defensiva Ao abordarmos uma prática corporal com
as características da capoeira, estaremos ali-
e ofensiva. mentando a agressividade entre os alunos?
O caráter bélico da capoeira, ou seja, a sua Será que o nosso trabalho desencadeará uma
representação como forma de luta, parece privi- onda violência na escola?

legiado também em outras exposições que desta-

15
CAPOEIRA

Estudos como o de Oliveira e Santos (2006) nos aju- ramos o seu contexto de gênese, por outro, os demais
dam a refletir acerca dessa temática ao destacarem argumentos abalam as nossas convicções. Barbieri
a existência de um discurso no imaginário popular (2003) afirma ser impossível estabelecer limites para
que gera, por sua vez, certa resistência e mesmo re- as perspectivas da capoeira. Você notou o uso do plu-
jeição no trato com as lutas de forma geral, no con- ral? Pois é! Para o autor, não é possível uma definição
texto escolar. Para os autores, é bastante comum que supere a polissemia de sentidos da manifestação.
que, “quando pensamos na palavra luta, primeira- Isso significa que a característica predominante
mente, associamos a contato corporal, chutes, socos, da capoeira é a ambiguidade. Você lembra que Cas-
quedas, disputa e atitudes agressivas” (OLIVEIRA; cudo (1959), quando nos apresentou a capoeira, de-
SANTOS, 2006, p. 5). Invariavelmente, estes aspec- finiu-a como jogo atlético defensivo e ofensivo. Bas-
tos nos levam a uma associação entre a deflagração tam esses termos para evidenciarmos os múltiplos
de golpes e o inevitável confronto corporal. sentidos dessa prática. A ideia de jogo nos remete à
Essas questões que, à primeira vista, mostram-se ludicidade, enquanto que o termo atlético nos lem-
desencorajadoras para a abordagem da capoeira, ao bra um caráter esportivo, já os termos defensivo e
menos por sua vertente bélica, são, na verdade, uma ofensivo denotam a noção de combate, de luta. Per-
oportunidade para reflexão. Rufino e Darido (2015, ceba que definir a capoeira não é uma tarefa tão sim-
p. 22), ao pensarem a relação entre o conteúdo “lu- ples quanto parece.
tas” e a cultura corporal, defendem a necessidade Há, no entanto, atualmente, certa aceitação no
da promoção de situações que permitam aos alunos entendimento da capoeira como “uma manifestação
“contato e vivências significativas com essas práticas cultural afro-brasileira que se expressa pela combina-
e sobre o mundo em que vivem”. ção de jogo, luta e dança praticada ao som de instru-
Retomemos o foco de nossa discussão, que é o mentos musicais” (FALCÃO, 2010, p. 56). A coexis-
sentido atribuído à capoeira. Até aqui, identificamos tência dos diferentes sentidos atribuídos à capoeira
uma característica combativa que conferiu a ela ares pode não fazer muito sentido, mas lembre-se que
de luta. De fato, Campos (2003), ao elaborar uma estamos falando de uma manifestação cuja origem se
proposta de abordagem da prática na escola, o faz deu a partir de outra lógica cultural que não a nossa.
a partir de algumas concepções, dentre as quais, a Neste sentido, o Instituto do Patrimônio Histórico e
“capoeira luta”. O autor argumenta em favor de tal Artístico Nacional - Iphan (2007, p. 11) nos apresen-
concepção, entendendo-a como a forma que repre- ta a capoeira como “uma manifestação cultural que
senta a capoeira em sua origem. Neste sentido, ex- se caracteriza por sua multidimensionalidade – é, ao
por a capoeira no contexto escolar como uma luta mesmo tempo, dança, luta e jogo”. A sua ligação com
é garantir a sua representação original e, sobretudo práticas de sociedade tradicionais, onde a separação
garantir sua preservação “através dos tempos na sua de habilidades não é um aspecto comum, como ocor-
forma natural como instrumento de defesa pessoal re na sociedade ocidental moderna, é o que confere à
genuinamente brasileira” (CAMPOS, 2003, p. 23). capoeira a possibilidade multidimensional. Ou seja,
Se por um lado, não é difícil reconhecer a capo- a coexistência de múltiplas dimensões e sentidos sem
eira como uma luta, especialmente, quando conside- que estes se anulem ou se confrontem.

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EDUCAÇÃO FÍSICA

E, ao contrário do que possa parecer, isso não re- [...] dois campeões se precipitam um contra o
presenta um problema. Essa ambiguidade é, inclusi- outro, procurando dar com a cabeça no peito
do adversário que desejam derrubar. Evita-se o
ve, enaltecida por Reis (2000, p. 177) como caracte-
ataque com saltos de lado e paradas igualmen-
rística de todos os elementos do sistema cultural da te hábeis; mas, lançando-se um contra o ou-
capoeira, o que impossibilita o seu enquadramento, tro, mais ou menos como bodes, acontece-lhes
permitindo que ela “deslize entre as categorias: não é chocarem-se fortemente cabeça contra cabeça,
o faz com que a brincadeira não raro degenere
esporte mas é, não é uma dança, mas é, e não é uma
em briga e que as facas entrem em jogo, ensan-
luta, mas é”. guentando-as (RUGENDAS, s. d., p. 252).
Uma das estratégias que podemos adotar para
compreendermos essa multiplicidade dos sentidos Ainda tratando da contribuição de Rugendas por
da capoeira, talvez, seja lançarmos um olhar mais meio de seus registros à história da capoeira, além
atento aos seus primórdios. Entretanto, você vai da descrição, as gravuras deixadas pelo artista ale-
perceber que, quando falamos de capoeira, há pou- mão nos permitem analisar outros elementos carac-
ca unanimidade. Esta situação se agrava conforme terísticos que compunham a manifestação naquele
regredimos historicamente, muito em função da es- período.
cassez de registros. Arriscamos dizer que a capoeira,
como prática marginal que foi por muito tempo, não
era digna de registros.
Uma das exceções, no entanto, são os registros
iconográficos creditados ao pintor Johann Moritz
Rugendas (1802-1858) que retratou, no século XIX,
muitos aspectos naturais e sociais do Brasil à épo-
ca. Em sua obra Viagem Pitoresca através do Brasil,
publicada pela primeira vez em edição bilíngue, em
1827, o pintor retrata a paisagem, os tipos e os hábi-
tos, tanto dos índios e negros quantos dos europeus
que por aqui viviam. Na descrição de “jogo da ca- Figura 1 - Jogar capoeira
poeira”, Rugendas (s. d.) o expõe como um folgue- Fonte: Wikipédia ([2019], on-line)1.

do guerreiro muito violento. Perceba, novamente, a


ambivalência de sentidos atribuídos à capoeira. O A partir da análise da gravura “jogo da capoeira”, é
termo folguedo denota brincadeira, festa, festejo, possível que identifiquemos elementos característi-
enquanto “guerreiro” nos remete ao combate. As- cos da atualidade, e outros que, ao que parece, so-
sim, fica evidente que o cariz polissêmico da capo- freram transformações drásticas. É possível notar
eira a acompanha já há bastante tempo. Rugendas que a disposição das pessoas, tanto dos jogadores
(s. d.) destaca ainda a violência com que os negros a quanto daqueles que assistem, é muito semelhante
praticam, e assim descreve o andamento de tal fol- à disposição em roda que temos hoje. A presença de
guedo guerreiro.

17
CAPOEIRA

um instrumento que, na gravura, está representada sido responsável por, posteriormente, agregar na es-
por uma espécie de tambor, é outro elemento que trutura da manifestação o caráter lúdico. Carneiro
caracteriza a capoeira. A este respeito, é interessante (1957, p. 199), analisando a capoeira por um viés
notar que o instrumento que, atualmente, caracte- folclórico, a identifica como uma manifestação de
riza a capoeira não aparece registrado na gravura. caráter lúdico, afirmando que “os capoeiras da Bahia
A ausência do berimbau sugere que este não estava denominam seu jogo de vadiação – e não passa disto
incorporado aos códigos da manifestação no perío- a capoeira, [...]. Nem sempre terá sido assim”.
do retratado. Façamos, prezado(a) aluno(a), uma síntese acer-
Retomando a nossa empreitada de discutir o ca da questão deste tópico. Afinal, o que é a capoei-
sentido da capoeira, Conduru (2008) faz algumas ra? Essa manifestação carrega, em seu cerne, múlti-
inferências a partir da análise da gravura “jogo da plas possibilidades de expressão e, como nos disse
capoeira”. Para o autor, é possível atribuir um caráter Barbieri (2003), é impossível separá-las. Em dado
bélico ao que se retrata. Tal inferência se dá muito momento, ela se apresenta como luta, em outros,
em função da descrição, mas também na medida em como dança, ou ainda, como jogo. Reconhecermos
que o autor verifica os punhos cerrados dos conten- tais possibilidades é imprescindível para aqueles(as)
dores que ocupam o centro da roda. profissionais que as abordarão. Mesmo para aque-
Pois bem, poderíamos concluir que: se, atual- les(as) que não têm a intenção de abordá-las, tais
mente, a capoeira é caracterizada como uma prática questões nos permitirão repensar a forma como
corporal polissêmica, multidimensional, onde co- vemos tantas outras práticas corporais. Essa lógica
existem múltiplos sentidos sem que haja exclusão, multidimensional foi consolidada ao longo do tem-
na sua origem, o sentido bélico foi predominante. po, ou seja, em diferentes contextos, a capoeira se
Na verdade, não. Vimos que, na própria descrição adequou à estrutura social vigente, agregando à sua
de Rugendas (s. d.), ela aparece com um sentido própria estrutura uma nova forma de representação.
dúbio. E, para fecharmos esta inconclusa discussão, E se falaremos do percurso social da capoeira, co-
recorramos a autores que se dedicaram a estudar a mecemos do princípio e discutamos as questões ati-
capoeira e que discutem, entre outras questões, a sua nentes às suas origens.
origem e os seus sentidos.
Neste sentido, Rego (1968, p. 35) defende a tese
de que a capoeira surgiu, inicialmente, como diver-
timento, “mas, na realidade, funcionava como uma
faca de dois gumes. Ao lado do normal e do quoti-
diano, que era divertir, era luta também no momen-
to oportuno”. Contrariamente, temos a exposição de
Araújo (1997, p. 106) para quem “a utilização da ca-
poeira como instrumento de guerra, logo, arte mar-
cial, foi a primeira expressão desta prática plural”.
Na opinião do autor, o contexto sociocultural teria

18
EDUCAÇÃO FÍSICA

19
CAPOEIRA

Capoeira

Prezado(a) aluno(a), no tópico anterior, as nossas que nos permitam entender melhor a lógica dessa
discussões buscaram identificar o sentido atribuído prática corporal.
à capoeira e buscamos entender o que é a capoeira, Iniciaremos a nossa reflexão com algumas ques-
se uma luta, uma dança, um jogo etc. Chegamos à tões. Esta postura nos ajudará a manter uma direção
conclusão que a característica primeira dessa ma- precisa, ou, pelo menos, evitará que nos peguemos
nifestação corporal é, justamente, a sua polissemia sem direção. Uma primeira questão referente à ori-
de sentidos. Ou seja, a capoeira é tanto luta quanto gem da capoeira, tanto no meio acadêmico quanto
dança, quanto jogo. Um dos argumentos apresenta- no universo cultural da própria prática corporal e
dos foi que a sua multidimensionalidade se deve à que, por vezes, culmina em discussões acaloradas,
sua ligação com a lógica tradicional, cuja coexistên- é se a capoeira é africana ou brasileira. É recorren-
cia de diversos sentido é bastante comum. Então, te o discurso que apresenta a capoeira como uma
caro(a) aluno(a), eu lhe convido a me acompanhar manifestação, genuinamente, brasileira. E você, o
na leitura de hipóteses que tratam das origens da que acha? Não responda ainda! Pois outras tantas
capoeira. E quem sabe encontrarmos, aí, indícios questões serão postas, dentre elas: se a capoeira é

20
EDUCAÇÃO FÍSICA

africana, por que em locais onde africanos foram nata, por uma matriz indígena ou por uma matriz
traficados e escravizados não há registros da sua que comporta elementos africanos e cujo desenvol-
presença? E por que na própria África não há regis- vimento se deu em território brasileiro.
tro da capoeira? Se ela é brasileira, onde foi criada? Pensemos, então, a origem da capoeira a partir
Com que finalidade? Veja que são muitas questões. de cada uma dessas matrizes. Dentre elas, talvez a
Quando falamos de capoeira, a unanimidade concepção indígena seja a que careça de mais es-
de opiniões só ocorre quanto à imprecisão e às con- tudos, uma vez que os argumentos em sua defesa
trovérsias, sobretudo se o tema tratado é o da sua estão fundamentados, basicamente, na questão ter-
origem. Entretanto, de maneira geral, as discussões minológica. No entendimento de Abreu (s. d.), a
referentes às origens da capoeira têm orbitado em principal justificativa que impossibilitaria a criação
torno de três hipóteses, ou três “mitos fundadores”, da capoeira por grupos indígenas repousa no des-
como nos apresenta o Iphan (2007, p. 11): conhecimento, por parte desses grupos, das técni-
1. A capoeira nasceu na África central e foi cas corporais, especialmente as de ataque e defesa,
trazida intacta por africanos escravizados. características da capoeira. O Iphan (2007) reforça
2. A capoeira é uma criação de escravos qui- a impossibilidade de sustentação da tese da origem
lombolas no Brasil. indígena, argumentando a inexistência de docu-
3. A capoeira é criação dos índios, daí a ori- mentação, ou mesmo de relatos que reivindicam a
gem do vocábulo que nomeia o jogo. paternidade da capoeira.
De fato, Lussac (2015), ao analisar as possibilida-
Preservadas as devidas especificidades argumentati- des das origens indígenas da capoeira e as possíveis
vas, Abreu (s. d.) já refletia acerca da origem da ca- contribuições dos índios brasileiros no desenvolvi-
poeira em seu clássico romance do final do século mento do jogo-luta, conclui que, apesar das possibi-
XIX, Os Capoeiras, ao afirmar que: lidades de interação entre negros e índios em trocas
culturais, ainda não é possível afirmar que existiram
Uns atribuem-na aos pretos africanos, o que contribuições, diretamente, ligadas a grupos indíge-
julgo um erro pelo facto de que na África não é
nas brasileiros.
conhecida a nossa capoeiragem, e sim, algumas
sortes de cabeças. Aos nossos índios também Por qual motivo, então, cogita-se a possibilidade
não se pode atribuir, porque apesar de possuí- de a capoeira ser brasileira e criada por índios bra-
rem a ligeireza que caracteriza os capoeras, con- sileiros? O elo entre estas culturas (e que serve de
tudo, não conhecem os meios que estes empre- argumento) parece ser o vocábulo que nomeia a ma-
gam para o ataque ou defesa. O mais racional
nifestação. Uma vez que o termo capoeira “faz parte
é que a capoeragem creou-se, desenvolveu-se e
aperfeiçoou-se entre nós (ABREU, s. d., p. 1). da língua tupi e significa ‘mato ralo’, o que remete a
uma das explicações sobre sua origem. Diz respeito
Basta que ignoremos a ordem dos argumentos ex- ao mito do escravo fugitivo que surpreenderia seus
postos nas duas citações e constataremos que, tanto algozes na capoeira, local da cilada” (IPHAN, 2007,
em uma quanto em outra, a questão da origem da p. 12). Entretanto, há divergências mesmo quanto
capoeira é concebida a partir de uma matriz africana

21
CAPOEIRA

à terminologia. Rego (1968) demonstra, fortemen- De acordo com Rego (1968), o fato de histo-
te, inclinado a aceitar outra acepção etimológica do riadores e africanistas apresentarem certa tendên-
termo capoeira, uma que defende a origem do vocá- cia de apontarem Angola como o ponto de partida
bulo a partir do termo “capão”. dos primeiros negros trazidos como escravos para
o Brasil gerou forte aceitação e perpetuação, sobre-
Tendo como base capão, do qual Adolfo Coelho tudo entre os capoeiras, à ideia desta manifestação
tirou o étimo de capoeira para o português, Be-
corporal ter vindo da África. Vicente Ferreira Pas-
aurepaire Rohan faz o mesmo para o vocábulo
capoeira na acepção brasileira, apresentando, tinha (1988), um dos mestres mais expressivos da
em defesa de sua opinião, a seguinte explicação: capoeira Angola, senão o mais, afirma que “não há
- Como o exercício da capoeira, entre dois in- dúvida que a capoeira veio para o Brasil com os es-
divíduos que se batem por mero divertimento, cravos africanos” (PASTINHA, 1988, p. 26). O mes-
se parece um tanto com a briga de galos, não
tre afirma também que o próprio nome “capoeira
duvido que este vocábulo tenha sua origem em
Capão, do mesmo modo que damos em portu- Angola” se deve ao fato de os negros angolas terem
guês o nome da capoeira a qualquer espécie de se sobressaído na prática da capoeiragem, ao menos
cesto em que se metem galinhas (REGO, 1968, no contexto baiano. Entretanto, Gerhard Kubik, ci-
p. 24).
tado por Jardim (1976), não encontra qualquer co-
notação cultural com a África na expressão capo-
Outro estudioso que tem se destacado no debate eira Angola, afirmando ser uma criação brasileira.
acerca da origem da capoeira é Matthias Rohring A expressão é utilizada para designar um estilo de
Assunção (2012). Este autor nos apresenta uma capoeira o qual abordaremos mais adiante, em um
perspectiva que considera duas “narrativas-mes- momento mais oportuno. Por ora, nos detenhamos
tres”; uma versão nacionalista e uma versão afro- à questão da origem.
cêntrica. A primeira “enfatiza tudo que a capoeira Estamos discutindo a vertente que considera a
tem de novo, para ressaltar a sua originalidade e, capoeira africana, e vimos que esta hipótese encon-
portanto, a originalidade da cultura brasileira”, en- trou bastante aceitação entre os capoeiras. É impor-
quanto que a versão afrocêntrica “ressalta apenas tante ter em mente que estamos abordando, em um
aspectos ‘derivados da África’ para demonstrar que ambiente acadêmico em que se privilegia a visão
a capoeira é, antes de tudo, africana” (ASSUNÇÃO, científica do mundo, uma manifestação cuja pro-
2012, p. 1). dução de conhecimento, bem como a difusão des-
Você, obviamente, se atentou ao fato de a hipó- se conhecimento, apresenta uma dinâmica bastante
tese indígena não compor os argumentos desse au- distinta do mundo acadêmico científico. A lógica da
tor, não é? De fato, no universo cultural da capoeira, capoeira, bem como da maioria das manifestações
as discussões em torno de sua origem podem ser oriundas do universo da cultura popular, privilegia a
entendidas, de forma bastante simplificada, como figura do mestre como um guardião do saber e, por-
polarizadas entre África e Brasil. Discutamos, do- tanto, responsável pela transmissão desse saber. Este
ravante, os argumentos que consideram a capoeira processo de transmissão se dá, predominantemente,
uma manifestação africana. de maneira informal, sobretudo por meio da orali-

22
EDUCAÇÃO FÍSICA

dade. Neste sentido, a figura do mestre está envolta fende de forma contundente a teoria da capoeira ter
em uma espécie de aura que finda por legitimar os como elemento ancestral o N’golo. Da perspectiva de
seus discursos. Cascudo (1967), a capoeira seria o desdobramento
Não foi somente entre os capoeiras que foi aceita e de técnicas que compunham, na África, tanto lutas
difundida a hipótese dessa manifestação corporal ter quanto ritos cerimoniais. A capoeira seria, desta for-
a sua origem na África. Edison Carneiro (1957;1977) ma, uma versão brasileira do n’golo.
foi um dos intelectuais que defenderam a ancestrali-
dade africana da capoeira, ao expor esta como um
“jogo de destreza que tem suas origens remotas em
SAIBA MAIS
Angola” (CARNEIRO, 1977, p. 3). Outro intelectu-
al com contribuição significativa para a difusão e a
aceitação da origem africana da capoeira foi Luís da O n’golo, ou dança da zebra, como também é
conhecido, é uma dança em forma de comba-
Câmara Cascudo (1959; 1967). Em sua obra Folclo- te típico de povos do sul de Angola, que ocorre
re do Brasil: pesquisas e notas, o autor afirma que “a durante a enfudula. Neste rito de passagem, o
unanimidade das fontes brasileiras indica a capoeira vencedor do n’golo tem o direito de escolher a
esposa sem ter de pagar o dote esponsalício.
como tendo vindo de Angola” (CASCUDO, 1967, p.
181). O autor que, na época da referida publicação, Fonte: Cascudo (1967).

era presidente da comissão brasileira de folclore, de-

Figura 2 - “N’golo”. Aquarela de Albano Neves e Sousa, 1955-1956.


Fonte: Assunção (2012, p. 3).

23
CAPOEIRA

um marginal. Os piores bandidos de Benguela


O próprio Cascudo (1967, p. 185) afirma: “o n’golo é em geral são Muxilengues que na cidade usam
a capoeira”. As conclusões do autor estão embasadas os passos do N’golo como arma. Em Luanda,
na descrição de Albano Neves e Souza, um poeta, esses passos, possivelmente trazidos do sul,
pintor e etnógrafo a quem Cascudo atribuiu o mé- chamam-se Bassula. Até no nome há qualquer
que sugere a origem da luta nos povos pasto-
rito do desvelamento da ancestralidade da capoeira.
ris do sul. Ba-ssula, os do sul. Em Luanda, os
Em linhas gerais, Neves e Souza descreveu, por meio técnicos desse tipo de luta são os pescadores
de cartas, o andamento do n’golo, e é a partir de tal da ilha que se engajam como marinheiros dos
descrição que Cascudo concluiu ser o n’golo o cerne palhabotes, que fazem viagens pela costa até
da capoeira. Na transcrição que segue, poderemos Mossâmedes. Outra das razões que me levam a
atribuir a origem da Capoeira ao N’golo é que,
acompanhar o raciocínio de Albano Neves e Souza e no Brasil, é costume dos malandros tocarem
o seu entendimento de como algumas práticas cor- um instrumento aí chamado de Berimbau e
porais, entre elas o n’golo, chegaram ao Brasil. que nós chamamos hungu, ou m’bolumbumba,
conforme os lugares e que é tipicamente pasto-
ril, instrumento esse que segue os povos pasto-
Os escravos das tribos do sul que foram para
ris até a Swazilândia, costa oriental de África
aí através do entreposto de Benguela levaram
(CASCUDO, 1967, p. 186).
a tradição da luta de pés. Com o tempo, o que
era, em princípio, uma tradição tribal, foi-se
A citação é bastante extensa, porém necessária. Ob-
transformando numa arma de ataque e defe-
sa que os ajudou a subsistir e a impor-se num serve a quantidade de detalhes apresentada pelo au-
meio hostil. Razão da sua permanência nos tor. Quero lhes chamar a atenção para duas práticas
meio urbanos. O pastor sem rebanho torna-se corporais citadas, o n’golo e a bassula.

Figura 3 - Ilustração de movimentos da Bassula


Fonte: Cultura (2012).

24
EDUCAÇÃO FÍSICA

Há, todavia, alguns pontos na ideia do n’golo ou de clui que “no caso da capoeira, tudo leva a crer que
outras práticas corporais específicas como ancestrais seja uma invenção dos africanos no Brasil, desen-
diretas da capoeira que são questionados por Assun- volvida por seus descendentes afro-brasileiros”. Por
ção e Peçanha (2008), por exemplo, o fato da não esse viés, a capoeira é vista não como uma criação
transmissão da capoeira pelos “mestres africanos”. A brasileira, mas sim, afro-brasileira, uma manifesta-
presença do berimbau foi outro argumento apresen- ção criada a partir de elementos culturais africanos
tado por Cascudo (1967) para sustentar a sua teoria, em nossas terras.
sem, contudo, nos trazer maiores detalhes da relação Em convergência com Rego (1968), Soares
de tal instrumento com o n’golo. O autor limitou-se (1999) enfatiza a teoria de a capoeira ser uma inven-
apenas a registrar a popularidade do instrumento ção dos escravos no Brasil, isto é, negros de diversas
em terras africanas. A este respeito, Assunção (2012, etnias africanas, submetidos ao contexto da escra-
p. 12) nos esclarece que “na África, os arcos musicais vidão, mesclaram diversos traços culturais, dando
não acompanham jogos de combate” como o n’golo, origem a uma gama infinda de manifestações, en-
por exemplo. tre elas, a capoeira. Soares (1999, p. 26) a entende
Há de se destacar que, na imagem analisada, no como uma espécie de “síntese de uma disparidade
tópico anterior, “o jogo da capoeira” de Rugendas (s. de ritos, rituais e danças, cerimoniais e guerreiras,
d.), o berimbau não apareceu como componente da ela representou a forma cultural possível que jovens
luta. Apesar do berimbau ter sido registrado pelo africanos encontraram de responder às violências e
pintor alemão, no Brasil, no mesmo período, ao que demandas de uma sociedade urbana hostil”.
tudo indica, o referido instrumento estava relacio- Então, podemos encerrar o debate em torno das
nado a outras atividades, e não à manifestação da origens da capoeira? Não, claro que não! Muitas ou-
capoeira. tras questões têm sido levantadas. A maioria delas
Assunção (2012) entende que a capoeira não giram em torno de especificidades, como o local de
pode ser tomada como simples desdobramento do origem, o ambiente, se urbano ou se rural, se nos
n’golo no Brasil. Contudo, reconhece a inegável pre- quilombos ou em um quilombo em específico, como
sença na capoeira de elementos que remetem tanto o de Palmares, e por aí vai... Por agora, precisamos
ao n’golo quanto a outros jogos de combate africa- reconhecer que este é um momento de introdução
nos. Metaforicamente, nos diz o autor, que o n’golo é a tal temática e, nesse sentido, tivemos contato com
um primo distante da capoeira. uma quantidade significativa de argumentos. Para
A partir dos argumentos expostos, inferimos continuarmos a nossa incursão ao universo cultural
não haver consenso quanto à aceitação da tese que da capoeira, analisaremos como esta manifestação
trata a origem da capoeira por sua vertente africa- cultural foi tratada ao longo de seu desenvolvimen-
na. A terceira tese exposta no início deste tópico to. Espero contar com a sua estimada companhia no
defende a sua origem brasileira. Rego (1968, p. 31) tópico seguinte. Até lá!
é um dos autores que defendem tal hipótese e con-

25
CAPOEIRA

CAPOEIRA,
uma Atividade Criminosa
Olá, prezado(a) aluno(a). Neste tópico, trataremos novas de nossa sociedade. E é, nesse contexto, que
de um tema, no mínimo, curioso. Tentaremos en- a capoeira se insere como uma dessas práticas cor-
tender como se deu o processo de criminalização porais que podem auxiliar no processo educativo. A
da capoeira. Isto mesmo, essa mesma capoeira que, questão é, se, atualmente, consideramos a capoeira
hoje, transita livremente por diferentes níveis edu- uma prática virtuosa, o que a fez ser tratada como
cacionais, desde o ensino infantil, passando pelo criminosa?
fundamental e médio e que compõe o currículo de Primeiramente, pensamos que seja muito útil
renomadas universidades, já foi considerada uma considerarmos a dinamicidade histórica, ou seja,
prática criminosa. Reflitamos um instante sobre isso. olharmos, historicamente, um dado contexto com to-
Neste momento, estamos inseridos em um cur- dos os seus elementos e reconhecer que tal contexto
so universitário de formação profissional, e não de não é estanque. Pois bem, será com esse olhar, histori-
qualquer profissão, mas sim, de uma área que, por camente situado, que nos debruçaremos no texto a se-
meio da abordagem de práticas corporais, se pro- guir, no qual procuraremos entender como a capoeira
põe a contribuir com a educação das gerações mais que, hoje, transita livremente por toda sociedade foi,
em dado momento, considerada uma prática ilegal.
26
EDUCAÇÃO FÍSICA

Uma informação que vale a pena retomarmos um sujeito sem profissão, logo, se enquadrava no
se refere às suas origens, mais precisamente aos seus Capítulo IV, Art. 295, que trata dos “vadios e mendi-
criadores. No tópico anterior, nós vimos que, a res- gos”. Naquele momento, a capoeira era considerada
peito de sua origem ser africana ou brasileira, são uma forma de contravenção, o que já era suficiente
aos negros escravizados, aqui, no Brasil, a quem se para que cerca de 9% das prisões efetuadas entre os
atribui a criação da capoeira, tal criação sendo rea- anos de 1819 e 1821, na cidade do Rio de Janeiro,
lizada por meio de um processo de convergências apresentassem, como motivo registrado, “capoei-
culturais. E este é um aspecto importante para a nos- ra”. Isto significa que, das 4.853 prisões realizadas,
sa discussão, visto que, por muito tempo, a capoeira 438 ocorreram pela acusação de prática da capoeira
esteve restrita ao universo escravo, sendo uma prá- (ALGRANTI, 1988).
tica escrava. E que, posteriormente, esse escravo, ao Pensando em localidades específicas como a ci-
abandonar tal condição, não encontrou uma estru- dade do Rio de Janeiro, a capoeira esteve associa-
tura social que o considerasse e o tratasse como um da às ações de grupos bem organizados, chamados
cidadão de direitos, restando-lhe viver à margem da de maltas, que representaram momentos de terror
sociedade. aos citadinos. Luiz Sergio Dias, em sua obra de títu-
Em condição marginal, viveu não apenas o ne- lo sugestivo, Quem Tem Medo da Capoeira? (2001),
gro, mas também boa parcela dos imigrantes que analisou a capoeiragem, no Rio de Janeiro, no sé-
vieram para o Brasil, após a abolição da escravatura. culo XIX, e identificou em tal prática a conjunção
Esse cenário nos ajuda a entender como esta popu- da agilidade, ousadia e organização, mas, sobretudo
lação entregue à própria sorte, por vezes, fez uso de uma incrível capacidade de incutir temor em grande
práticas, como a capoeira, para, em busca da garantia parcela da população.
da sobrevivência, cometer delitos. Desta forma, um Deste modo, a capoeira, ou capoeiragem, como
dos muitos sentidos atribuídos à capoeira ao longo a prática era denominada na época, representava
de sua história e, consequentemente ao seu prati- um problema de segurança pública. E logo foi en-
cante, foi o de uma atividade marginal. Uma práti- quadrada como crime no código penal da República
ca que representa demérito social, como nos afirma dos Estados Unidos do Brasil. A capoeiragem e os
Cascudo (1967, p. 188): “a capoeira é sempre uma capoeiras, os seus praticantes, receberam tratamen-
atividade de vadios urbanos”. Ao que Rego (1968, p. to específico no código de 11 de outubro de 1890,
291) endossa: “o capoeira desde seu aparecimento em seu Capítulo XIII, que trata “Dos vadios e capo-
foi considerado uma marginal, um delinquente, em eiras” onde fica estabelecido que:
que a sociedade deveria vigiá-lo, e as leis penais, en-
quadrá-lo e puni-lo”. Art. 402 – Fazer nas ruas e praças públicas exer-
cício de agilidade e destreza corporal conhecida
E assim se fez, pois o código criminal de 1830
pela denominação capoeiragem: andar em cor-
do Império do Brasil, mesmo sem fazer nenhuma rerias, com armas ou instrumentos capazes de
menção explícita ao capoeira, enquadrava-o indi- produzir lesão corporal, provocando tumulto
retamente. Isso porque o capoeira era reconhecido ou desordens, ameaçando pessoa certa ou in-
socialmente, naquele período, como desocupado, certa, ou incutindo temor de algum mal:

27
CAPOEIRA

Pena – prisão celular por dois a seis meses. De acordo com Soares (1999), a empreitada con-
tra os capoeiras teve na figura de João Batista Sam-
Parágrafo único – É considerada circunstância
paio Ferraz o seu maior representante. Ocupando o
agravante pertencer o capoeira a algum bando
ou malta. Aos chefes ou cabeças se imporá a cargo de primeiro chefe de polícia do regime repu-
pena em dobro. blicano, Sampaio Ferraz, que ficou conhecido pela
alcunha de “cavanhaque de aço”, foi retratado pela
Art. 403 – No caso de reincidência será apli-
cada ao capoeira, no grau máximo a pena do crônica literária da época como um herói que, ao
art. 400 [Pena de um a três anos em colônias desarticular as maltas de capoeira, “livrou a cidade
penais que se fundarem em ilhas marítimas, ou e seus habitantes de um flagelo que a dominava há
nas fronteiras do território nacional, podendo mais de cem anos” (SOARES, 1999, p. 329).
para esse fim serem aproveitados os presídio
Há outra questão acerca do processo de crimina-
militares existentes].
lização da capoeira e destacada por Araújo (2005),
Parágrafo único – Se for estrangeiro será de- que consideramos importante para as nossas discus-
portado depois de cumprir a pena. sões. Para o autor, houve uma generalização na cri-
Art. 404 – Se nesses exercícios de capoeiragem minalização da prática da capoeira, sobretudo, pela
perpetrar homicídios, praticar lesão corporal, ausência da conceituação precisa de quem eram os
ultrajar o pudor público e particular, e pertur- seus praticantes. Araújo (2005, p. 25), após realizar
bar a ordem, a tranqüilidade e a segurança pú-
os devidos enquadramentos temporais e espaciais,
blica ou for encontrado com armas, incorrerá
cumulativamente nas penas cominadas para conceitua os capoeiras como: “indivíduo(s) que pro-
tais crimes (SOARES, 1999, p. 338). moviam ações criminosas, que atentam contra a in-
tegridade física e patrimonial dos cidadãos, nos es-
No entendimento de Reis (2000), a oficial crimina- paços circunscritos dos centros urbanos ou áreas de
lização da capoeira foi fruto da idealização de um entorno”. A confusão conceitual se dá na medida em
projeto modernizador do país concebido para a re- que o praticante da capoeiragem também foi defini-
cém-proclamada República. Neste sentido, o negro, do como um capoeira, o que o levou a ser confun-
ainda, em maior número, enquanto praticante da dido com todo o tipo de malfeitores. Logo, conclui
capoeira, era tido como representante de um perí- o autor (2005, p. 26), “grande parte dos praticantes
odo que se deseja superar, a monarquia, mas que, da luta/jogo conhecida por capoeira seriam efetivos
acima de tudo, representa, de acordo com as teorias capoeiras, entretanto, nem todos os capoeiras po-
de evolução social que vigoravam na época, atraso e deriam ser considerados efetivos praticantes desta
inferioridade. O projeto de um Brasil moderno e ci- manifestação”. Isso significa que todo o indivíduo
vilizado implicava, naquele momento, em suprimir socialmente desajustado era tratado como capoeira,
a herança africana. Portanto, não é só por uma ques- sem que fosse necessariamente um praticante da ca-
tão de ordem ou desordem, mas também por uma poeiragem. Tal fato trouxe implicações aos pratican-
questão de eugenia. tes, os quais, mesmo não sendo desordeiros, passa-
ram a ser considerados e tratados como tal.

28
EDUCAÇÃO FÍSICA

É incontestável que, de sobremaneira, no espa-


ço urbano, malfeitores e arruaceiros fizeram uso de
suas habilidades corporais, ocasionando temor à po-
pulação. Por agora, é importante que nós reflitamos
acerca do contexto social, no qual a capoeira figurou
para que possamos entender a suas características e,
sobretudo, a sua dinâmica. Se, no tópico que esta-
mos prestes a encerrar, discutimos o contexto que
levou a capoeira a ser considerada uma prática cri-
minosa, não nos esqueçamos que as ações sociais, a
grosso modo, não se dão de forma unânime. Con-
vido-lhe, prezado(a) aluno(a), à leitura do tópico
seguinte, onde buscaremos demonstrar que havia
aqueles que defendiam e enalteciam as qualidades
da capoeira como prática corporal.

29
CAPOEIRA

Ascensão Social da
Capoeira
Olá, prezado(a) aluno(a). Iniciaremos o nosso quar- o tópico que segue, caro(a) aluno(a), pretendemos
to tópico de discussões sobre o desenvolvimento descrever o processo de reestruturação da capoeira
histórico da capoeira, fazendo uma breve reflexão que a levou a ser socialmente aceita.
daquilo que já discutimos até aqui! Em um primeiro Comecemos a nossa conversa com uma imagem.
momento, procuramos identificar os diferentes sen- Talvez, na fotografia a seguir (Figura 4), reconhe-
tidos atribuídos à capoeira, discutimos, naquele mo- çamos com alguma facilidade pelo menos um dos
mento, se ela é luta, jogo ou dança. Em seguida, nos rostos retratados, o do, então, presidente da Repú-
foram apresentadas algumas teorias que discutem a blica, Getúlio Vargas. O que há de especial para nós
sua origem, e percebemos que, desde as primeiras nessa imagem? É que ela registra o presidente, cum-
descrições dessa manifestação, já havia um sentido primentando Manuel dos Reis Machado, o mestre
dúbio! E com o intuito de entender o processo de Bimba após uma apresentação de capoeira realizada
criminalização da capoeira, transitamos pela leitura pelo mestre e os seus discípulos em 1953. Na oca-
de autores que demonstraram como a prática cor- sião, Getúlio Vargas, impressionado pelo que viu, te-
poral capoeira, sendo utilizada como instrumento ria se referido à capoeira como “a única colaboração
de delito por uma parcela de seus praticantes, teve o autenticamente brasileira à educação física, devendo
seu sentido generalizado a todos os praticantes. Para ser considerada a nossa luta nacional”.

30
EDUCAÇÃO FÍSICA

Figura 4 - Mestre Bimba sendo cumprimentado pelo presidente Getúlio Vargas, Salvador, 1953
Fonte: Campos (2009).

