Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
________. A
Capa
2
A
Folha de rosto 1 de 2
Formatado
por
J.P.
3
A
Selo dialógica
4
A
Folha de rosto 2 de 2
5
A
Catalogação
6
A
Sumário 1 de 2
7
A
Sumário 2 de 2
8
A
Dedicatória 1 de 2
9
A
Dedicatória 2 de 2
9
PREFÁCIO
Como você decidiu iniciar a leitura deste livro, suspeito haver da sua parte
algum interesse pela questão da investigação das práticas religiosas. Você pode
ser uma pessoa crente, praticante ou não, ateia, agnóstica ou estar vinculada a
alguma tradição ou filosofia de vida. Não importa. Também é possível que você
esteja começando os estudos na área ou que já pesquise sobre religião ou
teologia há algum tempo.
Pois bem, o que você está encontrará nesta obra de introdução à
epistemologia dos fenômenos religiosos é fruto do empenho não apenas de um
autor, mas de vários autores e várias autoras no Brasil e no exterior. São
pesquisadores e pesquisadoras da teologia, da filosofia, das ciências da religião
e de vários outros campos do conhecimento dedicados ao estudo dos
fenômenos religiosos e de todos os aspectos que os constituem. Como você, são
pessoas para as quais os fenômenos religiosos não parecem em nada
indiferentes e, por isso, elas se dedicam aos estudos das religiões com
motivações como as suas e as de muitos outros indivíduos. Elas são movidas
pela curiosidade para saber, por exemplo, como surgem, como se desenvolvem
e como se organizam ou se caracterizam práticas religiosas e sistemas de crença
ou de perda de crença. Poderíamos enumerar diversas causas que levam
alguém a se dedicar aos estudos dos fenômenos e das práticas religiosas.
Certamente, você seria capaz de contribuir para ampliar essa lista.
Porém, mais do que sanar sua curiosidade, pessoas que se dedicam ao
estudo de temas associados a práticas religiosas, crenças e temas do gênero,
seja em alguma disciplina específica das ciências
10
Villas Boas faz parte de uma geração de teólogos e teólogas com uma sólida formação
e um claro compromisso com a reflexão acadêmica e tudo o que isso implica. Por isso,
você estará em boa companhia e experimentará, passo a passo, como o teólogo se abre
à compreensão dos diversos saberes que investigam a religião, sem deixar de
considerar o lugar que lhe é peculiar.
Restam ainda três comentários a fazer. Em primeiro lugar, é preciso
destacar o fato de estarmos avançando consideravelmente no processo de
consolidação da área que envolve os estudos de religião por meio de disciplinas
como Teologia, Ciências da Religião (e suas variações) e Ensino Religioso, entre
outras, as quais contam hoje com grande nível de reconhecimento e
capilaridade. Nesse contexto, os trabalhos acadêmicos têm visibilidade em
eventos que reúnem a comunidade científica da área e são acessíveis a grande
parcela da população, além de ocupar espaço nos setores público e privado, nos
movimentos sociais e nas organizações ligadas a instituições de natureza
religiosa. Também cabe ressaltar, como detalha esta obra, o fato de se ter
constituído, no âmbito governamental, o reconhecimento da docência
científico-acadêmica para além dos magistérios de cunho religioso das distintas
confissões.
Em segundo lugar, ao longo do texto você deve ser levado a refletir sobre
o campo de atuação profissional a que se dedica quem faz parte da comunidade
de investigação sobre religião. De modo geral, atuamos nas áreas de pesquisa,
investigação e docência em diversos níveis (do ensino fundamental à pós-
graduação). Porém, não podemos deixar de sinalizar que o saber, as
competências e as habilidades que adquirimos devem nos tornar capacitados
para o trabalho em consultorias, assessorias e gestão em instituições religiosas,
movimentos sociais e organismos governamentais e não governamentais.
Por fim, antes de você seguir com a leitura e o estudo deste livro, é
necessário lembrar que o debate que aqui se desenvolve merece
12
APRESENTAÇÃO
Como teólogo de profissão que atua na universidade e, portanto, de forma
inevitável, exerce cotidianamente a função de interlocutor entre diversas áreas
do saber, meu posicionamento é o de alguém que não somente valoriza mas
também aplica o resultado e os métodos de cientistas da religião no exercício
profissional de produção de teologia em diálogo com outras áreas do
conhecimento. Vale ressaltar que tal diálogo é possibilitado e facilitado por uma
saudável relação existente entre os profissionais das ciências da religião e da
teologia.
Some-se a isso a experiência de lecionar teologia em instituições de ensino
superior públicas, dentro e fora do país, nas quais não há curso dessa área1. Por
isso, essas vivências me ajudam a entender a necessidade de uma tradução
dessa ciência para um ambiente público ou, como é conhecida, de uma teologia
pública, que não pressuponha a fé como conhecimento confessional necessário
para que seja entendida.
Isso não necessariamente substitui a teologia confessional, uma vez que
amplia seus labores de interlocução investigativa e de ação comunicativa. Não
se faz teologia somente para um público específico vinculado a uma confissão
religiosa, visto que pensar a religião é também tarefa da sociedade em geral.
Mais do que isso, é necessário que uma crença reflita sobre si, de modo a
entender sua relação com as demais crenças e outras instituições culturais e
_______________
1 A saber: a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em que sou professor visitante no Programa de Pós-
Graduação em História e Teoria Literária; e a Faculdade de Letras da Universidade de Aveiro, em Portugal, na
qual também atuo como professor convidado de Teologia, em um projeto de pesquisa interinstitucional
chamado Mitografias.
14
A
17
A
Sobre os recursos 2 de 3
18
A
Sobre os recursos 3 de 3
19
INTRODUÇÃO
Antes de traçarmos um panorama introdutório do campo de estudo acadêmico
a que chamamos de Ciências da Religião, é importante ressaltar que, de acordo
com o desenvolvimento histórico, essa nomenclatura passou por variações. A
primeira surgiu no debate acerca das teorias do conhecimento e da nova
compreensão de ciência que colocava em xeque o modo de pensar a religião pela
teologia tradicional: de uma abstração de ideias que transcendia o tempo e o
espaço atrelada a uma missão confessional, passou a ser analisada passou-se a
analisá-la como fenômeno observável desde seu aspecto concreto, ou seja,
empírico – histórico, cultural, social e linguístico.
1
A Capes é um órgão que normaliza e avalia os programas de pós-graduação no país, os principais responsáveis
pela produção de conhecimento no Brasil por meio do Sistema Nacional de Pós-Graduação - SNPG (Brasil, 2019a).
22
e, portanto, ainda que aponte para o infinito, padece ao mesmo tempo da finitude das
coisas.
Immanuel Kant (1999), em sua obra Crítica da razão pura, de 1781, indica a
necessidade de distinguir, porém não dissociar, o conhecimento do
pensamento, uma vez que só é possível conhecer aquilo que está situado nos
limites da razão finita, ou seja, o que está situado no espaço e no tempo, pois,
mesmo sendo possível pensar coisas que transcendem essas dimensões (Deus,
a alma, a eternidade, entre outros exemplos), não é possível deixar de ser
humano e, portanto, condicionado aos limites históricos de compreensão. Se
existe distinção, por exemplo, entre o que é considerado relacionamento
amoroso hoje por nós e aquele vivido pelos nossos avós, é de se imaginar quais
seriam as diferenças de interpretações de um assunto datadas de dois ou dez
mil anos.
Desse modo, o conhecimento estabelece as condições de possibilidade ao
pensamento, de não pensar somente nas coisas em si, como se a pessoa estivesse
aquém do espaço e do tempo, de modo a não se perder em devaneios, ilusões e
afirmações arbitrárias. Entretanto, aceitando o desafio de pensar sobre a
finitude humana, o conhecimento pode ser dilatado pelo pensamento para além
dos limites da consciência, transcendendo-os e evitando que o saber adquirido
se enclausure em um reducionismo estéril.
Nessa nossa compreensão, o conhecimento está a serviço do
discernimento de nossas ações humanas e visa ao bem mais universal ou, ainda,
ao bem comum. Se o conhecimento não servir para a vida, ele passa a ser inútil,
pois é na melhoria desta que aquele tem um papel de discernimento
fundamental.
A epistemologia aplicada às ciências da religião está relacionada à
caracterização científica de fenômenos religiosos. É pelo debate epistemológico
que se configuram os métodos de investigação, revelando-se o caminho
percorrido para se chegar a um produto epistêmico, ou seja, um conhecimento
proposicional de cuja legitimidade haja evidências suficientes. Ao longo do
tempo,
25 Epistemologia do fenômeno religioso
epistemologia
O debate epistemológico visa estabelecer critérios que permitam reconhecer a
distinção entre conhecimento e mera opinião ou crença, a fim de identificar nas
aprendizagens diárias um entendimento mais adequado da realidade em que
vivemos, produzindo, assim, novas percepções que oferecem estratégias
cognitivas mais adequadas para responder a um problema ou a uma questão.
Para que você se familiarize melhor com o debate epistemológico, vamos
elencar em tópicos, a seguir, categorias gerais para a produção de conhecimento
científico:
1
Epistemólogo é a denominação referente àquele que estuda como o conhecimento é produzido, quais são seus
limites, como deve ser o rigor metodológico e quais são as condições culturais, sociais, econômicas e políticas de
produção de conhecimento de cada época. Tradicionalmente, tal papel era atribuído ao filósofo, porém, com a
mudança de referencial das ciências empíricas, também seus respectivos cientistas começaram a refletir sobre
suas práticas. Com o desenvolvimento das áreas de conhecimento, estabeleceu-se uma saudável relação entre
o debate filosófico e as práticas de investigação de cada área. A interação entre esses dois âmbitos, mais teórica
e mais pragmática, produz uma rica análise sobre a produção de conhecimento e seus limites.
27 Epistemologia do fenômeno religioso
2
The Asiatic Society, cujo site oficial é: <http://www.asiaticsocietykolkata.org/>. Acesso em: 7 ago. 2019.
31 Epistemologia do fenômeno religioso
3
Ramo de conhecimento que se dedica ao estudo do desenvolvimento histórico-linguístico de registros escritos,
procurando identificar suas formas originais e seus respectivos significados culturais.
4
Escola que estabelece uma metodologia para comparação de mitos de distintas civilizações com o objetivo de
identificar características semelhantes e diferenças culturais.
5
No original em alemão: Theologie des Heidenthums: die Wissenschaft von den alten Religionen und der
Vergleichenden Mythologie nebst neuen Untersuchungen über das Heidenthum und dessen nàheres Verhaltniss
zum Christenthum.
32 Epistemologia do fenômeno religioso
O desenvolvimento histórico
1.2
6
Toda vez que nos referimos à nomenclatura ciência da religião (no singular), evocamos o desenvolvimento
histórico da escola alemã (Religionswissenschaf). A expressão no plural (ciências da religião) só apareceu no
século XX (e é o padrão que escolhemos utilizar neste livro).
33 Epistemologia do fenômeno religioso
e a necessidade de entendê-lo para com ele conviver tornou-se cada vez mais
premente.
Outro fator de configuração da ciência da religião é que ela se afirmou
negando a teologia do século XIX, ou seja, a proposta alemã 7 era estabelecer a
ciência da religião distanciando-se cada vez mais do modo de proceder dos
estudos teológicos, tensão esta que se acentuou no século XX (Greschat, 2005).
A razão apresentada para tal postura foi a necessidade de “abster-se de
pressupostos e ‘preconceitos’ teológicos” para que assim o cientista da religião
pudesse “pesquisar e descrever cientificamente com neutralidade” (Holstein,
citado por Usarski, 2006, p. 64).
Os eventos sociais desse momento diziam respeito a uma cristandade em
crise, contexto em que a hegemonia cultural, desde a Reforma, no século XVI,
vinha sendo disputada entre católicos e protestantes, especialmente quanto às
chamadas teologias normativas ou magisteriais, no caso católico, vinculadas às
teologias institucionais oficiais (Genovesi, 2008, p. 67-92). Havia nelas, no século
XVII, uma crescente racionalização entre a segunda escolástica católica e a
escolástica protestante, estando esta obstinada em estabelecer, de modo
irrefutável, os princípios reformados e aquela, de forma apaixonada, decidida a
refutá-los, em um embate tanto irresolúvel quanto interminável.
O palco europeu foi o lugar, por excelência, do debate sobre as fontes de
autoridade da mensagem cristã. Soma-se a isso a epistemologia racionalista, que
se impôs com René Descartes (1596-1650) em seu Discurso do método, de 1637,
obra na qual o filósofo estabelece a razão como única autoridade, podendo-se
resumi-la pela observância dos seguintes passos: i) jamais aceitar uma verdade
da qual não se conheça a evidência; ii) dividir um problema a ser examinado
em tantas partes quanto possíveis para melhor resolvê-lo; iii) pôr em ordem os
pensamentos, partindo-se
7
Até esse momento, a ciência da religião era, portanto, uma formulação alemã (mesmo quando transposta para
a Holanda).
34 Epistemologia do fenômeno religioso
dos mais simples para os mais complexos; iv) enumerar e revisar toda a
investigação (Descartes, 1979).
Contudo, foi David Hume (1711-1776) quem promoveu uma
consolidação importante da epistemologia como disciplina, avançando no
debate sobre o racionalismo e desenvolvendo as bases do empirismo, como a
primeira doutrina epistemológica falibilista, ou seja, calcada em resultados
sobre os quais seja possível debater, sendo estes falíveis e, portanto, passíveis
de discussão e de aprofundamento, diferentemente das pretensões infalibilistas,
que pretendem alcançar o saber definitivo. Em seu trabalho Investigações sobre o
entendimento humano e sobre os princípios da moral, publicado pela primeira vez
em 1748, Hume (2003) trata de fundamentar a ciência e depurar a filosofia,
estabelecendo uma crítica à metafísica tradicional, sobretudo às teorias
especulativas mal fundamentadas.
