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METODOLOGIA DO ENSINO E DIDÁTICA EM EDUCAÇÃO FÍSICA

Kátia Cristina Dias da Costa / Tatiane Lopes Monteiro

Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-6402-1 ISBN 978-85-387-6402-1

9 788538 764021
57230 9 788538 764021
Metodologia do ensino
e didática em Educação Física

Kátia Cristina Dias da Costa


Tatiane Lopes Monteiro

IESDE BRASIL S/A


2018
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autoras e do detentor dos direitos autorais.

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SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
C873m Costa, Kátia Cristina Dias da
Metodologia do ensino e didática em educação física / Kátia
Cristina Dias da Costa, Tatiane Lopes Monteiro. - 1. ed. - Curitiba
[PR] : IESDE Brasil, 2018.
154 p. : il. ; 21 cm.

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-6402-1

1. Educação física - Estudo e ensino. 2. Professores de educação


física - Formação. 3. Prática de ensino. I. Lopes, Tatiane Montei-
ro. II. Título.
CDD: 372.86
17-46702
CDU: 373.3.016:796

Capa: IESDE BRASIL S/A.


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Batel – Curitiba – PR
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Apresentação

Este livro debate os caminhos percorridos pela Educação Física como


componente curricular, procurando identificar de que modo essa disci-
plina se legitimou pedagogicamente como área de conhecimento dentro
da escola. Para tanto, procuramos analisar os documentos oficiais que
tratam a Educação Física como parte do currículo oficial, a­ ssociando-a a
outras áreas da educação e superando os estereótipos ainda verificados
nos contextos escolares.

No primeiro capítulo da obra, são apresentados os aspectos históri-


cos que marcaram a Educação Física e os subsídios teóricos da área que
contribuem para a formação integral dos sujeitos. Nos capítulos 2, 3, 4 e
5, são abordados os elementos e aspectos que configuram as particulari-
dades de ensino-aprendizagem da Educação Física, respectivamente, na
Educação Infantil, no Ensino Fundamental e no Ensino Médio.

A partir do Capítulo 6, são discutidos aspectos específicos da


Educação Física. A importância dos jogos e das brincadeiras, das ginás-
ticas, das lutas, das danças, e dos esportes, assim como suas possibilida-
des no currículo e na realidade escolar, sempre apresentando tanto os
aspectos teóricos quanto as propostas práticas dos elementos da cultura
corporal no processo de ensino-aprendizagem.

É justamente pela relevância do estudo e da prática da Educação


Física para o desenvolvimento dos sujeitos, numa perspectiva reflexiva a
fim de que possam fazer uma leitura crítica do mundo pelas práticas cor-
porais, que este livro foi elaborado, visando apresentar os aspectos mais
importantes da área e as reflexões sobre sua inserção no contexto escolar.

Boa leitura!
Sobre as autoras

Kátia Cristina Dias da Costa

Mestre em Educação e licenciada em Educação Física pela


Universidade Federal do Paraná (UFPR) e em Pedagogia pela Uninter.
Tem experiência na área de educação na formação de professores das re-
des pública e privada com ênfase na Educação Física escolar. Atualmente,
atua como assessora pedagógica. Sua produção acadêmica está concen-
trada na discussão de gênero e suas implicações no ambiente escolar.
Para além disso, tem interesse em temas relacionados aos direitos sexuais
e reprodutivos, com atuação na Rede Feminista de Saúde e vem cons-
truindo possibilidades na direção do universo da contação de histórias.

Tatiane Lopes Monteiro

Mestre em Educação e especialista em Educação Física Escolar,


pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), licenciada em Educação
Física pela Universidade Norte do Paraná (Unopar). Atuou como pro-
fessora de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio. Atualmente,
atua na formação de professores de redes municipais e particulares
de ensino em todo território brasileiro, ministrando cursos sobre dife-
rentes temas. Tem experiência principalmente nas seguintes temáticas
educacionais: educação infantil, ensino-aprendizagem, movimento,
avaliação, inclusão, saúde e qualidade de vida, expressão corporal e
pedagogia de projetos.
Sumário

1 O reconhecimento da Educação Física escolar 9


1.1. Os percursos históricos da Educação Física 10
1.2 As instituições e sua influência no reconhecimento da Educação Física 11
1.3 O reconhecimento da Educação Física na instituição escolar 13

2 Educação Física na Educação Infantil 21


2.1 Quem é a criança da Educação Infantil? 21
2.2 Diversidades e singularidades: o movimento para todos 25
2.3 Reflexões para a prática pedagógica da Educação Física na Educação Infantil 27

3 Educação Física no Ensino Fundamental – Anos Iniciais 35


3.1 Quem é a criança dos anos iniciais do Ensino Fundamental 36
3.2 A transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental 37
3.3 Diversidades e singularidades: a inclusão como princípio pedagógico 38
3.4 Reflexões para a prática pedagógica da Educação Física 41

4 Educação Física no Ensino Fundamental – Anos Finais 49


4.1. Quem é o aluno dos anos finais do Ensino Fundamental 50
4.2 Diversidades e singularidades: a inclusão como princípio pedagógico 52
4.3 As práticas corporais e as relações com as subjetividades 54
4.4 Reflexões para a prática pedagógica da Educação Física 55

5 Educação Física no Ensino Médio 61


5.1 Quem é o jovem do Ensino Médio? 62
5.2 Diversidades e singularidades: a inclusão como princípio pedagógico 64
5.3 Reflexões para a prática pedagógica da Educação Física 66

6 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Sumário

6 Educação Física e os jogos e as brincadeiras 73


6.1 Jogos e brincadeiras: elementos estruturantes e culturais 74
6.2 Tipos de jogos e brincadeiras 75
6.3 Jogos e brincadeiras: possibilidades para a prática pedagógica 77

7 Educação Física e a ginástica 87


7.1. A ginástica e suas manifestações na sociedade 88
7.2. A ginástica na escola 91
7.3 Ginásticas: possibilidades para a prática pedagógica 92

8 Educação Física e as lutas 107


8.1 As lutas na sociedade e na escola 108
8.2 Lutas: a abordagem da temática no contexto escolar 114
8.3 Lutas: possibilidades para a prática pedagógica 115

9 Educação Física e a dança 125


9.1 Elementos da dança 126
9.2 Que dança ensinamos na escola? 129
9.3 Dança: possibilidades para a prática pedagógica 131

10 Educação Física e o esporte 141


10.1 Caminhos para a superação de práticas excludentes no ambiente escolar 142
10.2 Características estruturantes do esporte 144
10.3 Esporte: possibilidades para a prática pedagógica 146

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 7


1
O reconhecimento da
Educação Física escolar

Este capítulo debate os caminhos percorridos pela Educação Física até tornar-se
um componente curricular. Nesse sentido, buscamos identificar de que modo essa dis-
ciplina se tornou uma área de conhecimento dentro da escola e não apenas uma prá-
tica de exercícios físicos desvinculada das outras atividades escolares.

Para tanto, analisamos os documentos oficiais que tratam a Educação Física como
componente curricular e os associamos a outras concepções mais antigas, mas que
também ajudaram no reconhecimento dessa disciplina na escola.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 9


1 O reconhecimento da Educação Física escolar

1.1. Os percursos históricos da Educação Física


Vídeo
Vamos apresentar, nesse primeiro momento, uma breve contextualização
histórica da Educação Física, com o objetivo de identificar as instituições que
contribuíram para seu reconhecimento no ambiente escolar.
Ao longo do tempo, a Educação Física deixou de ser uma atividade
corporal descontextualizada e sem sentido para os alunos, passando a ser
compreendida como uma disciplina curricular, permeada de valores, sentidos, significa-
dos, conceitos, atitudes e procedimentos, aspectos esses pautados na vivência da prática.
Essa nova concepção faz com que seja entendida como uma prática em constante aperfei-
çoamento. Desse modo, todos os sujeitos são incluídos nas aulas, pois suas potencialida-
des e dificuldades são consideradas relevantes para o processo de aprendizagem.
Essas ideias de reestruturação da prática pedagógica para se atingir objetivos educa-
cionais na Educação Física fazem parte dos propósitos contemplados nos documentos ofi-
ciais, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL,1996), os Parâmetros
Curriculares Nacionais da Educação Física (BRASIL, 1998), as Diretrizes Curriculares
Nacionais (BRASIL, 2013) e a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017). De acordo
com esses documentos, devemos levar em consideração os anseios dos sujeitos que aden-
tram a escola. A educação escolar é uma condição primária para o exercício da cidadania e o
acesso a direitos sociais, econômicos, civis e políticos. Além de ser indispensável, a educação
deve proporcionar ainda o desenvolvimento humano em condições de liberdade e dignida-
de, baseada no respeito e na valorização das diferenças (BRASIL, 2013).
É relevante pontuar que, na prática, nem sempre esses direitos são garantidos.
Os documentos educacionais afirmam que direitos básicos do aluno, como o seu acesso
e a permanência no ensino, devem ser garantidos, o que não pode ser diferente nas aulas
de Educação Física.

1.1.1 Instituições que favoreceram o reconhecimento da


Educação Física na escola
O ponto de partida para essa discussão é a compreensão de que a Educação Física se
instituiu na escola como componente curricular, porque contribui, em consonância com
os objetivos educacionais, para a formação do cidadão. Ela propõe o questionamento
dos padrões sociais de corpo e oportuniza a construção de valores como: cooperativida-
de, respeito, cidadania e justiça, os quais são orientados nas práticas corporais e contri-
buem para a vida em sociedade.
Contudo, nem sempre as preocupações da escola e dos educadores estiveram voltadas
à formação do sujeito. A Educação Física escolar consistiu por muito tempo em práticas

10 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


O reconhecimento da Educação Física escolar 1
utilitaristas, adequadas a um modelo que visava somente fortalecer e “higienizar”1 os cor-
pos dos indivíduos.
Ao percorrermos a história da Educação Física, percebemos que essa disciplina não
tinha uma identidade própria e não era influenciada pela escola, mas sim por outras insti-
tuições, como as militares, médicas e esportivas. Para que possamos entender melhor sua
evolução, analisaremos, a seguir, como essas instituições exerciam sua influência sobre ela.

1.2 As instituições e sua influência no


reconhecimento da Educação Física
Vídeo
Historicamente, a Educação Física esteve por muitas vezes isolada do
currículo escolar, sendo utilizada apenas de modo instrumental, ou seja,
como uma prática descontextualizada e realizada de maneira repetitiva. Os
objetivos primários dessa disciplina se pautavam na eugenia2, na preparação
de corpos saudáveis para o trabalho, ações militares, formação de atletas e
promoção da saúde (NEIRA, 2007).
Em meados do século XIX, a Educação Física baseava-se no ideal de “educar o físico”,
sem preocupação com a conscientização dos alunos em relação à prática dos movimentos.
Segundo Soares (2007), as aulas se estruturavam em exercícios militares, acrobacias, saltos,
corridas e flexões, e o ideal era formar indivíduos fortes e sadios, de maneira homogênea.
Naquela época, o ensino de movimentos ginásticos nas aulas de Educação Física con-
dizia com o modelo de sociedade almejado, cujas expectativas econômicas necessitavam
de mão de obra habilitada para o trabalho. Além do desenvolvimento físico, pretendia-se o
desenvolvimento moral desses sujeitos, e disciplinar os corpos era fundamental para atingir
esse objetivo.
Dessa forma, Neira (2007) pontua que a Educação Física estava organizada em meio
a uma tradição biológica voltada ao corpo, a fim de estabelecer virtudes correlatas e cor-
rigir qualquer movimento ou posturas consideradas defeituosas. Foi nesse momento
que a educação do corpo, no sentido de formas de se movimentar, tornou-se o objeto da
Educação Física que, inicialmente, foi influenciada e mantida pela instituição militar, per-
tencente ao meio social, e desenvolvida por sargentos e coronéis do exército, sem nenhum
vínculo escolar.
Por mais que se preconizasse a prática de exercícios corporais repetitivos – sem reflexão
crítica em relação a sua prática, almejando um padrão corporal único, pré-estabelecido pela

1 No fim do século XVIII, o ideal de homem era o que estava apto a atender as demandas do merca-
do. Desse modo, o papel da medicina era o de corrigir e melhorar o corpo do indivíduo, provocando
mudanças de hábitos de higiene. A Educação Física também teve de se encarregar de reproduzir essas
ideias, pertencentes a um movimento que ficou conhecido como higienista.
2 Conjunto dos métodos que visam melhorar o patrimônio genético de grupos humanos; teoria que
preconiza a sua aplicação. Para saber mais, leia MAI; ANGERAMI, 2006.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 11


1 O reconhecimento da Educação Física escolar

sociedade da época –, foi com esse viés que ela passou a fazer parte do universo escolar e
muitas vezes ainda se mantém na atualidade.
É provável que a Educação Física não tivesse condições de ingressar no ambiente es-
colar de outro modo que não fosse pela forte influência da instituição militar. É necessário
compreendermos essa disciplina, portanto, tendo em mente essas características históricas.
Outra instituição que influenciou fortemente a Educação Física escolar no início do sé-
culo XX foi a medicina. Não muito diferente da instituição militar, nesse caso, também se al-
mejava corpos saudáveis, disciplinados e padronizados, isto é, o foco estava na proximidade
com as necessidades médicas, para preparar, orientar e promover uma vida com mais saúde
(CAPARROZ, 2005). Betti elucida esse momento histórico ao pontuar que:
a educação física passa a ser área de interesse de médicos e higienistas que se
encarregam de fundamentar e instrumentalizar seus profissionais valendo-se de
conhecimentos médicos-fisiológicos, com o objetivo de formá-los para a missão
que o Estado impunha à educação física, qual seja, a de depurar o povo, de de-
senvolver um indivíduo forte, sadio e belo, de maneira que se atingisse uma
certa unidade para as características do homem brasileiro, e, assim, superar de-
finitivamente a miscigenação reinante no país, que era vista como maléfica aos
intentos desenvolvimentistas. (BETTI apud CAPARROZ, 2005, p. 114)
Dessa maneira, com a concepção médica, focou-se muito nos aspectos biológicos, fisio-
lógicos e anatômicos, fatores ainda hoje presentes na Educação Física escolar – e na forma-
ção acadêmica. Portanto, é fato que elementos compreendidos como próprios da Educação
Física foram fortemente incorporados pela influência da instituição médica.
Outra instituição que marcou a Educação Física foi a esportiva (interferência que se
iniciou na segunda metade do século XX). Nesse momento, o objetivo estava voltado para a
formação de atletas que pudessem representar o país mundialmente, tendo como foco a prá-
tica de exercícios técnicos repetitivos de alguns esportes. No entanto, tal intenção foi frustra-
da. Com o ideário de formar atletas de alto rendimento, os alunos em sua maioria acabavam
não se enquadrando no biótipo físico almejado e eram excluídos das aulas, fato que acabava
criando um pré-conceito em relação ao componente curricular (CAPARROZ, 2005).
É fato que a relação entre Educação Física escolar e a instituição esportiva acabou enfati-
zando aspectos como rendimento, treinamento, exclusão, habilidades motoras, competição,
recordes, que nortearam – e muitas vezes ainda norteiam – a ação pedagógica dos profes-
sores dessa disciplina. Bracht et al. (2005) explicam a relação entre Educação Física escolar
e instituição esportiva e entre a Educação Física e as instituições militares e médicas para
a prática esportiva. Nesse período, a relação entre professor e aluno era entendida como a
relação entre um professor instrutor e um aluno recruta.
Nesse contexto, os professores eram contratados com base na atividade desportiva. Não
havia a necessidade de se formar academicamente para ser professor de Educação Física,
e muito menos entender os objetivos que competiam à escola da época, pois a visão de
constituir atletas não competia à escola como um todo, ou seja, o enfoque da disciplina era
preparar campeões para o mundo esportivo. Muitos ainda acreditam que se deve priorizar

12 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


O reconhecimento da Educação Física escolar 1
somente as habilidades físicas dos alunos, que o foco deve manter-se em esportes de alto
rendimento e que a competitividade é essencial e fundamental nas aulas.
No entanto, a Educação Física é uma disciplina que deve atender aos propósitos da edu-
cação como um todo. Logo, compete a ela desenvolver os alunos integralmente e priorizar
valores que envolvam criticidade, autonomia, solidariedade e respeito à diversidade, tudo
isso para que sejam formados cidadãos responsáveis.
A Educação Física é um componente que faz parte da área de Linguagens3 por ser en-
tendida como a linguagem das práticas corporais representadas por esportes, danças, jogos,
lutas e ginásticas, portanto, práticas que apresentam significações e sentidos em meio a dife-
rentes sociedades e que devem ser debatidas criticamente no ambiente escolar.
A seguir, priorizamos a relação da Educação Física com o ambiente escolar, bem como
uma análise dos documentos oficiais de educação.

1.3 O reconhecimento da Educação Física na


instituição escolar
Vídeo
A Educação Física não caminha à parte nas escolas. Ela é uma disciplina,
e, portanto, precisa estar alinhada às outras disciplinas, para juntas colocarem
em prática o Projeto Político-Pedagógico (PPP) da escola.
Por vezes ainda vemos professores que, para dar conta das diversas situa-
ções-problema pertinentes à escola, atendem mais de uma turma ao mesmo
tempo. É preciso ser sensível e solidário a essas situações, porém, torna-se complexo saber
como dar conta dos objetivos educacionais inerentes à sua disciplina quando as condições
reais de trabalho docente estão aquém de suas possibilidades.
Outra situação recorrente é a não participação dos professores de Educação Física no
conselho de classe, devido à construção sociocultural de que nada vai mudar com a sua
presença, como se as situações que acontecessem em suas aulas não tivessem absolutamente
nada a dizer sobre os alunos e a escola. Se esse cenário é naturalizado na escola, é preciso
questionarmos sobre o que de fato se diz e se aceita em relação à Educação Física.
Se compreendemos que essa disciplina tem algo a ensinar – e é nisso que acreditamos
–, é preciso então reconhecer que ela está integrada à escola, de modo que os professores
devem assumir o seu espaço e demonstrar as possibilidades da Educação Física para atingir
os amplos objetivos da educação, em diálogo com as demais disciplinas. Ou seja, é preciso
entender o lugar que ela ocupa, as transformações históricas ocorridas ao longo do tempo e
o que se espera desse componente curricular.

3 Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (BRASIL, 1999) introduziram a Edu-
cação Física na área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, juntamente com com as disciplinas
Língua Portuguesa, Artes, Informática, Literatura e Língua Estrangeira Moderna. Desde então, outros
documentos como as Diretrizes Curriculares Nacionais (2013) e a Base Nacional Comum Curricular
(2017) mantiveram o componente da Educação Física inserida na grande área de Linguagens.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 13


1 O reconhecimento da Educação Física escolar

É fundamental compreendermos quem são os sujeitos que estão na escola e, só assim


é possível contribuir para um novo entendimento a respeito das necessidades e singulari-
dades dos alunos. Esse componente curricular não pode ficar isolado, pois, caso contrário,
corremos o risco de reproduzir uma ideia equivocada de que existem as disciplinas que
“pensam”, enquanto a Educação Física reduz-se a um fazer sem sentido, como correr atrás
de uma bola.
As mudanças na visão sobre os sujeitos da educação são frutos de lutas e novas de-
mandas que não surgiram de maneira simples. Um exemplo disso são as leis que deter-
minam a organização do ensino. A Lei n. 4.024, de 20 de dezembro de 1961, determinou,
no artigo 22, ser “obrigatória a prática da educação física nos cursos primário e médio, até
a idade de 18 anos” (BRASIL, 1961). Já a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN) n. 9.394/1996, em seu art. 26, § 3o, diz que:
A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente cur-
ricular obrigatório da educação básica, sendo sua prática facultativa ao aluno:
I – que cumpra jornada de trabalho igual ou superior a seis horas; (Incluído pela
Lei nº 10.793, de 1º.12.2003)
II – maior de trinta anos de idade; (Incluído pela Lei nº 10.793, de 1º.12.2003)
III – que estiver prestando serviço militar inicial ou que, em situação similar,
estiver obrigado à prática da educação física; (Incluído pela Lei nº 10.793, de
1º.12.2003)
IV – amparado pelo Decreto-Lei nº 1.044, de 21 de outubro de 1969; (Incluído
pela Lei nº 10.793, de 1º.12.2003)
[...]
VI – que tenha prole. (Incluído pela Lei nº 10.793, de 1º.12.2003) (BRASIL, 1996)
A LDBEN de 1996, ao tratar da participação dos alunos, discorre explicitamente sobre
duas situações. A primeira aborda a sua prática, embora ignore o seu caráter de estudo. Isso
significa dizer que o aluno fica limitado à prática corporal, deixando de lado sua participa-
ção e construção do conhecimento.
A segunda, que trata de casos específicos como o de trabalhadores, pessoas acima de
trinta anos, militares ou mulheres que têm filhos, a lei parece deixar implícito que esses não
teriam o que aprender com as aulas de Educação Física. Será que ainda estamos falando de
aulas vividas em outros séculos? Afinal, é papel do professor dialogar com os alunos e pos-
sibilitar o entendimento de que a aula não é uma sessão de exercícios e, por isso, sua prática
pode ser refletida no sentido de o aluno compreender seus próprios limites.
Com um viés diferenciado, um marco histórico na área foi a obra Metodologia do ensino de
Educação Física, publicada em 1992 pelo Coletivo de Autores, uma referência fundamental que
aborda possibilidades para trabalho pedagógico e permite pensar em conteúdos próprios da
Educação Física. Os autores apresentam um encaminhamento pedagógico para auxiliar na
escolha de conteúdos de maneira crítica e reflexiva, em consonância com a vida social dos
alunos, com o objetivo de auxiliar o professor para o estudo e campo de trabalho. Eles afir-
mam que,

14 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


O reconhecimento da Educação Física escolar 1
um livro de Metodologia da Educação Física não pode ser um mero receituário
de atividades, uma lista de novos teóricos para a assimilação consciente do
conhecimento, de modo que possa auxiliar o professor a pensar autonoma-
mente. A apropriação ativa e consciente do conhecimento é uma das formas de
emancipação humana. Por isso mesmo, o domínio de conhecimentos permite
ao professor tomar consciência de que não é um livro que o ajudará a enfrentar
os problemas da sala de aula, mas sua própria reelaboração dos conhecimentos
e de suas experiências. (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 18)
É certo que nenhum livro dá conta da realidade experimentada, pois cada turma é úni-
ca, com complexidades próprias. No entanto, os livros são pontos de partida, pois ajudam a
refletir sobre a prática pedagógica, construir novas possibilidades e explorar situações não
vividas. Desse modo, o Coletivo de Autores propõe algumas direções sobre teoria e prática
da Educação Física no universo escolar.
Embora não seja um documento obrigatório, essa obra inaugura possibilidades de re-
flexões sobre a cultura corporal e a relevância desse conteúdo. Isso parece uma questão sim-
ples, mas não é. É preciso questionarmos o porquê de determinado conteúdo ser importante
para compor os conhecimentos dos alunos. Confronte os conteúdos que foram ensinados a
você nas aulas de Educação Física. Eles sempre foram os mesmos ou eram diversificados?
Proporcionavam reflexões sobre a prática vivida ou consistiam apenas em movimentar-se
por movimentar, em fazer por fazer? Sabemos que muitas vezes essas práticas eram feitas
apenas para obter nota, e o professor não instigava os alunos.
Como vimos, a Educação Física tem amparo legal e é obrigatória na escola. Assim, cabe
ao professor refletir junto aos alunos sobre os possíveis encaminhamentos pedagógicos, a
fim de construírem os saberes que fundamentam esse componente.
Nesse sentido, não basta ter materiais para a realização da prática, é preciso estabelecer
os objetivos que se queira alcançar. Talvez isso pareça óbvio no ambiente escolar, que visa
à construção do conhecimento, mas quando tratamos da Educação Física percebemos que
ainda temos muito a caminhar. De modo geral, o professor até pouco tempo atrás reprodu-
zia aquilo que vivenciara, quase sempre com base nos quatro esportes tradicionais: voleibol,
basquetebol, handebol e futebol. No entanto, nem sempre esses esportes eram abordados e
não havia intenção de incluir meninos e meninas em todas as modalidades.
Já no ano de 1997, o governo federal instituiu os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN)4, na intenção de sistematizar a organização pedagógica escolar, estruturando-a por
componentes curriculares – Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais, História,
Geografia, Arte, Educação Física, Língua estrangeira – e temas transversais, como ética, saú-
de, meio ambiente, orientação sexual e pluralidade cultural, correspondentes a todas as áreas.
No caso dos PCN de Educação Física, houve o objetivo de democratizar, humanizar
e diversificar a prática pedagógica, estabelecendo um trabalho que englobe dimensões

4 Os Parâmetros Curriculares Nacionais constituem um referencial de qualidade para o ensino na


Educação Básica em todo o país. Sua função é orientar e garantir a coerência dos investimentos no
sistema educacional, socializando discussões, pesquisas e recomendações, subsidiando a participação
de técnicos e professores brasileiros, principalmente daqueles que se encontram mais isolados, com
menor contato com a produção pedagógica atual (BRASIL, 2017).

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 15


1 O reconhecimento da Educação Física escolar

afetivas, cognitivas e socioculturais. Além disso, os Parâmetros orientam o professor quan-


to ao seu trabalho docente específico (BRASIL, 1997). De certo modo, “foram selecionadas
práticas que têm presença marcante na sociedade brasileira, cuja aprendizagem favorece a
ampliação das capacidades de interação sociocultural, o usufruto e a manutenção pessoal e
coletiva” (BRASIL, 1997, p. 45). Isso proporciona a reflexão sobre quem é o aluno e leva em
consideração o que é próprio da Educação Física.
No entanto, nem todos os professores tomaram consciência desse documento na prática
escolar. Além disso, os que o conheceram muitas vezes não receberam formação para tal, o
que acabou limitando a sua utilização. Desse modo, permaneceu o questionamento sobre
como fazer a teoria virar prática, uma vez que a formação desse professor nem sempre o
favoreceu para isso. Essa lacuna ainda assombra a Educação Física na escola.
O cenário nacional precisa de critérios para organizar e normatizar os passos da
Educação Básica. O documento das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Básica (BRASIL, 2013) aponta essa necessidade de orientar a organização, a articulação, o
desenvolvimento e a avaliação das propostas pedagógicas de todas as redes de ensino bra-
sileiras. Para fazer isso se tornar realidade, surgiu um novo documento, a Base Nacional
Comum Curricular (BNCC)5, que propõe:
os conhecimentos, saberes e valores produzidos culturalmente, expressos nas
políticas públicas e que são gerados nas instituições produtoras do conheci-
mento científico e tecnológico; no mundo do trabalho; no desenvolvimento das
linguagens; nas atividades desportivas e corporais; na produção artística; nas
formas diversas e exercício da cidadania; nos movimentos sociais, definidos no
texto dessa Lei [...]. (BRASIL, 2013, p. 31)
Esse documento garante que no território nacional haja uma base comum, ou seja, con-
teúdos mínimos comuns a todos e conteúdos diversificados, a fim de garantir a abordagem
de características locais e regionais.
A Base Nacional Comum Curricular consiste na organização de um documento que
abrange o conjunto de aprendizagens essenciais para que todos os alunos as desenvolvam
ao longo de todas as etapas da educação escolar (BRASIL, 2017). No caso das mudanças
propostas nesse documento para a Educação Física, elas revelam novas possibilidades e
demonstram novos entendimentos a serem compreendidos e confrontados na escola.
Ou seja, representam a intenção de acolher os diversos sujeitos, compreender suas limi-
tações e potencialidades, bem como propor novos conhecimentos pelas práticas corporais
para a transformação da realidade social.

5 A Base Nacional Comum Curricular é um documento de caráter normativo que define o conjunto
orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo
das etapas e modalidades da Educação Básica. A Base estabelece conhecimentos, competências e ha-
bilidades que se espera que todos os estudantes desenvolvam ao longo da escolaridade básica. Orien-
tada pelos princípios éticos, políticos e estéticos traçados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais da
Educação Básica, a Base soma-se aos propósitos que direcionam a educação brasileira para a formação
humana integral e para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva (BRASIL, 2017).

16 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


O reconhecimento da Educação Física escolar 1
Conclusão

Neste capítulo discutimos sobre as instituições que influenciaram a Educação Física e


seu percurso histórico. Assim, entendemos que o professor tem o papel de contextualizar e
compreender que as práticas corporais são fruto da criação humana – e, portanto, é preciso
entender seu processo histórico.
Além disso, é necessário ressignificá-las, para atender os objetivos do ambiente escolar
e construir novos sentidos em consonância com os princípios de formação humana, tais
como respeito, solidariedade e afetividade. Nesse intuito, os documentos oficiais de edu-
cação são ferramentas analíticas que embasam o professor para a ação com os alunos e os
conscientiza de sua função social mediante o contexto da educação.

Ampliando seus conhecimentos


Boscatto e Kunz (2009) apresentam, em seu artigo, subsídios teóricos que referenciam
o tema da emancipação humana e que podem contribuir no processo de reflexão sobre a
legitimação da Educação Física no contexto escolar. Além disso, os autores apontam a ne-
cessidade de se relacionar a Educação Física ao desenvolvimento de valores como respeito,
solidariedade, autonomia e cooperação. Leia um trecho do artigo a seguir.

Didática comunicativa: contribuições para a


legitimação pedagógica da educação física escolar
(BOSCATTO, KUNZ, 2009, p. 183-195)

Ao se refletir sobre a Educação Física na condição de campo científico que dá


suporte teórico e metodológico para as intervenções práticas, alguns estudos,
entre os quais os de Bracht (1995) e Kunz (2007), indicam que, historicamente,
a Educação Física tem buscado sua fundamentação e legitimação como ativi-
dade científica e profissional principalmente nos conhecimentos oriundos das
ciências naturais, como a biologia, a fisiologia, a anatomia, a cinesiologia, entre
outras áreas afins. Esses pressupostos científicos contribuem para o desenvolvi-
mento de técnicas refinadas voltadas a fins que garantam o maior rendimento
econômico. Nesses termos, Marques (1996) assinala que nos tempos modernos
a lógica das ciências positivistas vincula-se, de maneira crescente, à lógica da
produção capitalista, em que a ciência não apenas comanda o desenvolvimento
tecnológico como materialização física das hipóteses, mas passa a ser impul-
sionada pelos interesses e pela lógica materializada nas máquinas e aparelhos.

[...]

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 17


1 O reconhecimento da Educação Física escolar

Em meio a este contexto, a Educação Física insere-se em uma relação estreita


com as ciências naturais (BRACHT, 1995), muitas vezes pactuando com o
modelo científico vigente. Não obstante, o campo científico e pedagógico da
Educação Física, ao tratar de fenômenos complexos – como o movimento
humano – deve superar o modelo clássico de ciência, considerando-se que
o movimento apresenta algumas particularidades, como, por exemplo, ser
fundado na intencionalidade, historicidade, sentido/significado subjetivo
(HILDEBRANDTSTRAMANN, 2001; KUNZ, 2004b).

[...]

No que tange ao contexto escolar, em uma compreensão inicial, percebe-se que


a educação formal se encontra na esfera de intervenção social, que contribui
diretamente para a formação dos sujeitos no tocante ao desenvolvimento de
competências de nível cognitivo que repercutem em ações de caráter moral. É
necessário, então, compreender que a escola se situa em uma relação dialética
com a sociedade, pois ela também é uma instituição social, que, “Ao mesmo
tempo em que reproduz as estruturas de dominação existentes na sociedade,
constitui-se em um espaço onde se pode lutar pelas transformações sociais”
(GONÇALVES, 1994, p. 32).

[...]

Diante de estudos produzidos para o âmbito pedagógico da Educação Física


Escolar, percebe-se a necessidade de refletir sobre os processos didático-peda-
gógicos em uma ótica “diferente”, em que os elementos da cultura de movi-
mento sejam tematizados com fundamento em uma concepção pedagógica que
apresente princípios voltados a uma formação mais humana e emancipada.

[...]

Atividades
1. Discorra com suas próprias palavras sobre as instituições que influenciaram a Edu-
cação Física escolar e destaque suas caraterísticas.

2. Produza um texto relacionando elementos de sua experiência com a Educação Física


escolar e os modelos apresentados no capítulo. Você consegue identificar esses mode-
los? Suas aulas Educação Física na escola apresentavam (ou não) essas características?

18 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


O reconhecimento da Educação Física escolar 1
3. Com base no tópico 1.3 O reconhecimento da Educação Física na instituição escolar, des-
creva elementos e valores que caracterizam a Educação Física na superação dos mo-
delos dispostos na educação como um todo.

4. Ao tornar a Educação Física uma prática facultativa – como nos casos apresentados
na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 –, notamos contradições
em um componente curricular que é obrigatório. Nesse sentido, apresente dois ar-
gumentos sobre a importância social da educação física na escola e a superação do
conceito de prática facultativa.

Referências
BOSCATTO, Juliano Daniel; KUNZ, Elenor. Didática comunicativa: contribuições para a legitimação
pedagógica da Educação Física Escolar. Journal of Physical Education. Maringá, v. 20, n. 2, p. 183-195,
2009. Disponível em: <http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/RevEducFis/article/view/5547>.
Acesso em: 15 nov. 2017.
BRACHT, Valter et al. Pesquisa em ação: Educação Física na escola. 2. ed. Ijuí: Unijuí, 2005.
BRASIL. Lei n. 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, 27 de dezembro de 1961. Disponível em: <http://
www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-4024-20-dezembro-1961-353722-publicacaooriginal-
1-pl.html>. Acesso em :05 out. 2017.
______. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, 20 de dezembro, 1996. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm>. Acesso em: 5 out. 2017.
______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação Física.
Brasília: MEC/SEF, 1998.
______. Ministério de Educação e do Desporto. Secretaria do Ensino Médio. Parâmetros Curriculares
Nacionais: Ensino Médio. Brasília, 1999.
______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Conselho
Nacional da Educação. Câmara Nacional de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais da
Educação Básica. Brasília: MEC, 2013. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/docman/julho-2013-
pdf/13677-diretrizes-educacao-basica-2013-pdf/file>. Acesso em: 21 nov. 2017.
______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular.
Brasília: MEC/SEB, 2017. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_
publicacao.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2017.
CAPARROZ, Francisco Eduardo. Entre a Educação Física na escola e a Educação Física da escola.
3. ed. Campinas: Autores associados, 2005.
COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.
MAI, Lilian Denise; ANGERAMI, Emília Luigia Saporiti Eugenia negativa e positiva: significados
e contradições. Revista Latino-Americana de Enfermagem, v. 14, n. 2, p. 251-258, mar./abr. 2006.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rlae/v14n2/v14n2a15>. Acesso em: 18 dez. 2017.
NEIRA, Marcos Garcia. Ensino de Educação Física. São Paulo: Thomson, 2007.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 19


1 O reconhecimento da Educação Física escolar

SOARES, Carmen Lúcia. Educação Física: raízes europeias e Brasil. 4. ed. Campinas: Autores
associados, 2007.

Resolução
1. Nessa questão, você deve elencar as instituições: militares, médicas e esportistas.
Na instituição militar é preciso destacar seguinte contexto: “Em meados do século
XIX a Educação Física se legitima na escola mediante ao ideal de ‘Educar o físico’,
educação essa que se estruturava em movimentos ginásticos realizados de uma for-
ma repetitiva e sem uma preocupação com a conscientização dos alunos em relação
à prática de tais movimentos” (SOARES, 2007, p. 6). Quanto à instituição médica, é
preciso destacar que se almejava corpos saudáveis, disciplinados e padronizados
de maneira homogênea. O foco era estar próximo das necessidades para preparar,
orientar e promover uma vida com mais saúde (CAPARROZ, 2005). Por fim, a insti-
tuição esportiva (especialmente na segunda metade do século XX) tinha o objetivo de
formar atletas que pudessem representar o país mundialmente e, por esse motivo,
havia e a prática de exercícios técnicos repetitivos de alguns esportes. No entanto,
tal intenção foi frustrada. Com o ideário de formar atletas de alto rendimento, os
alunos em sua maioria acabavam não se enquadrando no biótipo físico almejado e
eram excluídos das aulas, fato que acabava criando um pré-conceito em relação ao
componente curricular (CAPARROZ, 2005).

2. Nessa atividade você deve fazer um relato pessoal apresentando suas experiências
nas aulas de Educação Física e os modelos discutidos na questão anterior.

3. É importante ir além da prática e do saber fazer e relacionar-se com o outro na cons-


trução de valores como respeito, solidariedade, autonomia e cooperação, imprescin-
díveis para a sociedade em que vivemos.

4. Ainda que seja uma resposta pessoal, é importante que você estabeleça relações
que superem os modelos que constituíram a Educação Física, pois a própria lei que
estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) apresenta limites em
sua proposição.

20 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


2
Educação Física na
Educação Infantil

Neste capítulo, apresentamos as singularidades das crianças na Educação Infantil1, as


quais devemos considerar para a prática docente de Educação Física.

Para tanto, contextualizamos a infância e suas formas de aprender por meio da


ludicidade, do faz de conta, dos sentidos corporais e de outras possibilidades. Essa
aprendizagem deve ser organizada com a utilização de jogos e brincadeiras, elementos
essenciais da Educação Infantil. Com isso, apontamos algumas possibilidades de orga-
nização pedagógica pertinentes a essa etapa da educação escolar.

