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Dedicató ria
Prefá cio
Agradecimentos
Introduçã o: reflexõ es diversas do início da carreira
1. Do atendimento médico em tempos de có lera
2. Erística e medicina
3. Uma vida indigna de ser vivida?
4. Quando a medicina enlouqueceu
5. A medicina comunista
6. Distopia revisitada
7. Liberdade e consciência médica
8. Tudo é bom motivo para matar um bebezinho…
9. Um mergulho nas pró prias trevas
10. Uma ponte para o futuro direto do passado
11. Bibliografia de bioética
D ISBIOÉTICA – VOLUME 2
Novas reflexõ es sobre os rumos de uma
estranha ética
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Hélio Angotti Neto


@ 2018, de Hélio Angotti Neto
 

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por
EDITORA MONERGISMO
SCRN 712/713, Bloco B, Loja 28 — Ed. Francisco Morato
Brasília, DF, Brasil — CEP 70.760-620
www.editoramonergismo.com.br
 
1 a ediçã o, 2018

Revisão : Felipe Sabino de Araú jo Neto e Rogério Portella


Capa : Bá rbara Lima Vasconcelos
 
PROIBIDA A REPRODUÇÃ O POR QUAISQUER MEIOS,
SALVO EM BREVES CITAÇÕ ES, COM INDICAÇÃ O DA FONTE.
 
 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Angotti Neto, Hélio


Disbioética: Reflexõ es sobre os rumos de uma estranha ética, volume 2 / Hélio
Angotti Neto — Brasília, DF: Editora Monergismo,               2018.
 
ISBN: 978-85-69980-77-3
 
1. Medicina 2. É tica 3. Filosofia
 
I. Hélio Angotti Neto II. Título.
CDD 306
 
Sumário
Dedicató ria
Prefá cio
Agradecimentos
Introduçã o: reflexõ es diversas do início da carreira
1. Do atendimento médico em tempos de có lera
2. Erística e medicina
3. Uma vida indigna de ser vivida?
4. Quando a medicina enlouqueceu
5. A medicina comunista
6. Distopia revisitada
7. Liberdade e consciência médica
8. Tudo é bom motivo para matar um bebezinho…
9. Um mergulho nas pró prias trevas
10. Uma ponte para o futuro direto do passado
11. Bibliografia de bioética

Dedicatória
À minha esposa Joana e aos meus filhos Arthur e Heitor pela
convivência e pela inspiraçã o em deixar algo de bom, belo e ú til
como legado para as pró ximas geraçõ es.
Prefácio
 
Nos ú ltimos anos, o autor desta obra, dr. Hélio Angotti Neto,
vem desempenhando um papel fundamental no Brasil na
denú ncia daquilo que chama apropriadamente de disbioética
. Como nã o poderia ser diferente, seu foco principal tem
[1]

sido o combate ao holocausto do século XXI – o aborto, o


[2]

genocídio silencioso de nossa era. Qualquer médico que nã o


se oponha a esse terrível atentado contra a dignidade
humana e contra essa covardia para com inocentes nã o é
digno do sal que come, quem dirá do pã o. As atrocidades
[3]

desse plano (em plena execuçã o) diabó lico estã o bem


documentadas e devidamente expostas e criticadas nos seus
excelentes livros A morte da medicina [4]
e A tradição da
medicina . [5]

Este livro ― segundo volume da série Disbioética ― trata nã o


apenas da perversã o da bioética, que nã o está restrita à
agenda abortista, mas também de filosofia, política e
teologia. E nã o poderia ser diferente. Afinal, a técnica
filosó fica — retó rica, dialética e ló gica — é ú til em
[6]

qualquer debate, quando se pode inclusive antecipar


objeçõ es futuras e expor falá cias, meias-verdades e sofismas.
O capítulo 2 apresenta um desses casos, e Hélio ensina
mediante o exemplo como examinar as falá cias esquerdistas
que nos rodeiam por toda parte — na grande mídia, nas
universidades e nos supostos “especialistas”. Hélio é um
médico filó sofo, isto é, para ele filosofia nã o é uma profissã o,
mas sim norma e sentido da vida. [7]

