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Me. Reginaldo Calado de Lima
DIREÇÃO UNICESUMAR
Reitor Wilson de Matos Silva, Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho, Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor
Kendrick de Matos Silva, Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin, Presidente da Mantenedora Cláudio
Ferdinandi.
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Wilson Matos da Silva
Reitor da Unicesumar
Em um mundo global e dinâmico, nós trabalhamos IGC 4 em 7 anos consecutivos. Estamos entre os 10
com princípios éticos e profissionalismo, não maiores grupos educacionais do Brasil.
somente para oferecer uma educação de qualidade, A rapidez do mundo moderno exige dos educadores
mas, acima de tudo, para gerar uma conversão soluções inteligentes para as necessidades de todos.
integral das pessoas ao conhecimento. Baseamo- Para continuar relevante, a instituição de educação
nos em 4 pilares: intelectual, profissional, emocional precisa ter pelo menos três virtudes: inovação,
e espiritual. coragem e compromisso com a qualidade. Por
Iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos de isso, desenvolvemos, para os cursos de Engenharia,
graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de 100 mil metodologias ativas, as quais visam reunir o melhor
estudantes espalhados em todo o Brasil: nos quatro do ensino presencial e a distância.
campi presenciais (Maringá, Curitiba, Ponta Grossa Tudo isso para honrarmos a nossa missão que é
e Londrina) e em mais de 300 polos EAD no país, promover a educação de qualidade nas diferentes áreas
com dezenas de cursos de graduação e pós-graduação. do conhecimento, formando profissionais cidadãos
Produzimos e revisamos 500 livros e distribuímos mais que contribuam para o desenvolvimento de uma
de 500 mil exemplares por ano. Somos reconhecidos sociedade justa e solidária.
pelo MEC como uma instituição de excelência, com Vamos juntos!
boas-vindas
Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está de maneira a inseri-lo no mercado de trabalho. Ou seja,
iniciando um processo de transformação, pois quando estes materiais têm como principal objetivo “provocar
investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou uma aproximação entre você e o conteúdo”, desta
profissional, nos transformamos e, consequentemente, forma possibilita o desenvolvimento da autonomia
transformamos também a sociedade na qual estamos em busca dos conhecimentos necessários para a sua
inseridos. De que forma o fazemos? Criando formação pessoal e profissional.
oportunidades e/ou estabelecendo mudanças capazes Portanto, nossa distância nesse processo de crescimento
de alcançar um nível de desenvolvimento compatível e construção do conhecimento deve ser apenas
com os desafios que surgem no mundo contemporâneo. geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos
O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita.
Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo Ou seja, acesse regularmente o Studeo, que é o seu
este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos
se educam juntos, na transformação do mundo”. fóruns e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe
Os materiais produzidos oferecem linguagem das discussões. Além disso, lembre-se que existe
dialógica e encontram-se integrados à proposta uma equipe de professores e tutores que se encontra
pedagógica, contribuindo no processo educacional, disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em
complementando sua formação profissional, seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe
desenvolvendo competências e habilidades, e trilhar com tranquilidade e segurança sua trajetória
aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, acadêmica.
autor
CAPOEIRA
Reginaldo Calado de Lima
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta
unidade:
• Luta, jogo, dança, esporte... Afinal, o que é a capoeira?
• As origens da capoeira
• Capoeira, uma atividade criminosa
• Ascensão social da capoeira
Objetivos de Aprendizagem
• Identificar os diferentes sentidos atribuídos à capoeira.
• Apresentar as teorias que discutem a origem da capoeira.
• Entender o processo de criminalização da capoeira.
• Descrever o processo de reestruturação da capoeira.
unidade
I
INTRODUÇÃO
Caro(a) aluno(a), quando as práticas corporais são Você já se perguntou em qual, ou mesmo, em
abordadas nas aulas de Educação Física em diferen- quais categorias dos conteúdos da Educação Física
tes níveis escolares, via de regra, uma das primeiras escolar podemos enquadrar a capoeira? Ou seja,
estratégias adotadas pelo(a) professor(a) é a apre- ela será abordada quando tratarmos, nas aulas de
sentação de uma definição clara e objetiva da prática Educação Física, de esportes, quando tratarmos das
em questão. Esta é uma estratégia compreensível a ginásticas, das danças, dos jogos ou das lutas? A
qualquer um de nós e, até desejada, afinal de contas, questão pode parecer insignificante à primeira vista,
ao nos depararmos com determinado objeto, é im- contudo, basta uma pequena dose de cautela e perce-
portante sabermos do que se trata. Entretanto, você beremos as possíveis implicações à nossa futura atu-
vai perceber que, no que se refere à capoeira, essa ação profissional. O que queremos dizer de fato é que
estratégia de definição não é uma tarefa das mais fá- fará diferença se você, caro(a) aluno(a), ao abordar a
ceis. Aliás, como muitos outros aspectos ligados à capoeira no contexto escolar, conhecer os diferentes
capoeira. sentidos atribuídos a tal manifestação corporal.
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EDUCAÇÃO FÍSICA
É a partir destas reflexões que podemos nos per- cam a predominância do confronto, do combate
guntar: mas, afinal, o que é a capoeira? Esta questão corporal. É o que podemos verificar nos argumen-
norteará as discussões empreendidas neste tópico. tos de Lamartine Pereira da Costa que, ao redigir
Perceba que ela não é uma exclusividade do contexto uma espécie de manual didático com o sugestivo
escolar, mas se apresenta também no contexto cultu- título “Capoeira sem Mestre”, define tal manifes-
ral da própria capoeira. É bastante comum sermos tação como uma “luta em que os executantes se
questionados, enquanto praticantes de capoeira, se valem dos pés, das mãos e da cabeça para bater
nós a dançamos, a lutamos ou a jogamos. nos adversários ou derrubá-los [...] É uma luta es-
Uma possibilidade para entendermos os senti- sencialmente agressiva: o capoeira se defende ata-
dos atribuídos à capoeira passa pelo esforço de ana- cando” (COSTA, s. d., p. 17).
lisar o seu percurso histórico. Porém deixemos essa Nunca é demais termos em mente em que am-
empreitada para um próximo tópico. Por agora, nos biente e, principalmente, em que momento esta-
deteremos às impressões de autores do calibre de mos pensando sobre a capoeira. Estamos agora
Luís da Câmara Cascudo que, ao estudar a capoeira imersos em um processo de formação profissional,
por um viés folclórico, a definiu como um “jogo atlé- o qual, em tese, permitir-nos-á agir com expertise
tico de origem negra, ou introduzido no Brasil pelos sobre determinadas realidades por meio de deter-
escravos bantos de Angola, defensivo e ofensivo, es- minados conteúdos. Diante de tal assertiva, é im-
palhado pelo território [brasileiro] e tradicional no perativo que reflitamos acerca das possibilidades
Recife, cidade de Salvador e Rio de Janeiro” (CAS- de abordagem de tais conteúdos e, em nosso caso
CUDO, 1959, p. 371). específico, estamos refletindo sobre uma manifes-
Do excerto apresentado, é possível extrairmos, tação corporal que, aparentemente, ao ser definida
além do sentido, elementos referentes à capoeira, como luta, apresenta uma característica agressiva.
tais como origem, características e locais de inci- Quais são as implicações que isto demanda para o
dência, contudo, mantendo o nosso foco no senti- ambiente escolar?
do, destacamos a ideia apresentada pelo autor, da
capoeira ser um jogo atlético defensivo e ofensivo.
Esta definição evoca, em certa medida, um senti-
REFLITA
do esportivo, ao tratar a capoeira como jogo atléti-
co, mas também com um caráter combativo, uma
vez que a descrição apresenta a natureza defensiva Ao abordarmos uma prática corporal com
as características da capoeira, estaremos ali-
e ofensiva. mentando a agressividade entre os alunos?
O caráter bélico da capoeira, ou seja, a sua Será que o nosso trabalho desencadeará uma
representação como forma de luta, parece privi- onda violência na escola?
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CAPOEIRA
Estudos como o de Oliveira e Santos (2006) nos aju- ramos o seu contexto de gênese, por outro, os demais
dam a refletir acerca dessa temática ao destacarem argumentos abalam as nossas convicções. Barbieri
a existência de um discurso no imaginário popular (2003) afirma ser impossível estabelecer limites para
que gera, por sua vez, certa resistência e mesmo re- as perspectivas da capoeira. Você notou o uso do plu-
jeição no trato com as lutas de forma geral, no con- ral? Pois é! Para o autor, não é possível uma definição
texto escolar. Para os autores, é bastante comum que supere a polissemia de sentidos da manifestação.
que, “quando pensamos na palavra luta, primeira- Isso significa que a característica predominante
mente, associamos a contato corporal, chutes, socos, da capoeira é a ambiguidade. Você lembra que Cas-
quedas, disputa e atitudes agressivas” (OLIVEIRA; cudo (1959), quando nos apresentou a capoeira, de-
SANTOS, 2006, p. 5). Invariavelmente, estes aspec- finiu-a como jogo atlético defensivo e ofensivo. Bas-
tos nos levam a uma associação entre a deflagração tam esses termos para evidenciarmos os múltiplos
de golpes e o inevitável confronto corporal. sentidos dessa prática. A ideia de jogo nos remete à
Essas questões que, à primeira vista, mostram-se ludicidade, enquanto que o termo atlético nos lem-
desencorajadoras para a abordagem da capoeira, ao bra um caráter esportivo, já os termos defensivo e
menos por sua vertente bélica, são, na verdade, uma ofensivo denotam a noção de combate, de luta. Per-
oportunidade para reflexão. Rufino e Darido (2015, ceba que definir a capoeira não é uma tarefa tão sim-
p. 22), ao pensarem a relação entre o conteúdo “lu- ples quanto parece.
tas” e a cultura corporal, defendem a necessidade Há, no entanto, atualmente, certa aceitação no
da promoção de situações que permitam aos alunos entendimento da capoeira como “uma manifestação
“contato e vivências significativas com essas práticas cultural afro-brasileira que se expressa pela combina-
e sobre o mundo em que vivem”. ção de jogo, luta e dança praticada ao som de instru-
Retomemos o foco de nossa discussão, que é o mentos musicais” (FALCÃO, 2010, p. 56). A coexis-
sentido atribuído à capoeira. Até aqui, identificamos tência dos diferentes sentidos atribuídos à capoeira
uma característica combativa que conferiu a ela ares pode não fazer muito sentido, mas lembre-se que
de luta. De fato, Campos (2003), ao elaborar uma estamos falando de uma manifestação cuja origem se
proposta de abordagem da prática na escola, o faz deu a partir de outra lógica cultural que não a nossa.
a partir de algumas concepções, dentre as quais, a Neste sentido, o Instituto do Patrimônio Histórico e
“capoeira luta”. O autor argumenta em favor de tal Artístico Nacional - Iphan (2007, p. 11) nos apresen-
concepção, entendendo-a como a forma que repre- ta a capoeira como “uma manifestação cultural que
senta a capoeira em sua origem. Neste sentido, ex- se caracteriza por sua multidimensionalidade – é, ao
por a capoeira no contexto escolar como uma luta mesmo tempo, dança, luta e jogo”. A sua ligação com
é garantir a sua representação original e, sobretudo práticas de sociedade tradicionais, onde a separação
garantir sua preservação “através dos tempos na sua de habilidades não é um aspecto comum, como ocor-
forma natural como instrumento de defesa pessoal re na sociedade ocidental moderna, é o que confere à
genuinamente brasileira” (CAMPOS, 2003, p. 23). capoeira a possibilidade multidimensional. Ou seja,
Se por um lado, não é difícil reconhecer a capo- a coexistência de múltiplas dimensões e sentidos sem
eira como uma luta, especialmente, quando conside- que estes se anulem ou se confrontem.
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EDUCAÇÃO FÍSICA
E, ao contrário do que possa parecer, isso não re- [...] dois campeões se precipitam um contra o
presenta um problema. Essa ambiguidade é, inclusi- outro, procurando dar com a cabeça no peito
do adversário que desejam derrubar. Evita-se o
ve, enaltecida por Reis (2000, p. 177) como caracte-
ataque com saltos de lado e paradas igualmen-
rística de todos os elementos do sistema cultural da te hábeis; mas, lançando-se um contra o ou-
capoeira, o que impossibilita o seu enquadramento, tro, mais ou menos como bodes, acontece-lhes
permitindo que ela “deslize entre as categorias: não é chocarem-se fortemente cabeça contra cabeça,
o faz com que a brincadeira não raro degenere
esporte mas é, não é uma dança, mas é, e não é uma
em briga e que as facas entrem em jogo, ensan-
luta, mas é”. guentando-as (RUGENDAS, s. d., p. 252).
Uma das estratégias que podemos adotar para
compreendermos essa multiplicidade dos sentidos Ainda tratando da contribuição de Rugendas por
da capoeira, talvez, seja lançarmos um olhar mais meio de seus registros à história da capoeira, além
atento aos seus primórdios. Entretanto, você vai da descrição, as gravuras deixadas pelo artista ale-
perceber que, quando falamos de capoeira, há pou- mão nos permitem analisar outros elementos carac-
ca unanimidade. Esta situação se agrava conforme terísticos que compunham a manifestação naquele
regredimos historicamente, muito em função da es- período.
cassez de registros. Arriscamos dizer que a capoeira,
como prática marginal que foi por muito tempo, não
era digna de registros.
Uma das exceções, no entanto, são os registros
iconográficos creditados ao pintor Johann Moritz
Rugendas (1802-1858) que retratou, no século XIX,
muitos aspectos naturais e sociais do Brasil à épo-
ca. Em sua obra Viagem Pitoresca através do Brasil,
publicada pela primeira vez em edição bilíngue, em
1827, o pintor retrata a paisagem, os tipos e os hábi-
tos, tanto dos índios e negros quantos dos europeus
que por aqui viviam. Na descrição de “jogo da ca- Figura 1 - Jogar capoeira
poeira”, Rugendas (s. d.) o expõe como um folgue- Fonte: Wikipédia ([2019], on-line)1.
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CAPOEIRA
um instrumento que, na gravura, está representada sido responsável por, posteriormente, agregar na es-
por uma espécie de tambor, é outro elemento que trutura da manifestação o caráter lúdico. Carneiro
caracteriza a capoeira. A este respeito, é interessante (1957, p. 199), analisando a capoeira por um viés
notar que o instrumento que, atualmente, caracte- folclórico, a identifica como uma manifestação de
riza a capoeira não aparece registrado na gravura. caráter lúdico, afirmando que “os capoeiras da Bahia
A ausência do berimbau sugere que este não estava denominam seu jogo de vadiação – e não passa disto
incorporado aos códigos da manifestação no perío- a capoeira, [...]. Nem sempre terá sido assim”.
do retratado. Façamos, prezado(a) aluno(a), uma síntese acer-
Retomando a nossa empreitada de discutir o ca da questão deste tópico. Afinal, o que é a capoei-
sentido da capoeira, Conduru (2008) faz algumas ra? Essa manifestação carrega, em seu cerne, múlti-
inferências a partir da análise da gravura “jogo da plas possibilidades de expressão e, como nos disse
capoeira”. Para o autor, é possível atribuir um caráter Barbieri (2003), é impossível separá-las. Em dado
bélico ao que se retrata. Tal inferência se dá muito momento, ela se apresenta como luta, em outros,
em função da descrição, mas também na medida em como dança, ou ainda, como jogo. Reconhecermos
que o autor verifica os punhos cerrados dos conten- tais possibilidades é imprescindível para aqueles(as)
dores que ocupam o centro da roda. profissionais que as abordarão. Mesmo para aque-
Pois bem, poderíamos concluir que: se, atual- les(as) que não têm a intenção de abordá-las, tais
mente, a capoeira é caracterizada como uma prática questões nos permitirão repensar a forma como
corporal polissêmica, multidimensional, onde co- vemos tantas outras práticas corporais. Essa lógica
existem múltiplos sentidos sem que haja exclusão, multidimensional foi consolidada ao longo do tem-
na sua origem, o sentido bélico foi predominante. po, ou seja, em diferentes contextos, a capoeira se
Na verdade, não. Vimos que, na própria descrição adequou à estrutura social vigente, agregando à sua
de Rugendas (s. d.), ela aparece com um sentido própria estrutura uma nova forma de representação.
dúbio. E, para fecharmos esta inconclusa discussão, E se falaremos do percurso social da capoeira, co-
recorramos a autores que se dedicaram a estudar a mecemos do princípio e discutamos as questões ati-
capoeira e que discutem, entre outras questões, a sua nentes às suas origens.
origem e os seus sentidos.
Neste sentido, Rego (1968, p. 35) defende a tese
de que a capoeira surgiu, inicialmente, como diver-
timento, “mas, na realidade, funcionava como uma
faca de dois gumes. Ao lado do normal e do quoti-
diano, que era divertir, era luta também no momen-
to oportuno”. Contrariamente, temos a exposição de
Araújo (1997, p. 106) para quem “a utilização da ca-
poeira como instrumento de guerra, logo, arte mar-
cial, foi a primeira expressão desta prática plural”.
Na opinião do autor, o contexto sociocultural teria
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EDUCAÇÃO FÍSICA
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CAPOEIRA
Capoeira
Prezado(a) aluno(a), no tópico anterior, as nossas que nos permitam entender melhor a lógica dessa
discussões buscaram identificar o sentido atribuído prática corporal.
à capoeira e buscamos entender o que é a capoeira, Iniciaremos a nossa reflexão com algumas ques-
se uma luta, uma dança, um jogo etc. Chegamos à tões. Esta postura nos ajudará a manter uma direção
conclusão que a característica primeira dessa ma- precisa, ou, pelo menos, evitará que nos peguemos
nifestação corporal é, justamente, a sua polissemia sem direção. Uma primeira questão referente à ori-
de sentidos. Ou seja, a capoeira é tanto luta quanto gem da capoeira, tanto no meio acadêmico quanto
dança, quanto jogo. Um dos argumentos apresenta- no universo cultural da própria prática corporal e
dos foi que a sua multidimensionalidade se deve à que, por vezes, culmina em discussões acaloradas,
sua ligação com a lógica tradicional, cuja coexistên- é se a capoeira é africana ou brasileira. É recorren-
cia de diversos sentido é bastante comum. Então, te o discurso que apresenta a capoeira como uma
caro(a) aluno(a), eu lhe convido a me acompanhar manifestação, genuinamente, brasileira. E você, o
na leitura de hipóteses que tratam das origens da que acha? Não responda ainda! Pois outras tantas
capoeira. E quem sabe encontrarmos, aí, indícios questões serão postas, dentre elas: se a capoeira é
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EDUCAÇÃO FÍSICA
africana, por que em locais onde africanos foram nata, por uma matriz indígena ou por uma matriz
traficados e escravizados não há registros da sua que comporta elementos africanos e cujo desenvol-
presença? E por que na própria África não há regis- vimento se deu em território brasileiro.
tro da capoeira? Se ela é brasileira, onde foi criada? Pensemos, então, a origem da capoeira a partir
Com que finalidade? Veja que são muitas questões. de cada uma dessas matrizes. Dentre elas, talvez a
Quando falamos de capoeira, a unanimidade concepção indígena seja a que careça de mais es-
de opiniões só ocorre quanto à imprecisão e às con- tudos, uma vez que os argumentos em sua defesa
trovérsias, sobretudo se o tema tratado é o da sua estão fundamentados, basicamente, na questão ter-
origem. Entretanto, de maneira geral, as discussões minológica. No entendimento de Abreu (s. d.), a
referentes às origens da capoeira têm orbitado em principal justificativa que impossibilitaria a criação
torno de três hipóteses, ou três “mitos fundadores”, da capoeira por grupos indígenas repousa no des-
como nos apresenta o Iphan (2007, p. 11): conhecimento, por parte desses grupos, das técni-
1. A capoeira nasceu na África central e foi cas corporais, especialmente as de ataque e defesa,
trazida intacta por africanos escravizados. características da capoeira. O Iphan (2007) reforça
2. A capoeira é uma criação de escravos qui- a impossibilidade de sustentação da tese da origem
lombolas no Brasil. indígena, argumentando a inexistência de docu-
3. A capoeira é criação dos índios, daí a ori- mentação, ou mesmo de relatos que reivindicam a
gem do vocábulo que nomeia o jogo. paternidade da capoeira.
De fato, Lussac (2015), ao analisar as possibilida-
Preservadas as devidas especificidades argumentati- des das origens indígenas da capoeira e as possíveis
vas, Abreu (s. d.) já refletia acerca da origem da ca- contribuições dos índios brasileiros no desenvolvi-
poeira em seu clássico romance do final do século mento do jogo-luta, conclui que, apesar das possibi-
XIX, Os Capoeiras, ao afirmar que: lidades de interação entre negros e índios em trocas
culturais, ainda não é possível afirmar que existiram
Uns atribuem-na aos pretos africanos, o que contribuições, diretamente, ligadas a grupos indíge-
julgo um erro pelo facto de que na África não é
nas brasileiros.
conhecida a nossa capoeiragem, e sim, algumas
sortes de cabeças. Aos nossos índios também Por qual motivo, então, cogita-se a possibilidade
não se pode atribuir, porque apesar de possuí- de a capoeira ser brasileira e criada por índios bra-
rem a ligeireza que caracteriza os capoeras, con- sileiros? O elo entre estas culturas (e que serve de
tudo, não conhecem os meios que estes empre- argumento) parece ser o vocábulo que nomeia a ma-
gam para o ataque ou defesa. O mais racional
nifestação. Uma vez que o termo capoeira “faz parte
é que a capoeragem creou-se, desenvolveu-se e
aperfeiçoou-se entre nós (ABREU, s. d., p. 1). da língua tupi e significa ‘mato ralo’, o que remete a
uma das explicações sobre sua origem. Diz respeito
Basta que ignoremos a ordem dos argumentos ex- ao mito do escravo fugitivo que surpreenderia seus
postos nas duas citações e constataremos que, tanto algozes na capoeira, local da cilada” (IPHAN, 2007,
em uma quanto em outra, a questão da origem da p. 12). Entretanto, há divergências mesmo quanto
capoeira é concebida a partir de uma matriz africana
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CAPOEIRA
à terminologia. Rego (1968) demonstra, fortemen- De acordo com Rego (1968), o fato de histo-
te, inclinado a aceitar outra acepção etimológica do riadores e africanistas apresentarem certa tendên-
termo capoeira, uma que defende a origem do vocá- cia de apontarem Angola como o ponto de partida
bulo a partir do termo “capão”. dos primeiros negros trazidos como escravos para
o Brasil gerou forte aceitação e perpetuação, sobre-
Tendo como base capão, do qual Adolfo Coelho tudo entre os capoeiras, à ideia desta manifestação
tirou o étimo de capoeira para o português, Be-
corporal ter vindo da África. Vicente Ferreira Pas-
aurepaire Rohan faz o mesmo para o vocábulo
capoeira na acepção brasileira, apresentando, tinha (1988), um dos mestres mais expressivos da
em defesa de sua opinião, a seguinte explicação: capoeira Angola, senão o mais, afirma que “não há
- Como o exercício da capoeira, entre dois in- dúvida que a capoeira veio para o Brasil com os es-
divíduos que se batem por mero divertimento, cravos africanos” (PASTINHA, 1988, p. 26). O mes-
se parece um tanto com a briga de galos, não
tre afirma também que o próprio nome “capoeira
duvido que este vocábulo tenha sua origem em
Capão, do mesmo modo que damos em portu- Angola” se deve ao fato de os negros angolas terem
guês o nome da capoeira a qualquer espécie de se sobressaído na prática da capoeiragem, ao menos
cesto em que se metem galinhas (REGO, 1968, no contexto baiano. Entretanto, Gerhard Kubik, ci-
p. 24).
tado por Jardim (1976), não encontra qualquer co-
notação cultural com a África na expressão capo-
Outro estudioso que tem se destacado no debate eira Angola, afirmando ser uma criação brasileira.
acerca da origem da capoeira é Matthias Rohring A expressão é utilizada para designar um estilo de
Assunção (2012). Este autor nos apresenta uma capoeira o qual abordaremos mais adiante, em um
perspectiva que considera duas “narrativas-mes- momento mais oportuno. Por ora, nos detenhamos
tres”; uma versão nacionalista e uma versão afro- à questão da origem.
cêntrica. A primeira “enfatiza tudo que a capoeira Estamos discutindo a vertente que considera a
tem de novo, para ressaltar a sua originalidade e, capoeira africana, e vimos que esta hipótese encon-
portanto, a originalidade da cultura brasileira”, en- trou bastante aceitação entre os capoeiras. É impor-
quanto que a versão afrocêntrica “ressalta apenas tante ter em mente que estamos abordando, em um
aspectos ‘derivados da África’ para demonstrar que ambiente acadêmico em que se privilegia a visão
a capoeira é, antes de tudo, africana” (ASSUNÇÃO, científica do mundo, uma manifestação cuja pro-
2012, p. 1). dução de conhecimento, bem como a difusão des-
Você, obviamente, se atentou ao fato de a hipó- se conhecimento, apresenta uma dinâmica bastante
tese indígena não compor os argumentos desse au- distinta do mundo acadêmico científico. A lógica da
tor, não é? De fato, no universo cultural da capoeira, capoeira, bem como da maioria das manifestações
as discussões em torno de sua origem podem ser oriundas do universo da cultura popular, privilegia a
entendidas, de forma bastante simplificada, como figura do mestre como um guardião do saber e, por-
polarizadas entre África e Brasil. Discutamos, do- tanto, responsável pela transmissão desse saber. Este
ravante, os argumentos que consideram a capoeira processo de transmissão se dá, predominantemente,
uma manifestação africana. de maneira informal, sobretudo por meio da orali-
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EDUCAÇÃO FÍSICA
dade. Neste sentido, a figura do mestre está envolta fende de forma contundente a teoria da capoeira ter
em uma espécie de aura que finda por legitimar os como elemento ancestral o N’golo. Da perspectiva de
seus discursos. Cascudo (1967), a capoeira seria o desdobramento
Não foi somente entre os capoeiras que foi aceita e de técnicas que compunham, na África, tanto lutas
difundida a hipótese dessa manifestação corporal ter quanto ritos cerimoniais. A capoeira seria, desta for-
a sua origem na África. Edison Carneiro (1957;1977) ma, uma versão brasileira do n’golo.
foi um dos intelectuais que defenderam a ancestrali-
dade africana da capoeira, ao expor esta como um
“jogo de destreza que tem suas origens remotas em
SAIBA MAIS
Angola” (CARNEIRO, 1977, p. 3). Outro intelectu-
al com contribuição significativa para a difusão e a
aceitação da origem africana da capoeira foi Luís da O n’golo, ou dança da zebra, como também é
conhecido, é uma dança em forma de comba-
Câmara Cascudo (1959; 1967). Em sua obra Folclo- te típico de povos do sul de Angola, que ocorre
re do Brasil: pesquisas e notas, o autor afirma que “a durante a enfudula. Neste rito de passagem, o
unanimidade das fontes brasileiras indica a capoeira vencedor do n’golo tem o direito de escolher a
esposa sem ter de pagar o dote esponsalício.
como tendo vindo de Angola” (CASCUDO, 1967, p.