Este foi um momento decisivo para a história da sejo do distanciamento da criminalidade que outro-
capoeira. Você deve lembrar que, a poucas páginas ra caracterizou a manifestação, o que somente seria
atrás, discutíamos o seu status de prática criminosa possível, atribuindo-lhe um caráter desportivo.
e, agora, visualizamos um presidente da República, É possível verificarmos que, na ânsia de revita-
cumprimentando um mestre representante dessa lização da capoeira, alguns autores, a exemplo de
manifestação e a reconhecendo como contribuição Alexandre José de Mello Moraes Filho (1816-1882),
à Educação Física. Retomaremos, então, alguns pon- questionam a própria origem da manifestação. Para
tos para entendermos o percurso que levou a capo- este autor (1979, p. 261), a forma como a capoeira
eira à legalidade. se apresentava, lamentavelmente, ligada à margina-
Se a partir da proclamação da República, na úl- lidade, se dera pelos “excessos cometidos pelo povo
tima década do século XIX, houve a intensificação baixo, que a afogou nas desordens”. Segundo a pers-
da repressão policial aos capoeiras e à capoeiragem pectiva do autor, o passado da capoeira era nobre e
como um todo, havia, no mesmo período, um mo- glorioso, mas foi depreciado a partir do momento
vimento de reabilitação da capoeira encabeçado que a sua prática tornou-se majoritariamente negra.
por alguns intelectuais, políticos e militares (PIRES, Reis (2000, p. 62) entende o discurso apresentado
2010). Esse movimento é descrito por Pires (2010, p. por Moraes Filho como uma forma de apropriação
138) como um “processo histórico que se propagou simbólica da capoeira, entendendo que ele procurou
por todo o Brasil e influenciou uma nova invenção “afastar dela [a capoeira], ou pelo menos minimizar
para a prática da capoeira”. Este processo contou a sua herança étnica africana, a fim de que lhe fosse
com iniciativas mais contundentes no Rio de Janeiro possível, através de seu embranquecimento, civilizar-
e na Bahia. Em ambos os casos, ficava evidente o de- -se, tornando-a um símbolo de distinção nacional”.

31
CAPOEIRA

Seguindo esta linha de reestruturação da ca- sivamente para a credibilidade, a difusão, o renas-
poeira, atribuindo-lhe um caráter esportivo, por- cimento da capoeiragem, que atravessava uma fase
tanto, socialmente aceito e valorizado, é que, em de declínio, de ostracismo”, a qual enfrentava des-
1907, foi editado o opúsculo Guia do Capoeira ou de o processo de repressão policial deflagrado por
Ginástica Brasileira como a primeira tentativa de Sampaio Ferraz.
criar um método para o ensino dessa manifesta-
ção. O autor desse opúsculo apresenta-se com o
pseudônimo de O.D.C. e é descrito como um “dis-
tinto oficial do exército brasileiro, mestre em to-
das as armas, professor de militares e habilíssimo
na ginástica defensiva ou a verdadeira capoeira”
(O.D.C., 1907, p. 1).
Talvez você esteja se perguntando: como um ofi-
cial do exército seria um habilidoso capoeira, já que
estamos falando de uma prática criminosa? Lembre-
-se dos argumentos apresentados por Araújo (2005)
quanto à generalização do termo capoeira. Este foi
utilizado para designar toda a sorte de malfeitores,
e também os praticantes da capoeiragem, no entan-
to, nem todo malfeitor era praticante e nem todo
praticante era malfeitor. No início do século, eram
chamados de cultores aqueles sujeitos da elite adep-
tos da prática da capoeiragem. Parte desse cultores
Figura 5 - Reportagem de “A Careta” de 29 de maio de 1909
entendia a iniciativa de esportivização da capoeira- Fonte: A Careta (1909, on-line)2.
gem como a única forma de redenção. São muitos os
defensores desta proposta, nomes de peso da épo- Apesar da pugna entre Ciríaco e Miako trazer vi-
ca, como o deputado Coelho Neto, “Juca Paranhos, sibilidade à capoeira, em especial, no rol das artes
o Barão do Rio Branco (Parlamentar), Lite Ribeiro marciais, o processo de sistematização demoraria,
(Parlamentar) Luiz Murat (Jornalista e Parlamentar) aproximadamente, mais duas décadas, quando, em
Castro Soromento (Parlamentar) e outros” (PIRES, 1928, a obra Gynastica Nacional (capoeiragem) Me-
2010, p. 139). thodizada e Regrada, escrita por Annibal Burlama-
Em 1909, outro fato trouxe notoriedade à ca- qui, propõe uma metodologia não só de ensino, mas
poeira. Naquele ano, o estivador Ciríaco Francisco também de estruturação da capoeira com caráter
da Silva, de 38 anos, derrotou o lutador de jiu-jitsu desportivo, com regras bem definidas para o com-
Sada Miako. De acordo com Moura (2009, p. 127), bate. A obra é tida como um ponto de ruptura com
a vitória de Ciríaco sobre Miako “contribuiu deci- uma tradição social predominante, durante todo o

32
EDUCAÇÃO FÍSICA

século XIX, que vinculava o capoeira ao estereóti- Para que os anseios de ambos os mestres fossem
po do malandro e do vadio. Opondo-se diametral- efetivados, Reis (2000, p. 96) ressalta que:
mente a essa tradição social, Burlamaqui desponta
como “sportman”, como um capoeira desportista A capoeira teria que sair das ruas e limitar-se ao
espaço fechado das academias. Através da cria-
(PIRES, 2010). Neste mesmo sentido de ruptura,
ção de uma pedagogia para ensino da capoeira,
Araújo (1997) analisa a obra de Burlamaqui (1928) os dois mestres (principalmente Bimba) envi-
como um marco fundamental da transformação da daram esforços para ampliar o espectro social
capoeira em prática desportiva ao evidenciar os as- e étnico dos praticantes de capoeira, buscando
pectos positivos dessa manifestação até, então, mar- a adesão das classes médias e brancas da cidade
de Salvador.
ginalizada. Desta perspectiva, a capoeira se igualaria
a outros métodos gímnicos, lutas e desportos, mas,
sobretudo, ficava evidente “os benefícios de ordem Por meio do processo de retirada da capoeira das
física e moral advindos do desenvolvimento desta ruas e dos terreiros, onde era praticada às escondi-
manifestação corporal, sem, contudo, desconsiderar das, operou-se uma mudança na lógica da própria
a sua essência como uma prática de defesa pessoal” manifestação. A capoeira passou a ser vista não mais
(ARAÚJO, 1997, p. 208). como uma prática violenta, marginal e indisciplina-
O discurso de Burlamaqui (1928) apresenta a da. Foi, nesse contexto, que ela se consolidou como
pretensão de elevar a capoeira ao consagrado mun- uma prática corporal utilitária, destinada “para fins
do dos esportes atribuindo-lhe, então, regras bem pacíficos, voltados apenas para preservação da in-
definidas. Entretanto, a despeito dessas iniciativas tegridade física de seus iniciados, como também
de legitimação serem advindas do cenário carioca, para o ensino da educação física de caráter técnico
ainda nas duas primeiras décadas do século XIX, foi e profissional” (ARAÚJO, 1997, p. 218). Aliás, me-
a partir do advento da capoeira regional que se deu rece destaque o fato de que, quando o mestre Bim-
a inserção da prática no rol das modalidades des- ba conseguiu o certificado de registro oficial para o
portivas brasileiras (VIEIRA, 1998). Nós teremos a funcionamento do Centro de Cultura Física e Ca-
oportunidade de entendermos a capoeira regional, poeira Regional, expedido em 1937, tal documento
quando falarmos dos estilos de capoeira, os quais se- lhe foi conferido pela Secretária de Educação, Saúde
rão apresentados na unidade seguinte. Por ora, bas- e Assistência Pública da Bahia. Tal órgão qualificou
ta saber que o contexto baiano passou, a partir da o “ensino de sua capoeira como ensino de Educação
década de 30, a irradiar hegemonicamente os pre- Física” (REGO, 1968, p. 282). O reconhecimento e o
ceitos de uma capoeira esporte, mas carregada de prestígio alcançados pelo mestre Bimba levaram-no
tradicionalidade. Destacaram-se, neste processo, os a demonstrar a sua capoeira regional ao dirigente
mestres Bimba e Pastinha, respectivamente, o cria- máximo da nação, naquela apresentação, em 1953,
dor da capoeira regional e o maior expoente da ca- que Araújo (1997) considerou como um momento
poeira angola. O discurso desses mestres, guardadas expressivo no que se refere ao reconhecimento e à
as devidas proporções, refletia a preocupação com a afirmação social da capoeira como prática desporti-
legitimação social da capoeira. va e como luta.

33
CAPOEIRA

A sua oficialização como manifestação despor- mos que seja pertinente à retomada de uma breve
tiva, no entanto, tramitaria entre as décadas de 60 reflexão. A ascensão social da capoeira se deu de
e 70. Dois congressos nacionais de capoeira foram forma tão efetiva que hoje é ensinada nas escolas
patrocinados e organizados pela Comissão de Des- e universidades, mas com que sentido? Quando
portos do Ministério da Aeronáutica, nos anos de abordada nas aulas de Educação Física, a capoeira
1968 e 1969, ambos na cidade do Rio de Janeiro. O é apresentada como esporte? E o que significa esta
objetivo desses congressos era discutir a institucio- classificação?
nalização dessa prática (FRIGERIO, 1989; ARAÚJO,
1997; REIS, 2000). Para Lyra Filho (1973), somente
por meio de sua institucionalização a capoeira teria
concretamente reconhecimento social.
O Conselho Diretor da
Confederação Brasileira de
Pugilismo, por meio de
uma comissão de mestres
e estudiosos da capoeira,
ficou responsável por ela-
borar um regulamento técnico
que permitisse enquadrar a capoeira
nos parâmetros competitivos. Em 26 de de-
zembro de 1972, foram homologadas as con-
clusões apresentadas pelo relator da comissão,
o general Jair Jordão Ramos (ARAÚJO,
1997), as quais passaram a vigorar em 1º
de janeiro de 1973 (CAMPOS, 2001).
Para Frigerio (1989), o desenvol-
vimento da capoeira como prática des-
portiva ocasionou diversas implicações tanto
para a prática quanto para a concepção da própria
manifestação. Sem a intenção de discutir profun-
damente tais transformações, basta que nos lem-
bremos do primeiro tópico desta unidade, no qual
discutimos as concepções de capoeira e vimos que
já são muitas: luta, jogo, dança... Pois é! Por conta
do processo de reestruturação, visando a sua re-
denção social, mais um foi incorporado. Pensa-

34
considerações finais

Caro(a) aluno(a), chegamos ao final da primeira unidade, na qual discutimos, so-


bretudo, questões relacionadas ao desenvolvimento histórico da capoeira. Nesta
unidade, nós tivemos a oportunidade de refletir a abordagem da capoeira, quan-
do nos questionamos a sua definição. Nós podemos perceber que se trata de uma
manifestação da cultura corporal, cujos sentidos e significados coexistem. Neste
contexto, a capoeira é uma luta, um jogo, uma dança, um esporte... Tudo ao mes-
mo tempo.
A fim de entendermos como a capoeira surgiu, deparamo-nos com argu-
mentos que vislumbram tal manifestação como de origem africana, outros que
a percebem como uma criação de africanos escravizados no Brasil, portanto,
afro-brasileira, e há aqueles que argumentam uma origem indígena. Dentre tais
hipóteses, a mais aceita, atualmente, é aquela que concebe a capoeira como um
processo de encontro de culturas africanas em terras brasileiras.
Além disso, vimos como a figura do capoeira e da própria manifestação foi
enquadrada no código penal, inicialmente, como contravenção, e a partir de
1890, como crime. Isto porque a capoeira foi utilizada como instrumento para
promover desordem e tumultos pelas maltas, especialmente, na cidade do Rio de
Janeiro, desde os tempos do Império, o que desencadeou um processo de perse-
guição e extermínio de tais grupos.
Se por um lado, havia quem desejasse o fim da capoeira, por considerá-la
um flagelo social, por outro, havia quem defendesse as suas qualidades atléticas
e a sua representatividade nacional. Foi com o intuito de elevar a capoeira ao
panteão desportivo que alguns entusiastas apresentaram propostas de reestrutu-
ração, apresentando-a como um desporto, genuinamente, brasileiro.
Pensamos, prezado(a) aluno(a), que a leitura desta unidade nos permitiu vi-
sualizar alguns detalhes dessa prática corporal que, apesar de ser bastante conhe-
cida, ainda, carece de esclarecimentos e desmistificações sobre certos aspectos.

35
atividades de estudo

1. Ao longo desta unidade, nós tivemos a oportuni- 4. Quanto ao processo de criminalização da capo-
dade de refletir acerca da abordagem da capo- eira e dos seus praticantes, leia as afirmativas a
eira. Para tanto, questionamos-nos sobre a sua seguir.
definição. Nesse sentido, como podemos definir I - Grande parte dos praticantes seriam efe-
a capoeira? tivos capoeiras, deste modo, todos os ca-
poeiras eram efetivos praticantes desta
2. Disserte sobre as origens da capoeira.
manifestação.
3. No que se refere às discussões em torno das ori-
II - São designados “capoeiras” indivíduos que
gens da capoeira, assinale a alternativa correta:
promoviam ações criminosas que atenta-
a) A hipótese mais aceita, atualmente, é vam contra a integridade física e patrimo-
aquela que concebe a capoeira como uma nial dos cidadãos dos centros urbanos e
manifestação criada na África e trazida in- das áreas de entorno.
tacta para o Brasil.
III - A oficial criminalização da capoeira, a par-
b) A hipótese mais aceita, atualmente, é tir de 1890, foi fruto da idealização de um
aquela que concebe a capoeira como um projeto modernizador do país para a re-
processo de encontro de culturas africa- cém-proclamada República.
nas em terras brasileiras.
IV - Grande parte dos seus praticantes seriam
c) A hipótese mais aceita, atualmente, é efetivos capoeiras, entretanto, nem todos
aquela que concebe a capoeira como uma os capoeiras podiam ser considerados
criação indígena que fora assimilada pelos efetivos praticantes dessa manifestação.
negros africanos.
É correto o que se afirma em:
d) A hipótese mais aceita, atualmente, é
a) I, apenas.
aquela que concebe a capoeira como des-
dobramento do n’golo, uma dança dos ín- b) I e II, apenas.
dios brasileiros.
c) II e III, apenas.
e) A hipótese mais aceita, atualmente, é
d) II, III e IV, apenas.
aquela que concebe a capoeira como des-
dobramento de lutas trazidas pelos imi- e) I, II, III, IV.
grantes europeus.

36
EDUCAÇÃO FÍSICA

5. Assinale Verdadeiro (V) ou Falso (F) quanto às in- primeiras décadas do século XIX, foi a partir do
formações referentes ao processo de ascensão advento da capoeira regional que se deu a sua
social da capoeira. inserção no rol das modalidades desportivas
( ) No século XIX, houve a intensificação da brasileiras.
repressão policial aos capoeiras e à capoeira- A sequência correta para a resposta da questão é:
gem como um todo, mas havia, no mesmo perí-
odo, um movimento de reabilitação da capoei- a) V, F, F, F, V.
ra encabeçado por alguns intelectuais, políticos
b) F, V, V, V, F.
e militares.
( ) No século XIX, houve a intensificação da re- c) F, V, F, F, F.
pressão policial aos capoeiras e à capoeiragem d) V, F, V, F, V.
como um todo, sem que houvesse nenhum tipo
de movimento de reabilitação. e) V, V, F, F, F.
( ) Uma das estratégias empregadas para a
reabilitação social da capoeira foi a de lhe confe-
rir um caráter desportivo e, neste contexto, uma
das primeiras iniciativas registradas foi a edição
do Guia do Capoeira ou Ginástica Brasileira como
a primeira tentativa de criar um método para o
seu ensino.
( ) Em 1909, o lutador japonês de jiu-jitsu Sada
Miako derrotou o capoeira Ciríaco Francisco da
Silva, fato que trouxe descrédito para a capoei-
ra, uma vez que esta não se mostrava eficiente
como luta.
( ) A despeito dessas iniciativas de legitima-
ção da capoeira como desporto nacional serem
advindas do cenário carioca, ainda, nas duas

37
LEITURA
COMPLEMENTAR

O excerto que segue foi retirado de uma pesquisa que quanto nos demais elementos constitutivos.
teve por objetivo investigar as representações sociais da Estes elementos nem sempre são expostos, e quando o
capoeira por parte de professores(as) de educação física são, o são de forma limitada. A música, que no univer-
e estudantes do ensino fundamental e médio. Peço que so da manifestação representa uma forma de comuni-
leiam esse texto tendo em mente as discussões que ti- cação, transmitindo a história, os valores e as normas
vemos durante essa unidade. Mas, principalmente, pen- simbólicas da Capoeira, na escola quando é abordada é
sem como a capoeira tem sido abordada e representada de forma limitada, visto que cumpre apenas a função de
no contexto escolar e como vocês futuros profissionais embalar o jogo. Além do que os estudantes não acessam
de educação física irão lidar com tal cenário. Boa leitura. propriamente dito as cantigas, pois seu contato é media-
[...] As experiências analisadas evidenciaram alguns mo- do por equipamentos eletrônicos.
tivos para a abordagem da manifestação no ambiente A realização da roda de Capoeira é entendida pelos
escolar, dentre eles destacamos; imposição oficial via professores como a reunião dos alunos em círculo e a
planejamento curricular; datas comemorativas especi- realização dos gestos técnicos por alguns deles. Não
ficamente relacionadas à cultura negra; quando se faz consideram a execução dos toques pelos instrumentos
necessária a preparação dos estudantes para algum pro- característicos, tampouco o entoar das cantigas. Nesse
cesso avaliativo que a envolva de alguma forma. sentido, não há a realização da roda de Capoeira nas au-
Nossa hipótese não foi confirmada, pois as representa- las de Educação Física.
ções de Capoeira objetivadas pelos sujeitos participantes Levando-se em conta o que foi observado, concluímos
dessa pesquisa apresentam polifasia cognitiva. A mani- que a abordagem da Capoeira no contexto formal é in-
festação em questão, na perspectiva dos (as) professores consistente. Aspecto que se confirma no reconhecimen-
(as), é objetivada, predominantemente, enquanto luta, to por parte dos sujeitos das dificuldades enfrentadas
na perspectiva das crianças não praticantes a objetiva- por esses agentes ao tratarem da Capoeira nas aulas de
ção que predomina é da representação da Capoeira, en- Educação Física.
quanto um esporte, enquanto que as crianças pratican- Dentre as principais dificuldades destacamos àquela li-
tes objetivam-na como um jogo. O que constatamos na gada diretamente ao domínio da manifestação, o domí-
fala dos participantes foi o emprego de diversas repre- nio das especificidades da Capoeira é de ordem prática
sentações, concomitantemente, na tentativa de definir para todos os elementos constitutivos. Os responsáveis
a Capoeira, caracterizando-se num estado de polifasia pelas aulas não dominam os gestos técnicos próprios do
cognitiva. fenômeno. Não dominam a manipulação dos objetos,
A análise das representações do cotidiano das aulas por neste caso, os instrumentos característicos. Não domi-
parte dos participantes permitiu verificar que a aborda- nam a linguagem própria da Capoeira como o andamen-
gem da Capoeira ocorre com ênfase teórica em seus as- to dos jogos ou da própria roda. [...]
pectos históricos, sobremaneira ao período da escrava-
Fonte: Lima (2014).
tura. Existe uma defasagem quanto à abordagem prática
do fenômeno que se reflete tanto nos gestos técnicos,

38
material complementar

Indicação para Ler

O que é Capoeira
Anande das Areias
Editora: da Tribo
Sinopse: capoeira é uma luta? Ou é uma dança? Quem sabe é briga, defesa pes-
soal, esporte, cultura, arte, folclore...? Capoeira é tudo isso e muito mais. Porém,
para compreendê-la e aceitá-la em seu todo e em sua diversidade como criação
do ser humano, é preciso que, livres de preconceitos e imagens preconcebidas,
conheçamos um pouco mais de sua história e de seu desenvolvimento.

Indicação para Assistir

Jogo de Corpo: Capoeira e Ancestralidade


Ano: 2013
Sinopse: este documentário leva o mestre brasileiro de capoeira do gênero an-
golano, Cinézio Peçanha, mais conhecido como Mestre Cobra Mansa, até An-
gola. Vivendo a ancestralidade do povo e da capoeira que o mestre ensina, as
conexões, desde a escravidão entre Brasil e África, são reforçadas pela dança,
pela música e pelo conhecimento.

39
referências

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Alves de Brito, [s. d.]. Ministério da Educação e Cultura; Instituto Nacio-
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Petrópolis: Vozes, 1988. de Janeiro: MEC; Funarte, 1977. Volume 1.
ARAÚJO, P. C. D. Abordagens sócio-antropológicas CASCUDO, L. D. C. Dicionário do folclore brasi-
da luta/jogo da capoeira. Maia: Publismai, 1997. leiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1959.
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Referências on-line

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1

Em: <http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=083712&amp;PagFis=745&amp;Pesq=capo-
2

eiragem>. Acesso em: 20 fev. 2019.

41
gabarito

1. Há, atualmente, certa aceitação da definição da capoeira como uma mani-


festação cultural que combina jogo, luta e dança, ou seja, o que caracteriza a
capoeira é a sua polissemia de sentidos, a sua multidimensionalidade, sen-
do, ao mesmo tempo, dança, luta e jogo.
2. Apesar de não haver consenso quanto às origens da capoeira, atualmente, é
possível constatarmos que tal problemática orbita em torno de três hipóte-
ses básicas ou três mitos fundadores. Tais mitos concebem a capoeira: por
uma matriz africana nata; por uma matriz indígena; e por uma matriz que
comporta elementos africanos, cujo desenvolvimento se deu em território
brasileiro.
3. B.
4. D.
5. D.

42
UNIDADE
II
VERTENTES E ESTILOS DE CAPOEIRA

Professor Me. Reginaldo Calado de Lima

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta
unidade:
• A capoeira Angola de mestre Pastinha
• A capoeira Regional de mestre Bimba
• Capoeira Contemporânea: uma tendência atual

Objetivos de Aprendizagem
• Apresentar as características básicas da capoeira Angola.
• Entender a estrutura da capoeira Regional.
• Identificar as características da capoeira Contemporânea.
unidade

II
INTRODUÇÃO

O
lá, prezado(a) aluno(a). Nós analisamos, na unidade anterior,
alguns aspectos referentes ao desenvolvimento histórico da
capoeira. Nesta segunda unidade, a nossa proposta é de um
reconhecimento desta prática corporal, a partir de suas for-
mas mais comuns de expressão. Assim, tomaremos conhecimento das
vertentes ou dos estilos que, atualmente, a têm caracterizado.
A capoeira é uma prática corporal cuja característica é a sua heteroge-
neidade, essa característica pode ser verificada não somente em seus esti-
los, mas, mesmo dentro de um mesmo estilo, há diferenças significativas.
Assim sendo, o universo dessa manifestação tem sido caracterizado ou
representado por diferentes formas de jogar, as quais se convencionou
chamar de estilos ou vertentes.
O campo de debates acerca dos estilos de capoeira é um espaço tenso,
de certa forma, visto que alguns autores reconhecem como estilo apenas
dois, outros não acreditam ser possível separar a capoeira em estilos, consi-
derando-a como uma só manifestação. O fato é que algumas formas ganha-
ram notoriedade e passaram a ser consideradas como estilos ou vertentes.
Trataremos, nesta unidade, dos estilos de capoeira Angola, tido por
alguns autores como o estilo mais tradicional; a capoeira Regional, criada
nas primeiras décadas do século XX e, por fim, a capoeira Contemporânea,
expressão utilizada em referência à sua configuração atual. Ao abordamos
tais estilos, o faremos apresentando, dentro de nossas limitações, a sua his-
tória e a sua estrutura característica, bem como os seus representantes.
Uma questão que pensamos importante para a nossa reflexão é:
quando abordarmos a capoeira nas aulas de Educação Física no contexto
escolar ou em outros espaços, o quanto conhecimento ou o desconheci-
mento da existência de diferentes formas de jogar a capoeira impactará
a vivência dos(as) nossos(as) aluno(as)? Ou seja, é importante ou não
faz diferença alguma para eles saberem que existem diferentes formas e
possibilidades de jogar capoeira?
CAPOEIRA

A Capoeira Angola de
Mestre Pastinha

Olá, caro(a) aluno(a). Ao iniciar as nossas discus- A capoeira Angola é comumente apresentada
sões sobre as diferentes formas de jogar capoeira, como a capoeira “mãe”, “tradicional”, descendente
aqui abordadas como estilos, você perceberá que direta da herança africana. Tais adjetivos são em-
determinamos um tópico para cada estilo que nos pregados sobretudo para diferenciá-la dos demais
propomos a apresentar. Entretanto, esta separação estilos, especialmente, da capoeira Regional. É com
se deu apenas como estratégia pedagógica, no uni- este intuito que José Luiz de Oliveira Cruz, o mestre
verso da capoeira, esses estilos têm as suas histórias Bola Sete, em seu livro Capoeira Angola na Bahia
e o seu desenvolvimento intimamente relaciona- (1997), ao se referir à capoeira Regional, afirma que
dos, de modo que, ao tratarmos de um, será prati- “tudo foi criado a partir do estilo original de Ango-
camente impossível não mencionarmos os demais. la” (CRUZ, 1997, p. 20).
Comecemos a nossa conversa, falando sobre a ca-
poeira Angola.

48
EDUCAÇÃO FÍSICA

É indispensável, ao tratarmos da capoeira tinha aprendeu, não utilizamos a designação “Ango-


Angola, fazer menção ao nome de Vicente Ferreira la”? Isto se deve ao fato de este termo ser utilizado
Pastinha, o mestre Pastinha. somente após o advento da capoeira Regional. An-
tes, apesar de variações na forma de jogar, o termo
utilizado era tão somente capoeira ou capoeiragem.
Como já vimos, na unidade anterior, a aceitação
social da capoeira esteve necessariamente ligada à
capacidade de seus agentes culturais, entre os quais,
mestre Pastinha, em lhe conferirem roupagem mais
aproximada ao campo desportivo. Tal objetivo tam-
bém fez parte da estratégia de mestre Pastinha.
Entretanto, ele procurou conservar a sua capoeira
“pura”, repudiando desta forma, a “mestiçagem” da
luta inventada pelo mestre Bimba (REIS, 2000).
Figura 1 - Vicente Ferreira Pastinha
O mestre Pastinha passou a representar uma
Fonte: Educando com Ginga ([2019], on-line)1. espécie de guardião da tradição da capoeira, assu-
mindo, desta forma, a responsabilidade de sua con-
Nascido em 5 de abril de 1889, Vicente Ferreira Pas- servação. A figura de Pastinha logo ganhou a sim-
tinha foi iniciado na capoeira aos dez anos de ida- patia de grande parte da intelectualidade baiana, a
de por um mestre africano cujo nome era Benedito. qual estava, naquele momento, comprometida com
Após, aproximadamente, dois anos de aprendiza- a afirmação da africanidade da cultura brasileira e,
do, Pastinha já ensinava capoeira aos seus colegas particularmente, da baiana.
da Escola de Aprendizes da Marinha. Quando deu Fred Abreu (2013) nos explica que o prestígio
baixa, já aos 20 anos de idade, abriu a sua primeira do mestre entre os intelectuais se dava, basicamente,
escola de capoeira. Em 1922, mudou a sua academia pelo fato de a sua capoeira e de suas ações serem
para um local rodeado de repúblicas estudantis, o tratadas como sinônimo de tradição. Uma mostra de
que proporcionou o aumento significativo de alunos tal prestígio fica evidente nos comentários de Abreu
(FREIRE; ZINGG, 1967; PASTINHA, 1988; REIS, (2013, p. 23).
2000; PIRES, 2002).
De acordo com Pires (2002), o mestre Pastinha Naquele tempo! (Ah naquele tempo!), o cartaz
de Pastinha estava em alta, se expandia para
foi um dos personagens responsáveis pelo processo
além das fronteiras baianas. Artistas e intelec-
de transformação social pelo qual passou a capoeira tuais, entremeados na cultura popular, desta-
na Bahia, a partir da década de 20. Esta informa- cavam a personalidade do Mestre, enalteciam
ção nos é importante, pois nos permite repensar a seu jogo, engrandeciam sua amorosa dedicação
própria concepção de capoeira praticada e difundi- e zelo na arte da preservação e transmissão da
capoeira. Da Capoeira de Angola, como ele
da pelo mestre. Aliás, você notou que, quando nos
bem disse.
referimos à capoeira do período em que mestre Pas-

49
CAPOEIRA

Bem, caro(a) aluno(a), pensamos que já ficou evi- Quanto aos golpes da capoeira Angola, o mestre
dente a importância do mestre Pastinha para a ca- explica que eles são em número relativamente pe-
poeira e, especialmente, para a capoeira Angola. queno quando comparados a outras modalidades de
Doravante, após nos familiarizarmos com a figura luta, o que não a torna menos agressiva. Os princi-
do mestre, conheceremos um pouco de suas contri- pais golpes da capoeira Angola são, de acordo com
buições para a capoeira, ou seja, conheceremos um Pastinha (1988): cabeçada, rasteira, rabo de arraia,
pouco da capoeira Angola de Pastinha. Em relação chapa de frente, chapa de costas, meia lua e cutilada
à utilização deste termo, por mais que seja atribuída de mão. Mestre Bola Sete, a partir da observação dos
à capoeira Angola o título de “capoeira mãe”, “a ca- movimentos utilizados em escolas de capoeira An-
poeira Angola, assim como a [...] Regional, também gola, destacou alguns movimentos básicos. Assim os
surgiu de um movimento de ruptura entre pratican- classifica pois considera que, a partir desses, outros
tes na cidade de São Salvador” (PIRES, 2002, p. 62). são derivados, gerando um sem número de golpes
Assim, naquele período, preocupados sobrema- de capoeira.
neira com as questões ligadas à aceitação social da Não se preocupe com a quantidade dos golpes,
capoeira, alguns mestres da época implementaram as pois, em um jogo, é bastante comum que os joga-
suas concepções. Também é importante dizer que os dores se valham da liberdade de criação e, sem des-
praticantes não estavam organizados em um grupo respeitarem as regras e limitações, criem “golpes de
coeso, e mesmo dentro daquilo que se convencionou ataque e de defesa conforme seja o caso, que nunca
chamar de capoeira Angola, havia várias tendências, foram previstos e sem nome específico, e que após o
visto a própria liberdade de criação dentro do univer- jogo ele próprio não se lembra mais o tipo de expe-
so da manifestação. Isto não significa que existiam vá- diente que improvisou” (REGO, 1968, p. 34). Esta é
rias capoeiras, apenas formas particulares de jogá-la. uma constatação que podemos aproveitar para refle-
Assim, sigamos com a capoeira Angola de Pas- tirmos sobre a nossa futura prática profissional.
tinha. Uma das suas características fundamentais é
a malícia. Mas, o que é essa tal malícia? De acor-
do com o próprio Pastinha (1988), é a conduta do REFLITA
capoeirista que, dentro do jogo, faz uso de diversos
artifícios para enganar e distrair o outro jogador. Vimos que o capoeira é livre para improvisar
Para tanto, “pula para um lado e para outro. Deita- os seus movimentos durante um jogo, neste
-se e levanta-se. Avança e recua. Finge que não está sentido, como podemos estimular nossos(as)
alunos(as) a explorarem essa liberdade du-
vendo o adversário para atraí-lo. Gira para todos os rante a abordagem da capoeira?
lados e se contorce numa ‘ginga’ maliciosa e descon-
certante” (PASTINHA, 1988, p. 27). O jogo, então,
transcorre sem pressa, os jogadores vão criando as
possibilidades de aplicação efetiva de seus golpes.

50
EDUCAÇÃO FÍSICA

Quando abordarmos a capoeira nas aulas de Edu- Seguindo para os encaminhamentos finais des-
cação Física ou em qualquer outro espaço, podemos se tópico, pensamos que seja válida uma síntese das
fazê-lo a partir de, pelo menos, duas perspectivas: análises realizadas por Reis (2000). A autora consi-
uma nos moldes convencionais, cujo(a) professor(a) dera que a capoeira Angola pode ser caracterizada,
demonstra e os(as) aluno(as) copiam, reproduzin- pelo menos no que se refere aos movimentos cor-
do aquilo que lhes foi demonstrado; ou podemos, a porais, como um estilo cujo jogo é mais lento e se
partir do reconhecimento da liberdade de expressão dá mais próximo ao chão, com uma ginga baixa e
corporal como uma das características da capoeira, dançada, com uma postura mais defensiva, pouco
permitir que nossos(as) alunos(as) criem e movi- ou quase nenhum contato corporal e predomínio do
mentem-se livremente. elemento lúdico, assim como certo aspecto de tea-
Esta espontaneidade na criação de movimento tralidade.
está intimamente ligada à composição do “conjun- É preciso que lembremos que as considerações
to musical ou ritmos da capoeira”, o qual propor- apresentadas, aqui, referem-se a uma concepção
ciona ao jogo “graça, ternura, encanto e misticismo específica de capoeira Angola, ou seja, aquela es-
que bole com a alma dos capoeiristas” (PASTINHA, truturada por mestre Pastinha. No entanto, mui-
1988, p. 29). O conjunto musical que, atualmente, é tos outros mestres, contemporâneos de Pastinha,
conhecido como “bateria” ou mesmo “orquestra”, tem assim como ele, também empreenderam trans-
a finalidade de determinar o andamento do ritmo do formações à capoeira da época. O que findou por
jogo. Os instrumentos apresentados por Pastinha conferir certa distinção a tal manifestação. Mestres
como componentes de seu conjunto são: berimbaus, como Waldemar, Canjiquinha, Caiçara, Cobrinha
pandeiros, reco-reco, agogô, atabaque e chocalho. verde e tantos outros jogaram e ensinaram uma
As cantigas representam outro elemento caracte- capoeira que, apesar de ser denominada “Ango-
rístico da capoeira Angola. Para Pastinha (1988, p. la”, apresentava características ímpares. Mas esta é
31), estas são demonstrações genuinamente popula- uma questão, caro(a) aluno(a), para uma conver-
res que traduzem “em seus versos os sentidos da alma sa demasiadamente longa, da qual teríamos muito
dos capoeiristas e do povo”. Via de regra, a roda de prazer em participar, mas que devemos deixar para
capoeira Angola se inicia com uma ladainha, seguida outra ocasião.
por uma chula ou louvação e, na sequência, iniciam- Tendo abordado, neste tópico, questões referen-
-se os corridos. Não se preocupe, por ora, com estas tes à capoeira Angola, preparemo-nos para o próxi-
denominações, pois, na Unidade 4, onde trataremos mo, no qual discutiremos a capoeira Regional. Espe-
dos instrumentos e das cantigas, nós discutiremos ro contar com sua companhia. Até lá!
detalhadamente a definição e a estrutura desses tipos
de cantigas característicos da capoeira Angola.