A discussã o política, por sua vez, é imprescindível, pois “as


controvérsias em torno das políticas pú blicas e os debates
morais mostram que, diante da diversidade de
consideraçõ es morais, temos sempre concepçõ es diferentes
acerca da vida moral”. E particularmente no Brasil temos
[8]

uma elite minoritá ria que anseia impor suas concepçõ es


ateístas, progressistas e marxistas (que em geral sã o
sinô nimos) contra a maioria da populaçã o, adepta
(conscientemente ou nã o) dos valores judaico-cristã os que
modelaram o mundo ocidental. [9]

Por ú ltimo, o valor da teologia no campo da bioética é


inestimá vel. O cristianismo ― por meio de homens como
Agostinho de Hipona e Tomá s de Aquino, por exemplo ―
moldou a ética ocidental, sendo um dos grandes
responsá veis pela extinçã o do barbarismo pagã o. Assim,
[10]

como grande defensor da tradiçã o cristã (e hipocrá tica), [11]

os pressupostos teoló gicos de Hélio permeiam todo este


livro. Aliá s, seus escritos sã o um convite à coerência, pois
nã o poucos cristã os assumem posiçõ es éticas contrá rias à
cosmovisã o e religiã o que professam, ao mesmo tempo em
que constituem um desafio ao “infiel”, para que este veja a
beleza do padrã o ético legado pelo cristianismo.
Angotti aprendeu a liçã o de que “o médico que só sabe
medicina nem medicina sabe” (Letamendi). Assim, seu
conhecimento filosó fico e aporte cultural permite-lhe
aná lises substanciais e precisas, revelando as falá cias e os
pressupostos por detrá s dos inimigos de toda a tradiçã o
ocidental ― cristã e hipocrá tica. Desejoso que seus leitores
também possam beber das riquezas da ampla cultura, o dr.
Hélio oferece no capítulo 11 deste livro um precioso “plano
de leitura” abrangendo histó ria, bioética, filosofia e muito
mais.
Isto posto, o leitor tem em mã os um livro simples, que nã o se
detém em logomaquias nem se resvala para o pedantismo;
antes, proclama uma mensagem fundamental: há uma luta
contra a pró pria humanidade e os homens de bem devem se
preparar para combater este bom combate. Nã o se trata de
uma convocaçã o à revoluçã o, mas um chamado ao preparo
intelectual e à coragem para expormos as obras das trevas.
Fujamos, pois, da omissã o, porque “aquele que sabe que
deve fazer o bem e nã o o faz, nisso está pecando” (Tiago
4.17).
 
― Felipe Sabino de Araújo Neto
Brasília, 21 de maio de 2018

Agradecimentos
Agradeço o apoio e a confiança do editor Felipe Sabino, da
Monergismo. O trabalho de traduçã o e publicaçã o que ele executa há
anos tem fornecido valiosas ferramentas culturais para mudar o
panorama degradado que se vê no Brasil, e só posso agradecer o
voto de confiança e a boa vontade em publicar na á rea da bioética,
que tanto afeta a sociedade.
Agradeço também a calorosa acolhida que tive em Illinois durante o
mês de junho de 2016, na qualidade de Global Scholar do Center for
Bioethics and Human Dignity . Tive acesso à excelente biblioteca de
Bioética da Trinity International University e estudei ao lado de
grandes bioeticistas que uniram competência e elevados ideais.
Muito do material aqui publicado foi inspirado pelas obras
publicadas e disponibilizadas durante minha visita.
Qualquer agradecimento ao filó sofo e professor Olavo de Carvalho é
aquém do merecimento. Um termô metro de seu valor e da extrema
necessidade de sua obra para o Brasil é o volume de difamaçã o que
enfrenta e de ó dio que lhe é destinado — e a ele atribuído
falsamente — pela mídia brasileira e pela intelectualidade
acadêmica da pior estirpe.
Olavo ampliou a perspectiva acadêmica brasileira com o aporte de
pensadores do passado e do presente antes bloqueados pelo
mercado editorial, sempre afeito a velhos ranços ideoló gicos. Se hoje
os brasileiros discutem Von Mises, Bernard Lonergan, Rosenstock-
Huessy, Aristó teles, Leibnitz, Má rio Ferreira dos Santos, Eric
Voegelin e Xavier Zubiri (e outros, muitos outros), eles nã o o devem
à s universidades, mas à força divulgadora e crítica do filó sofo
radicado na Virgínia.