181). O autor que, na época da referida publicação, Fonte: Cascudo (1967).
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CAPOEIRA
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EDUCAÇÃO FÍSICA
Há, todavia, alguns pontos na ideia do n’golo ou de clui que “no caso da capoeira, tudo leva a crer que
outras práticas corporais específicas como ancestrais seja uma invenção dos africanos no Brasil, desen-
diretas da capoeira que são questionados por Assun- volvida por seus descendentes afro-brasileiros”. Por
ção e Peçanha (2008), por exemplo, o fato da não esse viés, a capoeira é vista não como uma criação
transmissão da capoeira pelos “mestres africanos”. A brasileira, mas sim, afro-brasileira, uma manifesta-
presença do berimbau foi outro argumento apresen- ção criada a partir de elementos culturais africanos
tado por Cascudo (1967) para sustentar a sua teoria, em nossas terras.
sem, contudo, nos trazer maiores detalhes da relação Em convergência com Rego (1968), Soares
de tal instrumento com o n’golo. O autor limitou-se (1999) enfatiza a teoria de a capoeira ser uma inven-
apenas a registrar a popularidade do instrumento ção dos escravos no Brasil, isto é, negros de diversas
em terras africanas. A este respeito, Assunção (2012, etnias africanas, submetidos ao contexto da escra-
p. 12) nos esclarece que “na África, os arcos musicais vidão, mesclaram diversos traços culturais, dando
não acompanham jogos de combate” como o n’golo, origem a uma gama infinda de manifestações, en-
por exemplo. tre elas, a capoeira. Soares (1999, p. 26) a entende
Há de se destacar que, na imagem analisada, no como uma espécie de “síntese de uma disparidade
tópico anterior, “o jogo da capoeira” de Rugendas (s. de ritos, rituais e danças, cerimoniais e guerreiras,
d.), o berimbau não apareceu como componente da ela representou a forma cultural possível que jovens
luta. Apesar do berimbau ter sido registrado pelo africanos encontraram de responder às violências e
pintor alemão, no Brasil, no mesmo período, ao que demandas de uma sociedade urbana hostil”.
tudo indica, o referido instrumento estava relacio- Então, podemos encerrar o debate em torno das
nado a outras atividades, e não à manifestação da origens da capoeira? Não, claro que não! Muitas ou-
capoeira. tras questões têm sido levantadas. A maioria delas
Assunção (2012) entende que a capoeira não giram em torno de especificidades, como o local de
pode ser tomada como simples desdobramento do origem, o ambiente, se urbano ou se rural, se nos
n’golo no Brasil. Contudo, reconhece a inegável pre- quilombos ou em um quilombo em específico, como
sença na capoeira de elementos que remetem tanto o de Palmares, e por aí vai... Por agora, precisamos
ao n’golo quanto a outros jogos de combate africa- reconhecer que este é um momento de introdução
nos. Metaforicamente, nos diz o autor, que o n’golo é a tal temática e, nesse sentido, tivemos contato com
um primo distante da capoeira. uma quantidade significativa de argumentos. Para
A partir dos argumentos expostos, inferimos continuarmos a nossa incursão ao universo cultural
não haver consenso quanto à aceitação da tese que da capoeira, analisaremos como esta manifestação
trata a origem da capoeira por sua vertente africa- cultural foi tratada ao longo de seu desenvolvimen-
na. A terceira tese exposta no início deste tópico to. Espero contar com a sua estimada companhia no
defende a sua origem brasileira. Rego (1968, p. 31) tópico seguinte. Até lá!
é um dos autores que defendem tal hipótese e con-
25
CAPOEIRA
CAPOEIRA,
uma Atividade Criminosa
Olá, prezado(a) aluno(a). Neste tópico, trataremos novas de nossa sociedade. E é, nesse contexto, que
de um tema, no mínimo, curioso. Tentaremos en- a capoeira se insere como uma dessas práticas cor-
tender como se deu o processo de criminalização porais que podem auxiliar no processo educativo. A
da capoeira. Isto mesmo, essa mesma capoeira que, questão é, se, atualmente, consideramos a capoeira
hoje, transita livremente por diferentes níveis edu- uma prática virtuosa, o que a fez ser tratada como
cacionais, desde o ensino infantil, passando pelo criminosa?
fundamental e médio e que compõe o currículo de Primeiramente, pensamos que seja muito útil
renomadas universidades, já foi considerada uma considerarmos a dinamicidade histórica, ou seja,
prática criminosa. Reflitamos um instante sobre isso. olharmos, historicamente, um dado contexto com to-
Neste momento, estamos inseridos em um cur- dos os seus elementos e reconhecer que tal contexto
so universitário de formação profissional, e não de não é estanque. Pois bem, será com esse olhar, histori-
qualquer profissão, mas sim, de uma área que, por camente situado, que nos debruçaremos no texto a se-
meio da abordagem de práticas corporais, se pro- guir, no qual procuraremos entender como a capoeira
põe a contribuir com a educação das gerações mais que, hoje, transita livremente por toda sociedade foi,
em dado momento, considerada uma prática ilegal.
26
EDUCAÇÃO FÍSICA
Uma informação que vale a pena retomarmos um sujeito sem profissão, logo, se enquadrava no
se refere às suas origens, mais precisamente aos seus Capítulo IV, Art. 295, que trata dos “vadios e mendi-
criadores. No tópico anterior, nós vimos que, a res- gos”. Naquele momento, a capoeira era considerada
peito de sua origem ser africana ou brasileira, são uma forma de contravenção, o que já era suficiente
aos negros escravizados, aqui, no Brasil, a quem se para que cerca de 9% das prisões efetuadas entre os
atribui a criação da capoeira, tal criação sendo rea- anos de 1819 e 1821, na cidade do Rio de Janeiro,
lizada por meio de um processo de convergências apresentassem, como motivo registrado, “capoei-
culturais. E este é um aspecto importante para a nos- ra”. Isto significa que, das 4.853 prisões realizadas,
sa discussão, visto que, por muito tempo, a capoeira 438 ocorreram pela acusação de prática da capoeira
esteve restrita ao universo escravo, sendo uma prá- (ALGRANTI, 1988).
tica escrava. E que, posteriormente, esse escravo, ao Pensando em localidades específicas como a ci-
abandonar tal condição, não encontrou uma estru- dade do Rio de Janeiro, a capoeira esteve associa-
tura social que o considerasse e o tratasse como um da às ações de grupos bem organizados, chamados
cidadão de direitos, restando-lhe viver à margem da de maltas, que representaram momentos de terror
sociedade. aos citadinos. Luiz Sergio Dias, em sua obra de títu-
Em condição marginal, viveu não apenas o ne- lo sugestivo, Quem Tem Medo da Capoeira? (2001),
gro, mas também boa parcela dos imigrantes que analisou a capoeiragem, no Rio de Janeiro, no sé-
vieram para o Brasil, após a abolição da escravatura. culo XIX, e identificou em tal prática a conjunção
Esse cenário nos ajuda a entender como esta popu- da agilidade, ousadia e organização, mas, sobretudo
lação entregue à própria sorte, por vezes, fez uso de uma incrível capacidade de incutir temor em grande
práticas, como a capoeira, para, em busca da garantia parcela da população.
da sobrevivência, cometer delitos. Desta forma, um Deste modo, a capoeira, ou capoeiragem, como
dos muitos sentidos atribuídos à capoeira ao longo a prática era denominada na época, representava
de sua história e, consequentemente ao seu prati- um problema de segurança pública. E logo foi en-
cante, foi o de uma atividade marginal. Uma práti- quadrada como crime no código penal da República
ca que representa demérito social, como nos afirma dos Estados Unidos do Brasil. A capoeiragem e os
Cascudo (1967, p. 188): “a capoeira é sempre uma capoeiras, os seus praticantes, receberam tratamen-
atividade de vadios urbanos”. Ao que Rego (1968, p. to específico no código de 11 de outubro de 1890,
291) endossa: “o capoeira desde seu aparecimento em seu Capítulo XIII, que trata “Dos vadios e capo-
foi considerado uma marginal, um delinquente, em eiras” onde fica estabelecido que:
que a sociedade deveria vigiá-lo, e as leis penais, en-
quadrá-lo e puni-lo”. Art. 402 – Fazer nas ruas e praças públicas exer-
cício de agilidade e destreza corporal conhecida
E assim se fez, pois o código criminal de 1830
pela denominação capoeiragem: andar em cor-
do Império do Brasil, mesmo sem fazer nenhuma rerias, com armas ou instrumentos capazes de
menção explícita ao capoeira, enquadrava-o indi- produzir lesão corporal, provocando tumulto
retamente. Isso porque o capoeira era reconhecido ou desordens, ameaçando pessoa certa ou in-
socialmente, naquele período, como desocupado, certa, ou incutindo temor de algum mal:
27
CAPOEIRA
Pena – prisão celular por dois a seis meses. De acordo com Soares (1999), a empreitada con-
tra os capoeiras teve na figura de João Batista Sam-
Parágrafo único – É considerada circunstância
paio Ferraz o seu maior representante. Ocupando o
agravante pertencer o capoeira a algum bando
ou malta. Aos chefes ou cabeças se imporá a cargo de primeiro chefe de polícia do regime repu-
pena em dobro. blicano, Sampaio Ferraz, que ficou conhecido pela
alcunha de “cavanhaque de aço”, foi retratado pela
Art. 403 – No caso de reincidência será apli-
cada ao capoeira, no grau máximo a pena do crônica literária da época como um herói que, ao
art. 400 [Pena de um a três anos em colônias desarticular as maltas de capoeira, “livrou a cidade
penais que se fundarem em ilhas marítimas, ou e seus habitantes de um flagelo que a dominava há
nas fronteiras do território nacional, podendo mais de cem anos” (SOARES, 1999, p. 329).
para esse fim serem aproveitados os presídio
Há outra questão acerca do processo de crimina-
militares existentes].
lização da capoeira e destacada por Araújo (2005),
Parágrafo único – Se for estrangeiro será de- que consideramos importante para as nossas discus-
portado depois de cumprir a pena. sões. Para o autor, houve uma generalização na cri-
Art. 404 – Se nesses exercícios de capoeiragem minalização da prática da capoeira, sobretudo, pela
perpetrar homicídios, praticar lesão corporal, ausência da conceituação precisa de quem eram os
ultrajar o pudor público e particular, e pertur- seus praticantes. Araújo (2005, p. 25), após realizar
bar a ordem, a tranqüilidade e a segurança pú-
os devidos enquadramentos temporais e espaciais,
blica ou for encontrado com armas, incorrerá
cumulativamente nas penas cominadas para conceitua os capoeiras como: “indivíduo(s) que pro-
tais crimes (SOARES, 1999, p. 338). moviam ações criminosas, que atentam contra a in-
tegridade física e patrimonial dos cidadãos, nos es-
No entendimento de Reis (2000), a oficial crimina- paços circunscritos dos centros urbanos ou áreas de
lização da capoeira foi fruto da idealização de um entorno”. A confusão conceitual se dá na medida em
projeto modernizador do país concebido para a re- que o praticante da capoeiragem também foi defini-
cém-proclamada República. Neste sentido, o negro, do como um capoeira, o que o levou a ser confun-
ainda, em maior número, enquanto praticante da dido com todo o tipo de malfeitores. Logo, conclui
capoeira, era tido como representante de um perí- o autor (2005, p. 26), “grande parte dos praticantes
odo que se deseja superar, a monarquia, mas que, da luta/jogo conhecida por capoeira seriam efetivos
acima de tudo, representa, de acordo com as teorias capoeiras, entretanto, nem todos os capoeiras po-
de evolução social que vigoravam na época, atraso e deriam ser considerados efetivos praticantes desta
inferioridade. O projeto de um Brasil moderno e ci- manifestação”. Isso significa que todo o indivíduo
vilizado implicava, naquele momento, em suprimir socialmente desajustado era tratado como capoeira,
a herança africana. Portanto, não é só por uma ques- sem que fosse necessariamente um praticante da ca-
tão de ordem ou desordem, mas também por uma poeiragem. Tal fato trouxe implicações aos pratican-
questão de eugenia. tes, os quais, mesmo não sendo desordeiros, passa-
ram a ser considerados e tratados como tal.
28
EDUCAÇÃO FÍSICA
29
CAPOEIRA
Ascensão Social da
Capoeira
Olá, prezado(a) aluno(a). Iniciaremos o nosso quar- o tópico que segue, caro(a) aluno(a), pretendemos
to tópico de discussões sobre o desenvolvimento descrever o processo de reestruturação da capoeira
histórico da capoeira, fazendo uma breve reflexão que a levou a ser socialmente aceita.
daquilo que já discutimos até aqui! Em um primeiro Comecemos a nossa conversa com uma imagem.
momento, procuramos identificar os diferentes sen- Talvez, na fotografia a seguir (Figura 4), reconhe-
tidos atribuídos à capoeira, discutimos, naquele mo- çamos com alguma facilidade pelo menos um dos
mento, se ela é luta, jogo ou dança. Em seguida, nos rostos retratados, o do, então, presidente da Repú-
foram apresentadas algumas teorias que discutem a blica, Getúlio Vargas. O que há de especial para nós
sua origem, e percebemos que, desde as primeiras nessa imagem? É que ela registra o presidente, cum-
descrições dessa manifestação, já havia um sentido primentando Manuel dos Reis Machado, o mestre
dúbio! E com o intuito de entender o processo de Bimba após uma apresentação de capoeira realizada
criminalização da capoeira, transitamos pela leitura pelo mestre e os seus discípulos em 1953. Na oca-
de autores que demonstraram como a prática cor- sião, Getúlio Vargas, impressionado pelo que viu, te-
poral capoeira, sendo utilizada como instrumento ria se referido à capoeira como “a única colaboração
de delito por uma parcela de seus praticantes, teve o autenticamente brasileira à educação física, devendo
seu sentido generalizado a todos os praticantes. Para ser considerada a nossa luta nacional”.
30
EDUCAÇÃO FÍSICA
Figura 4 - Mestre Bimba sendo cumprimentado pelo presidente Getúlio Vargas, Salvador, 1953
Fonte: Campos (2009).
Este foi um momento decisivo para a história da sejo do distanciamento da criminalidade que outro-
capoeira. Você deve lembrar que, a poucas páginas ra caracterizou a manifestação, o que somente seria
atrás, discutíamos o seu status de prática criminosa possível, atribuindo-lhe um caráter desportivo.
e, agora, visualizamos um presidente da República, É possível verificarmos que, na ânsia de revita-
cumprimentando um mestre representante dessa lização da capoeira, alguns autores, a exemplo de
manifestação e a reconhecendo como contribuição Alexandre José de Mello Moraes Filho (1816-1882),
à Educação Física. Retomaremos, então, alguns pon- questionam a própria origem da manifestação. Para
tos para entendermos o percurso que levou a capo- este autor (1979, p. 261), a forma como a capoeira
eira à legalidade. se apresentava, lamentavelmente, ligada à margina-
Se a partir da proclamação da República, na úl- lidade, se dera pelos “excessos cometidos pelo povo
tima década do século XIX, houve a intensificação baixo, que a afogou nas desordens”. Segundo a pers-
da repressão policial aos capoeiras e à capoeiragem pectiva do autor, o passado da capoeira era nobre e
como um todo, havia, no mesmo período, um mo- glorioso, mas foi depreciado a partir do momento
vimento de reabilitação da capoeira encabeçado que a sua prática tornou-se majoritariamente negra.
por alguns intelectuais, políticos e militares (PIRES, Reis (2000, p. 62) entende o discurso apresentado
2010). Esse movimento é descrito por Pires (2010, p. por Moraes Filho como uma forma de apropriação
138) como um “processo histórico que se propagou simbólica da capoeira, entendendo que ele procurou
por todo o Brasil e influenciou uma nova invenção “afastar dela [a capoeira], ou pelo menos minimizar
para a prática da capoeira”. Este processo contou a sua herança étnica africana, a fim de que lhe fosse
com iniciativas mais contundentes no Rio de Janeiro possível, através de seu embranquecimento, civilizar-
e na Bahia. Em ambos os casos, ficava evidente o de- -se, tornando-a um símbolo de distinção nacional”.
31
CAPOEIRA
Seguindo esta linha de reestruturação da ca- sivamente para a credibilidade, a difusão, o renas-
poeira, atribuindo-lhe um caráter esportivo, por- cimento da capoeiragem, que atravessava uma fase
tanto, socialmente aceito e valorizado, é que, em de declínio, de ostracismo”, a qual enfrentava des-
1907, foi editado o opúsculo Guia do Capoeira ou de o processo de repressão policial deflagrado por
Ginástica Brasileira como a primeira tentativa de Sampaio Ferraz.
criar um método para o ensino dessa manifesta-
ção. O autor desse opúsculo apresenta-se com o
pseudônimo de O.D.C. e é descrito como um “dis-
tinto oficial do exército brasileiro, mestre em to-
das as armas, professor de militares e habilíssimo
na ginástica defensiva ou a verdadeira capoeira”
(O.D.C., 1907, p. 1).
Talvez você esteja se perguntando: como um ofi-
cial do exército seria um habilidoso capoeira, já que
estamos falando de uma prática criminosa? Lembre-
-se dos argumentos apresentados por Araújo (2005)
quanto à generalização do termo capoeira. Este foi
utilizado para designar toda a sorte de malfeitores,
e também os praticantes da capoeiragem, no entan-
to, nem todo malfeitor era praticante e nem todo
praticante era malfeitor. No início do século, eram
chamados de cultores aqueles sujeitos da elite adep-
tos da prática da capoeiragem. Parte desse cultores
Figura 5 - Reportagem de “A Careta” de 29 de maio de 1909
entendia a iniciativa de esportivização da capoeira- Fonte: A Careta (1909, on-line)2.
gem como a única forma de redenção. São muitos os
defensores desta proposta, nomes de peso da épo- Apesar da pugna entre Ciríaco e Miako trazer vi-
ca, como o deputado Coelho Neto, “Juca Paranhos, sibilidade à capoeira, em especial, no rol das artes
o Barão do Rio Branco (Parlamentar), Lite Ribeiro marciais, o processo de sistematização demoraria,
(Parlamentar) Luiz Murat (Jornalista e Parlamentar) aproximadamente, mais duas décadas, quando, em
Castro Soromento (Parlamentar) e outros” (PIRES, 1928, a obra Gynastica Nacional (capoeiragem) Me-
2010, p. 139). thodizada e Regrada, escrita por Annibal Burlama-
Em 1909, outro fato trouxe notoriedade à ca- qui, propõe uma metodologia não só de ensino, mas
poeira. Naquele ano, o estivador Ciríaco Francisco também de estruturação da capoeira com caráter
da Silva, de 38 anos, derrotou o lutador de jiu-jitsu desportivo, com regras bem definidas para o com-
Sada Miako. De acordo com Moura (2009, p. 127), bate. A obra é tida como um ponto de ruptura com
a vitória de Ciríaco sobre Miako “contribuiu deci- uma tradição social predominante, durante todo o
32
EDUCAÇÃO FÍSICA
século XIX, que vinculava o capoeira ao estereóti- Para que os anseios de ambos os mestres fossem
po do malandro e do vadio. Opondo-se diametral- efetivados, Reis (2000, p. 96) ressalta que:
mente a essa tradição social, Burlamaqui desponta
como “sportman”, como um capoeira desportista A capoeira teria que sair das ruas e limitar-se ao
espaço fechado das academias. Através da cria-
(PIRES, 2010). Neste mesmo sentido de ruptura,
ção de uma pedagogia para ensino da capoeira,
Araújo (1997) analisa a obra de Burlamaqui (1928) os dois mestres (principalmente Bimba) envi-
como um marco fundamental da transformação da daram esforços para ampliar o espectro social
capoeira em prática desportiva ao evidenciar os as- e étnico dos praticantes de capoeira, buscando
pectos positivos dessa manifestação até, então, mar- a adesão das classes médias e brancas da cidade
de Salvador.
ginalizada. Desta perspectiva, a capoeira se igualaria
a outros métodos gímnicos, lutas e desportos, mas,
sobretudo, ficava evidente “os benefícios de ordem Por meio do processo de retirada da capoeira das
física e moral advindos do desenvolvimento desta ruas e dos terreiros, onde era praticada às escondi-
manifestação corporal, sem, contudo, desconsiderar das, operou-se uma mudança na lógica da própria
a sua essência como uma prática de defesa pessoal” manifestação. A capoeira passou a ser vista não mais
(ARAÚJO, 1997, p. 208). como uma prática violenta, marginal e indisciplina-
O discurso de Burlamaqui (1928) apresenta a da. Foi, nesse contexto, que ela se consolidou como
pretensão de elevar a capoeira ao consagrado mun- uma prática corporal utilitária, destinada “para fins
do dos esportes atribuindo-lhe, então, regras bem pacíficos, voltados apenas para preservação da in-
definidas. Entretanto, a despeito dessas iniciativas tegridade física de seus iniciados, como também
de legitimação serem advindas do cenário carioca, para o ensino da educação física de caráter técnico
ainda nas duas primeiras décadas do século XIX, foi e profissional” (ARAÚJO, 1997, p. 218). Aliás, me-
a partir do advento da capoeira regional que se deu rece destaque o fato de que, quando o mestre Bim-
a inserção da prática no rol das modalidades des- ba conseguiu o certificado de registro oficial para o
portivas brasileiras (VIEIRA, 1998). Nós teremos a funcionamento do Centro de Cultura Física e Ca-
oportunidade de entendermos a capoeira regional, poeira Regional, expedido em 1937, tal documento
quando falarmos dos estilos de capoeira, os quais se- lhe foi conferido pela Secretária de Educação, Saúde
rão apresentados na unidade seguinte. Por ora, bas- e Assistência Pública da Bahia. Tal órgão qualificou
ta saber que o contexto baiano passou, a partir da o “ensino de sua capoeira como ensino de Educação
década de 30, a irradiar hegemonicamente os pre- Física” (REGO, 1968, p. 282). O reconhecimento e o
ceitos de uma capoeira esporte, mas carregada de prestígio alcançados pelo mestre Bimba levaram-no
tradicionalidade. Destacaram-se, neste processo, os a demonstrar a sua capoeira regional ao dirigente
mestres Bimba e Pastinha, respectivamente, o cria- máximo da nação, naquela apresentação, em 1953,
dor da capoeira regional e o maior expoente da ca- que Araújo (1997) considerou como um momento
poeira angola. O discurso desses mestres, guardadas expressivo no que se refere ao reconhecimento e à
as devidas proporções, refletia a preocupação com a afirmação social da capoeira como prática desporti-
legitimação social da capoeira. va e como luta.
33
CAPOEIRA
A sua oficialização como manifestação despor- mos que seja pertinente à retomada de uma breve
tiva, no entanto, tramitaria entre as décadas de 60 reflexão. A ascensão social da capoeira se deu de
e 70. Dois congressos nacionais de capoeira foram forma tão efetiva que hoje é ensinada nas escolas
patrocinados e organizados pela Comissão de Des- e universidades, mas com que sentido? Quando
portos do Ministério da Aeronáutica, nos anos de abordada nas aulas de Educação Física, a capoeira
1968 e 1969, ambos na cidade do Rio de Janeiro. O é apresentada como esporte? E o que significa esta
objetivo desses congressos era discutir a institucio- classificação?
nalização dessa prática (FRIGERIO, 1989; ARAÚJO,
1997; REIS, 2000). Para Lyra Filho (1973), somente
por meio de sua institucionalização a capoeira teria
concretamente reconhecimento social.
O Conselho Diretor da
Confederação Brasileira de
Pugilismo, por meio de
uma comissão de mestres
e estudiosos da capoeira,
ficou responsável por ela-
borar um regulamento técnico
que permitisse enquadrar a capoeira
nos parâmetros competitivos. Em 26 de de-
zembro de 1972, foram homologadas as con-
clusões apresentadas pelo relator da comissão,
o general Jair Jordão Ramos (ARAÚJO,
1997), as quais passaram a vigorar em 1º
de janeiro de 1973 (CAMPOS, 2001).