Nesse momento, a epistemologia tradicional que vigorava ainda era
aquela iniciada por Platão (427 a.C.-347 a.C.) e assumida por diversas correntes
cristãs, especialmente as agostinianas no Ocidente. Em linhas gerais, a tradição
platônica se propõe a refletir sobre um saber que se oponha à simples opinião
(doxa) e que seja fundamentado e dotado de garantias de validade científica
(epistèmê). O filósofo distingue, pois, no diálogo Teeteto8, três tipos de
conhecimento:
8
Diálogo de Platão sobre a natureza do conhecimento (Platon, 1966).
9
Convencionou-se, como citação acadêmica de obras clássicas antigas, a prática da referência marginal, ou seja,
utiliza-se uma referência numérica na margem da obra, independentemente do número de páginas, a fim de
facilitar a leitura dos clássicos, pois eles variam em número de páginas de acordo com a natureza das publicações
(uso acadêmico ou leitura livre). Todas as referências indicadas seguirão esse padrão de citação acadêmica da
obra platônica.
35 Epistemologia do fenômeno religioso
10
O diálogo O banquete (Simpósion) se dedica à natureza do amor e contém a perspectiva política do filósofo
grego a respeito das críticas da cidade (pólis) contra a sua filosofia (Platão, 2016).
38 Epistemologia do fenômeno religioso
11
A repetição do termo faz parte do estilo de Hume (1764).
39 Epistemologia do fenômeno religioso
da religião
No contexto em que surgiu uma nova forma de análise racional da religião (isto
é, entre 1873 e 1877, como vimos na Seção 1.1), também houve, como reação,
condenações à modernidade por parte das teologias normativas, considerando-
se os questionamentos das interpretações dogmáticas tanto católicas quanto
protestantes.
Do lado protestante, ocorria a crítica feita pelo idealismo alemão,
especialmente da teologia de Friedrich Schleiermacher (1768-1834), a qual
enfatiza que o sentimento é unidade originária do pensamento e, assim,
propunha a libertação da pessoa do dogmatismo religioso. Em virtude desse
aspecto, tal corrente ficou conhecida como teologia liberal e teve forte reação com
o que se chamou neo-ortodoxia protestante.
No caso católico, foi estabelecido o questionamento da infalibilidade
papal, que reagiu com o Syllabus, apêndice da encíclica Quanta Cura (QC), do
Papa Pio IX (1864), em que se condenou um total de 80 erros modernos,
incluindo o racionalismo ou qualquer forma de razão que não se dirigisse a
Deus. O contexto de reprovação e de não enfrentamento às críticas
epistemológicas acabou por promover um estado psicológico de uma moderna
“caça às bruxas” aplicada aos pensadores. A partir desse momento, brotaram
os fundamentalismos católicos, com base em uma distorcida compreensão da
infalibilidade papal, e também os protestantes, apoiados na absolutização da
inerrância bíblica.
e novas epistemologias
Apesar de um crescente acúmulo do conhecimento empírico das ciências da
religião, após a Primeira Guerra Mundial, houve
42 Epistemologia do fenômeno religioso
também uma crise cultural europeia que se refletiu como uma crise da
cristandade, com os respectivos sistemas de crença em crescentes processos de
racionalização, seja pela disputa interna à própria cristandade, seja pela crítica
do racionalismo investigativo, ambos insuficientes para lidar com os
sentimentos confusos oriundos do conflito bélico e da crise de unidade no Velho
Continente.
Uma alternativa à epistemologia da nascente ciência da religião nesse
momento era a fenomenologia da religião, que se baseava no pensamento
filosófico de Edmund Husserl (1859-1938) e reunia as críticas feitas às teologias
normativas, tanto por parte de católicos, como é o caso de Franz Brentano (1838-
1917) e do idealismo alemão, quanto por parte da teologia liberal protestante. O
que Husserl realizou no interior do sistema cultural alemão em crise foi ajudar
a compreender que o conhecimento é inseparável da interioridade
compreensiva do espírito.
A pesquisa fenomenológica fundamenta-se no modo próprio de viver e
não se define como algo abstrato e distante da vida, razão pela qual visa
justificar como somos feitos sem prescindir do rigor filosófico ou da filosofia
como “ciência do rigor”. No livro A ideia de fenomenologia, Husserl (2008) faz
uma observação direta da experiência subjetiva, que interage com a consciência
como padrão estrutural cognitivo-emocional-sensorial de nosso
comportamento e do mundo exterior tal e qual este é visto. Desse modo, a
fenomenologia descreve as essências do fenômeno, como objeto que é dado à
consciência desde que aparece e se manifesta nas vivências, sendo estas
imanentes àquela. A tentativa de correlacionar o conjunto de todas as notas que
marcam as experiências constitui sua intencionalidade, a origem do itinerário
entre a “intuição” provocada e o sentido percebido ou o caminho contrário de
como o sentido das coisas pode ser encontrado no ser humano por meio das
vivências.
43 Epistemologia do fenômeno religioso
em ciências da religião
Podemos identificar, historicamente, com base na proposta de Stern e
Costa (2017, p. 72), “quatro grandes temas metodológicos comuns à disciplina”.
São eles:
Greschat (2005), por sua vez, aponta sete passos metodológicos (que
resumimos a seguir) de como produzir conhecimento como cientista da religião:
deve-se cuidar para que a análise de uma religião esteja colaborando para
seu correto entendimento. Além disso, é preciso levar em conta se o
problema serve para esclarecer um evento para outrem e/ou para as
próprias lideranças e comunidades envolvidas, considerando-se os
efeitos fenomênicos que ele provoca na cultura e na sociedade. Essa tarefa
implica mapear todos os problemas de compreensão quanto forem
possíveis acerca de um fenômeno religioso específico (Greschat, 2005).
2. Escolher um problema – Após um mapeamento da gama de questões
relacionadas a um fenômeno religioso específico, deve-se refletir sobre
qual das possibilidades de investigação realmente interessa ao
pesquisador e por que ela é relevante. Escolhida a linha a ser seguida, é
preciso verificar sua viabilidade como objeto a ser investigado, ou seja,
como resolver o problema e quais as condições para isso – se há e quais
são as bibliotecas e/ou os acervos especializados disponíveis, quais são
os principais autores, que idiomas considerar e quais obras foram
traduzidas. Tudo isso exige que se calcule o prazo para a pesquisa é
suficiente para a investigação do problema escolhido ou se é necessário
mudá-lo (Greschat, 2005).
3. Coletar material – O material é responsável por alimentar a busca de
soluções para problemas científicos. Por isso, deve-se diferenciar entre a
existência do material (ou não, no caso de ser um objeto inédito) e a forma
de sua aquisição. Com relação à existência, deve-se perguntar: Em que
lugar está o material? De onde ele vem? Ele chega por via direta ou por
instâncias intermediárias? Greschat (2005) indica pelo menos três tipos de
origem: (i) o agente, aquele que é ativo na produção de elementos
constitutivos do fenômeno religioso (lideranças institucionais ou
populares, comunidades e intelectuais engajados); (ii) a testemunha, a
pessoa que experimenta o fenômeno e alimenta a crença nele; e (iii) o juiz,
o indivíduo de fora do fenômeno,
48 Epistemologia do fenômeno religioso
que, não raro, faz uso de outra referência religiosa para julgar ou
depreciar uma crença. A análise da forma de aquisição implica o
planejamento da necessidade de realizar viagens para conseguir acesso
ao material ou para realizar uma pesquisa de campo a fim de estudar
seguidores de uma religião em seu ambiente de origem, de modo a
entender a relação entre suas culturas e as respectivas tradições
(Greschat, 2005).
4. Achar uma substância aglutinante – É necessário encontrar princípios de
sistematização que estão presentes nas próprias religiões. Com isso,
tenta-se identificar a história dogmática de uma religião e relacioná-la a
outras sistematizações, quando é o caso de um objeto já estudado
(Greschat, 2005).
5. Achar a solução – A solução de um problema científico surge como
“última de várias respostas a diversas perguntas”; é mais importante
“perguntar cautelosamente” do que “responder precocemente”
(Greschat, 2005, p. 39).
6. Pôr o resultado à prova – Ao descrever determinada religião, é necessário
“confirmar se os aderentes reconhecem sua crença no texto” (Greschat,
2005, p. 41).
7. Comunicar o resultado – É preciso resolver um problema complexo e
expressá-lo em linguagem comum, compartilhando-o com uma
comunidade acadêmica que o legitima ou não (Greschat, 2005).
12
A rigor, fato é a realidade, e fenômeno é como aquele se apresenta.
50 Epistemologia do fenômeno religioso
13
Consulte o Capítulo 6.
52 Epistemologia do fenômeno religioso
14
Consulte o site do Instituto. Disponível em: <http://www.iser.org.br/site/>. Acesso em: 9 ago. 2019.
56 Epistemologia do fenômeno religioso
(continua)
15
Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica.
16
Único curso de graduação no Brasil a adotar a nomenclatura Ciência da Religião. No portal eletrônico do
Ministério da Educação - MEC (Brasil, 2019a), consta como data de início o ano de 2012. Porém, esse é o ano da
terceira proposta pedagógica, uma vez que a primeira, iniciada em 1970 e concluída em 1971, originalmente
apresentava a denominação Ciências das Religiões e serviu de base para um projeto de licenciatura que não se
concretizou. Em 1975, foi implementado o curso de Ciência das Religiões, demonstrando-se a preocupação em
tratar de uma espécie de “noção geral” de religião; contudo, esse curso foi fechado em 1977. Por fim, a terceira
proposta foi uma reformulação feita em 1980, que alterava o nome do curso para Ciência da Religião, o qual
evoluiu em 2011 para o projeto que deu início à graduação vigente até hoje (Pieper, 2018).
57 Epistemologia do fenômeno religioso
17
Ensino a distância.
18
Único curso no Brasil a adotar a nomenclatura Ciências das Religiões.
19
Proposta de curso como Ciência da Religião.
20
A UEL oferece apenas um programa de formação de segunda licenciatura em Ciências da Religião, ligado ao
Plano Nacional de Formação Professores (Parfor) de educação básica (UEL, 2019). Em 2017, houve a abertura da
segunda turma de licenciatura (Riske-Koch, Oliveira; Pozzer, 2017).
58 Epistemologia do fenômeno religioso
Fonte: Elaborado com base em Brasil, 2019b; Riske-Koch; Oliveira; Pozzer, 2017.
21
Único curso sobre o qual não há informações disponíveis.
22
Tal como consta na página eletrônica do MEC (e-MEC), assim indicamos o(s) curso(s) “não iniciado(s)” (Brasil,
2019b).
23
Proposta de curso como Ciência da Religião.
24
Proposta de curso como Ciência da Religião.
59 Epistemologia do fenômeno religioso
A área, até o ano de 2016, contava com 307 docentes pesquisadores que
atuavam nesses programas. Entre os professores permanentes, 59% (145
docentes) são formados em Teologia e 41% (99 docentes) em outras áreas, a
saber: 22 em Filosofia, 20 em História, 10 em Antropologia, 10 em Educação, 18
em Sociologia, 5 em Psicologia, 4 em Letras e, para cada uma das áreas de
Comunicação, Direito, Geografia e Interdisciplinar, 1 (Brasil, 2017, p. 5-7).
Essa pluralidade de formações permite que as pesquisas, sobretudo nos
programas de Ciências da Religião, se desenvolvam com um perfil
multidisciplinar, interdisciplinar ou transdisciplinar. Ao mesmo tempo, revela
que as pesquisas ligadas às ciências da religião no Brasil têm uma forte
influência de cursos das ciências sociais (História, Antropologia e Sociologia –
48 docentes), seguidos da Filosofia da Religião (22 docentes); isoladamente, é a
subdisciplina mais presente nos programas.
Ainda que de forma assimétrica, a área de Ciências da Religião e Teologia
também está presente em todas as regiões do país: Região Nordeste – 4
programas (19%); Região Norte – 1 programa (5%); Região Centro-Oeste – 1
programa (5%); Região Sudeste – 10 programas (47%); e Região Sul – 5
programas (24%).
63 Epistemologia do fenômeno religioso
SÍNTESE
Neste capítulo, vimos que a epistemologia (ou teoria do conhecimento) diz
respeito às condições necessárias para se considerar científico um determinado
conhecimento. Nesse contexto, consideradas as características metodológicas
peculiares que se observam no Brasil, entre as distintas nomenclaturas e
possibilidades de métodos e de perspectivas para a concepção do campo de
estudos religiosos, a mais comum delas é ciências da religião.
Destacamos o debate epistemológico que há na formação das
características das ciências da religião, por meio do qual emergem abordagens
mais essencialistas ou universais e mais históricas ou regionais.
Sobre o lugar dos estudos dos fenômenos religiosos, analisamos o conflito
que essa área tem com a teologia, a qual se revelou crítica à pretensão de
hegemonia das religiões oficiais e, ao mesmo tempo, um sintoma de falência, no
momento em que surgiram as ciências da religião.
Por fim, apresentamos a categorização do fenômeno religioso, que se
desenvolve conforme o desdobramento das subdisciplinas das Ciências da
Religião.
66 Epistemologia do fenômeno religioso
INDICAÇÕES CULTURAIS
BRASIL. Ministério da Educação. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior. Diretoria de Avaliação. Documento de área: teologia.
Brasília, 2016. Disponível em: <https://capes.gov.br/images/
documentos/Documentos_de_area_2017/44_TEOL_docarea_2016.pdf>.
Acesso em: 12 ago. 2019.
O documento de área cuja leitura aqui recomendamos é instrumento
normativo para regular o funcionamento da produção de conhecimento
na área de Ciências da Religião e Teologia nos programas de pós-
graduação da área no Brasil. Nele constam informações sobre o estágio
atual da área, a regulamentação da avaliação dos programas de pós-
graduação realizada pelo governo federal, além de outras questões
pertinentes à comunidade acadêmica brasileira de cientistas da religião e
de teologia e a pesquisas referentes aos estudos de religião.
ATIVIDADES DE AUTOAVALIAÇÃO
1. Analise as seguintes afirmações sobre o conceito de epistemologia e o contexto
de estudos da área.
I. Epistemologia é o nome dado às teorias do conhecimento com base em
critérios do que seria a produção deste em determinada comunidade
científica para maior compreensão da realidade, diferentemente da mera
opinião.
II. Epistemologia é a teoria da verdade que estabelece os critérios de um
conhecimento verdadeiro, e, portanto, inquestionável.