Introdução: reflexões diversas do início da carreira [12]

Entrei no curso de Medicina da Universidade Federal do Espírito


Santo (UFES) em 1997 e me graduei no início de 2003. Volto agora,
em 2016, ao Jornal Raio-X depois de um longo tempo. Lembro-me da
minha passagem pelo diretó rio acadêmico e pela redaçã o do jornal
Raio-X , na qualidade de assessor de comunicaçã o.
Da UFES levei o grande exemplo de professores que marcaram o
início da minha carreira e motivaram a escolha da minha
especialidade. O carinho e a dedicaçã o da professora Diusete para
com pacientes e alunos, a entrega e a caridade do professor Abraã o,
e o profissionalismo e a sempre presente busca pela ciência do
professor  ngelo.
Embora eu tenha sido agraciado com excelentes exemplos, pouco vi
de estruturado, se é que vi algo, acerca das humanidades médicas.
Porém, na turbulência da residência médica em oftalmologia da
Universidade de Sã o Paulo (USP), com rotinas de 14 a 36 horas de
trabalho ininterruptas — quando escalado para os plantõ es —,
percebi que os pacientes esperavam muito mais dos médicos.
Lá na USP também tive a sorte de ter grandes exemplos. Marcaram
minha carreira e motivaram a realizaçã o de meu doutorado em
ciências médicas na á rea de oftalmologia. Yoshitaka Nakashima,
Milton Ruiz Alves e Má rio Luiz Monteiro foram também meus
modelos de amizade, caridade, profissionalismo, respeito e busca
pela ciência.
Ressalto o papel dos médicos que motivaram minhas decisõ es e meu
comportamento enquanto profissional por acreditar de coraçã o que
médicos qualificados formam novos médicos, nã o somente em
termos científicos, mas também humanísticos.
Contudo, percebi a falta de algo. Se eu dispunha da técnica e da
ciência, faltava-me ainda o componente humanístico sistematizado.
Busquei o rigor da filosofia ainda nos primeiros anos de residência e
fui lançado no estudo das humanidades médicas. Nã o eram as falsas
humanidades da doutrinaçã o vulgar ideoló gica sofrida em tantas
graduaçõ es no Brasil, eram as verdadeiras humanidades.
Busquei na histó ria da medicina as raízes de minha Arte. Lancei-me
ao estudo da filosofia e de seus diferentes ramos, incluindo a
filosofia da ciência. Imergi na literatura, na retó rica, na gramá tica, no
estudo do grego e do latim, no francês, no inglês, na filosofia política
e na teoria da argumentaçã o. Conheci nomes como o de Carlos
Alberto da Costa Nunes, melhor tradutor do grego á tico de Platã o e
dos clá ssicos homéricos para nosso português, médico da
Universidade Federal do Pará .
Na medicina, busquei influências incluindo Hipó crates, Galeno,
William Osler, Edmund Pellegrino, Pedro Laín-Entralgo, Diego
Gracia, Viktor Frankl e José Ingenieros.
Na filosofia, um universo se abriu com as obras de Platã o,
Aristó teles, Agostinho, Tomá s de Aquino, Herman Dooyeweerd,
Xavier Zubiri, Eugen Rosenstock-Huessy, Eric Voegelin, Olavo de
Carvalho, Má rio Ferreira dos Santos, Edmund Husserl e Louis
Lavelle.
Na literatura, passei pelas histó rias e crô nicas de Machado de Assis,
Graciliano Ramos, Herberto Sales, Ernest Hemingway, Leon Tolstó i e
médicos como Nuno Lobo Antunes e José Geraldo Vieira. Busquei
sabedoria nas Escrituras, e provei de Homero, Só focles e Dante.
Decidi devotar meu tempo à assistência, ao ensino e à pesquisa das
humanidades médicas. Compreendi que a vocaçã o humanística do
médico se encaixa na experiência universal do ser humano, vivida ao
lidar com a vida de inú meros pacientes, e vivida também ao
absorver e integrar em si as infinitas possibilidades de crescimento
pessoal contidas nas humanidades.
Ao contemplar a cultura — isto é, a alta cultura — a nó s legada,
percebi a experiência universal do ser humano: sofrimento, alegria,
dor, prazer, tristeza, realizaçã o, derrota e sublimaçã o. Porém, ao
observar o panorama que a medicina atual vive — sentindo na pele
enquanto médico, à s vezes paciente, porém sempre humano —,
concluí que o problema, ou a profunda crise em que vivem os
médicos, nã o é político ou econô mico, é cultural.
A medicina conta com uma enorme tradiçã o cultural, ética e
filosó fica, quase toda relegada ao esquecimento. Nó s nos rendemos
à manipulaçã o psicoló gica e emocional barata das ideologias dos
ú ltimos dois sofridos séculos e talvez estejamos quase cegos,
ofuscados pelas maravilhas da revoluçã o tecnoló gica e dos milagres
obtidos na saú de humana. Esquecemos muitas vezes que nó s
também somos terapia, verdadeiras medicaçõ es humanas, e que nã o
podemos oferecer o que nã o somos.
Aceitamos a condiçã o de militantes, reprodutores de esquemas
simplificados e de vulgarizaçõ es a serviço de governos, instituiçõ es e
interesses privados. A vocaçã o verdadeira da medicina, cuidar do
paciente, parece ficar de lado, perdida em coletivos e estatísticas,
soterrada por políticas e projetos de lei.
Para mim, as humanidades médicas dã o identidade e confirmam
quem o médico foi, é e deve ser para o bem do paciente. Abrem-se os
olhos para a riqueza infinita da experiência humana. Sã o desveladas
novas possibilidades diagnó sticas e terapêuticas. Torna-se o médico
a cura, o alívio, o conforto e o respeito para o paciente, o amigo que
surge nos piores momentos.
A busca pelas humanidades médicas é a busca por um ideal de vida.
Hoje continuo a busca, pró ximo à s minhas raízes médicas, no estado
do Espírito Santo, de onde saí médico e para onde retornei
professor. Mas se há algo que o estudo das humanidades provoca é o
sentimento de surpresa, de descoberta, de estar sempre buscando
um tesouro que permanece no horizonte alcançado pela visã o.
Sigo adiante feliz, pois vejo muitos médicos novos e antigos
caminharem comigo na busca pelas humanidades médicas, de
dentro e de fora do Brasil.
Continuo com esperança. Com a cultura, novas transformaçõ es virã o
e, talvez, nossa medicina consiga reunir o melhor de todos os
mundos.
Todo médico deveria almejar ser um bom contador de histó rias, de
casos e de buscas. Espero ter muito mais para contar em breve…