51
CAPOEIRA

A Capoeira Regional de
Mestre Bimba

Olá, caro(a) aluno(a). Nós estamos, nesta Unidade te do estilo por alguns e como criador por outros. O
2, tratando dos estilos de capoeira ou do conjunto argumento que considera o mestre Pastinha como
de elementos e princípios que norteiam a forma de criador daquilo que hoje predomina como capoeira
expressar e jogar capoeira. No universo cultural da Angola se deu a partir da contextualização do perí-
capoeira, usualmente, falamos de dois estilos bem odo em que viveram o mestre e os seus contempo-
consolidados, a Angola, que tratamos no tópico an- râneos. Um período em que a capoeira lutava para
terior, e a Regional, que abordaremos neste tópico, se afirmar socialmente por meio das ações de seus
além de um terceiro que ora é tratado como estilo, agentes culturais, dentre os quais, o mestre Pastinha.
ora não, mas que é inegável não ser nem Angola e Pois bem, continuaremos, considerando o con-
nem Regional. No tópico anterior, nós fizemos con- texto de transformações às quais a capoeira foi
tato com as características básicas da capoeira Ango- submetida, para, depois, entendermos a estrutura
la. Ao longo da leitura, nos deparamos com a figura da capoeira Regional, um estilo criado pelo Mes-
do mestre Pastinha, apontado como grande expoen- tre Bimba. Comecemos, então, com uma definição

52
EDUCAÇÃO FÍSICA

apresentada no Dicionário de Capoeira (2005). No endidas por ele. Transformações essas que se deram,
verbete capoeira Regional, Lima (2005, p. 72) nos basicamente, a partir da necessidade de afirmação
explica que é um “estilo de capoeira sistematizado da capoeira como uma luta, e uma luta eficiente. De
pelo mestre baiano Manoel dos Reis Machado, onde acordo com Campos (2009), o que teria motivado a
os movimentos são mais rápidos com a introdução criação da Regional teria sido o descontentamento
de golpes de outras lutas”. O nome de Manoel dos do mestre Bimba com a forma folclorizada de capo-
Reis Machado não nos é estranho, já tomamos co- eira que era praticada à época.
nhecimento dele quando tratamos, no tópico 4 da Mestre Atenilo, outro discípulo de Bimba, afir-
Unidade 1, da ascensão social da capoeira. mou, em entrevista concedida à Almeida (1991),
Manoel dos Reis Machado, o mestre Bimba, nas- que mestre Bimba procurou o apoio de seus colegas
ceu em 23 de novembro de 1900 (SANTOS, 1996; capoeiras para reverter a situação na qual se encon-
ALMEIDA, 2005; CAMPOS, 2009). Há, entretanto, trava a capoeira e, em certa ocasião, chegou a reu-
outros autores que divergem quanto ao ano de nas- nir-se com alguns capoeiras em uma de suas casas,
cimento, que seria 1899 (PIRES, 2002; ABIB, 2013; onde teria dito:
MOURA, 2017). Filho de Luís Cândido Machado,
um afamado campeão de batuque, e de Maria Mar- Olha, nós temos lutador de judô, boxeur, luta-
dor de karatê, jiujitsu, lutador de luta livre, se
tinha do Bonfim. O seu nascimento se deu no bairro
nós ficar com essa capoeira angola quando pas-
do Engenho Velho de Brotas, antiga freguesia de Bro- sar na rua vão dizer: olhe, discípulo de fulano
tas, na cidade de Salvador, Bahia (CAMPOS, 2009). tomou tapa na rua, é discípulo de beltrano pi-
No que se refere à vida e à obra de mestre Bimba, sado (sic) (ALMEIDA, 1991, p. 20).
no universo da capoeira, podemos encontrar uma
síntese na obra Mestre Bimba: uma crônica da capo- Se por um lado, o mestre Bimba operou transfor-
eiragem (1991), cujo autor foi um de seus discípulos, mações na capoeira da época, atribuindo-lhe carac-
Jair Moura. No trecho que segue, o mestre relata, terísticas mais belicosas, por outro, operou trans-
entre outros fatos, com quem aprendeu a capoeira. formações quanto ao tipo social do praticante de
capoeira. No período em que o mestre viveu, a ca-
Desde 1918, que ensino capoeiragem. Adaptei poeira ainda era alvo de perseguição e, sobretudo,
vários golpes à “capoeira” praticada por um
de discriminação por resquícios herdados do século
descendente da raça africana, de nome Nozi-
nho Bento, mais conhecido por Bentinho, que XIX, quando seus praticantes eram tidos como mar-
muito se destacou neste setor, pela sua extra- ginais. Para Pires (2002), mestre Bimba representou
ordinária habilidade e cujas demonstrações um elo entre o passado e o presente, entre as gera-
foram por mim observadas atentamente. Assi- ções de capoeira na passagem do século XIX para
milei e difundi os seus proveitos ensinamentos,
o XX, mas, sobretudo, como um elo entre classes.
adotando, em parte, a sua orientação (MOU-
RA, 1991, p. 23). Basta que observemos que grande parte dos alunos
da capoeira criada por ele era oriunda da classe mais
Note que a narrativa do mestre Bimba registrada abastada economicamente.
por Moura (1991) indica as transformações empre-

53
CAPOEIRA

A moçada da nossa melhor sociedade exercita-


va a Capoeiragem Regional como esporte pro-
veitoso e excitante. Foram seus cultores o ex-go-
vernador do Guaporé, dr. Joaquim de Araujo
Lima, o desembargador Décio dos Santos Se-
abra, dr. Asclépios Ferrer, escritor primoroso,
para enumerar somente alguns que acabaram
com o preconceito que a luta infamava, deson-
rava quem a praticava (MOURA, 1991, p. 26).

As ações de mestre Bimba romperam com a tradição


de marginalização da capoeira e de seus praticantes,
pois, ao promover este fluxo da classe média alta
para a prática, possibilitou o desenvolvimento de
grupos com praticantes de melhor status na hierar-
quia social. De certa forma, isto forçou uma espécie
de seleção, uma vez que, de acordo com Pires (2002),
o mestre passou a exigir que os frequentadores de
sua academia fossem estudantes e/ou trabalhadores.
Antes de seguirmos com a estrutura propria-
mente dita da capoeira Regional, gostaria de lhe pro-
vocar uma reflexão. Você certamente já percebeu,
caro(a) aluno(a), que as transformações operadas
Figura 7 - Mestre Bimba (com o berimbau) e os seus discípulos
pelo mestre Bimba não se deram somente na ordem
Fonte: Moura (2017, p. 44). estrutural, mas, em grande medida, na ordem social.
Ou seja, ao criar a capoeira Regional, o mestre alte-
Vieira (1998, p. 130) reforça esta percepção ao afir- rou a própria percepção que a sociedade tinha dessa
mar que “Bimba operou o início do contato da capo- prática na época. Nesse sentido, gostaria que você
eira com outras esferas sociais, além da periferia das pensasse um pouco sobre quais foram as reações dos
grandes cidades, recodificando os rituais nos moldes contemporâneos do mestre Bimba.
do ambiente político e cultural da década de trin-
ta”. Moura (1991), como testemunha desse proces-
REFLITA
so, uma vez que foi discípulo de Bimba, certifica-o
ao postular que as ações do antigo mestre, ao ima-
narem a capoeira que já praticava ao batuque, tor- O mestre Bimba, ao criar a capoeira Regional,
alterou a forma como a sociedade se relacio-
navam a capoeira mais eficaz, revitalizando-a, sem nava com a capoeira. Como você acha que
que, contudo, perdesse o seu arcabouço nacional e os demais mestres dessa prática, na época,
tradicional. Conquistando, desta forma, adeptos de reagiram às ações de Bimba?

todas as classes sociais.

54
EDUCAÇÃO FÍSICA

Bem, vejamos como a postura do mestre Bimba e a cintura desprezada, batizado, roda, esquenta-banho,
expansão da sua capoeira Regional pela classe média formatura, jogo de iúna, curso de especialização e to-
soteropolitana foram percebidas pelos demais mes- ques de berimbau” (CAMPOS, 2009, p. 54). Dentre
tres de capoeira. O mestre Noronha, um dos grandes estes elementos, talvez a sequência de ensino tenha
nomes da capoeira, no que se refere à preservação sido o elemento que mais revolucionou a capoeira
da sua memória, na Bahia, e tido como “[...] severo por modificar radicalmente a forma de docência. O
crítico dos capoeiras que não se dedicavam a conhe- que se sabe sobre o processo de ensino-aprendiza-
cer melhor sua arte” (ABIB, 2013, p. 117), foi um gem da capoeira dos antigos mestres é que se dava
desses contemporâneos de mestre Bimba. O mestre de forma assistemática, ou seja, sem uma sequência
Noronha registrou em seu ABC da Capoeira Ango- lógica ou progressiva. Os velhos mestres como Wal-
la: os manuscritos do mestre Noronha, o seu contato demar, Canjiquinha e o próprio Bimba denomina-
com Bimba, com quem jogava quando este ainda vam essa forma de ensino-aprendizagem de “oitiva”
residia no morro do Bogum. Afirma, ainda, conhe- (ABREU, 2003).
cê-lo desde o tempo em que Bimba trabalhava como Para entendermos melhor a relevância da cria-
operador de carretão. Entretanto, após a criação da ção de mestre Bimba, enquanto um método didati-
Regional, a situação entre eles parece ter mudado. camente articulado, acompanhemos o depoimento
de Waldemar Rodrigues da Paixão sobre como se
Só depos [Bimba] mudou-se para outro lugar deu o seu aprendizado na capoeira.
que formou uma roda de capoeira Regional
na Pedra da marqua AV Vasco da Goma e nos
Eles [os mestres] vinham para Periperi, aquela
desprezor. nos fomo que disprezor ele. Porque
roda danada. Foi quando eu peguei a apren-
noso conjunto é conhecido. Porque o meios
der com eles. Eu era rapazinho. Comprava du-
que ele estava hera meio de rico i depois ficou
zentos réis de vinho tinto, aquele copo branco
pobre (sic) (COUTINHO, 1993, p. 52).
de alça, ele tomava e dizia: ‘pegue na boca da
minha calça!’ Eu levava pra pegar na boca da
A eficiência, enquanto luta, e as características atlé- calça dele e ele virava aquela cambalhota des-
graçada e já cobria [com] o rabo de arraia.
ticas da capoeira Regional foram amplamente di-
Quando eu ia levantando ele dizia: ‘não levante
vulgadas, por meio das apresentações artísticas e não, vai outro!’ Os alunos deles jogavam com a
da participação em lutas de ringue (ABREU, 1999). gente como que [se] a gente já era [fosse] bom
Esta estratégia vigorou até a década de 40, quando (ABREU, 2003, p. 16).
foi abandonada. Ao final daquela década, Bimba já
havia liderado um movimento de “academização da O próprio mestre Waldemar conservou o seu en-
capoeira” (PIRES, 2002). sino de forma muito próxima ao seu aprendizado,
O processo desenvolvido pelo mestre Bimba, na com poucas variações, uma vez que “ensinava na
concepção da capoeira Regional, resultou em uma roda, mas tinha os dias de treino. Eles estavam jo-
estrutura organizacional muito distinta da capoeira gando e eu fazia sinal pra fazer tesoura, fazia si-
de seu tempo, e é composta por “exame de admissão, nal pra chibatear, fazia sinal pro outro abaixar”
sequência de ensino de Mestre Bimba, sequência da (ABREU, 2003, p. 20).

55
CAPOEIRA

O mestre Bimba é celebrado por ter criado “o pri- de situações de jogos simulados, desde as mais sim-
meiro método de ensino da capoeira, que consta de uma ples até as mais complexas. Nos dizeres de Almeida
sequência lógica de movimentos de ataque, de defesa e (1994), mestre Bimba em sua genialidade, concebeu
contra-ataque” (CAMPOS, 2009, p. 55). O que diferen- um método capaz de proporcionar aos alunos uma
cia o método de Bimba é o processo progressivo, que consciência da imprescindível necessidade de jogar
considera a possibilidade de ensino aos praticantes que com os elementos essenciais da capoeira, quais se-
se encontram em diferentes estágios de conhecimento jam: os golpes, as defesas e contragolpes.
da capoeira. A sequência é composta por oito partes, Campos (2009) nos explica que a sequência de
que englobam os movimentos fundamentais da capo- ensino do mestre Bimba, na prática cotidiana do Cen-
eira Regional, os quais são combinados em situações tro de Cultura Física Regional, era aplicada em uma
que simulam o jogo propriamente dito. Nessa situação, versão simplificada, indicada para aqueles alunos
o aluno aprende de forma segura e, após se apropriar iniciantes, e uma versão completa, executada pelos
de algum conhecimento, realiza um jogo. Situação bem alunos formados. Via de regra, a versão completa era
diferente daquela narrada pelo mestre Waldemar. mais utilizada no curso de especialização, em função
A progressão pedagógica fica evidente na sequ- da demanda técnica e física. Acompanhemos, a seguir,
ência de ensino do mestre Bimba, uma vez que parte a sequência de ensino simplificada do mestre Bimba.

Quadro 1 - Primeira sequência: meia-lua de frente com armada

1ª SEQUÊNCIA – MEIA-LUA DE FRENTE COM ARMADA


ALUNO A ALUNO B
Meia-lua de frente, perna direita. Defende com cocorinha.
MOVIMENTOS Meia-lua de frente, perna esquerda. Defende com cocorinha.
Armada, perna direita. Defende com negativa, perna esquerda.
Sai de aú.
Fonte: Adaptado de Campos (2003).

Figura 8 - Primeira sequência


Fonte: Campos (2003, p. 67).

56
EDUCAÇÃO FÍSICA

Quadro 2 - Segunda sequência: queixada

2ª SEQUÊNCIA – QUEIXADA
ALUNO A ALUNO B
Queixada, perna direita. Defende com cocorinha.
Defende com cocorinha, contra-ataca com
Queixada, perna esquerda.
armada, perna direita.
MOVIMENTOS
Defende com cocorinha e contra-ataca com
Defende com negativa, perna direita.
bênção, perna direita.
Sai de aú. Aplica a cabeçada.
Defende com rolê.
Fonte: Adaptado de Campos (2003).

Figura 9 – Segunda sequência


Fonte: Campos (2003, p. 68-69).

57
CAPOEIRA

Quadro 3 - Terceira sequência: martelo

3ª SEQUÊNCIA – MARTELO
ALUNO A ALUNO B
Martelo, perna direita. Defende com esquiva e palma.
Martelo, perna esquerda. Contra-ataca com armada, perna direita.
MOVIMENTOS Defende com cocorinha e contra-ataca
Defende com negativa.
com bênção.
Sai de aú. Aplica a cabeçada.
Defende com rolê.
Fonte: adaptado de Campos (2003).

Figura 10 - Terceira sequência


Fonte: Campos (2003, p. 70-71).

58
EDUCAÇÃO FÍSICA

Quadro 4 - Quarta sequência: galopante e arrastão

4ª SEQUÊNCIA – GALOPANTE E ARRASTÃO


ALUNO A ALUNO B
Godeme, direito. Defende com palma direita.
Defende com palma esquerda. Contra-ataca com galo-
Godeme, esquerdo.
MOVIMENTOS pante com a mão direita.
Arrastão. Defende com negativa.
Sai de aú. Cabeçada.
Defende com rolê.
Fonte: adaptado de Campos (2003).

Figura 11 – Quarta sequência


Fonte: Campos (2003, p. 72-73).

59
CAPOEIRA

Quadro 5 - Quinta sequência: arpão de cabeça

5ª SEQUÊNCIA – ARPÃO DE CABEÇA


ALUNO A ALUNO B
Giro. Cabeçada no abdômen.
MOVIMENTOS Contra-ataca com joelhada. Defende com negativa.
Sai de aú. Aplica a cabeçada.
Defende com rolê.
Fonte: adaptado de Campos (2003).

Figura 12 – Quinta sequência


Fonte: Campos (2003, p. 74-75).

60
EDUCAÇÃO FÍSICA

Quadro 6 - Sexta sequência: meia-lua de compasso


6ª SEQUÊNCIA – MEIA-LUA DE COMPASSO
ALUNO A ALUNO B
Defende com cocorinha e contra-ataca com
Meia-lua de compasso, perna direita.
meia-lua de compasso, perna direita.
Defende com cocorinha. Joelhada, perna
Defende com cocorinha e contra-ataca com
esquerda. Meia-lua de compasso, perna
MOVIMENTOS meia-lua de compasso, perna esquerda.
esquerda.
Defende com cocorinha. Joelhada, perna
Defende com negativa.
direita.
Sai de aú. Aplica a cabeçada.
Defende com rolê.
Fonte: adaptado de Campos (2003).

Figura 13 – Sexta sequência


Fonte: Campos (2003, p. 76).

Quadro 7 - Sétima sequência: armada

7ª SEQUÊNCIA – ARMADA
ALUNO A ALUNO B
Defende com cocorinha. Contra-ataca com
Armada, perna direita.
armada, perna direita.
MOVIMENTOS Defende com cocorinha. Contra-ataca com
Defende com negativa, perna direita.
benção, perna direita.
Sai de aú. Aplica a cabeçada.
Defende com rolê.
Fonte: adaptado de Campos (2003).

61
CAPOEIRA

Figura 14 – Sétima sequência


Fonte: Campos (2003, p. 77-78).

Quadro 8 - Oitava sequência: benção, cabeçada e rolê

8ª SEQUÊNCIA – BENÇÃO, CABEÇADA E ROLÊ


ALUNO A ALUNO B
Benção, perna direita. Defende com negativa, perna direita.
MOVIMENTOS
Sai de aú. Aplica a cabeçada.
Defende com rolê. Defende com negativa.
Fonte: adaptado de Campos (2003).

Figura 15 – Oitava sequência


Fonte: Campos (2003, p. 79).

62
EDUCAÇÃO FÍSICA

Se a capoeira Angola tem seu jogo caracterizado pela nos demais estilos, as cantigas na capoeira Regional
malícia, como vimos no tópico anterior, a capoeira extrapolam a função de animar a roda. Elas assumem
Regional tem o seu jogo caracterizado por uma plas- o papel de registrar e preservar os fatos cotidianos
ticidade corporal muito própria. Os golpes são bem que envolvem e envolveram a capoeira e os seus pra-
definidos tecnicamente, executados, via de regra, ticantes ao longo de sua história, registrando e enal-
com as pernas estendidas, que projetam movimen- tecendo as suas façanhas, bravuras e desventuras em
tos mais amplos. Predomina, na capoeira Regional, períodos e contextos percebidos de forma ímpar,
o jogo alto, rápido e objetivo (CAMPOS, 2009). muito particular, por aqueles que os vivenciaram.
Quanto aos golpes que compõem o repertório Finalizamos este tópico, reconhecendo o mérito
geral da capoeira Regional, é preciso que nos lem- de mestre Bimba que, com pouca instrução formal,
bremos do caráter dinâmico da capoeira, no que se foi capaz de fazer uma leitura do seu tempo, de uma
refere aos seus movimentos, como já abordamos sociedade em transição e operar modificações em sua
em tópico anterior. Santos (1996) nos auxilia nessa arte, até então marginalizada. Reconheçamos o cará-
questão ao afirmar que, entre os anos de 1946 e 1949, ter revolucionário de mestre Bimba e os impactos de
período em que conviveu, diariamente, com o mestre suas ações. Conhecer a história e, principalmente, a
Bimba como seu discípulo, o repertório da capoeira obra, tanto do mestre Bimba quanto do mestre Pas-
Regional contava com 45 golpes. Em 1966, o autor tinha, enquanto expoentes da capoeira, auxiliar-nos-
afirma ter tomado conhecimento de 52 golpes. Cam- -á a compreender melhor a prática que se apresenta
pos (2009), apesar de não nos apresentar números, atualmente. Convido-lhe, caro(a) aluno(a), à leitura
demonstra classificação e nomenclatura próprias da do próximo tópico, no qual discorreremos acerca da
Regional. Explica-nos o autor que os movimentos ca- capoeira Contemporânea. Até breve!
racterísticos dessa capoeira são divididos em: “fun-
damentais, básicos, traumatizantes, desequilibrantes,
de projeção e ligados” (CAMPOS, 2009, p. 63).
Como elemento característico da capoeira, a mu-
sicalidade também se faz presente no estilo Regional.
Compõe o seu repertório musical as quadras, a lou-
vação e os corridos (CAMPOS, 2009). Assim como

63
CAPOEIRA

Capoeira Contemporânea:
uma Tendência Atual

Olá, caro(a) aluno(a). Com o intuito de conhecermos nal, fruto das ações de Manoel dos Reis Machado, o
as diferentes formas de organizar e mesmo de jogar a mestre Bimba, que, nas primeiras décadas do século
capoeira, apresentamos, nesta unidade, os estilos ou XX, descontente com a forma folclorizada apresenta-
vertentes de capoeira. Tradicionalmente, essa mani- da pela capoeira à época, criou uma nova estrutura.
festação tem sido polarizada entre os estilos Angola Ambos os estilos apresentados refletiram as
e Regional. O primeiro estilo tem como seu grande demandas sociais de um período, cuja resposta da
guardião e representante Vicente Ferreira Pastinha, capoeira, por intermédio, sobretudo, de Bimba e
o mestre Pastinha. Tomamos conhecimento, no pri- Pastinha, foi as transformações nos seus códigos,
meiro tópico, de argumentos que asseveram que a tanto estruturais quanto sociais. Tais transforma-
capoeira Angola praticada atualmente é descendente ções aproximaram a capoeira da estrutura esportiva,
das formulações empregadas por esse mestre. No se- tornando-a, assim, mais palatável para a sociedade
gundo tópico, nos deparamos com a capoeira Regio- daquela época.

64
EDUCAÇÃO FÍSICA

Esta retomada de ideias servirá para que nos Comecemos pela terminologia capoeira Contem-
lembremos de que a capoeira, como uma constru- porânea que, mesmo não sendo uma expressão
ção humana, portanto, social, cultural e histórica, é consensual, tem predominado, atualmente, no
dinâmica. Ou seja, é imperativo saber que a capoei- universo cultural da capoeira. Grosso modo, este
ra jogada atualmente nem sempre apresentou essa termo tem sido utilizado para designar uma forma
estrutura, esta codificação. Tal dinamicidade, em de jogar que não pode ser identificada nem como
termos pedagógicos, gera um problema, pois não Angola e nem como Regional, mas que, ao mesmo
temos como apresentar definições e tampouco con- tempo, apresenta características tanto da capoeira
ceitos precisos, inequívocos. Trataremos, então, de Angola quanto da capoeira Regional. Parece confu-
apresentar termos, expressões e estruturas mais usu- so? Não se preocupe, pois essa é uma questão que
ais, atualmente, no universo cultural da capoeira. tem sido amplamente debatida entre os pratican-
tes. Questiona-se, por exemplo, se a forma como
SAIBA MAIS a capoeira se apresenta pode ser considerada um
estilo. Os posicionamentos são diversificados, uns
Além dos estilos apresentados nesta unida- defendem ser Contemporânea um estilo, uma for-
de, tem se verificado a ocorrência de outras ma de evolução quase natural da própria manifes-
derivações de capoeira. Entre elas, podemos tação, que atende às demandas atuais, outros, mais
citar: capojitsu, aerocapoeira, hidrocapoeira,
capoeira-barravento, soma-capoeira, capoeira ortodoxos, concebem a existência de apenas dois
de Cristo, zen-capoeira, capoeira-miudinha, estilos, Angola e Regional.
capoeira-dancing, capoeira-gospel, capoeira Para ilustrar como o debate tem ocorrido a esse
arte-luta, capoeira evangélica, capoterapia,
capoeira workout e etc. respeito, citamos a primeira Jornada Cultural de Ca-
poeira, realizada em 1987, na cidade de Ouro Pre-
Fonte: Falcão (2010) e Lima (2005).
to-MG. Este evento reuniu muitos mestres de capo-
eira de diferentes gerações e estilos. Um dos temas
debatidos foi justamente os estilos. Vejamos como
Ezequiel Martins Marinho, o mestre Ezequiel, re-
presentante da capoeira Regional, se expressou, por
meio de uma cantiga que, na ocasião, ele intitulou
“Protesto”, quanto à forma como a capoeira estava
sendo jogada.

65
CAPOEIRA

É importante que se diga que, tanto a passagem


PROTESTO (ELE É CARA-DE-PAU)
descrita por Dias (1995) quanto o protesto de
Mestre Ezequiel
mestre Ezequiel, durante a Jornada Cultural, re-
Mestre Bimba e Mestre Pastinha fletem o seu tempo, um período em que a polari-
Foram responsáveis por uma legião zação Angola/Regional predominava. Pelo menos
Sua memória merece respeito no contexto baiano.
Merece carinho, merece atenção Em outros contextos, essa polarização estava
Estão inventando muita capoeira passando por um processo de amenização, muito
Isso é loucura, isso é besteira em função das condições as quais estavam sendo
Eles ficam em cima do muro submetidos os próprios capoeiras. Vejamos, por
Não pula pra frente nem pula pra trás exemplo, a situação no contexto paulistano, nas
Quando a gente pergunta o que joga
décadas de 60 e 70. Levados pelo fluxo migratório
Você sai dizendo na cara-de-pau
norte-sul, muitos capoeiras baianos, adeptos tanto
Eu jogo uma capoeira
da Angola como da Regional, conviviam sem que as
Que não é Angola nem Regional
dissidências entre os dois estilos se manifestassem
Ele é cara-de-pau, ele é cara-de-pau
acentuadamente, como ocorria no contexto baiano.
Capoeira é Angola ou Regional.
O contexto paulistano, por exemplo, possibilitou
que a capoeira fosse recriada, “surgindo uma forma
de jogar que refará a dicotomia baiana, a qual talvez
Esta problemática fica, igualmente, evidente no arti- possamos chamar de ‘Regional Angolizada’” (REIS,
go publicado, em 1995, no boletim da Ginga Asso- 2000, p. 127).
ciação de Capoeira, escrito por Ricardo Dias. No ar- Perceba, prezado(a) aluno(a), que a rivalida-
tigo, cujo sugestivo título é “Angoleiro ou Regional: de existente, no contexto baiano, entre os estilos
eis a questão?” o autor compartilha a sua experiên- de capoeira foi, naquele momento, superada pelas
cia de vida na prática, especificamente, o momento dificuldades comuns as quais foram submetidos os
em que as suas concepções de capoeira são postas à agentes migrantes. Retomemos, aqui, o dilema de
prova. Dias (1995), exposto há poucas linhas atrás, que,
ao se deparar com jogos executados por autênticos
Em 1987, tive a sorte de participar dos JEB’s e representantes tanto da capoeira Angola quanto da
encontrei explícita e autêntica essas duas formas
Regional, questionou-se sobre a forma como ele
de capoeira (Angola e Regional) pelas mãos de
alguns de seus filhos mais ilustres. Pronto! Essa mesmo praticava a sua capoeira. Qual foi a solução
foi a maior e mais importante rasteira que já le- encontrada pelo autor? Deixemos que ele mesmo
vei até hoje na minha vida capoeirística (DIAS, nos diga.
1995, p. 45).

66
EDUCAÇÃO FÍSICA

Nas minhas reflexões, consegui enxergar dois Angola e da Regional. Tal fato demonstra como os
caminhos: um era de fazer uma opção entre a estilos se articularam.
capoeira Angola e a Regional; o outro era de Em matéria intitulada “São Paulo: meio século
continuar praticando as duas. Optei pelo se-
de capoeira”, veiculada na Revista Capoeira, Antô-
gundo caminho, mas procurei pesquisar bas-
tante para entender ao máximo e de forma nio Cardoso Andrade, o mestre Brasília, ao se referir
inteira e consciente as duas linhas de capoeira àquele período, relembra que, individualmente, os
(DIAS, 1995, p. 46). estilos consagrados “não vingaram, nem a Angola
nem a Regional. Alguns mestres jogavam a Angola
Este processo de miscigenação da capoeira, ou seja, (Limão, Silvestre e eu) e outros a Regional (Ayrton,
uma forma híbrida de jogar se valendo dos dois es- Suassuna e Paulo Gomes). Daí saiu uma capoeira
tilos já consagrados se deu entre duas e três décadas que não é uma coisa nem outra. Ficou diferente”
antes do período ao qual Dias (1995) se refere, mas o (FERREIRA, 1999, p. 27). Para Reis (2000, p. 132),
seu depoimento revela uma situação pela qual mui- “com a abertura da Cordão de Ouro em terras pau-
tos capoeiras passaram. listanas, assistimos ao impensável na Bahia: dois
mestres, um formado na Angola e outro na Regio-
nal, abrirem juntos uma academia que se tornaria
um lugar de comunhão da capoeira”.
Esta confluência entre os estilos parece ter sido
uma tendência da capoeira a partir de então. No
mesmo período, porém, no contexto carioca, ini-
ciou-se um movimento parecido, desencadeado
por outras vias, é bem verdade. Um grupo de jovens
oriundos da classe média alta se juntou para treinar
a capoeira. Gil Clementino Cavalcanti de Albuquer-
que Filho, o mestre Gil Velho, um dos membros da-
quele grupo de jovens, que viria a se tornar um dos
grupos mais conhecidos e influentes, revela a Nestor
Retomemos as características do contexto paulis- Capoeira (1992) detalhes daquele período. “Nessa
tano, no qual muitos capoeiras baianos foram sub- época [1964], havia uns dez adolescentes treinando
metidos a dificuldades nas décadas de 60 e 70. Tal no terraço do Rafa [Mestre Rafael Flores]. Não ha-
contexto parece ter possibilitado o convívio até certo via professor, o aprendizado era orgânico e intuitivo:
ponto harmonioso entre praticantes da Angola e da uns iam aprendendo o pouco que os outros sabiam”
Regional. Podemos verificar tal situação representa- (CAPOEIRA, 1992, p. 94). O grupo de rapazes apre-
da na abertura, por volta de 1967, da academia Cor- sentou-se pela primeira vez, em 1966, com a desig-
dão de Ouro. O que há de importante na abertura nação de grupo Senzala. A menção ao grupo é re-
da referida academia é o fato dos mestres Brasília e levante, pois os seus integrantes à época, conforme
Suassuna serem, respectivamente, representantes da o trabalho foi desenvolvido, seguiam a linha da ca-

67
CAPOEIRA

poeira Regional. Entretanto, como lembra Fernando Angola ou Regional. Logo ao final da fala do mes-
Clementino Cavalcanti de Albuquerque, o mestre tre Ezequiel, José Tadeu Carneiro Cardoso, o mestre
Gato, em função das experiências do grupo, tanto Camisa, pediu a palavra e passou a argumentar, por
os conhecimentos da Regional quanto os da Angola se sentir representante deste novo modo de jogar
eram vivenciados pelos integrantes do grupo. capoeira. Em seus argumentos, o mestre Camisa
utilizou a expressão capoeira Contemporânea para
Sentindo falta do conhecimento dos funda- referir-se à concepção de prática que defendia, pra-
mentos, procuramos (na década de 60) contato
ticava e ensinava. Ao explicar para os presentes o
com as raízes na Bahia durante as férias, parti-
cipando de rodas tradicionais como a do finado trabalho que desenvolvia e, registre-se, que ainda
Valdemar da Liberdade, mestre Bimba, mestre desenvolve, o mestre afirmou: “eu não ensino ca-
Pastinha, mestre Popó de Santo Amaro. De vol- poeira Angola e nem ensino capoeira Regional [...]
ta ao Rio de Janeiro, procuramos discutir expe- muitos dizem que eu jogo as duas. Eu jogo capoeira”.
riências, os conhecimentos adquiridos e tenta-
Este parece ser o argumento predominante, a ideia
mos implementar aquelas vivências na roda do
grupo Senzala (CAPOEIRA, 1992, p. 47). de que apesar de existirem diferentes formas de jo-
gar, a capoeira é uma só. Ou seja, uma manifestação
O que eu gostaria que você percebesse, prezado(a) que pode ser jogada de várias maneiras, mas a sua
aluno(a), é que a partir das décadas de 60 e 70, por essência é uma só.
diversos motivos, a polarização entre Angola e Re-
gional, característica no contexto baiano, perdeu
força em outros contextos. O que se viu foi um pro- REFLITA
cesso de miscigenação da capoeira, em que ambos
os estilos passaram a ser praticados em ambientes Será que a existência de diferentes estilos,
comuns, por frequentadores de uma mesma acade- vertentes, escolas ou grupos, enfim, de dife-
mia, por integrantes de um mesmo grupo. Entretan- rentes formas de jogar capoeira, pode gerar
algum tipo de disputa entre os seus pratican-
to, não devemos concluir, com isso, que os capoeiras tes? Como podemos lidar com essas questões,
contemporâneos jogam Angola exatamente como no ambiente escolar, ou em outros espaços,
jogam os angoleiros, tampouco jogam Regional onde a capoeira é ensinada?

exatamente como jogam os praticantes da Regional.


Entre outros fatores, é por isso que é difícil definir
a capoeira Contemporânea, pois, ao mesmo tempo O fato é que a capoeira como se apresenta atual-
em que ela joga Angola e Regional, não é nem uma mente é diferente da Angola de mestre Pastinha e da
e nem outra. Regional de mestre Bimba, mesmo que os mestres
Relembremos a Primeira Jornada Cultural de da capoeira Contemporânea busquem os seus fun-
Capoeira, ocasião em que mestre Ezequiel protes- damentos nesses dois estilos.
tou por meio de uma cantiga, cujo conteúdo ver- Passemos, então, à caracterização da capoeira
sava sobre a impossibilidade, do ponto de vista do Contemporânea. Uma vez que comungam os dois
mestre, da existência de uma capoeira que não fosse estilos, a Contemporânea finda por tornar evidente

68
EDUCAÇÃO FÍSICA

os elementos de ambos em sua estrutura. A gestua- Por ora, prezado(a) aluno(a), não nos deteremos
lidade que predomina nesse estilo parece desenvol- nas cantigas ou mesmo nos instrumentos, pois estes
vida a partir da capoeira Regional. Os movimentos serão expostos detalhadamente na Unidade 4 deste
são vigorosos, atléticos, bem definidos, executados livro, de modo que fique claro quais são os princi-
a partir de uma técnica bastante apurada, obtida à pais instrumentos e cantigas de cada estilo.
custa de muito treino. Registra-se a presença signi- Para finalizarmos este tópico referente à capoei-
ficativa dos movimentos acrobáticos, dos floreios. ra Contemporânea, pensamos ser importante uma
Tais movimentos talvez sejam resquícios dos gru- ponderação sobre a estrutura organizacional da ca-
pos folclóricos que, nas décadas de 1960 e 1970, poeira atual. Nós vimos que, a partir das décadas de
eram compostos, em sua maioria, por capoeiras, o 60 e 70, grupos de praticantes de capoeira come-
que tornava a prática o elemento central nos shows. çaram a se organizar. Este processo se intensificou
Campos (1995), que compôs um grupo folclórico a partir da década de 80, quando houve um movi-
naquele período, relembra: mento em nível nacional de expansão dos grandes
grupos de capoeira. Este processo alterou significa-
Entendíamos que para o espetáculo ficar mais tivamente a relação mestre-aluno. O aluno, que ou-
emocionante, necessitávamos de algo que pro-
trora se identificava diretamente com o seu mestre e
duzisse uma sensação de estranheza e coreo-
graficamente fosse belo, desta forma, impres- era reconhecido com tal, atualmente identifica-se e
sionando os espectadores. Por esse motivo, é mais facilmente reconhecido pelo grupo do qual é
lançávamos mão de movimentos plásticos e de integrante (LUNA; MARQUES; VIEIRA, 2015).
coreografias de maior efeito para o público [...] Isso não significa, entretanto, que o mestre tenha
(CAMPOS, 1995, p. 60).
perdido espaço ou valorização, afinal, os grupos, via
de regra, representam justamente a perspectiva que
Quanto à roda de capoeira Contemporânea, acredi- o(s) seu(s) mestre(s) fundador(es) têm de capoeira.
tamos que seja o momento onde se torne mais nítida Nesse sentido, temos grande diversidade de elemen-
a influência dos estilos, visto que, a roda é inicia- tos organizacionais.
da com os toques provenientes da capoeira Ango- Por exemplo, é muito difícil apresentar nomes de
la, consequentemente, os jogos também seguem movimentos, visto que o mesmo movimento pode
os fundamentos desse estilo. Neste momento, há a ter nome diferente em diferentes grupos (e normal-
tentativa de se manter o mais próximo possível das mente tem). Situação similar ocorre com o sistema de
tradições da Angola, assim as cantigas são aquelas graduação, que varia de grupo para grupo. Apesar da
características do estilo, bem como o gestual. Con- existência de iniciativas de unificação, o cenário di-
forme se dá o adiantar da roda, passa-se a utilizar os versificado é o predominante. O que podemos pensar
preceitos da Regional, mas sem que se modifique, disso? É bom? É ruim? Quais as consequências para
por exemplo, a bateria, o que não corresponde àque- a capoeira? Quais as potencialidades? Bem, estas são
la utilizada na Regional. questões que lhes deixo como provocações. Até breve!

69
considerações finais

Olá, prezado(a) aluno(a), nesta unidade, nos propomos a identificar e a reconhe-


cer os estilos ou as vertentes de capoeira e tomamos conhecimento da polariza-
ção entre os estilos Angola e Regional, bem como da Contemporânea.
Vimos que, a partir da década de 30, mestres como Bimba e Pastinha opera-
ram transformações na estrutura da capoeira a fim de torná-la socialmente aceita.
Foi nesse contexto que o mestre Bimba criou a capoeira Regional, um estilo mais
atlético e, segundo o mestre, mais eficiente como luta. Criou ainda uma “sequên-
cia de ensino” que alterou radicalmente a forma como os conhecimentos dessa
manifestação eram transmitidos. Com o advento da Regional, a capoeira passou
a ser praticada por integrantes de um estrato social economicamente privilegia-
do. No mesmo período, o mestre Pastinha implementou algumas transformações
naquela capoeira que se jogava antes da Regional e que se convencionou denomi-
nar, a partir daquele momento, de capoeira Angola. As ações do mestre Pastinha
foram em direção à preservação dos aspectos mais tradicionais da prática.
Para além do cenário baiano ocorreu, a partir das décadas de 60 e 70, um
processo aproximação dos dois estilos de capoeira, o qual deu origem a uma es-
pécie de miscigenação, uma forma híbrida de capoeira. Por ser uma questão atu-
al, ainda é bastante debatida, porém, temos registrado, com muita frequência, a
utilização da expressão “contemporânea” em referência à capoeira que se pratica
atualmente. Esta, nem Angola e nem Regional, congrega elementos destes dois
estilos.
Lembre-se, prezado(a) aluno(a), que tratamos aqui de uma construção hu-
mana e, como tal, ela reflete as necessidades de seu tempo. Logo, reconhecer a
dinamicidade da capoeira nos auxilia na compreensão dos dilemas que se expres-
sam em seu desenvolvimento. Preparemo-nos para as próximas unidades, nas
quais abordaremos os elementos constitutivos da capoeira.
Forte abraço e até breve!

70
atividades de estudo

1. Com base no conteúdo estudado nesta unidade, II - A capoeira Angola desenvolvida pelo mes-
relacione as características gestuais elencadas tre Pastinha ganhou prestígio entre os in-
a seguir aos respectivos estilos ou vertentes de telectuais baianos pelo fato de ser consi-
capoeira. derada sinônimo de tradição.
1 - Capoeira Angola III - A malícia, característica do jogo da capoei-
ra Angola, é a conduta do capoeira que faz
2 - Capoeira Regional
uso de diversos artifícios para enganar e
3 - Capoeira Contemporânea distrair o outro jogador.
( ) Caracterizada por movimentos vigorosos, IV - Um dos maiores expoentes desse estilo
atléticos, bem definidos e executados a partir de foi Vicente Ferreira Pastinha. Ele foi um
uma técnica bastante apurada, obtida à custa de dos responsáveis pelo processo de trans-
muito treino. formação social da capoeira na Bahia, a
( ) Caracterizada por um jogo que transcorre partir da década de 20.
sem pressa, onde predomina a malícia. Jogo re- É correto o que se afirma em:
alizado mais próximo ao chão, com presença do
a) I, apenas.
elemento lúdico e de certa teatralidade.
b) I e II, apenas.
( ) Caracterizada por uma plasticidade cor-
poral muito própria, com golpes bem definidos c) II e III, apenas.
tecnicamente e executados, via de regra, com as
d) III e IV, apenas.
pernas estendidas, projetando movimentos mais
amplos. e) II, III e IV, apenas.