68 Epistemologia do fenômeno religioso
ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM
1
Respectivamente, especialistas em estudos referentes à Índia, à China e ao Islã.
73 História das religiões e antropologia da religião
_____________________
2 Consciência coletiva em relação aos costumes e ao comportamento característico de um grupo.
3 A história da Igreja (ou história eclesiástica) desse período se distinguia da historiografia laica a fim de
considerar como os desígnios divinos teriam sido historicizados, ou seja, como Deus se fez presente na história
da Igreja cristã. Nesse sentido, era uma continuação da história da salvação, que considerava o modo pelo qual
os desígnios salvíficos de Deus teriam se manifestado na história, tradicionalmente abordados pela perspectiva
judaico-cristã (eram considerados histórico-salvíficos dois principais eventos: a Criação e a vinda do Messias).
Atualmente, há leituras mais plurais dessa perspectiva, considerando-se sinais de salvação como atos que
anteciparam o Reino de Deus ou que instauram a justiça, a paz e tudo aquilo que humaniza o ser humano.
75 História das religiões e antropologia da religião
_____________________
4 É como ficou conhecido o grupo de professores da Universidade de Gottingen responsáveis pela criação da
fenomenologia, especialmente Adolf Reinach (1883-1917) e Edmund Husserl (1859-1938).
76 História das religiões e antropologia da religião
HISTÓRIA ECLESIÁSTICA
Essa tendência, a mais antiga das três aqui citadas, é ligada a uma historiografia
apologética produzida sobretudo por clérigos. Segue o estilo de Eusébio de
Cesareia, ou seja, adota uma leitura de providencialismo histórico6, que ganhou
força sobretudo com o romantismo literário de François-René Chateaubriand
(1768-1848),
_____________________
5 Antes de surgir a "história das religiões", havia a "história da religião" (termo no singular), na França. Foi depois
da história nova, também conhecida como história das religiões – uma vez que contempla várias crenças que os
outros países começaram a adotar o termo religiões, no plural (Torres-Londoño, 2013).
6 Por providencialismo histórico entende-se uma perspectiva teológica em que Deus comanda toda a história,
ou, dito de outro modo, tudo o que ocorre na realidade humana é vontade de Deus. Não raro, tal perspectiva é
acompanhada de uma visão triunfalista da instituição religiosa, que se vê como intérprete oficial da divindade
condutora da história.
77 História das religiões e antropologia da religião
no século XIX (Buarque, 2011). Uma obra famosa que sintetiza essa tendência
francesa no século XX é o trabalho organizado em oito volumes intitulado
História da Igreja de Cristo, de Daniel Rops (1901-1965).
HISTÓRIA DO CRISTIANISMO
Há outra vertente, ainda que ligada à história do cristianismo, que adota, no
entanto, uma postura crítica e se distancia da leitura apologética, ganhando
assim grande prestígio acadêmico, sendo seus adeptos vistos como
historiadores especialistas em cristianismo. Um dos grandes nomes dessa
vertente é Jean Delumeau (1923-), que abordou a temática, sobretudo, da
evolução da consciência religiosa. Foi professor no Collège de France na cátedra
de História das Mentalidades Religiosas no Ocidente Moderno, de 1975 a 1994.
_____________________
7 A hierologia de Pettazzoni pode ser entendida como um estudo das expressões do sagrado pela configuração
histórica empírica, em que se combinam fenomenologia e historiografia.
79 História das religiões e antropologia da religião
_____________________
8 A sacrologia de Brelich acentuava a primazia dos métodos empíricos da historiografia em detrimento da
importância fenomenológica de que Pettazzoni fazia uso. O sagrado, para essa perspectiva, em sua constituição
histórica, tem elementos semânticos muito peculiares, todos os quais devem ser respeitados.
9 Método aplicado especialmente pela antropologia, visa à adoção de um procedimento mais descritivo –
baseado na observação comparada do fenômeno – do que pautado em categorias previamente estabelecidas.
10 Atual Fundação de Ciências Religiosas João XXIII.
80 História das religiões e antropologia da religião
máximo de bem e não há, com isso, contradição alguma, por parte de Deus, ao
se atenuar a gravidade do mal pelo triunfo futuro do bem maior:
_____________________
11 Um dos principais filósofos do liberalismo clássico, é considerado o responsável por adaptar a teoria biológica
evolucionista de Darwin para as questões sociais, ao que se convencionou chamar de darwinismo social.
85 História das religiões e antropologia da religião
que dava prioridade à devoção ancestral. Esses estágios são: i) o animismo, que
se caracteriza por dar vida e vontade aos seres naturais; ii) o politeísmo, como
transição do animismo para os seres fictícios que se tornam deuses cujas
vontades controlam todas as coisas; e iii) o monoteísmo, com base no qual a
vontade de Deus controla tudo – os fenômenos naturais e as leis invariáveis
restringindo-se, no entanto, a imaginação dos estados anteriores e
desenvolvendo-se um sentimento universal que visa à coesão social.
Na análise do antropólogo britânico, os sistemas de crença são
investigados como estruturas teológicas concebidas pela razão humana ou de
forma natural (sem ajuda sobrenatural); além disso, concentra-se a atenção na
“continuidade entre as crenças e práticas religiosas dos ‘selvagens’ e dos
‘civilizados’”, ideia da qual o autor retirou o que ficou conhecido como definição
mínima de religião: a “crença em Seres Espirituais” (Tylor, 1873, p. 424, tradução
nossa). Isso ocorreu porque Tylor (1873) entendeu que tal crença estava na base
de todas as religiões, em cuja constituição havia dois elementos: i) a presença da
alma em seres individuais, capazes de continuar sua subsistência após a morte;
e ii) a existência de poderosas divindades que afetam e controlam os
acontecimentos no mundo e na vida humana. Esses dois aspectos foram
mudando de forma na trilogia evolutiva da religião de Tylor, sendo que o
último é mais acentuado no monoteísmo.
Tal visão provocou uma busca pela religião mais primitiva no mundo, a
fim de identificar um estágio pré-religioso, entendido como a ausência de oferta
de sacrifícios ou rituais a uma entidade mais elevada – considerava-se esse
estágio como anterior à religião como magia. Os aborígenes australianos foram
apontados como o povo que se mantinha nesse estágio, o que levou à discussão
do tema totemismo, iniciada por James George Frazer (1854-1941).
O conceito de totem é retirado do grupo ameríndio ototeman (ojíbua, em
português), da região dos grandes lagos da América do
86 História das religiões e antropologia da religião
Norte, pelo inglês John Long, em 1791, sendo apresentado como um espírito
benevolente que protege um grupo (Van Der Leeuw, 1970). Porém, foi o
trabalho O totemismo (assim intitulado na primeira edição da obra, em 1910), de
James George Frazer (1854-1941), que deu grande repercussão ao tema:
estabelece-se no livro uma relação entre a organização clânica ou tribal – a
atribuição ao clã de nomes ou símbolos animais ou vegetais – e a crença no
parentesco entre o totem e o grupo. A magia, de acordo com Frazer (1910),
funciona como uma crença primitiva, promotora de gestos imitativos de leis que
governam o mundo natural, sem a compreensão de um controle por meio de
uma divindade com características pessoais (totemismo). O autor apresenta a
hipótese da passagem da humanidade por três estados intelectuais: i) magia; ii)
religião; e iii) ciência – entendendo esta última como fruto do progresso que
coincide com a racionalização.
O totemismo, que foi uma das categorias antropológicas mais influentes,
moldou toda uma geração de intelectuais, como Emile Durkheim (1858-1917) e
Sigmund Freud (1856-1939). Residia aí também uma tendência evolucionista da
antropologia da religião, que se entendia como ciência das “sociedades
primitivas” (Guerreiro, 2013, p. 254).
É nossa tarefa estudar o homem e devemos, portanto, estudar tudo aquilo que
mais intimamente lhe diz respeito, ou seja, o domínio que a vida exerce sobre
ele. Cada cultura possui seus próprios valores; as pessoas têm suas próprias
ambições, seguem seus próprios impulsos, desejam diferentes formas de
felicidade.
88 História das religiões e antropologia da religião
o selvagem seja fechado em seu mundo no que se refere às opções que lhe são
dadas para construir sua cultura e o engenheiro tenha à disposição a
possibilidade de criar ferramentas novas para construir sua obra, ambos têm a
mesma estrutura. No olhar de Lévi-Strauss, a eficácia simbólica continua
operando do mesmo modo, e isso deveria ajudar a identificar muito mais as
semelhanças do que as diferenças entre religiões e culturas, ambas dimensões
portadoras de estruturas simbólicas (Lévi-Strauss, 1978).
Uma proposta que se distanciou das perspectivas funcionais, estruturais
ou psicológicas foi a abordagem interpretativa do norte-americano Clifford
Geertz (1926-2006), que entendia a religião como sistema de símbolos que
promove uma unidade entre o ethos (maneira de ser e de sentir) de determinado
grupo e a visão de mundo elaborada por esse mesmo grupo. Os métodos utiliza-
dos por Geertz (2008) foram o da hermenêutica e o da semiótica. Assim o
antropólogo estadunidense define religião:
SÍNTESE
Com base em contextos nos quais sempre houve algum interesse pelo
conhecimento de diferentes religiões, observamos, neste capítulo, que essa
necessidade se relacionava no início à crescente expansão do colonialismo
europeu e suas navegações ultramarinas, principalmente em razão do contato
com outros povos.
Os estudos pioneiros sobre o assunto, para isso, procuravam fazê-lo pelo
conhecimento de novos idiomas, especialmente mediante textos sagrados. Isso,
como mostramos, teve grande inspiração dos estudos de filologia que eram
aplicados aos mencionados textos e também os influenciou. O interesse pela
aprendizagem de um idioma antigo, portanto, despertava a curiosidade pela
história desse idioma, fato do qual se desdobrou a investigação da história das
religiões.
Dessa fase de influência filológica, conforme analisamos, também
derivou o desenvolvimento dos estudos de mitologia comparada, que mais
tarde inspiraram os estudos de antropologia da religião, os quais, por sua vez,
procuraram compreender os sistemas de crença e os sistemas simbólicos de uma
religião.
Como conclusão, vimos que as duas subdivisões desse estudo – a história
das religiões e a antropologia da religião – deram início ao construto teórico do
que se chamaria de ciência da religião na Alemanha.
94 História das religiões e antropologia da religião
INDICAÇÕES CULTURAIS
A HISTÓRIA de Deus. Direção: Lori McCreary; James Younger. Estados
Unidos: National Géographie Channe; Révélations Entertaiment, 2016. 451 min.
Série de televisão.
Essa série aborda questões religiosas e metafísicas que inquietam o ser
humano, de forma fenomênica e reflexiva, com base na perspectiva de
pessoas comuns. Divide-se em nove episódios (seis na primeira temporada
e três na segunda) e é apresentada pelo ator Morgan Freeman. Os nomes
dos episódios exemplificam os assuntos discutidos: “Para além da morte”;
“Apocalipse”; “Quem é Deus?”; “Criação”; “Por que o mal existe?“; “O
poder dos milagres"; “O escolhido”; “Céu e inferno"; “Provas de Deus”.
AROUND the World in 80 Faiths. Direção: Sian Sait et al. Reino Unido: BBC
Télévision, 2009. Série de televisão.
Dividida em oito episódios, essa série aborda crenças religiosas de todas as
partes do mundo – da Oceania às Américas, passando pela África, pela Ásia
e pela Europa – e é apresentada pelo sacerdote anglicano Peter Owen Jones.
A produção é uma fantástica viagem à diversidade religiosa do mundo
contemporâneo.
ATIVIDADES DE AUTOAVALIAÇÃO
1. A Analise as afirmações a seguir e identifique quais representam fatores que
levaram ao surgimento da ciência da religião na Europa no século XIX.
I. O avanço da filosofia e da mitologia comparada, que permitiu a leitura
de textos considerados sagrados por religiões antigas.
II. A necessidade de compreender as religiões como fatores culturais
determinantes para a compreensão de povos que não eram cristãos, na
ocasião do contato com eles.
III. A crítica às teodiceias como teologia, que justificavam os contextos social
e político.
IV. A melhoria da evangelização dos povos não cristãos.
V. O efeito da crise cultural das cristandades.
São verdadeiras as seguintes afirmações:
A] I, II, IV e V.
B] I, II, III e V.
C] II, III, IV e V.
D] III, IV e V.
E] I, II, III, IV e V.
ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM
2 Com relação aos estudos acerca de Karl Marx, o termo marxiana refere-se à perspectiva do autor propriamente
dita; marxista, por sua vez, é a perspectiva dos intérpretes desse autor e do modo como ele é entendido
historicamente.
103 Sociologia da religião
3 Movimento religioso de origem luterana que valorizava a experiência pessoal em detrimento do dogmatismo
da ortodoxia do luteranismo de seu tempo. Durou de 1650 a 1800.
104 Sociologia da religião
4
Os quatro primeiros nomes citados nesta lista são considerados santos pela Igreja Católica.
105 Sociologia da religião
e Leon Tolstói (1828-1910), entre outros, além dos cátaros e dos hussitas,
considerando-os uma espécie de protocomunistas apaixonados por denunciar
a injustiça social, na contramão da tendência da vulgarização religiosa por parte
do marxismo histórico. Esses autores marxistas inspiravam a participação dos
cristãos nos movimentos operários – especialmente os socialistas cristãos dos
anos 1930, os padres operários dos anos 1940, os sindicatos cristãos de esquerda
(CFTC) nos anos 1950 – e inauguravam outra perspectiva marxista sobre a
religião. Lucien Goldman, em 1955, chegou a relacionar a valiosa tensão entre
fé cristã e fé marxista em sua obra O deus escondido, utilizando a categoria de
“aposta” como postura de luta que incorpora os riscos de fracasso e de
esperanças de vitória sustentadas por “crença fundamental” na libertação
(Löwi; Barzman, Betto, 1988).
Sociologia da religião
3.3
de Émile Durkheim
O sociólogo francês Émile Durkheim tem um itinerário intelectual que parte do
materialismo e chega ao espiritualismo, unindo teoria do totemismo, teoria
culturalista, teoria da religião e sociologia do conhecimento, presentes
sobretudo em sua obra de maturidade intitulada As formas elementares da vida
religiosa, publicada em 1912 (Durkheim, 1989; Vares, 2015).