2.1 Quem é a criança da Educação Infantil?


Vídeo

Existem diferentes infâncias2 inseridas em contextos distintos presentes


na escola. É fato que as crianças têm características singulares, diferentes das
que têm dos adultos, porém isso não as torna inferiores ou reduz essa fase a
uma preparação para a vida adulta.
1 A Educação Infantil compreende: a Creche, englobando as diferentes etapas do desenvolvimento da criança até
os 3 (três) anos e 11 (onze) meses de idade; e a Pré-Escola, com duração de 2 (dois) anos (BRASIL, 2013, p. 36).
2 Como afirmam Dahlberg, Moss e Pence (2003, p. 63), “não existe algo como a criança ou a infância, um ser e um
estado essencial esperando para ser descoberto, definido e entendido, de forma que possamos dizer a nós mesmos
e aos outros, ‘o que é a criança? O que é a infância?’ Em vez disso, há muitas crianças e muitas infâncias, cada uma
construída por nossos entendimentos da infância e do que as crianças são e devem ser”.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 21


2 Educação Física na Educação Infantil

A criança deve ser considerada competente, ativa, crítica, curiosa, criativa, produto-
ra de cultura e reconhecida como um indivíduo único. Nesse sentido, pontuamos que ao
evidenciar a criança como sujeito, duas vertentes são elucidadas: a criança como sujeito de
direitos e a criança como sujeito competente (ZABALA, 2007).
Ao compreender as crianças como sujeitos de direitos, Zabala diz que elas foram muitas
vezes marginalizadas e viveram em um mundo que não lhes pertencia, não feito à sua me-
dida. Nesse contexto, “‘integrar-se no mundo’ era algo somente alcançado na pós-infância e
sempre que fossem cumpridas certas condições” (ZABALA, 2007, p. 19). Ao longo dos anos,
no entanto, os olhares vontaram-se para essa faixa etária, suscitando discussões sobre seus
direitos, em meio a uma sociedade historicamente não organizada e que desconsiderava a
importância dessa fase específica do desenvolvimento.
Silva (2012) destaca a urgência de se repensar os imaginários escolares na infância e
considerar de maneira efetiva o reconhecimento das crianças como sujeitos de direito. Isso
implica considerar o “exercício de ser criança”, sempre com vistas às barreiras que impedem
a conquista dos seus direitos, principalmente se levarmos em conta o cenário das diversida-
des sociais e a diversidade sociocultural presente no ambiente escolar.
Assim, é essencial que a escola promova experiências que respeitem as crianças e suas
características e que as instiguem para o mundo da aprendizagem. Para elucidar essa ques-
tão, González e Schwengber (2012) afirmam que conceber a criança como sujeito é reconhe-
cê-la como parte de um universo compartilhado, em que suas ações devem ser consideradas
e respeitadas. É necessário ouvir as crianças, a fim de melhor entender os “mundos” que elas
trazem até a sala de aula e para que desenvolvam valores como a cidadania.
Esses aspectos devem ser considerados essenciais na Educação Infantil, principalmente na
Educação Física escolar. Portanto, precisamos discutir a relação da criança com o corpo em mo-
vimento. Ao observar a imagem a seguir, você consegue perceber essa relação do movimento na
infância? Quais outros elementos pertencentes à essa fase você consegue perceber?

Figura 1 – A interação por meio do brincar é fundamental para a aprendizagem por meio da ludicidade.

Fonte: iStockphoto/gpointstudio

22 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física na Educação Infantil 2
Na infância, o corpo em movimento é uma ferramenta importante para a aprendiza-
gem, pois as crianças interagem com o mundo à sua volta e constroem conhecimentos por
meio de gestos. Desse modo, é imprescindível que os profissionais de Educação Infantil
promovam atividades em que as crianças se movimentem corporalmente.

2.1.1 A criança e o movimento


A criança é um sujeito dotado de condições biológicas singulares nas diferentes fases de
seu desenvolvimento. Ela é também um ser essencialmente social3, isto é, que se desenvolve
de acordo com as condições do contexto sociocultural em que se encontra. Partindo desse
princípio, pode-se afirmar que “o conhecimento é construído socialmente, a partir das pos-
sibilidades de interações entre os sujeitos e o ambiente físico e social onde são inseridos. Não
só a escola, mas todo o ambiente ensina – e aprender significa criar cultura” (BARBOSA;
HORN, 2008, p. 25).
Ademais, na interação da criança com o seu meio social, várias são as possibilidades –
gestos, palavras, sons, onomatopeias etc. – que compõem sua comunicação. E, entre essas, a
linguagem do movimento deve ser entendida como uma necessidade da criança, e não como
um corpo que deve ser contido e imobilizado para se expressar.
Nesse sentido, estudos atuais apresentam alguns tipos de movimentos presentes na
comunicação da criança. Os primeiros, de acordo com Tatiane Lopes Monteiro (2012), são os
movimentos aleatórios corporais, caracterizados como constantes e casuais, devido à capa-
cidade de controle do corpo ainda não estar completamente desenvolvida. Quanto menor
a idade da criança, mais movimentações desse tipo estão presentes em sua comunicação.
Outros movimentos são caracterizados como suporte para a fala. Eles ocorrem porque
a função postural da criança está intimamente ligada à sua atividade intelectual, ou seja,
trata-se de uma relação recíproca. Você já fez alguma pergunta para uma criança e ela se mo-
vimentou para auxiliar a sua fala? Nós, adultos, também recorremos ao corpo para nos co-
municar, porém a criança apresenta maior necessidade em relação a esse tipo de expressão.
Heloysa Dantas (2002) ressalta que a intensa ação motora na infância é lúdica e marca-
da por uma expressividade que supera o “movimento pelo movimento”. A autora assevera
que essa movimentação deixa os adultos ansiosos e com desejo de contê-los, no entanto, a
mobilidade deve ser encarada como uma necessidade:
A própria incontinência motora infantil, que ilustra a ideia de alegria do mo-
vimento, do movimento pelo movimento, tende a gerar tensão nas relações
­adulto-criança. O desejo do adulto, inconfesso, nem por isso é menos claro: imo-
bilidade e silêncio. A ludicidade da motricidade infantil é raramente reconhecida
e respeitada. (DANTAS, 2002, p. 115)
Isso significa que devemos deixar a criança se movimentar livremente e explorar o es-
paço sem um próposito? Não. Precisamos propocionar experimentações corporais por meio

3 Henri Wallon (1879-1962) formulou a tese de que o ser humano é um ser biologicamente social
(GARANHANI, 2004).

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 23


2 Educação Física na Educação Infantil

das quais elas possam refletir sobre seus movimentos e conscientizar-se gradativamente de
seu corpo4.
Outro tipo de movimentação são os gestos, como, como exemplo, quando os bebês ace-
nam dando “tchau” para a mãe, o pai ou os familiares. Esses signos culturais são apropria-
dos e incorparados em seu repertório de comunicação à medida que ocorre o contato com
adultos, outras crianças e espaços.
Ao analisarmos esses aspectos, percebemos que não existe espaço para uma escola que não
pense no corpo em movimento como uma possibilidade de explorar o mundo. Portanto, esse deve
ser visto como protagonista no processo de aprendizagem, principalmente na Educação Infantil.

2.1.2 A importância do brincar e do jogar na infância


Brincar e jogar são elementos presentes na cultura infantil e essenciais para o processo
de aprendizagem escolar. Lembre-se de quando você era criança: você brincava bastante?
Qual era a sensação ao brincar com seus amigos? Ao refletirmos sobre isso, retornamos à
nossa infância e lembramos que sentíamos prazer ao brincar e aprendíamos valores como
respeito (às regras estipuladas em grupo), autonomia (para falar e enfatizar nosso ponto de
vista), compreensão (para escutar o que o outro tinha a dizer), entre outros.
Podemos dizer que, por meio de jogos e brincadeiras, as crianças apropriam-se de elemen-
tos culturais – afinal, esses são constituídos socialmente e adequados também ao espaço escolar.
Desse modo, a brincadeira na Educação Infantil é elemento estruturante para a aprendizagem.
Sobre a importância do brincar, a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017)
pontua que nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2010) o
brincar é apresentado como um eixo estruturante das práticas pedagógicas, pois as brinca-
deiras são “experiências por meio das quais as crianças podem construir e apropriar-se de
conhecimentos por meio de suas ações e interações com seus pares e com os adultos, o que
possibilita aprendizagens, desenvolvimento e socialização” (BRASIL, 2017, p. 33).
Portanto, é coerente pontuarmos que conceitualmente a brincadeira pode ser vista
como fato social e como
espaço privilegiado de interação infantil e de construção do sujeito-criança como
sujeito humano, produto e produtor de história e cultura.
Trata-se de uma atividade social, humana, que supõe contextos sociais e cul-
turais, a partir dos quais a criança recria a realidade através da utilização de
sistemas simbólicos próprios. Ao mesmo tempo, é uma atividade específica
da infância, considerando que, historicamente, esta foi ocupando um lugar na
sociedade. (WAJSKOP, 2012, p. 35)
Ademais, a interação durante o brincar caracteriza o cotidiano da infância, que propor-
ciona aprendizagens e potencialidades para o desenvolvimento das crianças. Isso acontece,
especialmente, porque a escola é um lugar privilegiado para construir as relações de afeto,
amizade, cumplicidade e cooperatividade por meio do brincar.

4 Nos próximos capítulos, veremos detalhadamente essa questão.

24 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física na Educação Infantil 2
2.2 Diversidades e singularidades: o movimento
para todos
Vídeo
O mundo
Um homem da aldeia de Neguá, no litoral da Colômbia, conseguiu
subir aos céus.
Quando voltou, contou. Disse que tinha contemplado, lá do alto, a
vida humana. E disse que somos um mar de fogueirinhas.
– O mundo é isso – revelou. – Um montão de gente, um mar de
fogueirinhas.
Cada pessoa brilha com luz própria entre as outras. Não existem duas
fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e fogueiras pequenas e fo-
gueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe
o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos,
fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a
vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pesta-
nejar, e quem chegar perto pega fogo. (GALEANO, 2012, p. 13)
Eduardo Galeano (2012), na crônica “O mundo”, reflete acerca de singularidades quando
refere que “cada fogueira” é única. É desse modo que devemos pensar como as crianças são,
cada uma com a sua particularidade. Portanto, nosso desafio é saber como alguns elementos da
escola podem contribuir para o processo formativo dessas crianças por meio da Educação Física.
Alguns elementos são reveladores nessa fase do desenvolvimento, como, por exemplo, as
relações que a criança estabelece com o corpo – ao caminhar pelo espaço, jogar a bola sozinha
ou com outras crianças etc. –, a ludicidade e a relação com o espaço e com o tempo. Por isso,
a Educação Física revela-se potente nas diversas interações que as crianças estabelecem, pois
é na exploração do movimento que elas se expressam, comunicam-se e descobrem o mundo.
Além disso, não há expectativa de movimentos corretos ou não nas aulas, mas sim do
que é possível a cada aluno. É importante termos como base a premissa que em um deter-
minado momento a criança pode não conseguir realizar algum movimento/ação, porém, em
seguida, ela pode estabelecer outras relações, como saltar, saltar com dois pés juntos, saltar
de um pé só, pular corda etc. Assim, os movimentos estão sempre em construção.
Uma preocupação do ponto de vista pedagógico é que todas as crianças possam de fato
gozar do direito de aprender5. Isso significa uma reflexão mais profunda a respeito da ga-
rantia desse direito. Significa também refletir sobre quem são essas crianças em um debate
no qual todos fazem parte de um contexto chamado diversidade. Se não considerarmos as
diferenças entre esses sujeitos, corremos o risco de generalizar os modos de ser criança ou
afirmar padrões pré-estabelecidos.

5 Os direitos de aprendizagem na Educação Infantil, que estão na Base Nacional Comum Curricular
(BRASIL, 2017), serão explicitados no próximo subcapítulo.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 25


2 Educação Física na Educação Infantil

Ainda que tenham ocorrido vários avanços no entendimento sobre a infância após o
Estatuto da Criança e Adolescente6 (ECA), ainda há crianças que não estão na escola. Há
aquelas que precisam ajudar seus pais e suas mães no sustento das famílias ou ainda são
exploradas e/ou violentadas, isto é, crianças que têm seus direitos negados e que vivem
violências e negligências. As complexidades nessas experiências são inúmeras. Nessa am-
plitude de realidades, abriu-se um campo
a ser pesquisado e analisado pela diversidade de áreas do conhecimento, o que
tem enriquecido a compreensão desse tempo geracional humano como um tem-
po que condensa o desenvolvimento da pluralidade de dimensões da nossa con-
formação como humanos. Reduzir a visão da infância à condição de letrandos
tem bloqueado a pedagogia e as propostas de educação a incorporar esse acú-
mulo de análises sobre esse tempo humano e sua formação. As consequências
são sérias: desconhecemos esse tempo humano ao reduzi-lo a tempo de letra-
mento para a inserção no mundo letrado. Empobrecemos a educação da infância
e a formação dos seus profissionais ao reduzi-los a alfabetizadores e letradores.
Muitos(as) profissionais ampliam suas artes de educar na infância, enriquecem
suas identidades educadoras. (ARROYO, 2013, p. 195)
Diante disso, como as aulas podem se tornar ferramentas potentes a fim de subverter
a lógica educacional imposta? Uma maneira possível é apontada por Silva (2012), que faz a
interessante analogia de que o corpo da criança é a própria pátria7. É nesse corpo que estão
“tatuadas” a cultura, a educação e a ideologia de um país. Para o autor, a infância não é ape-
nas uma construção social, mas também uma construção histórica, ética, política e cultural.
Desse modo, em uma análise social, não se pode separar a infância de elementos como classe
social, gênero ou etnia.
Portanto, a criança não é como uma folha de papel em branco, ela tem marcas sociais,
além de ser um sujeito social. Ao interrogá-la sobre o que ela quer ser no futuro, devemos
entender que ela já é, pois quando ela pensa lá na frente, ela realiza agora, por meio do
brincar. Desse modo, quando a criança constrói o desejo por meio da fantasia, revela sua
capacidade de sonhar e desejar o que quiser, pois isso compõe o campo do possível e faz
parte de sua cultura.
A expectativa sobre o futuro é própria dos adultos e não dialoga com o universo das crianças.
Vejamos situação a seguir (Figura 2). Qual ideia de infância ela retrata?

Figura 2 – Cotidiano: deslocamento para a escola.

6 O ECA foi e ainda é fruto de muito debate na sociedade. Arroyo (2013) destaca: “Essa era a
realidade que nós vivenciávamos quando chega o ECA. ‘A criança ter direitos? A criança tem que
aprender deveres. Se nós deixamos a criança como sujeitos de direitos, vai nos complicar’. Ha-
via uma certa rejeição à ideia de reconhecer a infância e a adolescência como sujeito de direitos”
(ARROYO, 2013, p. 1).
7 Maurício Roberto da Silva, utilizando-se de versos de Manoel de Barros, Baudelaire e Damário
Dacruz explica “a importância do corpo na infância como ‘única pátria do homem’“ e completa afir-
mando que “o corpo das crianças, assim como dos adultos, como uma superfície, ‘uma pátria’, isto é,
um espelho social na qual se circunscreve as marcas veladas e explícitas das desigualdades sociais”
(SILVA, 2012, p. 216).

26 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física na Educação Infantil 2

Fonte: Brasil2/iStockphoto

Essa imagem retrata uma realidade cotidiana de muitas crianças brasileiras: a necessi-
dade de caminhar ou enfrentar grandes deslocamentos até a escola mais próxima, situação
bastante conhecida em nosso país.
Diante disso, a tarefa de educar se mostra igualmente ou mais desafiante, pois é pre-
ciso pensar nas múltiplas realidades sociais que fazem parte do universo escolar, muitas
vezes diferentes da nossa – e, portanto, torna-se mais difícil compreendê-las e/ou observá-
-las para transformá-las.

2.3 Reflexões para a prática pedagógica da


Educação Física na Educação Infantil
Vídeo
Lembre-se da sua Educação Física escolar. É possível que você não tenha
tido um professor dessa disciplina na Educação Infantil, pois não havia – e
ainda não há – obrigatoriedade nesse segmento (fica a critério do município
ou da escola privada instituir essa disciplina na Educação Infantil). De qual-
quer modo, pense nessa etapa de ensino: o que você fazia? Havia continui-
dade no que era aprendido de uma aula para outra? Você pode ter tido um professor com-
prometido com o planejamento, porém, como vimos no capítulo anterior, focado apenas em
realizar a prática pela prática, para manter corpos saudáveis ou preparar atletas. O foco não
estava no planejamento em si, mas sim na repetição de movimentos.
Hoje a visão sobre a disciplina de Educação Física é outra. Há a preocupação de que
as práticas corporais propostas aos alunos tenham significado para eles. Desse modo, é

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 27


2 Educação Física na Educação Infantil

necessário haver um planejamento adequado que vise à aprendizagem dos alunos e à cons-
trução de novos conhecimentos.
Para isso, é importante recorrermos aos documentos oficiais, a fim de analisarmos os
objetivos de aprendizagem para cada etapa escolar. Nesse sentido, a Base Nacional Comum
Curricular (BRASIL, 2017) apresenta os “direitos de aprendizagem e desenvolvimento na
Educação Infantil”, elencados a seguir:

Quadro 1 – Direitos de aprendizagem e desenvolvimento na Educação Infantil.

Brincar de diversas formas, em diferentes espa-


ços e tempos, com diferentes parceiros (crianças
e adultos), de forma a ampliar e diversificar suas
Conviver com outras crianças e adultos, em peque-
possibilidades de acesso a produções culturais.
nos e grandes grupos, utilizando diferentes lingua-
A participação e as transformações introduzidas
gens, ampliando o conhecimento de si e do outro,
pelas crianças nas brincadeiras devem ser valoriza-
o respeito em relação à cultura e às diferenças entre
das, tendo em vista o estímulo ao desenvolvimento
as pessoas.
de seus conhecimentos, sua imaginação, criativida-
de, experiências emocionais, corporais, sensoriais,
expressivas, cognitivas, sociais e relacionais.

Participar ativamente, com adultos e outras


crianças, tanto do planejamento da gestão da escola Explorar movimentos, gestos, sons, formas, textu-
e das atividades propostas pelo educador quanto ras, cores, palavras, emoções, transformações, rela-
da realização das atividades da vida cotidiana, tais cionamentos, histórias, objetos, elementos da natu-
como a escolha das brincadeiras, dos materiais e reza, na escola e fora dela, ampliando seus saberes
dos ambientes, desenvolvendo diferentes lingua- sobre a cultura, em suas diversas modalidades: as
gens e elaborando conhecimentos, decidindo e se artes, a escrita, a ciência e a tecnologia.
posicionando.

Conhecer-se e construir sua identidade pessoal,


Expressar, como sujeito dialógico, criativo e sen- social e cultural, constituindo uma imagem posi-
sível, suas necessidades, emoções, sentimentos, tiva de si e de seus grupos de pertencimento, nas
dúvidas, hipóteses, descobertas, opiniões, questio- diversas experiências de cuidados, interações, brin-
namentos, por meio de diferentes linguagens. cadeiras e linguagens vivenciadas na instituição
escolar e em seu contexto familiar e comunitário.

Fonte: BRASIL, 2017, p. 34.

É importante analisarmos que o brincar está no documento como direito de aprendiza-


gem e deve ser visto como o eixo estruturante para todo o processo de ensino-aprendizagem
da criança na Educação Infantil, uma vez que ele é inerente à cultura dessa fase.
Outro eixo a ser contemplado é o do corpo em movimento. Conforme discutimos, tra-
balhar o movimento corporal é uma necessidade e uma forma de aprender por meio dos
sentidos corporais. Para a aprendizagem nessa etapa da educação, o educador leva em con-
sideração elementos da cultura corporal. Desse modo, propõe jogos e brincadeiras, danças,
lutas, ginásticas e esportes. É necessário relacionar essas propostas com os elementos do uni-
verso infantil, como a ludicidade, o faz de conta e o mundo da imaginação. A Figura 3 apre-
senta uma síntese desse contexto de ensino e aprendizagem da criança na Educação Infantil.

28 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física na Educação Infantil 2
Figura 3 – Particularidades da infância e direitos de aprendizagem.

Ludicidade

Brincar e movimento

Direitos de aprendizagem

Práticas corporais

Mundo da imaginação Faz de conta

Fonte: Elaborada pelas autoras.

Portanto, a organização do trabalho pedagógico é uma tarefa que merece cuidado para
articular o que apontam os documentos nacionais, tanto da educação em geral quanto da
Educação Física. O brincar necessita de trato pedagógico e, para isso, é fundamental estabe-
lecer quais objetivos a criança deve atingir, sem classificá-las ou estereotipá-las.

Conclusão

Neste capítulo, tratamos sobre o universo infantil e suas especificidades. Além disso,
compreendemos que a criança é um sujeito de direitos e com competências próprias, ele-
mentos que devem abranger a prática pedagógica na Educação Infantil.
As relações que o corpo promove são necessidades da infância e, por isso, é importan-
te perceber suas singularidades e de que modo isso é tratado na escola. Ademais, refleti-
mos sobre a organização do trabalho pedagógico de acordo com a Base Nacional Comum
Curricular e relacionamos os direitos de aprendizagem, os saberes da Educação Física e os
eixos estruturantes para o processo de ensino-aprendizagem na infância.

Ampliando seus conhecimentos


Apresentamos a seguir um trecho do artigo intitulado “Exercício de ser criança – o
corpo em movimento na Educação Infantil”, de Mauricio Roberto da Silva, presente na obra
Corpo infância: exercícios tensos de ser criança; por outras pedagogias dos corpos, de Miguel G.
Arroyo e Mauricio Roberto da Silva.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 29


2 Educação Física na Educação Infantil

Exercício de ser criança – o corpo em movimento


na Educação Infantil
(SILVA, 2012, p. 217-234)

[...]

Para escrever sobre o corpo em movimento na Educação Infantil, com base nos
“exercícios de ser criança”, foi de fundamental importância recorrer às imagens
dos corpos das crianças no âmbito da problemática da exploração do trabalho
infantil na cana de açúcar. Essas marcas implícitas e explicitas foram captadas,
observando as degradações e idiossincrasias do mundo do trabalho capitalista,
tais como: acidentes de trabalho, envelhecimento precoce, desnutrição e sub-
nutrição e comprometimento da cultura lúdica, entres outras.

[...]

Portanto, urge, sobretudo, repensar os imaginários escolares na infância, consi-


derando, efetivamente, o reconhecimento das crianças como sujeitos de direito.
Urge reconhecer as crianças como sujeitos de direito, quando estão em jogo
seus corpos em movimento, também “territórios em disputa” nas instituições
escolares e também nos espaços e equipamentos não escolares.

Os “exercícios de ser criança” que as crianças criam concretamente em seus


cotidianos são mediados pelo tempo do lúdico, que atribuem sentidos e signi-
ficados à cultura corporal e de movimento na Educação Infantil. O tempo do
lúdico, aqui compreendido, traz consigo uma concepção de infância para além
de horizontes emancipatórios meramente geracionais demarcados, uma vez
que brincar não é só inerente às crianças – mas também aos adultos; [...]

[...]

Educação Infantil urge destacar que não basta implementar concepções mais
críticas e criativas em relação ao corpo em movimento (lúdico, tempo e espaço)
no “exercício de ser criança” na Educação Infantil; mas sim pensar no processo
ensino-aprendizagem como processo de produção cultural e aprendizagem
social, política, ética e estética. Nesse sentido, os conteúdos/ conhecimentos/
linguagens: corporais, gestuais, cênicas, escritas, imagéticas, sonoro-musicais,
plástica e outros extrapolam a dimensão meramente conteudista para uma
perspectiva ampliada de educacional ominilateral, enfim, de formação humana.

30 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física na Educação Infantil 2
Atividades
1. Relacione e descreva os tipos de movimentos observados na comunicação da criança.

2. Descreva como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) pode ser um suporte


para as diferentes infâncias encontradas no Brasil.

3. Na leitura deste capítulo, você percebeu que é necessário considerar a diversidade


e as singularidades das crianças na prática pedagógica. Tendo isso em vista, relate
sobre a negligência ou a evidência desse tema em sua infância escolar.

4. No excerto a seguir, Arroyo (2013) faz importantes considerações acerca do ECA:


Essa era a realidade que nós vivenciávamos quando chega o ECA. Quando ele
chega, cria um certo impacto e em alguns professores, uma certa rejeição. “A
criança ter direitos? A criança tem que aprender deveres. Se nós deixamos a
criança como sujeitos de direitos, vai nos complicar”.
Havia uma certa rejeição à ideia de reconhecer a infância e a adolescência como
sujeito de direitos. Mas pouco a pouco, eu diria, que fomos avançando, e a pró-
pria infância e adolescência, que foram se afirmando como sujeitos de direitos,
foram reeducando nossa visão. Eu acho que teríamos que, ao invés de ser contra
o ECA, agradecer ao Estatuto que nos diz: “educadora, educador, você não está
preparando mercadoria para o trabalho, para o mercado, para o emprego, você
está tratando com seres humanos concretos, que têm uma história, que têm direi-
tos”. Este reeducar nosso olhar sobre a própria infância e adolescência, eu acho
que, em parte, devemos ao ECA”. (ARROYO, 2013, p. 1-2)

Podemos dizer que o ECA foi um importante instrumento para possibilitar uma
nova visão sobre a criança e o adolescente. Com base nas considerações do autor,
discorra sobre a relevância desse Estatuto para a sociedade.

Referências
ARROYO, Miguel Gonzáles. Currículo, território em disputa. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2013.
_______. Aula inaugural: ECA na escola. Disponível em: <https://rodrigoeducar.files.wordpress.
com/2013/05/aula_miguel_arroyo1.pdf​>. Acesso em: 13 de out. 2017.
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Infantil. Porto Alegre: Artmed, 2008.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Infantil. Brasília: MEC, SEB, 2010. Disponível em: <http://ndi.ufsc.br/files/2012/02/
Diretrizes-Curriculares-para-a-E-I.pdf>. Acesso em: 31 jan. 2018.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 31


2 Educação Física na Educação Infantil

______. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC/SEB, 2017. Disponível em: <http://
basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCCpublicacao.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2017.
DAHLBERG, G.; MOSS, P; PENCE, A. Qualidade na educação da primeira infância: perspectivas
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DANTAS, Heloysa. Brincar e trabalhar. In: KISHIMOTO, Tizuko Morchida (Org.). O brincar e suas
teorias. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.
GALEANO, Eduardo. O livro dos abraços. 2. ed. Porto Alegre: L&PM Editores, 2012.
GARANHANI, Marynelma Camargo. Concepções e práticas pedagógicas de educadoras da pequena
infância: os saberes sobre o movimento corporal da criança. São Paulo, 2004, 145 f. Tese (Doutorado
em Psicologia) – Departamento de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo. Disponível
em: <https://sapientia.pucsp.br/handle/handle/16412>. Acesso em: 16 jan. 2018.
______. O movimento da criança no contexto da Educação Infantil: reflexões com base nos estudos de
Wallon. Contrapontos, Itajaí, v. 5, n. 1, jan./abr. 2005. Disponível em: <https://siaiap32.univali.br/seer/
index.php/rc/article/view/807/659>. Acesso em: 31 jan. 2018.
GONZÁLEZ, Fernando Jaime; SCHWENGBER, Maria Simone Vione. Práticas pedagógicas em
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2010, 166 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Departamento de Educação, Universidade Federal
do Paraná, Curitiba.
MONTEIRO, Tatiane Lopes. A comunicação da criança sobre suas aprendizagens na pedagogia de
projetos: em foco o corpo em movimento. 124 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Departamento
de Educação, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2012. Disponível em: <http://www.ppge.ufpr.
br/dissertacoes%20m2012/m2012_Tatiane%20Lopes%20Monteiro.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2017.
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ARROYO, Miguel Gonzáles; SILVA, Maurício Roberto (Org.). Corpo-infância: exercícios tensos de ser
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ZABALA, Antoni i Vidiella. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.
ZABALZA, Miguel. Qualidade em educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2007.
WAJSKOP, Gisela. Brincar na Educação Infantil: uma história que se repete. São Paulo: Cortez, 2012.

Resolução
1. Os movimentos corporais aleatórios são constantes e aleatórios percebidos na criança.
Esses estão presentes devido à capacidade de controle do corpo ainda não estar com-
pletamente desenvolvida, então quanto menor for a idade da criança, mais movi-
mentações desse tipo estarão presentes em sua comunicação. Os movimentos como
suporte para a fala ocorrem devido à função postural da criança estar intimamente
ligada à sua atividade intelectual, ou seja, existe uma relação recíproca. Por fim, os
gestos ocorrem, por exemplo, quando os bebês começam a dar “tchau” para a mãe,
pai ou familiares.

2. Essa é uma resposta pessoal, porém espera-se que por meio das reflexões propostas
pelo ECA e o próprio texto seja realizada uma discussão crítica a respeito. É importan-

32 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física na Educação Infantil 2
te mencionar que o ECA é uma importante ferramenta que discorre acerca das espe-
cificidades das crianças e adolescentes e garante direitos e deveres para esses sujeitos.

3. Essa é uma resposta pessoal, porém espera-se que com base no texto do capítulo
você faça uma discussão crítica a respeito. É possível apresentar elementos que en-
globem atividades que você vivenciou e tinham um único formato e não considera-
vam os diferentes níveis de aprendizagem.

4. Essa é uma resposta pessoal, porém espera-se que com base nas reflexões propostas
pelo ECA e na citação seja realizada uma discussão crítica sobre a importância desse
Estatuto para o trabalho pedagógico e o trabalho do educador.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 33


3
Educação Física no Ensino
Fundamental – Anos Iniciais

Neste capítulo, trataremos das características peculiares das crianças no Ensino


Fundamental1. No capítulo anterior, discutimos um pouco sobre as particularidades
das crianças na Educação Infantil; agora, falaremos daquelas que acabaram de finali-
zar essa primeira etapa da Educação Básica.

Com a mudança da Lei do Ensino Fundamental de nove anos – Lei n. 11.274, de


6 de fevereiro de 2006 –, as crianças iniciam o primeiro ano do Ensino Fundamental
aos 5 ou 6 anos de idade2. Considerando essa realidade educacional, apresentare-
mos a seguir elementos da realidade desses alunos que devem ser considerados
pelo professor em sua organização pedagógica, visando a um processo adequado de
ensino-aprendizagem.
1 O Ensino Fundamental com nove anos de duração é obrigatório para as crianças a partir dos 6 anos de ida-
de. Tem duas fases subsequentes: a primeira, chamada Anos Iniciais, com cinco anos de duração, em regra, para
alunos de 6 a 10 anos de idade; e a segunda, Anos Finais, com quatro anos de duração, para os de 11 a 14 anos
(BRASIL, 2013, p. 70).
2 O Conselho Nacional de Educação estipulou como regra que, para ingressar no primeiro ano do Ensino Fun-
damental, a criança deve completar 6 anos de idade até 31 de março do respectivo ano letivo. No entanto, admite-se
que a criança de 5 anos de idade também curse o primeiro ano do EF, caso já tenha frequentado ao menos dois anos
de pré-escola.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 35


3 Educação Física no Ensino Fundamental – Anos Iniciais

3.1 Quem é a criança dos anos iniciais do Ensino


Fundamental
Vídeo
Os alunos que hoje cursam os anos iniciais do Ensino Fundamental são
crianças entre 5 e 6 anos, que iniciam essa etapa no 1º ano. Até há alguns anos, es-
sas mesmas crianças cursavam o antigo “Pré” da Educação Infantil. Tal mudan-
ça ocorreu com a alteração da Lei n. 11.274, de 6 de fevereiro de 2006 (BRASIL,
2006), que pretendeu assegurar o acesso escolar para as crianças dessa idade,
aumentando de oito para nove anos a duração do Ensino Fundamental.
No documento Ensino Fundamental de Nove Anos: Orientações Gerais, o Ministério
da Educação (MEC) destaca que o objetivo dessa obrigatoriedade é “assegurar a todas as
crianças um tempo mais longo de convívio escolar, maiores oportunidades de aprender e,
com isso, uma aprendizagem mais ampla” (BRASIL, 2004, p. 17).
Além disso, esse documento faz a descrição detalhada sobre a necessidade de se res-
peitar as características dessas crianças tendo em vista suas condições biológicas, sociais e
culturais. Nesse sentido, “o cuidado na sequência do processo de desenvolvimento e apren-
dizagem das crianças de seis anos de idade implica o conhecimento e a atenção às suas
características etárias, sociais e psicológicas” (BRASIL, 2004, p. 17).
A respeito desse cuidado, resgatamos aqui nossa discussão, realizada no capítulo anterior,
sobre a necessidade de movimentação corporal que a criança da Educação Infantil apresenta.
É importante pensarmos que, aos seis anos, ela acabou de mudar de ciclo, mas continua no
mesmo processo de desenvolvimento, apresentando as mesmas necessidades de movimento.
Ainda assim, encontramos escolas que valorizam somente a alfabetização, em detri-
mento de outras linguagens. Ou seja, o que importa é aprender a ler e a escrever. No entanto,
não era a criança de sete anos que iniciava a introdução à leitura e à escrita na antiga primei-
ra série? Não queremos dizer que o universo dessa linguagem não é explorado na Educação
Infantil, pelo contrário, a aprendizagem da criança acontece (ou deveria acontecer) de outro
modo, perpassando toda a expressão corporal.
Assim, em muitas escolas acaba prevalecendo uma ênfase na “imobilidade” das crian-
ças, acreditando-se que essa é a melhor maneira para a aquisição da linguagem escrita. O
corpo infantil permanece em uma posição de imobilidade para que a cognição seja protago-
nista no processo de ensino-aprendizagem (MONTEIRO, 2012). É fato que tal medida acaba
por desconsiderar as características dessa faixa etária, cujas disciplinas mentais3 ainda se
encontram em formação.
Essa movimentação corporal na infância – muitas vezes vista como indisciplina – se inten-
sifica durante os anos iniciais do Ensino Fundamental, ao criar-se nas escolas uma falsa impres-
são de que a aula é um momento “sério” para aprender e que para isso é necessário manter-se

3 O psicólogo e pesquisador Henri Wallon apresentou o conceito de disciplinas mentais para tratar da
capacidade da criança em controlar as suas próprias ações. Esse controle aconteceria de maneira lenta
e gradual (GALVÃO, 2010).

36 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física no Ensino Fundamental – Anos Iniciais 3
imóvel e compenetrado. Galvão (1992) demonstrou essa preocupação destacando a importância
de a escola considerar o corpo em movimento como uma necessidade da criança, e não apenas
como uma impulsividade que deva ser controlada para que a aprendizagem seja efetiva:
A imposição dessa pobreza postural durante o período de permanência em sala
de aula refletia uma obsessão, por parte do meio escolar, em coibir o movimento
como provocador de complicações, como estorvo. Com base numa precária com-
preensão do movimento concluía-se, equivocadamente, que a única alternativa
para a imobilidade era a impulsividade. Recorremos à teoria, vimos que os mo-
vimentos podem ser ainda expressivos e práxicos e que, em princípio, somente a
impulsividade é irruptiva e deve ser contida. (GALVÃO, 1992, p. 110)
Nesse sentido, a autora explica que não se deve considerar essas ações como indiscipli-
na ou até mesmo como uma patologia.

3.2 A transição da Educação Infantil para


o Ensino Fundamental
Vídeo
Conforme argumentamos no capítulo anterior – à luz da concepção de
Henri Wallon –, nós somos seres biologicamente sociais, isto é, passamos por
fases de desenvolvimento que somente ocorrem por estarmos inseridos em um
contexto sociocultural. Desse modo, considerar o estágio de desenvolvimento
no qual a criança se encontra é importante para entendê-la.
Para Wallon, a criança de 3 a 6 anos está no terceiro estágio de desenvolvimento4, deno-
minado personalismo. Portanto, a criança do 1º ano está finalizando esse momento, em que
adquire uma consciência corporal de si mesma, do outro e do que a diferencia desse outro
– e essa tomada de consciência é
Figura 1 – A interação é um importante fator nos processos
fundamental para seu desenvol- de desenvolvimento.
vimento (GARANHANI, 2004
apud MONTEIRO, 2012).
É esperado que as crian-
ças, ao iniciarem sua jornada
nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, estejam passan-
do pelo processo de construção
da consciência de seu corpo e
de seu próprio eu. É importante
destacar que nesse nível de de-
senvolvimento elas já têm suas
Fonte: Rawpixel/iStockphoto

4 Wallon observou cinco estágios de desenvolvimento. O primeiro estágio é denominado impulsivo


emocional (0 a 1 ano) e o segundo é o sensório-motor e projetivo (1 a 3 anos). O terceiro estágio é o do per-
sonalismo (3 a 6 anos) e o quarto é o do conhecimento categorial (6 a 11 anos). Por fim, o quinto estágio
é a puberdade e adolescência (a partir dos 11 anos) (MONTEIRO, 2012).

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 37


3 Educação Física no Ensino Fundamental – Anos Iniciais

próprias características sociais, culturais e étnicas e se encontram ainda no processo de


desenvolvimento biológico.
Após essa fase, há o estágio categorial (6 a 11 anos), caracterizado principalmente pela
predominância do plano da cognição. O plano motor e afetivo continua a se desenvolver,
porém a intelectualidade se destaca.
Nesse momento, a atenção cognitiva da criança se amplia em relação ao estágio anterior.
Wallon se refere a esse processo como autodisciplina mental, que “faz com que a criança mante-
nha a sua atenção por mais tempo em uma mesma atividade e consiga desconsiderar os outros
estímulos existentes no ambiente” (AMARAL, 2011 apud MONTEIRO, 2012, p. 31).
Isabel Galvão (2010) reafirma que não é exagero reforçar mais uma vez que esse pro-
cesso é lento e gradual. A progressão do conhecimento ocorre pela consolidação das apren-
dizagens anteriores e pela ampliação das práticas de linguagem e da experiência estética e
cultural das crianças. Para tanto, consideram-se tanto seus interesses e expectativas prévias
quanto o que elas ainda precisam aprender (BRASIL, 2017).
Mas e quanto ao professor de Educação Física? Qual é sua função nesse contexto?
Trataremos dessas questões a seguir.

3.3 Diversidades e singularidades: a inclusão como


princípio pedagógico
Vídeo
Para compreender as possibilidades de aprendizagem, precisamos discutir
a diversidade de sujeitos5 presentes na escola. Ao pensar nessas diferenças, leva-
mos em conta as subjetividades de cada um deles, que necessariamente devem
ser consideradas nos processos de construção dos saberes formalizados que essa
instituição proporciona. Tal subjetividade pode ser constatada, por exemplo, nas
distinções culturais, de gênero, étnicas e tantas outras, visto que a escola é constituída por pro-
fessores, alunos, funcionários, coordenadores, e isso a torna plural.
Nesse sentido, a inclusão é um princípio do qual não se pode abrir mão. Quando nos
referimos a ela, não pontuamos apenas casos de alunos com necessidades especiais, mas
sim a inclusão de todos os sujeitos. Portanto, neste capítulo não nos atemos a uma situação
específica de inclusão, mas provocamos a reflexão sobre esse tema tão relevante na escola e,
consequentemente, também nas aulas de Educação Física.
Quando você pensa em inclusão, o que vêm à sua mente? É normal pensarmos em sujei-
tos que possuem deficiências ou são portadores de alguma doença. No entanto, aqui nossa
preocupação é pensar na inclusão em geral, para que de fato as aulas sejam um lugar de
abrangência das pluralidades. Desse modo, é preciso romper as barreiras construídas histo-
ricamente por uma visão tradicional da educação, que apresentava uma forma homogênea

5 “Um sujeito é fruto de seu tempo histórico, das relações sociais em que está inserido, mas é, tam-
bém, um ser singular, que atua no mundo a partir do modo como o compreende e como dele lhe é
possível participar” (PARANÁ, 2008, p. 14).

38 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física no Ensino Fundamental – Anos Iniciais 3
de ensinar e aprender. Para isso, é fundamental refletirmos sobre nossas limitações e poten-
cialidades, que nos favorecem ou não a participação em algumas atividades.
Em algumas situações de aprendizagem, as limitações impedem que os alunos partici-
pem de uma atividade. Porém isso não significa limitar antecipadamente as propostas das
aulas. Listamos alguns exemplos corriqueiros que acontecem nas aulas de Educação Física:

1ª situação: meninas não participam das aulas, porque o conteúdo é futebol.