Para Frigerio (1989), o desenvol-
vimento da capoeira como prática des-
portiva ocasionou diversas implicações tanto
para a prática quanto para a concepção da própria
manifestação. Sem a intenção de discutir profun-
damente tais transformações, basta que nos lem-
bremos do primeiro tópico desta unidade, no qual
discutimos as concepções de capoeira e vimos que
já são muitas: luta, jogo, dança... Pois é! Por conta
do processo de reestruturação, visando a sua re-
denção social, mais um foi incorporado. Pensa-
34
considerações finais
35
atividades de estudo
1. Ao longo desta unidade, nós tivemos a oportuni- 4. Quanto ao processo de criminalização da capo-
dade de refletir acerca da abordagem da capo- eira e dos seus praticantes, leia as afirmativas a
eira. Para tanto, questionamos-nos sobre a sua seguir.
definição. Nesse sentido, como podemos definir I - Grande parte dos praticantes seriam efe-
a capoeira? tivos capoeiras, deste modo, todos os ca-
poeiras eram efetivos praticantes desta
2. Disserte sobre as origens da capoeira.
manifestação.
3. No que se refere às discussões em torno das ori-
II - São designados “capoeiras” indivíduos que
gens da capoeira, assinale a alternativa correta:
promoviam ações criminosas que atenta-
a) A hipótese mais aceita, atualmente, é vam contra a integridade física e patrimo-
aquela que concebe a capoeira como uma nial dos cidadãos dos centros urbanos e
manifestação criada na África e trazida in- das áreas de entorno.
tacta para o Brasil.
III - A oficial criminalização da capoeira, a par-
b) A hipótese mais aceita, atualmente, é tir de 1890, foi fruto da idealização de um
aquela que concebe a capoeira como um projeto modernizador do país para a re-
processo de encontro de culturas africa- cém-proclamada República.
nas em terras brasileiras.
IV - Grande parte dos seus praticantes seriam
c) A hipótese mais aceita, atualmente, é efetivos capoeiras, entretanto, nem todos
aquela que concebe a capoeira como uma os capoeiras podiam ser considerados
criação indígena que fora assimilada pelos efetivos praticantes dessa manifestação.
negros africanos.
É correto o que se afirma em:
d) A hipótese mais aceita, atualmente, é
a) I, apenas.
aquela que concebe a capoeira como des-
dobramento do n’golo, uma dança dos ín- b) I e II, apenas.
dios brasileiros.
c) II e III, apenas.
e) A hipótese mais aceita, atualmente, é
d) II, III e IV, apenas.
aquela que concebe a capoeira como des-
dobramento de lutas trazidas pelos imi- e) I, II, III, IV.
grantes europeus.
36
EDUCAÇÃO FÍSICA
5. Assinale Verdadeiro (V) ou Falso (F) quanto às in- primeiras décadas do século XIX, foi a partir do
formações referentes ao processo de ascensão advento da capoeira regional que se deu a sua
social da capoeira. inserção no rol das modalidades desportivas
( ) No século XIX, houve a intensificação da brasileiras.
repressão policial aos capoeiras e à capoeira- A sequência correta para a resposta da questão é:
gem como um todo, mas havia, no mesmo perí-
odo, um movimento de reabilitação da capoei- a) V, F, F, F, V.
ra encabeçado por alguns intelectuais, políticos
b) F, V, V, V, F.
e militares.
( ) No século XIX, houve a intensificação da re- c) F, V, F, F, F.
pressão policial aos capoeiras e à capoeiragem d) V, F, V, F, V.
como um todo, sem que houvesse nenhum tipo
de movimento de reabilitação. e) V, V, F, F, F.
( ) Uma das estratégias empregadas para a
reabilitação social da capoeira foi a de lhe confe-
rir um caráter desportivo e, neste contexto, uma
das primeiras iniciativas registradas foi a edição
do Guia do Capoeira ou Ginástica Brasileira como
a primeira tentativa de criar um método para o
seu ensino.
( ) Em 1909, o lutador japonês de jiu-jitsu Sada
Miako derrotou o capoeira Ciríaco Francisco da
Silva, fato que trouxe descrédito para a capoei-
ra, uma vez que esta não se mostrava eficiente
como luta.
( ) A despeito dessas iniciativas de legitima-
ção da capoeira como desporto nacional serem
advindas do cenário carioca, ainda, nas duas
37
LEITURA
COMPLEMENTAR
O excerto que segue foi retirado de uma pesquisa que quanto nos demais elementos constitutivos.
teve por objetivo investigar as representações sociais da Estes elementos nem sempre são expostos, e quando o
capoeira por parte de professores(as) de educação física são, o são de forma limitada. A música, que no univer-
e estudantes do ensino fundamental e médio. Peço que so da manifestação representa uma forma de comuni-
leiam esse texto tendo em mente as discussões que ti- cação, transmitindo a história, os valores e as normas
vemos durante essa unidade. Mas, principalmente, pen- simbólicas da Capoeira, na escola quando é abordada é
sem como a capoeira tem sido abordada e representada de forma limitada, visto que cumpre apenas a função de
no contexto escolar e como vocês futuros profissionais embalar o jogo. Além do que os estudantes não acessam
de educação física irão lidar com tal cenário. Boa leitura. propriamente dito as cantigas, pois seu contato é media-
[...] As experiências analisadas evidenciaram alguns mo- do por equipamentos eletrônicos.
tivos para a abordagem da manifestação no ambiente A realização da roda de Capoeira é entendida pelos
escolar, dentre eles destacamos; imposição oficial via professores como a reunião dos alunos em círculo e a
planejamento curricular; datas comemorativas especi- realização dos gestos técnicos por alguns deles. Não
ficamente relacionadas à cultura negra; quando se faz consideram a execução dos toques pelos instrumentos
necessária a preparação dos estudantes para algum pro- característicos, tampouco o entoar das cantigas. Nesse
cesso avaliativo que a envolva de alguma forma. sentido, não há a realização da roda de Capoeira nas au-
Nossa hipótese não foi confirmada, pois as representa- las de Educação Física.
ções de Capoeira objetivadas pelos sujeitos participantes Levando-se em conta o que foi observado, concluímos
dessa pesquisa apresentam polifasia cognitiva. A mani- que a abordagem da Capoeira no contexto formal é in-
festação em questão, na perspectiva dos (as) professores consistente. Aspecto que se confirma no reconhecimen-
(as), é objetivada, predominantemente, enquanto luta, to por parte dos sujeitos das dificuldades enfrentadas
na perspectiva das crianças não praticantes a objetiva- por esses agentes ao tratarem da Capoeira nas aulas de
ção que predomina é da representação da Capoeira, en- Educação Física.
quanto um esporte, enquanto que as crianças pratican- Dentre as principais dificuldades destacamos àquela li-
tes objetivam-na como um jogo. O que constatamos na gada diretamente ao domínio da manifestação, o domí-
fala dos participantes foi o emprego de diversas repre- nio das especificidades da Capoeira é de ordem prática
sentações, concomitantemente, na tentativa de definir para todos os elementos constitutivos. Os responsáveis
a Capoeira, caracterizando-se num estado de polifasia pelas aulas não dominam os gestos técnicos próprios do
cognitiva. fenômeno. Não dominam a manipulação dos objetos,
A análise das representações do cotidiano das aulas por neste caso, os instrumentos característicos. Não domi-
parte dos participantes permitiu verificar que a aborda- nam a linguagem própria da Capoeira como o andamen-
gem da Capoeira ocorre com ênfase teórica em seus as- to dos jogos ou da própria roda. [...]
pectos históricos, sobremaneira ao período da escrava-
Fonte: Lima (2014).
tura. Existe uma defasagem quanto à abordagem prática
do fenômeno que se reflete tanto nos gestos técnicos,
38
material complementar
O que é Capoeira
Anande das Areias
Editora: da Tribo
Sinopse: capoeira é uma luta? Ou é uma dança? Quem sabe é briga, defesa pes-
soal, esporte, cultura, arte, folclore...? Capoeira é tudo isso e muito mais. Porém,
para compreendê-la e aceitá-la em seu todo e em sua diversidade como criação
do ser humano, é preciso que, livres de preconceitos e imagens preconcebidas,
conheçamos um pouco mais de sua história e de seu desenvolvimento.
39
referências
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2
41
gabarito
42
UNIDADE
II
VERTENTES E ESTILOS DE CAPOEIRA
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta
unidade:
• A capoeira Angola de mestre Pastinha
• A capoeira Regional de mestre Bimba
• Capoeira Contemporânea: uma tendência atual
Objetivos de Aprendizagem
• Apresentar as características básicas da capoeira Angola.
• Entender a estrutura da capoeira Regional.
• Identificar as características da capoeira Contemporânea.
unidade
II
INTRODUÇÃO
O
lá, prezado(a) aluno(a). Nós analisamos, na unidade anterior,
alguns aspectos referentes ao desenvolvimento histórico da
capoeira. Nesta segunda unidade, a nossa proposta é de um
reconhecimento desta prática corporal, a partir de suas for-
mas mais comuns de expressão. Assim, tomaremos conhecimento das
vertentes ou dos estilos que, atualmente, a têm caracterizado.
A capoeira é uma prática corporal cuja característica é a sua heteroge-
neidade, essa característica pode ser verificada não somente em seus esti-
los, mas, mesmo dentro de um mesmo estilo, há diferenças significativas.
Assim sendo, o universo dessa manifestação tem sido caracterizado ou
representado por diferentes formas de jogar, as quais se convencionou
chamar de estilos ou vertentes.
O campo de debates acerca dos estilos de capoeira é um espaço tenso,
de certa forma, visto que alguns autores reconhecem como estilo apenas
dois, outros não acreditam ser possível separar a capoeira em estilos, consi-
derando-a como uma só manifestação. O fato é que algumas formas ganha-
ram notoriedade e passaram a ser consideradas como estilos ou vertentes.
Trataremos, nesta unidade, dos estilos de capoeira Angola, tido por
alguns autores como o estilo mais tradicional; a capoeira Regional, criada
nas primeiras décadas do século XX e, por fim, a capoeira Contemporânea,
expressão utilizada em referência à sua configuração atual. Ao abordamos
tais estilos, o faremos apresentando, dentro de nossas limitações, a sua his-
tória e a sua estrutura característica, bem como os seus representantes.
Uma questão que pensamos importante para a nossa reflexão é:
quando abordarmos a capoeira nas aulas de Educação Física no contexto
escolar ou em outros espaços, o quanto conhecimento ou o desconheci-
mento da existência de diferentes formas de jogar a capoeira impactará
a vivência dos(as) nossos(as) aluno(as)? Ou seja, é importante ou não
faz diferença alguma para eles saberem que existem diferentes formas e
possibilidades de jogar capoeira?
CAPOEIRA
A Capoeira Angola de
Mestre Pastinha
Olá, caro(a) aluno(a). Ao iniciar as nossas discus- A capoeira Angola é comumente apresentada
sões sobre as diferentes formas de jogar capoeira, como a capoeira “mãe”, “tradicional”, descendente
aqui abordadas como estilos, você perceberá que direta da herança africana. Tais adjetivos são em-
determinamos um tópico para cada estilo que nos pregados sobretudo para diferenciá-la dos demais
propomos a apresentar. Entretanto, esta separação estilos, especialmente, da capoeira Regional. É com
se deu apenas como estratégia pedagógica, no uni- este intuito que José Luiz de Oliveira Cruz, o mestre
verso da capoeira, esses estilos têm as suas histórias Bola Sete, em seu livro Capoeira Angola na Bahia
e o seu desenvolvimento intimamente relaciona- (1997), ao se referir à capoeira Regional, afirma que
dos, de modo que, ao tratarmos de um, será prati- “tudo foi criado a partir do estilo original de Ango-
camente impossível não mencionarmos os demais. la” (CRUZ, 1997, p. 20).
Comecemos a nossa conversa, falando sobre a ca-
poeira Angola.
48
EDUCAÇÃO FÍSICA
49
CAPOEIRA
Bem, caro(a) aluno(a), pensamos que já ficou evi- Quanto aos golpes da capoeira Angola, o mestre
dente a importância do mestre Pastinha para a ca- explica que eles são em número relativamente pe-
poeira e, especialmente, para a capoeira Angola. queno quando comparados a outras modalidades de
Doravante, após nos familiarizarmos com a figura luta, o que não a torna menos agressiva. Os princi-
do mestre, conheceremos um pouco de suas contri- pais golpes da capoeira Angola são, de acordo com
buições para a capoeira, ou seja, conheceremos um Pastinha (1988): cabeçada, rasteira, rabo de arraia,
pouco da capoeira Angola de Pastinha. Em relação chapa de frente, chapa de costas, meia lua e cutilada
à utilização deste termo, por mais que seja atribuída de mão. Mestre Bola Sete, a partir da observação dos
à capoeira Angola o título de “capoeira mãe”, “a ca- movimentos utilizados em escolas de capoeira An-
poeira Angola, assim como a [...] Regional, também gola, destacou alguns movimentos básicos. Assim os
surgiu de um movimento de ruptura entre pratican- classifica pois considera que, a partir desses, outros
tes na cidade de São Salvador” (PIRES, 2002, p. 62). são derivados, gerando um sem número de golpes
Assim, naquele período, preocupados sobrema- de capoeira.
neira com as questões ligadas à aceitação social da Não se preocupe com a quantidade dos golpes,
capoeira, alguns mestres da época implementaram as pois, em um jogo, é bastante comum que os joga-
suas concepções. Também é importante dizer que os dores se valham da liberdade de criação e, sem des-
praticantes não estavam organizados em um grupo respeitarem as regras e limitações, criem “golpes de
coeso, e mesmo dentro daquilo que se convencionou ataque e de defesa conforme seja o caso, que nunca
chamar de capoeira Angola, havia várias tendências, foram previstos e sem nome específico, e que após o
visto a própria liberdade de criação dentro do univer- jogo ele próprio não se lembra mais o tipo de expe-
so da manifestação. Isto não significa que existiam vá- diente que improvisou” (REGO, 1968, p. 34). Esta é
rias capoeiras, apenas formas particulares de jogá-la. uma constatação que podemos aproveitar para refle-
Assim, sigamos com a capoeira Angola de Pas- tirmos sobre a nossa futura prática profissional.
tinha. Uma das suas características fundamentais é
a malícia. Mas, o que é essa tal malícia? De acor-
do com o próprio Pastinha (1988), é a conduta do REFLITA
capoeirista que, dentro do jogo, faz uso de diversos
artifícios para enganar e distrair o outro jogador. Vimos que o capoeira é livre para improvisar
Para tanto, “pula para um lado e para outro. Deita- os seus movimentos durante um jogo, neste
-se e levanta-se. Avança e recua. Finge que não está sentido, como podemos estimular nossos(as)
alunos(as) a explorarem essa liberdade du-
vendo o adversário para atraí-lo. Gira para todos os rante a abordagem da capoeira?
lados e se contorce numa ‘ginga’ maliciosa e descon-
certante” (PASTINHA, 1988, p. 27). O jogo, então,
transcorre sem pressa, os jogadores vão criando as
possibilidades de aplicação efetiva de seus golpes.
50
EDUCAÇÃO FÍSICA
Quando abordarmos a capoeira nas aulas de Edu- Seguindo para os encaminhamentos finais des-
cação Física ou em qualquer outro espaço, podemos se tópico, pensamos que seja válida uma síntese das
fazê-lo a partir de, pelo menos, duas perspectivas: análises realizadas por Reis (2000). A autora consi-
uma nos moldes convencionais, cujo(a) professor(a) dera que a capoeira Angola pode ser caracterizada,
demonstra e os(as) aluno(as) copiam, reproduzin- pelo menos no que se refere aos movimentos cor-
do aquilo que lhes foi demonstrado; ou podemos, a porais, como um estilo cujo jogo é mais lento e se
partir do reconhecimento da liberdade de expressão dá mais próximo ao chão, com uma ginga baixa e
corporal como uma das características da capoeira, dançada, com uma postura mais defensiva, pouco
permitir que nossos(as) alunos(as) criem e movi- ou quase nenhum contato corporal e predomínio do
mentem-se livremente. elemento lúdico, assim como certo aspecto de tea-
Esta espontaneidade na criação de movimento tralidade.
está intimamente ligada à composição do “conjun- É preciso que lembremos que as considerações
to musical ou ritmos da capoeira”, o qual propor- apresentadas, aqui, referem-se a uma concepção
ciona ao jogo “graça, ternura, encanto e misticismo específica de capoeira Angola, ou seja, aquela es-
que bole com a alma dos capoeiristas” (PASTINHA, truturada por mestre Pastinha. No entanto, mui-
1988, p. 29). O conjunto musical que, atualmente, é tos outros mestres, contemporâneos de Pastinha,
conhecido como “bateria” ou mesmo “orquestra”, tem assim como ele, também empreenderam trans-
a finalidade de determinar o andamento do ritmo do formações à capoeira da época. O que findou por
jogo. Os instrumentos apresentados por Pastinha conferir certa distinção a tal manifestação. Mestres
como componentes de seu conjunto são: berimbaus, como Waldemar, Canjiquinha, Caiçara, Cobrinha
pandeiros, reco-reco, agogô, atabaque e chocalho. verde e tantos outros jogaram e ensinaram uma
As cantigas representam outro elemento caracte- capoeira que, apesar de ser denominada “Ango-
rístico da capoeira Angola. Para Pastinha (1988, p. la”, apresentava características ímpares. Mas esta é
31), estas são demonstrações genuinamente popula- uma questão, caro(a) aluno(a), para uma conver-
res que traduzem “em seus versos os sentidos da alma sa demasiadamente longa, da qual teríamos muito
dos capoeiristas e do povo”. Via de regra, a roda de prazer em participar, mas que devemos deixar para
capoeira Angola se inicia com uma ladainha, seguida outra ocasião.
por uma chula ou louvação e, na sequência, iniciam- Tendo abordado, neste tópico, questões referen-
-se os corridos. Não se preocupe, por ora, com estas tes à capoeira Angola, preparemo-nos para o próxi-
denominações, pois, na Unidade 4, onde trataremos mo, no qual discutiremos a capoeira Regional. Espe-
dos instrumentos e das cantigas, nós discutiremos ro contar com sua companhia. Até lá!
detalhadamente a definição e a estrutura desses tipos
de cantigas característicos da capoeira Angola.
51
CAPOEIRA
A Capoeira Regional de
Mestre Bimba
Olá, caro(a) aluno(a). Nós estamos, nesta Unidade te do estilo por alguns e como criador por outros. O
2, tratando dos estilos de capoeira ou do conjunto argumento que considera o mestre Pastinha como
de elementos e princípios que norteiam a forma de criador daquilo que hoje predomina como capoeira
expressar e jogar capoeira. No universo cultural da Angola se deu a partir da contextualização do perí-
capoeira, usualmente, falamos de dois estilos bem odo em que viveram o mestre e os seus contempo-
consolidados, a Angola, que tratamos no tópico an- râneos. Um período em que a capoeira lutava para
terior, e a Regional, que abordaremos neste tópico, se afirmar socialmente por meio das ações de seus
além de um terceiro que ora é tratado como estilo, agentes culturais, dentre os quais, o mestre Pastinha.
ora não, mas que é inegável não ser nem Angola e Pois bem, continuaremos, considerando o con-
nem Regional. No tópico anterior, nós fizemos con- texto de transformações às quais a capoeira foi
tato com as características básicas da capoeira Ango- submetida, para, depois, entendermos a estrutura
la. Ao longo da leitura, nos deparamos com a figura da capoeira Regional, um estilo criado pelo Mes-
do mestre Pastinha, apontado como grande expoen- tre Bimba. Comecemos, então, com uma definição
52
EDUCAÇÃO FÍSICA
apresentada no Dicionário de Capoeira (2005). No endidas por ele. Transformações essas que se deram,
verbete capoeira Regional, Lima (2005, p. 72) nos basicamente, a partir da necessidade de afirmação
explica que é um “estilo de capoeira sistematizado da capoeira como uma luta, e uma luta eficiente. De
pelo mestre baiano Manoel dos Reis Machado, onde acordo com Campos (2009), o que teria motivado a
os movimentos são mais rápidos com a introdução criação da Regional teria sido o descontentamento
de golpes de outras lutas”. O nome de Manoel dos do mestre Bimba com a forma folclorizada de capo-
Reis Machado não nos é estranho, já tomamos co- eira que era praticada à época.
nhecimento dele quando tratamos, no tópico 4 da Mestre Atenilo, outro discípulo de Bimba, afir-
Unidade 1, da ascensão social da capoeira. mou, em entrevista concedida à Almeida (1991),
Manoel dos Reis Machado, o mestre Bimba, nas- que mestre Bimba procurou o apoio de seus colegas
ceu em 23 de novembro de 1900 (SANTOS, 1996; capoeiras para reverter a situação na qual se encon-
ALMEIDA, 2005; CAMPOS, 2009). Há, entretanto, trava a capoeira e, em certa ocasião, chegou a reu-
outros autores que divergem quanto ao ano de nas- nir-se com alguns capoeiras em uma de suas casas,
cimento, que seria 1899 (PIRES, 2002; ABIB, 2013; onde teria dito:
MOURA, 2017). Filho de Luís Cândido Machado,
um afamado campeão de batuque, e de Maria Mar- Olha, nós temos lutador de judô, boxeur, luta-
dor de karatê, jiujitsu, lutador de luta livre, se
tinha do Bonfim. O seu nascimento se deu no bairro
nós ficar com essa capoeira angola quando pas-
do Engenho Velho de Brotas, antiga freguesia de Bro- sar na rua vão dizer: olhe, discípulo de fulano
tas, na cidade de Salvador, Bahia (CAMPOS, 2009). tomou tapa na rua, é discípulo de beltrano pi-
No que se refere à vida e à obra de mestre Bimba, sado (sic) (ALMEIDA, 1991, p. 20).
no universo da capoeira, podemos encontrar uma
síntese na obra Mestre Bimba: uma crônica da capo- Se por um lado, o mestre Bimba operou transfor-
eiragem (1991), cujo autor foi um de seus discípulos, mações na capoeira da época, atribuindo-lhe carac-
Jair Moura. No trecho que segue, o mestre relata, terísticas mais belicosas, por outro, operou trans-
entre outros fatos, com quem aprendeu a capoeira. formações quanto ao tipo social do praticante de
capoeira. No período em que o mestre viveu, a ca-
Desde 1918, que ensino capoeiragem. Adaptei poeira ainda era alvo de perseguição e, sobretudo,
vários golpes à “capoeira” praticada por um
de discriminação por resquícios herdados do século
descendente da raça africana, de nome Nozi-
nho Bento, mais conhecido por Bentinho, que XIX, quando seus praticantes eram tidos como mar-
muito se destacou neste setor, pela sua extra- ginais. Para Pires (2002), mestre Bimba representou
ordinária habilidade e cujas demonstrações um elo entre o passado e o presente, entre as gera-
foram por mim observadas atentamente. Assi- ções de capoeira na passagem do século XIX para
milei e difundi os seus proveitos ensinamentos,
o XX, mas, sobretudo, como um elo entre classes.
adotando, em parte, a sua orientação (MOU-
RA, 1991, p. 23). Basta que observemos que grande parte dos alunos
da capoeira criada por ele era oriunda da classe mais
Note que a narrativa do mestre Bimba registrada abastada economicamente.
por Moura (1991) indica as transformações empre-
53
CAPOEIRA
54
EDUCAÇÃO FÍSICA
Bem, vejamos como a postura do mestre Bimba e a cintura desprezada, batizado, roda, esquenta-banho,
expansão da sua capoeira Regional pela classe média formatura, jogo de iúna, curso de especialização e to-
soteropolitana foram percebidas pelos demais mes- ques de berimbau” (CAMPOS, 2009, p. 54). Dentre
tres de capoeira. O mestre Noronha, um dos grandes estes elementos, talvez a sequência de ensino tenha
nomes da capoeira, no que se refere à preservação sido o elemento que mais revolucionou a capoeira
da sua memória, na Bahia, e tido como “[...] severo por modificar radicalmente a forma de docência. O
crítico dos capoeiras que não se dedicavam a conhe- que se sabe sobre o processo de ensino-aprendiza-
cer melhor sua arte” (ABIB, 2013, p. 117), foi um gem da capoeira dos antigos mestres é que se dava
desses contemporâneos de mestre Bimba. O mestre de forma assistemática, ou seja, sem uma sequência
Noronha registrou em seu ABC da Capoeira Ango- lógica ou progressiva. Os velhos mestres como Wal-
la: os manuscritos do mestre Noronha, o seu contato demar, Canjiquinha e o próprio Bimba denomina-
com Bimba, com quem jogava quando este ainda vam essa forma de ensino-aprendizagem de “oitiva”
residia no morro do Bogum. Afirma, ainda, conhe- (ABREU, 2003).
cê-lo desde o tempo em que Bimba trabalhava como Para entendermos melhor a relevância da cria-
operador de carretão. Entretanto, após a criação da ção de mestre Bimba, enquanto um método didati-
Regional, a situação entre eles parece ter mudado. camente articulado, acompanhemos o depoimento
de Waldemar Rodrigues da Paixão sobre como se
Só depos [Bimba] mudou-se para outro lugar deu o seu aprendizado na capoeira.
que formou uma roda de capoeira Regional
na Pedra da marqua AV Vasco da Goma e nos
Eles [os mestres] vinham para Periperi, aquela
desprezor. nos fomo que disprezor ele. Porque
roda danada. Foi quando eu peguei a apren-
noso conjunto é conhecido. Porque o meios
der com eles. Eu era rapazinho. Comprava du-
que ele estava hera meio de rico i depois ficou
zentos réis de vinho tinto, aquele copo branco
pobre (sic) (COUTINHO, 1993, p. 52).
de alça, ele tomava e dizia: ‘pegue na boca da
minha calça!’ Eu levava pra pegar na boca da
A eficiência, enquanto luta, e as características atlé- calça dele e ele virava aquela cambalhota des-
graçada e já cobria [com] o rabo de arraia.
ticas da capoeira Regional foram amplamente di-
Quando eu ia levantando ele dizia: ‘não levante
vulgadas, por meio das apresentações artísticas e não, vai outro!’ Os alunos deles jogavam com a
da participação em lutas de ringue (ABREU, 1999). gente como que [se] a gente já era [fosse] bom
Esta estratégia vigorou até a década de 40, quando (ABREU, 2003, p. 16).
foi abandonada. Ao final daquela década, Bimba já
havia liderado um movimento de “academização da O próprio mestre Waldemar conservou o seu en-
capoeira” (PIRES, 2002). sino de forma muito próxima ao seu aprendizado,
O processo desenvolvido pelo mestre Bimba, na com poucas variações, uma vez que “ensinava na
concepção da capoeira Regional, resultou em uma roda, mas tinha os dias de treino. Eles estavam jo-
estrutura organizacional muito distinta da capoeira gando e eu fazia sinal pra fazer tesoura, fazia si-
de seu tempo, e é composta por “exame de admissão, nal pra chibatear, fazia sinal pro outro abaixar”
sequência de ensino de Mestre Bimba, sequência da (ABREU, 2003, p. 20).