Diante da crescente percepção da complexidade religiosa, o sociólogo
entendeu que a pluralidade desse fenômeno é resultado de processos de
mutação histórica. Por essa razão, passou, por meio do método histórico-
comparativo, a analisar suas origens, procurando identificar os elementos mais
primitivos que pudessem servir de fundamento para uma definição sociológica
de religião. Dessa forma, buscou identificar níveis mais superficiais ligados às
crenças, como símbolos e ritos, e um nível mais profundo, como o caráter
106 Sociologia da religião
O profano, por sua vez, diz respeito ao que é mais comum, rotineiro e
repetitivo, àquilo que não se deve misturar com o sagrado, sob pena, portanto,
de violá-lo; no entanto, isso não significa que não haja comunicação entre os
dois, embora, para isso, exija-se uma iniciação, que pode ser mais ou menos
complexa. Essa distinção é também constitutiva de uma divisão mental que
repercute em uma divisão real, mais especificamente nas dimensões individual
e coletiva da humanidade.
A iniciação refere-se à assimilação das crenças (estados de opinião que
oferecem representações do sagrado) e dos ritos (determinados modos de ação).
Com base nesse conjunto de elementos,
108 Sociologia da religião
Sociologia da religião
3.4
de Max Weber
Max Weber (1864-1920) se interessou pelo estudo da religião depois de
investigar o surgimento do capitalismo burguês. Nesse contexto, ele atribuiu
uma gênese religiosa à modernidade ocidental. De modo especial, o autor tinha
curiosidade pelas transformações na subjetividade de determinados segmentos
sociais constitutivos do capitalismo racional, como as classes médias e baixas
em ascensão, e, de modo mais particular ainda, pela “conduta metódica dos
primeiros empresários modernos” e a doutrina do protestantismo ascético
(Machado, 2013, p. 209).
Como os demais sociólogos clássicos da religião, o interesse por esse
campo de pesquisa não ocorreu pela religião em si mesma, mas pela relação
desta com as mudanças sociais da modernidade. Ou seja, as crenças e as
concepções deveriam ser analisadas em razão das articulações que mantêm com
as atividades cotidianas dos grupos sociais que lhes dão sustentação.
112 Sociologia da religião
Tendências contemporâneas
3.5
da sociologia da religião
Após os clássicos e a indicação de declínio dos níveis de religiosidade, os
fenômenos religiosos passaram a ser lidos sociologicamente sob o viés
contemporâneo de que a modernidade resulta em um desencanto ou em uma
redução da vitalidade religiosa.
Houve uma primeira reação da sociologia de inspiração cristã, em que
teólogos, padres e pastores se interessaram pelo debate sociológico com
insistência metodológica pela fenomenologia. Foi o caso de Joachim Wach
(1898-1955), que estabeleceu uma distinção com base na divisão das Ciências da
Religião em duas áreas: i) a história da religião, que procura compreender o
processo pelo qual uma religião chega à sua forma atual; e ii) a ciência sistemá-
tica da religião, que procura investigar um traço universal entre as várias
religiões.
Para além do debate entre fenomenologia (Otto, Eliade, Van der Leeuw)
e história (Pettazzoni e Giuseppe de Lucca), a sociologia de inspiração cristã
procurou compreender a institucionalização
116 Sociologia da religião
Com isso, o autor indicou que podem ser identificadas três proposições
(Casanova, 1994, p. 11-40, tradução nossa):
5
Establishment é uma expressão pejorativa de língua inglesa que se refere ao grupo que detém o poder
majoritário e a maior influência na máquina estatal. O termo disestablishment, usado por Casanova, sugere o
desmantelamento desse quadro político.
118 Sociologia da religião
secularização como diferença funcional entre instituições que até então sofriam
influência direta das religiões oficiais e depois passaram a atuar como
organizações laicas.
Contudo, isso não significa que não haja outras formas de influência da
religião, como a Igreja do Povo, no Brasil, que considera a atuação dos bispos
nas causas sociais, e a Ação Católica (Juventude Universitária Católica,
Juventude Estudantil Católica, Juventude Operária Católica, entre outras
organizações). Além disso, Casanova (1994) também analisa o papel dos bispos
de criar uma base social em razão do risco do perigo bolchevique na intervenção
militar de 1964. O autor mostra ainda como nos Estados Unidos coexistem a
modernidade científica, tecnológica e econômica e elevados índices de presença
religiosa, ao mesmo tempo que há um pluralismo de crenças e uma militância
política e midiática da direita cristã. O autor conclui que, fora do caso europeu,
ocorre muito mais uma espécie de “desprivatização” da religião moderna após
a década de 1990. Ou seja, a modernização não acarreta obrigatoriamente
redução ou privatização do fenômeno religioso, o que vale para a Europa
contemporânea com seus novos movimentos religiosos e a presença do Islã
(Casanova, 1994).
A influência de novos
3.5.2
movimentos sociais na
secularização e na crise religiosa
A emergência de novos movimentos religiosos é concomitante ao surgimento
de mobilizações sociais que atuam na contracultura (feminismo, ecologia e
direitos humanos) e servem como formas de sobreviver às radicais mudanças
socioculturais e às incertezas geradas com o advento da emancipação das
tradições, da globalização capitalista, da racionalização e do relativismo
cultural. Entre
119 Sociologia da religião
SÍNTESE
Neste capítulo, vimos que a religião é fundamental para entender a
modernidade, uma vez que ajuda a formar um sistema de crenças organizado
que interfere nas relações sociais.
Com base nisso, a sociologia clássica, em seu papel de análise das relações
em sociedade, passou a considerar como preocupação, mais que a religião em
si, a maneira como as crenças religiosas influenciavam, positiva e
negativamente, a conduta social, os modos de produção e os espaços políticos
de decisão da modernidade nascente.
Mostramos também que, para a sociologia clássica, a grande questão a ser
trabalhada era a compreensão da relação funcional entre religiões dominantes
e espaços hegemônicos em uma crescente cultura individualista. Nesse ínterim,
como fio condutor da análise sociológica clássica, também o totemismo se
tornou uma questão influente para alguns autores, especialmente na direção da
busca pelas formas primitivas ou elementares de crenças que imprimiam
diferenças em relação às formas como a religião se apresentava no mundo. A
sociologia clássica ainda identificou um declínio tanto da autoridade e da
influência que os poderes hierocráticos tinham sobre indivíduos e instituições
sociais (políticas, econômicas, jurídicas) quanto da função de coesão e de
regulação moral e social que eles exerciam.
Como complementação da tendência de redução dos níveis de
religiosidade na modernidade apontada pela sociologia clássica, apareceram as
teorias de secularização da sociologia contemporânea. Como vimos, em
determinado momento, verificou-se que o contexto europeu de análise das
teorias da secularização não coincidia com o do continente americano, dos
países do Hemisfério Sul e do Oriente. Para a sociologia contemporânea, a
secularização é uma fase de transformação da religião com base em uma virada
subjetiva, tendo muito mais a ver com a escolha pessoal do que com a pretensa
hegemonia e homogeneidade social de determinada religião.
122 Sociologia da religião
INDICAÇÕES CULTURAIS
Produções sobre a sociologia marxista da religião:
DAENS: um grito de justiça. Direção: Stijn Coninx. Bélgica; Holanda;
França, 1992.138 min.
ATIVIDADES DE AUTOAVALIAÇÃO
1. Quais são os autores considerados clássicos da sociologia da religião?
A] Karl Marx, Emile Durkheim e John Stuart Mill.
B] Emile Durkheim, Sigmund Freud e Max Weber.
C] Heinrich Heine, Emile Durkheim e Max Weber.
D] Karl Marx, Heinrich Heine, Emile Durkheim e Max Weber.
E] Karl Marx, Friedrich Engels, Emile Durkheim e Max Weber.
ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM
e o mal-estar da civilização
Para Sigmund Freud (1856-1939), a religião se apresenta como
questionamentos sobre sua gênese psicológica e sobre a concepção de Deus.
Apesar de suas ideias terem sido alvo de críticas tanto da religião quanto da
psicologia, Freud é, inegavelmente, alguém que levantou importantes questões
para as duas áreas.
Entretanto, a pergunta sobre a origem psíquica da religião não é
originalmente do psicanalista vienense, uma vez que ela já estava presente, por
exemplo, em um trabalho de Charles Robert Darwin (1809-1882), publicado
primeiramente em 1872 e reeditado em 1890, intitulado The Expression of the
Emotions in Man and Animais, em que o naturalista britânico pretendia mostrar
o limiar entre animais e humanos e como eles carregam uma marca indelével
de sua estrutura primitiva.
Darwin aplicava o que se conhecia por pathomyotomia, uma espécie de
ancestralidade da psicologia segundo a qual, mediante a observação das
expressões corporais – e, de modo especial, dos músculos da cabeça –, era
possível encontrar as influências da mente por analogia com as manifestações
emocionais (Green; Tassinary, 2002).
Adotando a observação como elemento moderno de investigação,
Darwin procurou verificar a diferença entre as emoções animais e humanas,
identificando, por exemplo, o ato do beijo como propriamente de nossa espécie.
Ele registrou que os orangotangos
128 Psicologia da religião
1 "A gentle smile and some brightening of the eyes"; "a strong desire to touch the beloved person" (Darwin, 1890,
p. 226).
129 Psicologia da religião
Fica-se assim com a impressão de que a civilização é algo que foi imposto a uma
maioria resistente por uma minoria que compreendeu como obter a posse dos
meios de poder e coerção. Evidentemente, é natural supor que essas
dificuldades não são inerentes à natureza da própria civilização, mas
determinadas pelas imperfeições das formas culturais que até agora se
desenvolveram. E, de fato, não é difícil assinalar esses defeitos. Embora a
humanidade tenha efetuado avanços contínuos em seu controle sobre a
natureza, podendo esperar efetuar outros ainda maiores, não é possível
estabelecer com certeza que um progresso semelhante tenha sido feito no
trato dos assuntos humanos; e provavelmente em todos os períodos, tal como
hoje novamente, muitas pessoas se perguntaram se vale realmente a pena
defender a pouca civilização que foi assim adquirida. (Freud, 1996a, p. 3-4)
primeira exigência a justiça, ou seja, “a garantia de que uma lei, uma vez criada,
não será violada em favor de um indivíduo” (Freud, 1996a, p. 61).
Desse modo, Freud apresenta lucidez em seu pensamento social, uma vez
que considera que a civilização impõe limites à possível tirania dos indivíduos,
visando a uma acomodação que traga “felicidade” para eles.
Pergunta-se, então: Como foi que tantas pessoas vieram a assumir essa
estranha atitude de hostilidade para com a civilização? Assim o autor responde:
as “paixões instintivas [do homem] são mais fortes que os interesses razoáveis”
(Freud, 1996a, p. 55), razão pela qual “A civilização [modernidade] tem de
utilizar esforços supremos a fim de estabelecer limites para os instintos
agressivos do homem” (Freud, 1996a, p. 55). Dessa forma, a modernidade
obrigou os indivíduos a respeitar e apreciar a beleza, a limpeza e a ordem
(definidas por Freud como constitutivas da modernidade). Para que o projeto
moderno avance, a liberdade (em categoria absoluta) do indivíduo, voltada
contra a própria modernidade, teria sido combatida com o excesso de ordem,
isto é, a sociedade define como determinada coisa deve ser feita. “A coerção é
dolorosa: a defesa contra o sofrimento gera seus próprios sofrimentos. [...] Os
prazeres da vida civilizada [...] vêm num pacote fechado com os sofrimentos, a
satisfação com o mal-estar, a submissão com a rebelião” (Bauman, 1998b, p. 8).
A modernidade resolveu limitar a liberdade do indivíduo em nome da
segurança de seus projetos.
Não obstante, constata o próprio Freud (1996a, p. 70),
tal tensão psíquica para outra finalidade que a sociedade julgue como aceitável
(Freud, 1996a) e possa ser terapêutica (curativa) para o paciente. Assim, esforça-
se a psicanálise para trazer à consciência (ego) as vivências reprimidas no
inconsciente (id) – princípio de transferência razão pela qual o consciente passa
a ocupar o lugar do inconsciente. Em resumo: procura-se anular os atos
repressivos no processo de inconscientização.
Dessa forma, a dimensão irracional da religião funciona como uma ilusão
infantilizada da própria condição, ou seja, a religião é uma neurose obsessiva
que promove a regressão do adulto ao mundo idealizado da infância, pois o
neurótico não quer enfrentar as condições difíceis da realidade e da vida tal e
qual elas se apresentam.
No caso de seus pacientes, Freud considerava a religião como uma forma
de alimentar a resistência contra a conscientização acerca da realidade em que
eles viviam. Tributário do totemismo, Freud então retomou a ideia de proteção
clânica, segundo a qual os deuses acabam por ser projetados como pais
bondosos ou divindades todo-poderosas que permitem que os homens e as
mulheres encontrem na religião uma fuga da realidade. Freud dedicou três
escritos especificamente à questão da origem e da natureza da religião: Totem e
tabu (Freud, 1996b); O futuro de uma ilusão (Freud, 1996a); e Moisés e o monoteísmo
(Freud, 1974).
Em Totem e tabu, Freud (1996b) elabora uma interpretação própria do
totemismo vigente na antropologia da religião e na sociologia da religião,
especialmente em Durkheim. A vida em torno do totem é entendida por Freud
como renúncia ao comportamento instintivo, uma vez que o psicanalista
vienense era tributário do evolucionismo darwinista, razão pela qual, para ele,
os homens primitivos eram muito próximos dos animais selvagens,
138 Psicologia da religião
religião o faz pelo temor do castigo e pelo desejo de consolo, sendo, por isso,
um “aspecto neurótico da cultura” (Zilles, 2004, p. 147).