1. Do atendimento médico em tempos de cólera


 
Profissionalismo, ética e caridade cristã em um país em conflito

Um caso relativamente recente ajudou a inflamar o ambiente já


incendiá rio vivido no Brasil.
Uma médica pediatra enviou mensagem à mã e de um paciente
recusando atendimento.
Eis o conteú do de sua comunicaçã o a tal mã e, que era militante do
Partido dos Trabalhadores, notó rio por sua intensa campanha de
difamaçã o contra médicos brasileiros:
“Bom dia, Maria. [13] Estou neste instante declinando, em cará ter
irrevogá vel, da condiçã o de pediatra do Joã o. [14] Você e seu esposo
fazem parte do Partido dos Trabalhadores (ele do Psol), e depois de
todos os acontecimentos da semana, culminando com o de ontem,
onde houve escá rnio e deboche do Lula ao vivo e em cores, para
todos verem (o representante maior do seu partido). Estou sem a
mínima condiçã o de ser pediatra do seu filho. Poderia inventar
desculpas, atender vocês de mau humor, mas prefiro a HONESTIDADE
que sempre pautou minha vida particular e pessoal.
Se você quiser, posso fazer um breve relató rio do prontuá rio dele
para levar a outro pediatra.
Gostaria que você nã o insistisse em marcar mais consultas.
Estou profundamente abalada, decepcionada e nã o posso de forma
nenhuma passar por cima dos meus princípios. Porto Alegre tem
muitos pediatras bons. Você estará bem acompanhada.
Espero que compreenda.”
Como pensar esta situaçã o?
O contexto é o pior possível.
É notó ria a campanha de destruiçã o que o governo move contra a
classe médica ou, pelo menos, contra a grande maioria dos médicos
que nã o lambe a sola de suas botas como se fosse um manjar
descido do paraíso ideoló gico e sangrento onde habitam Che
Guevara e Stá lin.
Os médicos sentem-se acuados e assediados em seus locais de
trabalho e, muitas vezes, em sua vida particular.
Sã o chamados de racistas, mal-educados e incompetentes e veem,
dia apó s dia, o Partido dos Trabalhadores — representado por seus
asseclas, apoiadores, artistas e líderes — figuradamente cuspir na
cara do povo brasileiro.
A revolta e a indisposiçã o em atender a família da mã e petista em
questã o nã o causa surpresa.
Todavia, como pensar no ocorrido à luz da ética médica e das raízes
do profissionalismo médico?
Fez a médica algo bom, simplesmente aceitá vel ou totalmente
errado?
Alguns detalhes devem ser ressaltados:
a) A médica foi extremamente sincera, enquanto poderia ter dado
alguma desculpa esfarrapada;
b) Nã o havia situaçã o de urgência;
c) Disponibilizou ajuda para procurar outro profissional e ceder as
informaçõ es necessá rias;
d) O atendimento é feito em sua clínica particular — sua “casa” — e
nã o em uma unidade bá sica de saú de ou em um hospital.
***
Do ponto de vista do Código de ética médica , o médico tem o direito
de se recusar a prestar atendimento.
Segundo o Capítulo II, “Direitos dos Médicos”, pode-se recusar a
“realizar atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam
contrá rios aos ditames de sua consciência”.
No Capítulo V, parte que trata de modo específico da relaçã o com
pacientes e familiares, é vedado ao médico, conforme o Artigo 36:
“abandonar paciente sob seus cuidados”. Porém cabem algumas
exceçõ es:
§ 1° Ocorrendo fatos que, a seu critério, prejudiquem o bom
relacionamento com o paciente ou o pleno desempenho
profissional, o médico tem o direito de renunciar ao atendimento,
desde que comunique previamente ao paciente ou a seu
representante legal, assegurando-se da continuidade dos cuidados
e fornecendo todas as informaçõ es necessá rias ao médico que lhe
suceder.
§ 2° Salvo por motivo justo, comunicado ao paciente ou aos seus
familiares, o médico nã o abandonará o paciente por ser este
portador de moléstia crô nica ou incurá vel e continuará a assisti-lo
ainda que para cuidados paliativos.
Lembro, entretanto, nã o sem um pouco de ironia, que “petismo” nã o
é moléstia crô nica ou incurá vel…
A exceçã o mais ó bvia — em que o caso em aná lise nã o parece se
enquadrar — estaria no Artigo 33:
[É vedado ao médico] Deixar de atender paciente que procure seus
cuidados profissionais em casos de urgência ou emergência,
quando nã o haja outro médico ou serviço médico em condiçõ es de
fazê-lo.