55
CAPOEIRA
O mestre Bimba é celebrado por ter criado “o pri- de situações de jogos simulados, desde as mais sim-
meiro método de ensino da capoeira, que consta de uma ples até as mais complexas. Nos dizeres de Almeida
sequência lógica de movimentos de ataque, de defesa e (1994), mestre Bimba em sua genialidade, concebeu
contra-ataque” (CAMPOS, 2009, p. 55). O que diferen- um método capaz de proporcionar aos alunos uma
cia o método de Bimba é o processo progressivo, que consciência da imprescindível necessidade de jogar
considera a possibilidade de ensino aos praticantes que com os elementos essenciais da capoeira, quais se-
se encontram em diferentes estágios de conhecimento jam: os golpes, as defesas e contragolpes.
da capoeira. A sequência é composta por oito partes, Campos (2009) nos explica que a sequência de
que englobam os movimentos fundamentais da capo- ensino do mestre Bimba, na prática cotidiana do Cen-
eira Regional, os quais são combinados em situações tro de Cultura Física Regional, era aplicada em uma
que simulam o jogo propriamente dito. Nessa situação, versão simplificada, indicada para aqueles alunos
o aluno aprende de forma segura e, após se apropriar iniciantes, e uma versão completa, executada pelos
de algum conhecimento, realiza um jogo. Situação bem alunos formados. Via de regra, a versão completa era
diferente daquela narrada pelo mestre Waldemar. mais utilizada no curso de especialização, em função
A progressão pedagógica fica evidente na sequ- da demanda técnica e física. Acompanhemos, a seguir,
ência de ensino do mestre Bimba, uma vez que parte a sequência de ensino simplificada do mestre Bimba.
56
EDUCAÇÃO FÍSICA
2ª SEQUÊNCIA – QUEIXADA
ALUNO A ALUNO B
Queixada, perna direita. Defende com cocorinha.
Defende com cocorinha, contra-ataca com
Queixada, perna esquerda.
armada, perna direita.
MOVIMENTOS
Defende com cocorinha e contra-ataca com
Defende com negativa, perna direita.
bênção, perna direita.
Sai de aú. Aplica a cabeçada.
Defende com rolê.
Fonte: Adaptado de Campos (2003).
57
CAPOEIRA
3ª SEQUÊNCIA – MARTELO
ALUNO A ALUNO B
Martelo, perna direita. Defende com esquiva e palma.
Martelo, perna esquerda. Contra-ataca com armada, perna direita.
MOVIMENTOS Defende com cocorinha e contra-ataca
Defende com negativa.
com bênção.
Sai de aú. Aplica a cabeçada.
Defende com rolê.
Fonte: adaptado de Campos (2003).
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EDUCAÇÃO FÍSICA
59
CAPOEIRA
60
EDUCAÇÃO FÍSICA
7ª SEQUÊNCIA – ARMADA
ALUNO A ALUNO B
Defende com cocorinha. Contra-ataca com
Armada, perna direita.
armada, perna direita.
MOVIMENTOS Defende com cocorinha. Contra-ataca com
Defende com negativa, perna direita.
benção, perna direita.
Sai de aú. Aplica a cabeçada.
Defende com rolê.
Fonte: adaptado de Campos (2003).
61
CAPOEIRA
62
EDUCAÇÃO FÍSICA
Se a capoeira Angola tem seu jogo caracterizado pela nos demais estilos, as cantigas na capoeira Regional
malícia, como vimos no tópico anterior, a capoeira extrapolam a função de animar a roda. Elas assumem
Regional tem o seu jogo caracterizado por uma plas- o papel de registrar e preservar os fatos cotidianos
ticidade corporal muito própria. Os golpes são bem que envolvem e envolveram a capoeira e os seus pra-
definidos tecnicamente, executados, via de regra, ticantes ao longo de sua história, registrando e enal-
com as pernas estendidas, que projetam movimen- tecendo as suas façanhas, bravuras e desventuras em
tos mais amplos. Predomina, na capoeira Regional, períodos e contextos percebidos de forma ímpar,
o jogo alto, rápido e objetivo (CAMPOS, 2009). muito particular, por aqueles que os vivenciaram.
Quanto aos golpes que compõem o repertório Finalizamos este tópico, reconhecendo o mérito
geral da capoeira Regional, é preciso que nos lem- de mestre Bimba que, com pouca instrução formal,
bremos do caráter dinâmico da capoeira, no que se foi capaz de fazer uma leitura do seu tempo, de uma
refere aos seus movimentos, como já abordamos sociedade em transição e operar modificações em sua
em tópico anterior. Santos (1996) nos auxilia nessa arte, até então marginalizada. Reconheçamos o cará-
questão ao afirmar que, entre os anos de 1946 e 1949, ter revolucionário de mestre Bimba e os impactos de
período em que conviveu, diariamente, com o mestre suas ações. Conhecer a história e, principalmente, a
Bimba como seu discípulo, o repertório da capoeira obra, tanto do mestre Bimba quanto do mestre Pas-
Regional contava com 45 golpes. Em 1966, o autor tinha, enquanto expoentes da capoeira, auxiliar-nos-
afirma ter tomado conhecimento de 52 golpes. Cam- -á a compreender melhor a prática que se apresenta
pos (2009), apesar de não nos apresentar números, atualmente. Convido-lhe, caro(a) aluno(a), à leitura
demonstra classificação e nomenclatura próprias da do próximo tópico, no qual discorreremos acerca da
Regional. Explica-nos o autor que os movimentos ca- capoeira Contemporânea. Até breve!
racterísticos dessa capoeira são divididos em: “fun-
damentais, básicos, traumatizantes, desequilibrantes,
de projeção e ligados” (CAMPOS, 2009, p. 63).
Como elemento característico da capoeira, a mu-
sicalidade também se faz presente no estilo Regional.
Compõe o seu repertório musical as quadras, a lou-
vação e os corridos (CAMPOS, 2009). Assim como
63
CAPOEIRA
Capoeira Contemporânea:
uma Tendência Atual
Olá, caro(a) aluno(a). Com o intuito de conhecermos nal, fruto das ações de Manoel dos Reis Machado, o
as diferentes formas de organizar e mesmo de jogar a mestre Bimba, que, nas primeiras décadas do século
capoeira, apresentamos, nesta unidade, os estilos ou XX, descontente com a forma folclorizada apresenta-
vertentes de capoeira. Tradicionalmente, essa mani- da pela capoeira à época, criou uma nova estrutura.
festação tem sido polarizada entre os estilos Angola Ambos os estilos apresentados refletiram as
e Regional. O primeiro estilo tem como seu grande demandas sociais de um período, cuja resposta da
guardião e representante Vicente Ferreira Pastinha, capoeira, por intermédio, sobretudo, de Bimba e
o mestre Pastinha. Tomamos conhecimento, no pri- Pastinha, foi as transformações nos seus códigos,
meiro tópico, de argumentos que asseveram que a tanto estruturais quanto sociais. Tais transforma-
capoeira Angola praticada atualmente é descendente ções aproximaram a capoeira da estrutura esportiva,
das formulações empregadas por esse mestre. No se- tornando-a, assim, mais palatável para a sociedade
gundo tópico, nos deparamos com a capoeira Regio- daquela época.
64
EDUCAÇÃO FÍSICA
Esta retomada de ideias servirá para que nos Comecemos pela terminologia capoeira Contem-
lembremos de que a capoeira, como uma constru- porânea que, mesmo não sendo uma expressão
ção humana, portanto, social, cultural e histórica, é consensual, tem predominado, atualmente, no
dinâmica. Ou seja, é imperativo saber que a capoei- universo cultural da capoeira. Grosso modo, este
ra jogada atualmente nem sempre apresentou essa termo tem sido utilizado para designar uma forma
estrutura, esta codificação. Tal dinamicidade, em de jogar que não pode ser identificada nem como
termos pedagógicos, gera um problema, pois não Angola e nem como Regional, mas que, ao mesmo
temos como apresentar definições e tampouco con- tempo, apresenta características tanto da capoeira
ceitos precisos, inequívocos. Trataremos, então, de Angola quanto da capoeira Regional. Parece confu-
apresentar termos, expressões e estruturas mais usu- so? Não se preocupe, pois essa é uma questão que
ais, atualmente, no universo cultural da capoeira. tem sido amplamente debatida entre os pratican-
tes. Questiona-se, por exemplo, se a forma como
SAIBA MAIS a capoeira se apresenta pode ser considerada um
estilo. Os posicionamentos são diversificados, uns
Além dos estilos apresentados nesta unida- defendem ser Contemporânea um estilo, uma for-
de, tem se verificado a ocorrência de outras ma de evolução quase natural da própria manifes-
derivações de capoeira. Entre elas, podemos tação, que atende às demandas atuais, outros, mais
citar: capojitsu, aerocapoeira, hidrocapoeira,
capoeira-barravento, soma-capoeira, capoeira ortodoxos, concebem a existência de apenas dois
de Cristo, zen-capoeira, capoeira-miudinha, estilos, Angola e Regional.
capoeira-dancing, capoeira-gospel, capoeira Para ilustrar como o debate tem ocorrido a esse
arte-luta, capoeira evangélica, capoterapia,
capoeira workout e etc. respeito, citamos a primeira Jornada Cultural de Ca-
poeira, realizada em 1987, na cidade de Ouro Pre-
Fonte: Falcão (2010) e Lima (2005).
to-MG. Este evento reuniu muitos mestres de capo-
eira de diferentes gerações e estilos. Um dos temas
debatidos foi justamente os estilos. Vejamos como
Ezequiel Martins Marinho, o mestre Ezequiel, re-
presentante da capoeira Regional, se expressou, por
meio de uma cantiga que, na ocasião, ele intitulou
“Protesto”, quanto à forma como a capoeira estava
sendo jogada.
65
CAPOEIRA
66
EDUCAÇÃO FÍSICA
Nas minhas reflexões, consegui enxergar dois Angola e da Regional. Tal fato demonstra como os
caminhos: um era de fazer uma opção entre a estilos se articularam.
capoeira Angola e a Regional; o outro era de Em matéria intitulada “São Paulo: meio século
continuar praticando as duas. Optei pelo se-
de capoeira”, veiculada na Revista Capoeira, Antô-
gundo caminho, mas procurei pesquisar bas-
tante para entender ao máximo e de forma nio Cardoso Andrade, o mestre Brasília, ao se referir
inteira e consciente as duas linhas de capoeira àquele período, relembra que, individualmente, os
(DIAS, 1995, p. 46). estilos consagrados “não vingaram, nem a Angola
nem a Regional. Alguns mestres jogavam a Angola
Este processo de miscigenação da capoeira, ou seja, (Limão, Silvestre e eu) e outros a Regional (Ayrton,
uma forma híbrida de jogar se valendo dos dois es- Suassuna e Paulo Gomes). Daí saiu uma capoeira
tilos já consagrados se deu entre duas e três décadas que não é uma coisa nem outra. Ficou diferente”
antes do período ao qual Dias (1995) se refere, mas o (FERREIRA, 1999, p. 27). Para Reis (2000, p. 132),
seu depoimento revela uma situação pela qual mui- “com a abertura da Cordão de Ouro em terras pau-
tos capoeiras passaram. listanas, assistimos ao impensável na Bahia: dois
mestres, um formado na Angola e outro na Regio-
nal, abrirem juntos uma academia que se tornaria
um lugar de comunhão da capoeira”.
Esta confluência entre os estilos parece ter sido
uma tendência da capoeira a partir de então. No
mesmo período, porém, no contexto carioca, ini-
ciou-se um movimento parecido, desencadeado
por outras vias, é bem verdade. Um grupo de jovens
oriundos da classe média alta se juntou para treinar
a capoeira. Gil Clementino Cavalcanti de Albuquer-
que Filho, o mestre Gil Velho, um dos membros da-
quele grupo de jovens, que viria a se tornar um dos
grupos mais conhecidos e influentes, revela a Nestor
Retomemos as características do contexto paulis- Capoeira (1992) detalhes daquele período. “Nessa
tano, no qual muitos capoeiras baianos foram sub- época [1964], havia uns dez adolescentes treinando
metidos a dificuldades nas décadas de 60 e 70. Tal no terraço do Rafa [Mestre Rafael Flores]. Não ha-
contexto parece ter possibilitado o convívio até certo via professor, o aprendizado era orgânico e intuitivo:
ponto harmonioso entre praticantes da Angola e da uns iam aprendendo o pouco que os outros sabiam”
Regional. Podemos verificar tal situação representa- (CAPOEIRA, 1992, p. 94). O grupo de rapazes apre-
da na abertura, por volta de 1967, da academia Cor- sentou-se pela primeira vez, em 1966, com a desig-
dão de Ouro. O que há de importante na abertura nação de grupo Senzala. A menção ao grupo é re-
da referida academia é o fato dos mestres Brasília e levante, pois os seus integrantes à época, conforme
Suassuna serem, respectivamente, representantes da o trabalho foi desenvolvido, seguiam a linha da ca-
67
CAPOEIRA
poeira Regional. Entretanto, como lembra Fernando Angola ou Regional. Logo ao final da fala do mes-
Clementino Cavalcanti de Albuquerque, o mestre tre Ezequiel, José Tadeu Carneiro Cardoso, o mestre
Gato, em função das experiências do grupo, tanto Camisa, pediu a palavra e passou a argumentar, por
os conhecimentos da Regional quanto os da Angola se sentir representante deste novo modo de jogar
eram vivenciados pelos integrantes do grupo. capoeira. Em seus argumentos, o mestre Camisa
utilizou a expressão capoeira Contemporânea para
Sentindo falta do conhecimento dos funda- referir-se à concepção de prática que defendia, pra-
mentos, procuramos (na década de 60) contato
ticava e ensinava. Ao explicar para os presentes o
com as raízes na Bahia durante as férias, parti-
cipando de rodas tradicionais como a do finado trabalho que desenvolvia e, registre-se, que ainda
Valdemar da Liberdade, mestre Bimba, mestre desenvolve, o mestre afirmou: “eu não ensino ca-
Pastinha, mestre Popó de Santo Amaro. De vol- poeira Angola e nem ensino capoeira Regional [...]
ta ao Rio de Janeiro, procuramos discutir expe- muitos dizem que eu jogo as duas. Eu jogo capoeira”.
riências, os conhecimentos adquiridos e tenta-
Este parece ser o argumento predominante, a ideia
mos implementar aquelas vivências na roda do
grupo Senzala (CAPOEIRA, 1992, p. 47). de que apesar de existirem diferentes formas de jo-
gar, a capoeira é uma só. Ou seja, uma manifestação
O que eu gostaria que você percebesse, prezado(a) que pode ser jogada de várias maneiras, mas a sua
aluno(a), é que a partir das décadas de 60 e 70, por essência é uma só.
diversos motivos, a polarização entre Angola e Re-
gional, característica no contexto baiano, perdeu
força em outros contextos. O que se viu foi um pro- REFLITA
cesso de miscigenação da capoeira, em que ambos
os estilos passaram a ser praticados em ambientes Será que a existência de diferentes estilos,
comuns, por frequentadores de uma mesma acade- vertentes, escolas ou grupos, enfim, de dife-
mia, por integrantes de um mesmo grupo. Entretan- rentes formas de jogar capoeira, pode gerar
algum tipo de disputa entre os seus pratican-
to, não devemos concluir, com isso, que os capoeiras tes? Como podemos lidar com essas questões,
contemporâneos jogam Angola exatamente como no ambiente escolar, ou em outros espaços,
jogam os angoleiros, tampouco jogam Regional onde a capoeira é ensinada?
68
EDUCAÇÃO FÍSICA
os elementos de ambos em sua estrutura. A gestua- Por ora, prezado(a) aluno(a), não nos deteremos
lidade que predomina nesse estilo parece desenvol- nas cantigas ou mesmo nos instrumentos, pois estes
vida a partir da capoeira Regional. Os movimentos serão expostos detalhadamente na Unidade 4 deste
são vigorosos, atléticos, bem definidos, executados livro, de modo que fique claro quais são os princi-
a partir de uma técnica bastante apurada, obtida à pais instrumentos e cantigas de cada estilo.
custa de muito treino. Registra-se a presença signi- Para finalizarmos este tópico referente à capoei-
ficativa dos movimentos acrobáticos, dos floreios. ra Contemporânea, pensamos ser importante uma
Tais movimentos talvez sejam resquícios dos gru- ponderação sobre a estrutura organizacional da ca-
pos folclóricos que, nas décadas de 1960 e 1970, poeira atual. Nós vimos que, a partir das décadas de
eram compostos, em sua maioria, por capoeiras, o 60 e 70, grupos de praticantes de capoeira come-
que tornava a prática o elemento central nos shows. çaram a se organizar. Este processo se intensificou
Campos (1995), que compôs um grupo folclórico a partir da década de 80, quando houve um movi-
naquele período, relembra: mento em nível nacional de expansão dos grandes
grupos de capoeira. Este processo alterou significa-
Entendíamos que para o espetáculo ficar mais tivamente a relação mestre-aluno. O aluno, que ou-
emocionante, necessitávamos de algo que pro-
trora se identificava diretamente com o seu mestre e
duzisse uma sensação de estranheza e coreo-
graficamente fosse belo, desta forma, impres- era reconhecido com tal, atualmente identifica-se e
sionando os espectadores. Por esse motivo, é mais facilmente reconhecido pelo grupo do qual é
lançávamos mão de movimentos plásticos e de integrante (LUNA; MARQUES; VIEIRA, 2015).
coreografias de maior efeito para o público [...] Isso não significa, entretanto, que o mestre tenha
(CAMPOS, 1995, p. 60).
perdido espaço ou valorização, afinal, os grupos, via
de regra, representam justamente a perspectiva que
Quanto à roda de capoeira Contemporânea, acredi- o(s) seu(s) mestre(s) fundador(es) têm de capoeira.
tamos que seja o momento onde se torne mais nítida Nesse sentido, temos grande diversidade de elemen-
a influência dos estilos, visto que, a roda é inicia- tos organizacionais.
da com os toques provenientes da capoeira Ango- Por exemplo, é muito difícil apresentar nomes de
la, consequentemente, os jogos também seguem movimentos, visto que o mesmo movimento pode
os fundamentos desse estilo. Neste momento, há a ter nome diferente em diferentes grupos (e normal-
tentativa de se manter o mais próximo possível das mente tem). Situação similar ocorre com o sistema de
tradições da Angola, assim as cantigas são aquelas graduação, que varia de grupo para grupo. Apesar da
características do estilo, bem como o gestual. Con- existência de iniciativas de unificação, o cenário di-
forme se dá o adiantar da roda, passa-se a utilizar os versificado é o predominante. O que podemos pensar
preceitos da Regional, mas sem que se modifique, disso? É bom? É ruim? Quais as consequências para
por exemplo, a bateria, o que não corresponde àque- a capoeira? Quais as potencialidades? Bem, estas são
la utilizada na Regional. questões que lhes deixo como provocações. Até breve!
69
considerações finais
70
atividades de estudo
1. Com base no conteúdo estudado nesta unidade, II - A capoeira Angola desenvolvida pelo mes-
relacione as características gestuais elencadas tre Pastinha ganhou prestígio entre os in-
a seguir aos respectivos estilos ou vertentes de telectuais baianos pelo fato de ser consi-
capoeira. derada sinônimo de tradição.
1 - Capoeira Angola III - A malícia, característica do jogo da capoei-
ra Angola, é a conduta do capoeira que faz
2 - Capoeira Regional
uso de diversos artifícios para enganar e
3 - Capoeira Contemporânea distrair o outro jogador.
( ) Caracterizada por movimentos vigorosos, IV - Um dos maiores expoentes desse estilo
atléticos, bem definidos e executados a partir de foi Vicente Ferreira Pastinha. Ele foi um
uma técnica bastante apurada, obtida à custa de dos responsáveis pelo processo de trans-
muito treino. formação social da capoeira na Bahia, a
( ) Caracterizada por um jogo que transcorre partir da década de 20.
sem pressa, onde predomina a malícia. Jogo re- É correto o que se afirma em:
alizado mais próximo ao chão, com presença do
a) I, apenas.
elemento lúdico e de certa teatralidade.
b) I e II, apenas.
( ) Caracterizada por uma plasticidade cor-
poral muito própria, com golpes bem definidos c) II e III, apenas.
tecnicamente e executados, via de regra, com as
d) III e IV, apenas.
pernas estendidas, projetando movimentos mais
amplos. e) II, III e IV, apenas.
A sequência correta para a resposta da questão é: 3. Filho de Luís Candido Machado e Maria Martinha
a) 1, 2 e 3. do Bonfim, Manoel dos Reis Machado, o mestre
Bimba, adaptou golpes de outras lutas à capoeira
b) 2, 3 e 1.
que ele já praticava, criando, desta forma, a ca-
c) 3, 1 e 2. poeira Regional. Quanto a este estilo, analise as
d) 3, 2 e 1. afirmativas a seguir.
I - É um estilo cujos movimentos são mais
e) 1, 3 e 2.
rápidos e com a introdução de golpes de
2. A capoeira Angola é comumente apresentada outras lutas.
como a capoeira “mãe”, “tradicional”, descenden- II - É um estilo sistematizado por Vicente Fer-
te direta da herança africana. Quanto à capoeira reira Pastinha, o mestre Pastinha, que in-
Angola, analise as afirmações a seguir. seriu movimentos de outras lutas, como o
I - É um estilo sistematizado por Manoel dos batuque, conferindo, assim, uma tradição
Reis Machado, o mestre Bimba, cujos mo- africana.
vimentos são mais rápidos e com a intro-
dução de golpes de outras lutas.
71
atividades de estudo
III - Mestre Bimba criou a Regional, dentre III - Fora do contexto baiano, a polarização
outros motivos, por conta do seu descon- Angola/Regional era amenizada pelas con-
tentamento com a forma folclorizada ado- dições as quais estavam submetidos os
tada e apresentada pela capoeira em seu capoeiras, possibilitando uma forma mis-
tempo. cigenada de jogar.
IV - Mestre Bimba achava que a capoeira pra- IV - Na capoeira Contemporânea, a gestuali-
ticada à sua época apresentava um cará- dade predominante é herdeira da Regio-
ter belicoso e, por isto, criou a Regional, nal, logo, não há nenhum aspecto que
uma forma mais teatral e folclorizada. relacione a Contemporânea com a Angola.
4. Mesmo sem consenso quanto à sua utilização, a 5. Dentre os elementos que compõem a estrutura
expressão capoeira Contemporânea tem predo- da capoeira Regional criada pelo mestre Bimba,
minado para designar uma forma atual de jogar talvez a sequência de ensino tenha sido o que
que não é nem Angola e nem Regional. Quanto à mais revolucionou a capoeira. Nesse sentido,
capoeira Contemporânea, analise as afirmativas disserte sobre a sequência de ensino do mestre
a seguir. Bimba.
I - Caracterizada como uma forma de jogar
que não pode ser identificada nem como
Angola e nem como Regional, mas que, ao
mesmo tempo, apresenta características
de ambas.
II - Foi sistematizada a partir de um acordo
entre Vicente Ferreira Pastinha e Manoel
dos Reis Machado para difundirem a ca-
poeira mundialmente.
72
LEITURA
COMPLEMENTAR
73
material complementar
74
referências
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75
gabarito
1. C.
2. E.
3. C.
4. B.
5. A sequência de ensino elaborada pelo mestre Bimba talvez tenha sido um
dos elementos que mais revolucionou a capoeira, pois modificou radical-
mente a forma de ensino. Antes da referida sequência, o processo de ensi-
no-aprendizagem se dava de forma assistemática, sem uma lógica progres-
siva. De acordo com depoimentos dos velhos mestres, eles aprendiam de
“oitiva”. A sequência de ensino do mestre Bimba é composta por oito partes
articuladas em uma sequência progressiva de movimentos de ataque, defe-
sa e contra-ataques que possibilitam a apropriação, pelos(as) alunos(as), de
forma segura dos movimentos fundamentais da capoeira Regional.