Chega-se, então, ao momento em que há uma incompatibilidade entre
ciência e religião. Esta já prestou sua contribuição à história, pois desempenhou
“grandes serviços para a civilização” como reguladora moral, ao “domar os
instintos antissociais”; porém não consegue mais tornar “feliz a maioria da
humanidade”, porque reforça a neurose social e a infantilização. Assim, a
religião surge da “necessidade de defesa contra a esmagadora força superior da
natureza” (Freud, 1996a, p. 100); a cultura cria a religião para ajudar os
indivíduos a lidar com a natureza e a realidade, recorrendo a forças
sobrenaturais e personalizando-as. Diante da impotência humana, portanto, os
homens concebem deuses superpoderosos que podem banir o temor e oferecer-
lhes um ideal de vida.
Em Moisés e o monoteísmo, Freud (1974) retoma a proposta de três estágios
de Tylor da evolução da religião – animismo, politeísmo e monoteísmo. O
totemismo anímico cria o símbolo do pai divinizado, que progressivamente é
antropomorfizado, ganhando vários traços humanos, a ponto de ser preciso
constituir o politeísmo, em que vários deuses são necessários para melhor
representar os conflitos humanos.
Por fim, surge o monoteísmo com Moisés, que converteu o pai tirano
assassinado no Deus único e poderoso, aumentando assim a autoestima e a
satisfação do povo judeu. O advento da proibição de imagens, inclusive a de
Deus, foi o início da racionalização no rigor de abstração conceituai. No que diz
respeito ao cristianismo, o inventor do Cristo teria sido Paulo de Tarso,
responsável por mudar a imagem original de Jesus – de um religioso com crítica
social e agitador político para alguém visto como aquele cuja morte é uma
expiação perante o pai pela dívida do pecado original. Para Freud, a morte
vicária do Cristo é a instituição do complexo de
140 Psicologia da religião
Édipo2, pois anestesia a culpa. Nesse sentido, é com a libertação desse complexo
que desaparecerá a religião como neurose obsessiva.
A religião, tal como analisada por Freud, é insuficiente para lidar com o
mal-estar da civilização e acaba por despertar o desejo de um sentimento
oceânico – metáfora segundo a qual a água lançada no Oceano torna-se ele
próprio –, que alimenta o anseio da religião como forma de retirar a
responsabilidade dos indivíduos que se veem dentro da vontade de Deus e,
portanto, incapazes de se autocriticar. A grande ilusão é crer que, dessa forma,
a religião pode realizar melhor a tarefa de regular o indivíduo com o mal-estar
da civilização, processo que seria, por excelência, da ciência, na opinião do
pensador vienense.
Na obra O futuro de uma ilusão, Freud (1996a) cita um verso do poema
Alemanha, um conto de inverno de Heinrich Heine, o mesmo poeta que
influenciou Marx e que o psicanalista chama de “companheiro de descrença”
(Freud, 1996a, p. 46). Nesse texto, Heine faz ao leitor um convite para assumir a
responsabilidade pela realidade alemã. Ataca os grupos responsáveis pela
miséria nos
2
Categoria criada por Freud que evoca a tragédia de Édipo Rei, de Sófocles, como metáfora narrativa para
elucidar o funcionamento da constituição psíquica do sujeito. Na peça grega, Édipo assassina seu pai e se casa
com sua mãe sem ter consciência do parentesco que tinha com eles. Quando Édipo e sua mãe tomam
conhecimento do fato, ela se suicida e ele cega os próprios olhos. Freud identifica nessa peça a dinâmica da
cegueira sobre si e o desvelamento assustador dos movimentos narcísicos do próprio personagem, bem como a
recusa em aceitar a quebra de uma visão idealizada de si ao se deparar com a capacidade de ter atitudes
reprováveis que o egoísmo narcisista é capaz de fazer aparecer. O pai da psicanálise identifica, nesse momento,
o rompimento do egocentrismo primário, em que a pessoa se dá conta de não ser o centro das atenções, como
um processo de simbolização de falta e de alteridade, em que é preciso lidar com o desejo que os pais projetam
sobre os filhos. Na medida em que há uma negação da falta e da alteridade ou o rompimento da relação de
dependência do desejo dos pais, não ocorre a inscrição desses fatos no alegórico que representa o real,
produzindo-se sintomas que se instalam entre o imaginário e o simbólico, como o delírio, a psicose e o fetiche.
Em Freud, a compreensão da morte de Jesus Cristo como cumprimento da vontade do Pai é um mito concorrente
ao de Édipo, o qual não propicia o rompimento da imposição do desejo dos pais sobre os filhos, gerando um
infantilismo cultural e levando, sobretudo, aos sintomas da ilusão, do fetiche e da perversidade, além de outras
patologias sociais.
141 Psicologia da religião
Psiquismo e religião
4.2
Em sua obra Símbolos da transformação, Jung (1999) inicia sua ruptura com
Freud. Nesse livro, o autor analisa como os níveis de complexidade
comportamentais do ser humano são criados por processos internos,
extremamente ligados, no entanto, às relações externas, isto é, sociais – as
experiências que o indivíduo tem ao longo de sua em vida. Entende-se que o ser
humano se constrói numa relação de complexidade psíquica, entre desejos e
proibições, amor e hostilidade, superioridade e inferioridade – opostos que
convivem e procuram se equilibrar, portanto. Para o psicólogo suíço, conforme
a energia vital se dirige para o interior ou para o exterior, delineia-se o
aparecimento de um dos dois tipos psicológicos fundamentais, que se
manifestam no modo de relacionamento social: i) a introversão (menor
capacidade de relacionamento com os outros) ou ii) a extroversão (maior capa-
cidade de relacionamento).
A contribuição de Jung para a análise da complexidade do gênero
humano é sua teoria do inconsciente coletivo, segundo a qual as sociedades
humanas participam de arquétipos comuns; estes, por sua vez, expressam-se
por meio dos mitos, das religiões, da arte, dos sonhos, da loucura e dos
distúrbios psíquicos.
Jung, além de analisar o inconsciente por meio da história pessoal – e
nisso ele concorda com Freud –, também percebeu que o inconsciente das
pessoas (inconsciente pessoal) por ele analisadas, revelado em seus sonhos,
apresentava conteúdos históricos de séculos anteriores e até mesmo de
milênios, aos quais os indivíduos não tinham a menor condição de acesso. Ou
seja, as revelações do inconsciente se mostravam para bem mais além do que o
período de tempo que as pessoas viviam. Isso fez com que Jung desenvolvesse
a teoria do inconsciente coletivo, uma camada do inconsciente individual que
parte do inconsciente da história humana. Tal componente é formado por
arquétipos, verdadeiros patrimônios da cultura humana, desde suas fases mais
primitivas,
143 Psicologia da religião
3 Referente à estrutura psíquica da interioridade humana, no que diz respeito a seus elementos estruturais como
o pensamento, o sentimento e o comportamento - e à relação entre eles.
144 Psicologia da religião
É tudo o que eu sei, mas em que não estou pensando no momento; tudo aquilo
que um dia estava consciente, mas de que atualmente estou esquecido; tudo
que meus sentidos percebem, mas minha mente consciente não percebe". O
inconsciente coletivo representa a parte "objetiva" do psiquismo, ao passo que
o inconsciente pessoal, a parte "subjetiva". (Jung, 1998, p. 191)
sentindo-se que o que está por vir é valioso, ou seja, um valor que, ao ser
percebido de fato, retorna à razão, quando se amplia a consciência com o que
foi revelado, resultado de um valor descoberto. Esse processo de
conscientização e de mudança de comportamento pode ser considerado uma
experiência de sentido, tal como é descrito pela logoterapia 4.
Em outras palavras, o êxtase – processo que se inicia com um sentimento
(de alegria ou angústia intensa) – alcança a intuição como percepção do
inconsciente, chegando à reflexão e à mudança de comportamento – em seu
estágio final, é essencialmente racional, isto é, lógico. Jung menciona que os
valores se revelam como experiências ao serem racionalizados, isto é,
percebidos pela consciência, e por isso são compreendidos como realidades
profundas. A título de comparação, o que é denominado valor em Jung pode ter
uma correlação com o conceito de sentido frankliniano, visto que, na perspectiva
junguiana, o valor é um princípio de orientação e, para a logoterapia, o sentido
é um valor encarnado na existência. Esse é o processo de individuação segundo
o qual o inconsciente alimenta o self (Santos, 2004; Sudbrack, 2001).
Essa aproximação psicológica implica, então, que a intuição, somada ao
desejo individual do que pode ser revelado (Mistério), é que fundamenta uma
experiência religiosa, na qual razão e emoção andam juntas. No entanto, aquela
depende desta para fazer (perceber o) sentido:
4 Criada por Viktor Emil Frankl (1905-1997), com prestígio internacional, é uma abordagem psicoterapêutica
realizada mediante análise existencial com o uso da categoria do logos, entendido como "sentido da vida".
147 Psicologia da religião
ignorada de Deus
O procedimento da psicanálise clássica é o modus operandi da psicanálise de um
modo geral. Também Jung e Adler5 receberiam essa influência (Frankl, 2003;
Peter, 2005). Vale dizer que não é relevante
5 Sigmund Freud, Alfred Adler e Viktor Frankl são considerados os criadores das três escolas vienenses de
psicoterapia, a saber: a psicanálise freudiana, a psicologia individual adleriana e a logoterapia frankliana.
148 Psicologia da religião
6 Podemos entender arrangement como uma nova composição das relações, tal qual o arranjo nas composições
musicais.
149 Psicologia da religião
7 A repetição do termo sentido aqui é proposital, uma vez que se trata de conceito fundamental na obra de
Frankl.
150 Psicologia da religião
Psicologia da religião
4.4
contemporânea
Outros nomes poderiam ser apresentados como clássicos da psicologia da
religião dada a vasta gama de pesquisadores desse ramo das ciências da
religião. A seleção que apresentamos não é única nem a melhor, apenas coincide
com a inevitável percepção e o itinerário de formação do autor desta obra. Dessa
forma, entre alguns dos nomes representativos que consideramos como
clássicos ou contemporâneos no assunto estão: William James (1842-1910),
Alfred Adler (1870-1937), Gordon Allport (1897-1967), Erich Fromm (1900-
1980), Jacques Lacan (1901-1981) e Erik Erikson (1902-1994).
Também podemos listar, entre outras, as seguintes teorias
contemporâneas da psicologia da religião:
SÍNTESE
Neste capítulo, mostramos que a psicologia da religião nasceu para desenvolver
estudos a respeito da religiosidade e seus efeitos psíquicos. Vimos, assim, que
não há uma visão única ou definitiva sobre esses efeitos, mas uma identificação
de diversos fenômenos psíquicos ligados à experiência religiosa. O
conhecimento dessas abordagens possibilita que se identifique a complexidade
do fenômeno religioso, que pode abrigar, dentro de uma mesma fé, diversos
efeitos causais no âmbito psicológico. Nesse mesmo
156 Psicologia da religião
INDICAÇÕES CULTURAIS
A VIDA é bela. Direção: Roberto Benigni. Itália: Paris Vídeo, 1997.117 min.
O filme se passa na Segunda Guerra Mundial e ajuda a compreender a
ideia de otimismo trágico e a de resiliência trabalhadas pela perspectiva
logoterapêutica da religião.
HOLLY Hell. Direção: Will Allen. Estados Unidos: The Film Sales Company,
2016.100 min.
Esse filme aborda o narcisismo patológico presente em uma liderança
religiosa norte-americana e o processo de fascínio exercido pela narrativa
religiosa contemporânea.
UP: altas aventuras. Direção: Pete Docter. Estados Unidos: Buena Vista Home
Entertainment, 2009. 96 min.
Essa animação trata de experiências como apego, perdas e relações que
promovem reedições do projeto de vida.
158 Psicologia da religião
ATIVIDADES DE AUTOAVALIAÇÃO
1. Quais autores são os considerados clássicos que influenciaram a psicologia
da religião?
A] Sigmund Freud, Cari Gustav Jung e Karl Marx.
B] Sigmund Freud, Cari Gustav Jung e Viktor Frankl.
C] Sigmund Freud, Cari Gustav Jung e Franz Brentano.
D] Carl Gustav Jung, Max Weber e Viktor Frankl.
E] Sigmund Freud, Viktor Frankl e Edith Stein.
ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM
uma preocupação com a vida da Terra, uma vez que a condenam, sendo ela um
vale de lágrimas à espera do céu. Ademais, há, na percepção nietzschiana, uma
piedade anestésica do sofrimento que enxerga, no símbolo do Crucificado, um
resignado.
Se o Iluminismo ataca as contradições morais dos cristãos e, assim, revela
uma razão insuficiente, Nietzsche combate os fundamentos daqueles fiéis que
levam a sério sua fé e identifica as consequências dessa estrutura afetiva e
dramática do cristianismo na sociedade, ou seja, a base antropológica em que se
estabelece o discurso teológico de
Essa postura amplia os pontos cegos, uma vez que a crítica ameaça um
mecanismo de defesa que dá segurança a esse mundo paralelo, transformando
a tradição dogmática em autêntica busca da verdade. Entendemos pontos cegos
como as perspectivas que não conseguem captar a complexidade daquilo que
se apresenta como novo desafio e sobre o que ainda não se tem resposta, razão
pela qual contestam as antigas soluções como insuficientes, pois foram
elaboradas no tempo em que os novos problemas ainda não existiam, sendo
evocadas, portanto, como conclusões atemporais. A insistência nessas respostas
simplesmente pode aumentar a cegueira sobre as causas dos novos problemas.
Nessa estrutura, instala-se um mecanismo político sofisticado, em que a
frágil afetividade da massa cristã se esconde atrás de uma máscara de poder e
intolerância, com o molde da face do Crucificado. Nesse sentido, tal fragilidade
pede a seus representantes messiânicos que salvem o mundo dos pecadores – e,
quanto mais se assemelhar o político a um representante de Cristo, mais o poder
o protegerá e mais se fomentará a resignação do povo que o mantém no poder
de modo inquestionável, pois, no fundo, ele personifica o Deus inquestionável
e perfeito.