Por outro lado, a família que se sentiu agredida poderia utilizar o
pró prio Código de ética , no Capítulo sobre Direitos Humanos,
considerando o seguinte artigo que veda ao médico:
Art. 23. [É vedado ao médico] Tratar o ser humano sem civilidade
ou consideraçã o, desrespeitar sua dignidade ou discriminá -lo de
qualquer forma ou sob qualquer pretexto.
Esse alerta contra qualquer discriminaçã o está presente também
logo na abertura do Código de ética , quando trata dos Princípios
Fundamentais, Capítulo I:
Art. 1º. A Medicina é uma profissã o a serviço da saú de do ser
humano e da coletividade e será exercida sem discriminaçã o de
nenhuma natureza.
Mas cabe lembrar que a médica se esquivou de atender ao paciente
justamente para evitar o tratamento que poderia ser encaixado nos
dois artigos acima. Avisar de antemã o, apó s julgar as pró prias
limitaçõ es psicoló gicas para atender alguém, pode ser considerado
um ato meritó rio e de grande civilidade. Um exemplo extremo,
todavia nã o impossível, seria o médico que se recusa a atender ao
estuprador da pró pria filha, sob o risco de prejudicá -lo.
Quanto ao Artigo Primeiro, a médica se esquivou antes de
concretizar o novo atendimento que poderia ser realizado de forma
inadequada — “com mau humor” — segundo sua percepçã o.
O que vejo na situaçã o é uma médica prudente que, em sua prá tica
particular e personalíssima, recusou-se de forma responsá vel a
atender a um paciente. Ela nã o estava em um plantã o de urgência e
nã o estava em um posto de atendimento do serviço pú blico.
O médico nã o é escravo, e sim um ser humano com sentimentos,
personalidade pró pria e valores a defender como qualquer outra
pessoa digna que vive na mesma sociedade.
Contudo, eu gostaria de ir um pouco além.
Nã o julgo de forma alguma o cará ter da colega médica que se
recusou a prestar o atendimento. Nã o a conheço e fiz questã o de nã o
pesquisar nada sobre ela e sua vida com o intuito de pronunciar-me
apenas sobre o ato em questã o. Também nã o pesquisei nada acerca
da vida do casal esquerdista, e nã o os julgo. Discerni, partindo da
perspectiva subjetiva da médica e de sua percepçã o bem objetiva,
que o atendimento de uma criança poderia ser prejudicado por seus
sentimentos.
Mas, se partirmos da herança cristã de nosso povo, caberia ao
médico ir um pouco além do mínimo requerido pela ética. Entro
aqui no campo da moral médica contemporâ nea, justamente o que
dá vida e conteú do à ética.
Nossa moralidade é cristã . Mesmo quem nã o acredita em Deus ou
em Cristo, nasceu e cresceu em uma sociedade que preza a
moralidade de má ximas e nã o de mínimos. Explico melhor:
Espera-se mais que o mínimo de quem é bom (ou pretende ser
bom). É a conduta supererrogató ria. E do médico, espera-se que vá
além até mesmo do Código de ética .
Nã o é uma imposiçã o, mas seria louvá vel o profissional sacrificar-se
pessoalmente e buscar o autocontrole para atender com todo o
carinho e competência à criança, inocente dos problemas e
posicionamentos de seus pais.
As palavras e os atos concretizados há cerca de dois mil anos
continuam muito radicais e chocantes. Orar pelo inimigo e amá -lo
(amar é uma conduta bem racional e intencional no contexto bíblico,
sem a ênfase extremamente emotiva do romantismo moderno),
ajudar o desconhecido, pagar o mal com o bem, oferecer a outra
face, perdoar, perdoar e perdoar quatrocentas e noventa vezes, se
necessá rio.
A melhor soluçã o talvez fosse dar a outra cara, ajudar até mesmo
quem senta na roda dos escarnecedores, “fazendo o bem sem ver a
quem”. Mas, na incapacidade psicoló gica de fazê-lo e manter a
qualidade do atendimento, o mais adequado seria mesmo recusar-se
a atender e evitar a situaçã o de risco à saú de do inocente.
Nã o sei se eu, pessoalmente, teria a presença de espírito e a força de
cará ter suficientes para praticar meu pró prio conselho, mas gostaria
de conseguir essa proeza se um dia fosse posto à prova.
Meu veredicto?
A colega pode SIM recusar-se a atender, mas seria fantá stico se fosse
capaz de concretizar o conselho do apó stolo Paulo e o título da
grande obra de Tomá s de Kempis: a Imitação de Cristo .
Faria bem a si mesma, à criança inocente e à classe médica como um
todo.
Colatina, 23 de abril de 2016.