2ª situação: meninos não participam das aulas, porque o conteúdo é dança.
3ª situação: meninos(as) não participam da aula, porque são cadeirantes ou cegos.
4ª situação: meninos(as) não participam da aula, porque estão acima do peso.

Há algum problema com as situações elencadas? Sim, muitos e de maneiras diferentes.


Será que o que limita a participação é a própria pessoa ou os outros? Pensemos sobre isso.

Figura 3 – A escola pode acabar sendo um local de exclusão.

Fonte: Wavebreakmedia/iStockphoto

Tanto a primeira quanto a segunda situação são recorrentes nas aulas de Educação
Física: limitar meninos e meninas a participarem de atividades por conta do gênero.
A escola é uma instituição que nasceu com a função de disciplinar o sujeito. Assim,
ensina-se onde as crianças podem caminhar, em quais lugares podem permanecer e quais
cabem às meninas e aos meninos. Além disso, a escola estigmatiza os sujeitos que fogem
dessas normatizações. É nesse espaço que, segundo Guacira Lopes Louro (1997),
se aprende a olhar e a se olhar, se aprende a ouvir, a falar e a calar; se aprende a
preferir. Todos os sentidos são treinados, fazendo com que cada um e cada uma
conheça os sons, os cheiros e os sabores “bons” e decentes e rejeite os indecentes;
aprenda o que, a quem e como tocar (ou, na maior parte das vezes, não tocar);
fazendo com que tenha algumas habilidades e não outras... E todas as lições são

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 39


3 Educação Física no Ensino Fundamental – Anos Iniciais

atravessadas pelas diferenças, elas confirmam e também produzem diferença.


(LOURO, 1997, p. 61)
Na tentativa de disciplinar os sujeitos, algumas funções são exigidas da escola, isto é,
ela tem como tarefa ensinar o que é “certo” e “errado”, propõe comportamentos aceitáveis
e combate os inaceitáveis. Aqueles ditos diferentes ou que fogem à norma estabelecida são
silenciados e/ou têm negado o direito de existir conforme eles desejam. Esse é um modelo
que não podemos – e não queremos – ter em nossas aulas nos dias de hoje.
Se admitimos que a escola é um espaço plural, também precisamos admitir que a inclu-
são é um processo em construção. Todos somos colaboradores na criação de estratégias para
dialogar com os diversos modos de existir para compreender os limites e as possibilidades
para transformar o cotidiano.
E o que a Educação Física tem a ver com isso? Se ela é um componente curricular que
constrói saberes em consonância com o Projeto Político-Pedagógico (PPP) da escola, para
proporcionar ações que priorizem desenvolver o aluno integralmente – pressuposto mínimo
que se espera desse ambiente –, é fundamental discutir sobre como meninos e meninas se
desenvolvem socialmente e reconhecer que o histórico das práticas corporais é uma forma
de compreender suas transformações.
Podemos destacar como exemplo mulheres que antigamente não podiam jogar futebol,
pois esse esporte era considerado essencialmente masculino. Hoje observamos transforma-
ções nessa realidade, por exemplo, com a seleção brasileira de futebol feminino e outras
modalidades esportivas – como rúgbi, basquetebol, handebol etc. –, nas quais as mulheres
enfrentaram a discriminação para que pudessem participar.
Desse modo, não faz sentido reproduzir a afirmação de que meninas não podem jogar
futebol, pois muitas lutas já foram travadas (e ainda são) para impedir situações desiguais
por conta de gênero, muito embora ainda encontremos diversas contradições sociais, como
a disparidade salarial entre mulheres e homens no mercado de trabalho.
Sobre a afirmação de que meninos não podem dançar, perguntamos: por quê? A dança
na escola ainda é um tabu a ser enfrentado. Diversas vezes, professores reclamam que não
trabalham esse conteúdo nas aulas de Educação Física porque boa parte da turma (meninos)
não participa. Contudo, não podemos considerar meninos e meninas seres que pensam de
maneira homogênea. Há meninas que jogam futebol, assim como há meninos que dançam.
Esses enfrentam duplamente o preconceito, pois são estereotipados e inferiorizados por se
apropriarem de práticas com as quais possuem afinidade e, muitas vezes, desistem devido
a essa visão deturpada.
Acreditamos que a escola deve promover oportunidades de reflexão nas quais os alu-
nos discutam as mudanças nas sociedades. É tarefa do professor apresentar argumentações
baseadas na possibilidade de construir novas realidades, como a de meninos e meninas
jogarem futebol juntos ou dançarem, pois essas práticas não são generificadas, mas sim julga-
das pela sociedade, que por vezes desqualifica aquele que as realiza. E aí voltamos em uma
questão central: o que realmente limita essas práticas?

40 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física no Ensino Fundamental – Anos Iniciais 3
A terceira situação refere-se a alunos que têm limitações visíveis e ficam de fora de
atividades, porque não se sabe muito bem como incluí-los. Por isso é necessário o diálogo.
O ideal é perguntar ao aluno como ele prefere que seja conduzida a atividade e como ele
gostaria de participar, além de levar em conta alguns cuidados, com base no tipo de necessi-
dade especial ou limitações percebidas. No entanto, o professor, o aluno que tem limitações
e o grupo devem pensar em estratégias para que essa inclusão ocorra. Não há uma fórmula
pronta, deve-se sempre ter novas estratégias. Isso dependerá da capacidade de diálogo e do
interesse em estabelecer relações inclusivas com esses grupos.
A última situação diz respeito a um biótipo rechaçado pela sociedade: o corpo de uma
pessoa que está acima do peso considerado ideal. Isso também ocorre muitas vezes nas au-
las de Educação Física, quando o aluno sofre por lhe atribuírem características pejorativas.
Por exemplo, em uma tentativa de dizer que ele é lento, por ser um aluno com sobrepe-
so, ressalta-se que ele não pode participar das atividades que envolvam velocidade. Desse
modo o estudante acaba sendo constrangido e por vezes deixa de participar das aulas, para
não ser vítima de risos e violências por parte dos colegas.
O aluno dos anos iniciais do Ensino Fundamental está em processo de construção de
sua identidade e essas situações produzidas na escola ficarão registradas na mente por toda
a vida. Por isso, o professor é responsável em contrapor essas violências e garantir reflexões
a respeito, a fim de transcender os preconceitos, em um universo social mais abrangente.
Esse é um tema verdadeiramente complexo, pois é preciso compreender as necessida-
des dos sujeitos para de fato incluí-los. Não é adequado conceber uma aula que deixe as
meninas de fora porque não gostam ou não sabem jogar futebol ou, ainda, porque um aluno
é cego ou obeso.
Uma possibilidade para a inclusão é desenvolver a dimensão afetiva dos alunos, para
que percebam que as contradições vivenciadas nas aulas são as mesmas existentes na so-
ciedade. As aulas devem proporcionar um diálogo que vai além da dimensão do saber fa-
zer e que provoque no aluno o interesse de realizar atividades em conjunto com o outro,
entendendo seus próprios limites e os limites de seus colegas. Todos ganham quando há a
promoção de um ambiente mais colaborativo.

3.4 Reflexões para a prática pedagógica da Educação


Física
Vídeo
Uma preocupação recorrente sobre a prática pedagógica é como fazê-la
sem se limitar apenas à escolha de conteúdos. Essa escolha é importante, mas
não sem antes se pensar em seus objetivos.
As aulas de Educação Física nem sempre foram organizadas de modo
que se explicitasse o que se desejava do aluno. Com o passar do tempo, veri-
ficou-se a necessidade de propor que as aulas sejam de fato um exercício de escolhas peda-
gógicas conscientes e que possibilitem a construção de

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 41


3 Educação Física no Ensino Fundamental – Anos Iniciais

saberes corporais, experiências estéticas, emotivas, lúdicas e agonistas, que se


inscrevem, mas não se restringem, à racionalidade típica dos saberes científi-
cos que, comumente, orienta as práticas pedagógicas na escola. Experimentar
e analisar as diferentes formas de expressão que não se alicerçam apenas nessa
racionalidade é uma das potencialidades desse componente na Educação Básica.
(BRASIL, 2017, p. 171)
Fundamentando-se em escolhas pedagógicas e em práticas corporais, desmembramos
didaticamente os saberes da área em três categorias: conceituais, corporais e relacionais, expli-
citados no Quadro 1 a seguir.

Quadro 1 – Saberes da prática pedagógica.6

Conjunto de dados e conceitos que descrevem e explicam diferen-


Saberes conceituais
tes aspectos relativos às práticas corporais sistematizadas.

Pensados de acordo com as expectativas que se têm em relação


ao nível de proficiência que os alunos devem atingir da prática
corporal em estudo. Sobre esses saberes há a expectativa de que
eles possam ser apropriados das seguintes maneiras:
a) saber praticar: se refere ao tipo de saber prático que leva à
Saberes corporais
apropriação dos elementos necessários para que essa prática
ocorra de maneira proficiente e autônoma.
b) praticar para conhecer: relativos aos saberes corporais, evi-
denciam as diferentes práticas corporais acessíveis somente
pela via da experimentação.

Atitudes esperadas para desenvolver e refletir as práticas corpo-


Saberes relacionais6
rais na relação com o outro.

Fonte: GONZÁLEZ; FRAGA, 2012. Adaptado.

É importante destacar que os saberes relacionais, que dizem respeito às atitudes, con-
templam o cuidado e a atenção e são essenciais para que as crianças aprendam e questio-
nem as formas de se relacionarem com os outros nas práticas corporais para o convívio
em sociedade.
Essas divisões só fazem sentido se pensarmos que ao brincar, por exemplo, a criança
tem a oportunidade de desenvolver todas essas três dimensões. O conhecimento deve ser
construído de maneira integral, ou seja, com a articulação desses saberes, inerentes às prá-
ticas corporais.

6 Os saberes relacionais não constam na obra de González e Fraga. Inserimos esses saberes por en-
tender que são fundamentais, pois contemplam as dimensões atitudinais que competem à formação
humana e cidadã.

42 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física no Ensino Fundamental – Anos Iniciais 3
A obra Metodologia do Ensino de Educação Física, do Coletivo de Autores (1992), inaugu-
rou uma organização didático-pedagógica ao estruturar uma proposta que se desmembra
em: jogo, esporte, capoeira, ginástica e dança. Posterior a isso, os Parâmetros Curriculares
Nacionais de Educação Física (BRASIL, 1997) organizaram os conteúdos como: conhecimen-
tos sobre o corpo, esportes, jogos, lutas, ginásticas e atividades rítmicas e expressivas. Por
fim, na Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017) os conteúdos de Educação Física
dos anos iniciais Ensino Fundamental (Quadro 3) são organizados em dois ciclos de esco-
laridade: o primeiro referente às etapas do primeiro, segundo e terceiro anos e o segundo
referente ao quarto e quinto anos.

Quadro 3 – Unidades temáticas propostas pela BNCC.

Unidades
temáticas/ Características
conteúdos

Explora aquelas atividades voluntárias exercidas dentro de determinados


limites de tempo e espaço, caracterizadas pela criação e alteração de regras,
pela obediência de cada participante ao que foi combinado coletivamen-
Brincadeiras
te, bem como pela apreciação do ato de brincar em si. Essas práticas não
e jogos
possuem um conjunto estável de regras e, portanto, ainda que possam ser
reconhecidos jogos similares em diferentes épocas e partes do mundo, esses
são recriados, constantemente, pelos diversos grupos culturais.

Reúne tanto as manifestações mais formais dessa prática quanto as deriva-


das. O esporte como uma das práticas mais conhecidas da contemporanei-
dade, por sua grande presença nos meios de comunicação, caracteriza-se
por ser orientado pela comparação de um determinado desempenho entre
indivíduos ou grupos (adversários), regido por um conjunto de regras for-
mais, institucionalizadas por organizações (associações, federações e confe-
Esportes
derações esportivas), as quais definem as normas de disputa e promovem
o desenvolvimento das modalidades em todos os níveis de competição. No
entanto, essas características não possuem um único sentido ou somente um
significado entre aqueles que o praticam, especialmente quando o esporte é
realizado no contexto do lazer, da educação e da saúde. Como toda prática
social, o esporte é passível de recriação por quem se envolve com ele.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 43


3 Educação Física no Ensino Fundamental – Anos Iniciais

Unidades
temáticas/ Características
conteúdos

A ginástica geral, também conhecida como ginástica para todos, reúne


as práticas corporais que têm como elemento organizador a exploração
das possibilidades acrobáticas e expressivas do corpo, a interação social,
o compartilhamento do aprendizado e a não competitividade. Podem ser
Ginásticas constituídas de exercícios no solo, no ar (saltos), em aparelhos (trapézio,
corda, fita elástica), de maneira individual ou coletiva e combinam um
conjunto bem variado de piruetas, rolamentos, paradas de mão, pontes,
pirâmides humanas etc. Integram também essa prática os denominados
jogos de malabar ou malabarismo.

Explora o conjunto das práticas corporais caracterizadas por movimentos


rítmicos, organizados em passos e evoluções específicas, muitas vezes tam-
bém integradas a coreografias. As danças podem ser realizadas de forma
individual, em duplas ou em grupos, sendo essas duas últimas as formas
Danças
mais comuns. Diferentes de outras práticas corporais rítmico-expressivas,
elas se desenvolvem em codificações particulares, historicamente consti-
tuídas, que permitem identificar movimentos e ritmos musicais peculiares
associados a cada uma delas.

Focaliza as disputas corporais, nas quais os participantes empregam técni-


cas, táticas e estratégias específicas para imobilizar, desequilibrar, atingir
ou excluir o oponente de um determinado espaço, combinando ações de
ataque e defesa dirigidas ao corpo do adversário. Dessa forma, além das
Lutas
lutas presentes no contexto comunitário e regional, podem ser tratadas lu-
tas brasileiras (capoeira, huka-huka, luta marajoara etc.), bem como lutas de
diversos países do mundo (judô, aikido, jiu-jítsu, muay thai, boxe, chinese
boxing, esgrima, kendo etc.).

Fonte: BRASIL, 2017, p. 172-175. Adaptado.

Com base na proposição da BNCC, enfatizamos que desenvolver essas práticas com os
alunos não tem o objetivo de obter boa performance em uma modalidade ou outra, mas sim
atender a propósitos mais amplos, promovendo conhecimentos de diversas práticas corpo-
rais de acordo com suas especificidades.
Além disso, é importante que as movimentações corporais articulem elementos da cul-
tura infantil, como ludicidade, faz de conta e imaginação. Os jogos e brincadeiras devem ser
eixos norteadores que dialoguem com as unidades temáticas.

Conclusão

44 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física no Ensino Fundamental – Anos Iniciais 3
Neste capítulo, abordamos as necessidades da criança dos anos iniciais do Ensino
Fundamental, isto é, suas necessidades de movimentação corporal e os aspectos que reme-
tem à cultura infantil. Esses elementos são de fundamental importância para o professor de
Educação Física.
Além disso, promovemos um breve panorama sobre o mundo da Educação Infantil e a
importância de modificar o olhar em relação ao aluno dessa etapa do ensino. Desse modo,
o princípio da inclusão e a relevância em perceber que existe um universo de singularida-
des devem ser levados em consideração pelo professor em sua reflexão e organização do
trabalho pedagógico. Por fim, afirmamos a necessidade de organizar os objetivos de apren-
dizagem e os conteúdos das práticas corporais pautados em saberes conceituais, corporais
e relacionais.

Ampliando seus conhecimentos


Sugerimos a leitura do livro Práticas pedagógicas em Educação Física: espaço, tempo e corpo-
reidade, de Fernando Jaime González e Maria Simone Vione Schewengber. Essa obra apre-
senta a criança na contemporaneidade e suas condições de aprendizagem. O trecho a seguir
explicita a Educação Física como componente curricular obrigatório cujos saberes precisam
ser organizados para constituir uma aprendizagem adequada aos alunos.

Práticas pedagógicas em Educação Física: espaço,


tempo e corporeidade
(GONZALES; SCHEWENGBER, 2012, p. 15, 43, 77).

[...]

O que propomos aqui é inspirado nos afazeres escolares de professores e alu-


nos que diariamente encontram meios e maneiras de conviver e trabalhar juntos,
aprendendo e ensinando com empenho, nisso encontrando mais satisfação do
que descontentamento. Nosso ponto de referência incorpora certo universo con-
ceitual, mas não se limita a ele. É fundamental para os princípios defendidos aqui
exceder o plano dos conceitos. O passo à frente é incorporar também nos afazeres
de professores e alunos que trabalham os conhecimentos curriculares movidos
pelo interesse que esses conhecimentos podem despertar legitimamente na refle-
xão sobre questões da vida contemporânea e na resolução de problemas”.

[...]

Para fazer jus à condição de componente curricular obrigatório na educação


básica, é preciso demarcar a finalidade de Educação Física escolar: tratar das
possibilidades de movimento dos sujeitos, representações e práticas sociais que
constituem a cultura corporal de movimento, estruturada em diversos contextos

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 45


3 Educação Física no Ensino Fundamental – Anos Iniciais

históricos e, de algum modo, vinculadas ao campo do lazer e da saúde. É o


caso, por exemplo, das práticas esportivas, das ginásticas, das lutas, das ativi-
dades lúdicas, das práticas corporais expressivas, entre outras, que se firmaram
ao longo dos anos como objetos de estudos próprios desta disciplina. Entre
tantos desdobramentos possíveis, os saberes produzidos pela experimentação
das práticas, o conhecimento das estruturas e a dinâmica destas manifestações,
bem como a problematização dos conceitos e significados a elas atribuídos,
compõem, nesta proposta, os conteúdos a serem ensinados e sobre os quais as
competências/habilidades podem ser desenvolvidas na escola.

[...]

Para que a cultura corporal de movimento se consolide como objeto de estudo


da Educação Física, é preciso criar condições para que os alunos se apropriem,
problematizem, experimentem e estudem as práticas corporais sistematiza-
das de modo que lhes seja permitido lidar de forma crítica e criativa com este
conhecimento.

[...]

Atividades
1. Levando em consideração o que discutimos neste capítulo, quais elementos devem
ser considerados na etapa de ensino dos anos iniciais do Ensino Fundamental?

2. Com base na Lei n. 11.274, de 2006 – que prevê o Ensino Fundamental obrigatório
com duração de nove anos e gratuito nas escolas públicas, iniciando-se aos 6 anos
de idade –, quais expectativas são colocadas para a criança nessa etapa? Esse ensino
pode apresentar uma perspectiva mais rígida e não considerar a autonomia do alu-
no? Por quê? Construa um argumento que demonstre as necessidades que a criança
apresenta nessa etapa.

3. Diante da seguinte situação-problema: “meninos não querem jogar futebol com as


meninas, pois acreditam que elas não sabem jogar”, como você problematizaria tal
situação para incluir as meninas e superar os estereótipos construídos, de acordo
com o conteúdo do capítulo?

4. Por muito tempo, a prática pela prática esteve presente nas aulas de Educação Física.
Mediante divergências de correntes de pensamentos, foi estabelecida a existência de
saberes de práticas corporais que devem ser levados em consideração na escola. Des-
creva esses saberes elencados no texto e exemplifique situações em que eles podem

46 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física no Ensino Fundamental – Anos Iniciais 3
ser inseridos em planejamentos de aula.

Referências
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9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, dispondo
sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6
(seis) anos de idade. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, 7 fev. 2006. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11274.htm>. Acesso em: 20 out. 2017
BRASIL. Gênero e diversidade na escola: formação de professoras/es em gênero, orientação sexual
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cnpq.br/portal/premios/2014/ig/pdf/genero_diversidade_escola_2009.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2017.
______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular.
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GALVÃO, Isabel. O espaço do movimento: investigação do cotidiano de uma pré-escola à luz da
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GONZÁLEZ, Fernando Jaime; FRAGA, Alex Branco. Afazeres da Educação Física na escola: planejar,
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LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: uma perspectiva pós estruturalista.
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de Educação Básica: Educação Física. Curitiba: SEED, 2008. Disponível em: <http://www.educadores.
diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/diretrizes/dce_edf.pdf>. Acesso em: 17 jan. 2018.

Resolução
1. Essa é uma resposta pessoal, porém elementos acerca da criança que se encontra nes-
se segmento devem ser levados em consideração. É importante pensar que a criança
de seis anos é a mesma criança da Educação Infantil. Ela está em um processo de
desenvolvimento e apresenta necessidades de movimentação corporal, conforme
discutido neste capítulo.

2. É fato que ainda há expectativas por parte das escolas para que prevaleça a cogni-

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 47


3 Educação Física no Ensino Fundamental – Anos Iniciais

tividade no desenvolvimento da criança. No entanto, tanto os documentos oficiais


– como a Base Nacional Comum Curricular – quanto os pesquisadores da cultura
infantil argumentam a necessidade de levar em consideração a movimentação da
criança. Tal expectativa corresponde a formas de compreendê-la e construir seu lu-
gar no mundo.

3. Essa é uma resposta pessoal, porém elementos apresentados no texto devem ser le-
vados em consideração. É importante lembrar que as aulas devem promover refle-
xões em que os alunos discutam sobre como as sociedades mudam. É imprescindível
também recordar que é tarefa do professor apresentar argumentações para construir
novos olhares, como meninos e meninas jogarem futebol ou meninos e meninas dan-
çarem, pois a prática não é generificada, mas sim a sociedade que qualifica ou des-
qualifica aquele que a realiza.

4. Sua resposta deve englobar os saberes discutidos no capítulo – saberes concei-


tuais, corporais e relacionais – e propor maneiras para que eles possam ser tra-
balhados na escola.

Você deve recordar que os saberes conceituais são aqueles que se referem ao conjunto
de dados e conceitos que explicam aspectos relativos a práticas já sistematizadas. As
possibilidades de trabalhar com esses saberes em sala de aula são várias. Você pode
relacioná-los a fatores históricos – ao discutir a história de determinada prática e
como ela se modificou ao longo do tempo – ou até mesmo atuais, como o constante
debate acerca da função da mídia e de qual modo ela retrata o mundo do esporte.

Os saberes corporais foram pensados de acordo com as expectativas que se tem em re-
lação a um nível de proficiência que os alunos devem atingir da prática corporal em
estudo (saber praticar e praticar para conhecer). Você pode aplicá-lo para discutir o
respeito, as limitações e as potencialidades dos colegas e vivências atreladas a essas
práticas corporais para conhecer sobre elas e seu funcionamento. Como exemplo de
atividades, você pode mostrar as diferentes formas de se jogar futebol e as alterações
de suas regras para o ambiente escolar.

Por fim, os saberes relacionais são aqueles que dizem respeito às atitudes esperadas
para desenvolver na relação com o outro. Você pode trazer um exemplo de prática
para contextualizar esse saber, como o desenvolvimento de valores como cooperati-
vidade, aceitação de sua própria limitação, bem como a do outro etc.

48 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


4
Educação Física no Ensino
Fundamental – Anos Finais

Neste capítulo, trataremos de questões referentes aos alunos dos anos finais do
Ensino Fundamental, período que compreende do 6o ao 9o ano dessa etapa da edu-
cação. Esses alunos, após finalizarem essa etapa, deparam-se com um novo universo,
com professores diferentes, componentes curriculares distintos e novos desafios pes-
soais – como as transformações em seus corpos, com o início da puberdade – e educa-
cionais. Nesse momento, também espera-se que o estudante realize produções e pes-
quisas de maneira mais autônoma.

Nesse sentido, cabe ao professor de Educação Física considerar os desafios dessa


fase da aprendizagem e proporcionar novos conhecimentos aliados às práticas corpo-
rais. Esse exercício exige também uma reflexão crítica sobre a prática pedagógica no
processo de ensino e aprendizagem.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 49


4 Educação Física no Ensino Fundamental – Anos Finais

4.1. Quem é o aluno dos anos finais do Ensino


Fundamental
Vídeo
É comum ouvirmos professores em reuniões pedagógicas, encontros de
formação continuada ou em ocasiões informais dizerem “Esses alunos não
querem saber de nada” ou então “Esses alunos não gostam de estudar”. Essas
afirmações nos fazem refletir: Será que precisamos entender o universo des-
ses estudantes? Devemos tentar compreender o que eles pensam, quais são
seus gostos, o que fazem em seu tempo de lazer etc.? Devemos analisar os elementos que
permeiam sua cultura para nos aproximarmos deles?
Nos capítulos anteriores, falávamos que a criança aprende por meio do brincar. O brin-
car é um elemento da cultura infantil que envolve ludicidade, o universo do faz de conta e
o mundo da imaginação. Todos esses elementos tornarão a aprendizagem mais prazerosa
para a criança. Assim, não faz sentido perpetuar, por exemplo, práticas pautadas em espor-
tes de rendimento, uma vez que o objetivo da Educação Física escolar não está restrito a isso.
Já nos anos finais do Ensino Fundamental, os alunos têm maturidade para dizer ao
professor que não desejam realizar determinada atividade. Isso os difere dos alunos dos
anos iniciais do Ensino Fundamental, que realizam as práticas que lhes forem propostas
sem questioná-las.
Portanto, os conteúdos se tornam mais instigantes para o aluno dessa etapa quan-
do apresentamos práticas corporais relacionadas a temáticas presentes em sua realida-
de. Abordar conteúdos como distúrbios alimentares, mídia, tecnologia, padrões estéticos
e práticas corporais de academia provavelmente despertará a curiosidade deles. Para
atingirmos esse objetivo, tratamos a seguir sobre o universo do aluno dos anos finais do
Ensino Fundamental.

4.1.1 A transição para os anos finais do Ensino Fundamental


Nos anos finais do Ensino Fundamental, o aluno passa a fazer parte de um cenário de
intensas mudanças. Ele sai de um ambiente acolhedor, com um professor de referência1,
para um modelo educacional com mais professores, grade curricular mais densa e conteú-
dos que exigem maior capacidade de abstração. Acerca desse momento, a Base Nacional
Comum Curricular salienta que:
Ao longo do Ensino Fundamental – Anos Finais, os estudantes se deparam com
desafios de maior complexidade, sobretudo devido à necessidade de se apro-
priarem das diferentes lógicas de organização dos conhecimentos relacionados
às áreas. Tendo em vista essa maior especialização, é importante, nos vários
componentes curriculares, retomar e ressignificar as aprendizagens do Ensino

1 Em geral, os alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental têm apenas um professor regente
(conforme solicita a lei), no entanto, alguns municípios e escolas particulares podem apresentar arran-
jos diferentes.

50 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física no Ensino Fundamental – Anos Finais 4
Fundamental – Anos Iniciais no contexto das diferentes áreas, visando ao apro-
fundamento e à ampliação de repertórios dos estudantes. Nesse sentido, tam-
bém é importante fortalecer a autonomia desses adolescentes, oferecendo-lhes
condições e ferramentas para acessar e interagir criticamente com diferentes
conhecimentos e fontes de informação. (BRASIL, 2017, p. 56, grifos do original)
Esse é um momento de transição da infância para a adolescência, marcado por altera-
ções nos âmbitos biológico, psicológico, social e emocional. É também nesse período que os
vínculos sociais e laços afetivos são intensificados, acelerando-se o processo de ruptura com
a infância, na tentativa de formar valores próprios (BRASIL, 2017).
Com o intuito de construir sua própria identidade, esse indivíduo estabelece elos afeti-
vos com seus amigos e se interessa em conhecimentos que dizem respeito à sexualidade e às
relações de gênero. Nessa nova fase, as possibilidades intelectuais se intensificam e a neces-
sidade de movimentação corporal presente na infância fica para trás, pois suas disciplinas
mentais (conceito que trabalhamos no Capítulo 3) já estão formadas. Desse modo, é fato que
os estudantes se tornam mais aptos a ver e avaliar os fatos pelo ponto de vista do outro e
exercem a capacidade de descentração do próprio eu para a construção da autonomia e a
aquisição de valores morais e éticos (BRASIL, 2017).
Essas mudanças identificam que esse é um sujeito em desenvolvimento com anseios
próprios que demandam práticas escolares diferenciadas, capazes de acolher suas necessi-
dades. Cabe ao professor propor situações que estimulem a aprendizagem em um ambiente
de confiança e respeito. As atividades individuais ou em grupos devem ser elaboradas para
a compreensão dos novos conhecimentos, com vistas ao desenvolvimento das capacidades
individuais. Isso deve ocorrer sem preconceitos ou pré-julgamentos acerca das habilidades
intelectuais e físicas dos alunos (PEDROSO; MATOS JR.; SALLES FILHO, 2010). O objetivo
permanece sendo a inclusão de todos os alunos nas aulas de Educação Física, independen-
temente de suas limitações ou de seu potencial.
É necessário relacionar os saberes das práticas corporais – danças, lutas, esportes, jogos
e ginásticas – com os conhecimentos presentes no universo do aluno dessa faixa etária. Por
exemplo, é relevante discutir gênero em aulas de dança e lutas para o entendimento de
como são aceitas essas modalidades na sociedade. Podem ser levantados questionamentos
como: as meninas são bem aceitas em grupos de lutas? Há a aceitação de meninos em gru-
pos de dança?
Além disso, pode-se questionar: quais danças fazem parte da cultura do adolescente?
Um exemplo é o break dance, pertencente ao movimento hip-hop. Ao discutirmos esse assun-
to, o conhecimento poderá ser mobilizador para esse aluno. Quanto às lutas, o professor
pode abordar o MMA (sigla para mixed martial arts, ou artes marciais mistas), assunto atual
e bastante repercutido nos meios de comunicação – e, consequentemente, nas conversas dos
adolescentes. A essência do MMA é polêmica. Alguns acreditam que essa prática não condiz
com o princípio da maioria das lutas, que consiste em preservar a integridade física do ad-
versário. Outros consideram que essa é uma característica comum e aceitável nesse esporte.
Nesse sentido, formar um pensamento crítico sobre esse aspecto é relevante no contexto
escolar, pois contribui para a construção da criticidade dos alunos.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 51


4 Educação Física no Ensino Fundamental – Anos Finais

Outro aspecto recorrente em alunos dessa fase é a busca excessiva por um corpo ideal e
padronizado. Mas será que é possível atingi-lo? Vivemos em uma sociedade plural, em que
há corpos distintos, devido a fatores genéticos, étnicos e culturais diversos. Desse modo, não
é possível instituir um único modelo de beleza. É importante discutirmos essa questão com
os alunos, principalmente tendo em vista que o Brasil é o segundo país onde mais se fazem
cirurgias plásticas no mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos (FERREIRA, 2011).
Por meio desses questionamentos, podemos fazer o aluno refletir a respeito dos padrões
impostos em nossa sociedade e da busca incessante por um ideal específico de beleza.

Figura 1 – A busca por um corpo sem massa de gordura e com tônus muscular reforça um ideário
muitas vezes inatingível.

Fonte: Gearstd/iStockphoto

Diante desse panorama, o educador pode aliar as temáticas de suas aulas às questões so-
ciais. Isso reafirma o objetivo de tornar a escola um ambiente mais democrático, justo e solidário.

4.2 Diversidades e singularidades: a inclusão como


princípio pedagógico
Vídeo
As Diretrizes Curriculares Nacionais2, ao propor princípios norteadores
éticos, políticos e estéticos, elucidam que tipo de educação se pretende al-
cançar. Esses princípios destacam a necessidade de “assegurar a formação
comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer os meios para

2 As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica estabelecem a base nacional comum,
responsável por orientar a organização, a articulação, o desenvolvimento e a avaliação das propostas
pedagógicas de todas as redes de ensino brasileiras (BRASIL, 2013). Para saber mais, acesse: <http://
portal.mec.gov.br/docman/julho-2013-pdf/13677-diretrizes-educacao-basica-2013-pdf/file>. Disponí-
vel em: 2 abr. 2018.

52 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física no Ensino Fundamental – Anos Finais 4
que [o aluno] possa progredir no trabalho e em estudos posteriores” (BRASIL, 2013, p. 108).
No quadro a seguir, apresentamos as definições de tais princípios:

Quadro 1 – Príncipios norteadores de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a


Educação Básica.

Éticos: de justiça, solidariedade, liberdade e autonomia; de respeito à dignidade da pes-


soa humana e de compromisso com a promoção do bem de todos, contribuindo para
combater e eliminar quaisquer manifestações de preconceito e discriminação.

Políticos: de reconhecimento dos direitos e deveres de cidadania, de respeito ao bem


comum e à preservação do regime democrático e dos recursos ambientais; de busca da
equidade no acesso à educação, à saúde, ao trabalho, aos bens culturais e outros benefí-
cios; de exigência de diversidade de tratamento para assegurar a igualdade de direitos
entre os alunos que apresentam diferentes necessidades; de redução da pobreza e das
desigualdades sociais e regionais.

Estéticos: de cultivo da sensibilidade juntamente com o da racionalidade; de enriqueci-


mento das formas de expressão e do exercício da criatividade; de valorização das dife-
rentes manifestações culturais, especialmente as da cultura brasileira; de construção de
identidades plurais e solidárias.

Fonte: BRASIL, 2013, p. 107-108.

As Diretrizes também ressaltam as múltiplas infâncias e adolescências, com base no


princípio de que elas não são homogêneas. Suas características estão relacionadas com seus
modos de vida e suas diversas experiências culturais e sociais (BRASIL, 2013).
O desenvolvimento do aluno está muito atrelado a seu modo de vida, o que inclui
concepções de corpo que são constantemente comparadas, idealizadas e muitas vezes dis-
seminadas pela mídia.
Além disso, é também comum observarmos que nessa fase os adolescentes têm maior
necessidade de se aproximar de outros adolescentes na busca de uma identidade. Raquel
Pereira Quadrado menciona que “ser adolescente implica ostentar um conjunto de marcas
corporais3” (QUADRADO, 2013, p. 13).
Ao se tomar consciência dos enfrentamentos e tensões característicos dessa fase, ques-
tiona-se ainda mais o papel da educação, principalmente pela compreensão de que todos os
espaços podem ser educativos. Adquire-se conhecimentos na rua, no cinema, com amigos,
com a família, na internet etc., ou seja, espaços e pessoas nos ensinam constantemente.
No entanto, ainda nos perguntamos: Qual educação queremos que a instituição escolar
desempenhe? As escolhas pedagógicas repercutem também na formação do sujeito, pois
“estão preocupadas com as conexões entre saber, identidade e poder” (SILVA, 2002, p. 16).

3 Para a autora, marcas corporais são inscrições nos corpos que fazem parte daquilo que identificam
os sujeitos, demarcando pertencimento a determinados grupos sociais. Exemplos: ostentar (ou não) ta-
tuagens/piercings; ser (ou não) magro(a); consumir (ou não) determinados bens, produtos ou serviços;
usar (ou não) determinadas marcas ou grifes; entre outros. (QUADRADO, 2013, p. 13)

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 53


4 Educação Física no Ensino Fundamental – Anos Finais

Nenhuma das escolhas para o trabalho com os alunos são neutras, pois o conhecimento não
é neutro, e o currículo é um modo de estabelecer tais escolhas. Segundo Silva (2002), mui-
tas vezes esquecemos que o conhecimento proporcionado pelo currículo está relacionado a
questões de identidade e subjetividade. Para o autor, “o currículo é também uma questão de
identidade” (SILVA, 2002, p. 16).
De acordo com a organização curricular, é preciso articular os conteúdos com a rea-
lidade do aluno, de maneira contextualizada, na qual possam ser incluídos saberes sem
fragmentá-los. Além disso, como afirmamos, compreender as pluralidades dessa fase do
estudante é um desafio nas práticas pedagógicas. Nessa perspectiva, as questões sociais, por
exemplo, baseadas em vivências para entender os marcadores identitários4, podem ser abor-
dadas em sala de aula, levantando debates sobre o acesso a bens de consumo e elementos
culturais de maneira não fragmentada.

4.3 As práticas corporais e as relações com


as subjetividades
Vídeo
Guacira Lopes Louro afirma que “o corpo parece ter ficado fora da esco-
la” (LOURO, 200, p. 60). Ao fazer essa provocação, a autora atenta para o fato
de que ainda há na escola a separação entre corpo e mente. Há disciplinas
que “fazem pensar” e para isso mantêm os alunos sentados em suas mesas;
enquanto isso, a Educação Física relembra que o corpo existe. No entanto, não
podemos nos enganar, pois
no “sagrado” campo da educação não apenas separamos mente e corpo, mas, mais
do que isso, suspeitamos do corpo. Aparentemente estamos, nas escolas e uni-
versidades, lidando exclusivamente com ideias e conceitos que de algum modo
fluem de seres incorpóreos. Por outro lado, a história da educação nos mostra que
tudo isso está muito longe da verdade: a preocupação com o corpo sempre foi cen-
tral no engendramento dos processos, das estratégias e das práticas pedagógicas.
O disciplinamento dos corpos acompanhou, historicamente, o disciplinamento
das mentes. Todos os processos de escolarização sempre estiveram – e ainda es-
tão – preocupados em vigiar, controlar, modelar, corrigir, construir os corpos de
meninos e meninas, de jovens homens e mulheres. (LOURO, 2000, p. 60)
As práticas corporais podem contribuir para a problematização de situações do coti-
diano escolar. Por exemplo, em uma prática esportiva, por diversas vezes meninas são afas-
tadas da possibilidade de participar por serem consideradas frágeis, o que corresponde a
um modo de dizer “se afaste, isso não faz parte de seu universo”. Nesse sentido, é papel da
escola – na figura do professor – provocar entre os alunos um diálogo que busque a supera-
ção das perspectivas biologizantes, fragmentadas e naturalizadas e problematizar a visão da
ciência como algo incontestável que dita “verdades absolutas” (QUADRADO, 2013).

4 Marcadores identitários são “aqueles símbolos culturais que servem para diferenciar, agrupar,
classificar, ordenar – inscrevem-se fundamentalmente no corpo”. (VEIGA-NETO, 2000, p. 36).

54 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física no Ensino Fundamental – Anos Finais 4
Se cuidarmos para descontruir situações como essas, trazemos mais alunos para a práti-
ca, somamos, incluímos e damos movimento ao currículo, afinal, o aluno é parte dele. Além
disso, vinculamos os princípios éticos, políticos e estéticos para a construção de uma educa-
ção integradora, que diminua as distâncias entre professor e aluno e entre os próprios alunos.