Para o filósofo alemão, é exatamente nesse aspecto que começa a
enfermidade do Deus metafísico, pois, na medida em que se ofereceu um
sentido à sociedade, este foi policiado por uma cultura que alimentou o
autoritarismo pelo dogmatismo, e o sentimento de combate à vida do
cristianismo não admite críticas, uma vez que isso é ceder ao inimigo. Contudo,
ceder ao inimigo, no fundo, é voltar à própria frustração, é sair do refúgio
cultural, da forma social que protege o indivíduo de ter de enfrentar o
sofrimento e, mais ainda, de seu confuso desejo real. Temendo frustrar-se com
seu desejo, ele é condenado pela moral cristã e estabelece uma forma cultural e
social de cristianismo segundo a qual a condição para ser aceito é também
condenar e negar o desejo como solução.
169 Filosofia da religião
de Martin Heidegger
Martin Heidegger (1889-1976), filósofo alemão, como leitor de Nietzsche,
dedicou-se a assumir a questão da “morte de Deus” como ponto de partida de
seus estudos (Heidegger, 2003). O autor constrói sua obra com base na crítica a
uma teodiceia apática estreitada pela linguagem de um racionalismo
preocupado com
171 Filosofia da religião
eternidade (tempo ainda não vivido). Dessa forma, só aquele que realiza a
existência consegue captar algo do eterno. “O sentido da temporalidade determina-
se por sua relação fundamental com Deus, de tal maneira, porém, que somente
aquele que vive a temporalidade de maneira realizadora pode entender a
eternidade” (Heidegger, 2010, p. 105).
O referido livro de Santo Agostinho é visto, portanto, como uma narrativa
que se inicia com o saber sobre si próprio e com a percepção cristã de se
descobrir um problema (quaestio mihi factus sum). Contudo, também se descobre
que “há algo no homem que nem mesmo o próprio espírito do homem conhece
[...] a que tentações sou capaz de resistir e a quais não” (Heidegger, 2010, p. 160).
Em linhas gerais, na lente fenomenológica heideggeriana a respeito dos
aspectos fundamentais do conhecimento de si, sobre aquilo em que consiste a
existência, estabelecem-se alguns passos:
_____________________
2 Optamos por utilizar a expressão ma fé sem hífen (há, em nossa língua, o termo má-fé, hifenizado), uma vez
que é tradução direta do conceito sartriano de mauvaise foi, exclusivo do pensamento do filósofo.
177 Filosofia da religião
_____________________
3 “Le coeur noir des choses” (Sartre, 1948, p. 16).
181 Filosofia da religião
desvendado para além de frias palavras. E o poeta, afirma o filósofo ateu, retira
as palavras da “condição humana e o convida [o leitor] a considerar, com os
olhos de Deus, o avesso da linguagem” (Sartre, 2004, p. 18): “Deus, se existisse,
estaria, como bem viram certos místicos, em situação de linguagem em relação
ao homem”4 (Sartre, 1948, p. 28, tradução nossa).
A leitura de obra literária mediante o despertar de uma atitude poética é
um ato de fé em que a liberdade se deixa conduzir pela vontade de existir, tal
como se deixou guiar Cristo em sua Paixão, livremente:
esses sentimentos são de uma espécie peculiar: têm a liberdade como origem;
são dados por empréstimo. Toda crença é livremente consentida, mesmo
aquela que deposito na narrativa. Trata-se de uma Paixão, no sentido cristão
da palavra, isto é, uma liberdade que se coloca resolutamente em estado de
passividade, a fim de obter, por esse sacrifício, um certo efeito transcendente.
O leitor se faz crédulo, desce até a credulidade, e esta, embora acabe por se
fechar sobre ele como um sonho, é acompanhada a cada instante pela
consciência de ser livre. (Sartre, 2004, p. 41-42)
_____________________
4 "Car Dieu, s'il existait, serait, comme l’ont bien vu certains mystiques en situation par rapportà l’homme" {Sartre
1948, p. 28).
183 Filosofia da religião
após Auschwitz
Na condição de pensar a divindade após Auschwitz, Hans Jonas (1903-1993),
filósofo judeu, elaborou um conceito de Deus (Gottesbegriff) pelo qual se
abandona a necessidade de provar sua existência (Gottesbeweiss), como fazia a
segunda escolástica, com
_____________________
5 Auschwitz é considerado o maior símbolo do Holocausto, também conhecido como Shoah. Tratava-se de uma
rede de campos de concentração localizados no sul da Polônia, em territórios anexados pelo regime nazista.
Auschwitz II-Birkenau ficou mais conhecido por ter sido um campo de extermínio.
6 Em 1755, houve um grande terremoto ao sul de Portugal que quase destruiu toda a cidade de Lisboa.
184 Filosofia da religião
O pathos denota não uma ideia de bondade, mas uma relação dinâmica
entre o ser humano e Deus, uma convocação a viver a mesma paixão, a
se envolver com a história humana, como engajamento emocional que
sensibiliza para um crescente e constante envolvimento com a realidade.
O caminho fundamental para se conhecer a Deus é a empatia [sympathy]
com os sentimentos do Deus bíblico, de modo a descobrir que aquilo que
afeta o ser humano atinge não somente sua vida, mas a vida de Deus,
que tem sua atenção voltada para a vida humana. (Villas Boas, 2016, p.
267-268; Heschel, 2007, p. 38-42)
187 Filosofia da religião
no rosto do outro
Outro filósofo judeu importante do século XX foi o franco-lituano Emmanuel
Lévinas (1906-1995). Incialmente, Lévinas acompanhou a crítica de Heidegger
ao projeto platônico da metafísica cristã, que o conduziu a pensar a existência
por meio de uma representação no mundo das ideias, abolindo, com isso, o
modo de pensar dos poetas gregos como forma privilegiada de apreender a
essência das coisas com base em uma experiência de desvelamento de sentido
captada na palavra poética. Com tal deslocamento epistemológico, o logos
passou a ser entendido não como o próprio fundamento da realidade, mas como
uma imagem das ideias em si mesmas. Ou seja, o pensamento especulativo é
direcionado a pensar, em vez da realidade, as ideias, transpondo um modelo
matemático para a tarefa humana de refletir sobre sua condição fundamental,
um modo de ser específico: o ser humano (Heidegger, 2003).
Entretanto, Lévinas identificou uma lacuna no modo de pensar
heideggeriano que o tornava insuficiente para frear uma mentalidade
totalitária, uma vez que os regimes totalitários se tornariam possíveis
exatamente pelo solipsismo advindo da meditação solitária do ser, sem contar
com o rosto do Outro para pensar a realidade. O afastamento do Outro na
reflexão é fonte de toda exclusão social e do imaginário potencialmente
autoritário do Ocidente. Para o filósofo judeu, o pensamento heideggeriano não
seria outra coisa senão mera sofisticação solipsista que continua excluindo a
alteridade da tarefa filosófica. Em seu exame sobre a ontologia e o solipsismo
ocidentais, Lévinas critica o cômodo exercício de pensar sempre o Mesmo sem
lançar-se à aventura de ir em direção ao Outro7 (Lévinas, 2012).
_____________________
7 Quando Mesmo e Outro são empregados com letra inicial maiúscula, referem-se a uma abrangência universal
dessas categorias, na qualidade de estruturas de pensamento. Quando aparecem com letra inicial minúscula,
referem-se a um fenômeno contextuai.
188 Filosofia da religião
excelência, Deus, que infinitamente chama a sair de si pelo desejo que provoca
no outro.
Desse modo, na perspectiva levinasiana, não há subjetivação no
pensamento ocidental, mas consolidação e acomodamento de uma identidade
que reduz o Outro a um assemelhado do Mesmo. Para o autor, só a ética permite
a subjetivação, na qualidade de identidade aberta ao Outro, pois é na
passividade de acolhida deste que a subjetividade emerge, exatamente como
perda das figuras do “eu”. Disso decorre que a ética é a filosofia primeira e
condição para que surja a religião, pois a relação com o Outro é não um ato
gnosiológico pelo qual ele é reduzido a um objeto de conhecimento, mas
fundamentalmente uma relação que institui a própria subjetividade. Isso
acontece porque é na intersubjetividade que é possível a racionalização do
psiquismo, e não como uma essência. O objeto dessa racionalização é a
“transcendência do eu para o Outro” (Lévinas, 2010, p. 9), que, ao instaurar o
“nós”, promove o sujeito ético. A subjetivação é a capacidade de implantar
convivências que se transformam na troca com o Outro, pois é na ética – que
sustenta as convivências – “entendida como responsabilidade, que se funda o
próprio núcleo do subjetivo” (Lévinas, 1997, p. 1); a subjetividade não é algo
que se forma para si, mas para o Outro
Do mesmo modo, a subjetivação exige que se veja a existência como
trabalho, para manter a convivência com o Outro, que tem sempre algo que
excede a mim. Ou seja, nunca haverá uma adaptação plena, o que exige a
postura de acolhida como subjetividade passiva radical. Essa coragem do
convívio é caminho de transcendência, pois rompe com os limites do império
do “eu” e do “idêntico” na permanência com aquilo que difere de mim, em mim
e de mim no Outro. Tal movimento conduz da subjetividade autárquica
limitada para uma processualidade de subjetividade anárquica, que se
desenvolve com base em um princípio fora de
191 Filosofia da religião
_____________________
8 Trata-se do caráter "daquele que é ele próprio, do existente humano considerado como existência singular
concreta; o próprio homem como existência" (Ipseidade, 2019).
192 Filosofia da religião
_____________________
9 Rosto (com inicial em letra maiúscula) é o modo como se desvela o Outro, que passa a ser não somente uma
ideia, mas também uma pessoa.
10 Eu é o Sujeito, como categoria universal que dialoga com o Outro, também uma categoria universal.
11 Dito é o contraponto do Dizer, ambos os quais se referem ao Eu-TU (Outro).
193 Filosofia da religião
poética é, portanto, uma forma de diaconia, visto que se trata de ação por um
mundo que vem permitindo imaginar o advento da história e agir em direção a
ela, como manifestação da presença de Deus que inspira o pensar. Por isso
mesmo, a criação cultural é liturgia que celebra a essência original do sentido
da encarnação como linguagem criadora de poesia e, assim, é um espaço que
institui o âmbito da alteridade como linguagem que ultrapassa limites.
Filosofia e espiritualidade
5.5
não religiosa
Diante do fenômeno crescente dos sem religião ou “desigrejados”, conceitos que
não coincidem com formas de ateísmo, uma vez que têm relação com o
descrédito das instituições religiosas, há uma tendência de tematização das
espiritualidades não religiosas que começa a ganhar consistência teórica.
passando a ser esse o fundamento social (Corbí, 2010; Ribeiro, 2012). Corbí
analisa, por exemplo, o papel das religiões nas sociedades pré-industriais,
enquanto se estruturavam, com base no mito, os processos linguísticos
(metáforas centrais) e, consequentemente, as práticas sociais, sendo a
espiritualidade, ao mesmo tempo, experiência do absoluto da realidade e
integradora da estruturação social. Nesse sentido, a experiência religiosa nas
sociedades agrárias resulta em possibilidade de assimilação da ordem
comunitária, sendo a religião, portanto, a principal autoridade social e
legitimadora da ordem, na medida em que elabora uma epistemologia mítica
que produz crenças imbuídas de costumes.
O mito é uma mediação linguística orientadora do desejo, que possibilita
uma interiorização semântico-simbólica que resulta em uma ordenação
intersubjetiva, ou seja, estrutura as relações sociais desde o mais íntimo dos
indivíduos. Na antropologia corbiana, entretanto, o ser humano é concebido
como “desfundado”, ou seja, como radical de ausência de fundamento
predefinido, razão pela qual, com a mudança de paradigma das sociedades
agrárias para as industriais, os mitos acabam sendo insuficientes para atender
às novas formas de organização coletiva e individual. Com isso, as ideologias
passam a cumprir o papel de sistemas de crenças, especialmente na
bipolaridade entre capitalismo e socialismo. Por sua vez, com as sociedades de
inovação, há novas subjetividades oriundas das mudanças organizacionais e
comunicacionais, portadoras de outra “estrutura de desejos, temores,
recordações e expectativas” (Corbí, 2010, p. 126; Corbí, 1983, p. 36, tradução
nossa).
Outro traço dessa mudança estrutural que impacta o sistema de crenças
é a ausência de imobilismo social, o que exige uma disposição de constante
interpretação da realidade diante das incertezas e das inseguranças oriundas
das novas situações. Disso demanda uma construção contínua de projetos
axiológicos coletivos que renunciem aos comportamentos de controle social,
sendo essa
198 Filosofia da religião
postura uma tentação (Corbí, 2013). Logo, o indivíduo se adequa mais à ordem
social não pelo fato de cumprir um preceito, mas pela sua capacidade de
adaptação, condição que exige novos modos de pensar, sentir e agir. Nessas
condições, o projeto de uma espiritualidade laica do filósofo catalão consiste em
traduzir o legado de sabedoria das antigas tradições com a finalidade de ajudar
o indivíduo contemporâneo a fazer a experiência do absoluto em um mundo
instável.
Entretanto, há que se depurar tais sabedorias de sua epistemologia mítica,
definidora do modo de ser, para que elas sejam lidas como metáforas ou
grandes poemas sem crenças, pela capacidade de conduzirem a um caminho
interior, à descoberta do inefável, a um conhecimento silencioso do absoluto,
como puro dom e pura presença que não pertencem a ninguém ou cujo controle
ou representação não constitui direito de alguém. (Corbí, 2010). A transposição
desses legados de sabedoria envoltos em espiritualidades pode ajudar a
produzir um desapego de si, dos bens finitos e um itinerário de silenciamento
como um concentrar-se para descentrar-se no Outro e nos outros. A via do
silêncio é um caminho de unidade e amor incondicional a todos os seres, ofere-
cendo outro padrão de interpretação e valoração da estrutura de desejos e
temores que geram inquietação e sofrimento, produzindo, então, serenidade e
empatia.
Solomon propõe, assim, que não é necessário ser religioso nem membro
de uma religião organizada para ser espiritual. A prova disso é exatamente a
expressiva quantidade de pessoas religiosas e devotas que são, ao mesmo
tempo, “tão desprovidas de espiritualidade quanto um copo vazio” (Solomon,
2003, p. 19). A busca do autor é de um sentido não religioso, não institucional,
não teológico, não baseado em escrituras e que não seja farisaico, dogmático,
anticiência, acrítico nem carola ou pervertido.