A sequência correta para a resposta da questão é: 3. Filho de Luís Candido Machado e Maria Martinha
a) 1, 2 e 3. do Bonfim, Manoel dos Reis Machado, o mestre
Bimba, adaptou golpes de outras lutas à capoeira
b) 2, 3 e 1.
que ele já praticava, criando, desta forma, a ca-
c) 3, 1 e 2. poeira Regional. Quanto a este estilo, analise as
d) 3, 2 e 1. afirmativas a seguir.
I - É um estilo cujos movimentos são mais
e) 1, 3 e 2.
rápidos e com a introdução de golpes de
2. A capoeira Angola é comumente apresentada outras lutas.
como a capoeira “mãe”, “tradicional”, descenden- II - É um estilo sistematizado por Vicente Fer-
te direta da herança africana. Quanto à capoeira reira Pastinha, o mestre Pastinha, que in-
Angola, analise as afirmações a seguir. seriu movimentos de outras lutas, como o
I - É um estilo sistematizado por Manoel dos batuque, conferindo, assim, uma tradição
Reis Machado, o mestre Bimba, cujos mo- africana.
vimentos são mais rápidos e com a intro-
dução de golpes de outras lutas.

71
atividades de estudo

III - Mestre Bimba criou a Regional, dentre III - Fora do contexto baiano, a polarização
outros motivos, por conta do seu descon- Angola/Regional era amenizada pelas con-
tentamento com a forma folclorizada ado- dições as quais estavam submetidos os
tada e apresentada pela capoeira em seu capoeiras, possibilitando uma forma mis-
tempo. cigenada de jogar.
IV - Mestre Bimba achava que a capoeira pra- IV - Na capoeira Contemporânea, a gestuali-
ticada à sua época apresentava um cará- dade predominante é herdeira da Regio-
ter belicoso e, por isto, criou a Regional, nal, logo, não há nenhum aspecto que
uma forma mais teatral e folclorizada. relacione a Contemporânea com a Angola.

É correto o que se afirma em: É correto o que se afirma em:


a) II, apenas. a) II, apenas.
b) I e II, apenas. b) I e III, apenas.
c) I e III, apenas. c) I e II, apenas.
d) III e IV, apenas. d) I, III e IV, apenas.
e) II, III e IV, apenas. e) II, III e IV, apenas.

4. Mesmo sem consenso quanto à sua utilização, a 5. Dentre os elementos que compõem a estrutura
expressão capoeira Contemporânea tem predo- da capoeira Regional criada pelo mestre Bimba,
minado para designar uma forma atual de jogar talvez a sequência de ensino tenha sido o que
que não é nem Angola e nem Regional. Quanto à mais revolucionou a capoeira. Nesse sentido,
capoeira Contemporânea, analise as afirmativas disserte sobre a sequência de ensino do mestre
a seguir. Bimba.
I - Caracterizada como uma forma de jogar
que não pode ser identificada nem como
Angola e nem como Regional, mas que, ao
mesmo tempo, apresenta características
de ambas.
II - Foi sistematizada a partir de um acordo
entre Vicente Ferreira Pastinha e Manoel
dos Reis Machado para difundirem a ca-
poeira mundialmente.

72
LEITURA
COMPLEMENTAR

A formação do cenário contemporâneo da


capoeira
Voltemos um pouco no tempo para explicar melhor a competições de capoeira assemelhavam-se às de outras
emergência da capoeira contemporânea. Nos início dos modalidades de luta, não considerando toda a riqueza
anos 70, os capoeiristas ainda tinham algo de exótico. A da arte, reduzindo-a a um simples esporte de combate.
própria capoeira era vista como uma manifestação cultural Aos poucos, foi-se chegando a formas mais elaboradas e
que buscava se afirmar como esporte, cujo lugar “natural” completas de avaliação dos capoeiristas e as competições
seriam as comunidades mais pobres e periféricas, de po- ficaram muito parecidas com as próprias rodas de capo-
pulação predominantemente afrodescendente. A prática eira. Convém lembrar o papel de laboratório da capoeira
da capoeira em instituições mais elitizadas ainda causava nos Jogos Escolares Brasileiros (JEBs), que contribuiu para
estranheza e, de fato, muitas delas fechavam suas portas construção de uma visão mais global dessa arte-lutada.
para ela. Era necessário, portanto, um grande esforço de É importante destacar que os 80 foram também a déca-
“organização” da capoeira, dando continuidade à trajetória da da expansão nacional dos grandes grupos de capoei-
iniciada pelos praticantes da primeira metade do século XX. ra. Firmou-se esse modelo na organização da nossa arte,
Assim, as décadas de 1970 e 1980 se caracterizam como apesar dos esforços de alguns pela adoção do modelo
a época dos grandes projetos relacionados com a capo- tradicional das federações. Este, sem dúvida foi o passo
eira. A maioria deles com algum de pioneirismo (embora que mais se destacou na história contemporânea da ca-
houvesse muitas e importantes iniciativas isoladas ante- poeira: a consolidação da lógica da organização na forma
riores): capoeira na escola, na universidade, para porta- de grupos, em que o professor, ou o mestre que se for-
dores de necessidades especiais, nos curso de licencia- ma e organiza sua escola, procura vincular-se a uma ins-
tura em Educação Física, em institutos de reeducação de tituição já reconhecida no mercado. Podemos, inclusive,
menores infratores, como terapia, como “ginástica brasi- discutir em que medida essa forma de organização con-
leira” e como objeto de dissertações e teses acadêmicas. tribui para preservar a diversidade e a riqueza cultural da
Há, na literatura sobre a capoeira, inúmeros registros de capoeira e para promover o fortalecimento coletivo da
trabalhos relevantes, em todas essas áreas e em algu- arte como forma de resistência cultural.
mas outras e não é nossa proposta aqui enumerá-los. Outra tendência importante a partir do início dos anos
O importante é destacar esse momento de mudança na 80 foi a revalorização das tradições e dos “velhos mes-
história contemporânea da capoeira. tre”, juntamente com o fortalecimento dos grupos de
Foi nas décadas de 1970 e 1980, também, que a capo- capoeira angola, que ganharam muito espaço à medida
eira conquistou seu lugar no cenário esportivo nacional, que a comunidade da capoeira começava a questionar
ainda sob a égide da Confederação Brasileira de Pugilis- os caminhos da desportivização. [...]
mo, e obteve reconhecimento de vários órgãos governa- Fonte: Luna, Marques e Vieira (2015, p. 102).
mentais ligados ao esporte e à educação. No início, as

73
material complementar

Indicação para Ler

O barracão do Mestre Waldemar


Frederico José de Abreu
Editora: Zarabatana
Sinopse: o livro narra de forma peculiar uma série de aspectos tradicionais da
capoeira Angola, tendo como elemento central a vida de mestre Waldemar. A sua
vida, inseparável da capoeira, retrata um tempo em que o ato de ensinar capoeira
acontecia de forma bem diferente da atual: os espaços onde se praticava a capo-
eira eram outros, via de regra, em bares, vendas e feiras, muitas vezes, em troca
de uma aguardente, bem diferente do contexto das academias.

Indicação para Assistir

Pastinha! Uma Vida pela Capoeira


Ano: 1998
Sinopse: Neste documentário, filmado no Rio de Janeiro, em Salvador e em
Nova York e ilustrado por fotos de David Zingg e Pierre Verger e com desenhos
do próprio Mestre Pastinha, o realizador Antônio Carlos Muricy narra a trajetória
de um dos mais importantes capoeiristas brasileiros. Resultado de cinco anos de
trabalho, este filme constitui uma oportunidade rara de conhecer os fundamen-
tos e a história da legendária capoeira de Angola e o seu mestre.

Indicação para Assistir

Mestre Bimba: A Capoeira Iluminada


Ano: 2007
Sinopse: a vida e a história de Manoel dos Reis Machado, o mestre Bimba, um
homem de origem humilde que se tornou um grande jogador e educador da
capoeira, contada por meio de depoimentos de amigos próximos e de imagens
de arquivo. Bimba é responsável pela criação da chamada “capoeira Regional”,
que se contrapõe à “capoeira de Angola”, a modalidade mais original desta arte
marcial.

74
referências

ABIB, P. R. J. Mestres e capoeira famosos da Bahia. FERREIRA, A. M. São Paulo: meio século de capoei-
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75
gabarito

1. C.
2. E.
3. C.
4. B.
5. A sequência de ensino elaborada pelo mestre Bimba talvez tenha sido um
dos elementos que mais revolucionou a capoeira, pois modificou radical-
mente a forma de ensino. Antes da referida sequência, o processo de ensi-
no-aprendizagem se dava de forma assistemática, sem uma lógica progres-
siva. De acordo com depoimentos dos velhos mestres, eles aprendiam de
“oitiva”. A sequência de ensino do mestre Bimba é composta por oito partes
articuladas em uma sequência progressiva de movimentos de ataque, defe-
sa e contra-ataques que possibilitam a apropriação, pelos(as) alunos(as), de
forma segura dos movimentos fundamentais da capoeira Regional.

76
UNIDADE
III
OS GESTOS TÉCNICOS
CARACTERÍSTICOS DA CAPOEIRA

Professor Me. Reginaldo Calado de Lima

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta
unidade:
• Distribuição didático-pedagógica dos gestos técnicos
• Ginga, o gesto fundamental
• Gestos técnicos ofensivos, o ataque do capoeira
• Gestos técnicos defensivos
• Gestos técnicos acrobáticos: desafiando os limites do corpo

Objetivos de Aprendizagem
• Apresentar uma distribuição didático-pedagógica dos
gestos técnicos característicos da capoeira.
• Reconhecer a ginga como o movimento fundamental da
capoeira.
• Conhecer os gestos técnicos ofensivos que caracterizam a
capoeira.
• Compreender a dinâmica dos gestos técnicos defensivos
da capoeira.
• Identificar as características básicas dos gestos técnicos
acrobáticos/floreio da capoeira.
unidade

III
INTRODUÇÃO

Olá, caro(a) aluno(a), seja bem-vindo(a)!


Nas unidades anteriores, nós abordamos os elementos referentes ao
desenvolvimento histórico da capoeira e, para tanto, questionamos a sua
própria concepção. Vimos que a forma como a sociedade a percebeu
transitou desde a uma prática criminosa até a sinônimo de nacionalida-
de. Nós também vimos que, durante o seu decurso histórico, a capoei-
ra passou por transformações, almejando, sobretudo, a ascensão social.
Algumas foram tão radicais que, independentemente de ser a mesma
manifestação, houve a necessidade de distingui-la em estilos. Essa traje-
tória histórica está inscrita corporalmente nos capoeiras, no repertório
gestual que caracteriza a manifestação. Nesse sentido, propomos, como
tema central desta unidade, a exposição de outro elemento constitutivo
da capoeira: os gestos técnicos.
Inicialmente, no primeiro tópico, lhes apresentaremos uma forma
bastante simplificada de distribuição dos gestos técnicos característicos
da capoeira. Tal distribuição é arbitrária e decorre, basicamente, da ne-
cessidade de organização didático-pedagógica, que é a abordagem que
qualquer prática corporal exige, enquanto conteúdo.
A partir do segundo tópico, apresentaremos os gestos técnicos pro-
priamente ditos, começando pela ginga, considerado o gesto fundamen-
tal da capoeira, ou seja, é o movimento que serve como base para a exe-
cução dos demais gestos.
No terceiro tópico, serão apresentados alguns dos gestos técnicos
ofensivos característicos da prática. Já os gestos técnicos defensivos se-
rão expostos no quarto tópico, a partir do qual esperamos possibilitar
a compreensão da dinâmica de tais gestos, a qual é indispensável para
entendermos a dinâmica do próprio jogo de capoeira.
No quinto e último tópico, procuraremos identificar as características
básicas dos gestos técnicos acrobáticos, ou os floreios, como também são
conhecidos os tais movimentos.
CAPOEIRA

Distribuição Didático-Pedagógica
dos Gestos Técnicos

82
EDUCAÇÃO FÍSICA

Olá, caro(a) aluno(a). Ao iniciarmos as nossas dis- qual seja: a abordagem da prática corporal capoeira
cussões acerca dos gestos técnicos, estas serão guia- como componente curricular de um curso de gra-
das por alguns princípios. Primeiramente, é preciso duação em Educação Física. Logo, tal abordagem
dizer: o que estamos aqui a denominar por gestos precisa oferecer, mesmo que minimamente, subsí-
técnicos são aqueles movimentos característicos dios teóricos e práticos para que os futuros profis-
da capoeira que a caracterizam como uma prática sionais da disciplina tenham condições de, por sua
corporal. Há, nesse sentido, um repertório gestual vez, abordar a capoeira nos mais distintos espaços.
extremamente dinâmico no universo desta prática. Nesse sentido, apresentamos uma classificação que
Tais gestos mudam em tal medida que, em dados considera os principais gestos técnicos dessa mani-
momentos históricos, operou-se uma verdadeira festação de uma maneira mais geral, sem que nos
ruptura na manifestação. aprofundemos nas características e especificidades
Você, prezado(a) aluno(a), há de se lembrar dos estilos, tampouco nos desdobramentos decor-
dos estilos de capoeira que foram abordados na rentes da combinação entre os movimentos.
unidade anterior. A gestualidade é um dos aspectos Neste momento, nos ateremos ao contato ini-
distintivos entre eles, ou seja, somos capazes de cial com os gestos técnicos característicos da capo-
identificar um angoleiro pelo seu gestual, da mesma eira. Isto significa que essa classificação é arbitrária,
forma que conseguimos identificar um praticante da o critério por nós utilizado para a sua elaboração
capoeira Regional. foi a necessidade de uma organização didático-
Nesse sentido, questionamos: a gestualidade atu- pedagógica. Todavia você se deparará com outras
al da capoeira, ou seja, os seus movimentos, são exe- possibilidades de classificação e distribuição dos
cutados da mesma forma que eram executados em gestos que levam em consideração outros aspectos,
outros períodos? Em nossa opinião, não. Entretanto, como a execução do golpe. É o caso daqueles que
mesmo reconhecendo as mudanças no que se refe- classificam os gestos em giratórios, desequilibran-
re à execução dos movimentos corporais relativos à tes, traumatizantes, dentre outros. Eu sugiro que
capoeira, é possível identificarmos um conjunto de você, como futuro(a) profissional da Educação, que
movimentos e de gestos que a caracterizam com tal, lidará com a abordagem de inúmeras práticas cor-
ou seja, somos capazes de olhar para imagens histó- porais, exercite a sua capacidade de compreensão e
ricas da capoeira e reconhecermos um grande nú- a posterior organização de conteúdo.
mero de movimentos. O segundo aspecto, que merece explicação, é o
Antes de iniciarmos nosso contato com o re- fato de que os gestos técnicos característicos da ca-
pertório de gestos da capoeira, devemos esclarecer poeira extrapolam uma classificação, visto que tais
alguns aspectos importantes. Em primeiro lugar, movimentos podem transitar livremente pelas cate-
a proposta que ora apresentamos foi organizada a gorias que aqui propomos. Na prática, o que ocorre
partir de um olhar didático-pedagógico. Ou seja, é que um movimento categorizado como acrobáti-
nos propomos a apresentar uma classificação, na co/floreio pode ser empregado como gesto técnico
qual estão agrupados os principais movimentos da defensivo, mas, dependendo da intencionalidade do
capoeira e que atendam aos anseios deste material, capoeira, torna-se ofensivo. Esta é uma característi-

83
CAPOEIRA

ca própria da prática e que só podemos compreen- SAIBA MAIS


der quando reconhecemos que a racionalidade e os
valores culturais, que fundamentaram o surgimento
Os movimentos da capoeira foram criados
dessa manifestação, não se assentam na racionalida- tendo como fonte de inspiração a “mãe natu-
de cartesiana, a qual é predominante em nossa rea- reza”. Assim, tais movimentos teriam surgido
da observação das brigas dos animais, dos
lidade. A própria concepção de capoeira escapa às
coices deflagrados, dos saltos dos bodes, da
categorias que a tentam definir, ora como luta, ora imitação dos macacos, dos cavalos, das aves,
como dança, ora como jogo e daí por diante. dentre outros animais os quais os escravos
puderam observar no contexto da escravidão
Dito isto, observem o organograma representa-
brasileira.
do na Figura 1, no qual retratamos uma proposta
Fonte: adaptado de Areias (1998).
inicial de classificação dos principais gestos técnicos
da capoeira.

O esquema não apresenta desdobramentos, ou seja,


GINGA OFENSIVOS DEFENSIVOS FLOREIOS
na categoria gestos técnicos ofensivos, nós podería-
Meia-lua Aú e suas mos os desdobrar em traumatizantes, desequilibran-
Bases de frente Cocorinha variações
Parada de
tes e etc., entretanto, estamos assumindo que, para
Esquiva de mão e suas
Balanços Queixada frente este momento, tal desdobramento tornaria a abor-
variações
dagem demasiadamente técnica. Da mesma forma,
Descola- Armada Esquiva de Queda de
mentos costa rins optamos por não apresentar aqueles “gestos simbóli-
Meia-lua de Esquiva cos” que fazem parte da configuração da roda.
Compasso lateral Macaco
Para finalizarmos este tópico, é imperativo saber
Martelo Negativas que esses gestos apresentados, anteriormente, não
esgotem o repertório gestual da capoeira. Eles foram
Chapa Pêndulos selecionados para exposição por serem os mais co-
mumente executados nas rodas de jogo. Em tempo,
Benção gostaríamos de fazer um apelo a você, que é, ou já foi
praticante de capoeira: compartilhe conosco e com
Ponteira
seus colegas de turma a sua experiência e nos ajude
Figura 1 - Distribuição dos gestos técnicos iniciais
a perceber que a nomenclatura desses gestos é bas-
Fonte: o autor. tante diversificada.

84
EDUCAÇÃO FÍSICA

85
CAPOEIRA

Ginga, o Gesto Fundamental


Ao passo que trataremos, nesta unidade, dos gestos no andamento prático do jogo. Isto porque os de-
técnicos da capoeira, iniciaremos nosso estudo, dis- mais movimentos derivam diretamente da ginga.
cutido um gesto característico dessa prática corpo- Logo, sem ela, possivelmente, teríamos outra dinâ-
ral. Abriremos, portanto, este tópico, falando sobre mica predominante na capoeira.
a ginga. Pretendemos, nesta unidade, abordar os gestos
A ginga, além de caracterizar a manifestação, ou técnicos em suas generalidades, sem que nos dete-
seja, de nos permitir reconhecer que se trata de ca- nhamos aos detalhes extremamente técnicos. Estes
poeira, no exato momento, em que nos deparamos são importantes, mas apenas lembrem-se que, neste
com alguém gingando, tem um papel determinante momento, temos a oportunidade de um contato ini-
cial com a capoeira.
86
EDUCAÇÃO FÍSICA

Vale destacar, porém, que a gestualidade expres- bambolear pra lá e pra cá, ameaçar o movimento e
sa na capoeira apresenta nuances e particularidades negá-lo”. Atualmente, é mais comum que utilizemos
que dependem tanto dos estilos quanto dos diferen- o termo balanço para nos referirmos a tais alternân-
tes jogos executados em um mesmo estilo. Sendo a cias. Mas, antes de vivenciarmos os balanços e des-
ginga o gesto fundamental, ela nos permite identifi- locamentos, aprendamos a ginga.
car estas diferenças, essas particularidades, mesmo A dinâmica da ginga é bastante simples, vis-
que não sejamos exímios capoeiras (LOPES, 1979). to que obedece a mesma dinâmica do ato de ca-
Quando dizemos que a ginga expressa as particu- minhar. Observem que, quando caminhamos, os
laridades dos jogos e dos estilos, e o faz até mesmo nossos braços e as nossas pernas movimentam-
em relação ao jogador, nos referimos à mudança de -se alternadamente. Assim, quando o nosso pé de
gestualidade. Entretanto, a dinâmica do movimento apoio, que está à frente, é o pé esquerdo, o nosso
da ginga não é alterada. braço direito é que estará adiantado em relação ao
Recordemos da gravura de Rugendas (s. d.) ex- esquerdo. Pois bem, visualizem mentalmente esta
posta na Unidade 1. A partir dela, podemos perce- descrição; ampliem a distância entre os pés; eleve o
ber uma postura corporal dos capoeiras que nela fo- braço que está à frente até a altura da boca e vocês
ram retratados e que nos remete à ginga. Tal fato nos terão a imagem da base da ginga.
leva a inferir que ela acompanha a capoeira desde os
seus primórdios. Obviamente, é prudente que con-
sideremos as transformações estéticas e o aprimo-
ramento técnico, elementos aos quais a ginga tenha
sido, possivelmente, submetida ao longo da história
da capoeira.
De acordo com Cruz (1997, p. 48), a ginga per-
mite ao capoeira “defender-se com o auxílio das
mãos e dos braços, negaciando em várias posições,
deslocar-se para qualquer direção, permitindo-lhe
uma melhor posição para defesa, o ataque e o con-
tra-ataque (sic)”. Observaram o termo “negaciando”
exposto? A negaça é uma expressão que fora mui-
to utilizada. Moura (1991) nos explica que ela era a
base da luta.
Então, a base não é a ginga? Calma! Esta é o
movimento fundamental da capoeira, e negacear
significa movimentar-se a partir da ginga, variando-
-a, visando, com isto, a desnortear o outro jogador.
Nos dizeres de Lima (2005, p. 103), negacear duran-
te um jogo de capoeira é o “ato de negar o corpo,

87
CAPOEIRA

Veja o vídeo que mostra,


com detalhes, as posições
básicas da ginga. Para
acessar, use o seu leitor de
QR Code.

88
EDUCAÇÃO FÍSICA

Como uma estratégia didático-pedagógica, dividiremos a


ginga em etapas as quais serão descritas e executadas esta-
ticamente, mas lembre-se, caro(a) aluno(a) que, durante
o jogo, a ginga se dá como uma movimentação constante,
sem que haja esta fragmentação aqui apresentada.
Os itens 1, 3, 5 e 7 da figura representam a mesma po-
sição, a que chamamos de base da ginga, mas apenas foram
retratadas de ângulos diferentes. Assim, a partir da obser-
vação das imagens 1 e 5 da Figura 2, podemos compreen-
der a descrição da base da ginga. Nelas (1 e 5), o capoeira
mantém as suas pernas em posição anteroposterior, ou
seja, mais ou menos alinhadas uma à frente da outra.
No caso das imagens 1 e 5, temos a perna direita po-
siciona atrás, e a esquerda, à frente. A perna da fren-
te deve ser mantida semiflexionada, enquanto que a de
trás permanece semiestendida. O peso do corpo, nessa
posição, repousa mais sobre a perna da frente. O apoio
da perna de trás se dá no terço anterior do pé, e o da
frente, neste caso, o esquerdo, com o pé inteiro apoia-
do no chão. O tronco permanece levemente inclinado à
frente. Os braços desempenham um papel de proteção
e são alternados em tal função. Assim, quando a perna
esquerda está à frente, como nas imagens 1 e 5, o braço
direito estará à frente, flexionado na altura da boca. Nas
imagens 3 e 6, temos a mesma base da ginga, apenas
representada com a perna esquerda atrás e a direita à
frente. Logo, com o braço esquerdo à frente.
As imagens 2, 4, e 6 representam uma posição, cuja
nomenclatura pode variar de grupo para grupo e de re-
gião para região, mas que comumente é chamada de pa-
ralela, cadeira, cadeirinha ou mesmo cavalo. Essa é a posi-
ção em que o capoeira está mudando a sua base de ginga.
O peso do corpo fica distribuído igualmente sobre as duas
pernas, que se encontram semiflexionadas. O mesmo bra-
ço que protegia o rosto da base permanece nesta posição e
será trocado quando ocorrer à troca da perna.

89
CAPOEIRA

Como já dissemos, a ginga não ocorre de maneira Quando você, caro(a) aluno(a), abordar os gestos
estática, mas sim, dinâmica, deste modo, elabora- técnicos e, em especial, a ginga, sobretudo, se tal ex-
mos a Figura 3, na qual procuramos ilustrar o deslo- posição for para crianças, é, sempre, importante que
camento dos pés a fim de facilitar a compreensão do se respeite a individualidade e espontaneidade. Ou
movimento como um todo. seja, é claro que há uma técnica de execução da gin-
ga, mas desde que se entenda a dinâmica do gesto,
permita que cada um(a) faça ao seu modo.
Em outras palavras, ensine as crianças a ginga-
Esq Dir Esq Dir Esq Dir
rem, mas deixem que elas vivenciem tal movimento
e explorem as suas possibilidades de execução. Justa-
mente a partir do desenvolvimento e da exploração
da ginga é que temos os deslocamentos, os balanços,
Dir Esq Esq ou as negaças. Estes são movimentos que exigem
BASE DA GINGA CADEIRA/ BASE DA GINGA mais tempo do capoeira e lhe permite um nível de
PARALELA
1e5 2, 4 e 6 3e6 jogo que, mesmo sem desferir nenhum gesto ofen-
sivo, é capaz de colocar o seu companheiro em apu-
Figura 3 - Dinâmica da ginga
Fonte: O autor. ros. Como já salientamos, não nos aprofundaremos
nessas questões, entretanto, vocês poderão acompa-
nhar, neste material, exemplos de deslocamentos e
balanços e quem sabe, até se arriscar na criação de
uma forma de se deslocar a partir da ginga.
Veja o vídeo que mostra,
Então, vamos lá. Agora que já nos apropria-
com detalhes, a dinâmica
da ginga. Para acessar, use mos da descrição de cada posição e já conhecemos
o seu leitor de QR Code. a direção do movimento, é hora de arriscar a sua
execução. E lembrem-se de respeitar os seus limites
e as suas particularidades, ou seja, apesar de tentar
seguir as fases descritas, façam do seu jeito. Não se
REFLITA esqueçam de compartilhar conosco os seus avanços.
Boa vivência e até breve!
Ao longo desta unidade, nos foi descrita a
execução de alguns gestos técnicos caracterís-
ticos da capoeira. Nesse sentido, até que pon-
to devemos seguir tal execução sem tornar a
nossa abordagem demasiadamente técnica?

90
EDUCAÇÃO FÍSICA

91
CAPOEIRA

Gestos Técnicos Ofensivos,


o Ataque do Capoeira

92
EDUCAÇÃO FÍSICA

Olá, prezado(a) aluno(a). Nesta unidade, estamos Costumamos utilizar, no universo da capoeira,
tratando dos gestos técnicos da capoeira, aqueles a metáfora do diálogo, quando fazemos referência
elementos corporais que são próprios dessa mani- à relação corporal durante o jogo. Dizemos, desta
festação e que assim a caracterizam. forma, que quando o capoeira joga com outro, eles
No tópico anterior, tratamos da ginga, o gesto estão promovendo um diálogo corporal, um jogo de
fundamental a partir do qual todos os demais são perguntas e respostas (FALCÃO, 2006). Nesse senti-
derivados. Para este tópico, propomos contato com do, os gestos técnicos ofensivos são as perguntas que
os gestos técnicos ofensivos. Utilizamos o termo um capoeira faz ao outro.
“ofensivo”, como elemento próprio do ataque. São Os gestos selecionados para compor este mate-
esses gestos que evidenciam o aspecto “luta” da ca- rial não encerram o repertório gestual da capoeira,
poeira. Logo, é indispensável que reflitamos: quais apenas foram selecionados porque são comumente
gestos técnicos ofensivos devemos privilegiar na empregados na manifestação independentemente do
abordagem da capoeira? Esta é uma questão para a estilo. Entretanto, vale lembrar ainda que os nomes
qual não há uma resposta pronta e acabada. e a descrição que ora se apresentam não são a única
Pensamos que a seleção de um ou outro golpe forma de identificação, tampouco de execução. Pos-
dependerá do contexto, bem como da população sivelmente, você mesmo(a), aluno(a), reconhecerá
para a qual a capoeira está sendo exposta. Mas, esses gestos por outros nomes e por outra maneira
principalmente, é importante que conheçamos o po- de executá-los. Isto não é um problema, muito pelo
tencial de belicosidade do movimento. Alguns gol- contrário, enriquece a nossa aprendizagem. Suge-
pes são altamente traumáticos, ou seja, machucam rimos que, se vocês se sentirem à vontade para tal,
mesmo que não seja empregada muita potência, é mandem para as(os) nossas(os) mediadoras(es),
o caso da ponteira, por exemplo. Assim, sugerimos durante as nossas aulas, os nomes pelos quais vocês
que este movimento não seja ensinado nas primeiras conhecem os gestos que apresentaremos. Sem mais
aulas. Reserve-o para aquele momento em que vocês delongas, vejamos, a seguir, alguns exemplos de ges-
percebam que os alunos já têm algum controle nos tos técnicos ofensivos.
movimentos executados.

93
CAPOEIRA

MEIA-LUA DE FRENTE

A meia-lua de frente é um movimento bastante sim-


ples em sua execução e descrito por Lima (2005, p.
100) como um movimento cujo capoeira o faz “des-
crevendo um semicírculo de fora para dentro no ar,
retornando à posição inicial”. É possível executar a
meia-lua de frente de formas diversas, ora iniciando
o movimento com a perna que está atrás, ora com a
perna que está à frente. Neste momento, descrevere-
mos apenas uma.
Partindo da base da ginga, em que a perna es-
querda esteja atrás, esta deve seguir o movimento
natural da ginga e entra na paralela; a perna direita
inicia um movimento de ataque que executa uma
trajetória semicircular, desenhando uma meia-lua
no ar; a perna direita retorna ao ponto inicial, ou
seja à paralela, sem tocar o chão em outro ponto; a
perna que executa a meia-lua de frente deve manter-
-se estendida.

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EDUCAÇÃO FÍSICA

Figura 4 - Dinâmica da execução da meia-lua de frente


Fonte: Unicesumar.

Por ser um gesto de simples execução e que permi-


Veja o vídeo que mostra, te um bom nível de controle, durante o movimento,
com detalhes, a dinâmica por parte de quem o executa, é a nossa sugestão de
da execução da meia-lua de abordagem nas primeiras experiências com os ges-
frente. Para acessar, use o tos técnicos, mas após a ginga, obviamente.
seu leitor de QR Code.

95
CAPOEIRA

QUEIXADA

O movimento que apresentamos neste material


como queixada pode ser identificado, na capoeira
Angola, como meia-lua de lado (CRUZ, 1997). Se
comparada com a meia-lua de frente, a queixada
segue uma trajetória oposta, ou seja, enquanto na
meia-lua de frente realiza-se o movimento de adu-
ção, na queixada, quando executada com a mesma
perna, teremos o movimento de abdução. Para fins
pedagógicos, tal comparação pode ser interessante,
desde que se adeque a terminologia à faixa etária.

96
EDUCAÇÃO FÍSICA

Figura 5 – Dinâmica da execução da queixada


Fonte: Unicesumar.

Partindo da base da ginga com a perna direita atrás,


gira-se o tronco para direita, posicionando-se late-
ralmente em relação ao outro jogador, sem que haja
troca na posição das pernas; a perna direita que esta-
Veja o vídeo que mostra, va atrás avança por trás da esquerda; o tronco deve fi-
com detalhes, a dinâmica car de frente com o outro jogador. Esta posição é um
da execução da queixada. pouco desconfortável, principalmente, nas primeiras
Para acessar, use o seu execuções, mas é a partir dela que teremos impulso
leitor de QR Code.
para a queixada propriamente dita; a perna esquerda
executa um movimento semicircular da direita para
esquerda e finaliza na base da ginga oposta daquela
que iniciou o movimento. Ou seja, quando iniciamos
a queixada, a perna direita estava atrás, e quando fi-
nalizarmos, será a perna esquerda que estará atrás.

97
CAPOEIRA

ARMADA

A armada é um gesto técnico ofensivo giratório,


ou seja, o jogador, para executá-la, realiza um giro
completo sobre o próprio eixo. Lima (2005, p. 55)
descreve tal gesto como um “movimento giratório
por meio do qual o capoeirista sai da posição ini-
cial e faz um giro de 360 graus, objetivando atingir
o rosto, a cintura ou o ombro do adversário”. É um
gesto um pouco mais complexo que os descritores
anteriormente.

98
EDUCAÇÃO FÍSICA

Figura 6 - Dinâmica da execução da armada


Fonte: Unicesumar.

Para realizar uma armada com a perna esquerda, ini-


cia-se o movimento a partir da base da ginga com a
perna esquerda atrás; a perna esquerda segue a se-
quência natural da ginga e entra na paralela; a per-
Veja o vídeo que mostra na direita avança de modo que o jogador fique posi-
com detalhes, a dinâmica cionado, lateralmente, em relação ao outro jogador;
da execução da armada. inicia-se a rotação do tronco, neste caso, no sentido
Para acessar, use o seu anti-horário. A mesma rotação é acompanhada pela
leitor de QR Code.
cabeça e finaliza quando o executante visualizar, so-
bre o ombro, o outro jogador; neste momento, a perna
esquerda disfere a armada propriamente dita. A per-
na percorre a trajetória de um círculo praticamente
completo em torno do próprio jogador; a finalização
do movimento se dará na mesma base em que o golpe
foi iniciado, ou seja, com a perna esquerda atrás.

99
CAPOEIRA

MEIA-LUA DE COMPASSO

A meia-lua de compasso é um gesto técnico ofensivo


giratório, com execução similar à armada. Logo, su-
gerimos que ambos os gestos sejam abordados com
alguma proximidade, não necessariamente na mes-
ma aula, mas em aulas próximas. De acordo com
Castilha (2012), este é um movimento exclusivo da
capoeira, cuja execução não se verifica outras for-
mas de luta, nem mesmo de maneira similar.

100
EDUCAÇÃO FÍSICA

Figura 7 - Dinâmica da execução da meia-lua de compasso


Fonte: Unicesumar.

Para a execução da meia-lua de compasso com a per-


na esquerda, o capoeira posiciona-se na base da ginga
com a perna esquerda atrás; esta segue a sequência
natural da ginga e entra na paralela; a perna direita
Veja o vídeo que mostra, avança de modo que o capoeira fique posicionado la-
com detalhes, a dinâmica teralmente em relação ao outro jogador; flexiona-se o
da execução da meia-lua tronco e ambas as mãos são apoiadas no chão. Nesta
de compasso. Para aces- fase do movimento, quem está executando o gesto
sar, use o seu leitor de
olha para o outro jogador pelo espaço entre a perna
QR Code.
direita, a qual estará à frente, e o braço direito; a perna
direita é mantida flexionada, e a esquerda, estendida;
a esquerda disfere a meia-lua de compasso propria-
mente dita, ao percorrer a trajetória de um círculo,
praticamente completo em torno do próprio jogador
e finaliza na mesma base da ginga que iniciou o movi-
mento, ou seja, com a perna esquerda atrás.

101
CAPOEIRA

MARTELO

O martelo é um gesto técnico ofensivo traumatizan-


te (CAMPOS, 2009), ou seja, o potencial deste mo-
vimento de causar algum trauma físico é alto, pois
é um gesto caracterizado por sua execução rápida e
explosiva (LOPES, 1979).

102
EDUCAÇÃO FÍSICA

Figura 8 - Dinâmica da execução do martelo


Fonte: Unicesumar.

Para a execução do martelo com a perna esquerda, o


capoeira deve posicionar-se na base da ginga com a
perna esquerda atrás; eleva-se esta, lateralmente, fle-
xionando-a; ao mesmo tempo, o pé de apoio, neste
Veja o vídeo que mostra, caso, o direito, executa um leve giro a fim de permi-
com detalhes, a dinâmica tir que o corpo do capoeira esteja posicionado la-
da execução do martelo. teralmente em relação ao outro jogador; executa-se
Para acessar, use o seu de forma explosiva a extensão da perna esquerda;
leitor de QR Code.
o pé esquerdo atinge a área de contato desejada em
flexão plantar. Após esta sequência de movimentos,
retorna-se para a mesma base da ginga inicial, com
a perna esquerda atrás.

103
CAPOEIRA

CHAPA

A chapa é um gesto técnico ofensivo cuja execução


se dá com a “coxa erguida desferido com a ‘planta do
pé’” (CRUZ, 1997, p. 51). A chapa emprega, comu-
mente, um empurrão contra o outro jogador. A sua
execução segue, basicamente, a mesma dinâmica
inicial do martelo.

104
EDUCAÇÃO FÍSICA

Figura 9 - Dinâmica da execução da chapa


Fonte: Unicesumar.

Para a execução da chapa com a perna esquerda, o


capoeira deve posicionar-se na base da ginga com a
perna esquerda atrás; eleva-se a perna esquerda, la-
teralmente, de modo que a coxa permaneça alinha-
Veja o vídeo que mostra, da paralelamente ao solo; o pé de apoio, neste caso,
com detalhes, a dinâmica o direito, executa um leve movimento de rotação a
da execução da chapa. fim de permitir que o corpo do capoeira esteja posi-
Para acessar, use o seu cionado, lateralmente, em relação ao outro jogador;
leitor de QR Code.
executa-se, em seguida, a extensão da perna esquer-
da, mantendo o pé dorsifletido; após a extensão da
perna esquerda ter proporcionado o contato com o
outro jogador, retornará para a mesma base da gin-
ga, neste caso, com a perna esquerda atrás.