76
UNIDADE
III
OS GESTOS TÉCNICOS
CARACTERÍSTICOS DA CAPOEIRA
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta
unidade:
• Distribuição didático-pedagógica dos gestos técnicos
• Ginga, o gesto fundamental
• Gestos técnicos ofensivos, o ataque do capoeira
• Gestos técnicos defensivos
• Gestos técnicos acrobáticos: desafiando os limites do corpo
Objetivos de Aprendizagem
• Apresentar uma distribuição didático-pedagógica dos
gestos técnicos característicos da capoeira.
• Reconhecer a ginga como o movimento fundamental da
capoeira.
• Conhecer os gestos técnicos ofensivos que caracterizam a
capoeira.
• Compreender a dinâmica dos gestos técnicos defensivos
da capoeira.
• Identificar as características básicas dos gestos técnicos
acrobáticos/floreio da capoeira.
unidade
III
INTRODUÇÃO
Distribuição Didático-Pedagógica
dos Gestos Técnicos
82
EDUCAÇÃO FÍSICA
Olá, caro(a) aluno(a). Ao iniciarmos as nossas dis- qual seja: a abordagem da prática corporal capoeira
cussões acerca dos gestos técnicos, estas serão guia- como componente curricular de um curso de gra-
das por alguns princípios. Primeiramente, é preciso duação em Educação Física. Logo, tal abordagem
dizer: o que estamos aqui a denominar por gestos precisa oferecer, mesmo que minimamente, subsí-
técnicos são aqueles movimentos característicos dios teóricos e práticos para que os futuros profis-
da capoeira que a caracterizam como uma prática sionais da disciplina tenham condições de, por sua
corporal. Há, nesse sentido, um repertório gestual vez, abordar a capoeira nos mais distintos espaços.
extremamente dinâmico no universo desta prática. Nesse sentido, apresentamos uma classificação que
Tais gestos mudam em tal medida que, em dados considera os principais gestos técnicos dessa mani-
momentos históricos, operou-se uma verdadeira festação de uma maneira mais geral, sem que nos
ruptura na manifestação. aprofundemos nas características e especificidades
Você, prezado(a) aluno(a), há de se lembrar dos estilos, tampouco nos desdobramentos decor-
dos estilos de capoeira que foram abordados na rentes da combinação entre os movimentos.
unidade anterior. A gestualidade é um dos aspectos Neste momento, nos ateremos ao contato ini-
distintivos entre eles, ou seja, somos capazes de cial com os gestos técnicos característicos da capo-
identificar um angoleiro pelo seu gestual, da mesma eira. Isto significa que essa classificação é arbitrária,
forma que conseguimos identificar um praticante da o critério por nós utilizado para a sua elaboração
capoeira Regional. foi a necessidade de uma organização didático-
Nesse sentido, questionamos: a gestualidade atu- pedagógica. Todavia você se deparará com outras
al da capoeira, ou seja, os seus movimentos, são exe- possibilidades de classificação e distribuição dos
cutados da mesma forma que eram executados em gestos que levam em consideração outros aspectos,
outros períodos? Em nossa opinião, não. Entretanto, como a execução do golpe. É o caso daqueles que
mesmo reconhecendo as mudanças no que se refe- classificam os gestos em giratórios, desequilibran-
re à execução dos movimentos corporais relativos à tes, traumatizantes, dentre outros. Eu sugiro que
capoeira, é possível identificarmos um conjunto de você, como futuro(a) profissional da Educação, que
movimentos e de gestos que a caracterizam com tal, lidará com a abordagem de inúmeras práticas cor-
ou seja, somos capazes de olhar para imagens histó- porais, exercite a sua capacidade de compreensão e
ricas da capoeira e reconhecermos um grande nú- a posterior organização de conteúdo.
mero de movimentos. O segundo aspecto, que merece explicação, é o
Antes de iniciarmos nosso contato com o re- fato de que os gestos técnicos característicos da ca-
pertório de gestos da capoeira, devemos esclarecer poeira extrapolam uma classificação, visto que tais
alguns aspectos importantes. Em primeiro lugar, movimentos podem transitar livremente pelas cate-
a proposta que ora apresentamos foi organizada a gorias que aqui propomos. Na prática, o que ocorre
partir de um olhar didático-pedagógico. Ou seja, é que um movimento categorizado como acrobáti-
nos propomos a apresentar uma classificação, na co/floreio pode ser empregado como gesto técnico
qual estão agrupados os principais movimentos da defensivo, mas, dependendo da intencionalidade do
capoeira e que atendam aos anseios deste material, capoeira, torna-se ofensivo. Esta é uma característi-
83
CAPOEIRA
84
EDUCAÇÃO FÍSICA
85
CAPOEIRA
Vale destacar, porém, que a gestualidade expres- bambolear pra lá e pra cá, ameaçar o movimento e
sa na capoeira apresenta nuances e particularidades negá-lo”. Atualmente, é mais comum que utilizemos
que dependem tanto dos estilos quanto dos diferen- o termo balanço para nos referirmos a tais alternân-
tes jogos executados em um mesmo estilo. Sendo a cias. Mas, antes de vivenciarmos os balanços e des-
ginga o gesto fundamental, ela nos permite identifi- locamentos, aprendamos a ginga.
car estas diferenças, essas particularidades, mesmo A dinâmica da ginga é bastante simples, vis-
que não sejamos exímios capoeiras (LOPES, 1979). to que obedece a mesma dinâmica do ato de ca-
Quando dizemos que a ginga expressa as particu- minhar. Observem que, quando caminhamos, os
laridades dos jogos e dos estilos, e o faz até mesmo nossos braços e as nossas pernas movimentam-
em relação ao jogador, nos referimos à mudança de -se alternadamente. Assim, quando o nosso pé de
gestualidade. Entretanto, a dinâmica do movimento apoio, que está à frente, é o pé esquerdo, o nosso
da ginga não é alterada. braço direito é que estará adiantado em relação ao
Recordemos da gravura de Rugendas (s. d.) ex- esquerdo. Pois bem, visualizem mentalmente esta
posta na Unidade 1. A partir dela, podemos perce- descrição; ampliem a distância entre os pés; eleve o
ber uma postura corporal dos capoeiras que nela fo- braço que está à frente até a altura da boca e vocês
ram retratados e que nos remete à ginga. Tal fato nos terão a imagem da base da ginga.
leva a inferir que ela acompanha a capoeira desde os
seus primórdios. Obviamente, é prudente que con-
sideremos as transformações estéticas e o aprimo-
ramento técnico, elementos aos quais a ginga tenha
sido, possivelmente, submetida ao longo da história
da capoeira.
De acordo com Cruz (1997, p. 48), a ginga per-
mite ao capoeira “defender-se com o auxílio das
mãos e dos braços, negaciando em várias posições,
deslocar-se para qualquer direção, permitindo-lhe
uma melhor posição para defesa, o ataque e o con-
tra-ataque (sic)”. Observaram o termo “negaciando”
exposto? A negaça é uma expressão que fora mui-
to utilizada. Moura (1991) nos explica que ela era a
base da luta.
Então, a base não é a ginga? Calma! Esta é o
movimento fundamental da capoeira, e negacear
significa movimentar-se a partir da ginga, variando-
-a, visando, com isto, a desnortear o outro jogador.
Nos dizeres de Lima (2005, p. 103), negacear duran-
te um jogo de capoeira é o “ato de negar o corpo,
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CAPOEIRA
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EDUCAÇÃO FÍSICA
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CAPOEIRA
Como já dissemos, a ginga não ocorre de maneira Quando você, caro(a) aluno(a), abordar os gestos
estática, mas sim, dinâmica, deste modo, elabora- técnicos e, em especial, a ginga, sobretudo, se tal ex-
mos a Figura 3, na qual procuramos ilustrar o deslo- posição for para crianças, é, sempre, importante que
camento dos pés a fim de facilitar a compreensão do se respeite a individualidade e espontaneidade. Ou
movimento como um todo. seja, é claro que há uma técnica de execução da gin-
ga, mas desde que se entenda a dinâmica do gesto,
permita que cada um(a) faça ao seu modo.
Em outras palavras, ensine as crianças a ginga-
Esq Dir Esq Dir Esq Dir
rem, mas deixem que elas vivenciem tal movimento
e explorem as suas possibilidades de execução. Justa-
mente a partir do desenvolvimento e da exploração
da ginga é que temos os deslocamentos, os balanços,
Dir Esq Esq ou as negaças. Estes são movimentos que exigem
BASE DA GINGA CADEIRA/ BASE DA GINGA mais tempo do capoeira e lhe permite um nível de
PARALELA
1e5 2, 4 e 6 3e6 jogo que, mesmo sem desferir nenhum gesto ofen-
sivo, é capaz de colocar o seu companheiro em apu-
Figura 3 - Dinâmica da ginga
Fonte: O autor. ros. Como já salientamos, não nos aprofundaremos
nessas questões, entretanto, vocês poderão acompa-
nhar, neste material, exemplos de deslocamentos e
balanços e quem sabe, até se arriscar na criação de
uma forma de se deslocar a partir da ginga.
Veja o vídeo que mostra,
Então, vamos lá. Agora que já nos apropria-
com detalhes, a dinâmica
da ginga. Para acessar, use mos da descrição de cada posição e já conhecemos
o seu leitor de QR Code. a direção do movimento, é hora de arriscar a sua
execução. E lembrem-se de respeitar os seus limites
e as suas particularidades, ou seja, apesar de tentar
seguir as fases descritas, façam do seu jeito. Não se
REFLITA esqueçam de compartilhar conosco os seus avanços.
Boa vivência e até breve!
Ao longo desta unidade, nos foi descrita a
execução de alguns gestos técnicos caracterís-
ticos da capoeira. Nesse sentido, até que pon-
to devemos seguir tal execução sem tornar a
nossa abordagem demasiadamente técnica?
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EDUCAÇÃO FÍSICA
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CAPOEIRA
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EDUCAÇÃO FÍSICA
Olá, prezado(a) aluno(a). Nesta unidade, estamos Costumamos utilizar, no universo da capoeira,
tratando dos gestos técnicos da capoeira, aqueles a metáfora do diálogo, quando fazemos referência
elementos corporais que são próprios dessa mani- à relação corporal durante o jogo. Dizemos, desta
festação e que assim a caracterizam. forma, que quando o capoeira joga com outro, eles
No tópico anterior, tratamos da ginga, o gesto estão promovendo um diálogo corporal, um jogo de
fundamental a partir do qual todos os demais são perguntas e respostas (FALCÃO, 2006). Nesse senti-
derivados. Para este tópico, propomos contato com do, os gestos técnicos ofensivos são as perguntas que
os gestos técnicos ofensivos. Utilizamos o termo um capoeira faz ao outro.
“ofensivo”, como elemento próprio do ataque. São Os gestos selecionados para compor este mate-
esses gestos que evidenciam o aspecto “luta” da ca- rial não encerram o repertório gestual da capoeira,
poeira. Logo, é indispensável que reflitamos: quais apenas foram selecionados porque são comumente
gestos técnicos ofensivos devemos privilegiar na empregados na manifestação independentemente do
abordagem da capoeira? Esta é uma questão para a estilo. Entretanto, vale lembrar ainda que os nomes
qual não há uma resposta pronta e acabada. e a descrição que ora se apresentam não são a única
Pensamos que a seleção de um ou outro golpe forma de identificação, tampouco de execução. Pos-
dependerá do contexto, bem como da população sivelmente, você mesmo(a), aluno(a), reconhecerá
para a qual a capoeira está sendo exposta. Mas, esses gestos por outros nomes e por outra maneira
principalmente, é importante que conheçamos o po- de executá-los. Isto não é um problema, muito pelo
tencial de belicosidade do movimento. Alguns gol- contrário, enriquece a nossa aprendizagem. Suge-
pes são altamente traumáticos, ou seja, machucam rimos que, se vocês se sentirem à vontade para tal,
mesmo que não seja empregada muita potência, é mandem para as(os) nossas(os) mediadoras(es),
o caso da ponteira, por exemplo. Assim, sugerimos durante as nossas aulas, os nomes pelos quais vocês
que este movimento não seja ensinado nas primeiras conhecem os gestos que apresentaremos. Sem mais
aulas. Reserve-o para aquele momento em que vocês delongas, vejamos, a seguir, alguns exemplos de ges-
percebam que os alunos já têm algum controle nos tos técnicos ofensivos.
movimentos executados.
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CAPOEIRA
MEIA-LUA DE FRENTE
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CAPOEIRA
QUEIXADA
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ARMADA
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MEIA-LUA DE COMPASSO
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MARTELO
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CAPOEIRA
CHAPA
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EDUCAÇÃO FÍSICA
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BENÇÃO
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PONTEIRA
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CAPOEIRA
Gestos Técnicos
Defensivos
Olá, caro(a) aluno(a). O tópico que se inicia é o compreendemos que esse gesto é o movimento
quarto de uma unidade na qual nos propomos fundamental, pois é a partir dele que todos os de-
apresentar os gestos técnicos característicos da mais são desferidos. É ainda a ginga que caracteriza
capoeira. Deparamo-nos com uma proposta de a própria manifestação. Ou seja, reconhecemos a ca-
organização didático-pedagógica dos gestos no poeira pelo movimento da ginga. No terceiro tópico
primeiro tópico; com a ginga no segundo, no qual fomos apresentados aos gestos técnicos ofensivos,
112
EDUCAÇÃO FÍSICA
aqueles movimentos cuja intencionalidade de quem por uma sequência de ataques e defesas, sendo os
os executa é de atacar, contundentemente, o outro ataques os gestos técnicos ofensivos, e a defesa, os
jogador. Já para o tópico que se inicia, propomos gestos defensivos.
apresentar os gestos técnicos defensivos a fim de que Um dos obstáculos na elaboração de uma clas-
conheçamos a sua dinâmica. sificação dos gestos característicos da capoeira é o
Os gestos técnicos defensivos podem ser descri- caráter polissêmico desses. Ou seja, cada um dos
tos como os movimentos que o capoeira emprega gestos transita entre as categorias aqui expostas. Isto
para se evadir, para se defender, ou seja, são os ges- não é, necessariamente, um problema, se levarmos
tos empregados em resposta a um ataque. Lembra- em consideração que a própria capoeira é polissêmi-
-se quando, no tópico anterior, falamos da metáfora ca. Assim, exporemos aqueles gestos técnicos, cuja
do diálogo corporal? Dissemos que, quando dois característica predominante é a defensiva.
capoeiras jogam, eles estão promovendo esse diálo- No jogo da capoeira, não é comum o uso de blo-
go, um jogo de perguntas e respostas. Nesse sentido, queios como estratégias de defesa, isto não significa
as perguntas são os gestos técnicos ofensivos ou os que não existam, apenas não é a forma característica
ataques, e as respostas a tais perguntas são os gestos de defesa. Os capoeiras se valem, em sua maioria, de
técnicos defensivos. Costumamos dizer, no universo movimentos denominados esquivas, cuja finalidade
da capoeira que, um jogador ganha do outro quando é a de “retirar o corpo ou parte do mesmo da dire-
este não tem resposta à pergunta daquele. ção em que o golpe foi desferido” (SANTOS, 2010,
Apresentaremos, assim como fizemos nos tópi- p. 124). Esta estratégia de não enfrentamento direto
cos anteriores, a ilustração de gestos técnicos de- do golpe acompanha a dinâmica da capoeira já em
fensivos, bem como a descrição de sua execução. longa data. Moura (1991, p. 67), ao discorrer sobre
Mas gostaríamos de chamar a atenção para a dinâ- a capoeiragem, nas primeiras décadas do século XX,
mica deles e para a estrutura que se desenvolve a nos explica que “os movimentos defensivos simples
partir do embate entre os gestos técnicos defensi- constavam de desvio de corpo, para evitar o alcance
vos e ofensivos. do golpe”. Essa dinâmica aparece em outros movi-
Gostaríamos que você percebesse, estimado(a) mentos para além das esquivas, dentre eles, as ne-
aluno(a) que, partir do emprego desses dois tipos de gativas e os pêndulos. Vejamos alguns exemplos de
gestos, temos o jogo de capoeira. Este desenrola-se gestos técnicos defensivos.
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COCORINHA
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ESQUIVA DE FRENTE
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ESQUIVA LATERAL
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ESQUIVA DE COSTA
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NEGATIVA
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Conheceremos, neste tópico, os gestos técnicos movimento são os aspectos predominantes. A exe-
acrobáticos, ou como mais comumente são denomi- cução de certos movimentos dessa categoria parece
nados pelos capoeiras, os floreios. Nós já enfatiza- mesmo desafiar os limites do corpo. E talvez seja,
mos, nos tópicos anteriores, que os movimentos rea- justamente, esse o elemento que desperte tanto a
lizados na capoeira podem ter várias funções dentro atenção de quem o presencia em uma roda de capo-
de um jogo. Também destacamos que a estrutura eira. Santos (2010) nos explica que esses movimen-
da classificação que ora apresentamos é arbitrária tos são executados pelos capoeiras mais habilidosos
e, assim, intentamos apresentar uma forma de or- e servem para exibicionismo.
ganização didático-pedagógica dos gestos técnicos É importante dizer que, talvez, seja essa cate-
característicos da capoeira. goria de gestos a que mais privilegie a capacidade
Assim, elaboramos o organograma exposto no criativa do capoeira. Isto porque os floreios são cria-
primeiro tópico desta unidade, no qual agrupamos ções, adaptações muito particulares de cada jogador.
tais movimentos corporais a partir da caracterís- Este explora a possibilidade de combinação entre os
tica predominante desses gestos. Isto não significa gestos, ou adapta movimentos ou técnicas de outras
que um gesto que compõe a categoria “gesto técnico práticas corporais, como as ginásticas, por exemplo,
ofensivo” tenha esta como característica exclusiva. ao contexto da capoeira.
Apenas que o seu aspecto de ataque é predominante Pensamos que o exemplo mais popular de gestos
ou mais evidente que os demais aspectos. técnicos acrobáticos/floreios seja o salto mortal, ou
Neste tópico, no qual abordaremos os gestos os saltos, visto a infinda variedade destes. Não é raro
técnicos acrobáticos/floreios, tomaremos conheci- que sejamos questionados, especialmente, durante
mento, por exemplo, do aú, um dos gestos que re- apresentações, se sabemos “dar mortal”. No imaginá-
presentam bem esta polissemia de funções dos mo- rio popular, um bom capoeira é aquele que executa
vimentos da capoeira. o salto mortal. Já no universo cultural da capoeira, é
Iniciemos a nossa conversa pela definição des- tido como um bom jogador aquele que se apropria
sa categoria de movimentos. Estamos considerando de todos os elementos constitutivos da manifesta-
como gestos técnicos acrobáticos/floreios aqueles mo- ção. Assim, espera-se que ele(a) conheça a história,
vimentos cuja plasticidade, flexibilidade e beleza do os gestos técnicos, os instrumentos, a musicalidade
e os procedimentos de uma roda. Obviamente, cada
um se destacará mais em alguns elementos que em
outros.
Não se assuste, nós não lhe proporemos a execu-
ção de um salto mortal. O fato dele ser popular não
significa que seja o único. Os gestos técnicos acrobá-
ticos/floreios que propomos expor neste tópico são
os de execução bem mais simples e nos permitirão
identificar as características desse tipo de gestos. Co-
mecemos, então, pelo aú.
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CAPOEIRA
AÚ
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CAPOEIRA
PARADA DE MÃOS
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CAPOEIRA
PARADA DE CABEÇA
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MACACO
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EDUCAÇÃO FÍSICA
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CAPOEIRA
Para a execução do macaco, o praticante de capoeira gestos técnicos bem simples. E qual foi a sua impres-
parte da base da ginga com a perna esquerda atrás, são? Tais gestos são bem fáceis, não são? Você con-
esta segue a sequência natural da ginga e entra na seguirá executá-los? Algum dentre os gestos aqui
paralela; uma vez na paralela, agacha-se na posição propostos representou um desafio para você? Qual
de cócoras lateralmente em relação ao outro joga- deles foi o mais desafiador? Já podemos pensar em
dor; apoia a sua mão direita no solo atrás do seu cor- outro, um pouquinho mais complicado?
po; a mão esquerda percorre a trajetória de um arco Perceba que, por mais simples que esses gestos
sobre a cabeça ao ser apoiada no solo em uma linha sejam, imagino que, para alguns, eles representem
mais ou menos paralela em relação à mão direita; ao um desafio por proporem situações corporais que
mesmo tempo, as pernas dão impulso, projetando não fazem parte do nosso cotidiano. Afinal, não
o corpo que realizará um giro transversal apoiado andamos por aí de pernas para o ar com muita fre-
sobre ambas as mãos; finaliza-se o movimento com quência, não é mesmo? Qual será a percepção das
ambos os pés na paralela e, em seguida, retorna-se à crianças, dos jovens e adultos ao vivenciarem esse
base da ginga. tipo de movimento? Só vejo uma forma de saber:
Vamos nos encaminhando para a finalização oportunizando a estas pessoas tal experiência. Por
desse tópico, no qual abordamos os gestos técnicos agora, finalizaremos a nossa conversa, mas lembre-
acrobáticos/floreios característicos da capoeira. Um -se que não esgotamos o repertório desses gestos.
pouco antes de iniciarmos as descrições dos gestos Até breve!
técnicos deste tópico, lhe dissemos, prezado(a) alu-
no(a), que apresentaríamos a execução de alguns
132
considerações finais
Olá, prezado(a) aluno(a). Nesta unidade, tivemos contato com os gestos técnicos
característicos da capoeira, ou seja, tomamos conhecimento do repertório gestu-
al próprio dessa manifestação. Esses gestos corporais apresentam características
e funções que só fazem sentido quando concebidos dentro da dinâmica do uni-
verso cultural da capoeira. Nesse sentido, tais movimentos são empregados na
promoção de um verdadeiro diálogo corporal, um jogo de perguntas e respostas
projetadas por intermédio dos corpos dos(as) jogadores(as) de capoeira. Desse
repertório gestual, destaca-se a ginga como o gesto fundamental. Aquele a par-
tir do qual todos os demais são desferidos. Portanto, é a ginga que caracteriza a
própria capoeira.
Além disso, foram apresentados àqueles movimentos que caracterizam a ca-
poeira como luta. Esses são os gestos técnicos ofensivos, movimentos cuja fina-
lidade é o ataque. Metaforicamente, eles são as perguntas proferidas no diálo-
go corporal. Mas também vimos as possibilidades de respostas a tais perguntas
quando tivemos contato com os gestos técnicos defensivos, movimentos que
apresentam uma dinâmica própria na forma de defesa, empregada durante o jogo
de capoeira. Dentre esses movimentos, destacam-se as esquivas, estas utilizadas
para desviar o corpo da trajetória dos movimentos de ataque. Vimos que a de-
fesa do capoeira baseia-se no ato de se evadir do ataque, não sendo comum o
bloqueio.
Por fim, porém não menos importante, nos deparamos com os gestos téc-
nicos acrobáticos ou floreios. É bem verdade que os gestos apresentados desta
categoria são relativamente simples, mas nem por isso deixamos de entender a
sua dinâmica criativa e desafiadora, a sua capacidade de provocar a superação de
nossos limites.
Ao finalizar esta unidade, esperamos termos sido capazes de lhe provocar a
curiosidade e o desejo de conhecer um pouco mais o repertório gestual dessa ma-
nifestação corporal ímpar, a capoeira. Mas, sobretudo, que tenhamos provocado
a reflexão sobre as possibilidades de execução e criação de gestos corporais.
133
atividades de estudo
1. Quanto aos gestos técnicos característicos da ca- III - A ginga é o gesto fundamental da capoei-
poeira, é correto afirmar que: ra, uma vez que é a partir dela que todos
a) Os gestos técnicos, para serem caracte- os demais são desferidos. Logo, a ginga é
rizados como tal, devem ser ensinados e, o gesto que caracteriza a própria capoeira.
portanto, executados, seguindo minucio- IV - Os gestos técnicos defensivos apresen-
samente a sua descrição. tam uma dinâmica onde o capoeira desvia
b) Os gestos técnicos ofensivos são aqueles o corpo da trajetória de ataque do outro
cuja intencionalidade de quem os executa jogador e, neste caso, os bloqueios não
é a de embelezar o jogo com movimentos são comumente utilizados.
que desafiam os próprios limites do corpo. É correto o que se afirma em:
c) Os gestos considerados fundamentais na a) I, apenas.
capoeira são os gestos técnicos acrobáti-
b) I e II, apenas.
cos/floreios, especialmente, o salto mortal.
c) II e III, apenas.
d) O gesto considerado fundamental na ca-
poeira é a ginga, visto que derivam dela d) II, III e IV, apenas.
todos os demais movimentos corporais
e) I, II, III e IV.
empregados na execução do jogo.
e) Quando os gestos técnicos característicos 3. Assinale Verdadeiro (V) ou Falso (F) no que se refe-
da capoeira forem abordados na escola ou re ao repertório gestual característico da capoeira,
em outro espaço qualquer, é indispensável ( ) O aú é o gesto técnico característico da ca-
que os alunos saibam que eles não podem poeira que pode ser categorizado única e exclu-
modificar e tampouco inventar novos mo- sivamente na categoria dos gestos técnicos acro-
vimentos. báticos/floreio.