Desse modo, o autor propõe uma espiritualidade naturalizada que se
caracteriza como um interesse apaixonado no aqui e no agora, sem necessidade
do sobrenatural, para a busca de um amor reflexivo à vida.
Para Solomon (2003), a espiritualidade apresenta as seguintes
características: tem uma afinidade profunda com a reflexão; entra em conluio (e
não em conflito) com a ciência; e não está limitada à religião e, menos ainda, à
religião sectária e autoritária (Solomon, 2003)10 autor parte de uma crítica ao
esquecimento e ao desvio por que passou a filosofia – de um amor à sabedoria
para se tornar um empreendimento “técnico tedioso” –, a qual deixou, portanto,
de despertar para uma busca do sentido da vida, incorrendo no risco de ser um
espaço de produção de subterfúgio intelectualizado. Uma das causas desse
desvio é o fato de a filosofia ter se separado das questões de espiritualidade,
como um exercício concreto de “enfrentar a vida e o mundo” (Solomon, 2003,
p. 22).
Para o autor, uma espiritualidade pertinente ao indivíduo con-
temporâneo deve ajudá-lo a enfrentar as questões universais que se apresentam
na vida, como a “necessidade pessoal e coletiva de entender com clareza nosso
lugar no mundo”, dando uma resposta, por exemplo, à pergunta sobre “como
viver e como enfrentar dificuldades e tragédias esmagadoras na vida? [..] como
pensar a morte e como lidar com ela?” (Solomon, 2003, p. 25). Seguindo Hegel,
Solomon (2003, p. 31) entende que a espiritualidade é a
200 Filosofia da religião
Como todo mundo que conhece mesmo um átimo de filosofia sabe, Nietzsche
é o filósofo mais veementemente antirreligioso, anticristão, do cânone
ocidental. Kathy conserva e pratica "religiosamente" seu catolicismo, mas isso
não a impede de defender o grande filósofo do "Deus está morto". Como o
consegue [...] a ideia central, trocada em miúdos, é que seu catolicismo – e seu
amor a Nietzsche – consiste em profunda espiritualidade. (Solomon, 2003, p.
23)
SÍNTESE
Neste capítulo, vimos que o fazer filosófico contemporâneo que se ateve à
questão religiosa, em grande parte, não a recusou em si, mas criticou o modo
como influencia a dinâmica da vida das pessoas. Uma crítica comum à religião
tem a ver, ao menos no Ocidente, com a noção de platonismo ou com a
idealização da vida que opera em um outro plano, a qual acaba por interferir no
modo de relacionar-se com a realidade. A questão da “morte de Deus”, em
Nietzsche, por exemplo, tem relação direta com o fim desse tipo de
racionalidade idealizadora.
Discutimos também que a filosofia de Sartre é crítica a toda forma de má
fé que conduza a uma alienação da vida e dos desafios históricos que
demandam sensibilidade ética e engajamento. Por sua vez, a filosofia judaica do
século XX empreendeu (e ainda tem empreendido, neste século) outra via para
pensar a questão de Deus, distinta da teorética e da questão da verdade:
assumiu a via ética, ressignificando a religião de modo a ultrapassar uma
postura de condenação de heresias e passar a uma heterologia ou a uma
convivência ética com a alteridade. Nesse caso, a questão religiosa se desdobra
na busca de espiritualidade, como um sintoma do espírito de época. A razão de
recusa de Deus de décadas atrás se desloca, então, para uma razão de recusa
das instituições religiosas.
Ao final do capítulo, abordamos os posicionamentos de autores mais
contemporâneos, que foram indicados para aprofundamento da questão
filosófica da religião no mundo atual, como Marià Corbí e Robert Solomon12.
_____________________
12 Para conhecer as ideias de outros autores contemporâneos, indicamos: Jürgen Habermas (1929-); Alain
Badiou (1937-); Boaventura de Sousa Santos (1940-); Giorgio Agamben (1942-); Slavoj 2izek (1949-), entre outros.
204 Filosofia da religião
INDICAÇÕES CULTURAIS
ANTICRISTO. Direção: Lars von Trier. Dinamarca; Alemanha; França; Suécia;
Itália; Polônia: Califórnia Filmes, 2011.108 min.
Trata-se de um drama dinamarquês que questiona a perda da consciência
trágica por meio de uma estética do absurdo, vendo a vida como um
espaço em que não há redenção e em que não cabe a teodiceia.
ATIVIDADES DE AUTOAVALIAÇÃO
1. Qual temática a seguir inaugura o desafio de uma nova filosofia da religião
para a contemporaneidade?
A] A religião como ópio do povo, em Karl Marx.
B] A revanche do sagrado, de Leszek Kolakowski.
C] O poder pastoral, de Michel Foucault.
D] O fim do dossel sagrado, de Peter Berger.
E] A morte de Deus, em Friedrich Nietzsche.
ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM
Isso não significa que não existiam teólogos que destoavam daqueles que
forneciam motivos para a crítica. Havia nomes como Vicente de Paulo (1581-
1660), Francisco Suarez (1548-1617), João Batista de La Salle (1651-1719),
Marcelino Champagnat (1789-1840) e Robert de Lamennais (1782-1854), que
foram responsáveis pela origem do que se chamou de catolicismo social, por
exemplo, que mais posteriormente seria denominado de doutrina ou ensinamento
social da Igreja, com abrangência ecumênica. Ademais, tudo isso não significa
também que os críticos do cristianismo eram isentos de contradições, como é
possível verificar na ambígua história da Revolução Francesa, que, em nome da
justiça aos mais pobres, fez da burguesia a senhora do mundo, a qual acabou
sendo também muito intolerante (Villas Boas; Siena, 2018).
Entretanto, tal análise serve para demonstrar como a teologia e também
as religiões são vulneráveis aos condicionamentos históricos, sociais, políticos e
culturais de cada tempo, e não raro incorrem na tentação de servir ao poder
político. É nessa perspectiva, por exemplo, que Voltaire abominava a teologia,
mas não a Deus, ou a fé, que chamava de religião natural. Na perspectiva de
Voltaire (2000), a religião é tanto melhor quanto mais simples e mais próxima
das virtudes, uma “religião do coração”, e não uma “religião de cerimônias”,
com teologias que provocam brigas e divisões, nas quais Deus, em vez de
manter-se vinculado à vida, à felicidade e à justiça, está ligado aos ritos e aos
interesses muitas vezes políticos da instituição, a qual, em sua sede de verdade,
torna-se aqueles motivos de discórdia e violência. Para o iluminista francês, o
único Deus possível é um “Deus justo" que nos deu “uma razão para o conhecer
e um coração para o amar” (Voltaire, 2000, p. 6,188)
A razão de recusa de Voltaire, como representante de uma geração de
pensadores iluministas, é o processo de platonização da categoria revelação,
que resultou em uma teologia em forma de
212 Ciências da religião e teologia
o modo como elas se enunciam, sempre, porém, com o mesmo sentido [sensu]
e significado [sententia]” (GS1, n. 62).
Esse concílio, ao evocar os termos sensu e sententia, remete ao método
teológico de Hugo de São Vitor (1096-1141), no século XII, que é resumido em
uma fórmula célebre: “littera, sensu, sententia".
_____________________
1 Gaudium et Spes: constituição dogmática sobre a Igreja no mundo atual (Concílio Vaticano II, 1965).
2 Cf. Chenu, 1983, p. 412; Hugo de São Vitor, 2001, p. 9.
218 Ciências da religião e teologia
tarefa de reforma (Theobald; Sesboüe, 2006; Passos, 2016). Apesar de ter sido
um episódio católico, ocorreu uma transformação na perspectiva teológica do
século XX como um todo, que levou a teologia a se entender como ciência
hermenêutica.
Dito de outra maneira, a teologia em situação hermenêutica, para Geffré
(1989), implica: análise das condições tanto de contexto quanto de ambiente de
produção de um texto/discurso; análise das implicações da subjetividade
humana como ambiente de recepção do mesmo texto/discurso, que também é
ativa na tarefa hermenêutica; análise do uso ideológico, consciente ou não,
dessas mesmas linguagens e práticas subentendidas. Com as tarefas de análise
e de produção de linguagem, essa teologia supõe a busca de melhores condições
de efetuar essas atividades de forma que sejam capazes de expressar do interior
do fenômeno religioso seu sentido e sua referencialidade, além do diálogo com
a cultura e a sociedade de seu tempo (Geffré, 1989).
“A necessidade de uma hermenêutica, isto é, de uma interpretação no
hoje do nosso mundo, encontra um fundamento na própria Bíblia e na história
de sua interpretação” (Santa Sé, 1993). Ou seja, o exercício hermenêutico
constitui a base epistemológica da teologia e, ao mesmo tempo, seu saber
acumulado torna-se o fundamento da tradição cristã, como semântica do
Mistério, de cujo dado referencial a teologia é exercício hermenêutico, a saber,
o conceito de Revelação. Entretanto, em suas essências, as grandes tradições
religiosas nascem como mistagogas ou, ainda, como pedagogas de um caminho
ou de um estilo de vida, os quais, se forem seguidos, proporcionarão a busca da
experiência fundacional, isto é, da revisitação da experiência do fundador.
O processo mistagógico se institui como caminho de sabedoria, o qual
pode ser classificado em quatro grandes pilares, que se amalgamam como
totalidade simbólica social na qual o indivíduo se insere, como cultura
alternativa. Pela pedagogia mística de
219 Ciências da religião e teologia
_____________________
3 Trata-se da compreensão referente à cultura grega e, ao mesmo tempo, a um sistema de educação segundo o
qual tudo está interligado.
222 Ciências da religião e teologia
O debate epistemológico
6.2
históricas e/ou empíricas, e uma visão “reducionista”, que se atém somente aos
aspectos empíricos (contextos histórico, social, cultural e psicológico). Também
cita as tensões sobre o estatuto da disciplina, entre uma proposta de “método
unificado” (ciência da religião) ou um “campo de estudos (inter)disciplinares”
(Camurça, 2011, p. 13), em que o ponto comum entre disciplinas está na temática
da religião.
Essas divisões, defende Camurça (2011), parecem ser muito mais o
resultado das clivagens produzidas pelo Iluminismo, que dividiu os
conhecimentos entre os “saberes da história, cultura e sociedade [ciências da
religião] de um lado, e saberes de transcendência [teologia e filosofia da
religião], de outro” (Camurça, 2011, p. 19).
Contudo, diante da complexidade contemporânea do fenômeno religioso
– marcada por globalização, fragmentação, desregulação das instituições sociais
e religiosas, hibridismos de territórios e identidades, diversidade de atores e
temas (gênero, sexualidade, ecologia, informática, mídia), aspectos que
configuram um fenômeno religioso em transição em relação a suas concepções
tradicionais o antropólogo da religião propõe uma perspectiva de articulação
entre as distintas perspectivas e os diferentes métodos a fim de promover a via
da colaboração, passando-se das tensões estanques para uma tensão com
complementação.
Ademais, Camurça (2011) inclui nesse debate o papel da teologia, não
sem uma redefinição da tarefa e dos paradigmas, procurando recuperar “as
mediações socioculturais e a historicidade de seus conceitos de revelação”
(Camurça, 2005, citado por Camurça, 2011, p. 20) para além do discurso de
legitimidade confessional, a fim de se debruçar, junto com as ciências da
religião, sobre a crise da modernidade e as questões de desinstitucionalização e
recomposição religiosa (Camurça, 2011).
Também Fabiano Campos propõe essa perspectiva de indissolubilidade,
com base na proposta de Paul Ricoeur, entre as
238 Ciências da religião e teologia
_____________________
4 Campo de estudos interdisciplinar que abrange teologia, ciências da linguagem religiosa e estudos literários,
no âmbito do qual já se realizam pesquisas há quase 30 anos no Brasil.
5 Disponível em: <http://www.soter.org.br/>. Acesso em: 23 ago. 2019.
6 Disponível em: <http://www.abhr.com.br/>. Acesso em: 23 ago. 2019.
7 Disponível em: <http://www.alalite.org/>. Acesso em: 23 ago. 2019.
8 Disponível em: <http://www.anptecre.org.br/>. Acesso em: 23 ago. 2019.
9 Disponível em: <http://abfr.org/>. Acesso em: 23 ago. 2019.
241 Ciências da religião e teologia
ideologia: aproximações em
Fredric Jameson e Paul Ricoeur
Ao se pensar o método teológico como racionalidade de um sistema de crença
– o próprio sistema em relação a outros – e o método das ciências da religião
como análise de um sistema de crença – o sistema de um outro –, vale a pena
considerar as contribuições de Fredric Jameson (1934-) e Paul Ricoeur (1913-
2005).
A ideologia em geral diz respeito a um modo operacional pelo qual a
consciência acredita em algo, indicando que tal ideia é condicionada por fatores
externos à própria consciência, de diversas ordens (histórica, social, cultural e
psicológica), compondo, assim, o imaginário pessoal que determina aquilo que
se pensa. Ao mesmo tempo, é um aspecto externo que se instala como
interpretação imediata da experiência vivida, uma interface que configura o
olhar para com o vivido e a sensibilidade para com os fatos e suas
reminiscências, os afetos.
243 Ciências da religião e teologia
O inconsciente político
6.3.1
de Fredric Jameson
Fredric Jameson (1934-) segue a hermenêutica da suspeita abordando
fundamentalmente a base da inautenticidade da verdade na própria linguagem,
assumindo a contribuição de Nietzsche. Portanto, por ser linguagem, ela está
vinculada à tradição psicanalítica do inconsciente como expressão das
psicodinâmicas que interferem no modo de ser, a fim de esconder de si as
próprias intenções narcísicas. Nesse sentido, quanto mais se negam tais
intenções, mais elas têm livre acesso à interferência das ações pessoais. Desse
modo, o pensar ideologicamente se instala na consciência não somente como
visão de mundo, mas também, dada a relação intrínseca das instituições
isoladas dos mestres da suspeita (Marx, Freud e Nietzsche), como interpretação
do sentimento de estar vivo (pathos) e atuante no mundo (diké), aspecto
característico da relação entre linguagem e práxis.