105
CAPOEIRA

BENÇÃO

A benção é um gesto técnico ofensivo cuja execução


se dá de forma direta ou frontal, sem que haja a ne-
cessidade de giros. Para Capoeira (1992, p. 151), este
gesto técnico “não é um chute, nem um pontapé, é
como se fosse um empurrão”.

106
EDUCAÇÃO FÍSICA

Figura 10 - Dinâmica da execução da benção


Fonte: Unicesumar.

Para execução da benção com a perna esquerda,


deve-se iniciar o movimento, partindo da base da
ginga com a perna esquerda atrás; eleva-se a perna
esquerda flexionada de modo que o joelho esteja um
Veja o vídeo que mostra, pouco acima da linha da cintura; executa-se, vigo-
com detalhes, a dinâmica rosamente, um movimento de extensão da perna
da execução da benção. esquerda; o pé esquerdo deve ser mantido em dor-
Para acessar, use o seu siflexão, almejando atingir a área de contato com a
leitor de QR Code.
região plantar do pé; braços e pernas são alternados
durante a execução da benção, assim, se o gesto foi
desferido com a perna esquerda, o braço direito es-
tará flexionado à frente do rosto.

107
CAPOEIRA

PONTEIRA

A ponteira é um gesto técnico ofensivo de execução


direta ou frontal. Esse gesto tem um alto potencial
traumático e, como você deve recordar, já fizemos
algumas recomendações sobre a sua abordagem.
Concordamos com Castilha (2012, p. 45), que ad-
verte, quanto ao perigo da ponteira, por se tratar de
um movimento desferido de forma explosiva, o que
pode gerar danos aos “órgãos internos do oponente,
por isso, a sua utilização é pouco recomendada nos
dias de hoje, principalmente, para crianças e adultos
iniciantes”.
Se há estas ressalvas quanto à exposição da pon-
teira, por que estamos apresentando-a neste mate-
rial? Justamente pelo perigo que ela representa aos
iniciantes, agravado pelo fato de se tratar de um
gesto de fácil execução. Neste sentido, entendemos
que seja importante a sua exposição para que todos
conheçam o seu potencial traumático e, principal-
mente, tomem as devidas precauções.

108
EDUCAÇÃO FÍSICA

Figura 11 - Dinâmica da execução da ponteira


Fonte: Unicesumar.

A execução da ponteira é similar à da benção, as prin-


cipais diferenças estão na posição do pé que desfere
o golpe e na região que se pretende atingir. Para a
execução da ponteira com a perna esquerda, deve-se
Veja o vídeo que mostra, iniciar o movimento na base da ginga com a perna
com detalhes, a dinâmica esquerda atrás; eleva-se esta flexionada de modo que
da execução da ponteira. o joelho esteja um pouco acima da linha da cintura;
Para acessar, use o seu executa-se, vigorosamente, um movimento de ex-
leitor de QR Code.
tensão da perna esquerda; o pé esquerdo é mantido
em flexão plantar, e os dedos devem realizar o movi-
mento de extensão a fim de atingir a área de contato
com o terço anterior do pé e não com os dedos. Bra-
ços e pernas são alternados durante a execução da
ponteira, assim, se o gesto foi desferido com a perna
esquerda, o braço direito estará flexionado à frente
do rosto. Finaliza-se a ponteira retornando a perna
esquerda à base inicial da ginga.

109
CAPOEIRA

110
EDUCAÇÃO FÍSICA

Para finalizarmos este tópico, cujo objetivo foi o de


conhecer os gestos técnicos ofensivos que caracte-
rizam a capoeira, gostaríamos de lembrar que tais
gestos representam a forma de ataque do jogo e,
como tal, são desferidos de forma objetiva, com o
intuito de atingir o outro jogador. Por este motivo, é
imprescindível cautela em sua abordagem, especial-
mente com as crianças.
Observe, igualmente, a necessidade de respeitar
as particularidades de cada um, ou seja, respeite os
limites de cada aluno(a) durante a execução dos ges-
tos aqui expostos.
No tópico seguinte, trataremos dos gestos técni-
cos defensivos, os quais representam a forma básica
de defesa do jogador de capoeira. Até breve!

111
CAPOEIRA

Gestos Técnicos
Defensivos
Olá, caro(a) aluno(a). O tópico que se inicia é o compreendemos que esse gesto é o movimento
quarto de uma unidade na qual nos propomos fundamental, pois é a partir dele que todos os de-
apresentar os gestos técnicos característicos da mais são desferidos. É ainda a ginga que caracteriza
capoeira. Deparamo-nos com uma proposta de a própria manifestação. Ou seja, reconhecemos a ca-
organização didático-pedagógica dos gestos no poeira pelo movimento da ginga. No terceiro tópico
primeiro tópico; com a ginga no segundo, no qual fomos apresentados aos gestos técnicos ofensivos,

112
EDUCAÇÃO FÍSICA

aqueles movimentos cuja intencionalidade de quem por uma sequência de ataques e defesas, sendo os
os executa é de atacar, contundentemente, o outro ataques os gestos técnicos ofensivos, e a defesa, os
jogador. Já para o tópico que se inicia, propomos gestos defensivos.
apresentar os gestos técnicos defensivos a fim de que Um dos obstáculos na elaboração de uma clas-
conheçamos a sua dinâmica. sificação dos gestos característicos da capoeira é o
Os gestos técnicos defensivos podem ser descri- caráter polissêmico desses. Ou seja, cada um dos
tos como os movimentos que o capoeira emprega gestos transita entre as categorias aqui expostas. Isto
para se evadir, para se defender, ou seja, são os ges- não é, necessariamente, um problema, se levarmos
tos empregados em resposta a um ataque. Lembra- em consideração que a própria capoeira é polissêmi-
-se quando, no tópico anterior, falamos da metáfora ca. Assim, exporemos aqueles gestos técnicos, cuja
do diálogo corporal? Dissemos que, quando dois característica predominante é a defensiva.
capoeiras jogam, eles estão promovendo esse diálo- No jogo da capoeira, não é comum o uso de blo-
go, um jogo de perguntas e respostas. Nesse sentido, queios como estratégias de defesa, isto não significa
as perguntas são os gestos técnicos ofensivos ou os que não existam, apenas não é a forma característica
ataques, e as respostas a tais perguntas são os gestos de defesa. Os capoeiras se valem, em sua maioria, de
técnicos defensivos. Costumamos dizer, no universo movimentos denominados esquivas, cuja finalidade
da capoeira que, um jogador ganha do outro quando é a de “retirar o corpo ou parte do mesmo da dire-
este não tem resposta à pergunta daquele. ção em que o golpe foi desferido” (SANTOS, 2010,
Apresentaremos, assim como fizemos nos tópi- p. 124). Esta estratégia de não enfrentamento direto
cos anteriores, a ilustração de gestos técnicos de- do golpe acompanha a dinâmica da capoeira já em
fensivos, bem como a descrição de sua execução. longa data. Moura (1991, p. 67), ao discorrer sobre
Mas gostaríamos de chamar a atenção para a dinâ- a capoeiragem, nas primeiras décadas do século XX,
mica deles e para a estrutura que se desenvolve a nos explica que “os movimentos defensivos simples
partir do embate entre os gestos técnicos defensi- constavam de desvio de corpo, para evitar o alcance
vos e ofensivos. do golpe”. Essa dinâmica aparece em outros movi-
Gostaríamos que você percebesse, estimado(a) mentos para além das esquivas, dentre eles, as ne-
aluno(a) que, partir do emprego desses dois tipos de gativas e os pêndulos. Vejamos alguns exemplos de
gestos, temos o jogo de capoeira. Este desenrola-se gestos técnicos defensivos.

113
CAPOEIRA

COCORINHA

A cocorinha é um movimento defensivo caracterís-


tico da capoeira Regional. Ele tem sido empregado
frequentemente como gesto técnico defensivo de
iniciação à dinâmica da defesa do capoeira. Isto se
deve ao fato da baixa complexidade de execução do
movimento. Campos (2009) enfatiza a dupla fun-
ção da cocorinha, uma vez que ela serve tanto como
defesa quanto de preparação para o ataque. Lima
(2005, p. 77) descreve a cocorinha como um movi-
mento de defesa básico, “através do qual o capoeiris-
ta se abaixa, de cócoras, apoiando uma das mãos no
solo, enquanto a outra protege o rosto do ataque do
adversário”.

114
EDUCAÇÃO FÍSICA

Figura 12 - Dinâmica da execução da cocorinha


Fonte: Unicesumar.

Assim como os demais gestos técnicos da capoeira,


os defensivos, via de regra, partem da ginga. Deste
modo, inicia-se a cocorinha a partir da base da gin-
Veja o vídeo que mostra, ga, a perna que estiver atrás segue a sequência natu-
com detalhes, a dinâmica ral da ginga e entra na paralela; flexionam-se ambos
da execução da cocorinha. os joelhos a fim de assumir a posição de cócoras;
Para acessar, use o seu um dos braços protegerá o rosto; a outra mão será
leitor de QR Code.
apoiada no solo; finaliza-se o movimento levantan-
do-se e retornando à base da ginga inicial.

115
CAPOEIRA

ESQUIVA DE FRENTE

Figura 13 - Dinâmica da execução da esquiva de frente


Fonte: Unicesumar.

A execução da esquiva de frente consiste, basica-


mente, na flexão da perna que estiver à frente na
base da ginga, e a flexão do tronco de modo que
Veja o vídeo que mostra, este repouse sobre ela. Para executar a esquiva de
com detalhes, a dinâmica frente, o capoeira parte da base da ginga. Supondo
da execução da esquiva de que a perna esquerda esteja posicionada atrás na
frente. Para acessar, use o base, deve-se flexionar a perna direita e o tronco,
seu leitor de QR Code.
apoiando-o sobre a perna direita; o braço esquer-
do, que protegia o rosto na base da ginga, é manti-
do em tal função; ao mesmo tempo, apoia-se a mão
direita no chão.

116
EDUCAÇÃO FÍSICA

ESQUIVA LATERAL

Figura 14 - Dinâmica da execução da esquiva lateral


Fonte: Unicesumar.

Para executar a esquiva lateral, o capoeira parte da


base da ginga. Supondo que a perna direita esteja
atrás, esta segue a sequência natural da ginga e entra
Veja o vídeo que mostra, na paralela, onde ambas as pernas serão flexionadas;
com detalhes, a dinâmica flexiona-se o tronco de modo a apoiá-lo sobre a per-
da execução da esquiva na direita; o braço esquerdo deve permanecer flexio-
lateral. Para acessar, use nado à frente, protegendo, principalmente, o rosto.
o seu leitor de QR Code.
Finaliza-se o movimento, elevando-se o tronco e re-
tornando à base inicial da ginga, neste caso, com a
perna direita atrás.

117
CAPOEIRA

ESQUIVA DE COSTA

Figura 15 - Dinâmica da execução da esquiva de costa


Fonte: Unicesumar.

Para executar a esquiva de costa para o lado direito,


o capoeira parte da base da ginga, neste caso, com a
perna direita atrás. Sem que haja troca da base, o ca-
Veja o vídeo que mostra, poeira posiciona-se lateralmente ao outro jogador;
com detalhes, a dinâmica ambas as pernas serão flexionadas de forma similar
da execução da esquiva de à posição da paralela; flexiona-se o tronco à frente
costa. Para acessar, use o sem, contudo, apoiá-lo em nenhuma das pernas; o
seu leitor de QR Code.
braço esquerdo mantido flexionado será responsável
pela proteção do rosto.

118
EDUCAÇÃO FÍSICA

119
CAPOEIRA

NEGATIVA

As negativas são movimentos que apresentam carac-


terísticas defensivas e que são empregadas ampla-
mente nos jogos de capoeira, independentemente,
dos estilos. Para Castilha (2012), o próprio nome do
movimento sugere a sua função, qual seja, a de ne-
gar o corpo ao ataque desferido por outro jogador.
A negativa apresenta características gestuais di-
ferentes, próprias de cada estilo e, assim, mesmo se
tratando da negativa, esta é executada de uma for-
ma e com uma função na capoeira de Angola, bem
como apresenta formas e aplicações distintas na ca-
poeira Regional e na Contemporânea.
No caso da capoeira Angola, “é chamado de
negativa todo movimento defensivo executado como
auxílio das mãos e dos pés no solo” (CRUZ, 1997,
p. 50). Também presente na capoeira Regional, a
negativa é considerada um dos movimentos básicos.
Nos dizeres de Campos (2009, p. 65), “o aprendiza-
do da negativa é obrigatório desde as primeiras aulas
[...]. Mestre Bimba, durante suas aulas, enfatizava a
importância dessa defesa e de muitas possibilidades
a partir dela”.

120
EDUCAÇÃO FÍSICA

Executa-se a negativa a partir de várias situações.


Uma das possibilidades se dá, partindo da base da
ginga com a perna direita atrás. Neste caso, avança-
-se a perna direita de modo que, ao final do movi-
mento, ela esteja praticamente estendida; ao mes-
mo tempo, flexiona-se a perna esquerda e o quadril
de modo a tocar o calcanhar esquerdo no glúteo; a
mão direita deverá ser apoiada no chão ao lado da
Figura 16 - Dinâmica da execução da negativa
Fonte: Unicesumar. perna direita; enquanto que o braço esquerdo pro-
tege o rosto; normalmente, neste tipo de negativa,
característica da capoeira Contemporânea, não se
retorna à base inicial, é mais comum que outro mo-
vimento, como o rolê, por exemplo, seja desenvol-
vido na sequência.
Veja o vídeo que mostra, Ao nos encaminharmos à finalização deste tó-
com detalhes, a dinâmica pico, quero lembrar-lhe que a forma como os gestos
da execução da negativa. técnicos defensivos foram aqui expostos e descritos
Para acessar, use o seu representa apenas uma possibilidade de execução.
leitor de QR Code.
O mesmo se aplica à nomenclatura, esses gestos po-
dem ser conhecidos por você, caro(a) aluno(a), por
outros nomes e com alguma variação na execução.
Reiteramos que isto não representa um problema,
pelo contrário, acreditamos que seja uma oportuni-
dade de explorarmos as nuances de criatividade es-
palhadas pelo universo da capoeira. Assim, procure
aproveitar esta riqueza gestual ao abordar a capoeira
nos mais distintos espaços.

121
CAPOEIRA

Gestos Técnicos Acrobáticos,


Desafiando os Limites do Corpo

122
EDUCAÇÃO FÍSICA

Conheceremos, neste tópico, os gestos técnicos movimento são os aspectos predominantes. A exe-
acrobáticos, ou como mais comumente são denomi- cução de certos movimentos dessa categoria parece
nados pelos capoeiras, os floreios. Nós já enfatiza- mesmo desafiar os limites do corpo. E talvez seja,
mos, nos tópicos anteriores, que os movimentos rea- justamente, esse o elemento que desperte tanto a
lizados na capoeira podem ter várias funções dentro atenção de quem o presencia em uma roda de capo-
de um jogo. Também destacamos que a estrutura eira. Santos (2010) nos explica que esses movimen-
da classificação que ora apresentamos é arbitrária tos são executados pelos capoeiras mais habilidosos
e, assim, intentamos apresentar uma forma de or- e servem para exibicionismo.
ganização didático-pedagógica dos gestos técnicos É importante dizer que, talvez, seja essa cate-
característicos da capoeira. goria de gestos a que mais privilegie a capacidade
Assim, elaboramos o organograma exposto no criativa do capoeira. Isto porque os floreios são cria-
primeiro tópico desta unidade, no qual agrupamos ções, adaptações muito particulares de cada jogador.
tais movimentos corporais a partir da caracterís- Este explora a possibilidade de combinação entre os
tica predominante desses gestos. Isto não significa gestos, ou adapta movimentos ou técnicas de outras
que um gesto que compõe a categoria “gesto técnico práticas corporais, como as ginásticas, por exemplo,
ofensivo” tenha esta como característica exclusiva. ao contexto da capoeira.
Apenas que o seu aspecto de ataque é predominante Pensamos que o exemplo mais popular de gestos
ou mais evidente que os demais aspectos. técnicos acrobáticos/floreios seja o salto mortal, ou
Neste tópico, no qual abordaremos os gestos os saltos, visto a infinda variedade destes. Não é raro
técnicos acrobáticos/floreios, tomaremos conheci- que sejamos questionados, especialmente, durante
mento, por exemplo, do aú, um dos gestos que re- apresentações, se sabemos “dar mortal”. No imaginá-
presentam bem esta polissemia de funções dos mo- rio popular, um bom capoeira é aquele que executa
vimentos da capoeira. o salto mortal. Já no universo cultural da capoeira, é
Iniciemos a nossa conversa pela definição des- tido como um bom jogador aquele que se apropria
sa categoria de movimentos. Estamos considerando de todos os elementos constitutivos da manifesta-
como gestos técnicos acrobáticos/floreios aqueles mo- ção. Assim, espera-se que ele(a) conheça a história,
vimentos cuja plasticidade, flexibilidade e beleza do os gestos técnicos, os instrumentos, a musicalidade
e os procedimentos de uma roda. Obviamente, cada
um se destacará mais em alguns elementos que em
outros.
Não se assuste, nós não lhe proporemos a execu-
ção de um salto mortal. O fato dele ser popular não
significa que seja o único. Os gestos técnicos acrobá-
ticos/floreios que propomos expor neste tópico são
os de execução bem mais simples e nos permitirão
identificar as características desse tipo de gestos. Co-
mecemos, então, pelo aú.

123
CAPOEIRA

O aú é um gesto bastante popularizado não só na


prática da capoeira, mesmo assim, talvez você ex-
clame: “eu não conheço nenhum movimento cha-
mado aú!” E a estrelinha, você conhece? Ou a roda,
se lembra deste movimento das aulas de ginástica?
Pois bem! O aú tem, basicamente, a mesma dinâ-
mica desses movimentos. Mas não tire conclusões
precipitadas, pois apesar de serem parecidos na
execução, precisamos reconhecer as suas especifi-
cidades, decorrentes do contexto, no qual se apre-
sentam. O aú, como um gesto técnico da capoeira,
apesar de ser exposto aqui como acrobático/floreio,
pode ser igualmente empregado como uma defesa,
como uma forma de fuga ao promover o afasta-
mento do atacante (CRUZ, 1997). Há ainda a pos-
sibilidade de empregar o aú como forma de pre-
paração para o ataque ou de ataque propriamente
dito. No primeiro caso, “quando proporciona a
aproximação ao opositor”, e no segundo, quando
“tem a função de golpear, a exemplo do aú batido”
(CAMPOS, 2009, p. 64).

124
EDUCAÇÃO FÍSICA

Figura 17 - Dinâmica da execução do aú


Fonte: Unicesumar.
Na execução do aú para o lado direito, o capoeira
parte da base da ginga com a perna direita atrás; esta
segue a sequência natural da ginga e entra na parale-
la, inclinando, lateralmente, o tronco para a direita e
apoia as mãos no chão, ao mesmo tempo em que re-
Veja o vídeo que mostra, tira a perna esquerda; em seguida, à direita do solo,
com detalhes, a dinâmica enquanto as mãos apoiam o peso do corpo, as per-
da execução do aú. Para nas realizam um giro transversal; a perna esquerda
acessar, use o seu leitor toca o solo após tal giro e, depois, à direita. As mãos
de QR Code.
deixam o solo e o capoeira retorna a paralela; recua-
se a perna esquerda e assume-se a base da ginga.
A partir desse movimento, podemos incentivar
a execução de algumas variações, como a realização
do aú, apoiando apenas uma das mãos, ou mesmo
sem o apoio das mãos, ou ainda, com o apoio da ca-
beça, juntamente, com as mãos.

125
CAPOEIRA

PARADA DE MÃOS

A parada de mãos é um movimento em que o ca-


poeira inverte a sua base de apoio. Ao invés de se
apoiar sobre as pernas, ele(a) fica apoiado sobre os
braços. Nós já vimos esta inversão quando nos de-
paramos com o aú, entretanto, no caso da parada de
mãos, há a estabilização, enquanto no aú ocorre um
giro transversal. Neste movimento, o praticante de
capoeira equilibra-se estaticamente sobre os braços.

126
EDUCAÇÃO FÍSICA

Figura 18 - Dinâmica da execução da parada de mãos


Fonte: Unicesumar.
A execução da parada de mãos pode se iniciar de várias
formas, então, propomos uma execução razoavelmen-
te simples. O capoeira posiciona-se na base da ginga
com a perna direita atrás; realiza meio giro no sentido
horário, sem trocar as pernas da base, de modo que fi-
Veja o vídeo que mostra, que momentaneamente de costas para o outro jogador;
com detalhes, a dinâmica apoia ambas as mãos no chão, impulsiona a perna es-
da execução da parada de querda para cima, a qual é seguida pela direita; procura
mãos. Para acessar, use o estabilizar o corpo e executar a parada propriamente
seu leitor de QR Code.
dita, ficando novamente de frente para o outro jogador.
Como estratégia pedagógica, é aconselhável utilizar,
nas primeiras tentativas, algum tipo de apoio.

127
CAPOEIRA

PARADA DE CABEÇA

A parada de cabeça tem, basicamente, a mesma di-


nâmica de execução da parada de mãos, contudo há
um terceiro apoio, a cabeça. Assim, para executar-
mos este movimento, seguiremos a mesma sequên-
cia da parada de mãos.

128
EDUCAÇÃO FÍSICA

Figura 19 - Dinâmica da execução da parada de cabeça


Fonte: Unicesumar.

O capoeira posiciona-se na base da ginga com a per-


na direita atrás; realiza meio giro, no sentido horá-
Veja o vídeo que mostra, rio, sem trocar as pernas da base, de modo que fique,
com detalhes, a dinâmica momentaneamente, de costas para o outro jogador;
da execução da parada de apoia ambas as mãos no chão e em seguida a cabe-
cabeça. Para acessar, use ça; para ajudar na estabilização procure distribuir
o seu leitor de QR Code.
os três pontos de apoio igualmente, formando um
triângulo no solo.

129
CAPOEIRA

MACACO

À primeira vista, o macaco até pode ser confundi-


do com um aú e, de fato, se parecem. Entretanto, o
macaco é um movimento um tanto complexo, visto
que parte da posição de cócoras, a partir da qual o
praticante de capoeira projeta o seu corpo a fim de
realizar um giro apoiado pelas mãos. Assim como
nos demais movimentos expostos neste material, há
várias possibilidades de execução no que se refere ao
início. A exemplo de como temos uma ampla gama
de variações do mesmo movimento. O que lhe pro-
pomos é uma dessas possibilidades.

130
EDUCAÇÃO FÍSICA

Figura 20 - Dinâmica da execução do macaco


Fonte: Unicesumar.

Veja o vídeo que mostra,


com detalhes, a dinâmica
da execução do macaco.
Para acessar, use o seu
leitor de QR Code.

131
CAPOEIRA

Para a execução do macaco, o praticante de capoeira gestos técnicos bem simples. E qual foi a sua impres-
parte da base da ginga com a perna esquerda atrás, são? Tais gestos são bem fáceis, não são? Você con-
esta segue a sequência natural da ginga e entra na seguirá executá-los? Algum dentre os gestos aqui
paralela; uma vez na paralela, agacha-se na posição propostos representou um desafio para você? Qual
de cócoras lateralmente em relação ao outro joga- deles foi o mais desafiador? Já podemos pensar em
dor; apoia a sua mão direita no solo atrás do seu cor- outro, um pouquinho mais complicado?
po; a mão esquerda percorre a trajetória de um arco Perceba que, por mais simples que esses gestos
sobre a cabeça ao ser apoiada no solo em uma linha sejam, imagino que, para alguns, eles representem
mais ou menos paralela em relação à mão direita; ao um desafio por proporem situações corporais que
mesmo tempo, as pernas dão impulso, projetando não fazem parte do nosso cotidiano. Afinal, não
o corpo que realizará um giro transversal apoiado andamos por aí de pernas para o ar com muita fre-
sobre ambas as mãos; finaliza-se o movimento com quência, não é mesmo? Qual será a percepção das
ambos os pés na paralela e, em seguida, retorna-se à crianças, dos jovens e adultos ao vivenciarem esse
base da ginga. tipo de movimento? Só vejo uma forma de saber:
Vamos nos encaminhando para a finalização oportunizando a estas pessoas tal experiência. Por
desse tópico, no qual abordamos os gestos técnicos agora, finalizaremos a nossa conversa, mas lembre-
acrobáticos/floreios característicos da capoeira. Um -se que não esgotamos o repertório desses gestos.
pouco antes de iniciarmos as descrições dos gestos Até breve!
técnicos deste tópico, lhe dissemos, prezado(a) alu-
no(a), que apresentaríamos a execução de alguns

132
considerações finais

Olá, prezado(a) aluno(a). Nesta unidade, tivemos contato com os gestos técnicos
característicos da capoeira, ou seja, tomamos conhecimento do repertório gestu-
al próprio dessa manifestação. Esses gestos corporais apresentam características
e funções que só fazem sentido quando concebidos dentro da dinâmica do uni-
verso cultural da capoeira. Nesse sentido, tais movimentos são empregados na
promoção de um verdadeiro diálogo corporal, um jogo de perguntas e respostas
projetadas por intermédio dos corpos dos(as) jogadores(as) de capoeira. Desse
repertório gestual, destaca-se a ginga como o gesto fundamental. Aquele a par-
tir do qual todos os demais são desferidos. Portanto, é a ginga que caracteriza a
própria capoeira.
Além disso, foram apresentados àqueles movimentos que caracterizam a ca-
poeira como luta. Esses são os gestos técnicos ofensivos, movimentos cuja fina-
lidade é o ataque. Metaforicamente, eles são as perguntas proferidas no diálo-
go corporal. Mas também vimos as possibilidades de respostas a tais perguntas
quando tivemos contato com os gestos técnicos defensivos, movimentos que
apresentam uma dinâmica própria na forma de defesa, empregada durante o jogo
de capoeira. Dentre esses movimentos, destacam-se as esquivas, estas utilizadas
para desviar o corpo da trajetória dos movimentos de ataque. Vimos que a de-
fesa do capoeira baseia-se no ato de se evadir do ataque, não sendo comum o
bloqueio.
Por fim, porém não menos importante, nos deparamos com os gestos téc-
nicos acrobáticos ou floreios. É bem verdade que os gestos apresentados desta
categoria são relativamente simples, mas nem por isso deixamos de entender a
sua dinâmica criativa e desafiadora, a sua capacidade de provocar a superação de
nossos limites.
Ao finalizar esta unidade, esperamos termos sido capazes de lhe provocar a
curiosidade e o desejo de conhecer um pouco mais o repertório gestual dessa ma-
nifestação corporal ímpar, a capoeira. Mas, sobretudo, que tenhamos provocado
a reflexão sobre as possibilidades de execução e criação de gestos corporais.

133
atividades de estudo

1. Quanto aos gestos técnicos característicos da ca- III - A ginga é o gesto fundamental da capoei-
poeira, é correto afirmar que: ra, uma vez que é a partir dela que todos
a) Os gestos técnicos, para serem caracte- os demais são desferidos. Logo, a ginga é
rizados como tal, devem ser ensinados e, o gesto que caracteriza a própria capoeira.
portanto, executados, seguindo minucio- IV - Os gestos técnicos defensivos apresen-
samente a sua descrição. tam uma dinâmica onde o capoeira desvia
b) Os gestos técnicos ofensivos são aqueles o corpo da trajetória de ataque do outro
cuja intencionalidade de quem os executa jogador e, neste caso, os bloqueios não
é a de embelezar o jogo com movimentos são comumente utilizados.
que desafiam os próprios limites do corpo. É correto o que se afirma em:
c) Os gestos considerados fundamentais na a) I, apenas.
capoeira são os gestos técnicos acrobáti-
b) I e II, apenas.
cos/floreios, especialmente, o salto mortal.
c) II e III, apenas.
d) O gesto considerado fundamental na ca-
poeira é a ginga, visto que derivam dela d) II, III e IV, apenas.
todos os demais movimentos corporais
e) I, II, III e IV.
empregados na execução do jogo.
e) Quando os gestos técnicos característicos 3. Assinale Verdadeiro (V) ou Falso (F) no que se refe-
da capoeira forem abordados na escola ou re ao repertório gestual característico da capoeira,
em outro espaço qualquer, é indispensável ( ) O aú é o gesto técnico característico da ca-
que os alunos saibam que eles não podem poeira que pode ser categorizado única e exclu-
modificar e tampouco inventar novos mo- sivamente na categoria dos gestos técnicos acro-
vimentos. báticos/floreio.
2. Quanto ao repertório gestual da capoeira, leia as ( ) Os gestos técnicos característicos da capo-
afirmativas a seguir. eira, apesar de serem apresentados de forma
I - Os gestos técnicos acrobáticos/floreios li- categorizada, transitam livremente entre as cate-
mitam-se aos saltos, especialmente, o sal- gorias aqui expostas.
to mortal. ( ) A ginga é um gesto técnico eminentemente
II - Os gestos técnicos característicos da ca- acrobático, visto que ela nos serve apenas para
poeira devem ser didaticamente categori- embelezar e disfarçar a capoeira como dança.
zados como: ginga; gestos técnicos ofen-
sivos; gestos técnicos defensivos; gestos
técnicos acrobáticos/floreios.

134
atividades de estudo

A sequência correta para a resposta da questão é: A sequência correta para a resposta da questão é:
a) F, F, V. a) 1, 4, 2 e 3.
b) V, V, F. b) 4, 1, 3 e 2.
c) F, V, F. c) 4, 1, 2 e 3.
d) F, V, V. d) 3, 2, 4 e 1.
e) V, F, V. e) 4, 3, 1 e 2.

4. Sobre os gestos técnicos da capoeira, relacio- 5. Apesar do repertório gestual da capoeira escapar
ne as colunas a seguir com os seus respectivos a uma classificação definitiva, podemos, mesmo
conceitos. que pedagogicamente, pensar numa estrutura
1 - Ginga que organize tal repertório. Dito isto, elabore um
organograma que represente a distribuição dos
2 - Gestos técnicos ofensivos
gestos técnicos da capoeira.
3 - Gestos técnicos defensivos
4 - Gestos técnicos acrobáticos/floreios
( ) Movimentos com alto grau de plasticidade
que embelezam o jogo, normalmente executa-
dos por capoeira mais experientes.
( ) Gesto técnico fundamental da capoeira, é a
base para a execução de todo o repertório gestu-
al desta manifestação.
( ) Gestos empregados como forma de defesa
durante o jogo da capoeira, a sua dinâmica pre-
dominante consiste em desviar o corpo da traje-
tória do ataque de outro jogador.
( ) Gestos que caracterizam a capoeira como
uma luta, uma vez que são empregados no ata-
que a outro jogador.

135
LEITURA
COMPLEMENTAR

[...] Outro fato importante é o resultado da enquete que martine Pereira da Costa, oficial da Marinha e também
fiz com vários capoeiras, antigos e modernos, e verifi- professor de Educação Física da referida corporação, e
quei que quase todos eles possuem um ou mais gol- Inezil Penna Marinho, publicando o primeiro Capoeira-
pes ou truques diferentes dos demais, inventados por gem / A defesa pessoal brasileira, reeditado em 1962 com
eles próprios, ou então herdados de seus mestres ou o título de Capoeira sem mestre e o segundo Subsídios
de outros capoeiras de suas ligações, isso sem falar na para o Estudo da Metodologia do Treinamento da Capoie-
interpretação pessoal, embora sutil, que são aos golpes ragem e mais adiante, Subsídios para a História da Capo-
e toque, de um modo geral, e o golpe pessoal que todo eiragem no Brasil, por sinal, os primeiros trabalhos que
capoeira guarda consigo, para ser usado no momento se publicam no gênero. Para confecção do trabalho que
necessário. O texto descritivo de capoeira mais antigo é de caráter puramente técnico, isto é, preocupando-se
que se tem notícia é o que está nas Festas e Tradições exclusivamente com o aprendizado dos golpes, Lamar-
Populares do Brasil de Melo Morais Filho. Pois bem, os tine Pereira da Costa encontrou dificuldade no que se
golpes aí referidos, são, na sua quase totalidade, des- refere à bibliografia sobre o assunto. Então, segundo
conhecidos dos capoeiras da Bahia, como é o caso do ele declara no prefácio, resolveu basear-se na tradição
tronco, raiz, fedegoso, pé de panzina, caçador, passo a oral e no que pôde arrancar de velhos capoeiras do Rio
dois e outros, golpes esses e muitos que Melo Morais de Janeiro e da Bahia e o resultado é que catalogou gol-
Filho não teve conhecimento, ou simplesmente não pes, à exceção dos tradicionais, totalmente, desconhe-
mencionou, mas que foram criações de capoeiras ou cidos dos mestres capoeiras da Bahia. Há, ainda, outra
maltas do Rio de Janeiro de seu tempo, extraídos da coisa importante no desenvolvimento da capoeira – é
imaginação e de elementos que lhe vinham à frente. Se- que dentro das limitações das regras de jogo, o capo-
gundo fui informado, existiu no Rio de Janeiro um velho eira tem liberdade de criar, na hora, golpes de ataque
mestre de capoeira baiano, conhecido por Sinhôzinho e de defesa conforme seja o caso, que nunca foram
(Agenor Sampaio), do qual ainda existem alunos, com previstos e sem nome específico e que após o jogo ele
academia de capoeira, utilizando-se de alguns dos gol- próprio não se lembra mais do tipo de expediente que
pes referidos por Melo Morais Filho. Em nossos dias, La- improvisou. No jogo da capoeira vai muito do pessoal.

Fonte: Rego (1968).

136
material complementar

Indicação para Ler

Capoeira - Um Instrumento Psicomotor para a Cidadania


Gladson de Oliveira Silva e Vinicius Heine
Editora: Phorte
Sinopse: este livro surge da vivência prática e teórica da diversidade da capoeira.
O seu objetivo principal é trazer contribuições para o fazer pedagógico dos pro-
fissionais que a ela se dedicam, visto que, atualmente, a capoeira passa por um
intenso processo de profissionalização. Portanto, é fundamental que o capoeirista
trabalhe em prol do seu reconhecimento e da sua valorização. Capoeira: Um Ins-
trumento Psicomotor para a Cidadania vem, exatamente, nesta direção, trazendo
elementos teóricos e aplicados para o desenvolvimento da capoeira em seus as-
pectos gerais e, mais especificamente, para os seus aspectos pedagógicos.

137
referências

AREIAS, A. D. O que é capoeira. 4. ed. São Paulo:


Da Tribo, 1998.
CAMPOS, H. Capoeira Regional: a escola de mestre
Bimba. Salvador: EDUFBA, 2009.
CAPOEIRA, N. Capoeira: os fundamentos da malí-
cia. Rio de Janeiro: Record, 1992.
CASTILHA, F. A. Aspectos pedagógicos da capoei-
ra. Passo Fundo: Méritos, 2012.
CRUZ, J. L. D. O. A capoeira Angola na Bahia. 2. ed.
Rio de Janeiro: Pallas, 1997.
FALCÃO, J. L. C. Unidade pedagógica 2: capoeira.
In: KUNZ, E. Didática da Educação Física 1. 4. ed.
Ijuí: Unijuí, 2006. Cap. 2. p. 55-94.
LIMA, M. C. Dicionário de capoeira. Brasília: [s. n.],
2005.
LOPES, A. J. F. Curso de capoeira em 145 figuras.
Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1979.
MOURA, J. Mestre Bimba: a crônica da capoeira-
gem. Salvador: Fundação Mestre Bimba, 1991.
REGO, W. Capoeira Angola: ensaio sócio-etnográfi-
co. Salvador: Itapuã, 1968.
RUGENDAS, J. M. Viagem pitoresca através do
Brasil. São Paulo: Círculo do Livro, [s. d].
SANTOS, L. S. Capoeira: expressão de identidade
e educação. In: LARA, L. M. Abordagens sociocul-
turais em Educação Física. Maringá: Eduem, 2010.
Cap. 4. p. 111-139.