2. Erística e medicina
A patrulha ideológica contra os nomes e os conhecimentos proibidos

Erística é a arte de discutir para vencer, por meios lícitos ou ilícitos.


[15]

Recebi um ataque curioso apó s tornar pú blico um texto anterior: Em


busca do médico filósofo . [16] Digo ataque por se tratar de um
exemplo de erística, e nã o de um argumento vá lido.
Aproveito a ocasiã o para treinar um pouco de aná lise da erística,
instrumento hoje indispensá vel para nã o ter o cérebro
transformado em geleia.
Quando publiquei o texto, sabia muito bem o risco de despertar a
raiva da militâ ncia e da patrulha ideoló gica, e o efeito surtido foi
exatamente o desejado: obtive material para analisar o que se passa
na cabeça dos brasileiros, incluindo-se a de alguns médicos
aparentemente favorá veis ao que critiquei no artigo.
O ataque começa com um clá ssico ad hominem [17] dirigido a uma
escolha bibliográ fica, objetivando desmerecer a aná lise do autor,
isto é, fala-se de alguém e nã o de algo ou alguma situaçã o:
Olavo de Carvalho nã o é exemplo pra médico algum, um desbocado
e homofó bico de marca maior.
Nã o estou aqui para ser o advogado do mais que mal interpretado e
atacado Olavo de Carvalho. Aliá s, ele merece um advogado muito
melhor que um médico como eu; porém é trá gico perceber que a
discussã o pú blica brasileira recorra sempre a esse recurso tã o
limitado e inadequado.
Antonin-Dalmace Sertillanges, autor do livro A vida intelectual , [18]
antes normalmente recomendado aos calouros de medicina, [19]
preconizava que só a verdade interessa, independentemente da
boca que a profere. Dizer que alguém é isto ou aquilo nada depõ e
contra a verdade ou falsidade de seu conteú do. [20]
E mesmo que o ataque odiento fosse verdadeiro, seria algo tã o
absurdo quanto dizer que Oscar Wilde nã o merece ser lido ou citado
por ter sido pedó filo. Ou ninguém deveria escutar o apó stolo Paulo
por ter sido ele um perseguidor de cristã os.
No entanto, para a patrulha ideoló gica, o pior crime possível é
discordar do pensamento ú nico. O pior dos crimes é estar do lado
oposto.
Além disso, a rotulaçã o odiosa [21]
utilizada — desbocado e
homofóbico — também nã o é critério para avaliar a obra filosó fica
de alguém.
O que se segue é uma curiosa variaçã o de ataques erísticos, no
mínimo duvidosos, em termos de pragmatismo, já que parecem
oferecer muniçã o justo para quem discorda do agressor.
O patrulheiro ideoló gico começa com um apelo à ignorâ ncia do
leitor. Isso mesmo, ele apela à ignorâ ncia do leitor e alude ao mesmo
tempo à prová vel ignorâ ncia do autor (eu).
Creio que você formaria um juízo mais pró ximo da realidade se
frequentasse congressos de formaçã o médica e apresentasse trabalhos
a pessoas dessa á rea de conhecimento, nã o para médicos neó fitos em
humanidades.
É deprimente discutir em termos de realizaçõ es pessoais, mas nã o
deixa de ser uma resposta com fatos a um ataque indevido do tipo
ad hominem de alguém que mal se conhece:
a) Eu frequento há anos diversos fó runs e congressos de
educaçã o médica, colaborando no Congresso Brasileiro de
Educaçã o Médica e na Associaçã o Brasileira de Educaçã o
Médica com grupos de estudo, oficinas, desenvolvimento de
testes avaliativos e palestras;
b) Todas estas discussõ es em humanidades médicas e bioética
já foram e ainda sã o travadas em ambientes acadêmicos
especializados, dentro e fora do Brasil;
c) Já apresentei diversos trabalhos a pesquisadores das
humanidades médicas no Congresso Brasileiro de Bioética —