4.4 Reflexões para a prática pedagógica


da Educação Física
Vídeo
Para que possamos organizar a nossa prática pedagógica, primeiramen-
te devemos refletir sobre o universo das práticas corporais que remetem a
nossa disciplina. Essas atividades são as mesmas do segmento do Ensino
Fundamental – Anos Iniciais, porém contam com a inserção das chamadas
práticas corporais de aventura.
Práticas corporais de aventura são aquelas provocadas pelas situações de imprevisi-
bilidade, em que o praticante interage com um ambiente desafiador. Na BNCC, elas são
classificadas em práticas de ambiente natural e práticas de ambiente urbano. São modalidades de
ambiente natural: a corrida orientada, a corrida de aventura, as corridas de mountain bike, o
rapel, a tirolesa, o arborismo etc. Já as práticas de aventura urbanas exploram a “paisagem
de cimento” para produzir essas condições (de vertigem e risco controlado) durante a exe-
cução de atividades de parkour, skate, patins, bike etc. (BRASIL, 2017).
Do mesmo modo que nos anos iniciais do Ensino Fundamental, é também necessário
organizar os objetivos mediante os saberes conceituais, corporais e relacionais, com vistas à
formação integral do aluno.
Com base nessa perspectiva, organizamos uma representação (Figura 2) que estrutura
o estudo das práticas corporais, bem como as necessidades dos alunos que estão nos anos
iniciais do Ensino Fundamental.

Figura 2 – Organização do trabalho pedagógico para o Ensino Fundamental - Anos Finais.

Brincadeiras e jogos Violência


Esportes Temas sociais Racismo
Ginásticas Xenofobia
Danças Mídia
Lutas Tecnologia
Práticas corporais de Singularidades Padrões estéticos
aventura dos sujeitos ­corporais

Conteúdos

Saberes conceituais Fatores biológicos,


Saberes corporais Objetivos sociais, políticos,
Saberes relacionais ­econômicos e culturais

Fonte: Elaborada pelas autoras.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 55


4 Educação Física no Ensino Fundamental – Anos Finais

Note que essa é uma possibilidade de organização diante de vários arranjos possíveis.
Desse modo, levamos em consideração os documentos que orientam a educação nacional na
construção de uma perspectiva para a Educação Física, que está em consonância com o ideário
almejado na educação, ou seja, a formação de sujeitos críticos, autônomos, preocupados em
superar modelos que reproduzam preconceitos e toda e qualquer forma de discriminação.

Conclusão

Neste capítulo, promovemos a articulação entre o sujeito dos anos iniciais do Ensino
Fundamental – que permeava o universo infantil – com o que ingressa nos anos finais do
Ensino Fundamental. Desse modo, levamos em consideração essas novas características dos
alunos, assim como as novas demandas educacionais. As múltiplas adolescências precisam
ser observadas sob diferentes óticas, para criar possibilidades de acolher esses sujeitos e pro-
piciar conhecimentos das práticas corporais em uma perspectiva abrangente, enfatizando a
necessidade de organização do trabalho pedagógico do professor.
Também destacamos a necessidade de superação da máxima de que o planejamento
consiste apenas em eleger conteúdos. Essa atividade faz parte do universo do planejamen-
to, no entanto, devemos considerar quem são os sujeitos da aprendizagem, suas necessi-
dades e anseios, que podem ser de ordem biológica, política, econômica e/ou cultural.
Por fim, é imprescindível promover diálogos com temas pertinentes à sociedade, como
racismo, violência, desigualdade social etc. e relacioná-los às diversas práticas corporais.

Ampliando seus conhecimentos


Disponibilizamos aqui trechos de Educação física na escola: implicações para a prática peda-
gógica, de Irene Conceição Andrade Rangel e Suraya Cristina Darido.
A obra é uma produção coletiva de docentes de Educação Física preocupados com o pa-
pel do professor dessa disciplina na escola e sua responsabilidade no processo de formação
cidadã dos alunos com base em práticas corporais.

Educação física na escola: implicações para a


prática pedagógica
(RANGEL; DARIDO, 2008, p. 33, 34, 40)

[...]

A Cultura é polissêmica, ou seja, tem vários sentidos possíveis. Por isso, pode-
ríamos enveredar por um caminho muito longo a fim de compreender seus
múltiplos significados. Em vez disso, nos ocuparemos de analisar os sentidos
atribuídos ao conceito de Cultural dentro da própria área da Educação Física

56 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física no Ensino Fundamental – Anos Finais 4
(DAOLIO, 2004). Penamos que esse caminho pode ser elucidado, pois nos
permitirá vislumbrar como o conceito de Cultura Corporal de Movimento foi
construído em nossa área.

[...]

Assim, a Cultura Corporal de Movimento pode ser considerada um pleo-


nasmo, se a analisarmos brevemente e de maneira apenas semântica. Se não
há Cultura sem corpo e sem movimento, também não há Cultura Corporal
de Movimento, e poderíamos denominar essa pretensa área simplesmente
como Cultura, sem a necessidade de acrescentar os termos ‘Corporal’ e
“Movimento’. Mas há uma saída para esse impasse que se fundamenta, sobre-
tudo, na tradição da própria Educação Física. Em nossa área, dois temas são
centrais: o Corpo e o Movimento. Qualquer outra área que se interesse por
investigar a Cultura certamente não o fará com o mesmo interesse que se tem
em Educação Física pelo Corpo e pelo Movimento. Assim, em nossa área, faz
sentido enfatizar que o interesse que temos pela Cultura é no que se refere
ao Corpo Humano e ao Movimento Humano, portanto nos interessamos pela
Cultura Corporal de Movimento.

[...]

Compreendemos que a Educação Física é uma prática pedagógica que trata


da Cultura Corporal de Movimento. Nesse sentido, nossa preocupação cen-
tral é com a prática pedagógica que caracteriza a Educação Física na Educação
Básica. pensamos que o objetivo principal da Educação Física escolar é introdu-
zir e integrar os alunos na Cultura Corporal de Movimento, desde a Educação
Infantil até o Ensino Médio, formando os cidadãos que irão usufruir, partilhar,
reproduzir e transformar as manifestações que caracterizam essa área, como o
Jogo, o Esporte, a Dança, a ginástica e a Luta.

[...]

Assim, para a Educação Física na escola promover de fato a autonomia, é pre-


ciso que as aulas se tornem diferentes, tanto do pinto de vista da escola sobre o
que se deve ensinar (conteúdos) como pelos procedimentos que os professores
deverão utilizar nas suas aulas.

[...]

Atividades
1. A criança que sai dos anos iniciais do Ensino Fundamental é a mesma que se insere
no sexto ano – Ensino Fundamental – Anos Finais. Como há mudanças significativas
em relação à organização do modelo escolar, há a necessidade de acolhimento por

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 57


4 Educação Física no Ensino Fundamental – Anos Finais

parte do corpo docente desses novos estudantes. Você se lembra como foi o seu pro-
cesso de inserção nos anos finais do Ensino Fundamental? Houve esse acolhimento
por parte dos professores? Realize um pequeno relato acerca dessa experiência.

2. Com base nos três saberes das práticas corporais mencionados neste capítulo – rela-
cionais, corporais e estéticos –, eleja um conteúdo e construa três objetivos relaciona-
dos a esses saberes.

3. Com base no que foi exposto neste capítulo, escolha um conteúdo e o relacione a
uma temática social. Faça um breve relato que explique como esses temas podem ser
abordados nas aulas de Educação Física.

4. Uma possibilidade nas aulas de Educação Física é trabalhar as práticas corporais uti-
lizando-se das tecnologias. Baseando-se no que discutimos neste capítulo, descreva
uma dessas possibilidades.

Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Conselho
Nacional da Educação. Câmara Nacional de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais da
Educação Básica. Brasília: MEC, 2013. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/docman/julho-2013-
pdf/13677-diretrizes-educacao-basica-2013-pdf/file>. Acesso em: 21 nov. 2017.
______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular.
Brasília: MEC/SEB, 2017. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/
BNCCpublicacao.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2017.
FERREIRA, Francisco. Cirurgias estéticas, discurso médico e saúde. Ciência, saúde coletiva. Rio
de Janeiro, v. 16, n. 5, maio 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?Script=sci_
arttext&pid=S1413-81232011000500006>. Acesso em: 17 jan. 2018.
LOURO, Guacira Lopes. Corpo, escola e identidade. Educação & realidade. Porto Alegre, v. 25, n.
2, p. 59-75, jul./dez. 2000. Disponível em: <http://www.seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/
viewFile/46833/29119>. Acesso em: 17 jan. 2018.
QUADRADO, Raquel Pereira. Corpos, gêneros e sexualidades: questões possíveis para o currículo
escolar. In RIBEIRO, Paula Regina Costa.; QUADRADO, Raquel Pereira (Org.). Adolescência como
construção sociocultural e histórica. Rio Grande: Editora e Gráfica da FURG, 2013.
PEDROSO, Geraldo Dias; MATOS JR., Moacir Ávila.; SALLES FILHO, Nei Alberto. Relações profes-
sor-aluno: a busca de novas possibilidades. In: FINK, Silvia Christina Madrid (Org.) Educação Física
escolar: saberes e projetos. Ponta Grossa: Editora UEPG, 2010.
RANGEL, Irene Conceição Andrade; DARIDO, Suraya Cristina. Educação Física na escola: implica-
ções para a prática pedagógica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008.
SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo
Horizonte: Autêntica, 2002.
VEIGA-NETO, Alfredo. As idades do corpo: (material)idades, (divers)idades, (corporal)idades, (ident)
idades. In: GARCIA, Regina Leite (Org.). O corpo que fala dentro e fora da escola. Rio de Janeiro:
DP&A, 2002.

58 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física no Ensino Fundamental – Anos Finais 4
Resolução
1. Essa é uma resposta pessoal, porém elementos que foram apresentados no texto de-
vem ser levados em consideração. Você pode analisar, por exemplo, sua experiência
nos anos finais do Ensino Fundamental e refletir se ela foi (ou não) baseada em uma
perspectiva conteudista, que não considerava os sujeitos como seres constituídos por
fatores biológicos, sociais, políticos, econômicos e culturais.

2. Essa resposta deve indicar um conteúdo (por exemplo, dança) e relacioná-lo com três
objetivos organizados com base nos saberes propostos pelas Diretrizes Curriculares
Nacionais (BRASIL, 2013). Exemplo:

a. Conceituais: identificar a dança como possibilidade de comunicação e expressão.

b. Corporais: compor movimentos expressivos e sequenciais individualmente e


em grupo.

c. Relacionais: respeitar as opiniões divergentes das suas.

3. Sua resposta deve indicar um conteúdo – futebol, por exemplo – para relacioná-lo
a uma temática social, como o racismo registrado pelas mídias. Uma possibilidade
para essa discussão são as manifestações de racismo explicitadas no cenário do fute-
bol nacional e mundial. É interessante trazer exemplos aliados a recursos midiáticos
e propor um debate em que os alunos se posicionem sobre a questão e construam
decisões éticas.

4. Essa resposta deve indicar um conteúdo, por exemplo, voleibol e tecnologia. Você
pode mencionar as mudanças relacionadas à arbitragem no voleibol, em que o ár-
bitro – para confirmar a pontuação – precisa aguardar a análise de um computador
para verificar se a bola caiu dentro ou fora da quadra.

Além disso, podem ser feitas outras discussões acerca dessa temática, como a pró-
pria definição do que é tecnologia. Essa definição pode variar de acordo com o con-
texto, as necessidades e o acesso a elas. Por exemplo, a cesta de basquetebol, em
outros tempos, era considerada um grande artefato tecnológico.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 59


5
Educação Física
no Ensino Médio

Neste capítulo, tratamos de elementos pertinentes aos alunos que se encontram


inseridos no Ensino Médio1 e seus desafios perante o mundo do trabalho, o qual con-
sideramos uma das dimensões da formação humana.

Para tanto, discutimos a função da Educação Física como um componente cur-


ricular que constitui o universo da vida escolar e destacamos seu papel no Ensino
Médio em fazer um desfecho dos conhecimentos construídos e desenvolvidos desde a
Educação Infantil para a construção de uma consciência crítica autônoma, solidária e
de respeito pelo próprio corpo e o de outrem.
1 O Ensino Médio, com duração mínima de três anos, compreende adolescentes em idade de 15 a 17 anos
(BRASIL, 2013).

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 61


5 Educação Física no Ensino Médio

5.1 Quem é o jovem do Ensino Médio?


Vídeo
Quando falamos do aluno do Ensino Médio, devemos pensar que, do
mesmo modo que pontuamos em relação às outras etapas da Educação Básica,
esse sujeito também tem características próprias e singularidades. Assim, não
podemos considerá-lo apenas como uma máquina de reproduzir testes para
passar no vestibular, mas sim como um sujeito integral, com inseguranças e
incertezas decorrentes das pressões estabelecidas nessa etapa de ensino, como a de alcançar
aprovações em vestibulares e no Exame Nacional do Ensino Médio2 (Enem), além das dúvi-
das perante a escolha de uma profissão em tão tenra idade.
Desse modo, é necessário olhá-los como indivíduos que têm trajetórias distintas, in-
fluenciadas pelos meios nos quais são inseridos. As Orientações Curriculares para o Ensino
Médio (BRASIL, 2006) afirmam que os alunos que participam das aulas de Educação Física
nessa etapa são sujeitos socioculturais. Nesse sentido, o desafio da escola é entender sua
condição de adolescente/jovem, suas diferenças e percebê-lo como sujeito que se constitui
com base em uma trajetória histórica, muitas vezes com visões de mundo, valores, sentimen-
tos, emoções, comportamentos e projetos de mundo bastante peculiares.
Assim como os alunos dos anos finais do Ensino Fundamental, o aluno do Ensino Médio
se encontra em um processo de construção de identidade. Isso acontece porque as atitudes e
formas particulares de perceber a realidade e entender o mundo são estabelecidas com base
em identificações e condições de pertencimento a determinado gênero, etnia, classe social,
prática religiosa, orientação sexual etc (BRASIL, 2006).
Um marco importante para a Educação Física foi sua inserção no Enem a partir de 2008.
Com isso, essa disciplina passou a ser aceita pela instituição escolar como um componente
importante, que constrói conhecimentos e está além do saber fazer, do saber da prática.
O documento Matriz de Referência para o Exame Nacional do Ensino Médio (BRASIL,
2017b) apresenta as competências e habilidades almejadas para a Educação Física:

Quadro 1 – Enem: competências e habilidades para Educação Física

Competência Compreender e usar a linguagem corporal como relevante para a pró-


de área 3 pria vida, integradora social e formadora da identidade.
Reconhecer as manifestações corporais de movimento como originárias
H9
de necessidades cotidianas de um grupo social.
Reconhecer a necessidade de transformação de hábitos corporais em
H10
função das necessidades sinestésicas.
Reconhecer a linguagem corporal como meio de interação social, consi-
H11 derando os limites de desempenho e as alternativas de adaptação para
diferentes indivíduos.

2 O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tem como finalidade principal a avaliação do de-
sempenho escolar e acadêmico ao fim do Ensino Médio. O exame é realizado anualmente pelo Insti-
tuto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e o Ministério da Educação
(MEC) (INEP, 2018).

62 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física no Ensino Médio 5
Fonte: BRASIL, 2017b.

A Educação Física integra a área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, junto das
disciplinas de Língua Portuguesa, Língua Estrangeira (Inglês ou Espanhol) e Arte. Ela é
um componente curricular que compreende e utiliza as práticas corporais para a interação
social, a formação da identidade e a transformação de hábitos corporais.

5.1.2 A transição para o Ensino Médio


Os alunos que se encontram no Ensino Médio não são sujeitos homogêneos. Nesse
cenário, encontramos adolescentes com uma boa estrutura familiar, outros nem tanto;
há aqueles que necessitam trabalhar para ajudar no sustento de casa; os que vivem em
grandes centros urbanos, em periferias ou em áreas rurais. Ainda, é possível que existam
alunos que tiveram negados seus direitos plenos à educação, seja pela oferta irregular de
vagas, seja por condições socioeconômicas desfavoráveis ou inadequações do sistema de
ensino (BRASIL, 2006).
Às vezes a escola é constituída sem a participação efetiva da comunidade e, por isso,
não compreende as características culturais do lugar onde ela se encontra, o que afeta tam-
bém os jovens que nela estão inseridos. Uma consequência disso são os elevados índices
de evasão de alunos no Ensino Médio. Realidades como essas, por vezes são responsáveis
pelos altos índices de evasão escolar desse ciclo. O MEC (2018), com base no Censo Escolar
realizado entre 2014 e 2015, afirmou que as maiores taxas de evasão dos alunos acontece
nos primeiros dois anos do Ensino Médio, sendo 12,7% no primeiro ano e 12,1% no se-
gundo ano.
Não precisamos ir muito longe para perceber relatos em que os jovens são estigmatiza-
dos e considerados sujeitos com crises de identidade. Esses fatores são muitas vezes asso-
ciados à desordem, irresponsabilidade e rebeldia, compreendidas como um “problema so-
cial”, principalmente quando se faz recortes por classe e raça. Nesse sentido, as Orientações
Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006) salientam que os jovens possuem con-
dições peculiares de desenvolvimento corpóreo e são cidadãos e sujeitos de direitos, não
apenas meros projetos para o futuro.
Assim, é importante perceber que esses estudantes possuem saberes e experiências ad-
vindos de outros espaços. No ambiente extraescolar – como igrejas, associações de bairro,
grupos musicais e diversos outros – eles ampliam as possibilidades de atuar como protago-
nistas de suas ações e se tornarem sujeitos autônomos (BRASIL, 2006).
Portanto, destacamos a necessidade de proporcionar possibilidades para que os jovens
ocupem a posição de protagonistas ao relatar suas necessidades e tomar decisões sobre suas
vidas. Os princípios norteadores éticos, políticos e estéticos da educação oferecem possibi-
lidades para que o aluno do Ensino Médio se desenvolva e compreenda o mundo com base
nessas concepções.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 63


5 Educação Física no Ensino Médio

5.2 Diversidades e singularidades: a inclusão como


princípio pedagógico
Vídeo
Nos capítulos anteriores, exploramos o tema da diversidade na cultura
infantil e no universo dos adolescentes. Agora, temos o desafio de compreen-
der e debater a diversidade no Ensino Médio.
Quais são os limites e possibilidades de ser jovem/adolescente nessa eta-
pa de ensino? Quais aspectos são impostos a eles? O que a diversidade tem a
ver com isso? As Diretrizes Curriculares Nacionais (2013) destacam que:
Quando o estudante chega ao Ensino Médio, os seus hábitos e as suas atitudes
crítico-reflexivas e éticas já se acham em fase de conformação. Mesmo assim, a
preparação básica para o trabalho e a cidadania, e a prontidão para o exercício
da autonomia intelectual são uma conquista paulatina e requerem a atenção de
todas as etapas do processo de formação do indivíduo. (BRASIL, 2013, p. 39)
Os cuidados com o corpo também passam a fazer parte da realidade deles com maior
ênfase. Por isso, o ideário da qualidade de vida está muito presente e relacionado à saúde
e ao universo de práticas associadas ao lazer e à autonomia. Tais práticas são incentivadas
desde a Educação Infantil, mas nesse período ganham mais destaque.
Ao entender a escola como um espaço plural que compreende sujeitos diversos e que
deve criar estratégias para dar conta dessas subjetividades, necessitamos refletir sobre sua
função na sociedade. De acordo com Giert Biesta (apud PENNA, 2016), as funções das ins-
tituições escolares são:
• Qualificação: é responsável pela construção de conhecimento, habilidades, enten-
dimento, disposição e formas de julgamento que permitam ao aluno “fazer algo”.
Embora a escola represente uma dimensão que dialoga com o mundo do trabalho,
não se restringe a ela.
• Socialização: são os modos pelos quais nos tornamos membros e parte de ordens
sociais, culturais e políticas específicas.
• Subjetivação: refere-se às formas de ser que não podem ser enquadradas em or-
dens existentes, mas que remetem a processos de formação de uma subjetividade
ou individualidade própria.
O papel da escola no Ensino Médio, portanto, vai além de formar alunos para a aprova-
ção em vestibulares. Nesse sentido, cabe também ajudá-los na busca de sua identidade em
uma sociedade cheia de contradições e garantir uma educação coerente com sua realidade
e que proporcione mais possibilidades. Segundo Dayrell (2013), a juventude é um processo
de constituição dos sujeitos com base em suas especificidades. Esse é um momento determi-
nado, no entanto, ele não pode ser reduzido nem padronizado. Esse processo de desenvol-
vimento é influenciado pelo meio social e as trocas que ocorrem dentro dele.
A temática da diversidade dialoga com as culturas das juventudes. No entanto, um
dado difícil de encarar é que mais de 50% dos jovens entre 15 e 17 anos não estão na escola

64 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física no Ensino Médio 5
(BERMUDEZ, 2017). Afinal, o que fazem os outros 50%? O que impede que boa parte dessa
população não tenha acesso ao direito básico à educação?
Entre as causas possíveis, podemos destacar a pobreza, que prioriza a urgência de ajudar
no sustento da família e ingressar precocemente no mercado de trabalho. Outras realidades
são os estudantes inseridos em modalidades como a Educação de Jovens e Adultos (EJA)3 e
o ensino para comunidades indígenas4, do campo5, quilombolas6 e educação especial7.
No que se refere à EJA, entende-se, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional que deve ofertar educação escolar regular para jovens e adultos, com característi-
cas e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se, aos
que forem trabalhadores, as condições de acesso à educação formal e permanência na escola
(BRASIL, 1996, p. 159). Para a educação indígena, o art. 78 da LDB de 1996 trata sobre os
princípios e direitos dessa educação, traduzidos no respeito à sociodiversidade, na intercul-
turalidade, no direito de uso de suas línguas maternas e de processos próprios de aprendi-
zagem, na articulação entre os saberes indígenas e os conhecimentos técnico-científicos com
os princípios da formação integral. O objetivo da educação indígena é visar à atuação cidadã
no mundo do trabalho, da sustentabilidade socioambiental e do respeito à diversidade dos
sujeitos (BRASIL, 1996). Já a educação de campo prevê as adaptações necessárias às peculia-
ridades da vida rural e de cada região, com orientações referentes a conteúdos curriculares
e metodologias apropriadas às reais necessidades e aos interesses dos estudantes da zona
rural e organização escolar própria (BRASIL, 1996). Aos quilombolas, tem-se uma educação
desenvolvida em unidades educacionais inscritas em suas terras e cultura, requerendo pe-
dagogia própria em respeito à especificidade étnico-cultural de cada comunidade e forma-
ção específica de seu quadro docente. A Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional
de Educação (CNE) instituiu uma comissão para a elaboração de Diretrizes Curriculares
específicas para essa modalidade educacional (BRASIL, 2012). Por fim, a Educação Especial
tem seus princípios e orientações expressos nos atos normativos da Educação Especial que
implicam assegurar igualdade de condições para o acesso à educação formal e permanência
na escola e o atendimento educacional especializado na rede regular de ensino (BRASIL,
1996). O profissional que atua na escola, diante dessas realidades, deve ensinar os alunos
com base nessas pluralidades.

3 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional determina a oferta de educação escolar regular
para jovens e adultos (BRASIL, 1996, p. 159).
4 O art. 78 da LDB de 1996 se detém na oferta da Educação Escolar Indígena em princípios e direitos
dessa educação (BRASIL, 1996, p. 159).
5 Essa modalidade da Educação Básica e, portanto, também do Ensino Médio, está prevista no art.
28 da LDB (BRASIL, 1996, p. 160).
6 Foram elaboradas Diretrizes Curriculares específicas para essa modalidade educacional por uma
comissão instituída pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE) (BRA-
SIL, 2012).
7 Os princípios e orientações expressos nos atos normativos da Educação Especial, incluindo a LDB,
implicam assegurar igualdade de condições para o acesso à escola e permanência nela e o atendimento
educacional especializado na rede regular de ensino (BRASIL, 1996, p. 160).

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 65


5 Educação Física no Ensino Médio

5.3 Reflexões para a prática pedagógica da


Educação Física
Vídeo
As Orientações Curriculares para o Ensino Médio destacam que as aulas
de Educação Física não acontecem em “um local abstrato” e são realizadas
por “sujeitos concretos, reais, possuidores de histórias de vida e, sobretudo,
de um corpo”. Afinal, é na vida real que estão as marcas que constituem as
identidades pessoais e coletivas dos alunos (BRASIL, 2006).
Diante desse contexto, os professores que atuam nesse segmento, ao organizar seus
planejamentos de aula, devem levantar os seguintes questionamentos (BRASIL 2006):
• Quem são esses alunos jovens?
• O que eles buscam e esperam da escola?
• Que espaços os jovens encontram nas escolas para se reconhecerem além da con-
dição “ser-aluno”?
• Que espaços de participação social, cultural e política esses jovens possuem dentro
e fora da escola?
Cabe ao professor de Educação Física promover saberes que superem o senso comum e
reflitam a relação das práticas corporais com outras temáticas, como mídia, mundo do tra-
balho, saúde, lazer etc., no sentido oposto a modismos acerca do corpo e práticas “prontas
e vendidas” (BRASIL, 2006, p. 223). As Orientações Curriculares ressaltam também que é
necessário que o professor garanta em seus planejamentos para os alunos de Ensino Médio:
• acúmulo cultural no que tange à oportunização de vivência das práticas
corporais;
• participação efetiva no mundo do trabalho no que se refere à compreensão
do papel do corpo no mundo da produção, no que tange ao controle sobre o
próprio esforço e do direito ao repouso e ao lazer;
• iniciativa pessoal nas articulações coletivas relativas às práticas corporais
comunitárias;
• iniciativa pessoal para criar, planejar ou buscar orientação para suas pró-
prias práticas corporais;
• intervenção política sobre as iniciativas públicas de esporte, lazer e orga-
nização da comunidade nas manifestações, na vivência e na produção de
cultura. (BRASIL, 2006, p. 225)
Para que isso ocorra, os conteúdos devem estar atrelados ao contexto das práticas cor-
porais para que levem em consideração características do universo desses alunos. A seguir,
listamos temas pertinentes à comunidade escolar e sua relação com temas da Educação
Física, de acordo com as Orientações Curriculares.

66 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física no Ensino Médio 5
Quadro 2 – Temas pertinentes à comunidade escolar e temas específicos da Educação Física no
Ensino Médio.

Temas da comunidade escolar

• identidade juvenil;
• gênero e sexualidade;
• produções culturais e artísticas;
• cultura juvenil e indústria cultural;
• o corpo e a indústria cultural;
• o aluno no mundo do trabalho;
• saúde e bem-estar físico;
• organização de tempos e espaços sociais de trabalho e lazer;
• organização de tempos e espaços escolares;
• cultura juvenil e participação política;
• cultura juvenil e organização comunitária.

Temas específicos da Educação Física

• performance corporal e identidades juvenis;


• possibilidades de vivência crítica e emancipada do lazer;
• mitos e verdades sobre os corpos masculino e feminino na sociedade atual;
• exercício físico x saúde;
• o corpo e a expressão artística cultural;
• o corpo no mundo dos símbolos e como produção da cultura;
• práticas corporais e autonomia;
• condicionamento e esforços físicos;
• práticas corporais e espaços públicos;
• práticas corporais e eventos públicos;
• o corpo no mundo da produção estética;
• práticas corporais e organização comunitária;
• construção cultural das ideias de beleza e saúde.
Fonte: BRASIL, 2006, p. 228.

Com base nesse documento, propomos a inserção das práticas corporais na organização
pedagógica por meio de temas sociais e específicos para a Educação Física, e não o contrário.
Isto é, as aulas não devem ser direcionadas por uma prática singular, mas sim por práti-
cas variadas e articuladas com temas de interesse da comunidade, conforme apresenta a
Figura 1, a seguir.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 67


5 Educação Física no Ensino Médio

Figura 1 – Práticas corporais e temáticas sociais.

Corpos femininos Lazer como tema


e masculinos:
mitos e verdades

Saúde e
qualidade de vida Práticas e identidades juvenis

Expressão cultural e
Corpo e estética artistíca do corpo

Práticas corporais e
autonomia, espaços urbanos,
condicionamento e eventos

Lutas
Jogos e brincadeiras
Ginásticas
Danças
Esportes
Fonte: Elaborada pelas autoras.

A intenção dessa organização é que o professor compreenda a comunidade em que a


escola está inserida e, consequentemente, os jovens que a frequentam. Diante disso, é esta-
belecida uma parceria em que a organização do trabalho pedagógico não fica a cargo apenas
do professor. Ela rompe com modelos tradicionais em que o professor é considerado uma
figura central, detentora do conhecimento.

Conclusão

Diante das possibilidades de entendimento do aluno do Ensino Médio, neste capítu-


lo apresentamos elementos que demonstram a pluralidade desses adolescentes/jovens, in-
cluindo realidades distintas nos âmbitos educacional e social, como a Educação de Jovens e
Adultos, o ensino para as comunidades indígenas, quilombolas e pessoas com deficiência.
Além disso, discutimos as possibilidades de organização dos conteúdos para o Ensino
Médio de acordo com as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006). Esse docu-
mento é muito importante para o trabalho com temáticas sociais e conteúdos específicos da
Educação Física.

68 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física no Ensino Médio 5
Ampliando seus conhecimentos
Utilizadas para a discussão neste capítulo, as Orientações Curriculares para o Ensino
Médio: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (BRASIL, 2006) apresentam normatizações
para o Ensino Médio que devem ser seguidas pelas instituições públicas e privadas em todo
o Brasil. A seguir, selecionamos trechos desse documento nos quais é abordado o trabalho
pedagógico na Educação Física.

Conhecimentos de Educação Física


(BRASIL, 2006, p. 214, 217, 218)

[...]

Apesar de a Educação Física no âmbito da escola já possuir um ordenamento


legal detalhado na atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, mui-
tos membros da comunidade escolar desconhecem a atual condição de obri-
gatoriedade da Educação Física na escola. Não é esse o objetivo do texto.
Entretanto, como esse assunto foi recorrente nos seminários realizados em
2004, concluímos que, apesar de considerarmos que a legitimação da Educação
Física na escola depende diretamente de sua relação com a comunidade esco-
lar, a preocupação de professores e técnicos educacionais com suas particulari-
dades e seus enfrentamentos nas respectivas comunidades deveria ser levada
em consideração. Enfatiza-se neste documento o que dispõe a LDBEN (Lei nº
9.394/96), no Artigo 26, § 3º: A educação física, integrada à proposta pedagógica
da escola, é componente curricular da Educação Básica, ajustando-se às faixas
etárias e às condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos notur-
nos (LDBEN, 1996).

[...]

A legislação é clara em garantir ao aluno a oferta do componente curricular,


mas quem deve garantir o tempo e o espaço adequados a ele são os profes-
sores a partir de sua perspectiva de trabalho pedagógico, dos registros de
suas experiências, de sua participação política e pedagógica na comunidade
escolar, de suas experiências nos meios científicos e acadêmicos, e principal-
mente de seu planejamento e de sua proposta político-pedagógica específica
no interior do projeto da escola. Para tanto, é fundamental que o coletivo
docente reflita sobre o significado de educar para a cidadania. Que elemen-
tos, orientações, conteúdos e práticas estão envolvidos nesse processo? O que
se deseja e espera desse aluno? Como e para que projetamos a continuidade
de seu percurso?

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 69


5 Educação Física no Ensino Médio

[...]

Um primeiro ponto de partida diz respeito ao lugar das práticas corporais no


processo educativo. A leitura da realidade pelas práticas corporais permite
fazer com que essas se tornem “chaves de leitura do mundo”. As práticas
corporais dos sujeitos passam a ser mais uma linguagem, nem melhor nem
pior do que as outras na leitura do real, apenas diferente e com métodos
e técnicas particulares. Pode-se dialogar em uma aula de Educação Física
com outras linguagens, como a escrita ou a linguagem audiovisual. Porém,
as práticas corporais possuem valores nelas mesmas, sem a necessidade
de serem “traduzidas” para outras linguagens para obter o seu reconheci-
mento. Estão diretamente ligadas a uma formação estética, à sensibilidade
dos alunos. Por meio do movimento expressado pelas práticas corporais, os
jovens retratam o mundo em que vivem: seus valores culturais, sentimentos,
preconceitos, etc.

[...]

Atividades
1. Neste capítulo vimos que os jovens que se encontram no Ensino Médio não podem
ser considerados apenas máquinas de reproduzir testes para aprovação em exames
vestibulares, mas sim sujeitos distintos que têm trajetórias de vidas marcadas por as-
pectos culturais e sociais. Desse modo, discorra sobre os desafios – pessoais, sociais
ou educacionais – que esses jovens enfrentam nessa etapa da educação.

2. Discuta sobre as competências e habilidades propostas para a Educação Física no


Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e destaque a importância da inserção des-
sa disciplina nesse exame.

3. A escola é um espaço plural que compreende realidades diversas e necessita de


estratégias para dar conta dessas subjetividades. Com base nas informações apre-
sentadas no capítulo, discuta a importância da abordagem dessas subjetividades no
espaço escolar.

4. Com base nos conhecimentos elencados neste capítulo, relacione uma temática so-
cial a uma (ou mais) prática(s) corporal(is) para o planejamento e a prática pedagó-
gica na escola.

70 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física no Ensino Médio 5
Referências
BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacio-
nal. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, 20 de dezembro, 1996. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm>. Acesso em: 5 out. 2017.
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Ensino Médio: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. 2006. v. 1. Disponível em: <http://portal.mec.
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PEDROSO, Geraldo Dias; MATOS JR., Moacir Ávila.; SALLES FILHO, Nei Alberto. Relações profes-
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escolar: saberes e projetos. Ponta Grossa: Editora UEPG, 2010.
PENNA, Fernando de Araújo. Programa “Escola sem Partido”: uma ameaça à educação emancipa-
dora. In: GABRIEL, Carmen Teresa.; MONTEIRO, Ana Maria.; MARTINS, Marcos Leonardo Bonfim.
(Org.). Narrativas do Rio de Janeiro nas aulas de História. Rio de Janeiro: Mauad X, 2016.

Resolução
1. Para responder a essa questão, é necessário embasá-la em elementos discutidos neste
capítulo. É importante destacar que não devemos pensar nos alunos como máquinas
de reproduzir testes para a aprovação em exames vestibulares, mas sim entendê-los
como sujeitos com inseguranças e incertezas mediante pressões e incertezas pessoais
e profissionais. Além disso, deve-se enfatizar a necessidade de olhar para esses alu-
nos como sujeitos distintos que têm suas trajetórias de vida marcadas por aspectos
culturais e sociais.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 71


5 Educação Física no Ensino Médio

2. Com base no quadro de Competências e Habilidades para a Educação Física no Exa-


me Nacional do Ensino Médio, você deve discutir a importância desses aspectos
para a formação do aluno. Você pode discorrer sobre a relação da linguagem corpo-
ral com o meio social, cultural e seu elo com a vida dos sujeitos que estão na escola.

3. Essa é uma resposta pessoal, porém é necessário que sejam inseridos elementos
como o entendimento da escola como um espaço plural, que compreende sujeitos
diversos e por isso necessita criar estratégias para dar conta dessas subjetividades.

4. Para responder a essa questão é necessário relacionar uma temática social com uma
prática corporal. Você pode elencar como temática social, por exemplo, as práticas e
identidades juvenis e como práticas corporais o movimento hip-hop, incluindo o break
dance e o skate.

72 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


6
Educação Física e os jogos
e as brincadeiras

Neste capítulo, pretendemos discutir as relações que envolvem o brincar e o jogar


com os alunos em processo de aprendizagem. Além disso, enfatizamos as possíveis
contribuições que essas atividades estabelecem e constituem nas relações com outras
crianças, adultos e espaços sociais.

Para tanto, elencamos os jogos e brincadeiras em três categorias: populares tradicio-


nais, de origem indígena e africana e da atualidade, com o objetivo de caracterizá-los dentro
de cada contexto.

Por fim, apresentamos algumas contribuições para o componente curricular da


Educação Física, que pode ser sistematizado com o conteúdo de jogos e brincadeiras em
seu currículo e perpetuar na educação escolar os sentidos e significados de suas estruturas.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 73


6 Educação Física e os jogos e as brincadeiras

6.1 Jogos e brincadeiras: elementos estruturantes


e culturais
Vídeo
O jogo e a brincadeira fazem parte de nossa cultura, isto é, uma das di-
ferentes dimensões da vida humana e que contribuem para a construção de
nossa identidade. Desde o momento em que nascemos interagimos por meio
de elementos do brincar. Nessa fase, por exemplo, o bebê brinca de esconder
o seu próprio rosto, como se estivesse brincando de esconde-esconde. É nessa
relação que ele estabelece vínculos e desperta para as relações de afeto e de confiança, fa-
vorecendo seu repertório de expressões, movimentos e interações consigo e com os outros.
Quando criança, os elementos do brincar e do jogar se tornam ainda mais presentes. Ao con-
viver com sua família, frequentar seu bairro, a escola e outros espaços, essa criança apropria-se
de jogos e brincadeiras presentes em contextos sociais e que se perpetuam culturalmente. Por
meio dessas atividades, as crianças conhecem e perpetuam culturalmente as práticas culturais ao
interagir com seus pares e apropriam-se de regras, construindo e reconstruindo conhecimentos.
Desse modo, a brincadeira é um tipo de atividade social e humana, específica da infân-
cia, em que a criança recria a realidade por meio de símbolos próprios (WAJSKOP, 2012). Já
os jogos têm especificidades como a capacidade de adaptação em função das condições de
espaço, materiais disponíveis, participantes etc., e com eles tanto a criança quanto o adulto
podem criar espaços para desenvolver o intelecto e experimentar formas de combinar pen-
samento, linguagem e fantasia (KISHIMOTO, 2002). O jogo favorece a apreensão das regras
que o coletivo determina. No entanto, essa prática é mutável e pode ser alterada pelos joga-
dores. Você conhece um jogo denominado trinta e um meu1? Se você é da região Sul do Brasil,
certamente já ouviu falar desse jogo. Caso seja de outra região, talvez você o conheça como
esconde-esconde, pique-esconde, lateiro, esconde-cipó, esconde quatro, manja etc. Podemos perceber,
assim, que tanto os nomes quanto as regras estabelecidas para os jogos dependem dos sujeitos
e das definições que eles escolhem para o grupo.
De acordo com o Coletivo de Autores (1992), ao jogar, a criança desenvolve sua vontade
e ao mesmo tempo torna-se consciente de suas escolhas e ações. Assim, o jogo é um elemento
fundamental para as transformações da criança, com base em necessidades individuais e cole-
tivas, e também para o desenvolvimento da consciência. Além disso,
A ênfase no propósito/objetivo do jogo acentua-se com o desenvolvimento da crian-
ça. Sempre esse propósito/objetivo é o que decide o jogo, justifica a atividade e deter-
mina a atitude afetiva da criança. Assim, por exemplo, a preocupação e tensão du-
rante uma corrida, tanto por querer ganhar ou por se ver ultrapassada, pode levá-la
à perda de grande parte do prazer do jogo. (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 66)

1 Brincadeira em que uma criança fica de rosto encoberto ao contar até 30 (trinta), enquanto as
outras se escondem. Após a contagem, a primeira criança sai à procura daquelas que se esconderam.
Para se salvarem, devem tocar no lugar de contagem e dizer: “31 meu” antes de serem encontradas.
O primeiro que é pego torna-se o próximo a realizar a contagem, a não ser que o último escondido
tenha a chance de salvar a todos ao tocar no lugar de contagem e dizer “31 salva todos”. Nesse caso, a
mesma criança que fez a contagem deverá contar até 30 de novo e procurar as outras.