138
gabarito

1. D.
2. D.
3. C.
4. B.
5. Exemplo:

GINGA OFENSIVOS DEFENSIVOS FLOREIOS

Meia-lua Aú e suas
Bases de frente Cocorinha variações
Parada de
Esquiva de mão e suas
Balanços Queixada frente variações
Descola- Armada Esquiva de Queda de
mentos costa rins

Meia-lua de Esquiva Macaco


Compasso lateral

Martelo Negativas

Chapa Pêndulos

Benção

Ponteira

139
OS INSTRUMENTOS, AS CANTIGAS E A
RODA DE CAPOEIRA

Professor Me. Reginaldo Calado de Lima

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta
unidade:
• Os instrumentos característicos da capoeira
• Bateria: o conjunto de instrumentos da capoeira
• As cantigas de capoeira e a sua estrutura
• A roda, o momento de expressão da capoeira

Objetivos de Aprendizagem
• Identificar os instrumentos característicos da capoeira.
• Diferenciar o conjunto de instrumentos de cada estilo de
capoeira.
• Entender a estrutura característica dos diferentes tipos de
cantigas de capoeira.
• Compreender a dinâmica geral de uma roda de capoeira.
unidade

IV
INTRODUÇÃO

O
lá, caro(a) aluno(a)! Agora que já conhecemos um pouco da
história da capoeira, das teses que discutem as suas origens
e o seu desenvolvimento histórico rumo à ascensão; que já
conhecemos as formas mais tradicionais de jogar capoeira
representadas pelos estilos ou vertentes; e que nos deparamos com os
gestos técnicos desta prática corporal, é hora de nos aventurarmos em
conhecer outros elementos que consideramos indispensáveis na aborda-
gem da capoeira em qualquer ambiente. Nos referimos à musicalidade da
capoeira, elemento este caracterizado pelos instrumentos, pelas cantigas
e também pela roda.
O que pretendemos propor, nesta unidade, não é que você aprenda a
cantar as cantigas de capoeira ou a tocar os instrumentos característicos
dessa manifestação. Será ótimo se isto acontecer, entretanto, é preciso que
fique claro que, mesmo entre nós, capoeiras, o domínio destes elementos
demanda algum tempo. Tempo este do qual não dispomos no momento.
No decorrer dos tópicos que se seguem, falaremos mais sobre isso.
Ademais, o objetivo da unidade é lhe apresentar a estrutura dos tipos
de cantigas características da capoeira. Pensamos que, desta forma, você
será capaz de reconhecer uma cantiga e, principalmente, conhecer as suas
funções. Será com essa mesma perspectiva que pretendemos apresentar-
-lhe os instrumentos característicos da capoeira, alguns deles bastante
conhecidos e intimamente relacionados à capoeira, como é o caso do be-
rimbau. Outros talvez não tão conhecidos, como o reco-reco e o agogô.
E, por fim, apresentaremos a roda de capoeira como um momento
imprescindível para a compreensão dessa prática corporal. Ou seja, es-
peramos que, ao final desta unidade, você, prezado(a) aluno(a), seja ca-
paz de identificar tanto as cantigas quanto os instrumentos, bem como
as suas respectivas funções na estrutura dessa prática corporal, além de
compreender a dinâmica geral de uma roda de capoeira. Comecemos,
então, com a apresentação dos instrumentos.
CAPOEIRA

Os Instrumentos
Característicos da Capoeira

144
EDUCAÇÃO FÍSICA

Se você já participou ou tão somente assistiu a uma tes instrumentos: berimbaus, pandeiros, atabaque,
roda de capoeira, arriscamos dizer que você percebeu agogô e reco-reco. Há ainda o caxixi, o qual acom-
a presença de instrumentos os quais foram percuti- panha a percussão do berimbau. A partir de agora,
dos durante todo o andamento da roda. É fácil per- conheceremos um pouco das características desses
ceber a relevância dos instrumentos para a capoeira, instrumentos.
mesmo para quem não está muito familiarizado com
essa manifestação. Por este motivo é que a abordagem O BERIMBAU
da capoeira, independentemente do contexto onde
ela ocorra, não deve negligenciar a exposição dos ins-
trumentos característicos que a acompanham. Entre-
tanto, é importante dizer que, se na estrutura carac-
terística atual da capoeira, os instrumentos se fazem
presentes como um elemento indispensável, ao longo
da história dessa manifestação, já foi registrada uma
iniciativa, uma prática de capoeira em que não havia
a presença de música e tampouco de instrumentos.
Rudolf de Otero Hermanny, que foi discípulo,
na década de 40, de Agenor Moreira Sampaio, o
mestre Sinhozinho, relembra as particularidades da O berimbau é composto por uma verga de madei-
capoeira ensinada por seu mestre. De acordo com ra flexível e resistente. A biriba tem sido a preferida
Hermanny, a capoeira ensinada por sinhozinho não para a confecção dos berimbaus atualmente. Mas é
tinha a mesma beleza estética da capoeira baiana, bem verdade que há uma grande variedade de ma-
tampouco o acompanhamento musical (HERMAN- deiras que atendem a tais exigências, dentre as quais,
NY; LISBOA, 2003). “matamatá branco, pau d’arco, pau pombo, açoita
O fato é que, a partir deste período, o modelo de cavalo, itaúba preta, guaiúba, pitomba, tatajuba, ma-
capoeira predominante foi nos moldes daquela que rupá, tauari e o morototó” (IPHAN, 2014, p. 124). A
se jogava na Bahia, o que se convencionou chamar verga é tensionada por um fio de aço que, preso nas
de baianização da capoeira. Ou seja, uma espécie de extremidades, a mantém arqueada. É esta tensão na
padronização de alguns aspectos e, dentre eles, está, madeira que concebe a afinação ao berimbau.
sem dúvida, a presença dos instrumentos. Desta for- A este conjunto, verga e arame, acrescenta-se
ma, é quase inconcebível, atualmente, uma roda de uma cabaça, a qual funcionará como caixa de res-
capoeira sem a presença dos instrumentos, princi- sonância, amplificando o som produzido pelo arco.
palmente, do berimbau. Para que a cabaça possa ser utilizada no berimbau,
Respeitando as variações de quantidade e de esta, após seca, precisa ter a parte superior cortada;
disposição decorrentes, tanto dos estilos quanto das na parte inferior, são feitos dois orifícios, nos quais
escolas ou dos grupos de capoeira, grosso modo, po- será feita uma alça de barbante que servirá de encai-
demos dizer que estão presentes, no jogo, os seguin- xe para a cabaça na verga.

145
CAPOEIRA

O arame do berimbau é percutido por uma A inserção desse instrumento em terras brasileiras,
baqueta de aproximadamente 30 cm, confecciona- de acordo com Shaffer (1977), parece ter ocorrido
da em madeira maciça ou bambu. Utiliza-se ainda por intermédio dos africanos que para cá foram tra-
na percussão, o dobrão, que pode ser uma pedra ficados como mão-de-obra escrava. Apesar de reco-
ou uma peça de metal. O caxixi é utilizado como nhecer a inexistência de evidências realmente con-
acompanhamento pelo tocador de berimbau, o qual clusivas, o autor pondera:
empunha-o com a mesma mão que empunha a ba-
queta. Viu só? O berimbau é um instrumento de ca- [...] como não há evidência de qualquer arco
musical indígena no Brasil; como os africanos
racterísticas bastante simples, é composto, como diz
têm estado no Brasil desde, ao menos, 1548;
a cantiga de domínio popular, de “uma cabaça, um e como em todos os relatórios sobre o uso do
arame é um pedaço de pau”. instrumento no Brasil é evidente que tenha
Quanto à origem do berimbau, Shaffer (1977) o sido usado exclusivamente por negros escra-
reconhece como um arco musical, logo, um dos ins- vos (africanos e descendentes de africanos), a
conclusão mais lógica é que o berimbau é um
trumentos mais primitivos e bastante difundidos em
instrumento de origem africana introduzido no
muitas culturas pelo mundo. Existem registros da Brasil como os escravos (SHAFFER, 1977, s. p.).
utilização do arco musical desde cerca de 1.500 a. C.
O berimbau, na forma como o conhecemos, No Brasil oitocentista, Henry Koster descreveu
é bastante popular na cultura africana, onde é uti- em sua obra Viagens ao Nordeste do Brasil (1956),
lizado nas atividades pastoris. Cascudo (1967, p. alguns instrumentos musicais utilizados em dan-
186) nos fala de um instrumento que, no Brasil, é ças escravas. Um deles é “um grande arco, com
“chamado de Berimbau e que nós [na África] cha- uma corda tendo uma meia quenga de côco no
mamos hungu, ou m’bolumbumba, conforme os lu- meio, ou uma pequena cabaça, amarrada” (KOS-
gares e que é, tipicamente, pastoril, instrumento esse TER, 1956, p. 67). Tal descrição confere com a es-
que segue os povos pastoris até a Swazilândia, costa trutura atual do berimbau, até a forma de percus-
oriental de África”. são é parecida. Nos dizeres do autor, “colocam-na
[a cabaça] contra o abdômen e tocam a corda com
SAIBA MAIS
o dedo ou com um pedacinho de pau” (KOSTER,
1956, p. 67). Observe, caro(a) aluno(a), que ape-
Você sabia que, na literatura, podemos en- sar da utilização do instrumento ocorrer em fun-
contrar várias designações em referência ao ção da execução de algumas danças, não há men-
berimbau? Veja algumas delas: humbo, ru-
cumbo, hungo, m’bolumbumba, marimba, ção à capoeira.
urucungo, gobo, bucumbunga, bucumbumba, O berimbau também foi registrado nas pinturas
uricungo, lucungo. de Jean Baptiste Debret (1768-1848) como “O Toca-
Fonte: Shaffer (1977). dor de Urucungo”, obra de 1826.

146
EDUCAÇÃO FÍSICA

diano brasileiro. Ao se referir aos jogos e às dan-


ças dos negros, Ribeyrolles (1980, p. 51) destaca
a execução da “capoeira, espécie de dança pírrica,
de evoluções atrevidas e combativas, ao som do
tambor do Congo”. Note que mais uma vez não se
registra a presença do berimbau durante a execu-
ção da capoeira.
O berimbau é, atualmente, o principal instru-
mento de uma roda de capoeira. É ele quem deter-
mina, por meio dos toques executados, o andamen-
to da roda. Ou seja, ao executar determinado toque,
determina-se qual deve ser a postura assumida tan-
to pelos jogadores propriamente ditos quanto por
aqueles que se encontram no interior da roda, bem
Figura 2 – O tocador de Urucungo, de Jean Baptiste Debret
como os demais integrantes dela.
Fonte: Wikipédia ([2019], on-line)1. Se o berimbau é, atualmente, o símbolo maior
da capoeira, a ponto de Silva (2003, p. 92) afirmar
Observe que, na gravura de Debret, o berimbau não que “[...] hoje é quase impossível conceber uma roda
está associado ao jogo da capoeira. Tal instrumento de capoeira sem o uso ou toque dos berimbaus”, é
aparece associado à atividade dos negros de ganho, importante saber que nem sempre foi assim. Shaffer
aqueles(as) negros(as) forros ou escravos(as) vende- (1977, s. p.) nos esclarece que a associação entre o
dores(as). O instrumento era então utilizado para berimbau e o jogo da capoeira, ao que tudo indica,
chamar a atenção de possíveis compradores. ocorreu “somente no fim do século XIX”.
Você deve se lembrar da gravura “Jogar Capo- Detivemo-nos um pouco mais nos detalhes refe-
eira” de Rugendas, com a qual tivemos contato na rentes ao berimbau porque, como já dissemos, este
primeira unidade, nela foi registrada e descrita o é o principal instrumento da capoeira na atualidade.
que parece ser o jogo de capoeira, entretanto, não Logo, é imperativo que conheçamos as suas carac-
se registra a presença do berimbau. O instrumen- terísticas, o seu manuseio e as suas funções (estas
to musical que se verifica na pintura é um tambor. últimas serão abordadas no próximo tópico). Além
Além da gravura de Rugendas, podemos recor- do berimbau, outros instrumentos, mesmo que não
rer à descrição de Charles Ribeyrolles, jornalista tenham a mesma representatividade, são caracterís-
francês que, entre 1858 e 1860, registrou o coti- ticos da capoeira.

147
CAPOEIRA

O CAXIXI O PANDEIRO

O pandeiro é um instrumento de percussão, atu-


almente confeccionado em diversos materiais, en-
tretanto, os mais aceitos nas rodas de capoeira são
aqueles cujo aro é confeccionado em madeira e re-
coberto com pele animal. Fazem parte da estrutura
do pandeiro conjuntos de peças metálicas, denomi-
nadas platinelas, as quais são distribuídas pelo aro
de madeira.
Ao estudar a origem do pandeiro, Rego (1968, p.
98) destaca-o “como um dos antiquíssimos instru-
O caxixi é um instrumento que, apesar de ser apre- mentos musicais da velha Índia. Os hindus dele fa-
sentado separadamente, não desempenha função ziam bastante uso, sobretudo em cerimônias religio-
isolada na roda de capoeira. Tal instrumento é utili- sas”. O uso desse instrumento também foi bastante
zado pelo tocador de berimbau, que o empunha com difundido na península ibérica durante a Idade Mé-
a mesma mão com a qual empunha a baqueta para dia em decorrência da invasão árabe. Assim como
percutir o berimbau. Rego (1968, p. 106) afirma que em outras culturas, o pandeiro fora amplamente
“nada de concreto se sabe a respeito da origem do empregado em cerimônias religiosas, a exemplo da
nome, nem do instrumento” em si. O caxixi é um procissão de Corpus Christi. Aliás, já em terras bra-
pequeno chocalho confeccionado, geralmente, com sileiras, inserida por intermédio português, a pre-
cipó trançado. A sua base é um pedaço de cabaça, sença do pandeiro foi registrada na primeira procis-
cortada circularmente e, em seu interior, são inseri- são de Corpus Christi, realizada na Bahia em 13 de
das sementes secas. junho de 1549 (REGO, 1968).

148
EDUCAÇÃO FÍSICA

O ATABAQUE

estrutura ligeiramente cônica, ambos esculpidos em


madeira, recebendo, na extremidade superior, uma
cobertura de pele de animal.
Atualmente, o atabaque utilizado nas rodas de
capoeira, apesar de obedecer a mesma estrutura,
não é esculpido. O seu bojo é montado a partir de
lâminas de madeira cortada e mantidas no formato
côncavo com o auxílio de aros de metal. A afinação,
que consiste em estender a pele que recobre a par-
te superior, se dá por meio do conjunto de cordas e
cunhas. Quanto à sua origem, Rego (1968, p. 104)
destaca que:

O atabaque é um instrumento oriental mui-


to antigo entre os persas e os árabes, porém
divulgado na África. Embora os africanos já
conhecessem o atabaque e até tenham vindo
da África algumas espécies, creio que, ao che-
garem ao Brasil, já o encontrassem trazido
por mãos portuguesas, para ser usado em
festas e procissões religiosas em circunstâncias
idênticas ao pandeiro e o adufe.

A associação do atabaque com a capoeira é an-


terior ao berimbau. De fato, o tambor tornou-se
um elemento característico, não só da capoeira na
época do Brasil escravocrata, mas de toda a cultu-
ra africana. Nos dizeres de Soares (1999, p. 31), “o
tambor era um elemento comum da cultura africa-
na construída pelos escravos no Brasil. Apropria-
do pelas maltas, se tornou mais um dado carac-
terístico da capoeiragem”. Atualmente, nas rodas
O atabaque é um instrumento de percussão gene- de capoeira, o atabaque não ocupa mais o lugar
ricamente chamado de tambor. A sua constituição central entre os instrumentos dessa manifestação
se dá, primitivamente, por um cilindro ou por uma como ocupava outrora.

149
CAPOEIRA

O AGOGÔ O RECO-RECO

O agogô é um instrumento de percussão con-


feccionado em diversos materiais, entretanto, é
mais comumente fabricado em metal. De acordo
com Rego (1968), o nome desse instrumento é de
origem nagô e significa “sino”. É bastante utilizado
em folguedos populares e em cerimônias religiosas
afro-brasileiras. Ao que tudo indica, foi introduzido
no contexto brasileiro pelos povos africanos.
A presença do agogô nas rodas de capoeira va- O reco-reco é um instrumento de percussão que
ria, principalmente, em relação ao estilo de capoeira, pode ser confeccionado em madeira maciça, mas é
sobretudo, associado ao conjunto de instrumentos caracteristicamente confeccionado em um gomo de
da capoeira Angola. Outra variação ocorre em re- bambu, no qual se entalham sulcos transversais. O
lação ao material. Atualmente, tem se adotado, nas seu som é obtido pela fricção de uma haste de metal
rodas de capoeira, o agogô confeccionado de casta- ou de madeira sobre tais sulcos. Há ainda o reco-
nha do Pará. -reco industrializado, confeccionado em metal, do
qual, de acordo com Brito (2004, p. 35), o “som não
serve para a capoeira”. Normalmente, o reco-reco é
utilizado nas rodas de capoeira Angola.
Como você pode perceber, não são muitos os
instrumentos característicos da capoeira, entre-
tanto, é preciso destacar que há grande variação
na presença desses instrumentos nas rodas mundo
afora. Vejamos, no tópico a seguir, como os instru-
mentos são organizados e que funções desempe-
nham nas rodas de capoeira. Até breve!
Fonte: Ponto Solidário ([2019, on-line)2.

150
EDUCAÇÃO FÍSICA

151
CAPOEIRA

Bateria:
o Conjunto de
Instrumentos da Capoeira

Olá, caro(a) aluno(a)! No tópico anterior, tratamos Esperamos sermos capazes de lhe mostrar o
dos instrumentos musicais característicos da capo- porquê de insistirmos na indispensável necessi-
eira. Ao apresentá-los, o fizemos destacando a estru- dade de expor este elemento constitutivo, os ins-
tura características de cada um deles. Neste tópico trumentos, na abordagem da capoeira. Para tanto,
que se inicia, continuaremos tratando dos instru- pretendemos lhe apresentar algumas das formas
mentos, entretanto, nos atentaremos às funções (pois são diversas) de organizar os instrumentos
desempenhadas por eles em uma roda de capoeira. em uma roda.

152
EDUCAÇÃO FÍSICA

A diversidade de formas de organização dos ins- trumento, na disposição deste na roda. Dito isto,
trumentos na capoeira depende de alguns fatores, prezado(a) aluno(a), é indispensável que você en-
dentre os quais destacamos o estilo ou a vertente de tenda que é impossível apresentar aqui uma forma
capoeira. Ou seja, os instrumentos que aparecem definitiva ou correta de organização. Pensamos, en-
em uma roda de capoeira de um estilo não são os tretanto, que a partir da exposição a seguir, você será
mesmos que aparecem na roda de outra vertente. capaz de compreender, grosso modo, a existência de
Por exemplo, na roda de Angola, considera-se, atual- formas diversas de organizar os instrumentos em
mente, tradicional a presença de três berimbaus, en- uma roda de capoeira.
quanto que na capoeira Regional de Mestre Bimba, A tabela a seguir representa uma síntese do tipo
conta-se com a presença de apenas um berimbau. de instrumento, bem como a quantidade de cada um
Mesmo dentro de um mesmo estilo é comum deles presentes em cada estilo de capoeira.
alguma variação, se não na presença de algum ins-

Tabela 1 - Síntese da quantidade de instrumentos presentes em cada estilo de capoeira

Instrumento estilo ANGOLA REGIONAL CONTEMPORÂNEA


Berimbau 3 1 3
Pandeiro 2 2 2
Atabaque 1 ------- 1
Agogô 1 ------- 1
Reco-reco 1 ------- -------
Fonte: o autor.

Você notou que o caxixi não foi listado nesta tabela? Nas rodas de capoeira Angola, a bateria é com-
Não foi esquecimento, mas sim, o fato de o caxixi posta por três berimbaus, o gunga, o médio e o vio-
não desempenhar uma função isolada no conjunto la. Cada um deles tem uma afinação e uma função. O
de instrumentos característicos da capoeira. Este ins- gunga é o berimbau de som mais grave, visualmente,
trumento serve de acompanhamento à percussão do podemos reconhecê-lo pelo maior porte da cabaça.
berimbau. Desta forma, entenda que o caxixi está pre- Por ter uma função determinante na roda, esse berim-
sente onde estiver o berimbau e na mesma quantidade. bau é, geralmente, tocado pelo mestre ou por outro
O conjunto de instrumentos em uma roda de ca- capoeira experiente capaz de conduzir a roda. A sua
poeira já foi denominado conjunto musical ou rit- percussão deve ser bem definida, uma vez que o co-
mo (PASTINHA, 1988). Atualmente, é mais comu- mando emitido pelo gunga, ou seja, o toque, precisa
mente conhecido como bateria (CRUZ, 1997; 2003, ser compreendido por todos os integrantes da roda.
SILVA; HEINE, 2008), orquestra (SILVA, 2003), ou Esse instrumento costuma marcar o toque, sem exe-
ainda, charanga (COLUMÁ, 2012). cutar variações. Por exemplo, se o toque executado for

153
CAPOEIRA

angola, o gunga o marca repetidamente, sem executar Uma ressalva se faz necessária, apesar de conside-
muitos repiques, que são as variações dentro do toque. rarmos esses exemplos especificidades contextuais,
O berimbau viola, por outro lado, tem uma afi- demasiadamente técnicos, ainda assim são necessá-
nação que lhe garante um som agudo e, diferente- rios, pois nos ajudam a compreender que o anda-
mente do gunga, improvisa livremente, sem, no en- mento da roda se dará de acordo com os preceitos
tanto, sair do ritmo e do toque executado por este. considerados tradicionais por cada mestre, escola ou
Assim, se o gunga toca angola, o viola também o faz, grupo de capoeira, evitando, neste sentido, julgar-
mas o seu tocador é livre para explorar a criativi- mos certas ou erradas tanto as nossas experiências
dade. Visualmente, o berimbau viola pode ser reco- quanto as dos nossos pares.
nhecido por ter a cabaça pequena, a menor dentre o Após a definição do toque pelo gunga, o que, por
trio de berimbaus. sua vez, determinará o andamento dos jogos execu-
O médio é um berimbau intermediário entre o tados na roda e o acompanhamento do médio e do
gunga e o viola, tanto no som que produz quanto no viola, os demais instrumentos são, então, percuti-
tamanho da cabaça. Há algumas rodas em que o mé- dos. Neste caso, em que estamos tratando da bateria
dio executa um toque diferente do executado pelo da capoeira Angola, temos a presença de um ou dois
gunga, invertendo as batidas. Por exemplo, quando pandeiros, um atabaque, um reco-reco e um agogô.
o gunga toca angola, o médio toca são bento peque- A bateria da capoeira Regional é composta por
no de angola; já quando o gunga toca são bento pe- um berimbau e dois pandeiros. O berimbau, apesar
queno de angola, o médio toca angola dobrada. de ser solo, tem a mesma função: determinar o an-
damento da roda. Sobre a composição da charanga,
como é conhecida a bateria da capoeira Regional de
mestre Bimba, Brito (2007, p. 50) nos esclarece que:

Alguns de seus alunos disseram que ele não


acrescentava mais berimbaus porque não tinha
bons tocadores que executassem os toques da
Regional como ele gostava. [...] Já outros afir-
mam que ele não utilizava mais de um berim-
bau, para não quebrar a “pulsação” forte de rit-
mos da Regional.

A formação da bateria da capoeira Contemporâ-


nea está mais próxima da bateria da Angola. Estão
presentes três berimbaus, gunga, médio e viola, os
viola
quais desempenham as mesmas funções já descritas.
médio gunga
E mesmo quando executam toques provenientes da
Figura 3 - Berimbau (viola, médio e gunga)
capoeira Regional, o trio de berimbaus na bateria
Fonte: Wikipédia ([2019], on-line)3. da Contemporânea desempenha as funções que de-

154
EDUCAÇÃO FÍSICA

sempenham na bateria da Angola. Ou seja, o gunga toque para imaginarmos a ocorrência de uma roda
marca o toque, o qual é repetido pelo médio com al- de capoeira. No próximo tópico, abordaremos as
gumas possibilidades de improviso e, na sequência, cantigas de capoeira, outro elemento constitutivo
o viola executa o mesmo toque, mas com liberdade desta prática corporal.
de improviso. Ainda estão presentes nessa bateria
um ou dois pandeiros, mais comumente dois. Há
a presença de um atabaque. Em algumas forma-
ções, há a presença de um agogô. Não é comum a
presença do reco-reco, mas há formações onde este
instrumento é utilizado na execução dos toques da
capoeira Angola.
A ordem dos instrumentos é por demais variada
para que arrisquemos alguma apresentação, mas, de
maneira geral, o trio de berimbaus ocupa o centro
da bateria, e os demais instrumentos são distribuí-
dos. A bateria, mais especificamente a região à frente
dos berimbaus, conhecida como “pé do berimbau,”
é a “porta de entrada” da roda. Neste espaço, se co-
locam acocorados os jogadores que iniciarão o jogo
após o canto da ladainha, no caso da roda de capo-
eira Angola. Também é dali que partirá para o jogo
uma nova dupla, na roda da capoeira Regional. É
também do pé do berimbau que os jogadores entra-
rão na roda para efetuar a compra do jogo.
Para finalizarmos este tópico, vale frisar a im-
portância que, atualmente, é atribuída ao berimbau
no andamento da roda de capoeira. Desta forma, é
preciso que se entenda que os demais instrumen-
tos são subordinados ao comando dos berimbaus,
especificamente ao gunga. Logo, os demais instru-
mentos não devem ser percutidos de modo que
cubram o som dos berimbaus. Lembre-se que é a
mensagem entoada pelo berimbau gunga que deter-
minará o tipo de postura assumida na roda.
A importância do berimbau e a sua associação
atual com a capoeira, outrossim, são ratificadas no
imaginário popular. Basta ouvirmos o soar do seu

155
CAPOEIRA

As Cantigas de Capoeira
e a sua Estrutura

Caro(a) aluno(a)! Nos detivemos, nos tópicos an- nar a cantar. Almejamos sim, que você compreenda a
teriores, à apresentação dos instrumentos caracte- estrutura dos diferentes tipos de cantiga, sendo, desta
rísticos da capoeira. Identificamos ainda algumas forma, capaz de diferenciar um corrido de uma la-
formas de organização desses instrumentos, ou seja, dainha; uma cantiga característica da Angola de uma
conhecemos a bateria, o conjunto de instrumentos cantiga característica da Regional; e que, de forma
presentes na roda de capoeira. No tópico que segue, mais ampla, você reflita acerca do conteúdo delas.
trataremos das cantigas de capoeira. Antes, porém, Comecemos as nossas discussões com uma in-
deixemos claro que o nosso objetivo não é lhe ensi- dagação: Para você, prezado(a) aluno(a), qual é a

156
EDUCAÇÃO FÍSICA

função das cantigas na capoeira? Disfarçar a luta as suas percepções de mundo, as suas aventuras
com dança, diriam alguns. Animar a roda, diriam e desventuras, os seus heróis, os seus fundamen-
outros. Estas não são percepções erradas, tampou- tos, enfim, a sua história e, consequentemente, a
co devemos desconsiderá-las. Entretanto, a musica- história da própria manifestação. Ao analisarmos
lidade expressa na capoeira extrapola tais funções. o conteúdo de alguns exemplos de cantigas que
As cantigas funcionam como forma de transmissão apresentaremos mais adiante, você perceberá a
de saberes. presença destes temas.
No universo cultural da capoeira, as cantigas Assim como nos demais elementos constitutivos,
possuem, de acordo com Columá (2012), um va- os tipos de cantigas presentes em uma roda variam,
lor simbólico e, não obstante, possuem também um principalmente, em função do estilo de capoeira.
valor prático. Lembre-se que a capoeira é uma ma- Entretanto, podemos dizer que, de maneira geral, as
nifestação cujo desenvolvimento se deu no âmbito cantigas de capoeira são as ladainhas, as louvações,
da cultura popular, onde a oralidade é uma das ca- as chulas, os corridos e as quadras. A dinâmica das
racterísticas mais marcantes. Por meio da oralidade cantigas apresenta uma interação constante entre o
são transmitidos e revividos os saberes ancestrais cantador, aquele que as entoa, e o coro, os demais
(ABIB, 2005). No caso da capoeira, tais saberes e as integrantes da roda de capoeira.
suas histórias não são contados, mas cantados. So- As ladainhas são cantigas características da ca-
bre este aspecto, Santos (2002) destaca que as canti- poeira Angola, mais, especificamente, do toque de
gas de capoeira podem revelar, por meio de seu con- Angola, mas que são igualmente entoadas nas ro-
teúdo, aspectos históricos por vezes negligenciados das da capoeira Contemporânea, quando o toque
pela educação formal. de Angola é executado. Comumente, as rodas são
Neste sentido, é importante que repensemos a iniciadas com uma ladainha, durante a qual não se
forma como este elemento constitutivo vem sendo joga. Isto mesmo, enquanto o cantador, neste caso,
exposto durante a abordagem da capoeira nos mais o mestre da roda, entoa uma ladainha, os jogadores
distintos espaços. As cantigas são uma das formas aguardam acocorados ao pé do berimbau esperando
de expressão que o capoeira tem à sua disposição. a autorização para o início do jogo. Também não é
Vimos, na Unidade 3, que a gestualidade do jogo é comum a participação do coro nas ladainhas. Este
espontânea, ou seja, dentro dos preceitos do toque, o tipo de cantiga é relativamente longo quando com-
capoeira é livre para criar os seus movimentos, é li- parado às demais cantigas de capoeira.
vre para se expressar corporalmente. Pois bem, com As ladainhas sugerem reflexão, o seu conteúdo
as cantigas a dinâmica é a mesma. Respeitando-se os expressa os sentimentos dos capoeiras sobre as mais
preceitos do toque, que designará um tipo específico variadas temáticas, “podendo ser um aviso, uma
de cantiga a ser entoada, o capoeira é livre para en- reza, um lamento, um desabafo, um agrado, ou um
toar a sua mensagem. desafio” (MATTOS; MATTOS, 1995, p. 12). Acom-
Outrossim, é importante que se diga que as panhem, a seguir, a letra de uma ladainha, composta
cantigas são compostas pelos próprios capoeiras. por Antonio César de Vargas, o mestre Toni Vargas.
E por meio destas composições, eles registram Atentem-se para o conteúdo desta cantiga.

157
CAPOEIRA

Iêêêêêê escravos, enaltecendo e dando distinção ao mito de


Dona Isabel que história é essa Zumbi, o rei negro de Palmares”. E você, prezado(a)
Dona Isabel que história é essa aluno(a), que tipo de reflexão a letra dessa cantiga
lhe provoca?
De ter feito abolição
Logo após o cantador entoar a ladainha, são exe-
De ser princesa boazinha
cutadas cantigas cuja interação com o coro se torna
Que libertou a escravidão mais evidente. O nome desse tipo de cantiga varia
Tô cansado de conversa, bastante: são chamadas de saudação (COLUMÁ,
Tô cansado de ilusão 2012), chula (ESTEVES, 2003), canto de entrada
Abolição se fez com sangue (CRUZ, 1997) ou louvação (BRITO, 2007). Mas
apesar de tantos nomes, é possível identificarmos
Que inundava este país
uma estrutura característica de tais cantigas. Via de
Que o negro transformou em luta,
regra, são improvisadas pelo cantador, cujo conteú-
Cansado de ser infeliz do é de enaltecimento. Assim como ocorre na ladai-
Abolição se fez bem antes nha, normalmente, não se joga durante as chulas. Os
E ainda há por se fazer agora versos desse tipo de cantiga são precedidos de “iêê”
Com a verdade da favela, quando entoado pelo cantador. O coro, por sua vez,
repete exatamente o que foi entoado, acrescido de
E não com a mentira da escola
“camará”. Acompanhem um exemplo de chula, que
Dona Isabel chegou a hora
foi entoado na sequência da ladainha “dona Isabel”
De se acabar com essa maldade (VARGAS, 2007).
De se ensinar aos nossos filhos,
O quanto custa à liberdade Iêêê viva Zumbi (Cantador)
Viva Zumbi nosso rei negro, Iêê Viva Zumbi Camará (Coro)
Que fez-se herói lá em Palmares Iêêê Rei de Palmares (Cantador)
Viva a cultura desse povo, Iêê Rei de Palmares Camará (Coro)
A liberdade verdadeira Iêê Libertador (Cantador)
Que já corria nos Quilombos, Iêê Libertador Camará (Coro)
E já jogava capoeira Iêêê Viva Meu Mestre (Cantador)
Iêêê viva Zumbi... Iêê Viva Meu Mestre Camará (Coro)
Iêêê quem me ensinou (Cantador)
Iêê quem me ensinou camará (Coro)
Columá (2012, p. 80), ao analisar essa cantiga, per-
cebeu uma forma de questionamento à história ofi- Iêêê a Capoeira (Cantador)

cial, inclusive de combate à “normativa mítica que Iêê a Capoeira Camará (Coro)
entronizava a princesa Isabel como salvadora dos

158
EDUCAÇÃO FÍSICA

Sem que haja pausa ou interrupção, o cantador passa Paraná ê, Paraná ê, Paraná (Coro).
da chula para os corridos. Os corridos são cantigas A pintura é do diabo, Paraná
relativamente curtas, e a interação entre o cantador
A beleza é Deus quem dá, Paraná (cantador).
e o coro é mais efetiva e dinâmica. Quando dizemos
Paraná ê, Paraná ê, Paraná (Coro).
que um corrido é curto, nos referimos à sua estru-
tura, pois o tempo de execução de um corrido em Vou m’embora, vou m’embora, Paraná.

uma roda de capoeira não é determinado. Aliás, esse Como eu já disse que vou, Paraná (cantador).
tipo de cantiga permite que o cantador explore a Paraná ê, Paraná ê, Paraná (Coro).
sua capacidade criativa, uma vez que ele é livre para Eu aqui não sou querido, Paraná
improvisar os versos. O coro do corrido, entretanto,
Mas na minha terra eu sou, Paraná (cantador).
não se improvisa. Os demais integrantes da roda que
Paraná ê, Paraná ê, Paraná (Coro).
respondem o coro repetem sempre o mesmo verso.
Observem o exemplo que segue de um corrido
de domínio popular, muito conhecido não só nas Entretanto, no Rio de Janeiro, de acordo com Lopes
rodas de capoeira. (1992) os corridos são conhecidos como chulas. Bri-
to (2007, p. 54), por seu turno, nos apresenta outra
Vou dizer pra minha mulher, Paraná estrutura para a chula. Para o autor, essas cantigas
Capoeira me venceu, Paraná (cantador). têm a mesma estrutura das ladainhas, mas sem a lou-
vação. Acompanhem o exemplo que segue. A cantiga
Paraná ê, Paraná ê, Paraná (Coro).
é intitulada “Moça chorando” e é interpretada por
Ela que bateu o pé firme, Paraná
Reinaldo Ramos Suassuna, o mestre Suassuna.
Isso não acontecer, Paraná (cantador).
Paraná ê, Paraná ê, Paraná (Coro). Lá em cima da janela
É de vera que o morro, Paraná Da janela do sobrado
Se mudou para a cidade, Paraná (cantador). Tinha uma moça chorando
Paraná ê, Paraná ê, Paraná (Coro). Chorando pra se acabar
Tem batuque todo dia, Paraná Por causa do Cordão de Ouro
Mulata de qualidade, Paraná (cantador). Ai meu bem, que o ladrão tinha roubado
Paraná ê, Paraná ê, Paraná (Coro). Mas não chore, dona moça
Minha mãe é mulher velha, Paraná Que o ladrão já tá sendo procurado
Fecha porta e dorme cedo, Paraná (cantador). Quem pegar este ladrão
Paraná ê, Paraná ê, Paraná (Coro). Oi, ai, ai! Será bem recompensado
A mulher para ser bonita, Paraná Dou um berimbau maneiro
Não precisa se pintar, Paraná (cantador). Ai, Ai, Ai! Dou um gunga ritmado

159
CAPOEIRA

Oi, Chiquinho ê ê ê! Oi, Chiquinho a a a! Iê tinha um vizinho


Oi, a menina de ouro mandou me chamar Iê tinha um vizinho
Oi, Chiquinho ê ê ê! Oi, Chiquinho a a a! (coro) Pé de mim tinha um vizinho
Oi, na volta que o mundo deu Enricou sem trabalhar
E na volta que o mundo dá Meu pai trabalhou tanto
Oi, Chiquinho ê ê ê! Oi, Chiquinho a a a! (coro) Mas nunca foi de enricar
Oi, a menina de ouro mandou me chamar Num deitava uma noite
Oi, Chiquinho ê ê ê! Oi, Chiquinho a a a! (coro) Que deixasse de rezar
Camará

Esta sequência de cantigas que apresentamos, ladai-


nha, louvação/chula, corrido é característica das ro- As demais cantigas de uma roda da capoeira Re-
das e dos jogos da capoeira Angola. Já na capoeira gional nós já conhecemos, são as louvações en-
Regional, a sequência é outra. toadas após a quadra e, na sequência, os corridos
As cantigas características da capoeira Regional (CAMPOS, 2009).
são as quadras. Estas têm uma estrutura em forma No caso da capoeira Contemporânea, todos esses
de “versos curtos que apresentam normalmente em tipos de cantigas podem estar presentes, depende o
quatro linhas e servem para dar início a um evento toque que se executa. Você deve se lembrar que, nas
ou abrir uma roda” da capoeira Regional (CAM- rodas desse estilo de capoeira, são executados toques
POS, 2009, p. 63). Para Brito (2007, p. 55), as qua- provenientes tanto da Angola quanto da Regional.
dras “parecem-se com ladainhas, mas são menores”. Gostaríamos de finalizar este tópico lhe chaman-
O autor (2007, p. 55) ainda acrescenta que “mestre do a atenção para as possibilidades de abordagens da
Bimba cantava várias quadras durante a roda e os musicalidade na capoeira, a qual, via de regra, tem
alunos jogavam normalmente sem interromper o sido limitada à reprodução de algumas cantigas para
jogo”. Este aspecto é bastante diferente da ladainha, que os alunos joguem (LIMA, 2014). Entretanto, es-
durante a qual não há jogo. Acompanhe o exemplo pero que você tenha percebido que esse elemento é
de uma quadra da capoeira Regional. rico em conteúdo. Até breve!

160
EDUCAÇÃO FÍSICA

161
CAPOEIRA

A Roda, o Momento de
Expressão da Capoeira
No tópico que se inicia, nós abordaremos o último to histórico; as suas formas de representação; os seus
elemento constitutivo. Vale a pena relembrar que a agentes e etc. Da mesma forma que é indispensável
elaboração do material que você tem nas mãos se a abordagem do repertório gestual que a caracteri-
deu a partir da percepção da capoeira como uma za como uma prática corporal. E particularmente,
manifestação que pode ser abordada pedagogi- no caso da capoeira, os seus instrumentos e as suas
camente a partir de seus elementos constitutivos, cantigas, elementos que lhe conferem singularidade.
aqueles aspectos que a caracterizam. Todos esses elementos já foram expostos ao longo
Neste sentido, consideramos indispensável, ao se dessas quatro unidades. Por fim, trataremos da roda
abordar a capoeira em qualquer contexto, que sejam de capoeira, a qual representa mais do que um espa-
expostos os aspectos referentes à historicidade desta ço, representa também um momento onde todos os
prática, como as suas origens; o seu desenvolvimen- demais elementos convergem.