2. Quanto ao repertório gestual da capoeira, leia as ( ) Os gestos técnicos característicos da capo-
afirmativas a seguir. eira, apesar de serem apresentados de forma
I - Os gestos técnicos acrobáticos/floreios li- categorizada, transitam livremente entre as cate-
mitam-se aos saltos, especialmente, o sal- gorias aqui expostas.
to mortal. ( ) A ginga é um gesto técnico eminentemente
II - Os gestos técnicos característicos da ca- acrobático, visto que ela nos serve apenas para
poeira devem ser didaticamente categori- embelezar e disfarçar a capoeira como dança.
zados como: ginga; gestos técnicos ofen-
sivos; gestos técnicos defensivos; gestos
técnicos acrobáticos/floreios.
134
atividades de estudo
A sequência correta para a resposta da questão é: A sequência correta para a resposta da questão é:
a) F, F, V. a) 1, 4, 2 e 3.
b) V, V, F. b) 4, 1, 3 e 2.
c) F, V, F. c) 4, 1, 2 e 3.
d) F, V, V. d) 3, 2, 4 e 1.
e) V, F, V. e) 4, 3, 1 e 2.
4. Sobre os gestos técnicos da capoeira, relacio- 5. Apesar do repertório gestual da capoeira escapar
ne as colunas a seguir com os seus respectivos a uma classificação definitiva, podemos, mesmo
conceitos. que pedagogicamente, pensar numa estrutura
1 - Ginga que organize tal repertório. Dito isto, elabore um
organograma que represente a distribuição dos
2 - Gestos técnicos ofensivos
gestos técnicos da capoeira.
3 - Gestos técnicos defensivos
4 - Gestos técnicos acrobáticos/floreios
( ) Movimentos com alto grau de plasticidade
que embelezam o jogo, normalmente executa-
dos por capoeira mais experientes.
( ) Gesto técnico fundamental da capoeira, é a
base para a execução de todo o repertório gestu-
al desta manifestação.
( ) Gestos empregados como forma de defesa
durante o jogo da capoeira, a sua dinâmica pre-
dominante consiste em desviar o corpo da traje-
tória do ataque de outro jogador.
( ) Gestos que caracterizam a capoeira como
uma luta, uma vez que são empregados no ata-
que a outro jogador.
135
LEITURA
COMPLEMENTAR
[...] Outro fato importante é o resultado da enquete que martine Pereira da Costa, oficial da Marinha e também
fiz com vários capoeiras, antigos e modernos, e verifi- professor de Educação Física da referida corporação, e
quei que quase todos eles possuem um ou mais gol- Inezil Penna Marinho, publicando o primeiro Capoeira-
pes ou truques diferentes dos demais, inventados por gem / A defesa pessoal brasileira, reeditado em 1962 com
eles próprios, ou então herdados de seus mestres ou o título de Capoeira sem mestre e o segundo Subsídios
de outros capoeiras de suas ligações, isso sem falar na para o Estudo da Metodologia do Treinamento da Capoie-
interpretação pessoal, embora sutil, que são aos golpes ragem e mais adiante, Subsídios para a História da Capo-
e toque, de um modo geral, e o golpe pessoal que todo eiragem no Brasil, por sinal, os primeiros trabalhos que
capoeira guarda consigo, para ser usado no momento se publicam no gênero. Para confecção do trabalho que
necessário. O texto descritivo de capoeira mais antigo é de caráter puramente técnico, isto é, preocupando-se
que se tem notícia é o que está nas Festas e Tradições exclusivamente com o aprendizado dos golpes, Lamar-
Populares do Brasil de Melo Morais Filho. Pois bem, os tine Pereira da Costa encontrou dificuldade no que se
golpes aí referidos, são, na sua quase totalidade, des- refere à bibliografia sobre o assunto. Então, segundo
conhecidos dos capoeiras da Bahia, como é o caso do ele declara no prefácio, resolveu basear-se na tradição
tronco, raiz, fedegoso, pé de panzina, caçador, passo a oral e no que pôde arrancar de velhos capoeiras do Rio
dois e outros, golpes esses e muitos que Melo Morais de Janeiro e da Bahia e o resultado é que catalogou gol-
Filho não teve conhecimento, ou simplesmente não pes, à exceção dos tradicionais, totalmente, desconhe-
mencionou, mas que foram criações de capoeiras ou cidos dos mestres capoeiras da Bahia. Há, ainda, outra
maltas do Rio de Janeiro de seu tempo, extraídos da coisa importante no desenvolvimento da capoeira – é
imaginação e de elementos que lhe vinham à frente. Se- que dentro das limitações das regras de jogo, o capo-
gundo fui informado, existiu no Rio de Janeiro um velho eira tem liberdade de criar, na hora, golpes de ataque
mestre de capoeira baiano, conhecido por Sinhôzinho e de defesa conforme seja o caso, que nunca foram
(Agenor Sampaio), do qual ainda existem alunos, com previstos e sem nome específico e que após o jogo ele
academia de capoeira, utilizando-se de alguns dos gol- próprio não se lembra mais do tipo de expediente que
pes referidos por Melo Morais Filho. Em nossos dias, La- improvisou. No jogo da capoeira vai muito do pessoal.
136
material complementar
137
referências
138
gabarito
1. D.
2. D.
3. C.
4. B.
5. Exemplo:
Meia-lua Aú e suas
Bases de frente Cocorinha variações
Parada de
Esquiva de mão e suas
Balanços Queixada frente variações
Descola- Armada Esquiva de Queda de
mentos costa rins
Martelo Negativas
Chapa Pêndulos
Benção
Ponteira
139
OS INSTRUMENTOS, AS CANTIGAS E A
RODA DE CAPOEIRA
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta
unidade:
• Os instrumentos característicos da capoeira
• Bateria: o conjunto de instrumentos da capoeira
• As cantigas de capoeira e a sua estrutura
• A roda, o momento de expressão da capoeira
Objetivos de Aprendizagem
• Identificar os instrumentos característicos da capoeira.
• Diferenciar o conjunto de instrumentos de cada estilo de
capoeira.
• Entender a estrutura característica dos diferentes tipos de
cantigas de capoeira.
• Compreender a dinâmica geral de uma roda de capoeira.
unidade
IV
INTRODUÇÃO
O
lá, caro(a) aluno(a)! Agora que já conhecemos um pouco da
história da capoeira, das teses que discutem as suas origens
e o seu desenvolvimento histórico rumo à ascensão; que já
conhecemos as formas mais tradicionais de jogar capoeira
representadas pelos estilos ou vertentes; e que nos deparamos com os
gestos técnicos desta prática corporal, é hora de nos aventurarmos em
conhecer outros elementos que consideramos indispensáveis na aborda-
gem da capoeira em qualquer ambiente. Nos referimos à musicalidade da
capoeira, elemento este caracterizado pelos instrumentos, pelas cantigas
e também pela roda.
O que pretendemos propor, nesta unidade, não é que você aprenda a
cantar as cantigas de capoeira ou a tocar os instrumentos característicos
dessa manifestação. Será ótimo se isto acontecer, entretanto, é preciso que
fique claro que, mesmo entre nós, capoeiras, o domínio destes elementos
demanda algum tempo. Tempo este do qual não dispomos no momento.
No decorrer dos tópicos que se seguem, falaremos mais sobre isso.
Ademais, o objetivo da unidade é lhe apresentar a estrutura dos tipos
de cantigas características da capoeira. Pensamos que, desta forma, você
será capaz de reconhecer uma cantiga e, principalmente, conhecer as suas
funções. Será com essa mesma perspectiva que pretendemos apresentar-
-lhe os instrumentos característicos da capoeira, alguns deles bastante
conhecidos e intimamente relacionados à capoeira, como é o caso do be-
rimbau. Outros talvez não tão conhecidos, como o reco-reco e o agogô.
E, por fim, apresentaremos a roda de capoeira como um momento
imprescindível para a compreensão dessa prática corporal. Ou seja, es-
peramos que, ao final desta unidade, você, prezado(a) aluno(a), seja ca-
paz de identificar tanto as cantigas quanto os instrumentos, bem como
as suas respectivas funções na estrutura dessa prática corporal, além de
compreender a dinâmica geral de uma roda de capoeira. Comecemos,
então, com a apresentação dos instrumentos.
CAPOEIRA
Os Instrumentos
Característicos da Capoeira
144
EDUCAÇÃO FÍSICA
Se você já participou ou tão somente assistiu a uma tes instrumentos: berimbaus, pandeiros, atabaque,
roda de capoeira, arriscamos dizer que você percebeu agogô e reco-reco. Há ainda o caxixi, o qual acom-
a presença de instrumentos os quais foram percuti- panha a percussão do berimbau. A partir de agora,
dos durante todo o andamento da roda. É fácil per- conheceremos um pouco das características desses
ceber a relevância dos instrumentos para a capoeira, instrumentos.
mesmo para quem não está muito familiarizado com
essa manifestação. Por este motivo é que a abordagem O BERIMBAU
da capoeira, independentemente do contexto onde
ela ocorra, não deve negligenciar a exposição dos ins-
trumentos característicos que a acompanham. Entre-
tanto, é importante dizer que, se na estrutura carac-
terística atual da capoeira, os instrumentos se fazem
presentes como um elemento indispensável, ao longo
da história dessa manifestação, já foi registrada uma
iniciativa, uma prática de capoeira em que não havia
a presença de música e tampouco de instrumentos.
Rudolf de Otero Hermanny, que foi discípulo,
na década de 40, de Agenor Moreira Sampaio, o
mestre Sinhozinho, relembra as particularidades da O berimbau é composto por uma verga de madei-
capoeira ensinada por seu mestre. De acordo com ra flexível e resistente. A biriba tem sido a preferida
Hermanny, a capoeira ensinada por sinhozinho não para a confecção dos berimbaus atualmente. Mas é
tinha a mesma beleza estética da capoeira baiana, bem verdade que há uma grande variedade de ma-
tampouco o acompanhamento musical (HERMAN- deiras que atendem a tais exigências, dentre as quais,
NY; LISBOA, 2003). “matamatá branco, pau d’arco, pau pombo, açoita
O fato é que, a partir deste período, o modelo de cavalo, itaúba preta, guaiúba, pitomba, tatajuba, ma-
capoeira predominante foi nos moldes daquela que rupá, tauari e o morototó” (IPHAN, 2014, p. 124). A
se jogava na Bahia, o que se convencionou chamar verga é tensionada por um fio de aço que, preso nas
de baianização da capoeira. Ou seja, uma espécie de extremidades, a mantém arqueada. É esta tensão na
padronização de alguns aspectos e, dentre eles, está, madeira que concebe a afinação ao berimbau.
sem dúvida, a presença dos instrumentos. Desta for- A este conjunto, verga e arame, acrescenta-se
ma, é quase inconcebível, atualmente, uma roda de uma cabaça, a qual funcionará como caixa de res-
capoeira sem a presença dos instrumentos, princi- sonância, amplificando o som produzido pelo arco.
palmente, do berimbau. Para que a cabaça possa ser utilizada no berimbau,
Respeitando as variações de quantidade e de esta, após seca, precisa ter a parte superior cortada;
disposição decorrentes, tanto dos estilos quanto das na parte inferior, são feitos dois orifícios, nos quais
escolas ou dos grupos de capoeira, grosso modo, po- será feita uma alça de barbante que servirá de encai-
demos dizer que estão presentes, no jogo, os seguin- xe para a cabaça na verga.
145
CAPOEIRA
O arame do berimbau é percutido por uma A inserção desse instrumento em terras brasileiras,
baqueta de aproximadamente 30 cm, confecciona- de acordo com Shaffer (1977), parece ter ocorrido
da em madeira maciça ou bambu. Utiliza-se ainda por intermédio dos africanos que para cá foram tra-
na percussão, o dobrão, que pode ser uma pedra ficados como mão-de-obra escrava. Apesar de reco-
ou uma peça de metal. O caxixi é utilizado como nhecer a inexistência de evidências realmente con-
acompanhamento pelo tocador de berimbau, o qual clusivas, o autor pondera:
empunha-o com a mesma mão que empunha a ba-
queta. Viu só? O berimbau é um instrumento de ca- [...] como não há evidência de qualquer arco
musical indígena no Brasil; como os africanos
racterísticas bastante simples, é composto, como diz
têm estado no Brasil desde, ao menos, 1548;
a cantiga de domínio popular, de “uma cabaça, um e como em todos os relatórios sobre o uso do
arame é um pedaço de pau”. instrumento no Brasil é evidente que tenha
Quanto à origem do berimbau, Shaffer (1977) o sido usado exclusivamente por negros escra-
reconhece como um arco musical, logo, um dos ins- vos (africanos e descendentes de africanos), a
conclusão mais lógica é que o berimbau é um
trumentos mais primitivos e bastante difundidos em
instrumento de origem africana introduzido no
muitas culturas pelo mundo. Existem registros da Brasil como os escravos (SHAFFER, 1977, s. p.).
utilização do arco musical desde cerca de 1.500 a. C.
O berimbau, na forma como o conhecemos, No Brasil oitocentista, Henry Koster descreveu
é bastante popular na cultura africana, onde é uti- em sua obra Viagens ao Nordeste do Brasil (1956),
lizado nas atividades pastoris. Cascudo (1967, p. alguns instrumentos musicais utilizados em dan-
186) nos fala de um instrumento que, no Brasil, é ças escravas. Um deles é “um grande arco, com
“chamado de Berimbau e que nós [na África] cha- uma corda tendo uma meia quenga de côco no
mamos hungu, ou m’bolumbumba, conforme os lu- meio, ou uma pequena cabaça, amarrada” (KOS-
gares e que é, tipicamente, pastoril, instrumento esse TER, 1956, p. 67). Tal descrição confere com a es-
que segue os povos pastoris até a Swazilândia, costa trutura atual do berimbau, até a forma de percus-
oriental de África”. são é parecida. Nos dizeres do autor, “colocam-na
[a cabaça] contra o abdômen e tocam a corda com
SAIBA MAIS
o dedo ou com um pedacinho de pau” (KOSTER,
1956, p. 67). Observe, caro(a) aluno(a), que ape-
Você sabia que, na literatura, podemos en- sar da utilização do instrumento ocorrer em fun-
contrar várias designações em referência ao ção da execução de algumas danças, não há men-
berimbau? Veja algumas delas: humbo, ru-
cumbo, hungo, m’bolumbumba, marimba, ção à capoeira.
urucungo, gobo, bucumbunga, bucumbumba, O berimbau também foi registrado nas pinturas
uricungo, lucungo. de Jean Baptiste Debret (1768-1848) como “O Toca-
Fonte: Shaffer (1977). dor de Urucungo”, obra de 1826.
146
EDUCAÇÃO FÍSICA
147
CAPOEIRA
O CAXIXI O PANDEIRO
148
EDUCAÇÃO FÍSICA
O ATABAQUE
149
CAPOEIRA
O AGOGÔ O RECO-RECO
150
EDUCAÇÃO FÍSICA
151
CAPOEIRA
Bateria:
o Conjunto de
Instrumentos da Capoeira
Olá, caro(a) aluno(a)! No tópico anterior, tratamos Esperamos sermos capazes de lhe mostrar o
dos instrumentos musicais característicos da capo- porquê de insistirmos na indispensável necessi-
eira. Ao apresentá-los, o fizemos destacando a estru- dade de expor este elemento constitutivo, os ins-
tura características de cada um deles. Neste tópico trumentos, na abordagem da capoeira. Para tanto,
que se inicia, continuaremos tratando dos instru- pretendemos lhe apresentar algumas das formas
mentos, entretanto, nos atentaremos às funções (pois são diversas) de organizar os instrumentos
desempenhadas por eles em uma roda de capoeira. em uma roda.
152
EDUCAÇÃO FÍSICA
A diversidade de formas de organização dos ins- trumento, na disposição deste na roda. Dito isto,
trumentos na capoeira depende de alguns fatores, prezado(a) aluno(a), é indispensável que você en-
dentre os quais destacamos o estilo ou a vertente de tenda que é impossível apresentar aqui uma forma
capoeira. Ou seja, os instrumentos que aparecem definitiva ou correta de organização. Pensamos, en-
em uma roda de capoeira de um estilo não são os tretanto, que a partir da exposição a seguir, você será
mesmos que aparecem na roda de outra vertente. capaz de compreender, grosso modo, a existência de
Por exemplo, na roda de Angola, considera-se, atual- formas diversas de organizar os instrumentos em
mente, tradicional a presença de três berimbaus, en- uma roda de capoeira.
quanto que na capoeira Regional de Mestre Bimba, A tabela a seguir representa uma síntese do tipo
conta-se com a presença de apenas um berimbau. de instrumento, bem como a quantidade de cada um
Mesmo dentro de um mesmo estilo é comum deles presentes em cada estilo de capoeira.
alguma variação, se não na presença de algum ins-
Você notou que o caxixi não foi listado nesta tabela? Nas rodas de capoeira Angola, a bateria é com-
Não foi esquecimento, mas sim, o fato de o caxixi posta por três berimbaus, o gunga, o médio e o vio-
não desempenhar uma função isolada no conjunto la. Cada um deles tem uma afinação e uma função. O
de instrumentos característicos da capoeira. Este ins- gunga é o berimbau de som mais grave, visualmente,
trumento serve de acompanhamento à percussão do podemos reconhecê-lo pelo maior porte da cabaça.
berimbau. Desta forma, entenda que o caxixi está pre- Por ter uma função determinante na roda, esse berim-
sente onde estiver o berimbau e na mesma quantidade. bau é, geralmente, tocado pelo mestre ou por outro
O conjunto de instrumentos em uma roda de ca- capoeira experiente capaz de conduzir a roda. A sua
poeira já foi denominado conjunto musical ou rit- percussão deve ser bem definida, uma vez que o co-
mo (PASTINHA, 1988). Atualmente, é mais comu- mando emitido pelo gunga, ou seja, o toque, precisa
mente conhecido como bateria (CRUZ, 1997; 2003, ser compreendido por todos os integrantes da roda.
SILVA; HEINE, 2008), orquestra (SILVA, 2003), ou Esse instrumento costuma marcar o toque, sem exe-
ainda, charanga (COLUMÁ, 2012). cutar variações. Por exemplo, se o toque executado for
153
CAPOEIRA
angola, o gunga o marca repetidamente, sem executar Uma ressalva se faz necessária, apesar de conside-
muitos repiques, que são as variações dentro do toque. rarmos esses exemplos especificidades contextuais,
O berimbau viola, por outro lado, tem uma afi- demasiadamente técnicos, ainda assim são necessá-
nação que lhe garante um som agudo e, diferente- rios, pois nos ajudam a compreender que o anda-
mente do gunga, improvisa livremente, sem, no en- mento da roda se dará de acordo com os preceitos
tanto, sair do ritmo e do toque executado por este. considerados tradicionais por cada mestre, escola ou
Assim, se o gunga toca angola, o viola também o faz, grupo de capoeira, evitando, neste sentido, julgar-
mas o seu tocador é livre para explorar a criativi- mos certas ou erradas tanto as nossas experiências
dade. Visualmente, o berimbau viola pode ser reco- quanto as dos nossos pares.
nhecido por ter a cabaça pequena, a menor dentre o Após a definição do toque pelo gunga, o que, por
trio de berimbaus. sua vez, determinará o andamento dos jogos execu-
O médio é um berimbau intermediário entre o tados na roda e o acompanhamento do médio e do
gunga e o viola, tanto no som que produz quanto no viola, os demais instrumentos são, então, percuti-
tamanho da cabaça. Há algumas rodas em que o mé- dos. Neste caso, em que estamos tratando da bateria
dio executa um toque diferente do executado pelo da capoeira Angola, temos a presença de um ou dois
gunga, invertendo as batidas. Por exemplo, quando pandeiros, um atabaque, um reco-reco e um agogô.
o gunga toca angola, o médio toca são bento peque- A bateria da capoeira Regional é composta por
no de angola; já quando o gunga toca são bento pe- um berimbau e dois pandeiros. O berimbau, apesar
queno de angola, o médio toca angola dobrada. de ser solo, tem a mesma função: determinar o an-
damento da roda. Sobre a composição da charanga,
como é conhecida a bateria da capoeira Regional de
mestre Bimba, Brito (2007, p. 50) nos esclarece que:
154
EDUCAÇÃO FÍSICA
sempenham na bateria da Angola. Ou seja, o gunga toque para imaginarmos a ocorrência de uma roda
marca o toque, o qual é repetido pelo médio com al- de capoeira. No próximo tópico, abordaremos as
gumas possibilidades de improviso e, na sequência, cantigas de capoeira, outro elemento constitutivo
o viola executa o mesmo toque, mas com liberdade desta prática corporal.
de improviso. Ainda estão presentes nessa bateria
um ou dois pandeiros, mais comumente dois. Há
a presença de um atabaque. Em algumas forma-
ções, há a presença de um agogô. Não é comum a
presença do reco-reco, mas há formações onde este
instrumento é utilizado na execução dos toques da
capoeira Angola.
A ordem dos instrumentos é por demais variada
para que arrisquemos alguma apresentação, mas, de
maneira geral, o trio de berimbaus ocupa o centro
da bateria, e os demais instrumentos são distribuí-
dos. A bateria, mais especificamente a região à frente
dos berimbaus, conhecida como “pé do berimbau,”
é a “porta de entrada” da roda. Neste espaço, se co-
locam acocorados os jogadores que iniciarão o jogo
após o canto da ladainha, no caso da roda de capo-
eira Angola. Também é dali que partirá para o jogo
uma nova dupla, na roda da capoeira Regional. É
também do pé do berimbau que os jogadores entra-
rão na roda para efetuar a compra do jogo.
Para finalizarmos este tópico, vale frisar a im-
portância que, atualmente, é atribuída ao berimbau
no andamento da roda de capoeira. Desta forma, é
preciso que se entenda que os demais instrumen-
tos são subordinados ao comando dos berimbaus,
especificamente ao gunga. Logo, os demais instru-
mentos não devem ser percutidos de modo que
cubram o som dos berimbaus. Lembre-se que é a
mensagem entoada pelo berimbau gunga que deter-
minará o tipo de postura assumida na roda.
A importância do berimbau e a sua associação
atual com a capoeira, outrossim, são ratificadas no
imaginário popular. Basta ouvirmos o soar do seu
155
CAPOEIRA
As Cantigas de Capoeira
e a sua Estrutura
Caro(a) aluno(a)! Nos detivemos, nos tópicos an- nar a cantar. Almejamos sim, que você compreenda a
teriores, à apresentação dos instrumentos caracte- estrutura dos diferentes tipos de cantiga, sendo, desta
rísticos da capoeira. Identificamos ainda algumas forma, capaz de diferenciar um corrido de uma la-
formas de organização desses instrumentos, ou seja, dainha; uma cantiga característica da Angola de uma
conhecemos a bateria, o conjunto de instrumentos cantiga característica da Regional; e que, de forma
presentes na roda de capoeira. No tópico que segue, mais ampla, você reflita acerca do conteúdo delas.
trataremos das cantigas de capoeira. Antes, porém, Comecemos as nossas discussões com uma in-
deixemos claro que o nosso objetivo não é lhe ensi- dagação: Para você, prezado(a) aluno(a), qual é a
156
EDUCAÇÃO FÍSICA
função das cantigas na capoeira? Disfarçar a luta as suas percepções de mundo, as suas aventuras
com dança, diriam alguns. Animar a roda, diriam e desventuras, os seus heróis, os seus fundamen-
outros. Estas não são percepções erradas, tampou- tos, enfim, a sua história e, consequentemente, a
co devemos desconsiderá-las. Entretanto, a musica- história da própria manifestação. Ao analisarmos
lidade expressa na capoeira extrapola tais funções. o conteúdo de alguns exemplos de cantigas que
As cantigas funcionam como forma de transmissão apresentaremos mais adiante, você perceberá a
de saberes. presença destes temas.
No universo cultural da capoeira, as cantigas Assim como nos demais elementos constitutivos,
possuem, de acordo com Columá (2012), um va- os tipos de cantigas presentes em uma roda variam,
lor simbólico e, não obstante, possuem também um principalmente, em função do estilo de capoeira.
valor prático. Lembre-se que a capoeira é uma ma- Entretanto, podemos dizer que, de maneira geral, as
nifestação cujo desenvolvimento se deu no âmbito cantigas de capoeira são as ladainhas, as louvações,
da cultura popular, onde a oralidade é uma das ca- as chulas, os corridos e as quadras. A dinâmica das
racterísticas mais marcantes. Por meio da oralidade cantigas apresenta uma interação constante entre o
são transmitidos e revividos os saberes ancestrais cantador, aquele que as entoa, e o coro, os demais
(ABIB, 2005). No caso da capoeira, tais saberes e as integrantes da roda de capoeira.
suas histórias não são contados, mas cantados. So- As ladainhas são cantigas características da ca-
bre este aspecto, Santos (2002) destaca que as canti- poeira Angola, mais, especificamente, do toque de
gas de capoeira podem revelar, por meio de seu con- Angola, mas que são igualmente entoadas nas ro-
teúdo, aspectos históricos por vezes negligenciados das da capoeira Contemporânea, quando o toque
pela educação formal. de Angola é executado. Comumente, as rodas são
Neste sentido, é importante que repensemos a iniciadas com uma ladainha, durante a qual não se
forma como este elemento constitutivo vem sendo joga. Isto mesmo, enquanto o cantador, neste caso,
exposto durante a abordagem da capoeira nos mais o mestre da roda, entoa uma ladainha, os jogadores
distintos espaços. As cantigas são uma das formas aguardam acocorados ao pé do berimbau esperando
de expressão que o capoeira tem à sua disposição. a autorização para o início do jogo. Também não é
Vimos, na Unidade 3, que a gestualidade do jogo é comum a participação do coro nas ladainhas. Este
espontânea, ou seja, dentro dos preceitos do toque, o tipo de cantiga é relativamente longo quando com-
capoeira é livre para criar os seus movimentos, é li- parado às demais cantigas de capoeira.
vre para se expressar corporalmente. Pois bem, com As ladainhas sugerem reflexão, o seu conteúdo
as cantigas a dinâmica é a mesma. Respeitando-se os expressa os sentimentos dos capoeiras sobre as mais
preceitos do toque, que designará um tipo específico variadas temáticas, “podendo ser um aviso, uma
de cantiga a ser entoada, o capoeira é livre para en- reza, um lamento, um desabafo, um agrado, ou um
toar a sua mensagem. desafio” (MATTOS; MATTOS, 1995, p. 12). Acom-
Outrossim, é importante que se diga que as panhem, a seguir, a letra de uma ladainha, composta
cantigas são compostas pelos próprios capoeiras. por Antonio César de Vargas, o mestre Toni Vargas.