74 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e os jogos e as brincadeiras 6
Organizar jogos e brincadeiras, discutir suas regras e reestruturá-las auxilia no processo de
construção dos sujeitos. Para tanto, é importante conhecer os aspectos que envolvem satisfação
versus insatisfação. Satisfação, porque favorece a persistência em construir estratégias para atingir
um objetivo. Insatisfação, pois faz a criança lidar com suas próprias frustrações, bem como com
as do grupo. Esses dois aspectos estão presentes em toda a trajetória de vida, e com o jogo apren-
de-se a lidar com essas relações por intermédio da ludicidade, elemento privilegiado na infância.
De acordo com Prodócimo, Pinheiro e Bortoleto (2010), os jogos, assim como as brin-
cadeiras, são oportunidades de experimentar novas situações, de comportar-se de modo
distinto de como se comportaria no dia a dia, de acordo com o objetivo presente na própria
dinâmica do jogo e, na maioria das vezes, de maneira divertida e prazerosa.
Essas práticas fazem parte do cotidiano das crianças, na escola e também em diferentes es-
paços não formais. As Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Básica (BRASIL, 2013)
destacam que essas atividades são fundamentais e permitem à criança ter a oportunidade de
imitar o conhecido e construir o novo. Além disso, por meio delas reconstroem-se os cenários
conforme necessário, para que a fantasia se aproxime ou distancie da realidade vivida, assu-
mindo personagens e transformando objetos pelo uso que deles faz.
Kishomoto (2002) pontua que:
Pela brincadeira a criança aprende a se movimentar, falar e a desenvolver estra-
tégias para solucionar problemas. A brincadeira tem papel preponderante na
perspectiva de uma aprendizagem exploratória, ao favorecer a conduta diver-
gente, a busca de alternativas não usuais, integrando o pensamento intuitivo.
Brincadeiras com o auxílio do adulto, em situações estruturadas, mas que per-
mitem a ação motivada e iniciada pelo aprendiz de qualquer idade, parecem
estratégias adequadas para os que acreditam no potencial do ser humano para
descobrir, relacionar e buscar soluções. (KISHIMOTO, 2002, p. 151)
Tanto o brincar quanto o jogar não são necessários apenas a bebês e crianças, mas tam-
bém aos sujeitos das mais diferentes idades. Às vezes, temos a ideia de que quanto maiores
somos, mais sérios devemos ser para poder adentrar no mercado de trabalho, constituir uma
família e sermos vistos como pessoas bem-sucedidas. Tais expectativas sociais se afastam
das necessidades fundamentais dos indivíduos, que estão aquém das regras convenciona-
das socialmente e alargam as distâncias das interações humanas.
Nesse sentido, acreditamos que a educação dos sujeitos deve ser permeada pelo brin-
car, jogar e interagir e, com isso, entrelaçar a construção dos saberes por meio da ludicidade.

6.2 Tipos de jogos e brincadeiras


Vídeo
Ao longo da história, encontramos variedades distintas de jogos e brinca-
deiras. A Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017) entende que os jo-
gos e as brincadeiras exploram atividades voluntárias, que são exercidas den-
tro de limites de tempo e espaço, caracterizadas pela elaboração e alteração de
regras. Há também outros elementos, como a obediência de cada participante

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 75


6 Educação Física e os jogos e as brincadeiras

com base no que foi combinado e o ato de brincar em si. Além disso, é importante lem-
brar que essas práticas não têm um conjunto estável de regras, isto é, podem ser recriadas
constantemente por diversos grupos. No entanto, ainda assim é possível reconhecê-las, pois
muitas dessas brincadeiras foram difundidas popularmente. Com base nesse documento,
optamos por caracterizá-las por meio das seguintes tipologias: jogos e brincadeiras populares
tradicionais; de origem indígena e africana; e da atualidade.
Os jogos e brincadeiras populares tradicionais são aqueles transmitidos de geração em
geração. Segundo Spréa (2010), há milhares de anos homens e mulheres, das mais variadas
origens e pertencimentos, semeiam a memória das crianças com manifestações de uma lon-
gínqua tradição oral. Essas herdam um vasto repertório de brincadeiras de tradição oral, que
ajudam a compor a linguagem, elemento fundamental na cultura humana. Essas brincadeiras
são reconhecidas pelos sujeitos, mesmo depois de adultos, e transmitidas sucessivamente.
A escola tem papel fundamental na perpetuação das tradições orais, muitas das quais
eram e ainda são realizadas em diferentes espaços. Verificamos, pelo menos nas grandes
cidades, que essas manifestações não ocorrem com tanta frequência nas ruas, por conta de
fatores como intensa urbanização, violência e até mesmo a popularização das mídias nas
últimas décadas (FRIEDMANN, 2011).
Os jogos e brincadeiras de origem indígena e africana muitas vezes não são enaltecidos de-
vido a uma tradição educacional europeia. Acontecimentos como a diáspora africana2 contribuí-
ram para outras experiências culturais. Nesse sentido, é fundamental que os alunos reconheçam,
estabeleçam e valorizem sua própria história e a do outro, entrando em contato com diferentes
pontos de vista, principalmente daqueles que foram silenciados em todo esse processo.
Ao enfatizarmos a necessidade de considerar toda essa diversidade, evidenciamos os
objetivos educacionais que se referem à formação humana, ou seja, para formação da cida-
dania, respeito às diferenças e solidariedade, que estão em consonância com os princípios
norteadores éticos, estéticos e políticos da educação.
Por fim, os jogos e brincadeiras da atualidade referem-se aos novos sentidos e sig-
nificados estabelecidos por mudanças sociais. Nesse caso, podemos enfatizar os games
da recente cultura virtual, que estabelece novas normas e formas de se relacionar com o
próprio corpo, o corpo do outro e os espaços. Essas novidades tecnológicas permitem criar
diálogos tanto de modo presencial quanto virtualmente. Obras voltadas ao público infan-
til, adolescente e jovem também instigam outras formas de brincar. Um exemplo prático
foi o quadribol, esporte milenar com bolas em que os participantes jogam montados em
vassouras. Readaptado da série de livros e filmes do personagem Harry Potter, o esporte
ficou mundialmente famoso. O quadribol foi trazido ao “mundo real” por fãs da série,
criando novas vivências corporais.
Tendo em vista esses diversos jogos e brincadeiras, é importante que sejam organizados pla-
nejamentos nos segmentos educacionais de acordo com as necessidades dos estudantes em cada
universo escolar. Além disso, ao conhecer os elementos referentes a essas práticas, os alunos têm
a possibilidade de se apropriar e ressignificar tais saberes em outros espaços da sociedade.
2 Diáspora africana: processo violento migratório dos diferentes povos africanos para diversos países,
inclusive o Brasil.

76 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e os jogos e as brincadeiras 6
6.3 Jogos e brincadeiras: possibilidades para a
prática pedagógica
Vídeo
No planejamento escolar, as aulas não devem ser organizadas e estrutu-
radas com base em um episódio estanque, isto é, devemos analisar quem são
os estudantes, quais são suas necessidades e origens. Além disso, é importan-
te ter conhecimento acerca do espaço em que se situa a escola. Esses fatores
fazem parte de um diagnóstico da realidade do aluno, que contribui para a
composição do planejamento, a fim de se atingir os objetivos educacionais.
Desse modo, o que expomos a seguir não é uma “receita” que deve ser meramente re-
produzida, são possibilidades de trabalho com jogos e brincadeiras para o conjunto de aulas
unificadas nos segmentos da Educação Básica.

6.3.1 Educação Infantil


Na Educação Infantil, não se deve seguir um formato fechado de aula, uma vez que as
crianças se encontram em um processo de reconhecimento e integração com o formato da
escola, da rotina, do lugar das coisas e de si mesmos. Diante disso, organizamos uma possi-
bilidade de prática pedagógica com base nas especificidades dessas crianças. Foram levadas
em conta suas idades e as características próprias dessa fase, com o objetivo de promover
experimentações significativas.

Tema
Brincar e jogar como direito.

Sujeitos
Crianças com idades entre 4 e 5 anos.

Objetivos
Conceituais
• Entender as regras estabelecidas do jogo, bem como cumpri-las e reorganizá-las de acordo com
as necessidades do grupo;
• Compreender o brincar como um direito de todos.
Da prática
• “Movimentar-se de maneira adequada, ao interagir com colegas e adultos em brincadeiras e
atividades” (BRASIL, 2017, p. 42).
Relacionais
• “Demonstrar valorização das características de seu corpo, nas diversas atividades das quais
participa e em momentos de cuidado de si e do outro” (BRASIL, 2017, p. 42).

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 77


6 Educação Física e os jogos e as brincadeiras

Materiais necessários
Venda para olhos, lenço, projetor e acesso à internet.

Aula 1

Estabelecendo diálogos
Para trabalhar essa temática com as crianças, inicie a discussão perguntando se elas sabem o que
são direitos e deveres.
Em seguida, apresente o curta-metragem Todas as crianças têm o direito de brincar, do canal Unicef
Moçambique. Esse vídeo apresenta situações que possibilitam a inclusão de todas as crianças, ga-
rantindo seu direito de convívio e acesso aos mais diferentes espaços.
Com base nele, dialogue com as crianças sobre os direitos garantidos a elas, especialmente, o de
brincar, tema central desse conjunto de aulas.

Experimentações
• Gato mia: Uma criança será o “pegador” do grupo e estará vendada, enquanto as outras devem
fugir dela obedecendo a um espaço físico pré-estabelecido. O pegador deve dizer “gato mia” e os
colegas deverão responder com um miado para o pegador, que seguirá o som da voz até conse-
guir encostar em alguém. Quando o pegador encostar em um colega, este será o novo pegador.
• Lenço atrás: Os alunos devem sentar-se no chão, formando uma roda. O primeiro aluno esco-
lhido receberá um lenço e deverá ficar em pé para dar início à brincadeira. Este inicia dizendo
“lenço atrás” e os demais respondem: “corre mais”; enquanto isso, ele anda ao redor do círculo,
escolhe um colega e coloca o lenço atrás deste. Ao perceber que foi escolhido, o colega deve
se levantar e correr atrás do outro, ao redor da roda, para pegá-lo antes que ocupe seu lugar.
O objetivo do aluno que deixa o lenço é ser rápido o suficiente para que possa sentar no lugar
do colega que se levantou; já o objetivo deste último é pegar o outro para que ele não sente em
seu lugar. A brincadeira segue da mesma forma com outros participantes.
Fechamento
Para finalizar a aula, faça os seguintes questionamentos:
Brincadeira do Gato mia
• Todos se sentiram respeitados durante a brincadeira?
• No decorrer da atividade foi necessário organizar novas regras para sua funcionalidade?
• Alguém se machucou? Se sim, como a situação foi resolvida?
Brincadeira do Lenço atrás
• Todos compreenderam o funcionamento do jogo?
• Houve problemas em sua realização? Se sim, como a situação foi resolvida?
• Todos os alunos participaram e foram respeitados?

6.3.2 Ensino Fundamental – Anos Iniciais


A proposta de aula para o terceiro ano do Ensino Fundamental envolve o tema da
cooperação no jogo como parte da cultura indígena. Para tanto, é preciso levar em consi-
deração que essa atividade só receberá sentido pedagógico quando os objetivos são postos
em prática.

78 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e os jogos e as brincadeiras 6
Tema
Jogos indígenas: a cooperação como possibilidade de aprendizagem.

Sujeitos
Alunos do terceiro ano do Ensino Fundamental.

Objetivos
Conceituais
• “Descrever, por meio de múltiplas linguagens (corporal, oral, escrita, audiovisual), as brin-
cadeiras e os jogos populares do Brasil e de matriz indígena, explicando suas características
e a importância desse patrimônio histórico cultural na preservação das diferentes culturas”
(BRASIL, 2017, p. 188).
Da prática
• “Experimentar e fruir brincadeiras e jogos populares do Brasil e do mundo, incluindo aqueles
de matriz indígena, e recriá-los, valorizando a importância desse patrimônio histórico cultu-
ral” (BRASIL, 2017, p. 188).
Relacionais
• “Planejar e utilizar estratégias para possibilitar a participação segura de todos os alunos em
brincadeiras e jogos populares do Brasil e de matriz indígena” (BRASIL, 2017, p. 188).

Aula 1
Estabelecendo diálogos
Experimentações
Para trazer exemplos de cooperação, propomos que as crianças brinquem de:
• Mãe-corrente: Uma criança é escolhida para ser pegador enquanto as demais correm. Quando
o pegador toca em alguém, este deve dar a mão e ajudar a pegar os demais colegas, até que
todos sejam pegos e formem uma grande corrente. Todos são vencedores nessa brincadeira,
pois o importante é trabalhar a cooperação.
• Gavião e galinha (brincadeira indígena): Um jogador é escolhido para ser o gavião enquan-
to outro será escolhido para ser a galinha, responsável por proteger os pintinhos, que são os
demais jogadores, os quais deverão formar uma única fila atrás dela. O pegador, que inicia de
frente à galinha, deve correr e tentar pegar o último pintinho da fila. A galinha deve proteger
todos os pintinhos e todos devem ajudar. Para dar sequência à brincadeira, quando o gavião
pegar o pintinho, este vira o gavião que por sua vez vira a galinha que vira o primeiro pintinho
da fila, assim o último será o novo pintinho a ser capturado. O jogo continua até quando ainda
houver motivação por parte dos jogadores.
Fechamento
Proponha questionamentos que relacionem as duas atividades elencadas e pergunte aos alunos:
• Do que vocês mais gostaram nas atividades?
• Como foi ajudar o outro?
• Houve dificuldades? Se sim, quais?

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 79


6 Educação Física e os jogos e as brincadeiras

6.3.3 Ensino Fundamental – Anos Finais


Com base em aspectos da cultura virtual e possibilidades para que os alunos vivenciem
outras relações com os jogos, organizamos uma aula com uma sequência de aprendizagem
que deve estar articulada com os objetivos previamente estabelecidos no planejamento escolar.

Tema
Cultura virtual: novas possibilidades de interação.

Sujeitos
Alunos do 7º ano do Ensino Fundamental.

Objetivos
Conceituais
• “Identificar as transformações nas características dos jogos eletrônicos em função dos avanços
das tecnologias e nas respectivas exigências corporais colocadas por esses diferentes tipos de
jogos” (BRASIL, 2017, p. 192).
Da prática
• “Experimentar e fruir, na escola e fora dela, jogos eletrônicos diversos, valorizando e respeitan-
do os sentidos e significados atribuídos a eles por diferentes grupos sociais e etários” (BRASIL,
2017, p. 192).
Relacionais
• Acolher diversas opiniões e posicionamentos para construir um diálogo cooperativo e colaborativo.

Aula 1
Estabelecendo diálogos
Primeiro, devem ser apresentados, por slides e/ou fotos, jogos de tradição popular e jogos eletrôni-
cos, por exemplo: bola de gude x jogos do Xbox®; pular corda x jogos do playstation®, entre outros.
Embasado nesses aspectos, dialogue com os alunos:
• Quais jogos vocês conhecem ou já jogaram?
• Quais as semelhanças e diferenças existentes entre os jogos tradicionais e os jogos eletrônicos?
Experimentações
• Pac-man®, do virtual ao real: Um aluno deve ser escolhido para ser o pegador e percorrer
nas linhas demarcadas para pegar os demais colegas, que poderão se deslocar somente por
essas linhas, como no clássico game Pac-man®.
Fechamento
Discuta com os alunos os aspectos propostos nos jogos, destacando as diferentes relações com o
corpo, que aparentemente estão mais presentes nos jogos tradicionais do que em jogos virtuais.

80 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e os jogos e as brincadeiras 6
6.3.4 Ensino Médio
Nessa etapa de ensino, o aluno tem mais informações e anseios que dizem respeito
ao mundo do trabalho ou, por exemplo, preocupações com a própria qualidade de vida e
saúde. Com base nesses aspectos, elaboramos uma aula relacionada ao tema da identidade
do povo brasileiro, com o objetivo de proporcionar reflexões a esse respeito com a turma.

Tema
Jogos africanos: valorização da cultura afro-brasileira

Sujeitos
Alunos da 1ª série do Ensino Médio

Objetivos
Da prática
• Relacionar práticas de jogos vivenciados na infância e na adolescência às suas origens no que
se refere à cultura, sociedade e etnia.
Conceituais
• Contextualizar criticamente elementos inerentes à memória do povo afro-brasileiro, eviden-
ciando aspectos de sua cultura com relação às práticas corporais.
Relacionais
• Construir um diálogo crítico em relação às práticas corporais e suas origens, principalmente os
de matriz africanas, respeitando opiniões diversas.

Aula 1
Estabelecendo diálogos
Inicie uma discussão com os alunos a respeito do conceito de memória. Para isso, peça aos es-
tudantes que tragam para o próximo encontro um objeto que, na visão deles, remeta à cultura
afro-brasileira.
No encontro seguinte, cada um deles deve explicar qual a relação que fizera entre o objeto e a cul-
tura afro-brasileira. É importante organizar o espaço em um grande círculo, para que todos expo-
nham o objeto e discorram sobre ele.
Experimentações
• Matacuzana: acontece com os alunos sentados no chão, joga-se um aluno por vez. Com as pe-
drinhas ou sementes no chão, o aluno deve jogar uma para cima e antes que ela caia no chão,
ele deve pegar outra com a mesma mão que atirou e, em seguida, recuperar a que jogou pra
cima, sem deixá-la cair. Se o aluno deixar cair, passa a vez para o colega. O nível de dificuldade
pode ir se alterando ao longo do jogo, por exemplo, pegar duas pedrinhas ou sementes do chão
ao mesmo tempo ou pegar com a mão contrária da que jogou. (PEREIRA; GONÇALVES JR.;
SILVA, 2009).

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 81


6 Educação Física e os jogos e as brincadeiras

• Labirinto: os jogadores colocam-se de frente um para o outro, tendo um de-


les uma pedra escondida em uma das mãos. Na aresta inicial do “Labirinto”
são colocadas duas pedras diferentes, sendo uma de cada jogador. O joga-
dor que tem a pedra estende as mãos ao colega, e este tem que adivinhar em
qual das mãos ela está. Se acertar, a sua peça é deslocada em uma aresta do
labirinto. Se não adivinhar, a peça daquele que estendeu as mãos é movi-
mentada. Esse processo é repetido até que a pedra de um dos jogadores che-
gue à última aresta. O jogo termina quando a pedra de um jogador chegar à
última aresta (PEREIRA; GONÇALVES JR.; SILVA, 2009).
Fechamento
Pergunte aos alunos se eles conheciam as origens desses jogos. Também questione se eles conhecem
outros jogos e brincadeiras de origem africana e conversem a respeito.

Os exemplos aqui apresentados evidenciam apenas o início de um conjunto de aulas


que deve ser organizado para cada etapa educacional. O planejamento de atividades nesses
moldes possibilita ao aluno a apropriação de todos os objetivos elencados em cada sequên-
cia de trabalho.

Conclusão

Neste capítulo, demonstramos que os jogos e as brincadeiras estão presentes na cultura


dos alunos. Eles podem ser categorizados em três diferentes tipos: populares tradicionais, de
origens africana e indígena e da atualidade. É necessário que essas práticas estejam presentes no
universo escolar, principalmente nas aulas de Educação Física.
Além disso, é importante compreender qual o papel dessas práticas nas sociedades e
como a Educação Física apropria-se dessas manifestações para produzir sentidos e aprendi-
zagens aos estudantes. Portanto, cabe a nós, professores e futuros professores de Educação
Física, conhecermos essas práticas sem julgar se elas são melhores ou piores que outras e
analisar como elas podem ser elementos interessantes para o processo pedagógico.

Ampliando seus conhecimentos


Para contribuir com o conteúdo deste capítulo, sugerimos o documentário Tarja branca:
a revolução que faltava (2014)3, que apresenta uma discussão sobre a presença do brincar e do
jogar em nossa cultura. Ele também propõe que o brincar está na essência do ser humano e
que nós, mesmo adultos, deveríamos viver e explorar as brincadeiras com maior intensida-
de, apesar dos padrões impostos pela sociedade que nos afastam dessas práticas.
A seguir, disponibilizamos um excerto do texto de Lúcia Lobato (2011), que propõe a
desconstrução do “mito do homem sério” por meio da ludicidade. A autora também destaca
a importância do riso e da brincadeira para a vida em sociedade.

3 TARJA Branca: a revolução que faltava. Direção: Cacau Rhoden. Produção: Estela Renner, Marcos
Nisti e Luana Lobo. São Paulo: Maria Farinha Filmes, 2014. 80 min.

82 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e os jogos e as brincadeiras 6
A cultura lúdica como proposta para a
desconstrução do “Mito Homem Sério”
(LOBATO, 2011, p. 1-3)

[...]

A razão conferia confiabilidade e seriedade às pessoas. Isto as distinguia na


ética e na moral social. Para ter acesso a este status era fundamental não brincar,
não rir e não gargalhar. Eram comportamentos incompatíveis e próprios dos
hábitos da rua. Brincar passou a ser pejorativo. Mas brincar faz parte da natu-
reza do homem, tanto do ponto de vista biológico quanto no nosso caso ances-
tral. Somos rastros de culturas africanas e indígenas em que a comunicação por
excelência acontecia no ambiente festivo, por meio dos gestuais, da música e da
dança. A nossa ancestralidade é festiva.

O humor, como base da nossa comunicação, foi se perdendo e se tornando um


sintoma de tristeza, depressão e morte. A celebração, o lúdico e a festa são essen-
ciais para a saúde da civilização que pressupõe uma abstinência dos egoísmos
individuais em prol da coletividade e, em última instância, da vida harmônica
na pólis. Celebrar e brincar exorciza os males das sociedades. Isto é essencial
para a renovação de seus humores. A possibilidade da harmonia depende do
convívio com as tensões e as brechas que, no caso, exigem uma capacidade de
realização do fair play para liberação irônica ou orgástica dos egos reprimidos
dos personagens sociais.

[...]

Isto significa que o comportamento lúdico não é só herdado. Ele existe em


potencial em todos os indivíduos e será expandido a partir dos processos de
aprendizagem e das diferentes interações do sujeito com a vida e com a socie-
dade. O comportamento lúdico é uma postura diante dos desafios. Acreditar
no lúdico como um comportamento vital leva a pensar numa cultura lúdica e
na ludicidade enquanto um conhecimento passível de sistematização.

[...]

[Huizinga, 2004] Ressalta que brincar ultrapassa a esfera da vida humana.


Constata que os animais brincam. Para ele, a atitude lúdica pré-existe à cultura.
No argumento de Huizinga, mesmo antes da civilização, o jogo é identificado
como uma forma de comportamento no mundo animal.

[...]

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 83


6 Educação Física e os jogos e as brincadeiras

Atividades
1. Com base no que foi discutido neste capítulo, discorra sobre as concepções do brincar
em nossa sociedade. Qual a importância dessa atividade para a formação humana?

2. Baseando-se nas tipologias de jogos apresentadas – jogos e brincadeiras populares


tradicionais, de origem indígena e africana e da atualidade –, destaque com que tipo
você mais se identifica e justifique sua preferência.

3. Escolha um dos planos de aula apresentados no item 6.2 “Jogos e brincadeiras: pos-
sibilidades para a prática pedagógica” e elabore um plano de aula/planejamento –
apoiado na mesma estrutura – para a aula subsequente.

4. Relembre os jogos e brincadeiras presentes em sua infância. Nessa época, o professor


demonstrava qual o contexto cultural de suas origens? Discorra sobre sua percepção
e as compare com as reflexões apresentadas neste capítulo.

Referências
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação Física.
Brasília: MEC/SEF, 1997. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro07.pdf>.
Acesso em: 26 jan. 2018.
______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Conselho
Nacional da Educação. Câmara Nacional de Educação Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais da
Educação Básica. Brasília: MEC, 2013. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/docman/julho-2013-
pdf/13677-diretrizes-educacao-basica-2013-pdf/file>. Acesso em: 21 nov. 2017.
______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular.
Brasília: MEC/SEB, 2017. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/a-base/>. Acesso em:
20 nov. 2017.
COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.
LOBATO, Lúcia Fernandes. A cultura lúdica como proposta para a desconstrução do “Mito Homem
Sério”. Anais... Porto Alegre: ABRACE – Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-graduação em
Artes Cênicas, 2011. Disponível em: <http://www.portalabrace.org/vireuniao/pesquisadanca/3.%20
LOBATO,%20L%FAcia%20Fernandes.pdf>. Acesso em: 26 jan. 2018.
MARIN, Elizara Carolina; RIBAS, João Francisco Magno. Jogo tradicional e cultura. Porto Alegre:
Editora UFSM, 2013.
KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Bruner e a brincadeira. In: KISHIMOTO, Tizuko Morchida (Org.).
O brincar e suas teorias. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.
PEREIRA, Alessandro Anselmo; GONÇALVES JUNIOR, Luiz; SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves.
Jogos africanos e afro-brasileiros no contexto das aulas de Educação Física. 2009. Disponível em:
<http://www.ufscar.br/~defmh/spqmh/pdf/2009/pereira_jogos_2.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2017.
PRODÓCIMO, Elaine; PINHEIRO, Pedro Henrique de Godoy; BORTOLETO, Marco Antônio Coelho.
(Org.) Jogos circenses como recurso pedagógico: introdução a pedagogia das atividades circenses.
Jundiaí: Fontoura, 2010.

84 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e os jogos e as brincadeiras 6
SPRÉA, Nélio. No interior das brincadeiras. In: SPRÉA, Nélio; SOUZA, Fernanda. Palmas pra que te
quero: a magia dos jogos de mãos. Curitiba: Parabolé, 2010.
TODAS as crianças têm o direito de brincar. UNICEF Moçambique. 83 seg. 02 jun. 2013. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=16WygVG03Qg>. Acesso em: 12 mar. 2018.
WAJSKOP, Gisela. Brincar na Educação Infantil: uma história que se repete. São Paulo: Cortez, 2012.

Resolução
1. Sua resposta deve conter elementos que ressaltem a brincadeira como uma atividade
na qual a base genética é comum à da arte, ou seja, uma atividade social, humana,
que supõe contextos sociais e culturais, a partir dos quais a criança recria a realidade
por meio de sistemas simbólicos próprios. Ao mesmo tempo, é importante ressaltar
que ela é uma atividade específica da infância que historicamente ocupou um lugar
diferenciado na sociedade (WAJSKOP, 2012).

2. Essa é uma resposta pessoal, no entanto, para respondê-la, você deve produzir um
texto breve para justificar sua escolha. Mencione elementos que você considera per-
tinentes na prática escolhida e ressalte sua importância.

3. Você pode escolher qualquer uma das etapas e levar em consideração quais sujeitos
pertencem a ela. Posteriormente, analise todos os objetivos, os articule/relacione com
a primeira aula e coloque em prática com base na estrutura da aula sugerida nes-
te capítulo. No campo “estabelecendo diálogos”, você deve propor perguntas para
compreender os conhecimentos que os alunos já possuem sobre o que será aborda-
do. Em “experimentações”, proponha vivências relacionadas aos objetivos. Por fim,
em “fechamento”, retome questões referentes às dimensões do conhecimento, como
conceitos sobre a prática realizada, a prática em si e as relações estabelecidas com
outros sujeitos por meio dela.

4. Essa é uma resposta pessoal, mas você deve buscar como foram suas relações com
jogos e brincadeiras na escola e levar em consideração como foi a abordagem do seu
professor. Lembre-se, por exemplo, se ele apresentou a você uma abordagem que
trazia dimensões conceituais ou se ele fez com que você percebesse que poderia se
relacionar melhor com seus colegas em um jogo (dimensão relacional).

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 85


7
Educação Física e a
ginástica

Neste capítulo, vamos discutir a prática corporal da ginástica, seus diferentes tipos
e manifestações. Além disso, vamos propor uma reflexão sobre esse tema no ambiente
escolar (de acordo com a Base Nacional Comum Curricular - BNCC) e como abordá-lo
nas diferentes etapas da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.

Por meio de sugestões e planos de aulas, mostramos algumas possibilidades para


o trabalho com a ginástica, com o objetivo de promover a inclusão e a participação de
todos. Nesse sentido, por meio dos saberes dessa prática corporal visamos à formação
integral e humana dos alunos, objetivo maior da Educação Básica.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 87


7 Educação Física e a ginástica

7.1. A ginástica e suas manifestações na sociedade


Vídeo
As origens da ginástica remontam aos primórdios da civilização, vista
que é uma prática que existe desde a Grécia Antiga. Entendida como a “arte
de exercitar o corpo nu”, englobava modalidades como corridas, saltos, lan-
çamentos de disco e lutas (COLETIVO DE AUTORES, 1992).
Para o debate sobre essa prática no ambiente escolar atual, baseamo-nos
na abordagem da BNCC (BRASIL, 2017) que propõe um modelo de organização subdividido
em: ginástica geral; de condicionamento físico; e de conscientização corporal. Há, também
no texto da Base, as ginásticas de natureza competitiva. No entanto, estas foram alocadas
na unidade temática “Esportes”, em conjunto com as modalidades técnico-combinatórias1.
A seguir, discutimos esses modelos e suas características.

7.1.1. Ginástica geral


De acordo com a BNCC, a ginástica geral pode também receber outros nomes, como
ginástica básica, ginástica de demonstração, ginástica de acrobacias etc. Esse elemento curricular
reúne práticas corporais que têm como objetivo a exploração das possibilidades acrobáti-
cas e expressivas do corpo, a interação social, o compartilhamento do aprendizado e a não
competitividade.
A ginástica geral é constituída por exercícios no solo, no ar (saltos) e em aparelhos,
como trapézio, corda e fita elástica. Eles podem ser realizados de maneira individual ou
coletiva e combinar um conjunto variado de piruetas, rolamentos, paradas de mão, pontes,
pirâmides humanas etc. Nessa prática também se encontram os denominados jogos de mala-
bar ou malabarismo (BRASIL, 2017).
Você já ouviu falar da Gymnaestrada2? Esse é o maior evento de ginástica não competiti-
va do mundo. Organizado pela Federação Internacional de Ginástica (FIG), a Gymnaestrada
enfatiza a prática da Ginástica Para Todos (GPT)3 e a promoção da saúde, do bem-estar físi-
co, social, intelectual e psicológico.
Nesse sentido, entendemos que o trabalho pedagógico na escola também deve funda-
mentar a Educação Física em práticas embasadas na troca de experiências, na cooperação e
na investigação de si e do outro.

1 Essas modalidades fazem parte de um conjunto de esportes que se caracteriza pela comparação
de desempenho centrada na dimensão estética e acrobática do movimento, dentro de determinados
padrões ou critérios técnicos. Portanto, contempla as modalidades de ginástica acrobática, aeróbica
esportiva, artística, rítmica e de trampolim (BRASIL, 2017, p. 175).
2 Para saber mais sobre a Gymnaestrada e outros festivais de ginástica no Brasil e no mundo, aces-
se: <http://www.scielo.br/pdf/rbefe/v30n1/1807-5509-rbefe-30-1-0199.pdf>. Acesso em: 21 nov. 2017.
3 Modalidade “fundamentada nas atividades ginásticas [...], integrando vários tipos de manifes-
tações e elementos da cultura corporal tais como danças, expressões folclóricas, jogos, dentre outras,
expressos através de atividades livres e criativas. Tem por objetivo promover o lazer saudável, pro-
porcionando bem estar aos praticantes, favorecendo a performance coletiva, mas respeitando as indi-
vidualidades”. (OLIVEIRA, 2007, p. 30)

88 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e a ginástica 7
Figura 1 – 14ª edição da Gymnaestrada na cidade de Lausana, Suíça, em 2011.

Fonte: Keroler/Wikimedia Commons

7.1.2. Ginásticas de condicionamento físico


As ginásticas de condicionamento físico, como o próprio nome sugere, estão voltadas
ao rendimento e à manipulação do corpo para obter resultados. Essas práticas – comuns em
academias – estimulam situações de otimização da força e de desenvolvimento das capaci-
dades físicas fundamentais para ações cotidianas como carregar sacolas ou levantar pesos.
Por outro lado, vemos, em academias, o crescimento exacerbado pela busca de um padrão
corporal que não leva em consideração as especificidades de cada sujeito, nem a dimensão
do prazer em realizá-la.
Portanto, as aulas de Educação Física devem auxiliar na reflexão crítica sobre as prá-
ticas corporais, assim como no modo em que são apropriadas pelos sujeitos na sociedade.
É de fundamental importância que os alunos adquiram conhecimentos e realizem escolhas
sobre essas práticas com base em suas próprias necessidades, principalmente naquelas rela-
cionadas à qualidade de vida e saúde.

7.1.3. Ginásticas de conscientização corporal


As ginásticas de conscientização corporal promovem a interação por meio de movimen-
tos suaves e lentos que privilegiam a postura e a respiração. Essas práticas são influencia-
das pela cultura oriental e apresentam diferentes denominações, como práticas alternativas,
introjetivas, introspectivas e suaves. Alguns exemplos desse tipo de ginástica são a biodança,

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 89


7 Educação Física e a ginástica

a bioenergética, a eutonia, a antiginástica, o método Feldenkrais, a ioga, o tai chi chuan e a


ginástica chinesa4 (BRASIL, 2017).
Essas práticas podem estar presentes no ambiente escolar tanto nas aulas de Educação
Física quanto em outros momentos, pois favorecem a redução de estresse, a diminuição da
violência e a melhora da autoestima (CONSENZA, 2016).

7.1.4. Ginásticas competitivas


As ginásticas competitivas, de acordo com a BNCC, fazem parte de um conjunto de
esportes caracterizados pela comparação de desempenho centrada na dimensão estética e
acrobática do movimento, de acordo com determinados padrões ou critérios técnicos. Nela
estão inclusas as modalidades de ginástica acrobática, aeróbica esportiva, artística, rítmica e
de trampolim (BRASIL, 2017).
A ginástica acrobática subdivide-se em cinco provas: dupla masculina, dupla feminina,
dupla mista, trio (feminino) e quarteto (masculino). Nessas provas, os atletas realizam se-
quências coreografadas de equilíbrio, saltos com as mãos, saltos mortais e cambalhotas para
ganhar pontos na execução e impressão artística.

Figura 1 – Algumas possibilidades na prática de ginástica acrobática

Fonte: IESDE Brasil S.A.

A ginástica aeróbica esportiva (GAE) surgiu de programas fitness para o público em geral
e, depois, tornou-se uma modalidade esportiva. Os ginastas competem de modo individual

4 De acordo com González, essas práticas são formas “sistematizadas de movimento com base
em ações suaves de aparente imobilidade, como é o caso de determinada postura ou de um exercício
respiratório, voltados para a obtenção de maior consciência corporal, como consequência da atenção
prestada às sensações somáticas produzidas por essas ações” (GONZÁLEZ, 2012, p. 49).

90 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e a ginástica 7
(masculino e feminino), em duplas (misto) em trios e grupos (seis até oito participantes poden-
do ser feminino, masculino ou misto). O objetivo dessa prática consiste em executar rotinas ou
séries que demonstrem força dinâmica e estática, capacidades de saltos, flexibilidade e equilí-
brio. As provas devem ser apresentadas com acompanhamento musical e respeitar o tempo de
1 minuto e 30 segundos, conforme estipula a Confederação Brasileira de Ginástica5.
A ginástica artística é subdividida em provas masculinas e femininas. Nas masculinas
tem-se as modalidades de solo, barra fixa, barras paralelas, salto sobre o cavalo com alças
e argolas. Já as femininas compreendem modalidades de solo, barras assimétricas, trave de
equilíbrio e salto sobre a mesa.
A ginástica rítmica ainda é uma ginástica apenas para o público feminino. No entanto,
o Japão tem uma seleção masculina da modalidade, e o interesse do público masculino tem
crescido consideravelmente. A ginástica rítmica é uma combinação de ginástica com balé,
em que as competidoras apresentam séries coreografadas com músicas que podem ser de-
senvolvidas a mãos livres ou com aparelhos como corda, maças, bola e fita.
Por fim, a ginástica de trampolim é uma modalidade com elementos de recreação e
competição em que os atletas realizam saltos acrobáticos em uma cama elástica. As séries
são compostas de piruetas, mortais e movimentos elaborados que lembram o mergulho.
Essa modalidade é popular em países da Europa e da ex-União Soviética e também em paí-
ses como Estados Unidos, Japão e China (STUBBS, 2012).

7.2. A ginástica na escola


Vídeo
Com base nessa breve contextualização da ginástica e suas modalidades,
podemos discutir qual é o lugar dessa prática corporal nas aulas de Educação
Física. Para isso, atentamos nosso olhar às possibilidades de explorar as ginás-
ticas em um sentido mais plural, em consonância com os objetivos de apren-
dizagem da escola. Desse modo, é preciso analisar essa prática em relação ao
contexto em que os alunos estão inseridos e promover adaptações quando necessário.
Nos capítulos anteriores, discutimos que tanto na Educação Infantil quanto nos anos
iniciais do Ensino Fundamental, as crianças necessitam de observações específicas devido
às singularidades próprias da infância. Assim, podemos explorar as dimensões do brincar e
da ludicidade com a articulação de elementos da ginástica para a reflexão e conscientização
das potencialidades da prática corporal. Desse modo, as experimentações estarão voltadas
para a necessidade de movimentação das crianças e o conhecimento de práticas ainda não
reconhecidas por elas, com o objetivo de estabelecer relações com as aprendizagens na es-
cola e no cotidiano.
Nos anos finais do Ensino Fundamental, considerando a capacidade de abstração mais
aguçada dos alunos, as experimentações podem ser realizadas de modo mais abrangente.
As vivências dos estudantes nas aulas de Educação Física podem ser relacionadas, por

5 Para saber mais sobre as regras da CBG, acesse: <http://www.solbrilhando.com.br/Esportes/


Ginastica/Regulamentos/02_reg_tec_gae_tn.pdf>. Acesso em: 21 fev. 2018.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 91


7 Educação Física e a ginástica

exemplo, à discussão sobre as semelhanças e diferenças entre a ginástica competitiva e a


ginástica não competitiva.
Esses conhecimentos podem ser abordados de acordo com o universo específico, ado-
lescente. Por exemplo, pode-se abordar a ginástica de condicionamento físico com base nas
características corporais próprias dessa faixa etária e relacioná-las com a busca excessiva de
padrões estéticos.
No Ensino Médio, o conteúdo da ginástica pode ser relacionado a temáticas sociais de
diversas maneiras. Temas como saúde e qualidade de vida, práticas corporais e o mundo do
trabalho, práticas corporais e lazer, práticas corporais e o universo jovem podem ser discuti-
dos com alunos que estão nessa etapa. A intenção é fazê-los refletir criticamente sobre essas
práticas e sua correlação com a vida em sociedade.