162
EDUCAÇÃO FÍSICA

A roda “é um momento determinante da práti- tação, mas, principalmente, entendem-na como um


ca da capoeira que não pode ser ignorado” (IPHAN, contexto onde os elementos educacionais impressos
2014, p. 116). De fato, ela representa a própria mani- na capoeira devam ser explorados. Elementos como
festação, o ponto de, em 2008, a roda de capoeira ter a cooperação e a alteridade estão presentes na estru-
sido registrada como “Patrimônio Cultural do Bra- tura básica de uma roda, pois, para que ela aconteça,
sil” e, em 2014, esta mesma expressão fora contem- são necessárias a presença e a atuação de tocadores,
plada com o título de “Patrimônio da Humanidade” cantadores e jogadores. Neste sentido, “é essencial a
pela Organização das Nações Unidas para a Educa- participação ativa de todos, visto que o resultado final
ção, a Ciência e a Cultura - Unesco (IPHAN, 2017). depende do conjunto” (SILVA; HEINE, 2008, p. 61).
Tal reconhecimento traz a valorização dos saberes Guardadas as devidas especificidades referentes
e das práticas estabelecidas nas rodas, mas, princi- aos seus estilos, uma roda de capoeira, grosso modo,
palmente, valoriza a roda de capoeira como símbolo é uma ocasião onde se agrupam pessoas a fim de
identitário dessa manifestação. manifestar a capoeira, não somente por meio dos
Entender a roda como um momento específico gestos, ou do canto ou dos toques ou das palmas,
se faz importante para que não nos prendamos a mas todos dão vazão a tais elementos concomitan-
descrições físicas dela. Apesar de encontrarmos tan- temente. Como já conhecemos os demais elementos
to na literatura quanto no cotidiano, especialmente, constitutivos dessa prática corporal, as suas particu-
nos espaços físicos das academias, rodas descritas laridades e as suas funções, neste momento, ao tra-
como “um círculo de 2,5 metros de raio, circulado tarmos da roda, observaremos a relação entre tais
por outro” (REIS, 2000, p. 165), a roda em si não elementos, a fim de compreender a dinâmica geral
depende de nenhum tipo de marcação. É nela que o de uma roda de capoeira.
jogador de capoeira evidencia as múltiplas dimen-
sões dessa prática corporal, cada um fazendo valer o REFLITA

seu entendimento, a sua percepção de capoeira. Nos


dizeres de Areias (1998, p. 96): Quais aspectos referentes tanto aos instru-
mentos característicos quanto às cantigas
A roda de capoeira é o palco de comunicação de capoeira precisamos conhecer para que
e expressão máxima do capoeirista. Nela ele se tais elementos sejam abordados nas escolas,
nos projetos sociais ou em qualquer outro
entretém, brinca, se defende, luta, dança, cria e
espaço?
celebra. Nela o capoeirista tem a oportunidade
de vivenciar e compartilhar as diversas facetas
da sua personalidade [...].
Uma roda inicia-se, rotineiramente, pela formação
A roda é o momento em que, de fato, vemos a expres- da bateria. O berimbau gunga determina um toque,
são da capoeira por meio das atuações dos jogado- o qual depende do estilo de capoeira, e os demais
res, especialmente, pela possibilidade que estes têm instrumentos o acompanham. Em seguida, entoa-se
de transitarem pelas diversas funções. Silva e Heine uma cantiga, a qual pode ser uma ladainha para a
(2008) entendem a roda como a síntese da manifes- Angola, ou uma quadra para a Regional. Ao início

163
CAPOEIRA

da cantiga, dois capoeiras dirigem-se ao pé do be- Uma vez que o capoeira se põe a jogar, valendo-se de
rimbau e aguardam a autorização para iniciar o jogo. um repertório gestual conquistado em vivências e trei-
Esta autorização poderá ser dada por meio da pró- nos, ele(a) tem a possibilidade de explorar livremente
pria cantiga, ou por um simples gesto do mestre, mas tal repertório. Ou seja, apesar de haver a determina-
é bastante comum que o berimbau gunga seja incli- ção do tipo de jogo, por meio do toque de berimbau, o
nado para frente indicando, desta forma, que o jogo jogador, ao explorar o seu repertório, seleciona e exe-
já pode começar. cuta os movimentos que julgar mais apropriados para
No caso de uma roda de capoeira Angola, esta as diversas situações impostas pelo diálogo corporal,
forma de entrar na roda, ou seja, os dois capoeiras que é o jogo de capoeira. E não é somente em relação
iniciando o seu jogo no pé do berimbau, se repeti- ao jogo que a roda privilegia a espontaneidade, tam-
rá durante toda a roda. No caso da capoeira Regio- bém durante os toques e as cantigas o capoeira pode
nal de mestre Bimba, o procedimento de entrada é expressar-se livremente. Lembre-se que, no caso das
basicamente o mesmo, dois jogadores aguardam o cantigas, são os próprios capoeiras que as compõem.
comando do berimbau para iniciarem o seu jogo, o Evidentemente que a descrição do andamento de
que difere é o tempo de cada jogo. Os jogos de An- uma roda de capoeira que lhes apresentamos é uma
gola são bem mais extensos que os da Regional. forma generalizada de fazê-lo. Muito provavelmente
Nas rodas da capoeira Contemporânea, este você, que já tenha assistido, que venha a assistir ou que
procedimento, de entrar uma dupla de cada vez, fica até mesmo já tenha participado de uma roda de capo-
restrito ao toque de Angola. Com o desenrolar da eira, deparar-se-á com outros tantos detalhes e parti-
roda, a forma de entrada mais comum adotada pelos cularidades de cada estilo, grupo ou mestre de capo-
jogadores tem sido o jogo de compra. Este é o ato de eira. Não obstante, tal fato não traz nenhum demérito
um capoeira interromper um jogo entre outros dois aos nossos esforços de lhe apresentar a roda. Aliás,
jogadores, posicionando-se de frente com o jogador nem poderia ser diferente, lembre-se que a capoeira
com quem se deseja jogar, enquanto o outro retira- é polissêmica e, como tal, não se enquadra em uma
-se do centro da roda. Perceba, prezado(a) aluno(a) única categoria. Como poderia, então, a roda ser igual
que, apesar da mudança na maneira como os joga- em diferentes contextos? O fato é que pensamos em
dores entram na roda, o ponto de entrada ainda é o uma forma de abordar o elemento “roda” de maneira
mesmo para todos os estilos qual seja a bateria, mais que você fosse capaz de compreender a dinâmica pela
precisamente, o pé do berimbau. qual ela se expressa. Esperamos, nesse sentido, que, ao
A função de manter a roda é partilhada por to- assistir uma roda, você seja capaz de identificar e en-
dos os seus integrantes. Desta forma, todos que a tender o que está acontecendo. E, enquanto futuro(a)
compõem são potencialmente jogadores, tocadores profissional de Educação Física, seja capaz de levar
e cantadores. Apesar de existir certa hierarquia nas os(as) seus alunos(as) a tal entendimento.
rodas, estas funções não são preestabelecidas, o que Pensando em uma forma de abordar a roda, bem
predomina é a autonomia dos sujeitos. como os demais elementos constitutivos da capoei-
Outro aspecto característico da capoeira e que se ra, compartilharemos algumas propostas e experi-
torna bastante evidente na roda é a espontaneidade. ências na próxima unidade. Até breve!

164
considerações finais

Olá, prezado(a) aluno(a)! Nesta unidade, tratamos dos aspectos referentes aos
instrumentos, às cantigas e à roda de capoeira. Nos propomos a apresentar-lhe
os instrumentos característicos do jogo, destacando-os em suas funções e formas
de organização. No tocante às cantigas, propomo-nos a apresentar-lhe os tipos
de cantigas presentes nas rodas de capoeira. Quanto a esta última, procuramos
expor a sua dinâmica geral.
Nesse sentido, verificamos que berimbaus, pandeiros, atabaque, agogô e re-
co-reco são os instrumentos que compõem a bateria. A formação de uma bateria
varia principalmente em função do estilo de capoeira. Assim, descobrimos que
uma bateria de Angola é composta por três berimbaus, dois pandeiros, um ata-
baque, um agogô e um reco-reco. Uma formação bem diferente da capoeira Re-
gional, em que a charanga conta com um berimbau e dois pandeiros. No caso da
Contemporânea, a bateria se aproxima da formação da Angola, mesmo quando
são executados os toques da Regional.
Os três berimbaus presentes na roda possuem afinações e funções distintas
na bateria, dentre eles, o berimbau gunga é o que define o andamento. Apesar
de, atualmente, ser considerado o símbolo da capoeira, o berimbau nem sempre
esteve associado a ela. Antes de sua presença, era o atabaque que ritmava a roda.
No que se refere às cantigas, identificamos as ladainhas, louvações ou chulas,
as quadras e os corridos como os tipos de cantigas características de uma roda de
capoeira. Compreendemos que cada estilo de capoeira tem as suas cantigas es-
pecíficas. Mas, principalmente, refletimos acerca das funções e do conteúdo das
cantigas. Entendemos que esse elemento não se limita a embalar as rodas e que,
por meio das cantigas, a história da capoeira e dos jogadores é cantada.
Compreendemos por meio da análise de sua dinâmica, que a roda não é ape-
nas um espaço físico, mas é, antes de tudo, um momento específico de expressão
da própria capoeira. Então, finalizamos esta unidade refletindo sobre a forma
como esses elementos podem ser expostos nos mais diversos espaços.

165
atividades de estudo

1. Com base em nossos estudos, relacione os tipos III - A bateria característica da capoeira Regio-
de cantigas, a seguir, às suas respectivas descri- nal é denominada charanga, e é composta
ções. por um berimbau e dois pandeiros.
1 - Ladainha IV - A bateria característica da capoeira Con-
2 - Quadra temporânea é normalmente composta
por três berimbaus, dois pandeiros, um
3 - Corrido atabaque e, em alguns casos, um agogô.
4 - Louvação/Chula É correto o que se afirma em:
( ) Cantiga característica do toque de Angola, a) I, apenas.
relativamente longa em relação aos demais tipos
de cantigas. b) I e II, apenas.

( ) Tipo de cantiga entoada após a ladainha, c) II e III, apenas.


cuja característica é o improviso e o enaltecimen- d) III e IV, apenas.
to a Deus, aos mestres e à capoeira.
e) II, III e IV, apenas.
( ) Cantiga característica da capoeira Regional,
com estrofes compostos em quatro versos. 3. Atualmente, o berimbau é o instrumento símbolo
da capoeira. Em relação a este instrumento, leia
( ) Tipo de cantiga entoada no decorrer da
as afirmativas a seguir.
roda, onde a interação entre o cantador e o coro
é mais dinâmica e efetiva. I - O berimbau é considerado o instrumento
símbolo da capoeira porque foi o primeiro
A sequência correta para a resposta da questão é: instrumento utilizado pelos negros escra-
a) 1, 2, 4, 3. vizados nas rodas desta manifestação.

b) 4, 1, 3, 2. II - A associação do berimbau só ocorreu no


fim do século XIX, antes deste período, as
c) 1, 4, 2, 3.
descrições dão conta do berimbau asso-
d) 2, 3, 1, 4. ciado à atividade dos negros de ganho,
principalmente.
e) 3, 2, 4, 1.
III - As partes que compõem um berim-
2. O conjunto de instrumentos presentes em uma bau são, basicamente, uma verga de ma-
roda de capoeira é denominado de bateria. deira flexível e resistente, a qual é tensio-
Quanto à composição da bateria, leia as afirma- nada por um arame de aço e uma cabaça,
tivas a seguir. que funciona como caixa de ressonância.
I - A bateria característica da capoeira Ango- IV - O primeiro instrumento utilizado em uma
la é comumente composta por um berim- roda de capoeira de que se tem registro
bau, dois pandeiros e um violão. foi o tambor, e é por este motivo que, atu-
II - A bateria característica da capoeira Ango- almente, o berimbau é subordinado ao
la é comumente composta por três berim- atabaque.
baus, dois pandeiros, um atabaque, um
agogô e um reco-reco.

166
atividades de estudo

É correto o que se afirma em: 5. Sobre o instrumento berimbau, analise as afir-


a) I, apenas. mativas a seguir e assinale como Verdadeiro (V)
ou Falso (F).
b) I e II, apenas.
( ) O berimbau é, atualmente, o principal ins-
c) II e III, apenas. trumento de uma roda de capoeira, é ele que
d) I e IV, apenas. determina o andamento da roda por meio dos
toques.
e) II, III e IV, apenas.
( ) O atabaque é, atualmente, o principal ins-
4. São vários os tipos de cantigas executadas em trumento de uma roda de capoeira, é ele que
uma roda e dependem, basicamente, do estilo determina o andamento da roda por meio dos
de capoeira que se pratica. Quanto às cantigas, toques.
leia as afirmativas a seguir. ( ) O pandeiro é um instrumento de percus-
I - A ladainhas são cantigas característica da são antiquíssimo, muito difundido na velha Índia
capoeira Angola, mais especificamente do e entre os hebreus.
toque de Angola.
( ) O pandeiro é, atualmente, o principal instru-
II - Os corridos são cantigas relativamente mento de uma roda de capoeira, é ele que deter-
curtas e apresentam forte interação entre mina o andamento da roda por meio dos toques.
o cantador e o coro.
É correto o que se afirma em:
III - As quadras são cantigas característica da
a) F; V; F; V.
capoeira Angola, mais especificamente do
toque de Angola, utilizadas, geralmente, b) V; F; V; F.
para iniciar a roda.
c) V; F; V; V.
IV - As chulas são características da capoeira
d) V; V; V; V.
Regional e, neste tipo de cantiga, as estro-
fes estão organizadas em quatro versos. e) F; F; F; F.

É correto o que se afirma em:


a) I, apenas.
b) I e II, apenas.
c) II e III, apenas.
d) III e IV, apenas.
e) II, III e IV, apenas.

167
LEITURA
COMPLEMENTAR

Leia o excerto de Lima (2014) que trata da abordagem Pesquisador – Esses materiais são particulares?
da capoeira, especificamente, nas aulas de Educação Fí-
• É. O berimbau é meu, eu que adquiri. E aí através dos
sica, no contexto escolar, e reflita sobre a forma como os
alunos eu consigo que tragam berimbau. Atabaque
elementos constitutivos da capoeira têm sido expostos
eu não consegui ainda, mas da escola é difícil. Até
quando à sua abordagem.
porque é... Nós funcionamos como lotação. Eu não
Outra dificuldade de ordem prática constatada no contexto tenho lotação. Então se eu conseguir material pra
pesquisado se dá na exposição dos instrumentos caracte- essa escola, o ano que vem eu não tenho garantias
rísticos da Capoeira. Este aspecto é representado principal- que eu vou trabalhar aqui. Então o professor que
mente pelo berimbau, mas acompanhado por outros tais vem, ele pode usar ou não. Então vai ficando. Não é
como o pandeiro e o atabaque. [...] Os instrumentos são, um material que na hora de fazer a lista os diretores
juntamente com a música que abordaremos adiante, um vão priorizar, eles vão questionar aos professores
meio de linguagem próprio do universo da Capoeira. que estão “ah, que tipo de material você precisa?”
[...] Então fica muito atrelado a pessoa (P3).

Um(a) dos(as) professores(as) registrou que a aquisição [...] Colige-se, a partir do exposto, que a abordagem
de materiais específicos da Capoeira por parte da insti- aos instrumentos característicos à Capoeira raramente
tuição escolar, depende da iniciativa dos docentes, que ocorre, visto que dentre os(as) professores(as) entre-
de maneira geral os(as) professores(as) não têm material vistados(as) somente um afirmou expor um dos ins-
a sua disposição, portanto, via de regra, não trabalham trumentos aos seus estudantes. Os(as) outros(as) qua-
os instrumentos em suas aulas. A exposição deste as- tro professores(as) afirmaram não trabalharem com
pecto da Capoeira fica restrita à abordagem teórica. O(a) a exposição dos instrumentos. Os motivos apontados
único(a) professor(a) que afirmou expor os instrumentos foram, primeiramente, a indisponibilidade material. Ve-
de forma prática, informou que para tanto precisou ad- rificamos que o(a) único(a) professor (a) que apresen-
quirir o instrumento com recursos próprios. tou um instrumento aos estudantes teve de adquiri-lo
com recursos próprios. Sem o material os(as) profes-
• Algumas escolas já têm o berimbau, tem atabaque
que é fruto da iniciativa de algum professor ou ou- sores(as) recorrem ao empréstimo por parte de algum

tro. Mas assim isso não é todos. Não é prática de to- estudante que possua tal instrumento, ou a exposição
das as escolas, então fica restrito a prática do pro- virtual, por meio de imagens. O segundo motivo para
fessor, a escola ter aquele material. Então eu tenho não exposição é a falta de domínio técnico. Alguns pro-
alguns materiais, eu tenho o berimbau que eu levo, fessores afirmaram, que mesmo que tivessem o instru-
que eu consigo ilustrar eu tenho os vídeos (P3). mento a sua disposição não saberiam percuti-lo. Ambos

168
LEITURA
COMPLEMENTAR

os fatores levam a um estado de dependência, como • Não. Não consegui trazer a música. Que nem eu te
aquele verificado, quando no trato prático dos gestos disse, eu queria ter feito mais aulas práticas mas,
técnicos. Dependência tanto para o acesso ao instru- era muito corrido né! Foi atropelado, foi uma coisa
mento quanto para a manipulação deste. O que confir- assim pra cumprir um projeto na verdade, mas as-
ma nossa hipótese de que a representação dos(as) pro- sim... Fiquei devendo a música, não trouxe nem pra
eles terem uma noção (P1).
fessores(as) sobre Capoeira é de que a Capoeira é uma
atividade de pouca relevância, para qual não há neces- Os demais professores que mencionaram a abordagem
sidade de aquisição de materiais específicos tampouco da música o fizeram por ocasião da roda. Ao que indica
de preparo técnico dos profissionais responsáveis pela suas falas, a música, nesse contexto, limita-se ao embalo
manipulação de tais materiais. do jogo.
Os instrumentos são apontados pelos sujeitos pratican-
• [...] Mas, enfim. Eu coloco a música, uso o pen drive,
tes como o diferencial da Capoeira praticada fora do con-
a gente tem a TV pen drive, tiro as carteiras da sala,
texto escolar e aquela vivenciada nas aulas de Educação
ou coloco num cantinho da sala (P5).
Física. Confirmam, dessa forma, o discurso dos(as) pro-
fessores(as), quando registram que não tiveram acesso • A parte musical eu tenho trabalhado com som me-
aos instrumentos característicos da Capoeira. cânico. [...] então assim, eu ainda não consegui fa-
É importante destacarmos para os estudiosos da zer o som só na roda né! Eu tenho que levar um

Capoeira que os instrumentos, um dos aspectos instrumento mecânico (P3).

constitutivos da Capoeira, não deveriam estar ausentes Apesar de os(as) professores(as) não descreverem em
quando da abordagem da manifestação. Mesmo porque detalhes a abordagem aos aspectos musicais, não nos
os instrumentos são fundamentais para a abordagem de parece que tenham servido para nenhum tipo de discus-
outro aspecto da Capoeira, a música. [...] são acerca do conteúdo destes.
Tomando a música como elemento de tanto significado
Fonte: Lima (2014).
para a Capoeira, verificamos que este aspecto constitu-
tivo da Capoeira tem sido pouco explorado nas escolas
investigadas nesta pesquisa.
Entre os(as) professores(as) dois(02) afirmaram não tra-
balharem a música quando da abordagem da Capoeira.

169
material complementar

Indicação para Ler

Capoeira - Os Fundamentos da Malícia


Nestor Capoeira e Tony Vargas
Sinopse: o verdadeiro significado do jogo da capoeira, mais que dança, luta, jogo,
mais que um patrimônio da cultura brasileira, é uma forma de ver e viver a vida,
uma ótica específica do mundo e dos homens transmitida de mestre a aluno atra-
vés das gerações, uma prática que transborda da roda para o dia a dia com muito
suingue tropical e sabedoria ancestral, a nata da fina filosofia da malandragem
que se materializa no jogo ao som do berimbau.

Indicação para Ler

Ritmos e Instrumentos do Brasil - O Berimbau


Luiz Roberto Sampaio e Alexandre Damaria
Editora: Bernúncia
Sinopse: em O Berimbau - Ritmos e Instrumentos do Brasil, Luiz Roberto Sampaio e
Alexandre Damaria acharam por bem privilegiar os exercícios, estudos e compo-
sições, em vez de toques e ritmos executados pelo berimbau, tendo em vista que
outros bons livros já editados traduzem com precisão todo o grande repertório da
música tradicional da capoeira. Desta forma, os autores desejam cada vez mais
aproximar o leitor desse instrumento habitualmente usado na percussão brasilei-
ra, não apenas na roda de capoeira. O livro vem acompanhado de um DVD.

170
referências

ABIB, P. R. J. Capoeira Angola: cultura popular e LIMA, R. C. Representações da capoeira: o cená-


o jogo dos saberes na roda. Campinas: Unicamp- rio em escolas de Maringá. 2014. 203 f. Dissertação
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Salvador: EDUFBA, 2003. Gastão Penalva. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo:
ESTEVES, A. P. A “capoeira” da indústria do entre- Edusp, 1980. Volume 2.
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171
referências

Referências on-line
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2
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-castanha/>. Acesso em: 22 fev. 2019.
3
Em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Hn_3berimbau.jpg>. Acesso
em: 22 fev. 2019.

172
gabarito

1. C.
2. E.
3. C.
4. B.
5. B.

173
ABORDAGEM PEDAGÓGICA DOS
ELEMENTOS CONSTITUTIVOS
DA CAPOEIRA

Professor Me. Reginaldo Calado de Lima

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta
unidade:
• Fuga para o quilombo, uma forma de resistência
• Pega e salva o capoeira
• Berimbau de PVC, uma alternativa à falta de instrumentos
• Na roda, o jogo de compra é “nunca três”

Objetivos de Aprendizagem
• Conhecer as condições de vida, no contexto da escravidão,
e a fuga para os quilombos como uma forma de
resistências a tais condições.
• Aprender a dinâmica dos gestos técnicos característicos da
capoeira.
• Conhecer as possibilidades de confecção alternativa dos
instrumentos.
• Conhecer a dinâmica do jogo de compra.
unidade

V
INTRODUÇÃO

Olá, caro(a) aluno(a)! Até aqui, tratamos de diversos aspectos referentes


à capoeira. A nossa intenção foi lhe apresentar a estrutura dessa manifes-
tação, de modo que você, como futuro(a) profissional de Educação Física,
tenha condições mínimas de abordá-la no decorrer de sua carreira.
Ao elaborarmos este material, tomamos o cuidado para que, por um
lado, a exposição dos elementos constitutivos da capoeira não fosse de-
masiadamente técnica, mas que, por outro, não fosse superficial a ponto
de dispensar a intervenção de um profissional capacitado. O que propo-
mos para esta unidade é compartilhar com você algumas experiências de
abordagem pedagógica dos elementos constitutivos da capoeira, ou seja,
aqueles elementos que caracterizam uma prática corporal qualquer. Tal
abordagem é, então, indispensável, mas precisa ser adaptada aos diferen-
tes contextos onde ela ocorre.
As experiências que ora compartilhamos foram idealizadas a partir
da estrutura de jogos e brincadeiras amplamente conhecidos e a tais dinâ-
micas foram acrescidos os aspectos e os conteúdos característicos de cada
elemento constitutivo que, apesar de serem apresentados separadamente,
na prática, não se separam, assim como não precisam ser separados du-
rante a abordagem. Assim, podemos trazer elementos da historicidade
ao abordarmos cantigas ou elementos dos instrumentos ao falarmos de
gestos, e assim por diante.
A partir desta perspectiva, iniciaremos a abordagem da historicida-
de com a dinâmica “fuga para o quilombo”. Na sequência, abordaremos
alguns gestos técnicos com a dinâmica “pega e salva o capoeira”. Para a
abordagem dos instrumentos, propomos a confecção de um berimbau
com material alternativo, bem como a iniciação aos toques de capoeira
característicos desse instrumento. No último tópico, compartilharemos
uma experiência de abordagem do jogo de compra, um dos aspectos es-
pecíficos da roda. Entretanto, tomem estas atividades como sugestões e
não como receitas. Bom aprendizado!
CAPOEIRA

Fuga Para o Quilombo,


uma Forma de Resistência
Figura 1 - Representação de um quilombo
Fonte: Wikipédia ([2019], on-line)1.

Olá, caro(a) aluno(a)! Quando pensamos na abor- período; as condições, as quais eram submetidos os
dagem de aspectos históricos, grosso modo, nos vêm negros africanos; os papéis e as funções sociais e as
à mente as aulas teóricas. De fato, elas são estratégias formas de resistência àquele contexto.
indispensáveis, entretanto, propomos uma aborda- A atividade será iniciada sem que haja nenhuma
gem prática de alguns aspectos históricos referentes introdução histórica, isto por que o contexto históri-
à capoeira. É preciso ter em mente que há ampla co será revelado no decorrer da atividade. Desta for-
gama de temas referentes à história da capoeira. ma, dentre os(as) alunos(as) serão selecionados(as)
Lembre-se de quanta informação tomamos conhe- alguns(mas) pegadores(as). A quantidade de pega-
cimento na Unidade 1! dores(as) dependerá, basicamente, do tamanho da
A atividade que propomos a seguir abordará, es- turma e do espaço disponível para a realização da
pecificamente, o contexto brasileiro no período da atividade. O espaço deverá ser dividido em três cam-
escravidão, evidenciando as relações de poder do pos, como ilustrado na Figura 2.

178
EDUCAÇÃO FÍSICA

os locais de refúgio, construídos, sobretudo, por es-


cravos fugidos e os seus descendentes, mas habitados

PEGADORES(AS)
ALUNOS(AS)

igualmente por índios e brancos marginalizados. Os


habitantes dos quilombos são chamados de quilom-
bolas.

1 2 3

QUILOMBOLAS
ESCRAVOS(AS)

QUILOMBO
Figura 2 - Representação dos campos da dinâmica “fuga para o quilombo”.

ENGENHO
SENZALA

FEITOR
Fonte: o autor.

O objetivo da turma consiste em atravessar do cam-


po 1 para o campo 3 sem que sejam apanhados pe- 1 2 3
los(as) pegadores(as). Os(as) alunos(as) que forem
Figura 3 - Representação dos espaços e das funções sociais da dinâmica
pegos deverão voltar ao campo 1 e tentarem passar “fuga para o quilombo”.
novamente para o 3. Fonte: o autor.

Em uma segunda rodada da atividade, as crian-


ças participantes já estarão familiarizadas com as Perceba, caro(a) aluno(a), que a dinâmica da ativida-
regras, a partir daí, serão introduzidos os elementos de não foi alterada, as crianças continuam tentando
históricos. O primeiro aspecto se refere aos espaços, passar do campo 1 para o campo 3 sem serem barra-
assim, os campos serão nomeados. O campo 1 será das pelo pegador, contudo, por meio da dramatiza-
a senzala, o campo 2, o engenho, e o campo 3, o ção, podemos contextualizar um período histórico.
quilombo. Com a nomeação dos espaços, também Desta forma, os(as) negros(as) africanos(as) escravi-
os(as) participantes poderão receber nova designa- zados(as) tentam escapar das senzalas, todavia, são
ção, o que auxiliará na contextualização. Assim, a vigiados pelo feitor, que não os deixam chegar aos
maior parte dos integrantes da turma serão escravos quilombos, locais considerados como refúgio, onde
e ocuparão o espaço da senzala. Explique aos par- os negros poderiam viver novamente em liberdade.
ticipantes a quais condições eram submetidos(as)
os(as) negros(as) escravizados(as) e que, naquele SAIBA MAIS
contexto, muitas eram as tentativas de fuga.
Outra personagem inserida, nesta fase da ativi- A sensibilidade dos habitantes manifestava-
dade, é a figura do feitor, que ocupará o campo 2, o -se, por certo, através de danças e cânticos,
engenho. O feitor era o capataz, o responsável pelo mas nenhum documento permite afirmar
– embora a tradição seja forte, neste senti-
engenho. Tal figura tinha como principais atribuições do – que ali se lutou a capoeira, ou que esta
inspecionar o trabalho escravo e punir aqueles(as) que forma de combate foi empregada com sentido
transgrediam a ordem. O campo 3 será o quilombo, ritual ou lúdico.

que representará, genericamente, uma dentre as mui- Fonte: Alves Filho (1988, p. 15).
tas formas de reação à escravidão (GUIMARÃES,
1988). Quilombo fora o termo adotado para designar
179
CAPOEIRA

Seguimos com nova fase da atividade, na qual po- A dinâmica não foi alterada, apenas inserimos a
demos explorar mais detalhes históricos referentes figura do capitão-do-mato, um novo pegador. De-
ao Brasil escravocrata. Sabemos que muitos negros pendendo da turma com a qual estamos trabalhan-
conseguiram fugir dos feitores e construíram por do, podemos explorar mais detalhes históricos.
toda a extensão do território brasileiro centenas de Podemos abordar as incursões quilombolas aos
quilombos, porém o mais conhecido foi o quilombo engenhos a fim de libertarem os escravos (ALVES
de Palmares que, em seu apogeu, por volta de 1670, FILHO, 1988).
abrigou cerca de 20 mil habitantes (MOURA, 1986). O objetivo ainda é o de chegar ao quilombo, mas
Desta forma, após a fuga do engenho, o escravo com maior dificuldade. Assim, novas estratégias e
continuava a ser perseguido. Inseriremos em nossa novos espaços poderão ser incorporados. Primeira-
atividade uma nova função, o capitão-do-mato. Esta mente, quem for pego tanto pelo(s) feitor(es) quan-
figura era responsável por caçar os negros fujões. to pelo capitão-do-mato deverá ficar imóvel no local
Também será inserido um novo campo, onde ficará onde foi pego(a), não voltará para senzala como nas
o capitão-do-mato. fases anteriores. Mas aqueles que conseguirem che-
gar ao quilombo, se tornarão quilombolas e poderão
salvar os colegas capturados. A dinâmica termina
CAPITÃO-DO-MATO

quando todos forem capturados, permanecendo


QUILOMBOLAS
ESCRAVOS(AS)

QUILOMBO
ENGENHO
SENZALA

imóveis, ou quando todos forem quilombolas livres.


FEITOR

MATAS

Você poderia me perguntar, como essa atividade


aborda aspectos históricos referentes à capoeira? Eu
posso lhe dizer, com base em experiências práticas,
que essa atividade gera muito interesse e debate en-
tre os alunos ao discutirmos um contexto cujas con-
Figura 4 - Representação dos espaços e das funções sociais da dinâmica
“fuga para o quilombo”.
dições sociais propiciaram muitas formas de resis-
Fonte: o autor. tência, dentre elas, a capoeira.

180
EDUCAÇÃO FÍSICA

181
CAPOEIRA

Pega e Salva o Capoeira

182
EDUCAÇÃO FÍSICA

Estamos tratando, nesta unidade, das possibilida- dependendo do tamanho da turma e do espaço
des da abordagem pedagógica de alguns elementos disponível. A dinâmica é a mesma do “duro ou
constitutivos da capoeira. Para este tópico, propo- mole”: o(a) pegador(a) tenta imobilizar todos os
mos compartilhar experiências referentes à aborda- participantes, para tanto, basta tocá-los(as). Entre-
gem de alguns dos gestos técnicos característicos da tanto, no “pega e salva o capoeira”, ao ser tocada, a
capoeira. Lembre-se que, a princípio, tal abordagem criança deve permanecer imóvel no local em uma
não tem por objetivo o treinamento, mas sim, uma posição específica, neste caso, peça que fique aco-
apropriação da dinâmica, o reconhecimento de tais corada com um das mãos no chão e a outra, prote-
gestos característicos. gendo a cabeça.
A nossa primeira atividade parte da estrutura E aí, reconheceu essa posição? É a cocorinha,
básica de um pega-pega “duro ou mole”. Tal brinca- um dos gestos técnicos defensivos com o qual tive-
deira consiste em um ou mais pegadores, tentando mos contato na Unidade 3. Sabemos que este tipo
apanhar os demais participantes por meio de um to- de gesto é utilizado para se esquivar durante um
que. Ao ser tocado(a), o(a) participante deve ficar jogo de capoeira. Para que a criança imobilizada
imóvel no local, mas com a possibilidade de se mo- volte a correr, não utilizaremos somente um toque,
vimentar novamente. Basta, para isto, que outro(a) como ocorre na brincadeira tradicional. Solicite
participante o(a) toque. às crianças que, tomando muito cuidado para que
não atinjam os(as) colegas, passem uma das pernas
sobre quem estiver pego, na posição da cocorinha.
Não há, neste momento, a necessidade de que se
apresente um gesto específico, deixe que as crian-
ças brinquem, entendam a brincadeira e se sintam
à vontade.
Conforme a brincadeira for avançando em
suas rodadas, vá acrescentando determinadas
especificações. Por exemplo, solicite que, ao passar
a perna sobre o colega, um deve estar de frente para
o outro, caso contrário, a criança pega não será sal-
va e continuará acocorada. Ou ainda, se for passar a
perna direita, a trajetória do movimento deverá ser
da direita para a esquerda. Você perceberá que essas
Inseriremos, nessa atividade, elementos que nos especificações vão, a princípio, gerar alguma confu-
possibilitem a abordagem de alguns elementos dos são, mas ela logo será superada. Perceba que as espe-
gestos técnicos. Não da técnica em si, mas da dinâ- cificações nos remetem à meia-lua de frente, um dos
mica do movimento que desejamos abordar. Sen- gestos técnicos ofensivos característicos da capoeira
do assim, selecione um(a) ou mais pegadores(as), e com o qual já tivemos contato.

183
CAPOEIRA

REFLITA individuais, não exija uma execução demasiada-


mente técnica. Afinal, as nossas reflexões acerca dos
O repertório gestual da capoeira é imenso, gestos técnicos da capoeira nos levaram a perceber
sendo assim, quais princípios de seleção de- que a sua execução é muito pessoal.
vemos adotar em relação aos gestos técnicos? Deste modo, o quanto a sua abordagem deve ser
Ou seja, quais gestos técnicos da capoeira
deveremos abordar? técnica depende de algumas variáveis, tais como:
o nível de apropriação e de desenvolvimento da
turma; o contexto em que se insere a abordagem;
e, principalmente, os objetivos propostos para tal
Após a dinâmica do “pega e salva o capoeira”, explo- abordagem. Grosso modo, a atividade que ora lhe
re mais os gestos em si. Distribua a turma em duplas apresentamos foi idealizada como uma dinâmi-
ou em pequenos grupos e solicite que as crianças ex- ca para contatos iniciais com os gestos. Você pode
plorem as possibilidades de execução desses movi- variar os gestos abordados, apenas certifique-se de
mentos que vivenciaram no pega-pega. Sempre que que a execução não oferece risco às crianças. Assim,
possível, demonstre a sua forma de execução. Mas evite gestos giratórios, lembre-se que as crianças es-
lembre-se de priorizar as possibilidades e os limites tarão correndo.

184
EDUCAÇÃO FÍSICA

Passemos para a outra atividade. Para aquelas tur- preparação de tiras de papel com o nome dos gestos
mas que têm alguma apropriação do repertório ges- técnicos que se deseja abordar. Escreva nas tiras o
tual da capoeira, propomos uma atividade que parte nome de gestos já conhecidos pela turma e alguns
da dinâmica básica do “telefone sem fio”. Neste caso, desconhecidos. A atividade se desenvolve da se-
os termos utilizados como mensagens serão nomes guinte forma: a turma será disposta em círculo; uma
de gestos técnicos característicos da capoeira, os das crianças sorteia uma das tirinhas de papel onde
quais, nessa primeira fase da atividade, devem ser estão escritos os nomes dos gestos que serão abor-
conhecidos pelas crianças. dados; sem que ninguém saiba o que foi sorteado,
A dinâmica consiste na disposição da turma em nem mesmo o(a) professor(a), o(a) aluno(a) deverá
círculo; uma das crianças inicia a atividade falando, passar a mensagem para a criança ao seu lado fa-
no ouvido do(a) colega ao seu lado, o nome de um lando, ao ouvido dela, o nome de um gesto técnico
gesto técnico da capoeira, o(a) colega, da mesma da capoeira; a criança que recebeu a mensagem, por
forma, passará ao outro até que a mensagem chegue sua vez, passará a outra até que a mensagem chegue
à última criança; esta, por sua vez, dirá o nome do à última criança; esta, então, dirá o nome do gesto
gesto em voz alta para conferência; o gesto, então, em voz alta para conferência; caso o gesto já seja co-
será demonstrado por aquele(a) que o propôs, o nhecido da turma, a criança que iniciou a atividade
qual será acompanhado(a) pelos demais participan- executa-o e será seguida pelos demais.
tes. É importante que, nesta primeira fase da ativi- Caso o gesto sorteado seja desconhecido pela
dade, a escolha do nome e, consequentemente, do turma, o(a) professor(a) inicia a sua abordagem.
gesto, seja das próprias crianças, desta forma, o(a) Essa variação é bem aceita pelas crianças, especial-
professor(a) poderá diagnosticar o que foi já apro- mente quando o gesto sorteado é desconhecido, pois
priado pela turma. desperta a curiosidade em saber do que se trata, em
A partir do diagnóstico dos gestos que a turma saber como se faz aquele movimento. Já para os ges-
já conhece, podemos variar a atividade e inserir no- tos conhecidos, essa atividade privilegia a associação
vos gestos. Uma variação dessa dinâmica consiste na do nome ao movimento corporal.