E por meio destas composições, eles registram Atentem-se para o conteúdo desta cantiga.
157
CAPOEIRA
cial, inclusive de combate à “normativa mítica que Iêê a Capoeira Camará (Coro)
entronizava a princesa Isabel como salvadora dos
158
EDUCAÇÃO FÍSICA
Sem que haja pausa ou interrupção, o cantador passa Paraná ê, Paraná ê, Paraná (Coro).
da chula para os corridos. Os corridos são cantigas A pintura é do diabo, Paraná
relativamente curtas, e a interação entre o cantador
A beleza é Deus quem dá, Paraná (cantador).
e o coro é mais efetiva e dinâmica. Quando dizemos
Paraná ê, Paraná ê, Paraná (Coro).
que um corrido é curto, nos referimos à sua estru-
tura, pois o tempo de execução de um corrido em Vou m’embora, vou m’embora, Paraná.
uma roda de capoeira não é determinado. Aliás, esse Como eu já disse que vou, Paraná (cantador).
tipo de cantiga permite que o cantador explore a Paraná ê, Paraná ê, Paraná (Coro).
sua capacidade criativa, uma vez que ele é livre para Eu aqui não sou querido, Paraná
improvisar os versos. O coro do corrido, entretanto,
Mas na minha terra eu sou, Paraná (cantador).
não se improvisa. Os demais integrantes da roda que
Paraná ê, Paraná ê, Paraná (Coro).
respondem o coro repetem sempre o mesmo verso.
Observem o exemplo que segue de um corrido
de domínio popular, muito conhecido não só nas Entretanto, no Rio de Janeiro, de acordo com Lopes
rodas de capoeira. (1992) os corridos são conhecidos como chulas. Bri-
to (2007, p. 54), por seu turno, nos apresenta outra
Vou dizer pra minha mulher, Paraná estrutura para a chula. Para o autor, essas cantigas
Capoeira me venceu, Paraná (cantador). têm a mesma estrutura das ladainhas, mas sem a lou-
vação. Acompanhem o exemplo que segue. A cantiga
Paraná ê, Paraná ê, Paraná (Coro).
é intitulada “Moça chorando” e é interpretada por
Ela que bateu o pé firme, Paraná
Reinaldo Ramos Suassuna, o mestre Suassuna.
Isso não acontecer, Paraná (cantador).
Paraná ê, Paraná ê, Paraná (Coro). Lá em cima da janela
É de vera que o morro, Paraná Da janela do sobrado
Se mudou para a cidade, Paraná (cantador). Tinha uma moça chorando
Paraná ê, Paraná ê, Paraná (Coro). Chorando pra se acabar
Tem batuque todo dia, Paraná Por causa do Cordão de Ouro
Mulata de qualidade, Paraná (cantador). Ai meu bem, que o ladrão tinha roubado
Paraná ê, Paraná ê, Paraná (Coro). Mas não chore, dona moça
Minha mãe é mulher velha, Paraná Que o ladrão já tá sendo procurado
Fecha porta e dorme cedo, Paraná (cantador). Quem pegar este ladrão
Paraná ê, Paraná ê, Paraná (Coro). Oi, ai, ai! Será bem recompensado
A mulher para ser bonita, Paraná Dou um berimbau maneiro
Não precisa se pintar, Paraná (cantador). Ai, Ai, Ai! Dou um gunga ritmado
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CAPOEIRA
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EDUCAÇÃO FÍSICA
161
CAPOEIRA
A Roda, o Momento de
Expressão da Capoeira
No tópico que se inicia, nós abordaremos o último to histórico; as suas formas de representação; os seus
elemento constitutivo. Vale a pena relembrar que a agentes e etc. Da mesma forma que é indispensável
elaboração do material que você tem nas mãos se a abordagem do repertório gestual que a caracteri-
deu a partir da percepção da capoeira como uma za como uma prática corporal. E particularmente,
manifestação que pode ser abordada pedagogi- no caso da capoeira, os seus instrumentos e as suas
camente a partir de seus elementos constitutivos, cantigas, elementos que lhe conferem singularidade.
aqueles aspectos que a caracterizam. Todos esses elementos já foram expostos ao longo
Neste sentido, consideramos indispensável, ao se dessas quatro unidades. Por fim, trataremos da roda
abordar a capoeira em qualquer contexto, que sejam de capoeira, a qual representa mais do que um espa-
expostos os aspectos referentes à historicidade desta ço, representa também um momento onde todos os
prática, como as suas origens; o seu desenvolvimen- demais elementos convergem.
162
EDUCAÇÃO FÍSICA
163
CAPOEIRA
da cantiga, dois capoeiras dirigem-se ao pé do be- Uma vez que o capoeira se põe a jogar, valendo-se de
rimbau e aguardam a autorização para iniciar o jogo. um repertório gestual conquistado em vivências e trei-
Esta autorização poderá ser dada por meio da pró- nos, ele(a) tem a possibilidade de explorar livremente
pria cantiga, ou por um simples gesto do mestre, mas tal repertório. Ou seja, apesar de haver a determina-
é bastante comum que o berimbau gunga seja incli- ção do tipo de jogo, por meio do toque de berimbau, o
nado para frente indicando, desta forma, que o jogo jogador, ao explorar o seu repertório, seleciona e exe-
já pode começar. cuta os movimentos que julgar mais apropriados para
No caso de uma roda de capoeira Angola, esta as diversas situações impostas pelo diálogo corporal,
forma de entrar na roda, ou seja, os dois capoeiras que é o jogo de capoeira. E não é somente em relação
iniciando o seu jogo no pé do berimbau, se repeti- ao jogo que a roda privilegia a espontaneidade, tam-
rá durante toda a roda. No caso da capoeira Regio- bém durante os toques e as cantigas o capoeira pode
nal de mestre Bimba, o procedimento de entrada é expressar-se livremente. Lembre-se que, no caso das
basicamente o mesmo, dois jogadores aguardam o cantigas, são os próprios capoeiras que as compõem.
comando do berimbau para iniciarem o seu jogo, o Evidentemente que a descrição do andamento de
que difere é o tempo de cada jogo. Os jogos de An- uma roda de capoeira que lhes apresentamos é uma
gola são bem mais extensos que os da Regional. forma generalizada de fazê-lo. Muito provavelmente
Nas rodas da capoeira Contemporânea, este você, que já tenha assistido, que venha a assistir ou que
procedimento, de entrar uma dupla de cada vez, fica até mesmo já tenha participado de uma roda de capo-
restrito ao toque de Angola. Com o desenrolar da eira, deparar-se-á com outros tantos detalhes e parti-
roda, a forma de entrada mais comum adotada pelos cularidades de cada estilo, grupo ou mestre de capo-
jogadores tem sido o jogo de compra. Este é o ato de eira. Não obstante, tal fato não traz nenhum demérito
um capoeira interromper um jogo entre outros dois aos nossos esforços de lhe apresentar a roda. Aliás,
jogadores, posicionando-se de frente com o jogador nem poderia ser diferente, lembre-se que a capoeira
com quem se deseja jogar, enquanto o outro retira- é polissêmica e, como tal, não se enquadra em uma
-se do centro da roda. Perceba, prezado(a) aluno(a) única categoria. Como poderia, então, a roda ser igual
que, apesar da mudança na maneira como os joga- em diferentes contextos? O fato é que pensamos em
dores entram na roda, o ponto de entrada ainda é o uma forma de abordar o elemento “roda” de maneira
mesmo para todos os estilos qual seja a bateria, mais que você fosse capaz de compreender a dinâmica pela
precisamente, o pé do berimbau. qual ela se expressa. Esperamos, nesse sentido, que, ao
A função de manter a roda é partilhada por to- assistir uma roda, você seja capaz de identificar e en-
dos os seus integrantes. Desta forma, todos que a tender o que está acontecendo. E, enquanto futuro(a)
compõem são potencialmente jogadores, tocadores profissional de Educação Física, seja capaz de levar
e cantadores. Apesar de existir certa hierarquia nas os(as) seus alunos(as) a tal entendimento.
rodas, estas funções não são preestabelecidas, o que Pensando em uma forma de abordar a roda, bem
predomina é a autonomia dos sujeitos. como os demais elementos constitutivos da capoei-
Outro aspecto característico da capoeira e que se ra, compartilharemos algumas propostas e experi-
torna bastante evidente na roda é a espontaneidade. ências na próxima unidade. Até breve!
164
considerações finais
Olá, prezado(a) aluno(a)! Nesta unidade, tratamos dos aspectos referentes aos
instrumentos, às cantigas e à roda de capoeira. Nos propomos a apresentar-lhe
os instrumentos característicos do jogo, destacando-os em suas funções e formas
de organização. No tocante às cantigas, propomo-nos a apresentar-lhe os tipos
de cantigas presentes nas rodas de capoeira. Quanto a esta última, procuramos
expor a sua dinâmica geral.
Nesse sentido, verificamos que berimbaus, pandeiros, atabaque, agogô e re-
co-reco são os instrumentos que compõem a bateria. A formação de uma bateria
varia principalmente em função do estilo de capoeira. Assim, descobrimos que
uma bateria de Angola é composta por três berimbaus, dois pandeiros, um ata-
baque, um agogô e um reco-reco. Uma formação bem diferente da capoeira Re-
gional, em que a charanga conta com um berimbau e dois pandeiros. No caso da
Contemporânea, a bateria se aproxima da formação da Angola, mesmo quando
são executados os toques da Regional.
Os três berimbaus presentes na roda possuem afinações e funções distintas
na bateria, dentre eles, o berimbau gunga é o que define o andamento. Apesar
de, atualmente, ser considerado o símbolo da capoeira, o berimbau nem sempre
esteve associado a ela. Antes de sua presença, era o atabaque que ritmava a roda.
No que se refere às cantigas, identificamos as ladainhas, louvações ou chulas,
as quadras e os corridos como os tipos de cantigas características de uma roda de
capoeira. Compreendemos que cada estilo de capoeira tem as suas cantigas es-
pecíficas. Mas, principalmente, refletimos acerca das funções e do conteúdo das
cantigas. Entendemos que esse elemento não se limita a embalar as rodas e que,
por meio das cantigas, a história da capoeira e dos jogadores é cantada.
Compreendemos por meio da análise de sua dinâmica, que a roda não é ape-
nas um espaço físico, mas é, antes de tudo, um momento específico de expressão
da própria capoeira. Então, finalizamos esta unidade refletindo sobre a forma
como esses elementos podem ser expostos nos mais diversos espaços.
165
atividades de estudo
1. Com base em nossos estudos, relacione os tipos III - A bateria característica da capoeira Regio-
de cantigas, a seguir, às suas respectivas descri- nal é denominada charanga, e é composta
ções. por um berimbau e dois pandeiros.
1 - Ladainha IV - A bateria característica da capoeira Con-
2 - Quadra temporânea é normalmente composta
por três berimbaus, dois pandeiros, um
3 - Corrido atabaque e, em alguns casos, um agogô.
4 - Louvação/Chula É correto o que se afirma em:
( ) Cantiga característica do toque de Angola, a) I, apenas.
relativamente longa em relação aos demais tipos
de cantigas. b) I e II, apenas.
166
atividades de estudo
167
LEITURA
COMPLEMENTAR
Leia o excerto de Lima (2014) que trata da abordagem Pesquisador – Esses materiais são particulares?
da capoeira, especificamente, nas aulas de Educação Fí-
• É. O berimbau é meu, eu que adquiri. E aí através dos
sica, no contexto escolar, e reflita sobre a forma como os
alunos eu consigo que tragam berimbau. Atabaque
elementos constitutivos da capoeira têm sido expostos
eu não consegui ainda, mas da escola é difícil. Até
quando à sua abordagem.
porque é... Nós funcionamos como lotação. Eu não
Outra dificuldade de ordem prática constatada no contexto tenho lotação. Então se eu conseguir material pra
pesquisado se dá na exposição dos instrumentos caracte- essa escola, o ano que vem eu não tenho garantias
rísticos da Capoeira. Este aspecto é representado principal- que eu vou trabalhar aqui. Então o professor que
mente pelo berimbau, mas acompanhado por outros tais vem, ele pode usar ou não. Então vai ficando. Não é
como o pandeiro e o atabaque. [...] Os instrumentos são, um material que na hora de fazer a lista os diretores
juntamente com a música que abordaremos adiante, um vão priorizar, eles vão questionar aos professores
meio de linguagem próprio do universo da Capoeira. que estão “ah, que tipo de material você precisa?”
[...] Então fica muito atrelado a pessoa (P3).
Um(a) dos(as) professores(as) registrou que a aquisição [...] Colige-se, a partir do exposto, que a abordagem
de materiais específicos da Capoeira por parte da insti- aos instrumentos característicos à Capoeira raramente
tuição escolar, depende da iniciativa dos docentes, que ocorre, visto que dentre os(as) professores(as) entre-
de maneira geral os(as) professores(as) não têm material vistados(as) somente um afirmou expor um dos ins-
a sua disposição, portanto, via de regra, não trabalham trumentos aos seus estudantes. Os(as) outros(as) qua-
os instrumentos em suas aulas. A exposição deste as- tro professores(as) afirmaram não trabalharem com
pecto da Capoeira fica restrita à abordagem teórica. O(a) a exposição dos instrumentos. Os motivos apontados
único(a) professor(a) que afirmou expor os instrumentos foram, primeiramente, a indisponibilidade material. Ve-
de forma prática, informou que para tanto precisou ad- rificamos que o(a) único(a) professor (a) que apresen-
quirir o instrumento com recursos próprios. tou um instrumento aos estudantes teve de adquiri-lo
com recursos próprios. Sem o material os(as) profes-
• Algumas escolas já têm o berimbau, tem atabaque
que é fruto da iniciativa de algum professor ou ou- sores(as) recorrem ao empréstimo por parte de algum
tro. Mas assim isso não é todos. Não é prática de to- estudante que possua tal instrumento, ou a exposição
das as escolas, então fica restrito a prática do pro- virtual, por meio de imagens. O segundo motivo para
fessor, a escola ter aquele material. Então eu tenho não exposição é a falta de domínio técnico. Alguns pro-
alguns materiais, eu tenho o berimbau que eu levo, fessores afirmaram, que mesmo que tivessem o instru-
que eu consigo ilustrar eu tenho os vídeos (P3). mento a sua disposição não saberiam percuti-lo. Ambos
168
LEITURA
COMPLEMENTAR
os fatores levam a um estado de dependência, como • Não. Não consegui trazer a música. Que nem eu te
aquele verificado, quando no trato prático dos gestos disse, eu queria ter feito mais aulas práticas mas,
técnicos. Dependência tanto para o acesso ao instru- era muito corrido né! Foi atropelado, foi uma coisa
mento quanto para a manipulação deste. O que confir- assim pra cumprir um projeto na verdade, mas as-
ma nossa hipótese de que a representação dos(as) pro- sim... Fiquei devendo a música, não trouxe nem pra
eles terem uma noção (P1).
fessores(as) sobre Capoeira é de que a Capoeira é uma
atividade de pouca relevância, para qual não há neces- Os demais professores que mencionaram a abordagem
sidade de aquisição de materiais específicos tampouco da música o fizeram por ocasião da roda. Ao que indica
de preparo técnico dos profissionais responsáveis pela suas falas, a música, nesse contexto, limita-se ao embalo
manipulação de tais materiais. do jogo.
Os instrumentos são apontados pelos sujeitos pratican-
• [...] Mas, enfim. Eu coloco a música, uso o pen drive,
tes como o diferencial da Capoeira praticada fora do con-
a gente tem a TV pen drive, tiro as carteiras da sala,
texto escolar e aquela vivenciada nas aulas de Educação
ou coloco num cantinho da sala (P5).
Física. Confirmam, dessa forma, o discurso dos(as) pro-
fessores(as), quando registram que não tiveram acesso • A parte musical eu tenho trabalhado com som me-
aos instrumentos característicos da Capoeira. cânico. [...] então assim, eu ainda não consegui fa-
É importante destacarmos para os estudiosos da zer o som só na roda né! Eu tenho que levar um
constitutivos da Capoeira, não deveriam estar ausentes Apesar de os(as) professores(as) não descreverem em
quando da abordagem da manifestação. Mesmo porque detalhes a abordagem aos aspectos musicais, não nos
os instrumentos são fundamentais para a abordagem de parece que tenham servido para nenhum tipo de discus-
outro aspecto da Capoeira, a música. [...] são acerca do conteúdo destes.
Tomando a música como elemento de tanto significado
Fonte: Lima (2014).
para a Capoeira, verificamos que este aspecto constitu-
tivo da Capoeira tem sido pouco explorado nas escolas
investigadas nesta pesquisa.
Entre os(as) professores(as) dois(02) afirmaram não tra-
balharem a música quando da abordagem da Capoeira.
169
material complementar
170
referências
171
referências
Referências on-line
1
Em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Debretberimbau.jpg?uselan-
g=pt-br>. Acesso em: 22 fev. 2019.
2
Em: <https://pontosolidario.org.br/loja/do-que-e-feito/sementes/agogo-de-
-castanha/>. Acesso em: 22 fev. 2019.
3
Em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Hn_3berimbau.jpg>. Acesso
em: 22 fev. 2019.
172
gabarito
1. C.
2. E.
3. C.
4. B.
5. B.
173
ABORDAGEM PEDAGÓGICA DOS
ELEMENTOS CONSTITUTIVOS
DA CAPOEIRA
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta
unidade:
• Fuga para o quilombo, uma forma de resistência
• Pega e salva o capoeira
• Berimbau de PVC, uma alternativa à falta de instrumentos
• Na roda, o jogo de compra é “nunca três”
Objetivos de Aprendizagem
• Conhecer as condições de vida, no contexto da escravidão,
e a fuga para os quilombos como uma forma de
resistências a tais condições.
• Aprender a dinâmica dos gestos técnicos característicos da
capoeira.
• Conhecer as possibilidades de confecção alternativa dos
instrumentos.
• Conhecer a dinâmica do jogo de compra.
unidade
V
INTRODUÇÃO
Olá, caro(a) aluno(a)! Quando pensamos na abor- período; as condições, as quais eram submetidos os
dagem de aspectos históricos, grosso modo, nos vêm negros africanos; os papéis e as funções sociais e as
à mente as aulas teóricas. De fato, elas são estratégias formas de resistência àquele contexto.
indispensáveis, entretanto, propomos uma aborda- A atividade será iniciada sem que haja nenhuma
gem prática de alguns aspectos históricos referentes introdução histórica, isto por que o contexto históri-
à capoeira. É preciso ter em mente que há ampla co será revelado no decorrer da atividade. Desta for-
gama de temas referentes à história da capoeira. ma, dentre os(as) alunos(as) serão selecionados(as)
Lembre-se de quanta informação tomamos conhe- alguns(mas) pegadores(as). A quantidade de pega-
cimento na Unidade 1! dores(as) dependerá, basicamente, do tamanho da
A atividade que propomos a seguir abordará, es- turma e do espaço disponível para a realização da
pecificamente, o contexto brasileiro no período da atividade. O espaço deverá ser dividido em três cam-
escravidão, evidenciando as relações de poder do pos, como ilustrado na Figura 2.
178
EDUCAÇÃO FÍSICA
PEGADORES(AS)
ALUNOS(AS)
1 2 3
QUILOMBOLAS
ESCRAVOS(AS)
QUILOMBO
Figura 2 - Representação dos campos da dinâmica “fuga para o quilombo”.
ENGENHO
SENZALA
FEITOR
Fonte: o autor.
que representará, genericamente, uma dentre as mui- Fonte: Alves Filho (1988, p. 15).
tas formas de reação à escravidão (GUIMARÃES,
1988). Quilombo fora o termo adotado para designar
179
CAPOEIRA
Seguimos com nova fase da atividade, na qual po- A dinâmica não foi alterada, apenas inserimos a
demos explorar mais detalhes históricos referentes figura do capitão-do-mato, um novo pegador. De-
ao Brasil escravocrata. Sabemos que muitos negros pendendo da turma com a qual estamos trabalhan-
conseguiram fugir dos feitores e construíram por do, podemos explorar mais detalhes históricos.
toda a extensão do território brasileiro centenas de Podemos abordar as incursões quilombolas aos
quilombos, porém o mais conhecido foi o quilombo engenhos a fim de libertarem os escravos (ALVES
de Palmares que, em seu apogeu, por volta de 1670, FILHO, 1988).
abrigou cerca de 20 mil habitantes (MOURA, 1986). O objetivo ainda é o de chegar ao quilombo, mas
Desta forma, após a fuga do engenho, o escravo com maior dificuldade. Assim, novas estratégias e
continuava a ser perseguido. Inseriremos em nossa novos espaços poderão ser incorporados. Primeira-
atividade uma nova função, o capitão-do-mato. Esta mente, quem for pego tanto pelo(s) feitor(es) quan-
figura era responsável por caçar os negros fujões. to pelo capitão-do-mato deverá ficar imóvel no local
Também será inserido um novo campo, onde ficará onde foi pego(a), não voltará para senzala como nas
o capitão-do-mato. fases anteriores. Mas aqueles que conseguirem che-
gar ao quilombo, se tornarão quilombolas e poderão
salvar os colegas capturados. A dinâmica termina
CAPITÃO-DO-MATO
QUILOMBO
ENGENHO
SENZALA
MATAS
180
EDUCAÇÃO FÍSICA
181
CAPOEIRA
182
EDUCAÇÃO FÍSICA
Estamos tratando, nesta unidade, das possibilida- dependendo do tamanho da turma e do espaço
des da abordagem pedagógica de alguns elementos disponível. A dinâmica é a mesma do “duro ou
constitutivos da capoeira. Para este tópico, propo- mole”: o(a) pegador(a) tenta imobilizar todos os
mos compartilhar experiências referentes à aborda- participantes, para tanto, basta tocá-los(as). Entre-
gem de alguns dos gestos técnicos característicos da tanto, no “pega e salva o capoeira”, ao ser tocada, a
capoeira. Lembre-se que, a princípio, tal abordagem criança deve permanecer imóvel no local em uma
não tem por objetivo o treinamento, mas sim, uma posição específica, neste caso, peça que fique aco-
apropriação da dinâmica, o reconhecimento de tais corada com um das mãos no chão e a outra, prote-
gestos característicos. gendo a cabeça.
A nossa primeira atividade parte da estrutura E aí, reconheceu essa posição? É a cocorinha,
básica de um pega-pega “duro ou mole”. Tal brinca- um dos gestos técnicos defensivos com o qual tive-
deira consiste em um ou mais pegadores, tentando mos contato na Unidade 3. Sabemos que este tipo
apanhar os demais participantes por meio de um to- de gesto é utilizado para se esquivar durante um
que. Ao ser tocado(a), o(a) participante deve ficar jogo de capoeira. Para que a criança imobilizada
imóvel no local, mas com a possibilidade de se mo- volte a correr, não utilizaremos somente um toque,
vimentar novamente. Basta, para isto, que outro(a) como ocorre na brincadeira tradicional. Solicite
participante o(a) toque. às crianças que, tomando muito cuidado para que
não atinjam os(as) colegas, passem uma das pernas
sobre quem estiver pego, na posição da cocorinha.
Não há, neste momento, a necessidade de que se
apresente um gesto específico, deixe que as crian-
ças brinquem, entendam a brincadeira e se sintam
à vontade.
Conforme a brincadeira for avançando em
suas rodadas, vá acrescentando determinadas
especificações. Por exemplo, solicite que, ao passar
a perna sobre o colega, um deve estar de frente para
o outro, caso contrário, a criança pega não será sal-
va e continuará acocorada. Ou ainda, se for passar a
perna direita, a trajetória do movimento deverá ser
da direita para a esquerda. Você perceberá que essas
Inseriremos, nessa atividade, elementos que nos especificações vão, a princípio, gerar alguma confu-
possibilitem a abordagem de alguns elementos dos são, mas ela logo será superada. Perceba que as espe-
gestos técnicos. Não da técnica em si, mas da dinâ- cificações nos remetem à meia-lua de frente, um dos
mica do movimento que desejamos abordar. Sen- gestos técnicos ofensivos característicos da capoeira
do assim, selecione um(a) ou mais pegadores(as), e com o qual já tivemos contato.