7.3 Ginásticas: possibilidades para a prática


pedagógica
Vídeo
A seguir, vamos discutir algumas possibilidades para a organização pe-
dagógica com base nos saberes conceituais, da prática e relacionais aplicados
aos conteúdos da ginástica.

7.3.1 Educação Infantil


Apresentamos aqui uma proposta de aula para a Educação Infantil que provocará a or-
ganização de uma sequência de aulas a serem propostas pelo professor. Por meio dela, pre-
tende-se desenvolver objetivos elencados previamente para essa etapa educacional, a fim de
provocar nos alunos o reconhecimento dos elementos da ginástica, com ênfase no brincar.

Tema
Explorando e reconhecendo elementos ginásticos.

Sujeitos
Crianças com idades de 1 ano e 7 meses a 3 anos.

Objetivos
Conceituais
• Identificar formas de locomoção de alguns animais e relacionar com sua própria forma
de locomoção.
Da prática
• “Explorar formas de deslocamento no espaço (pular, saltar, dançar), combinando movimentos e
seguindo orientações” (BRASIL, 2017, p. 42).
Relacionais
• Demonstrar progressiva independência no cuidado com o próprio corpo (BRASIL, 2017, p. 42).

92 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e a ginástica 7
Materiais necessários
Imagens impressas dos animais que serão apresentados às crianças.

Aula 1
Estabelecendo diálogos
Inicie uma conversa com as crianças sobre quais animais elas conhecem. Pergunte a elas como esses
animais se deslocam e peça que imitem as formas de deslocamento que elas mencionarem.
Experimentações
Apresente imagens de animais que se deslocam de diferentes maneiras, por exemplo: cobra (rastejo),
sapo (pulos), girafa (pontas dos pés), elefante (quadrupedar, com ênfase ao andar “pesado”), morcego
(movimento das asas).
Cada vez que mostrar uma imagem, as crianças devem imitar o modo de deslocamento do ani-
mal representado.
Siga o chefe
Estabeleça deslocamentos condizentes com elementos básicos da ginástica, como andar, rastejar,
pular, rolar, quadrupedar, entre outros.
De acordo com suas orientações, como “o chefe” da brincadeira, indique a forma do deslocamento
que os demais irão reproduzir, sem necessidade de padronização corporal.
Fechamento
Peça para que os alunos escolham um dos animais e registrem por meio de um desenho sua forma
de locomoção.
Lembre-se de que quando a criança sistematiza os saberes, ela os está construindo. No caso dessa
faixa etária, ainda que as formas do desenho não sejam muito bem definidas, é interessante pergun-
tar às crianças sobre o seu registro.

7.3.2 Ensino Fundamental – Anos Iniciais


Para essa etapa de ensino, pode-se estabelecer uma sequência de aulas com o objetivo
de desenvolver possibilidades do brincar por meio da ginástica e da relação desta com o uso
ou não de diferentes materiais.

Tema
Brincando com o corpo e com o arco.

Sujeitos
Alunos do 1º ano do Ensino Fundamental.

Objetivos
Conceituais
• Identificar possibilidades ginásticas com e sem materiais.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 93


7 Educação Física e a ginástica

Da prática
• “Experimentar, fruir e identificar diferentes elementos básicos da ginástica (equilíbrios, saltos,
giros, rotações, acrobacias, com e sem materiais) e da ginástica geral, de forma individual e em
pequenos grupos, adotando procedimentos de segurança” (BRASIL, 2017, p. 185).
Relacionais
• “Participar da ginástica geral, identificando as potencialidades e os limites do corpo, e respei-
tando as diferenças individuais e de desempenho corporal” (BRASIL, 2017, p. 185).

Materiais necessários
Arcos

Aula 1
Estabelecendo diálogos
Faça uma roda e mostre aos alunos quatro imagens de diferentes tipos de ginástica, realizadas com e
sem materiais. Na sequência, pergunte às crianças o que as imagens mostram. É uma modalidade fácil
ou difícil? É possível realizá-las? É mais fácil movimentar o corpo com ou sem objetos?
O objetivo central dessa atividade não é fazer com que as crianças relacionem os tipos de ginásticas,
mas sim os diferentes modos de fazê-las.
Experimentações
Apresente possibilidades de exploração com o arco, instrumento de uso da ginástica rítmica. Para
isso, disponibilize um arco a cada criança, para que elas explorem livremente esse objeto.
Em seguida, peça aos alunos que lancem individualmente o arco com as duas mãos e batam uma
palma para pegá-lo novamente. Em seguida, peça para lançá-lo com uma mão e o recuperar com
a outra.
Para atividades em duplas, peça que os alunos lancem o arco um para o outro de diferentes manei-
ras: de frente, de costas, por cima da cabeça, entre as pernas etc. Eles também podem criar outras
possibilidades.
Fechamento
Pergunte aos alunos se eles conseguiram fazer as ações que planejaram, se as ideias sugeridas foram
respeitadas e se houve entendimento entre os colegas.

7.3.3 Ensino Fundamental – Anos Finais


A complexidade dos conteúdos de ginástica aumenta progressivamente com o passar
dos anos letivos. Dessa forma, é possível apresentar aos estudantes novas possibilidades
de trabalho com outros temas, como a competição versus a cooperação, e trazer elementos
circenses para construção de diferentes formas, estéticas etc.

94 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e a ginástica 7
Tema
Quando a competição pode virar cooperação: o circo e a ginástica acrobática.

Sujeitos
Alunos 9º ano do Ensino Fundamental.

Objetivos
Conceituais
• Reconhecer formas de cooperação na competição;
• Identificar a cooperação nas práticas circenses.
Da prática
• “Experimentar e fruir exercícios físicos que solicitem diferentes capacidades físicas, identifican-
do seus tipos (força, velocidade, resistência, flexibilidade) e as sensações corporais provocadas
pela sua prática” (BRASIL, 2017, p. 196).
Relacionais
• “Construir coletivamente procedimentos e normas de convívio que viabilizem a participação de
todos na prática de exercícios físicos, com o objetivo de promover a saúde” (BRASIL, 2017, p. 196).

Materiais necessários
Imagens impressas demonstrando modalidades ginásticas e pegas de ginástica acrobática

Aula 1
Estabelecendo diálogos
Antes de iniciar a aula, pergunte aos alunos:
• Quais tipos de ginásticas vocês conhecem?
• Vocês já praticaram alguma ginástica? Se sim, qual?
Apresente imagens de diferentes modalidades de ginásticas e ressalte que a modalidade a ser tra-
balhada é a ginástica acrobática.
Relacione então a ginástica acrobática à ginástica circense. Como sugestão, mostre um vídeo do
Cirque du Soleil. Ressalte que a prática circense não apresenta elementos de competitividade, no
entanto, ainda pertence ao universo ginástico.
Experimentações
Neste momento, explique aos estudantes o conceito de ginástica acrobática:
Ela é um esporte que integra dança, ginástica artística e elementos acrobáticos, estes úl-
timos de origem principalmente chinesa, e exigem uma interação entre os participantes
que não é encontrada em nenhum outro tipo de esporte, principal motivo de incentivar
sua inserção nos programas de educação física escolares. (GALLARDO; AZEVEDO,
2007, p. 1)
Em seguida, apresente diferentes tipos de movimentos dessa ginástica, conforme a Figura 2, a seguir:

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 95


7 Educação Física e a ginástica

Figura 2 – Movimentos da ginástica acrobática.

Fonte: IESDE Brasil S.A.

No entanto, a ênfase da aula consiste em mostrar os tipos de pegas, elementos fundamentais para
a ginástica acrobática. De acordo com as imagens a seguir, peça para que os alunos realizem os
seguintes tipos de pegas:

Figura 3 – Pegas de ginástica acrobática.

Pega cruzada

Pega de parada de mãos

96 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e a ginástica 7
Pega de cadeirinha

Pega de pé

Pega frontal

Pega de tração

Fonte: IESDE Brasil S.A.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 97


7 Educação Física e a ginástica

Questione os estudantes sobre quais dessas pegas podem ser aplicadas a cada uma das posições
demonstradas na imagem a seguir (Figura 4).

Figura 4 – Possibilidades da ginástica acrobática.

Fonte: IESDE Brasil S.A.

98 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e a ginástica 7
Fechamento

Depois de realizarem as pegas, dialogue com o grupo e pergunte:

• Como foi a experiência de vivenciar esses conhecimentos?

• A cooperação facilitou a execução das atividades?

7.3.4 Ensino Médio


Para essa etapa de ensino, propomos uma prática que relacione as ginásticas de cons-
cientização corporal ao mundo do trabalho, já que essas reflexões começam a ganhar mais
sentido para esse grupo. No entanto, é preciso lembrar que essa temática deve ser abordada
também em outras aulas. Além disso, é importante manter uma unidade do tema, a fim de
atingir os objetivos de aprendizagem elencados previamente no plano de ensino.

Tema
A relação do mundo do trabalho com as práticas de conscientização corporal.

Sujeitos
Alunos da 1ª série do Ensino Médio.

Objetivos
Conceituais
• Identificar soluções em que as práticas de conscientização possam se tornar necessárias à reso-
lução de conflitos.
Práticos
• Experimentar e fruir exercícios físicos que priorizem movimentos suaves e lentos, enaltecendo
a conscientização tanto na postura quanto na respiração.
Relacionais
• Acionar, quando preciso, procedimentos que facilitem o bom convívio social.

Materiais necessários
Som, seleção de músicas e bolas de tênis para cada aluno.

Aula 1
Estabelecendo diálogos

Pergunte aos alunos sobre como eles reagem quando estão em situações de estresse. Com base nas
respostas, mapeie o perfil da turma e relacione os tipos de estresses a que eles estão submetidos.

Experimentações

Proponha aos alunos que tirem os calçados e peça que percebam seus pés no chão. Depois, solicite
que realizem os seguintes passos:

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 99


7 Educação Física e a ginástica

1. Afrouxe a roupa, de forma que nada fique apertando o corpo.


2. Deite de costas no chão.
3. Estenda os braços ao longo do corpo, com as palmas das mãos voltadas para o alto e os pés à
vontade.
4. Deixe o silêncio instalar-se, será mais fácil se você fechar os olhos.
5. Talvez você não se sinta muito bem com isso, mas espere. Não mude nada, apenas observe.
6. Quais são os pontos de contato do seu corpo com o chão?
7. Verifique como estão encostados no chão:
• os calcanhares;
• a barriga das pernas;
• as nádegas, os ossos da bacia e o sacro;
• as costas – quantas vértebras encostam no chão?
• as escápulas (omoplatas) – como elas estão em relação à coluna e uma em relação à outra?
Depois, forme uma roda com os alunos e peça que fiquem um atrás do outro e que façam uma mas-
sagem no colega que esteja à sua frente. Deixe que façam a massagem por três ou quatro minutos.
Peça também que eles mudem o sentido da roda, para receberem a massagem do colega no qual
tinham feito massagem anteriormente.
Fechamento
Converse com os alunos e pergunte:
• Como vocês se sentiram durante a prática?
• É possível recorrer a essas práticas em momentos de estresse?
Questione também se eles compreenderam que essa é uma forma de ginástica.

Conclusão

Neste capítulo, fizemos um percurso pelo universo da ginástica, revelando as possibili-


dades dessa prática corporal. Além disso, caracterizamos brevemente os tipos de ginástica e
distinguimos as competitivas das não competitivas.
Abordamos também as características dessa modalidade na escola, assim como suas
possibilidades para o planejamento na Educação Básica. Os conteúdos foram organizados
pedagogicamente de acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017).
Por fim, essa abordagem possibilitou reflexões sobre a necessidade de ir além da práti-
ca. É preciso que o professor faça adaptações dos materiais, assim como adequações de acor-
do com as necessidades dos estudantes. Dessa forma, esperamos que você – como professor
(ou futuro professor) de Educação Física – proporcione ao seu aluno condições adequadas
para promover a aprendizagem da disciplina por meio desse conteúdo.

Ampliando seus conhecimentos


A seguir, disponibilizamos um excerto do artigo “Educação física escolar: peda-
gogia e didática das atividades circenses”, de Rodrigo Mallet Duprat e Marco Antônio

100 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e a ginástica 7
Coelho Bortoleto, que propõem a incorporação de aspectos histórico-culturais da arte
circense na Educação Física. Além disso, os autores consideram as atividades circenses
como parte da cultura corporal e destacam possibilidades para o trabalho dessas práti-
cas no Ensino Fundamental.

Educação física escolar: pedagogia e didática das


atividades circenses
(DUPRAT; BORTOLETO, 2007, p. 174-176)

[...]

O circo deixa de ser um saber apenas transmitido no interior das famílias, dos
reduzidos grupos de artistas, e passa a ser um conhecimento a ser tratado e
desenvolvido nas escolas especializadas, dando abertura a um maior número
de interessados e ampliando assim, de forma exponencial, as possibilidades
de ação (expressão artística) dessa arte. Uma tendência que se espalha rapida-
mente por todo o mundo e que em poucas décadas gera uma nova geração de
artistas, com ou sem antecedentes familiares, mas com grande valor artístico.

[...]

No presente artigo interessa-nos destacar a inclusão das atividades circenses


no contexto educacional. Nesse sentido, entendendo que a escola é um dos
principais meios de transmissão e produção de cultura e considerando o circo
uma parte importante da cultura corporal (idem, p. 65), podemos justificar a
inclusão desse conhecimento no universo educativo como um conteúdo per-
tinente. Mais especificamente, como um conteúdo particular ao professor de
educação física, responsável pela transmissão da cultura corporal (COLETIVO
DE AUTORES, 1992).

[...]

Refletindo sobre o processo de ensino-aprendizagem, Pérez Gallardo (2003)


propõe uma “postura didática” do profissional, que deve ser adotada pelo
professor para viabilizar as trocas entre a cultura corporal entendida por ele
e a cultura corporal própria do aluno, sendo fundamental considerar as expe-
riências e vivências anteriores. Um posicionamento que abrirá as portas para o
conhecimento de outras culturas, sempre de forma contextualizada.

[...]

Assim sendo, a educação física escolar fica responsável pelo espaço de “vivên-
cia”, tendo como objetivo central colocar os alunos em contato com a cultura

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 101


7 Educação Física e a ginástica

corporal. O interesse pedagógico não está centralizado no domínio técnico dos


conteúdos, mas sim no domínio conceitual deles, dentro de um espaço humano
de convivência, no qual possam ser vivenciados aqueles valores humanos que
aumentem os graus de confiança e de respeito entre os integrantes do grupo

[...]

Atividades
1. Conforme vimos neste capítulo, o universo da ginástica é vasto, assim como as possi-
bilidades para o trabalho pedagógico dessa prática nas aulas de Educação Física. Com
o apoio da Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017), classifique os tipos de
ginástica e destaque sua importância em abordá-la nas aulas de Educação Física.

2. Com base na ideia de que os conteúdos de Educação Física não devem ser restritos
apenas à prática pela prática, discuta as diferenças entre as metodologias, aplicações
e conteúdos nas etapas da Educação Básica.

3. Discorra sobre o porquê de as atividades propostas aos alunos dos anos iniciais do
Ensino Fundamental serem distintas das realizadas para os propostas a alunos dos
anos finais do Ensino Fundamental.

4. Revisite o plano de aula proposto para alunos dos anos finais do Ensino Fundamen-
tal e elabore uma sequência para o planejamento indicado. Complete o quadro a
seguir e não esqueça de articular o conteúdo desta aula com o da aula anterior.

Tema
Quando a competição pode virar cooperação: o circo e a ginástica acrobática

Sujeitos
Alunos do 9º ano do Ensino Fundamental

Objetivos

Conceituais
• Identificar formas de cooperação na competição.
• Identificar a cooperação nas práticas circenses.
Práticos
• “Experimentar e fruir exercícios físicos que solicitem diferentes capacidades físicas, identifican-
do seus tipos (força, velocidade, resistência, flexibilidade) e as sensações corporais provocadas
pela sua prática” (BRASIL, 2017, p. 45).

102 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e a ginástica 7
Relacionais
• “Construir, coletivamente, procedimentos e normas de convívio que viabilizem a participação de
todos na prática de exercícios físicos, com o objetivo de promover a saúde” (BRASIL, 2017, p. 191).

Materiais necessários

Aula 2
Estabelecendo diálogos

Experimentações

Fechamento

Referências
BERTHERAT, Thérèse; BERNSTEIN, Carol. O corpo tem suas razões: antiginástica e consciência de si.
13. ed. São Paulo: M. Fontes, 1987.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. Brasília:
MEC, 2013. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/docman/julho-2013-pdf/13677-diretrizes-
educacao-basica-2013-pdf/file>. Acesso em: 21 nov. 2017.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 103


7 Educação Física e a ginástica

______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular.
Brasília: MEC/SEB, 2017. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/a-base/>. Acesso em:
20 nov. 2017.
COLETIVO DE AUTORES. Metodologia de Ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.
CONSENZA, R. M. Inspirar, expirar...aprender. Neuroeducação: meditação nas escolas. Seguimento,
Instituto Ayrton Senna, n. 6, p. 26-31, 2016.
DUPRAT, Rodrigo Mallet; BORTOLETO, Marco Antônio Coelho. Educação física escolar: pedagogia
e didática das atividades circenses. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 28, n. 2,
p. 171-189, jan. 2007. Disponível em: <http://revista.cbce.org.br/index.php/RBCE/article/view/63/71>.
Acesso em: 07 dez. 2017.
GALLARDO, Jorge; AZEVEDO Lúcio Henrique. Fundamentos básicos da ginástica acrobática: com-
petitiva. Campinas: Autores Associados, 2007.
GONZÁLEZ, Fernando Jaime; FRAGA, Alex Branco. Afazeres da Educação Física na escola: planejar,
ensinar, partilhar. Erechim: Edelbra, 2012.
OLIVEIRA, Nara Rejane Cruz de. Ginástica para todos: perspectivas no contexto do lazer. In.: Revista
Mackenzie de Educação Física e Esporte. V. 6, n. 1, 2007, p. 27-35. Disponível em: <http://www.
mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/CCBS/Cursos/Educacao_Fisica/REMEFE-6-1-2007/art02_
edfis6n1.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2018.
PATRÍCIO, Tamiris Lima; BORTOLETO, Marco Antonio Coelho; CARBINATTO, Michele Viviene.
Festivais de ginástica no mundo e no Brasil: reflexões gerais. Revista Brasileira de Educação Física e
Esporte, São Paulo, v. 30, n. 1, p. 199-216, jan./mar. 2016. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/
rbefe/v30n1/1807-5509-rbefe-30-1-0199.pdf>. Acesso em 1 fev. 2018.
STUBBS, Ray. O livro dos esportes: os esportes, as regras, as táticas, as técnicas. Rio de Janeiro: Agir, 2012.

Resolução
1. Nessa questão, você precisa elencar os tipos de ginásticas organizados na BNCC:
• ginástica geral;
• ginásticas de condicionamento físico;
• ginásticas de conscientização corporal.

Com base nessa classificação, você deve mencionar a importância em abordar essa
unidade temática em sala de aula. Discorra também em sua questão sobre a impor-
tância da diversidade e como esse conteúdo a promove.

2. As aulas de Educação Física devem criar possibilidades de exploração das diversas


modalidades da ginástica. Nesse sentido, sua resposta deve contemplar a necessi-
dade em analisar a ginástica alinhada ao contexto em que a escola está inserida e
promover adaptações com base nas necessidades dos sujeitos em cada etapa da Edu-
cação Básica quando necessário.

104 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e a ginástica 7
3. Nessa resposta, é importante mencionar a capacidade de abstração que se encontra
em desenvolvimento nas diferentes etapas da educação. Para tanto, é preciso desta-
car que no Ensino Fundamental – Anos Finais, diante da capacidade de abstração
mais aguçada dos alunos, as experimentações podem ser mais complexas que nos
anos iniciais dessa fase de aprendizagem.

4. A exemplo da aula 1, é esperado que você faça escolhas que efetivem os saberes da
Educação Física de acordo com objetivos elencados para a sequência de trabalho.
É necessário, também, levar em conta as necessidades dos alunos e a realidade da
escola. Para isso, pode-se fazer um diagnóstico (fictício) de como ocorreu a primeira
aula, o qual contenha as impressões dos alunos sobre essa atividade, e organizar a
aula 2 com base nessas informações.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 105


8
Educação Física e as lutas

Neste capítulo, apresentamos a prática corporal das lutas, como conteúdo da


Educação Física escolar, organizadas em orientais e ocidentais.

Discutiremos os modos como a escola pode se apropriar dessa prática corporal


e construir seus próprios sentidos e significados. Além disso, destacamos o papel da
Educação Física escolar atrelado aos objetivos educacionais e apresentamos as pos-
sibilidades de organização do trabalho pedagógico com as lutas como conteúdo das
aulas. Essa organização é feita por meio de uma estruturação direcionada às diferen-
tes etapas de Educação Básica, priorizando a progressão e adequação desses temas
para cada fase de aprendizagem.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 107


8 Educação Física e as lutas

8.1 As lutas na sociedade e na escola


Vídeo
Se analisarmos as lutas dentro do contexto social, percebemos que histori-
camente os seres humanos sempre estiveram envoltos em circunstâncias que as
caracterizam. Por exemplo, nos primórdios da civilização, para adquirir comida,
ocupar territórios, entre outras situações necessárias à sobrevivência, era neces-
sário lutar. Com o passar do tempo, essas vivências corporais foram sendo siste-
matizadas, originando-se diferentes tipos de lutas, com ou sem a utilização de materiais/objetos.
No entanto, pensando no contexto educacional, surgem diversos questionamentos:
Como podemos apresentar essa prática corporal na escola? Devemos deixar os alunos
entrarem em confronto entre si? Será que isso não vai gerar mais violência? Por fazerem
parte de nosso contexto social, somos obrigados a desenvolver tal conteúdo nas aulas?
Essas reflexões serão contextualizadas ao longo deste capítulo, mas é relevante pontuar
que desenvolver o conteúdo de lutas na escola não torna os alunos mais violentos. Pelo con-
trário, abordar esse tema com base nos objetivos pedagógicos e com a intenção de levar os
estudantes a entender a diferença entre luta e briga promove um ambiente menos violento e
permite que eles reflitam sobre suas próprias ações e as situações que permeiam o universo
das lutas.
O trabalho com essa modalidade é tão importante quanto com outras manifestações de
práticas corporais. Assim como as demais práticas, essas resultam da produção social huma-
na, e, respondendo às indagações feitas anteriormente, devem ser analisadas e refletidas no
cotidiano escolar. Desse modo, sim, precisamos abordá-las na escola, inclusive como parte
de nossa função social docente. O conteúdo de lutas é obrigatório como componente curri-
cular da Educação Básica e, assim, não desenvolvê-lo é negligenciar um conjunto importante
de conhecimentos aos estudantes.
Daolio (2004) destaca que o profissional de Educação Física trata do ser humano nas
suas manifestações culturais relacionadas ao corpo e ao movimento. Nesse sentido, “consi-
derando a Educação Física como disciplina escolar e a escola como espaço e tempo de desen-
volver a cultura [...] [é] tarefa precípua da área garantir ao aluno a apreensão de conteúdos
culturais, no caso, relacionados à dimensão corporal: jogo, ginástica, esporte, dança, luta”
(DAOLIO, 2004, p. 21).
Desse modo, destacamos que todos esses conteúdos da Educação Física devem fazer
parte da trajetória escolar dos alunos. Para isso, é fundamental entender qual é o papel do
professor dessa disciplina na escola. Ou seja, ao trabalhar com as lutas, não se trata de des-
pertar ou reconhecer talentos entre os alunos, mas sim propor a prática e o reconhecimento
desse conteúdo para que eles realizem seu estudo, compreendam seu funcionamento e pos-
sam se posicionar criticamente a esse respeito. Diante disso, é importante entender qual o
objetivo das lutas:
[...] envolve superar fisicamente o adversário, utilizando para isso princípios que
variam de acordo com a prática. Elas são individuais, na maioria das vezes, e
querem a imposição física dos competidores, ou seja, eles se tocam, se agarram,

108 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e as lutas 8
desferem-se chutes, socos, dentre outros golpes visando ao objetivo final, que
varia conforme cada modalidade. Em nenhuma outra prática esportiva há a pos-
sibilidade de impor resistência física contra o adversário de maneira explícita
legal (permitida perante as regras do esporte) visando submetê-lo de diferentes
formas. (DARIDO; RUFINO, 2011, p. 11)
Nesse sentido, é importante compreendermos melhor como essa prática corporal pode
ser organizada. Como ponto de partida, dividimos as modalidades por origem: orientais e
ocidentais, conforme demonstrado no quadro a seguir:

Quadro 1 – Lutas orientais e ocidentais.

Orientais Ocidentais
Jiu-jítsu Boxe
Judô Esgrima
Kendo Luta livre
Caratê Kick boxing
Sumô Sambo
Kung fu: Taolu Capoeira
Kung fu: Sanshou Pancrácio
Tae kwon do Luta greco-romana

Fonte: Elaborado pelas autoras.

Sobre essas modalidades, é importante refletir:


• Você as conhece ou já ouviu falar de algumas delas? Se sim, conhece seus preceitos?
• E a forma de realização dessas lutas? Você conhece?
Possivelmente, pode haver modalidades não muito conhecidas, até porque nem todas
se tornam esportes. Aqui, elencamos apenas algumas delas, no entanto, é importante saber
que essas práticas corporais são permeadas de símbolos e signos culturais que foram modi-
ficados, transformados ao longo do tempo e possuem diferenças e semelhanças. Portanto, é
sempre importante estudar e buscar conhecimentos sobre elas, para que os alunos se apro-
priem ao máximo desse universo na escola.
A seguir, apresentamos as características de algumas das modalidades mencionadas.

8.1.1 Judô
O judô surgiu no Japão no século XIX, criado por Jigoro Kano, que elaborou a modali-
dade baseando-se em técnicas do centenário jiu-jítsu. A principal intenção de seu fundador
foi combater a violência presente nas lutas. Conforme menciona Stubbs (2012),
[...] esse esporte de combate desarmado proíbe qualquer forma de soco ou
chute. Em vez disso, o objetivo é conseguir um ippon – o equivalente a um soco
que leva ao nocaute – arremessando o adversário no chão, imobilizando-o

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 109


8 Educação Física e as lutas

ou forçando a sua rendição através de uma chave de braço ou sufocação.


(STUBBS, 2012, p. 210).
É interessante pontuar que, em japonês, judô significa caminho suave, referindo-se ao
objetivo de utilizar a força e o equilíbrio do adversário em benefício próprio.

Figura 2 – Do antigo jiu-jítsu surgiu o judô atual.

Fonte: rbv/iStockPhotos

Figura 3 – O kendo é baseado no


8.1.2 Kendo antigo kenjutsu.

O kendo também se originou no Japão. Conforme


destaca Stubbs (2012), essa modalidade é baseada
em uma antiga forma japonesa de luta com espada,
chamada kenjutsu. No kendo moderno, os lutadores
utilizam uma vara de bambu conhecida como shinai,
em vez de uma espada real. Os combates acontecem
entre dois competidores, vestidos dos pés à cabeça
com uma armadura negra.
As lutas oficiais têm duração de 5 minutos.
O lutador que marcar dois pontos primeiro é o vence-
dor. Caso ocorra de nos primeiros 5 minutos nenhum
competidor abrir a pontuação, pode ocorrer uma
prorrogação de mais 3 minutos.

Fonte: zorandimzr/iStockPhoto

110 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e as lutas 8
8.1.3 Sumô
Essa luta apresenta em sua composição elementos substanciais da cultura japonesa e foi
praticado exclusivamente no Japão até meados do século XX, apesar de haver fortes indícios
de que sua origem tenha sido influenciada por lutas chinesas. Posteriormente, a modalidade
foi popularizada e difundida mundialmente (STUBBS, 2012).
No sumô, o objetivo dos lutadores consiste na tentativa de empurrar o oponente para
fora do dohyo1 ou desequilibrá-lo de modo que ele toque o chão com alguma parte do corpo
diferente dos pés.
No início da luta há um ritual de apresentação dos lutadores, nos quais demonstram
suas agilidades e flexibilidades corporais para o público presente. As lutas de sumô geral-
mente são rápidas e terminam em menos de um minuto.

Figura 4 – A arte do sumô.

Fonte: GI Jack/Wikimedia Commons.

8.1.4 Boxe
Há indícios que o boxe (ou pugilismo) tenha se originado por volta de 3.000 a.C., no
Egito. Contudo, aproximadamente no século 7 a.C. sua caracterização e difusão se deu na
Grécia Antiga. Stubbs (2012, p. 202) explica que:

1 Em japonês, refere-se ao ringue de luta.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 111


8 Educação Física e as lutas

o boxe é um esporte que requer grande habilidade e resistência física. Dois lu-
tadores se esforçam para atingir um ao outro com socos, a fim de marcar pon-
tos perante o juiz ou árbitro, ao mesmo tempo em que se esquiva dos golpes
do oponente. Quase toda a área da cabeça e do tórax é designada à pontuação.
As lutas são vencidas por pontos ou por nocaute. Os lutadores profissionais bem
colocados estão entre os mais bem pagos no mundo do esporte.
Nesse esporte, as modalidades profissional, olímpica ou amadora apresentam re-
gras diferenciadas.
No boxe profissional, os lutadores lutam apenas com calção e sapatos especiais e não
usam nenhum equipamento da cintura para cima, exceto luvas e protetor bucal. Os rounds
são mais longos que no amador, os campeonatos mundiais têm dez assaltos de três minu-
tos cada, com intervalo de 1 minuto entre eles. O lutador, ao vencer um round, recebe dez
pontos e o perdedor recebe nove pontos. Se em um assalto a vantagem for absoluta de um
dos lutadores, a pontuação é distribuída como 10 a 8 (STUBBS, 2012).
Já no boxe amador, os lutadores usam calções, coletes cervicais e sapatos. Para autopro-
teção utilizam protetores bucais, de cabeça (capacetes) e para a região genital (coquilhas).
Recentemente, na Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016, a Associação Internacional de Boxe
permitiu que a modalidade olímpica masculina fosse realizada sem capacetes e camisetas.
Nessa modalidade, as lutas possuem três assaltos, com 2 minutos cada (STUBBS, 2012).

Figura 5 – Luta de boxe amador.

Crédito: thinkomatic/iStockphoto.

112 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e as lutas 8
8.1.5 Sambo
O sambo é uma luta ainda pouco conhecida no Brasil. Essa modalidade foi desenvol-
vida na antiga União Soviética na década de 1920, quando Josef Stalin quis que seu exército
tivesse habilidades para a luta desarmada – a palavra sambo é um acrônimo em russo que
significa “autodefesa sem armas”. Líderes militares combinaram modalidades como caratê,
judô e luta livre, de países como Armênia, Geórgia, Moldávia, Mongólia e Rússia.
Existem dois tipos de sambo, conhecidos como sambo esportivo e sambo de combate.
O primeiro inclui movimentos de braço, perna e quadril, enquanto o segundo engloba tam-
bém socos e chutes. A Federação Internacional de Sambo Amador (IASF) é a organização
dirigente desse esporte.

Figura 6 – Campeonato de sambo.

Fonte: Thaifighter911/Wikimedia Commons.

8.1.6 Esgrima
A esgrima é uma luta europeia associada principalmente à França e Itália. Desse modo,
muitos dos termos utilizados são provenientes desses dois países. A palavra esgrima vem de
escrima, que significa “proteger” em provençal ou occitano, língua falada no sul da França.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 113


8 Educação Física e as lutas

A esgrima passou a ser considerada um esporte – em vez de um modo de sobrevi-


vência – no século XVI e teve sua estreia como modalidade olímpica nos Jogos de 1896, na
cidade de Atenas, Grécia. Desde então, essa luta se faz presente em todas as Olimpíadas
(STUBBS, 2012).
Existem três modalidades de esgrima, baseadas nas armas utilizadas para cada competi-
ção: florete, espada e sabre (STUBBS, 2012). Essa luta é realizada entre dois oponentes arma-
dos com uma espada e protegidos por roupas, sapatos, máscaras etc. Para pontuar é neces-
sário atingir o adversário em pontos específicos de seu corpo, determinados de acordo com a
arma utilizada.

Figura 6 – Luta de esgrima.

Fonte: gorodenkoff/iStockphoto

Com base nesse panorama, você conheceu um pouco sobre algumas modalidades de
lutas orientais e ocidentais. Agora, trataremos das possibilidades de levar essa temática para
a escola.

8.2 Lutas: a abordagem da temática no contexto


escolar
Vídeo
Ao entender um pouco sobre o universo das lutas, percebemos que muitos
elementos dessa prática estão presentes em diversos meios, como filmes, dese-
nhos animados, games, entre outros.
Diante dessas situações, é comum que o professor seja questionado quan-
do decide trabalhar com esse conteúdo nas aulas de Educação Física. Isso
acontece devido à associação equivocada das lutas com a violência, e, consequentemente,
com as brigas. Muitas vezes, esquece-se que o papel do professor de Educação Física é justa-
mente desmitificar esse conteúdo de modo que os alunos questionem toda e qualquer forma

114 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e as lutas 8
de violência, e, caso ela surja, problematizá-la a fim de que o próprio grupo se dê conta dessa
contradição.
A violência presente no contexto escolar é muitas vezes um reflexo da realidade vivida
na sociedade. Por meio dos ensinamentos das lutas, é possível refletirmos com os alunos
sobre essas questões. Apresentando diferentes visões historicamente produzidas sobre as
lutas aqui apresentadas, e tantas outras presentes no contexto social, articulamos os conteú-
dos escolares da área com algumas vivências do cotidiano dos estudantes.
As lutas orientais, por exemplo, propõem ensinamentos que indicam situações de res-
peito mútuo para que cada um reconheça a necessidade de mudanças no próprio comporta-
mento. Dessa maneira, podemos analisar se algumas das propostas das lutas abordadas são
ou não coerentes para serem vivenciadas no âmbito escolar.

Figura 7 – Lutas x brigas

Refletir com os alunos sobre as diferenças entre o contexto das lutas e o das brigas de rua pode ser
um ponto de partida para uma discussão a esse respeito na escola.

8.3 Lutas: possibilidades para a prática pedagógica


Vídeo
Apresentamos a seguir possibilidades de trabalho com a unidade temáti-
ca lutas nas aulas de Educação Física, de acordo com os saberes – conceituais,
da prática e relacionais – adequados a cada etapa da Educação Básica, os quais
podem ser adaptados pelo professor de acordo com o planejamento escolar

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 115


8 Educação Física e as lutas

estabelecido. Os exemplos abordam propostas para a primeira aula de cada um dos temas,
as quais devem ser desenvolvidas em aulas posteriores, compondo uma sequência didática.

8.3.1 Educação Infantil


Para a iniciação pedagógica dos alunos com o conteúdo das lutas na Educação Infantil,
pode-se compor aulas que relacionem essas práticas com a temática da construção de regras.

Tema

Vivenciando a construção de regras dentro e fora da escola.

Sujeitos
Crianças com idades entre 4 anos e 5 anos.

Objetivos
Conceituais
• “Compreender a necessidade das regras no convívio social, nas brincadeiras e nos jogos com
outras crianças” (BRASIL, 2017, p. 41).
Práticos
• “Movimentar-se de forma adequada, ao interagir com colegas e adultos em brincadeiras e ati-
vidades” (BRASIL, 2017, p. 42).
Relacionais
• “Usar estratégias pautadas no respeito mútuo para lidar com conflitos nas interações com crian-
ças e adultos” (BRASIL, 2017, p. 41).

Materiais necessários

Papel crepom, bexigas e barbante.

Aula 1

Estabelecendo diálogos
Inicie a discussão com as crianças ressaltando a necessidade de cumprir as regras propostas em
jogos e brincadeiras para que não se machuquem e não machuquem o colega. Pontue a necessidade
de respeitar o próprio corpo e do próximo.
Pergunte para as crianças:
• O que podemos fazer para não machucar os colegas nas brincadeiras?
Nesse momento, explique as regras dos jogos que serão realizados nesta primeira aula: “pega-pega
do rabo do dragão” e “estourando bexigas”.

116 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e as lutas 8
Experimentações
• Pega-pega do rabo do dragão: entregue para cada criança uma fita de papel crepom. Elas deve-
rão prender a sua respectiva fita na parte de trás da calça, como se fosse o rabo de um dragão.
As crianças devem caçar o rabo de dragão de seus colegas e também deverão proteger o
seu. O objetivo do jogo é tentar pegar o maior número de rabos que conseguir. Não vale
empurrar o colega, apenas puxar o rabo dele. Além disso, não é permitido segurar o próprio
rabo para evitar que o peguem. Ninguém é eliminado da brincadeira; mesmo que o rabo do
dragão seja apanhado, as crianças continuam a brincar.

Ao final, o professor e as crianças devem contar a quantidade de rabos que cada um conse-
guiu e identificar o vencedor da brincadeira.
• Estourando bexigas: cada criança receberá duas bexigas e deverá prendê-las com barbante
em cada um de seus tornozelos.
O objetivo da brincadeira é que as crianças estourem os balões de seus colegas e protejam os
seus próprios balões. Ainda que sejam estourados os dois balões de uma criança, ela não é
eliminada jogo e continua tentando estourar o balão dos colegas. Não é permitido segurar o
colega ou chutar seu tornozelo, somente pisar sobre os balões.

Fechamento
Pergunte às crianças:
• As regras dos jogos foram respeitadas?
• Durante os jogos, vocês conseguiram cuidar de seu próprio corpo, bem como dos amigos?
• Aconteceu algum problema durante os jogos? Se sim, de que modo vocês conseguiram resolvê-lo?

8.3.2 Ensino Fundamental – Anos Iniciais


Para os anos iniciais do Ensino Fundamental, pode-se trabalhar as principais diferenças
entre jogos de oposição e brigas, inclusive estabelecendo uma sequência de aulas que tratem
dessa importante distinção.

Tema
Reconhecendo a relação de equilíbrio e desequilíbrio nas lutas.

Sujeitos
Alunos do 3º ano do Ensino Fundamental.

Objetivos

Conceituais
• Identificar as características dos jogos de oposição e reconhecer as diferenças entre esses jogos
e brigas.
Práticos
• Experimentar diferentes jogos de oposição.
Relacionais
• Planejar e utilizar estratégias básicas dos jogos de oposição experimentados com base no res-
peito ao colega/oponente e em normas de segurança.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 117


8 Educação Física e as lutas

Materiais necessários
Giz para quadro-negro.