185
CAPOEIRA

Berimbau de PVC:
uma Alternativa à Falta de Instrumentos
No tópico que se inicia, apresentaremos uma possi- ma bastante precária. Um dos primeiros motivos é
bilidade de abordagem pedagógica do berimbau, um a indisponibilidade de material. Os(as) professo-
dos instrumentos característicos da capoeira. Com res(as) de Educação Física não têm à sua disposição,
base naquilo que discutimos nas unidades anterio- nas escolas, os instrumentos de capoeira. Sendo que,
res, sabemos que a abordagem dos instrumentos é quando propõem a exposição desses, o fazem por
indispensável, tendo em vista que estes, mais espe- meio de figuras e/ou vídeos.
cificamente o berimbau, determinam o andamento Outro entrave se refere à formação necessá-
da roda. Logo, consideramos importante o contato ria para tal abordagem, ou melhor, a falta dela. Ou
dos(as) alunos(as) com tal elemento. seja, mesmo que esses(as) professores(as) tivessem
Verificamos que, no contexto escolar, por exem- um berimbau à sua disposição, a manipulação desse
plo, a exposição desse elemento tem se dado de for- instrumento exige um conhecimento específico do

186
EDUCAÇÃO FÍSICA

qual tais agentes não dispõem (LIMA, 2014). Toda- Você precisará também de algumas ferramentas:
via é preciso que reconheçamos que a apropriação • Alicate.
desse tipo de conhecimento demanda algum tempo, • Tesoura com ponta.
já dissemos isto ao abordarmos os instrumentos na • Serra para cano.
unidade anterior. • Faca.
Pretendemos, desta forma, lhe apresentar, pre-
zado(a) aluno(a), algumas informações que lhe per- Comecemos com a confecção da cabaça. Com a te-
mitirão expor esse elemento, mesmo que não em sua soura, corte a garrafa pet a uma altura de, aproxima-
plenitude, pois, para este momento, nos limitaremos damente, 15 cm; também com a tesoura faça dois fu-
à abordagem do berimbau. ros paralelos no fundo da garrafa; passe um pedaço
De maneira geral, a indisponibilidade de um be- de barbante pelos furos e amarre as duas pontas do
rimbau é uma realidade, no contexto escolar, e, mes- barbante para formar uma alça; a medida da alça é
mo quando há um desses disponível, é em número de, aproximadamente, três dedos.
insuficiente para que todos(as) alunos(as) da turma A verga já está praticamente pronta, visto que
tenham contato com o instrumento. Sendo assim, a é o cano de PVC. Mas precisaremos colocar o su-
proposta apresentada a seguir se refere à confecção de porte para o encaixe do arame. Para tanto, utilizare-
um berimbau com material alternativo. Obviamen- mos os pedaços do cabo de vassoura. Primeiro, faça
te, este tipo de instrumento alternativo não substitui uma ponta em uma das extremidades de cada cabo
o original, mas apresenta algumas vantagens, tais para facilitar o encaixe nas extremidades do cano;
como: a acessibilidade, o envolvimento do aluno e a talvez você precise aquecer as pontas do cano para
própria manipulação do instrumento, que se torna não trincá-lo. Deixe uma ponta do cabo de madei-
facilitada por conta do peso do material utilizado. ra exposta em, aproximadamente, 1 cm em uma das
Para a confecção do berimbau alternativo, você extremidade e uns 3 cm em outra. Nesta última, en-
precisará de: talharemos um pivô, que servirá de encaixe do ara-
• 1 m de cano PVC de 25 mm para água fria. O me, assim como temos no berimbau original. Para
cano de PVC vai substituir a verga de madeira. entalhar o pivô, faça um sulco em toda a circunfe-
• 1,20 m de arame galvanizado. Este tipo de rência do cabo com o auxílio da serra para cano. O
arame é mais acessível que o de aço. próximo passo é mais delicado. Com a faca, lasque
• 2 pedaços de cabo de vassoura de, aproxima- a extremidade a fim de esculpir o pivô; caso o encai-
damente, 8 cm cada.
xe fique muito grosso, aprofunde o sulco e refaça o
• 1 garrafa pet de 2 l. A garrafa será utilizada
entalhe, mas com cautela. Se ficar muito fino que-
como caixa de ressonância no lugar da cabaça.
brará, exigindo que você substitua a ponta de cabo
• 1 pedra lisa. Ela a substituirá o dobrão de
de vassoura.
metal.
Com a verga pronta, já podemos preparar o
• 1 baqueta.
arame. Você precisará do alicate, pois o arame que
• Barbante de algodão.
estamos utilizando é galvanizado, se for de aço como
o que usamos no berimbau, o alicate pode ser dis-

187
CAPOEIRA

pensado. Em uma das extremidades do arame, faça Uma vez que o berimbau está montado, precisare-
um laço com o diâmetro aproximado do pivô que mos, para tocá-lo, da pedra e da baqueta e de al-
você entalhou na verga; utilize o alicate para finali- gumas informações adicionais, como a forma de
zar o laço e não deixe nenhuma ponta do arame so- empunhadura. Uma das vantagens que o berimbau
brando para que não provoque nenhum ferimento de PVC oferece é o seu peso reduzido, o que facilita
em quem for manusear o berimbau; faça na outra bastante no manuseio do instrumento.
extremidade do arame outro laço, porém, menor,
pois neste será amarrado um pedaço de barbante de
cerca de 30 cm. Esse barbante será utilizado para fi-
xar o arame na verga após esta ser arqueada. Como a
verga que estamos utilizando é de PVC, um material
liso, pode ser que seja necessário lixar a área onde
fixará o barbante para que este não deslize. Feito
isso, o berimbau em si está pronto. Agora é hora de
montá-lo.
Primeiro passo: encaixe o laço maior do arame
no pivô, na parte inferior da verga; segure a extre- Figura 6 – A empunhadura do berimbau e os seus acessórios
midade do arame com a mão direita e a ponta da Fonte: o autor.

verga com a esquerda; apoie o joelho esquerdo, com


cuidado, no meio da verga a fim de arqueá-la; passe O berimbau é empunhado com uma das mãos, à es-
o arame sobre a ponta da madeira da verga e enrole querda para os destros. Apoie o dedo mínimo por
o excedente de arame na própria verga; utilize o bar- baixo do barbante que une a cabaça ao arame e à
bante para prender o arame na verga, mantendo-a verga; os dedos anelar e médio envolvem a verga,
arqueada. Próximo passo: encaixe a cabaça pet na auxiliando no equilíbrio do instrumento; o polegar
parte inferior da verga. e o indicador seguram, por sua vez, a pedra. Na mão
direita serão empunhados a baqueta e o caxixi.
A forma de se empunhar a baqueta é muito par-
ticular, cada um segura a baqueta da forma que se
sente mais à vontade para tocar, logo, o que lhe apre-
sentamos é uma dessas formas, mas sinta-se à von-
tade para explorar as suas possibilidades. Segura-se
a baqueta com o polegar e o indicador, mas com o
apoio do dedo médio; segure a baqueta como se es-
tivesse segurando uma caneta. Seguramos o caxixi
encaixando os dedos médio e anelar na alça. Contu-
Figura 5 - Berimbau alternativo
do sugerimos que, nas primeiras experiências com o
Fonte: o autor. berimbau, seja evitado o uso do caxixi.

188
EDUCAÇÃO FÍSICA

Agora que você já tem o seu berimbau confec- Para executar a batida solta, o dobrão não deve
cionado e já sabe como empunhá-lo, é hora de se tocar no arame; a cabaça não deve ser apoiada no
arriscar a tocá-lo, não acha? Mas, para tanto, esclare- abdome; feito isso, é só percutir o arame com a ba-
ceremos que não faremos o uso de teorias musicais. queta. Observe a figura que segue, isto deve lhe au-
Utilizaremos termos mais simples, os quais costu- xiliar na execução.
mo utilizar no cotidiano da abordagem da capoei-
ra. Tocamos o berimbau executando, basicamente,
três batidas, as quais chamaremos de solta, presa e
chiada. A combinação dessas batidas forma a base
para os toques de berimbau utilizados nas rodas de
capoeira.

SAIBA MAIS

A percussão do berimbau não está limitada a


essas três batidas, mas elas são básicas para
os toques executados nas rodas de capoeira.
Para saber mais sobre as possibilidades sono-
ras do berimbau, acesse: <https://www.you-
tube.com/watch?v=kiO5j4jNs6w>. ; <https://
www.youtube.com/watch?v=2sFkoXyNEY8>.
Figura 7 - Batida solta, vista externa
Fonte: o autor. Fonte: o autor.

Para facilitar a apreensão desse elemento, represen-


taremos o som das batidas com onomatopeia, uma
figura de linguagem que representa graficamente os
sons. Desta forma, o som grave da batida solta será
representado por “tom”, o som agudo da presa por
“tim”, e o som da chiada como “tchi”. Usar palavras
onomatopaicas nos auxiliará na memorização dos
sons das batidas para depois executá-las no berimbau.
Para executar as batidas, você deve atentar-se a
três detalhes básicos. Primeiro, se o dobrão está ou não
tocando no arame e com qual pressão; segundo, se a
cabaça está ou não encostada no abdome do tocador;
terceiro, se a baqueta percute o arame acima ou abaixo Figura 8 - Batida solta, vista interna
do dobrão. Vamos às batidas propriamente ditas. Fonte: o autor.

189
CAPOEIRA

Para executar a batida presa, o dobrão deve exercer Para executar a batida chiada, o dobrão toca o ara-
pressão contra o arame; a cabaça não deve ser apoia- me, mas sem exercer a pressão, como foi feito na
da no abdome; a baqueta deve percutir o arame aci- presa; a cabaça deve permanecer apoiada no abdo-
ma do dobrão. me, o que vai provocar um abafamento do som; a
baqueta percute o arame acima do dobrão.

Figura 11 - Batida chiada, vista externa


Fonte: o autor.

REFLITA

Figura 9 - Batida presa, vista externa.


Fonte: o autor. Agora que você já conhece as batidas básicas
do berimbau, explore as possibilidades de
obtenção de outros sons diferentes dos que
aqui foram expostos.

Uma vez que já conhecemos as batidas do berim-


bau, conheceremos agora alguns toques comumente
executados nas rodas de capoeira. Alguns porque
seria impossível catalogar todos os toques de berim-
bau utilizados nesse contexto. De acordo com Rego
(1968), alguns toques são amplamente conhecidos e
executados entre os capoeiras, enquanto outros fi-
cam restritos a determinadas academias ou grupos.
Figura 10 - Vatida presa, vista interna
Fonte: o autor.

190
EDUCAÇÃO FÍSICA

Há no acompanhamento musical toques que se Os toques de berimbau executados nas rodas de


poderia chamar de gerais, porque são comuns a capoeira são combinações sequenciais de batidas
todos os capoeiras, os quais são executados ao
executadas repetidamente. A partir da observação
lado de outros que são particulares de determi-
nada academia ou mestre de capoeira. Também das figuras que seguem, você, caro(a) aluno(a), será
acontece, e não raro, um mesmo toque, apenas capaz de executar os toques de Angola, são bento
com denominação diferente entre os capoeiras pequeno, são bento grande de angola e são bento
(REGO, 1968, p. 76).
grande da Regional. Cada figura foi construída para
representar a base do toque, sendo executado apenas
Dito isto, nos aventuraremos na execução de alguns uma vez. Logo, a figura a seguir está representando o
toques. Para o reconhecimento das batidas e o con- mesmo toque, mas de forma onomatopaica. Então,
sequente aprendizado do toque, utilizaremos uma empunhe o seu berimbau, recorde-se da execução
representação simbólica para que reconheçamos de cada batida e bons estudos!
cada uma das batidas que aprendemos há pouco.
ANGOLA
Observe, na figura a seguir, que cada símbolo tem o
nome de uma batida. Deste modo, quando você ver
esse símbolo, deverá executar, em seu berimbau, a
batida que ele representa.

CHIADO CHIADO SOLTO PRESO

Figura 13 - Representação simbólica do toque de Angola


Fonte: o autor.

CHIADO SOLTO PRESO

Figura 12 - Representação gráfica das batidas


Fonte: o autor.

191
CAPOEIRA

O toque de Angola é, normalmente, utilizado para O toque de são bento pequeno é, geralmente, pre-
iniciar a roda. É um toque cuja execução é bem ca- cedido do toque de Angola, ou seja, é comum que
denciada. O jogo segue a cadência do toque e se de- as rodas sejam iniciadas com o toque de Angola e,
senvolve de forma maliciosa, mandingueira. após algum tempo de jogo, executa-se o são bento
pequeno. Este é um toque também cadenciado, mas
SÃO BENTO PEQUENO
um pouco mais acelerado que o de Angola. O jogo
torna-se mais fluído.

SÃO BENTO GRANDE DE ANGOLA

CHIADO CHIADO PRESO SOLTO

Figura 14 - Representação simbólica do toque de são bento pequeno CHIADO CHIADO PRESO SOLTO SOLTO
Fonte: o autor.

Figura 15 - Representação simbólica do toque de são bento grande de Angola


Fonte: o autor.

192
EDUCAÇÃO FÍSICA

O toque de são bento grande de Angola é executado


após algum tempo de execução do são bento pe-
queno. Neste toque, o andamento é mais acelerado,
logo, os jogadores desenvolvem o seu jogo de modo
que este fique “mais solto, mais alto e, evidentemen-
te, mais rápido” (BRITO, 1997, p. 21).

SÃO BENTO GRANDE DA REGIONAL

CHIADO CHIADO SOLTO SOLTO PRESO

CHIADO CHIADO SOLTO CHIADO CHIADO PRESO

Figura 16 - Representação simbólica do toque de são bento grande da


Regional.
Fonte: o autor.

O toque de são bento grande da Regional é execu-


tado nas rodas de capoeira Regional e na Contem-
porânea. Este toque, de acordo com Campos (2009,
p. 63), sugere um “ritmo agressivo, indica jogo alto,
rápido, com golpes aprimorados e bem objetivos,
um ‘jogo duro’”.

193
CAPOEIRA

Na Roda, o Jogo de Compra é


“Nunca Três”
Olá, caro(a) aluno(a)! Neste tópico, eu gostaria de ças já conheçam. Para a abordagem pedagógica do
compartilhar com você uma experiência de aborda- elemento “roda”, selecionamos o pega-pega “nunca
gem pedagógica de um dos aspectos da roda de ca- três”.
poeira. Selecionamos, para tanto, dentre as diversas Para começar o “nunca três”, divida a turma em
situações possíveis, a forma de os jogadores entrarem duplas; uma das delas ficará separada, pois iniciará
na roda e iniciarem os seus jogos. Lembre-se que, ao a atividade, uma das crianças será o(a) pegador(a) e
analisarmos tais aspectos, na unidade anterior, cons- a outra fugirá; as demais duplas ficarão espalhadas
tatamos não existir uma única forma de entrar na pelo espaço disponível e, neste primeiro momento,
roda, mas, por agora, exploraremos apenas uma. Para imóveis; as crianças de cada dupla deverão perma-
tanto, como fizemos nas demais atividades, partire- necer de mãos dadas; ao tentar escapar do pegador, o
mos de um jogo ou de uma brincadeira que as crian- fugitivo correrá entre as duplas e, quando julgar per-
tinente, dará a mão para uma das crianças. Como a
194
EDUCAÇÃO FÍSICA

estrutura da brincadeira não permite trios, somente se tornará pegadora. E, aí, está à dinâmica do jogo
duplas, o outro aluno da dupla passa a ser o fugitivo. de compra. As crianças já estão comprando o jogo
Caso o fugitivo seja pego, ele se tornará o pegador. umas das outras. Vamos avaliar a estratégia numa
situação mais próxima da roda?
Divida a turma em pequenos grupos, não mais
que oito crianças em cada grupo para que tenham
a oportunidade de vivenciar mais de uma vez a
atividade; em cada grupo, uma dupla estará sem-
pre gingando e os demais integrantes se revezarão
comprando o jogo, a partir da mesma dinâmica que
vivenciaram no “nunca três”. No entanto, há uma
ordem a se respeitar: quando a criança for comprar
o jogo, ela deverá retirar aquele colega que estiver
gingando há mais tempo. Esta lógica não se aplica à
primeira dupla, já que esta entrou junta, logo, qual-
Uma vez que as crianças se apropriaram da estrutu- quer uma das duas crianças pode ser retirada. Mas, a
ra da atividade, comecemos a inserção de elementos partir daí, a dinâmica muda, por exemplo, entraram
que remetem ao jogo de compra. Solicite que os in- as crianças “A” e “B”, quando “C” comprar o jogo,
tegrantes das duplas fiquem um de frente para o ou- poderá escolher comprar tanto com “A” quanto com
tro, tocando as palmas das mãos acima da linha do “B”. Supondo que “C” deseje jogar com “B”, sem que
ombro, mantendo-se, desta forma, unidas; quando o jogo pare, “C” se posiciona de forma que “B” o
o fugitivo desejar entrar em uma das duplas, deve- veja. Então, “A” sai do jogo e quando “D” comprar,
rá entrar por baixo dos braços e tocar a palma das deverá fazê-lo com “C”, que está há menos tempo
mãos de apenas uma das crianças da dupla, a ou- jogando. E assim por diante.
tra criança se tornará pegadora. Esta estratégia for- Observe, prezado(a) aluno(a), que o objetivo des-
ça que o fugitivo fique de frente com a criança com sa atividade é de as crianças conhecerem a dinâmica
quem comporá a dupla. Perceba que esta é a mesma do jogo de compra, por isto, não restringimos o local
dinâmica do jogo de compra, onde o jogador se co- de entrada para a compra. Mas você deve se lembrar
loca de frente com quem deseja jogar. de que, na roda, há um local específico para a entrada
Depois que a turma já tenha entendido a ativi- dos jogadores. Desta forma, formaremos uma roda
dade, podemos explorar mais possibilidades, por composta por todos os integrantes da turma.
exemplo, inserir mais movimento. Ao invés de as Deixe um espaço reservado, representando a ba-
duplas ficarem paradas, elas poderão gingar. O res- teria. Se a turma já tiver os seus berimbaus de PVC
tante da atividade permanece sem maiores altera- confeccionados, utilize-os, mas, mesmo que você não
ções, o fugitivo corre livremente e, quando quiser tenha à sua disposição os instrumentos, é imperativo
entra em uma das duplas, ficando de frente com a que haja a demarcação desse espaço. Como na ati-
criança com quem comporá a dupla, a outra criança vidade anterior, uma dupla deverá gingar no centro

195
CAPOEIRA

da roda e as demais crianças continuam compran- A este respeito, Silva e Heine (2008, p. 61) ponde-
do o jogo. No entanto, as crianças só poderão entrar ram:
na roda pelo espaço reservado aos instrumentos, ou
seja, sairão para comprar o jogo do pé do berimbau. É comum, muitas vezes, observarmos nas rodas
de capoeira aqueles que querem jogar o tem-
po todo, não dando chance para os demais. Na
roda de capoeira, são chamados “fominhas”.
Podem ser quatro ou cinco. Quando isso acon-
tece, eles “monopolizam” a roda. Só eles jogam.
Para que isso não aconteça, existe a necessidade
de conscientização de que todos devem parti-
cipar. Uma roda de qualidade é aquela em que
todos jogam com todos.

Esta é só uma das infindas situações com as quais


você se deparará no decorrer de sua atuação profis-
sional, cuja solução não é única nem padronizada e
que, portanto, dependerá muito da capacidade do(a)
professor(a) de mobilizar, para mediá-la, a vasta
gama de conhecimentos, tanto acadêmico e teórico
quanto profissional e pessoal. Pensamos, no entanto,
Figura 17 - Representação da roda de capoeira
que, em uma situação como esta, temos uma ótima
Fonte: o autor. oportunidade para refletirmos, com nossos(as) alu-
nos(a), sobre o respeito ao próximo, a alteridade, a
Lembre-se de que outras questões podem ser abor- vida em comunidade.
dadas e discutidas por meio dessa atividade. Por Enfim, esperamos que as atividades que com-
exemplo, é muito comum que as crianças questio- partilhamos com você neste tópico, contribuam,
nem de quem é a vez de entrar na roda e com quem de alguma forma, na sua formação, tanto no que se
entrar. Entretanto, não há uma regra para isso, os jo- refere, especificamente, aos elementos da capoeira,
gadores de capoeira são livres para escolher quando, quanto na sua formação mais geral. Até breve!
com quem e quantas vezes entrar.

REFLITA

Como podemos, por meio da abordagem dos


elementos da capoeira e de intervenções pe-
dagógicas, contribuir para o processo de uma
formação cidadã?

196
considerações finais

Caro(a) aluno(a)! Nesta unidade, nos propomos a lhe apresentar algumas pos-
sibilidades de abordagens práticas e pedagógicas dos elementos constitutivos da
capoeira. As experiências expostas foram estruturadas em diferentes contextos
para diferentes públicos, mas, com um princípio norteador: elas partiram dos
elementos da cultura infantil, dos jogos e das brincadeiras sem que tivessem, con-
tudo, esvaziado o conteúdo referente aos elementos constitutivos da capoeira.
Por meio dessas experiências, conhecemos um pouco mais sobre as condi-
ções de vida, no contexto da escravidão, e compreendemos as fugas e os próprios
quilombos como uma dentre as várias formas de resistência dos(as) africanos(as)
escravizados(as). O “pega e salva capoeira” nos demonstrou que a abordagem do
repertório gestual não precisa ser uma sessão de treinamento, que, ao contrário,
pode propor práticas que contemplem a dinâmica geral dos gestos, permitindo,
assim, que as crianças descubra-os e execute-os mais espontaneamente.
Ao abordarmos os instrumentos, nos deparamos com uma realidade desfavo-
rável: a indisponibilidade de material. Não propomos a confecção do berimbau
de PVC na expectativa de revertermos tal situação, temos consciência de que um
instrumento destes não substitui o original. Mas esta estratégia aproxima e envol-
ve as crianças em relação ao instrumento.
Por fim, tivemos um aspecto referente à roda de capoeira, o jogo de compra.
Sabemos que não se pode entrar na roda ou iniciar um jogo de qualquer jeito.
Mas que também há mais de uma forma de fazê-lo e que o jogo de compra é uma
delas. Por meio da adaptação do “nunca três,” compreendemos esta dinâmica.
Compartilhamos essas experiências com você, caro(a) aluno(a), na expec-
tativa de que sejam recebidas como indicativo de que é possível a abordagem de
uma determinada prática corporal mesmo que não sejamos adeptos, desde que,
obviamente, estejamos comprometidos com tal abordagem.

197
atividades de estudo

1. A partir das reflexões apresentadas quanto à 4. Quanto às experiências pedagógicas compartilha-


elaboração e/ou às adaptações de práticas pe- das, nesta unidade, assinale a alternativa correta.
dagógicas, quais princípios devem guiar a nossa a) As experiências pedagógicas compartilha-
atuação? das foram idealizadas a partir da estrutu-
ra de jogos e brincadeiras amplamente
2. Como uma das estratégias possíveis para a abor-
conhecidos a fim de entreter e divertir as
dagem dos instrumentos, propomos a confecção
crianças e, por isto, tais experiências não
de um berimbau de PVC. A partir do que foi ex-
devem apresentar conteúdos referentes à
posto naquele tópico, quais as possíveis vanta- capoeira, o que as tornariam maçantes.
gens de utilizar esta estratégia?
b) As experiências pedagógicas compartilha-
3. Quanto à abordagem pedagógica dos gestos téc- das foram idealizadas a partir da estrutura
nicos, assinale Verdadeiro (V) ou Falso (F): de jogos e brincadeiras amplamente co-
( ) O princípio é que tal prática reproduza os nhecidos pelas crianças, por isto, tais expe-
gestos tecnicamente, promovendo, desta forma, riências se aplicam somente aos aspectos
o treinamento deles. práticos da capoeira, deixando a aborda-
gem de temas históricos exclusivamente
( ) O princípio é que tal prática não tenha por
para as aulas expositivas.
objetivo o treinamento, mas sim, a apropriação
da dinâmica, o reconhecimento de tais gestos. c) As experiências pedagógicas compartilha-
das foram idealizadas a partir da estrutura
( ) No decorrer das práticas pedagógicas com
de jogos e brincadeiras amplamente co-
as quais abordamos os gestos técnicos, não há a
nhecidos pelas crianças para abordar os
necessidade de que todas as fases sejam relacio-
elementos constitutivos da capoeira sepa-
nadas estritamente aos gestos, é importante que
radamente, haja vista que, na prática coti-
as crianças explorem as possibilidades gestuais.
diana, são todos separados.
( ) No decorrer das práticas pedagógicas com
d) As experiências pedagógicas compartilha-
as quais abordamos os gestos técnicos, há a ne-
das foram idealizadas a partir da estrutura
cessidade de que todas as fases sejam relaciona-
de jogos e brincadeiras amplamente co-
das estritamente a eles, caso contrário, tais ativi-
nhecidos, e a tais dinâmicas foram acres-
dades serão apenas passatempo.
cidos os aspectos e conteúdos caracterís-
A sequência para a resposta correta da questão é: ticos de cada elemento constitutivo que,
apesar de serem apresentados separada-
a) F - V - V - F.
mente, na prática, eles não se separam,
b) V - F - F - V. assim como não precisam ser isolados du-
c) F - V - V - V. rante a abordagem.

d) V - V - V - V. e) Nenhuma das alternativas anteriores estão


corretas.
e) F - F - F - F.

198
atividades de estudo

5. Ao abordarmos pedagogicamente os aspectos


referentes à roda de capoeira, devemos tem em
mente determinados aspectos. Em relação a este
tema, leia as afirmativas a seguir.
I - A roda de capoeira é tão somente um es-
paço físico composto por um círculo de
2,5 metros de raio, onde as pessoas se
juntam para jogar capoeira.
II - A roda de capoeira é o palco de comuni-
cação e expressão máxima do capoeirista.
Nela ele se entretém, brinca, se defende,
luta, dança, cria e celebra.
III - É na roda que o jogador de capoeira evi-
dencia as múltiplas dimensões dessa prá-
tica corporal.
IV - A função de manter a roda é partilhada
por todos os seus integrantes. Desta for-
ma, todos que a compõem são potencial-
mente jogadores, tocadores e cantadores.
É correto o que se afirma em:
a) I, apenas.
b) I e II, apenas.
c) II e III, apenas.
d) II e IV, apenas.
e) II, III e IV apenas.

199
LEITURA
COMPLEMENTAR

[...] O ensino e a aprendizagem da capoeira devem com dor, o dançarino, o músico, o atleta, o lutador etc. Souza
todos contemplar todos os elementos que envolvem (2002) destaca que sua prática como atividade forma-
sua estrutura, de forma contextualizada e promovendo, tiva e informativa possibilita o desenvolvimento dos
assim, o diálogo e reflexão dos seus diversos aspectos conteúdos elencados anteriormente nos fundamentos
com o cotidiano do núcleo e dos beneficiados. Mas como da modalidade, em suas dimensões conceituais, proce-
estes elementos poderiam ser contemplados na prática dimentais e atitudinais como: historicidade, pleno exer-
das aulas do programa propriamente ditas? Na prática cício da cidadania, cooperação e participação social,
concreta do desenvolvimento das aulas, pelos múltiplos disciplina, autoestima, autoconfiança, criatividade, a
enfoques que a capoeira apresenta e que o professor formação do esquema corporal, a aquisição de coorde-
deverá ressaltar, o aluno, às vezes, gostará mais de brin- nação motora, equilíbrio, orientação espaço-temporal,
car com a capoeira, de maneira despretensiosa e lúdica, ritmo, dentre outros.
ou então se interessará mais pelos aspectos históricos Um dos pontos que fundamenta a capoeira como um
e folclóricos. Encontraremos também aquela criança ou conteúdo a ser desenvolvido nos núcleos do Programa
jovem que se identificará mais com os elementos musi- Segundo Tempo e que possibilita ser desenvolvido nas
cais e instrumentos que a modalidade oferece, em que o práticas pedagógicas é sua historicidade. A capoeira en-
professor possibilita, em sua prática pedagógica, que os cerra em seus movimentos a luta da emancipação do
alunos criem suas cantigas e até mesmo se interessem negro no Brasil escravocrata. Em seu conjunto de ges-
em construir o seu próprio instrumento, estimulando a tos, a capoeira expressa, de forma explícita, a “voz” do
criatividade e a sensibilidade artística. Encontraremos oprimido na sua relação como o opressor (SOARES et.
aqueles alunos que se identificarão mais com o aspec- al., 1992). Sua origem é bastante diferente das diversas
to esportivo da capoeira, que ainda é meio tímido e não modalidades consolidadas no contexto educacional bra-
muito organizado, mas que tem presença no universo da sileiro. Neste momento, não temos a pretensão de nos
modalidade. aprofundarmos teoricamente sobre as origens da capo-
O importante é o responsável pelo ensino expressar em eira, porém, entendemos a importância de elencarmos
sua prática pedagógica o entendimento de que na roda alguns aspectos importantes relacionados ao seu desen-
de capoeira há lugar para todos, ou seja, para o joga- volvimento.

200
LEITURA
COMPLEMENTAR

Souza e Oliveira (2001) destacam alguns aspectos que O importante é que o professor estimule os recortes
justificam a inclusão e sistematização da capoeira como históricos e os relacione com os aspectos culturais des-
um dos conteúdos da Educação Física Escolar e que, em portivos e cotidianos dos beneficiados, salientando a
nosso entendimento, justificam-na como conteúdo a modalidade como uma expressão corporal brasileira e
ser oferecido nos núcleos do Programa Segundo Tem- instrumento de inclusão social. Promover a elaboração
po, pela própria aproximação histórica e cotidiana com de cartazes sobre temas pesquisados (históricos, pre-
os objetivos do programa e com o público-alvo atendi- conceito, cidadania, dentre outros). Debater os aspectos
do. São eles: a capoeira é de origem afro-brasileira, é históricos com estratégias que envolvam as músicas de
oriunda de movimentos comunitários e lutas de classes, capoeira, pois estas em sua maioria tratam de aspectos
transgrediu por muitos anos os códigos das culturas históricos e cotidianos da expressão. Realizar uma expo-
dominantes e é rica em conteúdos significativos histó- sição de fotos/imagens antigas e novas da modalidade.
ricos sociais. Salientamos que alguns elementos histó- Apresentar filmes sobre o tema e promover posterior
ricos (senão todos) podem e devem ser desenvolvidos debate com os beneficiados, procurando relacionar com
nas aulas práticas, principalmente, em jogos e ativida- o cotidiano das crianças e jovens. Convidar um mestre
des recreativas adaptadas à capoeira que transmitam de capoeira (de preferência da comunidade em que o
elementos relacionados à historicidade da modalidade. núcleo está inserido) para falar um pouco sobre o his-
[...] Diversas estratégias poderiam ser utilizadas nas tórico e evolução da modalidade. Dramatizações com
dimensões conceitual, atitudinal e procedimental dos as crianças sobre o tema pesquisado, ou algum recorte
conteúdos, tais como: estimular os alunos a pesquisa- histórico da modalidade (estratégia que deve ser moni-
rem sobre o histórico da capoeira, sua relação com a es- torada e dirigida pelo professor responsável). Essas e ou-
cravidão, elementos da colonização portuguesa no Bra- tras estratégias podem e devem ser desenvolvidas nas
sil, os mestres conhecidos da modalidade, os espaços aulas práticas e cotidianas do núcleo, bem como podem
que têm sua prática, sua organização, seu valor como ser desenvolvidas em ações específicas e pontuais como
luta de libertação, seu valor como instrumento contra projetos participativos que envolvam todos os beneficia-
a opressão, seu valor como profissão para muitos no dos do núcleo, comunidade, apresentações de capoeira
Brasil e exterior, dentre outros. dentre outros.

Fonte: Souza e Oliveira (2011).

201
material complementar

Indicação para Ler

Capoeira e Psicomotricidade: Brincando e Aprendendo a Jogar


Autores: Jorge Felipe Columá e Simone Freitas Chaves
Editora: Vozes
Sinopse: esta obra nasceu da necessidade de caminharmos na direção do ensino
da capoeira, com seus pressupostos teórico-pedagógicos e a sua dimensão lú-
dica, sobretudo, na aplicação com crianças, como também pela sua importância
e representatividade em todo o mundo. As atividades propostas neste livro são
úteis a capoeiristas, professores de Educação Física e educadores em geral que se
apoiam no lúdico, no sensível e no movimento humano para a difusão desta arte
brasileira.

Indicação para Assistir

Quanto Vale ou é por Quilo?


Ano: 2005
Sinopse: o filme traz a permanência na atualidade de nosso passado escravista,
deixando clara a impossibilidade de olhar o presente sem levar esse passado
em conta, assim como as persistentes desigualdades econômicas, sociais e de
direitos no país. Faz uma analogia entre como eram os costumes e os métodos
das classes dominantes no período colonial e a exploração das classes menos
favorecidas da atualidade por meio de cenas que exibem os dois momentos de
forma alternada e possibilitam uma comparação. O filme se vale do discurso
jornalístico para apresentar os seus personagens e contar uma boa história so-
bre as mazelas e contradições de um país em permanente crise de valores. Para
cumprir esta função, a narrativa se vale dos dois recortes temporais previamen-
te explicados: o século XVIII e os tempos atuais.

202
referências

ALVES FILHO, I. Memorial dos Palmares. Rio de em Educação, Universidade Estadual de Maringá,
Janeiro: Xenon, 1988. Maringá, 2014.
BRITO, E. P. Os fundamentos da capoeira. Goiânia: MOURA, C. Os quilombos e a rebelião negra. 5. ed.
Secretaria de Educação do Estado de Goiás, 1997. São Paulo: Brasiliense, 1986.
CAMPOS, H. Capoeira Regional: a escola de mestre REGO, W. Capoeira Angola: ensaio sócio-etnográfi-
Bimba. Salvador: EDUFBA, 2009. co. Salvador: Itapuã, 1968.
GUIMARÃES, C. M. Uma negação da ordem escra- SILVA, G. O.; HEINE, V. Capoeira: um instrumen-
vista: quilombos em Minas Gerais no século XVIII. to psicomotor para a cidadania. São Paulo: Phorte,
São Paulo: Ícone, 1988. 2008.
LIMA, R. C. Representações da capoeira: o cená- SOUZA, S. A. R.; OLIVEIRA, A. A. B. Capoeira. In:
rio em escolas de Maringá. 2014. 203 f. Dissertação OLIVEIRA, A. A. B. et al. Ensinando e aprendendo
(Mestrado em Educação) – Centro de Ciências Hu- esportes no Programa Segundo Tempo. Maringá:
manas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação Eduem, 2011. p. 211-248.

Referência on-line
Em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Replica_da_sede_administrati-
1

va_do_Quilombo.jpg>. Acesso em: 25 fev. 2019.

gabarito

1. O princípio que guiou a elaboração das práticas pedagógicas comparti-


lhadas neste material foi, de um lado, a partir da cultura infantil, ou seja,
dos jogos e brincadeiras, contudo, sem esvaziar o conteúdo referente aos
elementos constitutivos da capoeira.
2. A confecção de um berimbau de PVC, como uma das possíveis estratégias
para a abordagem pedagógica dos instrumentos, traz como principais
vantagens: a acessibilidade, o envolvimento do aluno e a própria manipu-
lação do instrumento que, por sua vez, é facilitada por conta do peso do
material utilizado.
3. A.
4. D.
5. E.

203
conclusão geral

Caro(a) aluno(a), estamos finalizando a nossa em- Percebemos a forte conotação expressiva pre-
preitada, na qual nos aventuramos conhecer os me- sente nessa prática, visto que o capoeira expressa-se
andros de uma manifestação multidimensional, for- gestualmente, mas igualmente, costuma dar vazão à
jada a partir da racionalidade africana submetida ao sua capacidade criativa ao percutir os instrumentos
regime de escravidão no contexto brasileiro. Depois característicos, assim como exterioriza as suas mais
deste percurso, você já sabe que nos referimos à ca- íntimas percepções do mundo que o rodeia ao ento-
poeira, não é mesmo? Esta prática corporal distin- ar as cantigas de capoeira.
gue-se da maioria daquelas que povoam a área da Tenha a certeza, prezado(a) aluno(a), que a reda-
Educação Física. ção deste livro contou com os esforços de uma equipe
Na ocasião em que lhe apresentamos este mate- compromissada em lhe oferecer formação acadêmica,
rial, salientamos que, ao redigir um livro que viria a mas comprometida, principalmente, com a formação
servir como texto básico à disciplina de Capoeira em de um agente que atuará profissionalmente na forma-
um curso de graduação em Educação Física, não al- ção humana das gerações mais novas de nossa socieda-
mejávamos ensinar os(as) acadêmicos(as) deste cur- de. Como um dos integrantes e porta-voz dessa equipe,
so a jogar capoeira. A intenção fora, desde o início, agradeço a oportunidade com a qual você nos presen-
lhe apresentar a sua estrutura. Para tanto, insistimos teia de acompanhar a sua caminhada rumo à formação
em empregar o conceito de elementos constitutivos, profissional nesta área do conhecimento, que é a Educa-
aqueles elementos que caracterizam a capoeira como ção Física. De minha parte, agradeço, especialmente, a
tal, quais sejam: a historicidade, a gestualidade, a possibilidade de lhe falar de algo que é tão caro a mim, a
musicalidade e a ritualística. capoeira. Despeço-me, por aqui, desejando-lhe sucesso.

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