183
CAPOEIRA
184
EDUCAÇÃO FÍSICA
Passemos para a outra atividade. Para aquelas tur- preparação de tiras de papel com o nome dos gestos
mas que têm alguma apropriação do repertório ges- técnicos que se deseja abordar. Escreva nas tiras o
tual da capoeira, propomos uma atividade que parte nome de gestos já conhecidos pela turma e alguns
da dinâmica básica do “telefone sem fio”. Neste caso, desconhecidos. A atividade se desenvolve da se-
os termos utilizados como mensagens serão nomes guinte forma: a turma será disposta em círculo; uma
de gestos técnicos característicos da capoeira, os das crianças sorteia uma das tirinhas de papel onde
quais, nessa primeira fase da atividade, devem ser estão escritos os nomes dos gestos que serão abor-
conhecidos pelas crianças. dados; sem que ninguém saiba o que foi sorteado,
A dinâmica consiste na disposição da turma em nem mesmo o(a) professor(a), o(a) aluno(a) deverá
círculo; uma das crianças inicia a atividade falando, passar a mensagem para a criança ao seu lado fa-
no ouvido do(a) colega ao seu lado, o nome de um lando, ao ouvido dela, o nome de um gesto técnico
gesto técnico da capoeira, o(a) colega, da mesma da capoeira; a criança que recebeu a mensagem, por
forma, passará ao outro até que a mensagem chegue sua vez, passará a outra até que a mensagem chegue
à última criança; esta, por sua vez, dirá o nome do à última criança; esta, então, dirá o nome do gesto
gesto em voz alta para conferência; o gesto, então, em voz alta para conferência; caso o gesto já seja co-
será demonstrado por aquele(a) que o propôs, o nhecido da turma, a criança que iniciou a atividade
qual será acompanhado(a) pelos demais participan- executa-o e será seguida pelos demais.
tes. É importante que, nesta primeira fase da ativi- Caso o gesto sorteado seja desconhecido pela
dade, a escolha do nome e, consequentemente, do turma, o(a) professor(a) inicia a sua abordagem.
gesto, seja das próprias crianças, desta forma, o(a) Essa variação é bem aceita pelas crianças, especial-
professor(a) poderá diagnosticar o que foi já apro- mente quando o gesto sorteado é desconhecido, pois
priado pela turma. desperta a curiosidade em saber do que se trata, em
A partir do diagnóstico dos gestos que a turma saber como se faz aquele movimento. Já para os ges-
já conhece, podemos variar a atividade e inserir no- tos conhecidos, essa atividade privilegia a associação
vos gestos. Uma variação dessa dinâmica consiste na do nome ao movimento corporal.
185
CAPOEIRA
Berimbau de PVC:
uma Alternativa à Falta de Instrumentos
No tópico que se inicia, apresentaremos uma possi- ma bastante precária. Um dos primeiros motivos é
bilidade de abordagem pedagógica do berimbau, um a indisponibilidade de material. Os(as) professo-
dos instrumentos característicos da capoeira. Com res(as) de Educação Física não têm à sua disposição,
base naquilo que discutimos nas unidades anterio- nas escolas, os instrumentos de capoeira. Sendo que,
res, sabemos que a abordagem dos instrumentos é quando propõem a exposição desses, o fazem por
indispensável, tendo em vista que estes, mais espe- meio de figuras e/ou vídeos.
cificamente o berimbau, determinam o andamento Outro entrave se refere à formação necessá-
da roda. Logo, consideramos importante o contato ria para tal abordagem, ou melhor, a falta dela. Ou
dos(as) alunos(as) com tal elemento. seja, mesmo que esses(as) professores(as) tivessem
Verificamos que, no contexto escolar, por exem- um berimbau à sua disposição, a manipulação desse
plo, a exposição desse elemento tem se dado de for- instrumento exige um conhecimento específico do
186
EDUCAÇÃO FÍSICA
qual tais agentes não dispõem (LIMA, 2014). Toda- Você precisará também de algumas ferramentas:
via é preciso que reconheçamos que a apropriação • Alicate.
desse tipo de conhecimento demanda algum tempo, • Tesoura com ponta.
já dissemos isto ao abordarmos os instrumentos na • Serra para cano.
unidade anterior. • Faca.
Pretendemos, desta forma, lhe apresentar, pre-
zado(a) aluno(a), algumas informações que lhe per- Comecemos com a confecção da cabaça. Com a te-
mitirão expor esse elemento, mesmo que não em sua soura, corte a garrafa pet a uma altura de, aproxima-
plenitude, pois, para este momento, nos limitaremos damente, 15 cm; também com a tesoura faça dois fu-
à abordagem do berimbau. ros paralelos no fundo da garrafa; passe um pedaço
De maneira geral, a indisponibilidade de um be- de barbante pelos furos e amarre as duas pontas do
rimbau é uma realidade, no contexto escolar, e, mes- barbante para formar uma alça; a medida da alça é
mo quando há um desses disponível, é em número de, aproximadamente, três dedos.
insuficiente para que todos(as) alunos(as) da turma A verga já está praticamente pronta, visto que
tenham contato com o instrumento. Sendo assim, a é o cano de PVC. Mas precisaremos colocar o su-
proposta apresentada a seguir se refere à confecção de porte para o encaixe do arame. Para tanto, utilizare-
um berimbau com material alternativo. Obviamen- mos os pedaços do cabo de vassoura. Primeiro, faça
te, este tipo de instrumento alternativo não substitui uma ponta em uma das extremidades de cada cabo
o original, mas apresenta algumas vantagens, tais para facilitar o encaixe nas extremidades do cano;
como: a acessibilidade, o envolvimento do aluno e a talvez você precise aquecer as pontas do cano para
própria manipulação do instrumento, que se torna não trincá-lo. Deixe uma ponta do cabo de madei-
facilitada por conta do peso do material utilizado. ra exposta em, aproximadamente, 1 cm em uma das
Para a confecção do berimbau alternativo, você extremidade e uns 3 cm em outra. Nesta última, en-
precisará de: talharemos um pivô, que servirá de encaixe do ara-
• 1 m de cano PVC de 25 mm para água fria. O me, assim como temos no berimbau original. Para
cano de PVC vai substituir a verga de madeira. entalhar o pivô, faça um sulco em toda a circunfe-
• 1,20 m de arame galvanizado. Este tipo de rência do cabo com o auxílio da serra para cano. O
arame é mais acessível que o de aço. próximo passo é mais delicado. Com a faca, lasque
• 2 pedaços de cabo de vassoura de, aproxima- a extremidade a fim de esculpir o pivô; caso o encai-
damente, 8 cm cada.
xe fique muito grosso, aprofunde o sulco e refaça o
• 1 garrafa pet de 2 l. A garrafa será utilizada
entalhe, mas com cautela. Se ficar muito fino que-
como caixa de ressonância no lugar da cabaça.
brará, exigindo que você substitua a ponta de cabo
• 1 pedra lisa. Ela a substituirá o dobrão de
de vassoura.
metal.
Com a verga pronta, já podemos preparar o
• 1 baqueta.
arame. Você precisará do alicate, pois o arame que
• Barbante de algodão.
estamos utilizando é galvanizado, se for de aço como
o que usamos no berimbau, o alicate pode ser dis-
187
CAPOEIRA
pensado. Em uma das extremidades do arame, faça Uma vez que o berimbau está montado, precisare-
um laço com o diâmetro aproximado do pivô que mos, para tocá-lo, da pedra e da baqueta e de al-
você entalhou na verga; utilize o alicate para finali- gumas informações adicionais, como a forma de
zar o laço e não deixe nenhuma ponta do arame so- empunhadura. Uma das vantagens que o berimbau
brando para que não provoque nenhum ferimento de PVC oferece é o seu peso reduzido, o que facilita
em quem for manusear o berimbau; faça na outra bastante no manuseio do instrumento.
extremidade do arame outro laço, porém, menor,
pois neste será amarrado um pedaço de barbante de
cerca de 30 cm. Esse barbante será utilizado para fi-
xar o arame na verga após esta ser arqueada. Como a
verga que estamos utilizando é de PVC, um material
liso, pode ser que seja necessário lixar a área onde
fixará o barbante para que este não deslize. Feito
isso, o berimbau em si está pronto. Agora é hora de
montá-lo.
Primeiro passo: encaixe o laço maior do arame
no pivô, na parte inferior da verga; segure a extre- Figura 6 – A empunhadura do berimbau e os seus acessórios
midade do arame com a mão direita e a ponta da Fonte: o autor.
188
EDUCAÇÃO FÍSICA
Agora que você já tem o seu berimbau confec- Para executar a batida solta, o dobrão não deve
cionado e já sabe como empunhá-lo, é hora de se tocar no arame; a cabaça não deve ser apoiada no
arriscar a tocá-lo, não acha? Mas, para tanto, esclare- abdome; feito isso, é só percutir o arame com a ba-
ceremos que não faremos o uso de teorias musicais. queta. Observe a figura que segue, isto deve lhe au-
Utilizaremos termos mais simples, os quais costu- xiliar na execução.
mo utilizar no cotidiano da abordagem da capoei-
ra. Tocamos o berimbau executando, basicamente,
três batidas, as quais chamaremos de solta, presa e
chiada. A combinação dessas batidas forma a base
para os toques de berimbau utilizados nas rodas de
capoeira.
SAIBA MAIS
189
CAPOEIRA
Para executar a batida presa, o dobrão deve exercer Para executar a batida chiada, o dobrão toca o ara-
pressão contra o arame; a cabaça não deve ser apoia- me, mas sem exercer a pressão, como foi feito na
da no abdome; a baqueta deve percutir o arame aci- presa; a cabaça deve permanecer apoiada no abdo-
ma do dobrão. me, o que vai provocar um abafamento do som; a
baqueta percute o arame acima do dobrão.
REFLITA
190
EDUCAÇÃO FÍSICA
191
CAPOEIRA
O toque de Angola é, normalmente, utilizado para O toque de são bento pequeno é, geralmente, pre-
iniciar a roda. É um toque cuja execução é bem ca- cedido do toque de Angola, ou seja, é comum que
denciada. O jogo segue a cadência do toque e se de- as rodas sejam iniciadas com o toque de Angola e,
senvolve de forma maliciosa, mandingueira. após algum tempo de jogo, executa-se o são bento
pequeno. Este é um toque também cadenciado, mas
SÃO BENTO PEQUENO
um pouco mais acelerado que o de Angola. O jogo
torna-se mais fluído.
Figura 14 - Representação simbólica do toque de são bento pequeno CHIADO CHIADO PRESO SOLTO SOLTO
Fonte: o autor.
192
EDUCAÇÃO FÍSICA
193
CAPOEIRA
estrutura da brincadeira não permite trios, somente se tornará pegadora. E, aí, está à dinâmica do jogo
duplas, o outro aluno da dupla passa a ser o fugitivo. de compra. As crianças já estão comprando o jogo
Caso o fugitivo seja pego, ele se tornará o pegador. umas das outras. Vamos avaliar a estratégia numa
situação mais próxima da roda?
Divida a turma em pequenos grupos, não mais
que oito crianças em cada grupo para que tenham
a oportunidade de vivenciar mais de uma vez a
atividade; em cada grupo, uma dupla estará sem-
pre gingando e os demais integrantes se revezarão
comprando o jogo, a partir da mesma dinâmica que
vivenciaram no “nunca três”. No entanto, há uma
ordem a se respeitar: quando a criança for comprar
o jogo, ela deverá retirar aquele colega que estiver
gingando há mais tempo. Esta lógica não se aplica à
primeira dupla, já que esta entrou junta, logo, qual-
Uma vez que as crianças se apropriaram da estrutu- quer uma das duas crianças pode ser retirada. Mas, a
ra da atividade, comecemos a inserção de elementos partir daí, a dinâmica muda, por exemplo, entraram
que remetem ao jogo de compra. Solicite que os in- as crianças “A” e “B”, quando “C” comprar o jogo,
tegrantes das duplas fiquem um de frente para o ou- poderá escolher comprar tanto com “A” quanto com
tro, tocando as palmas das mãos acima da linha do “B”. Supondo que “C” deseje jogar com “B”, sem que
ombro, mantendo-se, desta forma, unidas; quando o jogo pare, “C” se posiciona de forma que “B” o
o fugitivo desejar entrar em uma das duplas, deve- veja. Então, “A” sai do jogo e quando “D” comprar,
rá entrar por baixo dos braços e tocar a palma das deverá fazê-lo com “C”, que está há menos tempo
mãos de apenas uma das crianças da dupla, a ou- jogando. E assim por diante.
tra criança se tornará pegadora. Esta estratégia for- Observe, prezado(a) aluno(a), que o objetivo des-
ça que o fugitivo fique de frente com a criança com sa atividade é de as crianças conhecerem a dinâmica
quem comporá a dupla. Perceba que esta é a mesma do jogo de compra, por isto, não restringimos o local
dinâmica do jogo de compra, onde o jogador se co- de entrada para a compra. Mas você deve se lembrar
loca de frente com quem deseja jogar. de que, na roda, há um local específico para a entrada
Depois que a turma já tenha entendido a ativi- dos jogadores. Desta forma, formaremos uma roda
dade, podemos explorar mais possibilidades, por composta por todos os integrantes da turma.
exemplo, inserir mais movimento. Ao invés de as Deixe um espaço reservado, representando a ba-
duplas ficarem paradas, elas poderão gingar. O res- teria. Se a turma já tiver os seus berimbaus de PVC
tante da atividade permanece sem maiores altera- confeccionados, utilize-os, mas, mesmo que você não
ções, o fugitivo corre livremente e, quando quiser tenha à sua disposição os instrumentos, é imperativo
entra em uma das duplas, ficando de frente com a que haja a demarcação desse espaço. Como na ati-
criança com quem comporá a dupla, a outra criança vidade anterior, uma dupla deverá gingar no centro
195
CAPOEIRA
da roda e as demais crianças continuam compran- A este respeito, Silva e Heine (2008, p. 61) ponde-
do o jogo. No entanto, as crianças só poderão entrar ram:
na roda pelo espaço reservado aos instrumentos, ou
seja, sairão para comprar o jogo do pé do berimbau. É comum, muitas vezes, observarmos nas rodas
de capoeira aqueles que querem jogar o tem-
po todo, não dando chance para os demais. Na
roda de capoeira, são chamados “fominhas”.
Podem ser quatro ou cinco. Quando isso acon-
tece, eles “monopolizam” a roda. Só eles jogam.
Para que isso não aconteça, existe a necessidade
de conscientização de que todos devem parti-
cipar. Uma roda de qualidade é aquela em que
todos jogam com todos.
REFLITA
196
considerações finais
Caro(a) aluno(a)! Nesta unidade, nos propomos a lhe apresentar algumas pos-
sibilidades de abordagens práticas e pedagógicas dos elementos constitutivos da
capoeira. As experiências expostas foram estruturadas em diferentes contextos
para diferentes públicos, mas, com um princípio norteador: elas partiram dos
elementos da cultura infantil, dos jogos e das brincadeiras sem que tivessem, con-
tudo, esvaziado o conteúdo referente aos elementos constitutivos da capoeira.
Por meio dessas experiências, conhecemos um pouco mais sobre as condi-
ções de vida, no contexto da escravidão, e compreendemos as fugas e os próprios
quilombos como uma dentre as várias formas de resistência dos(as) africanos(as)
escravizados(as). O “pega e salva capoeira” nos demonstrou que a abordagem do
repertório gestual não precisa ser uma sessão de treinamento, que, ao contrário,
pode propor práticas que contemplem a dinâmica geral dos gestos, permitindo,
assim, que as crianças descubra-os e execute-os mais espontaneamente.
Ao abordarmos os instrumentos, nos deparamos com uma realidade desfavo-
rável: a indisponibilidade de material. Não propomos a confecção do berimbau
de PVC na expectativa de revertermos tal situação, temos consciência de que um
instrumento destes não substitui o original. Mas esta estratégia aproxima e envol-
ve as crianças em relação ao instrumento.
Por fim, tivemos um aspecto referente à roda de capoeira, o jogo de compra.
Sabemos que não se pode entrar na roda ou iniciar um jogo de qualquer jeito.
Mas que também há mais de uma forma de fazê-lo e que o jogo de compra é uma
delas. Por meio da adaptação do “nunca três,” compreendemos esta dinâmica.
Compartilhamos essas experiências com você, caro(a) aluno(a), na expec-
tativa de que sejam recebidas como indicativo de que é possível a abordagem de
uma determinada prática corporal mesmo que não sejamos adeptos, desde que,
obviamente, estejamos comprometidos com tal abordagem.
197
atividades de estudo
198
atividades de estudo
199
LEITURA
COMPLEMENTAR
[...] O ensino e a aprendizagem da capoeira devem com dor, o dançarino, o músico, o atleta, o lutador etc. Souza
todos contemplar todos os elementos que envolvem (2002) destaca que sua prática como atividade forma-
sua estrutura, de forma contextualizada e promovendo, tiva e informativa possibilita o desenvolvimento dos
assim, o diálogo e reflexão dos seus diversos aspectos conteúdos elencados anteriormente nos fundamentos
com o cotidiano do núcleo e dos beneficiados. Mas como da modalidade, em suas dimensões conceituais, proce-
estes elementos poderiam ser contemplados na prática dimentais e atitudinais como: historicidade, pleno exer-
das aulas do programa propriamente ditas? Na prática cício da cidadania, cooperação e participação social,
concreta do desenvolvimento das aulas, pelos múltiplos disciplina, autoestima, autoconfiança, criatividade, a
enfoques que a capoeira apresenta e que o professor formação do esquema corporal, a aquisição de coorde-
deverá ressaltar, o aluno, às vezes, gostará mais de brin- nação motora, equilíbrio, orientação espaço-temporal,
car com a capoeira, de maneira despretensiosa e lúdica, ritmo, dentre outros.
ou então se interessará mais pelos aspectos históricos Um dos pontos que fundamenta a capoeira como um
e folclóricos. Encontraremos também aquela criança ou conteúdo a ser desenvolvido nos núcleos do Programa
jovem que se identificará mais com os elementos musi- Segundo Tempo e que possibilita ser desenvolvido nas
cais e instrumentos que a modalidade oferece, em que o práticas pedagógicas é sua historicidade. A capoeira en-
professor possibilita, em sua prática pedagógica, que os cerra em seus movimentos a luta da emancipação do
alunos criem suas cantigas e até mesmo se interessem negro no Brasil escravocrata. Em seu conjunto de ges-
em construir o seu próprio instrumento, estimulando a tos, a capoeira expressa, de forma explícita, a “voz” do
criatividade e a sensibilidade artística. Encontraremos oprimido na sua relação como o opressor (SOARES et.
aqueles alunos que se identificarão mais com o aspec- al., 1992). Sua origem é bastante diferente das diversas
to esportivo da capoeira, que ainda é meio tímido e não modalidades consolidadas no contexto educacional bra-
muito organizado, mas que tem presença no universo da sileiro. Neste momento, não temos a pretensão de nos
modalidade. aprofundarmos teoricamente sobre as origens da capo-
O importante é o responsável pelo ensino expressar em eira, porém, entendemos a importância de elencarmos
sua prática pedagógica o entendimento de que na roda alguns aspectos importantes relacionados ao seu desen-
de capoeira há lugar para todos, ou seja, para o joga- volvimento.
200
LEITURA
COMPLEMENTAR
Souza e Oliveira (2001) destacam alguns aspectos que O importante é que o professor estimule os recortes
justificam a inclusão e sistematização da capoeira como históricos e os relacione com os aspectos culturais des-
um dos conteúdos da Educação Física Escolar e que, em portivos e cotidianos dos beneficiados, salientando a
nosso entendimento, justificam-na como conteúdo a modalidade como uma expressão corporal brasileira e
ser oferecido nos núcleos do Programa Segundo Tem- instrumento de inclusão social. Promover a elaboração
po, pela própria aproximação histórica e cotidiana com de cartazes sobre temas pesquisados (históricos, pre-
os objetivos do programa e com o público-alvo atendi- conceito, cidadania, dentre outros). Debater os aspectos
do. São eles: a capoeira é de origem afro-brasileira, é históricos com estratégias que envolvam as músicas de
oriunda de movimentos comunitários e lutas de classes, capoeira, pois estas em sua maioria tratam de aspectos
transgrediu por muitos anos os códigos das culturas históricos e cotidianos da expressão. Realizar uma expo-
dominantes e é rica em conteúdos significativos histó- sição de fotos/imagens antigas e novas da modalidade.
ricos sociais. Salientamos que alguns elementos histó- Apresentar filmes sobre o tema e promover posterior
ricos (senão todos) podem e devem ser desenvolvidos debate com os beneficiados, procurando relacionar com
nas aulas práticas, principalmente, em jogos e ativida- o cotidiano das crianças e jovens. Convidar um mestre
des recreativas adaptadas à capoeira que transmitam de capoeira (de preferência da comunidade em que o
elementos relacionados à historicidade da modalidade. núcleo está inserido) para falar um pouco sobre o his-
[...] Diversas estratégias poderiam ser utilizadas nas tórico e evolução da modalidade. Dramatizações com
dimensões conceitual, atitudinal e procedimental dos as crianças sobre o tema pesquisado, ou algum recorte
conteúdos, tais como: estimular os alunos a pesquisa- histórico da modalidade (estratégia que deve ser moni-
rem sobre o histórico da capoeira, sua relação com a es- torada e dirigida pelo professor responsável). Essas e ou-
cravidão, elementos da colonização portuguesa no Bra- tras estratégias podem e devem ser desenvolvidas nas
sil, os mestres conhecidos da modalidade, os espaços aulas práticas e cotidianas do núcleo, bem como podem
que têm sua prática, sua organização, seu valor como ser desenvolvidas em ações específicas e pontuais como
luta de libertação, seu valor como instrumento contra projetos participativos que envolvam todos os beneficia-
a opressão, seu valor como profissão para muitos no dos do núcleo, comunidade, apresentações de capoeira
Brasil e exterior, dentre outros. dentre outros.
201
material complementar
202
referências
ALVES FILHO, I. Memorial dos Palmares. Rio de em Educação, Universidade Estadual de Maringá,
Janeiro: Xenon, 1988. Maringá, 2014.
BRITO, E. P. Os fundamentos da capoeira. Goiânia: MOURA, C. Os quilombos e a rebelião negra. 5. ed.
Secretaria de Educação do Estado de Goiás, 1997. São Paulo: Brasiliense, 1986.
CAMPOS, H. Capoeira Regional: a escola de mestre REGO, W. Capoeira Angola: ensaio sócio-etnográfi-
Bimba. Salvador: EDUFBA, 2009. co. Salvador: Itapuã, 1968.
GUIMARÃES, C. M. Uma negação da ordem escra- SILVA, G. O.; HEINE, V. Capoeira: um instrumen-
vista: quilombos em Minas Gerais no século XVIII. to psicomotor para a cidadania. São Paulo: Phorte,
São Paulo: Ícone, 1988. 2008.
LIMA, R. C. Representações da capoeira: o cená- SOUZA, S. A. R.; OLIVEIRA, A. A. B. Capoeira. In:
rio em escolas de Maringá. 2014. 203 f. Dissertação OLIVEIRA, A. A. B. et al. Ensinando e aprendendo
(Mestrado em Educação) – Centro de Ciências Hu- esportes no Programa Segundo Tempo. Maringá:
manas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação Eduem, 2011. p. 211-248.
Referência on-line
Em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Replica_da_sede_administrati-
1
gabarito
203
conclusão geral
Caro(a) aluno(a), estamos finalizando a nossa em- Percebemos a forte conotação expressiva pre-
preitada, na qual nos aventuramos conhecer os me- sente nessa prática, visto que o capoeira expressa-se
andros de uma manifestação multidimensional, for- gestualmente, mas igualmente, costuma dar vazão à
jada a partir da racionalidade africana submetida ao sua capacidade criativa ao percutir os instrumentos
regime de escravidão no contexto brasileiro. Depois característicos, assim como exterioriza as suas mais
deste percurso, você já sabe que nos referimos à ca- íntimas percepções do mundo que o rodeia ao ento-
poeira, não é mesmo? Esta prática corporal distin- ar as cantigas de capoeira.
gue-se da maioria daquelas que povoam a área da Tenha a certeza, prezado(a) aluno(a), que a reda-
Educação Física. ção deste livro contou com os esforços de uma equipe
Na ocasião em que lhe apresentamos este mate- compromissada em lhe oferecer formação acadêmica,
rial, salientamos que, ao redigir um livro que viria a mas comprometida, principalmente, com a formação
servir como texto básico à disciplina de Capoeira em de um agente que atuará profissionalmente na forma-
um curso de graduação em Educação Física, não al- ção humana das gerações mais novas de nossa socieda-
mejávamos ensinar os(as) acadêmicos(as) deste cur- de. Como um dos integrantes e porta-voz dessa equipe,
so a jogar capoeira. A intenção fora, desde o início, agradeço a oportunidade com a qual você nos presen-
lhe apresentar a sua estrutura. Para tanto, insistimos teia de acompanhar a sua caminhada rumo à formação
em empregar o conceito de elementos constitutivos, profissional nesta área do conhecimento, que é a Educa-
aqueles elementos que caracterizam a capoeira como ção Física. De minha parte, agradeço, especialmente, a
tal, quais sejam: a historicidade, a gestualidade, a possibilidade de lhe falar de algo que é tão caro a mim, a
musicalidade e a ritualística. capoeira. Despeço-me, por aqui, desejando-lhe sucesso.