Aula 1

Estabelecendo diálogos
Converse com as crianças e explique que, nas próximas aulas, elas irão conhecer e vivenciar jogos
de oposição.
Ressalte aos alunos que essa modalidade de jogo apresenta elementos de contato corporal e regras
preestabelecidas para que todos possam cuidar de sua integridade física e da de seu oponente.
Pergunte aos alunos:
• Vocês sabem a diferença entre briga e jogo de oposição?

Experimentações
• Empurra-empurra: para esse jogo, separe a turma em grupos de três alunos. Cada grupo deve
traçar com um giz um círculo grande no chão e organizar uma sequência de participação dos
integrantes.
Dois integrantes entrarão em confronto dentro do círculo, no qual deverão permanecer agacha-
dos, e o terceiro será o juiz.
Ao sinal do juiz, os dois devem encostar suas mãos e empurrar um ao outro até que algum deles
saia fora do círculo. Os participantes não podem encostar em mais nenhuma parte do corpo do
adversário. Além disso, não é permitido usar o pé para empurrar ou chutar o oponente.
O jogo termina quando um dos participantes sai do círculo ou quando se encerra o tempo esti-
pulado pelo juiz. Posteriormente, as posições são revezadas.
• Pega-pega do caranguejo: os mesmos trios permanecem juntos e os círculos são reutilizados para
esse jogo. Os adversários devem ficar de barriga para cima (decúbito ventral), apoiados em seus
pés e mãos. O objetivo do jogo é tentar empurrar o adversário com todo o corpo para fora do círcu-
lo ou então derrubá-lo, tirando um de seus pontos de apoio com as mãos ou os pés. Não é permi-
tido chutar ou socar o adversário, e o juiz deve estar atento para que as regras sejam respeitadas.
Fechamento
Para finalizar a aula, pergunte aos alunos:
• As regras foram cumpridas e todos agiram de acordo com elas?
• Vocês se sentiram bem nas vivências corporais dos jogos?
• Os juízes foram respeitados?

8.3.3 Ensino Fundamental – Anos Finais


No caso dos anos finais do Ensino Fundamental, os alunos podem vivenciar de fato
elementos de algumas modalidades de lutas, com o objetivo de que passem a conhecer suas
diferentes características e a aplicar suas regras. No planejamento de aula a seguir, são abor-
dados elementos pertinentes à esgrima. Como sugestão para uma sequência de aulas, po-
dem ser abordados, na aula seguinte, elementos do kendo.

118 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e as lutas 8
Tema
Desenvolvendo princípios éticos nas lutas e na vida.

Sujeitos
Alunos do 9º ano do Ensino Fundamental.

Objetivos
Conceituais
• “Identificar as características (códigos, rituais, elementos técnico-táticos, indumentária, mate-
riais, instalações, instituições) das lutas” (BRASIL, 2017, p. 193).
Práticos
• Experimentar e fruir diferentes lutas, “valorizando a própria segurança e integridade física,
bem como as dos demais” (BRASIL, 2017, p. 193).
Relacionais
• Planejar e utilizar estratégias básicas das lutas, respeitando o colega como oponente (BRASIL,
2017, p. 193).
• “Problematizar preconceitos e estereótipos relacionados ao universo das lutas e demais práti-
cas corporais, propondo alternativas para superá-los, com base na solidariedade, na justiça, na
equidade e no respeito” (BRASIL, 2017, p. 193).

Materiais necessários
Jornal, imagens de lutas de esgrima com seus diferentes tipos de espada, fita adesiva, barbante e
bexiga.

Aula 1
Estabelecendo diálogos
Pergunte aos alunos se algum deles pratica algum tipo de luta. Se sim, pergunte se eles conhecem
os preceitos dessas lutas. Em seguida, apresente aos alunos imagens referentes às modalidades de
esgrima e kendo, visando à sequência de aulas.
Experimentações
• Esgrima: cada aluno receberá uma folha de jornal e fita adesiva. A turma deve se reunir em
grupos e cada grupo terá acesso a uma imagem impressa dos tipos de espada pertencentes à
esgrima (florete, espada e sabre) e escolher uma das opções para construir um modelo com o
jornal. Após a espada ser construída, cada integrante do grupo receberá um balão, que será
enchido, e um rosto deve ser desenhado nele, para que represente um adversário. Com o bar-
bante, o aluno deverá prender o balão e golpeá-lo com sua espada, sabre ou florete.
Fechamento
• Pontue com a turma que nas próximas aulas serão realizadas ações de contato corporal entre
os colegas.
• Peça aos alunos que eles apresentem regras de conduta para que nesses encontros não haja
nenhum problema.
• Construa um painel para que os alunos estabeleçam essas regras. Em seguida, solicite a eles
que guardem as espadas, os floretes e os sabres para os próximos encontros.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 119


8 Educação Física e as lutas

8.3.4 Ensino Médio


Para o Ensino Médio, é possível associar conteúdos da unidade temática lutas à atuação
da mídia na sociedade. A discussão acerca das novas regras do boxe olímpico, que repercu-
tiu no Brasil e no mundo, é um exemplo para o debate em sala de aula. Para uma sequência
de aula, é interessante buscar outros assuntos ligados ao tema, destacando sua relação com
os principais meios de comunicação.

Tema
Influência da mídia nas lutas: análises sobre as mudanças no boxe olímpico.

Sujeitos
Alunos da 3ª série do Ensino Médio.

Objetivos
Conceituais
• Refletir sobre a influência midiática no que diz respeito às práticas corporais.
Práticos
• Analisar estratégias e táticas de movimentos corporais relacionados às lutas.
Relacionais
• Estabelecer com o grupo regras de conduta para a realização de práticas corporais relacionadas
às lutas.

Materiais necessários
Notícias e reportagens de veículos de comunicação, como jornais, revistas e páginas da web.

Aula 1
Estabelecendo diálogos
• Apresente diferentes matérias de jornais que abordem as mudanças ocorridas nas regras do
boxe para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016.
• Separe os alunos em dois grupos para que eles leiam essas reportagens.
Experimentações
• Júri simulado: um dos grupos deverá criar argumentos a favor das mudanças das regras para
os Jogos Olímpicos e destacar seus pontos positivos.
O outro grupo deve realizar o movimento contrário e pontuar fatores desfavoráveis a essa
mudança.
Fechamento
• Faça um levantamento com os alunos sobre as questões favoráveis e desfavoráveis que foram
estabelecidas no júri simulado e discuta sobre elas.
• Pergunte a eles se concordam ou discordam, agora que não estão mais na vivência, com os
argumentos ressaltados no momento do júri. Faça uma votação para identificar se a maioria é
a favor ou contra o que foi exposto no momento da vivência no júri.

120 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e as lutas 8
Conclusão

Neste capítulo, identificamos como as lutas foram historicamente organizadas e co-


nhecemos um pouco sobre as lutas orientais e ocidentais. Estabelecemos, também, diálogos
para a abordagem dessa temática no universo escolar, a fim de que os alunos percebam a
distinção entre luta e briga.
Além disso, verificamos maneiras de levar os alunos a refletir sobre as lutas em meio ao
contexto social e como abordá-las na escola. Essas ações reforçam que o movimento corporal
não pode ser realizado apenas com o objetivo de exercitação corporal, distante dos objetivos
escolares de cidadania e criticidade, sem a devida contextualização e problematização.
Por fim, apresentamos possibilidades de encaminhamento dessa prática corporal nas aulas
da Educação Infantil, do Ensino Fundamental (anos iniciais e anos finais) e do Ensino Médio.

Ampliando seus conhecimentos


Apresentamos a seguir um trecho do artigo “A separação dos conteúdos das ‘lutas’ dos
‘esportes’ na Educação Física escolar: necessidade ou tradição?”, de Luiz Gustavo Bonatto
Rufino e Suraya Cristina Darido, que propõem uma interessante discussão sobre se as lutas
pertencem ou não ao universo dos esportes, fazendo também uma revisão de literatura para
compreender as diferenças entre a concepção de luta e a de esportes.

A separação dos conteúdos das “lutas”


dos “esportes” na Educação Física escolar:
necessidade ou tradição?
(RUFINO; DARIDO, 2011, p. 1, 2, 14)

[...]

As modalidades de lutas, também denominadas de artes marciais, estão pre-


sentes na sociedade de diversas maneiras. Há diferentes práticas, cada uma
com suas especificidades, regras e normas. Há ainda muitos praticantes dessas
modalidades. Somente em relação ao judô, por exemplo, estima­-se haver no
Brasil cerca de dois milhões de praticantes (DA COSTA, 2006).

[...]

Contudo, as lutas ainda estão afastadas do ambiente escolar e, mesmo sendo


defendida por inúmeros autores e propostas curriculares, não são aplicadas
de maneira contínua e sistematizada, conforme alerta Carreiro (2005). O autor
afirma que dentre os conteúdos que podem ser apresentados na Educação

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 121


8 Educação Física e as lutas

Física escolar, as lutas são um dos que encontram maior resistência por parte
dos professores, com argumentos como: falta de espaço, falta de material, falta
de vestimentas adequadas e associação intrínseca às questões de violência
(CARREIRO, 2005).

[...]

Del’Vecchio e Franchini (2006) consideram que a dificuldade em tratar os con-


teúdos das lutas na escola deve-se, em grande parte, à formação do profissional
de Educação Física que, em muitos casos, frequenta uma graduação deficiente
em relação a esses conteúdos, restringindo-se a apenas uma modalidade (como
o judô ou a capoeira, por exemplo), ou às vezes sequer havendo a presença
desses conteúdos no ensino superior.

[...]

Compreender as lutas enquanto práticas esportivas é questão central para faci-


litar o entendimento desse fenômeno plural e abrangente, porém, deve-se des-
tacar que o ato de lutar pode transcender a visão esportiva destas práticas, até
mesmo por possuírem origens históricas diferentes. Entretanto, independen-
temente de serem classificadas ou não como modalidades esportivas, as lutas
possuem a sua importância e devem ser ensinadas aos alunos nas aulas de
Educação Física escolar, possibilitando que eles se apropriem deste importante
conteúdo da cultura corporal.

Atividades
1. Neste capítulo, foram apresentados elementos que mostram a importância em se
desenvolver a prática corporal das lutas na escola. Com suas palavras, descreva
esses elementos.

2. Conforme apresentado, as lutas podem ser divididas em orientais e ocidentais. Es-


colha uma modalidade de cada e pesquise características como origem, principais
golpes, materiais necessários, modalidades de competições e demais curiosidades.

3. No capítulo também demonstramos possibilidades para o planejamento do trabalho


com a temática das lutas nas aulas de Educação Física. Com base no que foi apre-
sentado, estabeleça um plano de aula para alunos do 9º ano do Ensino Fundamental.
Não se esqueça de relacionar os conteúdos com a aula anterior.

122 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e as lutas 8
Tema

Sujeitos
Alunos do 9º ano do Ensino Fundamental

Objetivos

Materiais necessários

Aula 2
Estabelecendo diálogos

Experimentações

Fechamento

4. Com base no que você aprendeu neste capítulo, justifique o porquê de não podermos
associar a luta ao contexto da violência ou briga.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 123


8 Educação Física e as lutas

Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Conselho
Nacional da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica. Brasília: MEC/SEB,
2013. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/docman/julho-2013-pdf/13677-diretrizes-educacao-
basica-2013-pdf/file>. Acesso em: 21 nov. 2017.
______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular.
Brasília: MEC/SEB, 2017. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/
BNCCpublicacao.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2017.
DAOLIO, J. Educação Física e o conceito de cultura. Campinas: Autores Associados, 2004.
DARIDO, S. C.; RUFINO, L. G. B. A separação dos conteúdos das “lutas dos esportes” na educação
física escolar: necessidade ou tradição? Pensar a Prática, Goiânia, v. 14, n. 3, p. 1-17, set./dez. 2011.
Disponível em: <https://www.revistas.ufg.br/fef/article/view/12202/10139>. Acesso em: 11 dez. 2017.
STUBBS, R. O livro dos esportes: os esportes, as regras, as táticas, as técnicas. Rio de janeiro: Agir, 2012.

Resolução
1. Essa é uma resposta pessoal, porém você deve mencionar que o trabalho com as
lutas é tão importante quanto o trabalho com outras práticas corporais, pois as lu-
tas, assim como as outras práticas, resultam da produção humana. É importante
mencionar também a relevância de se abordar esse conteúdo na escola, afinal, essa
instrução corresponde à nossa função social como professores, e o conteúdo de lutas
é obrigatório na Educação Básica. Assim, ignorá-lo é negligenciar um conjunto de
conhecimentos aos estudantes.

2. Escolha para pesquisa uma luta oriental e outra ocidental, componha a sua resposta
apresentando elementos que componham essas vivências, como origem, mudanças
das regras ao longo do tempo, curiosidades sobre as práticas, disseminação dela pelo
mundo, entre outros aspectos e curiosidades das lutas.

3. A resposta é de cunho pessoal, porém você deve apresentar possibilidades de encami-


nhamento didático que deem continuidade à proposta demonstrada no texto para a
aula 1 do Ensino Fundamental – Anos Finais. Relembre os objetivos preestabelecidos
para a sequência didática e releia as propostas pedagógicas sugeridas para essa pri-
meira aula. Pesquise possibilidades de vivências para a segunda aula e apresente-as.

4. Resposta pessoal. Você deve apresentar elementos que conceituem o contexto das
lutas apresentados no texto, ou seja, os propósitos, conceitos, valores, entre outros
aspectos estabelecidos. Esses elementos auxiliam na visualização de um sentido di-
ferente entre as lutas e as brigas – estas últimas têm como propósito único machucar
o adversário.

124 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


9
Educação Física e a dança

Neste capítulo, vamos refletir sobre o papel da dança na escola. Desde o estabeleci-
mento dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), em 1997, a dança se concretizou
como um dos conteúdos da Educação Física, pois ela é inerente à linguagem corporal
e permeada de símbolos e significados. Todavia, ainda há uma resistência por parte
de um grupo significativo de professores para abordar esse conteúdo, principalmente
por ainda considerarem as questões de gênero como uma barreira à prática da dança.

Além disso, a abordagem da dança na escola, na maioria das vezes, é feita com
base apenas na reprodução, que consiste em passos descontextualizados, para apre-
sentação em datas comemorativas. Portanto, a intenção aqui é apresentar os elementos
e as características dessa modalidade e propostas para um adequado planejamento
pedagógico, a fim de fornecer subsídios ao futuro professor de Educação Física.
O objetivo é proporcionar a compreensão da importância dessa prática e de seus diver-
sos conteúdos para a formação dos estudantes da Educação Básica.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 125


9 Educação Física e a dança

9.1 Elementos da dança


Vídeo
Quando pensamos em dança na escola, não é difícil recorrer à imagem da
“festinha” e da apresentação, ou seja, reduzi-la apenas a um evento. Marques
(2003) menciona que:
Neste mar de possibilidades, característico da época em que vivemos, talvez seja
este o momento mais propício para também refletirmos criticamente sobre a fun-
ção e o papel da dança na escola formal, sabendo que este não é – e talvez não
deva ser – o único lugar para se aprender dança com qualidade, profundidade,
compromisso, amplitude e responsabilidade. No entanto, a escola é hoje, sem
dúvida, um lugar privilegiado para que isto aconteça e, enquanto ela existir, a
dança não poderá continuar mais sendo sinônimo de “festinhas de fim de ano”.
(MARQUES, 2003, p. 17)
Se a escola é esse lugar privilegiado para realizar o ensino da dança, é preciso estabele-
cer como esse processo pode se materializar. Diante disso, defendemos que, como qualquer
outro elemento da cultura corporal, deve ser proposta a todos estudantes. É preciso superar
preconceitos, pois ainda prevalece a ideia de que ela é uma prática destinada apenas às me-
ninas. Ressaltamos que a dança é uma prática construída e reconstruída ao longo de nossa
história e, por isso, deve ser explorada, estudada, apropriada e compreendida por todos.
A escola pode tratar da dança tanto pela Arte quanto pela Educação Física. O que de
fato se conhece sobre essa prática? Como foi sua experiência pessoal na escola a respeito
desse conteúdo? Houve um estudo crítico e contínuo dessa temática ou ela era resumida a
experiências como festas juninas, apresentações para as famílias etc.?
A escola pode fornecer parâmetros para a sistematização e apropriação crítica, cons-
ciente e transformadora dos conteúdos específicos da dança, com o papel de instrumen-
talizar e construir conhecimentos, pois essa prática “é forma de conhecimento, elemento
essencial para a educação do ser social” (MARQUES, 2003, p. 24).
Diante disso, percebe-se que a dança supera o entendimento de um conjunto de passos
a serem reproduzidos, ganhando uma dimensão crítica, que transborda a mera dimensão
instrumental. Marques (2003) propõe questionamentos significativos para compreender tal
dimensão crítica:
Quais são, por exemplo, os ensinamentos em relação ao gênero contidos nos
movimentos da Quadrilha? O que as danças veiculadas pela televisão estariam
ensinando a nossas crianças sobre sexualidade? Em nossas salas de aula, o que
estaríamos ensinando sobre hierarquia e poder quando nos colocamos na frente
dos alunos e, virados de costas, mandamos que simplesmente nos sigam? Ou
ainda, que mensagens estariam ocultamente contidas no fato de o professor pri-
vilegiar as danças populares em detrimento do repertório pessoal de movimento
de cada aluno (mesmo que culturalmente construídos)? (MARQUES, 2003, p. 27)
É possível perceber, com base nesse conjunto de questões, que a dança não se resume a
ela mesma, pois pode suscitar reflexões sobre fatos sociais, preconceitos e outras situações.

126 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e a dança 9
Tendo isso em vista, cabe ao professor de Educação Física estabelecer em suas aulas um
ambiente democrático, de justiça, de cooperatividade e de afetividade, um espaço que pro-
voque os estudantes a refletir, pesquisar, comparar e desconstruir preferências, para agirem
de maneira crítica, visando à compreensão, desconstrução e à transformação de nossa reali-
dade social (MARQUES, 2003).
Vejamos a imagem a seguir. Ao analisá-la com um viés pedagógico, quais possíveis
questionamentos podemos suscitar?

Figura 1 – Dança para meninos e meninas.

Fonte: JackF/iSotckphoto

Algumas questões possíveis são:


• É possível a participação de meninos em aulas de dança?
• Podemos promover a inclusão étnico-racial por meio da dança?
• Quais tipos de dança podem ser abordados na escola?
A diversidade de reflexões e ações que a dança pode promover no ambiente escolar
é vasta; no entanto, isso dependerá dos objetivos que o professor deseja atingir com esse
processo, pois a atuação pedagógica pressupõe escolhas. Para a construção desse processo,
acatamos a sugestão de Maria Mommensohn e Lenira Rengel que, com base nos estudos de
Rudolf Laban1, recomendam a sistematização de quatro fatores dos movimentos corporais,
os quais podem ser apropriados e pensados pela dança, vejamos:

1 Rudolf Laban (1879-1958) “estudou os movimentos humanos e estabeleceu parâmetros para sua
leitura através de um sistema de análise que, se abordado corretamente, leva ao autoconhecimento e ao
desenvolvimento qualitativo das relações interpessoais” (MOMMENSOHN; RENGEL, 1992, p. 101).

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 127


9 Educação Física e a dança

Quadro 1 – Fatores de movimentos corporais apropriados e pensados pela dança.

Pode ser leve ou firme (ou forte ou pesado). O peso analisa o movimento em termos
Peso
da quantidade de força despendida para realizá-lo – é a energia do movimento.

Pode ser rápido ou lento (com nuances, por exemplo, rapidíssimo ou lentíssimo, o que
vale para o peso também). Esse fator indica em que timing o movimento se produz,
Tempo
ou seja, se ele é métrico (medidas de tempo) ou não métrico (respiração, batidas do
coração).
Pode ser direto ou flexível. Aponta o tipo de trajeto que o movimento traça no es-
Espaço
paço e como se dirige neste.
Pode ser livre ou controlada. Ela revela o fluxo do peso, do tempo e espaço, detec-
Fluência
tando-os em várias atividades biológicas do homem.

Fonte: MOMMENSOHN; RENGEL, 1992. Adaptado.

O estudo da dança na escola parte do pressuposto de um aprofundamento das possibilida-


des de movimentações corporais, com seus respectivos fatores (peso, tempo, espaço, fluência),
indo ao encontro do repertório próprio dos alunos, a fim de construir novos sentidos a eles.
Com base nas informações do Quadro 1, podemos fazer com que os alunos reflitam
sobre os diferentes tipos de movimentos corporais. Por exemplo, sobre o peso, que se refere
à intensidade de força para cada ação corporal, como leve e pesado; sobre o tempo para a
ação corporal, que pode ser rápido, devagar, intercalado, entre outros. O espaço que a ação
corporal atinge também pode ser abordado, com base em direcionamentos, como à frente,
atrás e diagonal. Por fim, é válido discutir a fluência desse movimento, que pode ser livre
ou controlada.
Nessa perspectiva, Barreto (2004) denomina tais ações de atitudes dançantes, como de-
monstrado no quadro a seguir:

Quadro 2 – Atitudes dançantes.

Consiste na liberação da imaginação durante o processo educacional. O improviso é


fundamental para que o indivíduo tome contato e aprenda a lidar com os seus ques-
Improvisar tionamentos, ideias, pensamentos, fantasias, sonhos e com todo o universo simbó-
lico que lhe é próprio. Enquanto improvisa, o vaivém de sentimentos, pensamentos
e ações coloca o indivíduo diante de sua essência e dos caminhos da sua existência.
Momento de selecionar os elementos e de fazer tentativas para responder aos ques-
tionamentos elencados durante a improvisação, discriminando o que se tornou
significativo para o educando. A atitude de compor ocorreria, a princípio, solitaria-
mente, para que o educando fosse capaz de encontrar os seus próprios caminhos.
Compor
Por meio da composição ocorre o processo de construção de conhecimento, que
conduz o indivíduo do âmbito sensível ao racional. Assim, o ato de conhecer passa
a ser uma conquista significativa para o indivíduo que encontrou um espaço para
ser e, por isso, é capaz de sentir, pensar e agir no mundo em que vive.

128 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e a dança 9
É o momento em que os educandos e educadores, juntos, estimam, admiram, pre-
zam, avaliam e até julgam o processo de aprendizagem, bem como os conhecimentos
elaborados e compartilhados. Na apreciação, são apontados os crescimentos, as di-
Apreciar
ficuldades, as conquistas, as falhas, enfim, são detectados os limites ultrapassados e
os obstáculos que não foram vencidos. Ela não tem um sentido de excluir pessoas do
processo educacional.
Usufruir do prazer de criar, aprender e compartilhar conhecimentos. Com a pro-
posição da atitude do fruir, é possível devolver à escola e à educação o sentido
do prazer. O que diferencia a atitude de apreciar da fruição é que a primeira está
Fruir totalmente vinculada ao ato de desfrutar, gozar e se deleitar com o processo de
construção de conhecimentos, enquanto a segunda se relaciona mais diretamente à
avaliação, envolvendo os atos de discriminar, reconhecer, identificar, julgar, enfim,
de avaliar os elementos desse processo.

Fonte: BARRETO, 2004, p. 45-48. Adaptado.

O trabalho com a dança exige do professor uma aproximação dos estudantes para com-
preender seus repertórios pessoais. É importante que o aluno perceba as possibilidades de
movimentações corporais ao dançar e como ele pode se comunicar ao realizar tais movimen-
tos expressivos. Os elementos apresentados no Quadro 2 auxiliam o aluno nesse processo,
pois compreender o que se refere às intenções de improvisar, compor, apreciar e fruir auxi-
liará no processo de conhecimento sobre essa prática e suas relações com o universo social.
Desse modo, é necessário criar oportunidades para que tanto o aluno quanto o pro-
fessor percebam no processo criativo da dança elementos próprios de sua cultura em uma
prática que por si só é comunicativa, expressiva e cultural. Tudo isso em uma construção
coletiva, dialógica e próxima das realidades dos sujeitos envolvidos.

9.2 Que dança ensinamos na escola?


Vídeo
A seguir, debateremos sobre quatro questões fundamentais para com-
preender o ensino dessa unidade temática na escola: a dança como expressão
e não como cópia; seus aspectos culturais; a relação entre dança e a indústria
cultural; e os saberes sobre e da dança.

9.2.1 A dança como expressão e não como cópia


A dança é uma manifestação entendida como linguagem, por revelar um caráter comu-
nicativo. Nesse sentido, o que desejamos na escola não é aquela que reproduz o movimento
pelo movimento, mas sim aquela que possibilita aos estudantes criações, expressões e novas
significações, em um contexto reflexivo.
Diante disso, a dança pode promover investigações em que os sujeitos explorem ele-
mentos que remetam aos fatores de movimento e atitudes dançantes já mencionados. Como
exemplo, podemos citar as danças pertencentes ao movimento hip-hop (break dance, locking,
popping etc.), que, além de fazerem parte do repertório de alguns jovens, representam uma

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 129


9 Educação Física e a dança

forma de comunicação corporal inserida em um contexto social significativo. Desse modo,


podemos dizer que todos os tipos de dança têm uma significação em meio à realidade socio-
cultural, incluindo o ambiente escolar.

9.2.2 Conhecer, manter e reorganizar a cultura


A dança – assim como os demais elementos da cultura corporal – possui especificidades
próprias, revela aspectos históricos dos povos que a originaram, bem como da sociedade de
cada época. No entanto, esses elementos históricos não devem ser apresentados de maneira
“não relacional, morta e passada” (MARQUES, 2003, p. 161), pois o objetivo da educação é ofe-
recer condições para que o aluno tenha a capacidade de posicionar-se como cidadão, ampliar
conhecimentos que já possuía e formalizá-los. Marques (2003) chama atenção para o fato de que
Nem sempre o conhecimento da história ou das danças garante aos alunos
traçar caminhos próprios e que intervenham e contribuam para a participação
crítica do indivíduo na sociedade. A história que não serve como interlocutora
entre a dança e a sociedade atual, a dança e o indivíduo que dança, entre a dan-
ça e o meio em que esta dança está sendo interpretada é inútil em um processo
que se pretende crítico e transformador. (MARQUES, 2003, p. 161)
Nesse sentido, conhecer a história e a dança, relacioná-las ao contexto atual e realizar
uma reflexão crítica na escola mediante esses conhecimentos permitem a transformação da
própria realidade dos alunos, isto é, uma transformação por meio da educação.

9.2.3 Dança e indústria cultural: o distanciamento da


cultura regional
Aqui, propomos uma importante discussão acerca da pluralidade do universo da dan-
ça. Se levarmos em consideração a imensidão geográfica de nosso país, encontramos em
todas as suas regiões uma variedade de danças, no entanto, há aquelas que acabam sendo
mais valorizadas e têm muito mais visibilidade do que outras. Algumas são temas de co-
reografias nas escolas, muitas vezes sem uma análise prévia sobre a sua adequação para o
contexto educacional.
Isso se deve em parte ao fato de que os meios de comunicação de massa, muitas vezes
ao optarem por um único referencial de representação cultural, excluem o amplo repertório
de manifestações artísticas existentes.
Nesse sentido, o conceito de indústria cultural2 – empregado por Theodor W. Adorno
(1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973) – é pertinente para compreendermos as con-

2 O conceito de indústria cultural foi cunhado em 1940 por Theodor Adorno, em coautoria com
Marx Horkheimer, na obra Dialética do esclarecimento, substituindo a expressão “cultura de massa”,
que causava certa ambiguidade ao sugerir um sentido de uma cultura nascida espontaneamente das
camadas populares. As críticas feitas pelos frankfurtianos à indústria cultural visam mostrar como
na sociedade moderna a cultura transformou-se em uma grande força capaz de transmutar a arte em
mercadoria (SANTOS, 2014, p. 1).

130 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e a dança 9
dições de produção e reprodução social relacionadas à “mercadorização da cultura – sua
banalização e reificação [...] produzidas na esfera da circulação e do consumo, para o entre-
tenimento e ocupação do ‘tempo livre’” (VAZ, 2003, p. 63-64).
Em contraposição a essa visão da cultura como mercadoria, a escola tem o importante
papel de proporcionar a reflexão crítica acerca da supervalorização e visibilidade (ou não)
das danças na mídia e nos diferentes contextos sociais.

9.2.4 O saber sobre a dança e o saber da dança


Um aspecto que permeia toda a discussão sobre o tema deste capítulo é a relação intrín-
seca entre o saber sobre dança e o saber da dança.
Saber sobre a dança consiste em conhecer os elementos que a formam, como seu histórico
e o contexto em que ela está inserida, é, também, refletir criticamente sobre os efeitos sociais
produzidos pela indústria cultural no que diz respeito a essa prática.
O saber da dança apresenta subsídios para que o estudante compreenda as possibilida-
des de movimentos a serem criados e/ou compostos. Dessa forma, o movimento é uma for-
ma de estudo a ser explorada. Por meio desses saberes, algumas possibilidades de temáticas
podem ser estabelecidas para a dança, como: as de expressão corporal; as regionalizadas; as
de salão; as contemporâneas; as referentes à cultura infantil, do adolescente e do jovem; as
folclóricas; as de espetáculo; as da moda; e as promovidas pela indústria cultural.
Vejamos, a seguir, algumas possibilidades para a prática pedagógica desse conteúdo
na escola.

9.3 Dança: possibilidades para a prática


pedagógica
Vídeo
Após discutirmos acerca do papel da dança na escola, apresentamos a
seguir, sugestões para organização pedagógica e planos de aula, a serem pen-
sadas em um contexto mais amplo de ensino-aprendizagem e de modo se-
quencial, conforme já demonstramos em capítulos anteriores.

9.3.1 Educação Infantil


Para o trabalho com a dança na Educação Infantil, uma possibilidade é trabalhar os
movimentos corporais atrelados ao cotidiano das crianças. Podem ser apresentadas a elas
imagens, músicas e experimentações que estejam relacionadas à movimentação do corpo
nessa faixa etária.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 131


9 Educação Física e a dança

Tema
Meu corpo pode fazer muitas coisas.

Sujeitos
Crianças com idades entre 4 anos e 5 anos.

Objetivos

Conceituais
• Identificar possibilidades de movimentos corporais relacionando-os com os movimentos do
cotidiano.
Da prática
• “Criar movimentos, gestos, olhares, mímicas e sons com o corpo em brincadeiras, jogos e ativi-
dades artísticas como dança, teatro e música” (BRASIL, 2017, p. 42).
Relacionais
• “Demonstrar valorização das características de seu corpo, nas diversas atividades das quais
participa e em momentos de cuidado de si e do outro” (BRASIL, 2017, p. 42).

Materiais necessários
Aparelho de som, músicas adequadas ao repertório da cultura infantil e imagens de obras de arte.

Aula 1
Estabelecendo diálogos
Mostre às crianças imagens de obras de arte que representem sentimentos e sensações diferen-
tes – tristeza, alegria, choro, cansaço etc. Para esse trabalho, é importante fazer uma pesquisa
prévia sobre os sentimentos e expressões humanas. A intenção é promover situações em que as
crianças percebam quais sentimentos podem ser expressos sem utilizar a fala como recurso.
Experimentações
• Estátua: nessa atividade, coloque uma música para tocar, deixe as crianças se movimentarem
livremente e diga que, quando a música parar, elas deverão permanecer estáticas. Ao parar a
música, apresente aos alunos uma das imagens de obra de arte, porém não comente sobre ela.
As crianças deverão tentar reproduzir a imagem indicada.
• Escultura e escultor: divida a turma em duplas e proponha dois papéis: um integrante deve
ser o escultor e outro deve ser a escultura. O escultor deve movimentar sua argila (no caso, a
outra criança), para que ganhe forma. Em seguida, mostre à turma uma das imagens de obra
de arte e coloque uma música para tocar. Nesse momento, a dupla (escultor e escultura) deve
dançar conforme o ritmo da música, movimentando-se de acordo com a imagem apresentada.
Fechamento
Dialogue com as crianças sobre o que elas sentiram na realização das atividades. Além disso, per-
gunte como elas se expressam quando ficam felizes, tristes, bravas, com medo e outros sentimentos
e/ou expressões do dia a dia.

132 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e a dança 9
9.3.2 Ensino Fundamental – Anos Iniciais
Para os anos iniciais do Ensino Fundamental, podem ser trabalhados os elementos
constitutivos – ritmo, espaço e gestos – das danças regionais e comunitárias. Essas dimen-
sões devem ser abordadas sempre com a valorização das culturas regionais.

Tema
O improviso como possibilidade na dança.

Sujeitos
Alunos do 1º ano do Ensino Fundamental.

Objetivos
Conceituais
• “Identificar os elementos constitutivos (ritmo, espaço, gestos) das danças do contexto comu-
nitário e regional, valorizando-as, sem preconceitos de qualquer natureza” (BRASIL, 2017,
p. 225).
Da prática
• “Experimentar e fruir diferentes danças do contexto comunitário e regional (rodas cantadas,
brincadeiras rítmicas e expressivas), e recriá-las, respeitando as diferenças individuais e de
desempenho corporal” (BRASIL, 2017, p. 185).
Relacionais
• Apresentar possibilidades de diferentes tipos de gestos e respeitar a opinião dos colegas.

Materiais necessários
Bolas (uma para cada aluno).

Aula 1
Estabelecendo diálogos
Converse com as crianças sobre quais brinquedos elas conhecem e com quais deles elas mais gos-
tam de brincar. Com base no que elas responderem, pergunte de quais maneiras é possível brincar
com esses brinquedos.
Experimentações
• Brincando de ser bola e brincando com a bola: um dos brinquedos mais comuns entre as crian-
ças é a bola. Pergunte a elas quais movimentos podemos fazer com uma bola, por exemplo:
◦ rolar;
◦ quicar;
◦ girar;
◦ ficar parado.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 133


9 Educação Física e a dança

Encaminhe uma ação de cada vez, de modo que a criança reproduza cada um desses movimentos.
Na segunda parte da aula, entregue uma bola para cada criança, pode ser de diversos tamanhos.
Peça para elas colocarem em prática as ações estabelecidas anteriormente e, em seguida, fazerem o
movimento simultaneamente com a bola – isto é, se a bola estiver quicando, a criança deverá saltar
junto dela, e assim por diante.
É possível colocar músicas para tocar durante a atividade, contanto que sejam selecionadas com o devido
cuidado e adequadas à faixa etária das crianças.
Fechamento
Questione e converse com as crianças:
• Houve algum movimento que foi difícil de realizar?
• A experiência foi divertida?
• Quais partes do nosso corpo movimentamos, por exemplo, quando estamos quicando como
uma bola?

9.3.3 Ensino Fundamental – Anos Iniciais


Na etapa dos anos finais do Ensino Fundamental, pode ser feito um trabalho pedagógi-
co abordando as danças urbanas. É interessante propor atividades em que os alunos possam
distinguir os diferentes tipos de danças e identificar seus elementos constitutivos.

Tema
Explorando os apoios na dança.

Sujeitos
Alunos do 9º ano do Ensino Fundamental.

Objetivos
Conceituais
• “Diferenciar as danças urbanas das demais manifestações da dança, valorizando e respeitan-
do os sentidos e significados atribuídos a elas por diferentes grupos sociais” (BRASIL, 2017,
p. 191).
Da prática
• “Experimentar e fruir danças urbanas, identificando seus elementos constitutivos (ritmo, espa-
ço, gestos)” (BRASIL, 2017, p. 191).
Relacionais
• Contribuir com sugestões na criação de movimentos corporais, bem como respeitar as opiniões
de outrem.

Materiais necessários
Giz de quadro-negro colorido e materiais para confecção dos dados.

134 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e a dança 9
Aula 1
Estabelecendo diálogos
Inicie a aula apresentando à turma um vídeo que retrate o break, estilo de dança do hip-hop. Sugestão:
vídeos no YouTube do canal Break The Floor, prestigiado evento anual de break dance1.
É importante discorrer sobre as características do movimento hip-hop e contextualizá-lo aos alu-
nos. Você pode apresentar imagens de expressões do movimento, como o grafite, o break dance e o
rap. Pergunte aos alunos:
• Vocês sabem o que é o hip-hop?
• Quais elementos dessa cultura vocês conhecem?
• Vocês já praticaram alguma dança desse movimento? Se sim, qual?
Experimentações
• Jogo de twister: confeccione oito dados grandes, quatro para as partes do corpo e outros quatro
para as cores. No dado que representa o corpo, cole em cada face imagens de partes do corpo:
pé direito, pé esquerdo, mão direita, mão esquerda, joelho e cotovelo. No outro dado, organize
de acordo com cores: azul, verde, vermelho, amarelo e dois coringas. Divida a turma em quatro
grupos. Sugira que cada grupo desenhe no chão seu “tapete” para jogar twister. O tapete deve
conter seis círculos sequenciais, em quatro fileiras. Cada sequência de seis círculos deve ser da
mesma cor, totalizando quatro cores (quatro fileiras).
Figura 2 – Jogo de twister.

Fonte: yulyao/iStockphoto

O grupo define a ordem dos jogares para lançar os dados. Cada jogador deve seguir as ações esta-
belecidas nos dados. Quem encostar no chão alguma parte do corpo que não foi prevista nos dados
é eliminado. Vence aquele que permanecer mais tempo nos apoios sugeridos. Após todos jogarem,
inicia-se uma nova rodada.

3 Disponível em: <https://www.youtube.com/channel/UCSl5eNqQcS4O1XZpZO0KbsQ>. Acesso


em: 5 mar. 2018.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 135


9 Educação Física e a dança

Fechamento
• Pergunte aos alunos se as regras do jogo foram acatadas. Além disso, questione se o espaço do
colega foi respeitado.
• Discuta com os alunos se eles conseguiram identificar relações entre os apoios dos dançarinos
visualizados no vídeo e os apoios do jogo.

9.3.4 Ensino Médio


Para os alunos do Ensino Médio, temas relacionados à indústria cultural são pertinentes
para a abordagem da dança nas aulas de Educação Física.

Tema
Dança e indústria cultural.

Sujeitos
Alunos da 3ª série do Ensino Médio.

Objetivos

Conceituais
• Identificar danças que fazem parte do repertório pessoal, relacionando-as com os repertórios
propostos pela indústria cultural.
Da prática
• Criar composições corporais expressivas com base em uma temática proposta.
Relacionais
• Colaborar nas proposições em grupo, respeitando as opiniões dos colegas.