Jameson (1992), ao tratar especificamente da ideologia detentora de raiz
na linguagem, refere-se ao inconsciente político, portanto, como uma
sensibilidade que se instala no modo de ser pessoal, social e, consequentemente,
político. Tal como a dinâmica do ato falho, manifesta-se o ato contraditório da
política ao se fazer visível no fenômeno particularmente humano da linguagem,
modo essencialmente do âmbito político. Assim, esse âmbito é, por excelência,
o lugar do conflito e do antagonismo, sinais típicos de manifestação do
inconsciente. De modo especial, o estudioso norte-americano critica a estética
realista por se pretender esclarecer algo que é próprio da complexidade da
dinâmica do profundo.
Os elementos complexos e dinâmicos dessa profundidade inconsciente
do político são apresentados como movimentos que se interpenetram em três
círculos concêntricos, a saber: i) o nível político; ii) o nível social; e iii) o nível
histórico desse dinamismo.
246 Ciências da religião e teologia
em Paul Ricoeur
Para Paul Ricoeur (1913-2005), é necessário cruzar Marx no tocante à questão
das ideologias, ou seja, assimilar sua contribuição, mas superar alguns pontos
cegos, ampliando a análise da função social da ideologia a fim de descrever
primeiro sua atribuição geral e depois seu papel de dominação social e de
inversão de percepção – essa, propriamente dita, é a leitura de Marx (Ricoeur,
2011). Para o filósofo francês, a função geral da ideologia é provocar unidade
social, ou seja, há uma ação positiva de ser integradora de grupos sociais na
medida em que promove um sistema de crenças, como a fé em valores que
permitem integrar grupos distintos, como fazer o bem, ser justo e procurar a
paz, pois, quando pessoas, mesmo de grupos distintos, acreditam em tais
valores, ocorre em alguma medida uma unidade social em torno da questão. Tal
função social geral tem cinco traços principais (Ricoeur, 2011). A seguir apresen-
tamos um resumo desse trabalho (Villas Boas, 2018, p. 334-335):
5) Por fim, o quinto traço promove uma tipificação, que Ricoeur também chama
de temporal, em que o novo só pode ser recebido a
250 Ciências da religião e teologia
_____________________
10 Trata-se da postura de negar os conflitos em nome da paz, o que se reflete como falsa paz, uma vez que não
atende às dores do confronto.
254 Ciências da religião e teologia
que dói, e as razões daqueles que contestam para agirem assim. Não há
mudança política sem luta, mas o mediador social deve qualificar o
antagonismo social para que sempre se aproxime da luta pela justiça, ao mesmo
tempo que procura distância de oportunismos partidários. Aos que contestam
é preciso mostrar a necessidade e o sentido do ingresso nas instituições políticas,
pois só é possível mudar o espaço político participando dele de algum modo.
Nesse sentido, os movimentos sociais são protagonistas de mudanças e de
participação democrática por representarem a dor da história e conduzirem o
poder à finalidade de possibilitar o bem comum.
Encerramos este capítulo recordando a ideia do analista social português
Boaventura de Sousa Santos sobre a importância das teologias políticas plurais
contra os regimes de terror. O autor acrescenta entre elas a teologia latino-
americana no livro Se Deus fosse um ativista dos direitos humanos (Santos, 2013).
Santos (2013) aponta para a profunda pertinência da teologia da
libertação como conscientização qualificadora da fé, que conseguiu unir valores
da análise crítica aos processos políticos, abandonando a ingenuidade em plena
época de ditadura. Esse processo, segundo o autor, é bastante inspirador para o
que ele chama de teologia islâmica da libertação e para a tentativa de uma
hermenêutica política do Islã que se afaste da tentação do jihadismo. Há, nessa
tarefa ressignificadora das teologias políticas, muito mais do que uma adesão a
um lado político: há uma transformação de imaginário que promove a mudança
da percepção de povo em que se tende a aceitar privilégios graças a uma
mentalidade de eleitos para uma perspectiva do público como espaço das
alteridades e da luta por direitos igualitários, dada a consciência de dignidade
humana comum.
Nesse sentido, as teologias políticas plurais não pertencem a cenários
políticos específicos, mas se manifestam como instâncias críticas a qualquer um
deles, mesmo àqueles com que têm maior
255 Ciências da religião e teologia
afinidade, e atuam como mediadoras sociais que optam pelos que mais sofrem
as dores da história.
Mesmo a reflexão crítica pensa com base na ideologia e, em sua busca de
honestidade intelectual, mantém uma relação de autocrítica e de abertura ao
debate. O risco ideológico ocorre quando um sistema de crença se torna um
instrumental de hegemonia, como função de dominação, resultando em formas
de totalitarismo alimentadas por fundamentalismos. Estas, na perspectiva de
Slavoj Žižek (1949-), podem ser tanto de extrema direita – como foram o
fascismo e o nazismo, ainda que alguns hoje não concordem com essa
perspectiva – quanto de extrema esquerda – como o stalinismo –, ou ainda
religiosas – como o jihadismo do não reconhecido e autoproclamado Estado
Islâmico (Žižek, 2013). Todas elas são dependentes de um imaginário totalitário
que “desobriga a pensar ou impede de pensar ativamente” (Žižek, 2013)11.
Vale ainda citar a indústria cultural, que não somente conta com o uso de
ideologemas como também não elimina o antagonismo social, do qual, aliás, se
aproveita. O vulgarismo dos ideologemas não permite pensar globalmente e
agir localmente, pois estes têm comportamento genérico, sem reconhecer os
processos históricos (passado-presente-futuro) que causam o conflito. Quer
sejam ideologemas de direita – que mantêm a crença em uma espécie de
idealismo aristocrático de uma elite que quer salvar o povo e para isso apregoa
a conservação ou a volta dos costumes que asseguravam a ordem e o combate
àqueles que deles discordam –, quer sejam ideologemas de esquerda – em forma
de protestos contra o sistema, que insiste em modos anteriores de produção
(indústrias agrícolas e caseiras), alternativas que se desvinculam das
instituições, como leitura romântica do passado, e que, com frequência, moldam
legítimas narrativas proféticas, com perspicácia de diagnóstico, porém com
prognósticos por demais utópicos.
_____________________
11 A Publicação eletrônica não paginada.
256 Ciências da religião e teologia
SÍNTESE
Neste capítulo, vimos que as razões de negação das ciências da religião estão
muito ligadas a questões ideológicas e políticas, as quais dominaram o ambiente
de produção teológica no século XIX. Nesse contexto, abordamos o debate
epistemológico que há entre ciências da religião e teologia, o qual apresenta no
Brasil um caso suigeneris de mútua colaboração desde o primeiro momento,
razão pela qual é traduzido pela interdisciplinaridade.
Mostramos que várias questões criticadas pelas ciências da religião foram
assumidas pelas teologias investigativas e que o modo como se estruturou a
disciplina do cientista da religião ajudou e tem ajudado o teólogo a entender-se
como especialista da própria tradição religiosa, o que lhe permite elaborar uma
autocrítica.
Também destacamos que uma das formas de teologia que dificultam o
diálogo é a criação de teodiceias, cujo intuito é dar justificações divinas a
questões histórico-sociopolíticas. Além disso, a interlocução crítica das ciências
da religião com a teologia ajuda a segunda a redescobrir-se como ciência
hermenêutica.
257 Ciências da religião e teologia
INDICAÇÕES CULTURAIS
12 ANOS de escravidão. Direção: Steve McQueen. Estados Unidos: Disney;
Buena Vista, 2013.133 min.
Essa obra trata da questão do sistema escravocrata e da mudança de uma
hermenêutica teológica que legitimava a escravidão para uma
perspectiva teológica de libertação.
A FONTE das mulheres. Direção: Radu Mihaileanu. França; Bélgica; Itália: Paris
Filmes, 2011.135 min.
Essa produção trata do surgimento de uma perspectiva feminino-
religiosa crítica aos costumes machistas que são transmitidos
tradicionalmente como valor religioso.
DOM HÉLDER Câmara: o santo rebelde. Direção: Erika Bauer. Brasil: Cor
Filmes, 2006. 74 min.
Esse documentário mostra a biografia de Dom Hélder Câmara e a
maneira pela qual o compromisso dele com os mais pobres brota de uma
experiência de fé.
ATIVIDADES DE AUTOAVALIAÇÃO
1. O que faz o conhecimento teológico ser considerado uma forma de ciências
humanas, e não mera pseudociência?
A] A oferta de racionalidade crítica a um sistema de crença por meio de um
procedimento hermenêutico.
B] A fé e a dúvida alinhadas à não racionalidade metodológica e epistêmica
de valores ocidentais.
C] A capacidade de se manter fiel a uma doutrina.
D] A inteligência da fé e a maturidade acrítica do ceticismo oriental.
E] O fato de a teologia não ser uma ciência.
259 Ciências da religião e teologia
A TIVIDADES DE APRENDIZAGEM
CONSIDERAÇÕES FINAIS
cultural e política, âmbitos estes que, por sua vez, podem abrigar perspectivas
anacrônicas ou não suficientemente calibradas entre questões remotas e
contemporâneas. Cabe observar, pois, que as resistências e as aberturas ao
avanço dessa discussão são comuns em toda a comunidade acadêmica.
Um traço muito interessante da comunidade acadêmica brasileira de
cientistas da religião e teólogos é que, desde o início, houve uma mútua
colaboração multidisciplinar em não poucos casos, o que agora tende a evoluir
para um perfil interdisciplinar no campo de estudos da religião.
Esta obra, portanto, teve a intenção de introduzir o leitor nessa tarefa que,
uma vez que nunca se encerra, mantém-se em constante adaptação aos desafios
de cada época. O debate epistemológico aqui apresentado visa, então, colaborar
com a seriedade do trabalho de pesquisa e de produção de conhecimento em
estudos da religião, a fim de atender a tais desafios.
Por fim, não obstante as religiões tenham servido a alguns dos momentos
mais sombrios da história humana, elas ainda podem ocupar um espaço de
grande relevância como colaboradoras dos processos de transformação social e
cultural. Assim, os estudos científicos de religião visam ajudar as religiões a
cumprir seu dever sagrado de humanizar o humano.
264
REFERÊNCIAS
________. Lei n. 9.475, de 22 de julho 1997. Diário Oficial da União, Poder Legis-
lativo, Brasília, DF, 23 jul. 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/LEIS/L9475.htm#artl>. Acesso em: 9 ago. 2019.
________. The Descent of Man, and Selection in Relation to Sex. London: John
Murray, 1871. v. 1-2.
FILORAMO, G.; PRANDI, C. As ciências das religiões. São Paulo: Paulus, 1999.
FOUCAULT, M. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências hu-
manas. Tradução de Salma Tannus Muchail. São Paulo: M. Fontes, 2000.
JONAS, H. O conceito de Deus após Auschwitz: uma voz judia. São Paulo:
Paulus, 2016.
KANT, I. Crítica da razão pura. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção Os
Pensadores).
________. Metafísica dos costumes. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Edipro,
2003.
LUKAS, E. Una vida fascinante. Buenos Aires: San Pablo, 1994. (Coleção
Noésis).
MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã. 5. ed. São Paulo, Hucitec, 1986.
NIETZSCHE, F. Also Sprach Zaratustra: ein Buch für Alle und Keinen.
Norderstedt: Grin Verlag, 2009.
________. Die Geburt der Tragödie aus dem Geiste der Musik. Teddington:
Echo Library, 2006.
________. Jenseits von Gut und Böse. Zur Genealogie der Moral. Nietzsche
Werke. Kritische Gesamtausgabe. Berlim: Walter de Gruyter, 1968. Abteilung
VI, Band 2.
OTTO, R.; HARVEY, J. The Idea of the Holy: an Inquiry into the non Rational
Factor in the Idea of the Divine and its Relation with the Rational. London:
Oxford University Express, 1926.
277
PETER, R. Viktor Frankl: a antropologia como terapia. 2. ed. São Paulo: Paulus,
2005.
PIO IX, Papa. Quanta Cura. Roma, 8 de dezembro de 1864. Disponível em:
<https://w2.vatican.va/content/pius-ix/la/documents/encyclica–quanta-
cura-8-decembris-1864.html>. Acesso em: 8 ago. 2019.
RADIN, P. Primitive Religion: its Nature and Origin. New York: Dover, 1957.
RELIGIÃO & SOCIEDADE. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_serial&pid=0100-8587&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 9 ago.
2019.
________. Teologia pública num Estado laico: ensaios e análises. São Leopoldo:
Sinodal, 2018.
281
SOARES, A.; PASSOS, J. (Org.). Teologia pública: reflexões sobre uma área de
conhecimento e sua cidadania acadêmica. São Paulo: Paulinas, 2011.
WACHHOLZ, W. Por uma teologia como ciência e pela ecumene das ciências.
In: CRUZ, E. R.; MORI, G. de (Org.). Teologia e ciências da religião: a caminho
da maioridade acadêmica no Brasil. São Paulo: Paulinas; Belo Horizonte: Ed. da
PUC-Minas, 2011. p. 199-217.
BIBLIOGRAFIA COMENTADA
SOARES, A.; PASSOS, J. (Org.). Teologia pública: reflexões sobre uma área de
conhecimento e sua cidadania acadêmica. São Paulo: Paulinas, 2011.
Nessa obra, organizada por Afonso Ligório Soares e João Décio Passos, ambos
docentes do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da PUC-SP,
considera-se o papel social da religião como incorporação da agenda pública no
labor teológico. A proposta é pensar o lugar público do teólogo e a pertinência
social do discurso teológico, questões que aproximam a teologia pública de um
diálogo com as ciências da religião. A obra reúne diversos pesquisadores da
área.
RESPOSTAS
Capítulo 1 Capítulo 4
Atividades de autoavaliação Atividades de autoavaliação
1.c 1.b
2.a 2.e
3.e 3.a
4.d 4.e
5.a 5.b
Capítulo 2 Capítulo 5
Atividades de autoavaliação Atividades de autoavaliação
1.b 1.e
2.c 2.c
3.a 3.a
4.a 4.d
5.e 5.b
Capítulo 3 Capítulo 6
Atividades de autoavaliação Atividades de autoavaliação
1.e 1.a
2.c 2.a
3.a 3.e
4.d 4.c
5.c 5.d
292
SOBRE O AUTOR
A
295