tendo sido premiado como um dos melhores trabalhos de
fundamentaçã o filosó fica da bioética —, no COBEM e no
Congresso Internacional de Humanidades Médicas;
d) Também já levei meus trabalhos a convite para
apresentaçõ es internacionais na Baylor University, no Texas,
onde foi aberto o primeiro programa de Humanidades Médicas,
e na Trinity International University em Illinois, na qualidade
de Global Scholar em 2016.
E o principal: acredito que qualquer médico ou estudante de
medicina está intelectualmente capacitado para acompanhar a
discussã o sobre bioética e humanidades médicas, embora talvez nã o
esteja disposto a aceitar a insossa marmita ideoló gica de muitos dos
nossos líderes.
Para encerrar o tragicô mico ataque, ocorrem vá rias mudanças de
assunto e espantalhos, isto é, vá rios ataques do tipo mutatio
controversiae , nos quais o colega patrulheiro tece acusaçõ es contra
algo que nã o foi feito e ataca alguém inexistente. [22]
Contra preconceitos, o médico nã o cura a si mesmo apenas lendo
textos, mas o faz principalmente em diá logo com os outros, em um
currículo mais humano, sim. Esse debate você já perdeu e os currículos
devem e vã o continuar mudando.
Em meu artigo, o ataque foi direcionado à elite burocrá tica que nada
ou pouco entende acerca do que deseja legislar, e à hoste de
ideó logos e doutrinadores criminosos que brincam com o cérebro
de jovens médicos nas escolas.
E sobre minha suposta pessoa, destaco três pontos:
Primeiro, ninguém atacou os mó dulos ou disciplinas que ensinam o
diá logo com o outro. Na verdade, eu pessoalmente introduzi, em um
dos mó dulos em que lecionei, a atividade de conversar com o
paciente logo no início.
Segundo, isto nã o é um debate (coisa inexistente no Brasil atual), e o
empreendimento da educaçã o médica, em especial em humanidades
médicas, nã o pode ser reduzido a uma estú pida luta política, em que
se perde ou ganha. A politizaçã o exagerada de nossa cultura é uma
das fontes da tragédia brasileira.
Terceiro, ninguém deseja congelar a reforma curricular. Eu mesmo
implementei uma reforma e liderei outra, atualmente também
implementada! O currículo com certeza deverá seguir em mudança,
pois a realidade é dinâ mica. Obviedade das obviedades.
Por fim, o exemplo utilizado aqui repete uma fó rmula usada à
exaustã o no Brasil: cria-se um espantalho, uma falsa imagem de
alguém que nã o se gosta pelas mais diversas razõ es. Ao invés de
mirar o ataque, a objeçã o ou a crítica na pessoa ou nos fatos reais,
ataca-se a falsa imagem, quase sempre elaborada sob a forma de um
esquema simplificado e tosco.
Nã o é surpresa que isso ocorra de forma difusa no Brasil. No país
onde fraçã o expressiva da classe universitá ria — professores e
alunos — é tida como analfabeta em termos funcionais, nã o se pode
esperar mais que isso. Mas o fato de essa barbá rie cultural ser
perpetrada por colegas médicos, segundo alguns a “nata” da
intelectualidade brasileira, produtos de uma escola rigorosa e muito
exigente, é assustador.
Se as humanidades médicas podem ajudar em algo, aqui temos um
exemplo. Com os estudos das humanidades aprendem-se gramá tica,
orató ria e ló gica; portanto, descobre-se como argumentar e viver em
sociedade de forma civilizada.
E para o desgosto da patrulha ideoló gica, deixo mais uma
recomendaçã o. Leiam Como vencer um debate sem precisar ter
razão , escrito por Arthur Schopenhauer e comentado por
adivinhem quem?
3. Uma vida indigna de ser vivida?
 