Aula 1

Estabelecendo diálogos
Peça aos alunos que, por meio de seus celulares, selecionem videoclipes coreografados de canções
bastante difundidas pelas mídias. É importante que você faça uma avaliação diagnóstica a respeito
dos conhecimentos prévios dos estudantes, de seus repertórios em relação a essas expressões mi-
diáticas. Além disso, é fundamental discutir sobre como essas canções coreografadas fazem parte
de nosso cotidiano mais do que outras. Deixe claro aos alunos que essas escolhas são explicadas
pelo fenômeno da indústria cultural.
Experimentações
Peça aos alunos que se dividam em grupos de seis integrantes e assistam aos vídeos selecionados
por eles. Eles devem analisar todos os vídeos, observando os movimentos corporais coreográficos
em cada uma das músicas. Em seguida, solicite que eles escolham apenas um dos videoclipes e
elaborem uma sequência de movimentos diferente da apresentada no vídeo escolhido.

136 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e a dança 9
Fechamento
Discuta com os estudantes como foi a experiência de se apropriar de algo pronto e criar algo
novo. Para isso, proponha a leitura do excerto a seguir:

Quem dança seus males...


(FUGIKAWA; GUASTI, 2006, p. 198)
[...]

A não reflexão sobre o movimento o torna mecanizado/automatizado, e


romper com isso não é fácil, não é?

Pois essa é a lógica da indústria cultural que é fruto do sistema capitalista, no


qual estamos inseridos. E o objetivo é a venda de mercadorias produzidas em
series e em larga escala, que muitas vezes movimentam cifras fabulosas, como
é o caso, por exemplo, de muitas músicas, CDs, filmes, clipes, entre outros.

Os consumidores dessas mercadorias são convencidos de que precisam e


devem comprá-las pelos meios de comunicação de massa, que criam a falsa
necessidade nas pessoas de consumir estes produtos. A propaganda cria
necessidades e faz com a maioria das pessoas não reflitam, tornando-as con-
sumidoras passivas dos produtos divulgados. Isso acontece, também, com
muitas danças, criadas apenas para atrair o público a consumir os produtos
que a ela se vinculam.

[...]

Vamos relembrar as coreografias criadas para os bailarinos executarem


durante seus shows, principalmente quando se trata dos estilos musi-
cais como o funk e o axé. De acordo com os autores Sborquia e Gallardo
(2002, p.  112), normalmente as coreografias se constituem de movimentos
que “vulgarizam” e expõem o corpo, enfatizando “movimentos copulató-
rios e muito sugestivos”. Tais comportamentos podem sugerir que estamos
vivendo numa sociedade cuja única preocupação está na busca do prazer
e da satisfação pessoal, “mesmo que seja a qualquer preço”, ou um preço
muito barato, mascarando outras dimensões como a beleza, a arte, o prazer
e a estética, por exemplo.

Devemos repetir coreografias como esses estilos de danças? Devemos dan-


çar conforme a música? Ou será que é possível dançar considerando as expe-
riências que cada indivíduo viveu, tendo em conta o grupo ao qual pertence,
suas possibilidades de movimento e expressando- se de maneira própria?

[...]

Esse texto também pode ser abordado em aulas futuras.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 137


9 Educação Física e a dança

Conclusão
É fato que ainda precisamos superar muitos desafios no ensino de dança na escola.
Entre esses, podemos destacar a necessidade de não reduzir essa unidade temática a uma
perspectiva simplista de reprodução de passos coreografados e repetitivos. Além disso, é
importante romper estereótipos em relação a essa prática, e isso pode ser feito pela inclusão
de todos nas atividades, independentemente de questões de gênero.
Com essa visão, apontamos aqui a necessidade de conhecer a dança e seus diversos as-
pectos, o que se torna precedente essencial para um planejamento de aula. Essa abordagem,
além de possibilitar criações de movimentos expressivos, isto é, ter a intenção de comunicar
algo, levará os estudantes à reflexão sobre essa prática corporal na sociedade.

Ampliando seus conhecimentos


Leia a seguir um excerto da obra Dançando na escola (1997), de Isabel Marques, impor-
tante pesquisadora sobre o ensino da dança na escola. A autora discorre sobre a concepção
de dança reduzida à reprodução de movimentos, que permeou a Educação Física escolar
por muito tempo, e discute o desenvolvimento desse conteúdo na escola de modo a condu-
zir os estudantes a refletir criticamente sobre essa prática.

Dançando na escola
(MARQUES, 1997, p. 20-21)

[...]

Felizmente, desde que Roger Garaudy (1989) pessimisticamente declarou ser


a dança o “primo pobre da educação”, o parentesco desta linguagem artística
com as demais disciplinas do currículo já foi bastante alterado. No Brasil, tenho
notado nos últimos anos a preocupação de nossos educadores e legisladores
em pelo menos mencionar a dança em seus trabalhos e programas.

[...]

Mesmo assim, como em várias partes do mundo, persistem no Brasil alguns


“desentendimentos” sobre o campo de conhecimento da dança que já foram,
vamos dizer, “resolvidos”, em outras áreas do conhecimento como a matemá-
tica, a geografia, a física: na escola, em que disciplina a dança seria ensinada?
Artes? Educação Física? Será que estaria na hora de pensarmos uma disciplina
exclusivamente dedicada à dança? Ou ainda, será que deveríamos deixar o
ensino de dança à informalidade das ruas, dos trios elétricos, dos programas de
auditório, dos terreiros, da sociedade em geral? Mas o que é afinal a dança na
escola? Área de conhecimento? Recurso educacional? Exercício físico? Terapia?

138 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e a dança 9
Catarse? E... quem estaria habilitado para ensinar dança? [...]. Enfim, que
nome daríamos à “dança da escola”? Expressão Corporal? Dança Educativa?
Educação pelo/do/no movimento? Entre tantos outros que escutamos por aí.

[...]

Apesar de na era do “politicamente correto” falarmos de pré-conceitos possa


parecer coisa do passado, ou até mesmo um assunto repetitivo e maçante, o
ensino de dança ainda é recoberto por esta densa camada de pensamentos e
ideias em relação à sua “natureza”. O forte pré-conceito em relação à dança
é um motivo, inclusive, para muitos professores(as) darem outros nomes às
suas atividades com a dança (“expressão corporal”, “educação pelo/do movi-
mento”, “arte e criação”, “movimento e criação”, etc.) que, em última instância,
mascaram suas intenções e, ao mesmo tempo, permitem que um número maior
de alunos(as) tenha acesso a ela.

[...]

Neste mar de possibilidades característico da época em que estamos vivendo,


talvez seja este o momento mais propício para também refletirmos criticamente
sobre a função/papel da dança na escola formal, sabendo que este não é – e
talvez não deva ser – o único lugar para se aprender dança com qualidade, pro-
fundidade, compromisso, amplitude e responsabilidade. No entanto, a escola
é hoje, sem dúvida, um lugar privilegiado para que isto aconteça e, enquanto
ela existir, a dança não poderá continuar mais sendo sinônimo de “festinhas de
fim-de-ano”.

[...]

Atividades
1. Como foram suas experiências com o conteúdo da dança nas aulas de Educação Fí-
sica? Você conheceu diversas danças? Reproduziu alguma delas? Realize um breve
relato acerca dessas questões.

2. Com base na organização de fatores de movimentos corporais proposta por Rudolf


Laban (exposta na seção 9.1, “Elementos da dança”), discorra sobre os aspectos apre-
sentados pelo autor e qual a sua aplicabilidade para a dança.

3. Quais são as “atitudes dançantes” apresentadas por Debora Barreto (2004)? Reali-
ze uma breve descrição de cada uma e destaque, em sua visão, pontos que consi-
dera importantes.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 139


9 Educação Física e a dança

4. Quais são os fatores necessários para se repensar o ensino da dança nas aulas de
Educação Física? Responda com base na seção 9.2 (“Qual dança ensinamos na esco-
la?”) deste capítulo.

Referências
BARRETO, Débora. Dança...: ensino, sentidos e possibilidades na escola. Campinas: Autores
Associados, 2004.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular.
Brasília: MEC/SEB, 2017. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/download-da-bncc/>.
Acesso em: 20 nov. 2017.
FUGIKAWA, Claudia Sueli Litz; GUASTI, Mauro. Quem dança seus males... In: PARANÁ. Secretaria
do Estado da Educação. Educação Física: Ensino Médio. 2. ed. Curitiba: SEED-PR, 2006. Disponível
em: <https://pt.scribd.com/doc/6280335/Apostila-SEED-Educacao-Fisica>. Acesso em: 14 dez. 2017.
MARQUES, Isabel. Dançando na escola. São Paulo: Cortez, 2003.
______. Dançando na escola. Motriz, Rio Claro, v. 3, n. 1, jun. 1997. Disponível em: <http://www.
rc.unesp.br/ib/efisica/motriz/03n1/artigo3.pdf>. Acesso em: 29 jan. 2018.
MOMMENSOHN, Maria; RENGEL, Lenira Peral. O corpo e o conhecimento: dança educativa. Série
Ideias, São Paulo, n. 10, 1992. Disponível em: <http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias_10_
p099-109_c.pdf>. Acesso em: 14 dez. 2017.
VAZ, Alexandre Fernandes. Corpo, educação e indústria cultural na sociedade contemporânea: notas
para reflexão. Pro-Posições, Campinas, v. 14, n. 2, maio/ago. 2003. Disponível em: <https://periodicos.
sbu.unicamp.br/ojs/index.php/proposic/article/view/8643886/11356>. Acesso em: 14 dez. 2017.

Resolução
1. Essa é uma resposta pessoal, no entanto, é preciso relatar suas experiências como
aluno e realizar uma reflexão crítica de como a unidade temática danças era aborda-
da em sala de aula. Além disso, realize um comparativo dessas experiências com o
que é proposto neste capítulo.

2. Você deve compor a resposta com suas próprias palavras, no entanto, é necessário
apresentar os quatro fatores de Rudolf Laban, de acordo com o Quadro 1, “Fatores
de movimentos corporais apropriados e pensados pela dança” (seção 9.1).

3. Para responder a essa questão, você deve discorrer de modo resumido sobre os qua-
tro fatores dançantes, também apresentados na seção 9.1 (Quadro 2). Não se esqueça
de destacar a importância desses fatores para o ensino da dança nas aulas de Edu-
cação Física.

4. Nessa questão, você deve apresentar os quatro elementos fundamentais para a d


­ ança
– dança como expressão e não como cópia; conhecer a cultura; relação entre dança e
indústria cultural; e saberes sobre a dança – e os relacioná-los a questões pertinentes
para o ensino da dança na escola.

140 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


10
Educação Física e o esporte

Neste último capítulo do livro, trataremos da temática do esporte. Primeiramente,


faremos uma análise do fenômeno esporte como produtor de relações de exclusão dos
sujeitos, pois seu foco está no resultado e na performance, fato que inviabiliza sua prática
por aqueles considerados menos aptos. Diante disso, propomos uma reflexão sobre o
esporte que se almeja na escola e afirmamos a necessidade de se discutir o esporte da
escola versus o esporte na escola.

Na sequência, discutiremos sobre as estruturações curriculares que a unidade


temática esporte pode envolver. Para essa discussão, recorremos a algumas das cate-
gorias sugeridas pela Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017).

Por fim, sugerimos algumas propostas possíveis de planejamentos pedagógicos


com o esporte, organizadas para cada etapa de ensino da Educação Básica, do mesmo
modo como realizamos nos capítulos anteriores.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 141


10 Educação Física e o esporte

10.1 Caminhos para a superação de práticas


excludentes no ambiente escolar
Vídeo
Para iniciarmos essa discussão, lembre-se de como foi sua experiência es-
colar com o conteúdo de esporte nas aulas de Educação Física. Como era sua
participação nessas aulas? Você era escolhido por seus colegas para integrar
seus times ou ser seus pares nas práticas? Você se sentia bem ao realizar as
práticas? Já sentiu constrangimento em algum momento ou percebeu alguém
que, por não ter habilidade como outros colegas, passava por situações constrangedoras?
Ainda que essas situações não tenham sido parte da sua experiência pessoal, de al-
gum modo você pode tê-las presenciado, pois o esporte ainda é um dos conteúdos mais
predominantes nas aulas de Educação Física. Por muito tempo, o foco do esporte não foi a
busca do aprendizado, mas sim o desenvolvimento de aptidões físicas e condições corporais
que favorecessem a alta performance. Com base nessa perspectiva, foi instituído, no auge da
Ditadura Militar, o Decreto n. 69.450, alinhado aos interesses da época, que tinha a intenção
de desenvolver o esporte em uma perspectiva de alto desempenho, bem como treinar atletas
para que representassem o país em grandes competições mundiais.
Esses objetivos não estão em consonância com a perspectiva de educação atual: hoje, a
educação visa à inclusão de todos, considerando suas potencialidades e limitações.
Mas, afinal, o que é o esporte? Entre as práticas corporais, é a mais difundida, tanto que
as outras se “esportivizam” para terem maior espaço nos meios de comunicação e atraírem
mais recursos financeiros. É o caso da capoeira, da ginástica rítmica, da ginástica artística,
do boxe, entre outros.
Diante de uma lógica em que a referência para ser bem-sucedido é competir, vencer, ser
o melhor e se destacar, os sujeitos que não se enquadram nessa prática acabam ficando para
trás. Para isso, investe-se em treinamentos e em uma estrutura que envolve disciplina rígida
e desempenhos técnico-táticos, sempre com o propósito de superar o adversário.
A fim de romper com esse paradigma, é na escola que surgem as possibilidades de
compreender a estruturação do esporte na sociedade e também de ressignificá-lo. A partir
da década de 1980, houve a preocupação de se superar a perspectiva que afirmava o desen-
volvimento da aptidão física na escola. González (2012) destaca que além da necessidade de
orientar a prática de ensino de acordo com a função social da escola, era preciso
tornar visível parte do legado a ser transmitido pela Educação Física e assumir
sua condição de matéria de ensino, de componente curricular, de disciplina es-
colar. Explicitar, portanto, o conjunto de saberes sobre o mundo que lhe diz res-
peito para, então, sistematizar o que deve ser estudado pelos alunos na escola.
(GONZÁLES, 2012, p. 41)

142 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e o esporte 10
Diante do exposto, é importante discutir sobre a concepção de esporte que queremos na
escola. Essa concepção deve estar em conformidade com os objetivos educacionais e favore-
cer a participação de todos em uma perspectiva inclusiva, que propõe ao professor planejar
as aulas de maneira mais envolvente e leva em consideração as limitações e possibilidades
dos alunos. Além disso, é preciso propiciar meios para que os estudantes repensem a ênfase
dada à competição esportiva, bem como mostrar outras possibilidades de participação, com
foco no processo e não no resultado final.
Analise as figuras a seguir. O que há em comum entre elas? Situações características do
esporte na sociedade ou na escola estão presentes?

Figura 1 – A exclusão no espaço escolar.

Fonte: jsteel77/iStockphoto Fonte: Steve dkiethr/iStockphoto

Nas duas imagens, fica evidente a exclusão: de um lado, um menino e, do outro, uma
menina. Quantas vezes você percebeu alguns meninos de fora de um jogo, porque não apre-
sentavam determinadas habilidades diante dos outros? Ou meninas que ficavam de fora das
práticas simplesmente por serem meninas?
Quando entendemos a importância do esporte na sociedade e na escola, passamos a
compreendê-lo e ressignificá-lo pedagogicamente e não o negar ou excluir. Concordamos
com Tarcísio Vago (1996) quando diz que a escola não pode ficar alheia ao processo de
consolidação do esporte como prática cultural da sociedade moderna, sendo também
“eleito (ou imposto?) como algo a ser ensinado” (VAGO, 1996, p. 10).
Nesse processo, observamos uma tensão entre o esporte da escola e o esporte na escola,
como pontua Valter Bracht (1992, p. 22):
A Educação Física assume os códigos de uma outra instituição [a instituição
esportiva], e de tal forma que temos então não o esporte da escola e sim o esporte
na escola, o que indica a sua subordinação aos códigos/sentidos da instituição es-
portiva. O esporte na escola é um prolongamento da própria instituição esportiva.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 143


10 Educação Física e o esporte

Os códigos da instituição esportiva podem ser resumidos em: princípio do ren-


dimento atlético-desportivo, competição, comparação de rendimentos e recor-
des, regulamentação rígida, sucesso esportivo e sinônimo de vitória, racionali-
zação de meios e técnicas. O que pode ser observado é a transplantação reflexa
destes códigos do esporte para a Educação Física. Utilizando uma linguagem
sistêmica, poder-se-ia dizer que a influência do meio ambiente (esporte) não
foi/é selecionada(filtrada) por um código próprio da Educação Física, o que de-
monstra sua falta de autonomia na determinação do sentido das ações em seu
interior. (grifos nossos)
Fundamentados nessa proposição, defendemos a necessidade de melhor compreender
como o esporte se estabelece dentro da escola. As práticas devem promover valores como
respeito, solidariedade, cooperação e afetividade , além de considerar o contexto escolar em
que são inseridas, permitindo a reflexão crítica dos estudantes.
É fato que ainda há dificuldades em se desenvolver a unidade temática esporte em-
basada em princípios voltados à formação humana. Para ilustrar essa questão, podemos
citar a reprodução de jogos escolares, que por diversas vezes imitam jogos oficiais, impondo
cobranças aos alunos e deixando de lado o desenvolvimento e a responsabilidade social, a
ética e o respeito. Essas atitudes enfatizam o esporte apenas como rendimento, seletividade,
vitória e espetáculo. Para superar essa visão, é necessário que os alunos saibam que essa
prática vai além do sentido competitivo, pois com ela todos aprendem juntos, reconhecendo
e respeitando os outros e a si mesmos.
Nesse sentido, acreditamos que é preciso “desesportivizar” as práticas corporais. Isto
é, apesar de compreendermos que uma prática pode ganhar códigos específicos para se
institucionalizar – isto é, seguir regras das confederações e federações esportivas – e receber
o caráter de esporte, sabemos que é possível à escola realizar o processo inverso, reduzindo
sua rigidez disciplinar para atender aos objetivos pedagógicos.

10.2 Características estruturantes do esporte


Vídeo
Conforme comentamos, por muito tempo o esporte foi considerado o
único conteúdo da Educação Física. Sua realização era pautada, na maioria
das vezes, em quatro modalidades esportivas – voleibol, handebol, futebol
e basquetebol – e deixava de lado uma infinidade de outras práticas tão im-
portantes quanto essas.
Embora hoje essa condição seja criticada, ela ainda não foi completamente superada.
Na tentativa de afastar-se dessa limitação nas aulas, a diversificação dos conteúdos é im-
portante, pois leva em consideração diferentes práticas e modalidades. A Base Nacional
Comum Curricular (BRASIL, 2017) sugere a estruturação da unidade temática esporte nas
categorias apresentadas a seguir:

144 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e o esporte 10
Quadro 1 – Categorias e características dos esportes de acordo com a BNCC.

Categoria Características Exemplos


Patinação de velocidade, to-
Conjunto de modalidades que se caracterizam
das as provas do atletismo,
Marca por comparar os resultados registrados em se-
remo, ciclismo, levantamento
gundos, metros ou quilos.
de peso, natação etc.
Conjunto de modalidades que se caracterizam
por arremessar/lançar um objeto, na intenção de
Bocha, curling, golfe, tiro com
Precisão acertar um alvo específico, estático ou em movi-
arco, tiro esportivo etc.
mento, comparando-se o número de tentativas
empreendidas.
Reúne modalidades nas quais o resultado da Ginástica artística, ginástica
Técnico- ação corporal deve ser estabelecido com base na rítmica, nado sincronizado,
-combinatório qualidade dos movimentos, seguindo padrões patinação artística, saltos or-
técnico-combinatórios. namentais etc.
Consiste em esportes de rede,
como voleibol, vôlei sentado,
Rede/quadra Reúne modalidades que se caracterizam por
vôlei de praia, tênis de cam-
dividida ou arremessar, lançar ou rebater a bola em dire-
po, tênis de mesa, b­ adminton e
parede de ção à quadra adversária, na tentativa de marcar
peteca. Já os esportes de pa-
rebote pontos.
rede incluem o raquetebol, o
squash etc.
Categoria que reúne as modalidades que se ca-
racterizam por rebater a bola lançada pelo adver-
sário o mais longe possível, para tentar percorrer
Campo e taco Beisebol, críquete, softbol etc.
o maior número de vezes as bases ou a maior
distância possível entre as bases, enquanto os
defensores não recuperam o controle da bola.
Conjunto de modalidades que se caracterizam
por comparar a capacidade de uma equipe, in- Basquetebol, frisbee, futebol,
Invasão ou troduzir ou levar uma bola (ou outro objeto) a futsal, futebol americano,
­
territorial uma meta ou setor da quadra/campo defendida handebol, hóquei na grama,
pelos adversários protegendo, simultaneamen- polo aquático, rúgbi etc.
te, o próprio alvo, meta ou setor do campo.
Reúne modalidades caracterizadas como dis-
putas nas quais o oponente deve ser subjugado,
com técnicas, táticas e estratégias de desequilí- Judô, boxe, esgrima,
Combate
brio, contusão, imobilização ou exclusão de um tae kwon do etc.
determinado espaço, por meio de combinações
de ações de ataque e defesa.

Fonte: BRASIL, 2017, p. 173-174. Adaptado.

Essa é apenas uma possibilidade de organização pedagógica. Com base nas caracterís-
ticas de cada esporte, o professor pode atribuir em seu planejamento um volume maior de
práticas corporais que tenham características semelhantes e garantir a realização dos objeti-
vos pedagógicos planejados.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 145


10 Educação Física e o esporte

É fundamental apresentar aos alunos a diversidade que essa unidade temática abrange.
Apesar de não ser possível à escola promover vivências e o estudo de todos os esportes, pois
existem até mesmo aqueles que não são próximos de nossa realidade e repertório, categori-
zá-los demonstra uma maneira de percorrer esse universo e possibilitar novos conhecimen-
tos aos alunos.

10.3 Esporte: possibilidades para a prática


pedagógica
Vídeo
Após refletirmos sobre o papel do esporte na escola, propomos a organi-
zação de planos de aula que devem ser pensados em um contexto mais am-
plo e para uma sequência de aulas, conforme já demonstramos nos capítulos
anteriores.

10.3.1 Educação Infantil


Para a Educação Infantil, uma possibilidade é trabalhar com os movimentos corporais
com e sem materiais. As atividades podem desenvolver valores como cooperatividade, o
trabalho em conjunto e o entendimento de regras.

Tema
Brincando com objetos circulares.

Sujeitos
Crianças com idades entre 1 ano e 7 meses e 3 anos.

Objetivos
Conceituais
• Identificar possibilidades de movimentos corporais com e sem o uso de materiais.
Da prática
• Compartilhar objetos e espaços com crianças da mesma faixa etária e adultos.
Relacionais
• Resolver conflitos nas interações e brincadeiras com a orientação de um adulto.

Materiais necessários
Bolas e imagens de esportes.

Aula 1
Estabelecendo diálogos
Apresente à turma imagens de esportes que utilizam objetos em sua prática. Questione as crianças
sobre o que as pessoas estão fazendo nessas imagens. A intenção é verificar se elas conseguem per-
ceber a utilização dos objetos e se reconhecem alguns dos esportes.

146 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e o esporte 10
Experimentações
• Eu pego – você pega: para a realização dessa atividade, disponibilize às crianças algumas bo-
las. Deixe elas explorarem os materiais por algum tempo (o ideal é que haja uma bola para
cada criança, porém, se não houver, deixe-as explorarem em grupos). Depois, em duplas, elas
devem ficar sentadas uma de frente para a outra. O objetivo é que as crianças lancem a bola
uma para a outra e a apanhem.
• Chute o mais forte que você puder: cada criança deverá tentar chutar a sua bola o mais longe que
puder. Depois, solicite a elas que chutem em uma direção específica, por exemplo, até um gol.
• Joga-joga muitas bolas: apresente diferentes tipos de bolas para as crianças, como bola de pa-
pel, bexiga, bolas de borracha, bolas de plástico (de piscina de bolinha) etc. Espalhe as bolas em
um lado do espaço disponível para a atividade. Coloque duas cadeiras – uma em cada lado – e
amarre um elástico nelas, dividindo os espaços.
As crianças devem ficar todas do mesmo lado e, ao seu sinal, jogar as bolas para o outro lado.
Repita essa ação algumas vezes. Por fim, mostre as imagens apresentadas no início da aula e
pergunte às crianças quais ações elas realizaram e se são parecidas com as imagens visualizadas.
Fechamento
Questione as crianças:
• Vocês conseguiram realizar todas as ações solicitadas?
• Tiveram força para jogar e chutar as diferentes bolas?
• Conseguiram brincar com todos os colegas?

10.3.2 Ensino Fundamental – Anos Iniciais


Nessa fase do Ensino Fundamental, é possível abordar de maneira específica o conheci-
mento dos alunos sobre as práticas esportivas. A intenção é que eles conheçam os elementos
constitutivos que os compõem e desenvolvam a cooperatividade e o trabalho em equipe.

Tema
Brincando com corridas e saltos.

Sujeitos
Alunos do 1º ano do Ensino Fundamental.

Objetivos
Conceituais
• Identificar elementos constitutivos de algumas modalidades do atletismo (corridas e saltos).
Da prática
• “Experimentar e fruir, prezando pelo trabalho coletivo e pelo protagonismo, a prática de es-
portes de marca e de precisão, identificando os elementos comuns a esses esportes” (BRASIL,
2017, p. 185).
Relacionais
• “Discutir a importância da observação das normas e regras dos esportes de marca e de precisão
para assegurar a integridade própria e as dos demais participantes” (BRASIL, 2017, p. 185).

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 147


10 Educação Física e o esporte

Aula 1

Estabelecendo diálogos
Apresente aos alunos um vídeo de salto em distância. Sugestão: A receita para o salto em distância
perfeito, do canal Vejapontocom1. Em seguida, pergunte a eles quais ações existem nessa prova: a
corrida, o salto e a medida do salto.
Pontue que eles realizarão esses saltos e que deverá ser identificada a metragem do salto de cada
um. No entanto, eles não irão medi-la do mesmo modo: com a sua ajuda, os alunos devem pensar
em medidas que utilizem o próprio corpo. Caso as crianças não apresentem ideias, sugira que elas
meçam com os pés, com as mãos, entre outras possibilidades.
Experimentações
• Divida a turma em trios. Em cada trio, uma criança será o juiz (que dará o sinal para a reali-
zação do salto), outra será o saltador e, por fim, outra criança medirá o salto feito pelo colega.
O saltador deverá realizar três saltos, o medidor fará a contagem destes (com os pés) e, juntos,
os integrantes deverão discutir qual foi o maior salto realizado e informar o professor. Depois,
mudam-se as funções até que as crianças tenham realizado todas elas.
Fechamento
• Em uma roda de conversa, discuta com os alunos se eles conseguiram realizar as medições e
quais outros tipos de medições eles gostariam de sugerir para um próximo momento.
• Pergunte como foi realizar as duas ações (corrida e salto) e assumir as outras funções (de me-
didor e juiz).

10.3.3 Ensino Fundamental – Anos Finais1


Do mesmo modo que no ciclo anterior, para os anos finais do Ensino Fundamental é
possível explorar as características de cada prática esportiva. No entanto, para essa etapa de
ensino, é possível reunir vários esportes que tenham traços em comum.

Tema

Esportes de taco.

Sujeitos

Alunos do 9º ano do Ensino Fundamental.

Objetivos

Conceituais
• “Identificar os elementos técnicos ou técnico-táticos individuais, combinações táticas, sistemas
de jogo e regras das modalidades esportivas praticadas, bem como diferenciar as modalidades
esportivas com base nos critérios da lógica interna das categorias de esporte: rede/parede, cam-
po e taco, invasão e combate” (BRASIL, 2017, p. 195).

1 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=-2_c85LYiAI>. Acesso em: 6 mar. 2018.

148 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e o esporte 10
Da prática
• “Experimentar diferentes papéis (jogador, árbitro e técnico) e fruir os esportes de rede/parede,
campo e taco, invasão e combate, valorizando o trabalho coletivo e o protagonismo” (BRASIL,
2017, p. 195).
Relacionais
• “Verificar locais disponíveis na comunidade para a prática de esportes e das demais práticas
corporais tematizadas na escola, propondo e produzindo alternativas para utilizá-los no tempo
livre” (BRASIL, 2017, p. 195).

Materiais necessários
Madeira para os tacos, conduíte para os discos e giz para marcações da quadra.

Aula 1
Estabelecendo diálogos
Apresente à turma imagens de diferentes tacos, a fim de que os estudantes estabeleçam a relação
desse objeto com o esporte praticado. Seguem exemplos:

ronniechua/iStockphoto

Hóquei no gelo

TMSK/ iStockphoto
~User3d34b5b5_677/ iStockphoto

Sinuca Golfe
Manuel-F-O/ iStockphoto
BrianAJackson/ iStockphoto

Críquete Hóquei na grama

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 149


10 Educação Física e o esporte

Se possível, mostre também vídeos que demonstrem as características de cada modalidade.


Depois, pergunte:
• O que vocês conhecem sobre esses esportes?
• Vocês já os praticaram?
• Vocês compreendem o funcionamento das regras?
Experimentações
• Hóquei na escola: peça aos estudantes que pesquisem sobre as regras desse esporte. Em segui-
da, eles devem sentar em grupos para discutir quais adaptações são necessárias para poderem
realizar do jogo na escola.
Divida o trabalho em etapas:
1ª etapa: discussão das regras.
2ª etapa: produção dos materiais. Sugerimos o uso de conduíte para a confecção do disco de hóquei.
Os tacos podem ser feitos com ripas de madeira.
3ª etapa: formação da equipe de arbitragem com o professor.
4ª etapa: formação da equipe para registro de todo o trabalho.
Os participantes jogarão de acordo com as regras estabelecidas pelo grupo. Posteriormente, con-
verse com eles para verificar o que funcionou e o que precisa ser alterado para jogarem novamente.
Fechamento
Debata com a turma sobre como foi vivenciar um esporte regido por regras oficiais, que foi adapta-
do para as necessidades deles. É importante que todos relatem tanto as experiências negativas
quanto as positivas.

10.3.4 Ensino Médio


Para a iniciação pedagógica da unidade temática esporte no Ensino Médio, podem ser
trabalhados os conceitos de esportivização e desesportivização. É importante tratar dos aspectos
que levam uma prática a ser esportivizada, bem como discutir como podemos desesportivi-
zá-la no contexto escolar.

Tema
Desesportivizando práticas esportivizadas.

Sujeitos
Alunos da 1ª série do Ensino Médio.

Objetivos
Conceituais
• Identificar o conceito de esportivização e estabelecer relações com o processo de desesportivização.
Práticos
• Experimentar e criar práticas corporais com a participação de todos, focando no processo e não
nos resultados.
Relacionais
• Apresentar elementos colaborativos e inclusivos em práticas consideradas competitivas.

150 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e o esporte 10
Materiais necessários
Bola, fita, giz, bloco de anotações e caneta.

Aula 1
Estabelecendo diálogos
Discuta com os alunos sobre esportes que (ainda) não chegaram ao processo final de esportiviza-
ção – ou seja, que ainda não se tornaram esportes olímpicos e não foram institucionalizados por
federações ou confederações.
Além disso, faça uma pesquisa e indique esportes que sofreram essas mudanças recentemente.
Depois dessa conversa, divida a turma em grupos e sugira que façam uma pesquisa sobre práticas
corporais de acordo com as características discutidas acima.
Apresente o conceito de esportivização e as possibilidades de desesportivização das práticas e seus
elementos:

Esportivização
Desesportivização
↑ Competição
↓ Competição
Regras instituídas
x Regras construídas
Olímpico
Não olímpico
(grau ­máximo de esportivização)
Inclusão de todos
Inclusão de alguns

Experimentações
Divida a turma em grupos e diga que eles deverão – com base nos critérios apresentados anterior-
mente – realizar o processo de desesportivização do handebol, por exemplo (a escolha da prática fica
a critério do professor). Cada grupo deve apresentar possibilidades para esse processo.
Fechamento
Converse com os estudantes sobre como foi realizar o processo de desesportivização de uma prática
já instituída e esportivizada:
• Como foi jogar dessa maneira?
• Houve dificuldades no processo? Quais?
• Todos participaram?
• O jogo foi empolgante?
• Esse jogo pode ser praticado em espaços além da escola?

Conclusão

Neste último capítulo do livro, vimos a importância de refletir sobre os conteúdos da


unidade temática esporte nas aulas de Educação Física, principalmente devido às amarras
históricas de competitividade que tais práticas ainda apresentam nas escolas. Nesse sentido,
em hipótese alguma deve-se pensar em retirar o esporte do contexto escolar, mas sim repen-
sá-lo como uma prática que vá além dos valores de competição e alto rendimento.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 151


10 Educação Física e o esporte

Dessa forma, é importante ressignificar a abordagem do esporte na escola, conhecer


suas estruturas e regras, questioná-las e modificá-las quando necessário. Para tanto, é funda-
mental fazer análises a respeito de situações que envolvem essas práticas, como, por exem-
plo, o comportamento de torcidas de futebol ou posturas de desrespeito e/ou sobrepujança
de colegas. Com essas medidas, são enfatizados os objetivos educacionais, como a inclusão
ou participação de todos, em vez do rendimento ou competitividade a qualquer custo.

Ampliando seus conhecimentos


O texto de Nicole Guaita e Marcelo Silva (2008) – resenha da obra Reinventando o esporte,
de Sávio Assis Oliveira (2001) – aborda o modo como o esporte adentra o universo das aulas
de Educação Física. Além disso, os autores realizam uma importante reflexão sobre os cami-
nhos ainda a serem trilhados pelo esporte nas escolas.

Reinventando o esporte: possibilidades da


prática pedagógica
(GUAITA; SILVA; 2008, p. 1-3)

Que vença o melhor! Competição, concorrência e rendimento. Esses são ele-


mentos fundamentais da sociedade capitalista, ritualizados por uma manifes-
tação cultural chamada esporte. Para aqueles que pensam esse fenômeno e a
Educação Física desvinculados do paradigma da aptidão física, há o difícil, e
não menos desejado desafio de “reinventar” tal prática. É com esse sentimento,
gerado a partir do interesse sobre o esporte encontrado na escola, que Sávio
Assis de Oliveira apresenta importantes contribuições para a Educação Física
escolar.

A encruzilhada entre a “desesportivização” da Educação Física e o não aban-


dono do esporte pela escola é a mola propulsora utilizada pelo autor. Pautado
no paradigma da cultura corporal e na metodologia crítico-superadora, o livro
em questão permite o questionamento das “regras do jogo” do esporte moderno,
apontando, com detalhes, as relações entre o fenômeno esportivo e a sociedade.

[...]

Chegando ao final da partida, é importante salientar o esforço crítico de Assis


de Oliveira em “desconstruir” as bases do esporte hegemônico, no contexto
escolar, tratando-o como possibilidade de explicação, negação e superação.
O autor enaltece a ideia de escola, discutida ao longo do livro, como produtora
de uma cultura própria, capaz inclusive de provocar outras mudanças para
além dos muros escolares.

152 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


Educação Física e o esporte 10
Enfim, nem ganhadores, muito menos perdedores! Esta análise busca dar visibi-
lidade a uma obra de relevância para a área de Educação Física, a fim de excla-
mar que o jogo continua, no entanto, com um olhar mais atento para o corpo.
Corpo esse que ultrapassa as aulas de Educação Física, o conteúdo esporte, a
dimensão motriz, a instituição escola bem como a própria sociedade capitalista.

[...]

Atividades
1. Com base em aspectos discutidos no capítulo, justifique a necessidade de recriar a
abordagem da unidade temática esporte nas aulas de Educação Física.

2. Escolha três categorias estruturantes sugeridas pela Base Nacional Comum Curricu-
lar (apresentadas no item 10.2 deste capítulo), relacione suas características e expli-
que o seu funcionamento.

3. Escreva sobre a distinção entre o esporte da escola e o esporte na escola e exemplifique


essa diferença.

4. Nos Jogos Olímpicos de 2016, o rúgbi fez parte do conjunto das modalidades disputa-
das e chegou ao seu maior grau de esportivização. Com base nesse processo, conheça
um pouco mais sobre essa modalidade e apresente sugestões para desesportivizá-la.

Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular.
Brasília: MEC/SEB, 2017. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC
­publicacao.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2017.
GONZÁLEZ, Fernando Jaime; BRAGA, Alex Branco. Afazeres da Educação Física na escola: planejar,
ensinar, partilhar. Erechim: Edelbra, 2012.
GUAITA, Nicole Roessle; SILVA, Marcelo Moraes. Resenha: Assis de Oliveira, Sávio. Reinventando
o esporte: possibilidades da prática pedagógica. Pensar a Prática, Goiânia, v. 11, n. 1, jan./jul. 2008.
Disponível em: <https://www.revistas.ufg.br/fef/article/view/1210/3621>. Acesso em: 30 jan. 2018.
VAGO, Tarcísio Mauro. O “esporte na escola” e o “esporte da escola”: da negação radical para uma re-
lação de tensão permanente, um diálogo com Valter Bracht. Movimento, Porto Alegre, v. 3, n. 5, p. 4-17,
1996. Disponível em: <http://portais.ufg.br/up/73/o/Texto_Tat_1__1_...pdf>. Acesso em: 18 dez. 2017.

Metodologia do ensino e didática em Educação Física 153


10 Educação Física e o esporte

Resolução
1. Nesta questão você deve discorrer a respeito dos objetivos educacionais e para a for-
mação humana, que estão em dissonância com os elementos instituídos pelo esporte,
como competição, exclusão, seletividade, foco no resultado, entre outros.

2. Você deve escolher três das seis categorias sugeridas pela Base Nacional Comum
Curricular – marca, precisão, técnico-combinatório, rede/quadra dividida ou parede
de rebote, campo e taco, invasão ou territorial – (BRASIL, 2017), explicá-las e rela-
cionar suas principais características com base em exemplos. É interessante também
pensar em possibilidades para aplicação dessas práticas em sala de aula.

3. Para responder a essa questão, você deve recordar que o esporte na escola é aquele
que é reproduzido como a instituição esportiva deseja, como se fosse uma herança
desta. Já o esporte da escola é aquele que representa os objetivos educacionais e leva
em consideração as necessidades dos alunos.

4. Você deve estudar os elementos que caracterizam o rúgbi como um esporte compe-
titivo e, com base nisso, apresentar possibilidades para desesportivizá-lo. Para tan-
to, leve em consideração as discussões presentes no item 10.1 – “Caminhos para a
superação de práticas excludentes no ambiente escolar” – e a proposta de aula que
apresentamos para os alunos do Ensino Médio.

154 Metodologia do ensino e didática em Educação Física


METODOLOGIA DO ENSINO E DIDÁTICA EM EDUCAÇÃO FÍSICA
Kátia Cristina Dias da Costa / Tatiane Lopes Monteiro

Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-6402-1 ISBN 978-85-387-6402-1

9 788538 764021
57230 9 788538 764021

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