Breve ensaio acerca do valor da vida humana e de sua relativização

Observo, com preocupaçã o, diversas vozes famosas na bioética, e até


na mídia, que pregam ideias perigosíssimas com palavras suaves.
Na bioética há diversos movimentos ganhando espaço acadêmico ao
trazer discussõ es de grande relevâ ncia. Porém, muitas vezes, a
discussã o ocorre longe do escrutínio pú blico, deixando a populaçã o
inerme contra as mais loucas propostas, debatidas e pesquisadas
com discriçã o como as coisas mais comuns do mundo. [23]
Um dos movimentos que ganha força lenta e inexoravelmente é o
transumanismo, que busca projetar um ser humano aprimorado por
meio da genética e da tecnologia. Só esse ponto já seria muito
controverso por ser quase uma utopia escatoló gica (do termo grego
eschaton , relacionado ao fim dos tempos), capaz de mudar a
estrutura essencial do ser humano em meio a um contexto
eticamente insuportá vel de imprevisibilidade.
Fica pior quando os proponentes de tal visã o de futuro afirmam que
o ser humano nã o está preparado em termos morais para ser
fisicamente aperfeiçoado. Segundo eles, o ser humano precisa de
antes ser aperfeiçoado em sentido moral pela manipulaçã o artificial
de seu cará ter e mente. Junto com essa defesa da lavagem cerebral
por uma poderosa tecnocracia entra o discurso de que todos
deveriam ser mais vigiados e de que suas liberdades deveriam ser
mais bem controladas pelo Estado. Um pesadelo digno dos
momentos mais tenebrosos da imaginaçã o de George Orwell ou
Aldous Huxley. [24]
Outra linha de pensamento curiosa e claramente relativista é o
utilitarismo do famoso bioeticista de Princeton, Peter Singer, que
liga o valor da vida humana à sua qualidade, declarando que
algumas pessoas vivem de forma indigna e devem morrer.
Simultaneamente, defende o direito dos animais e, desde 2001,
defende também o bestialismo.
A bioética tem sido palco das ideias mais estapafú rdias possíveis,
incluindo muitas vezes o feminismo radical e violento, releituras
anacrô nicas do leninismo e misturas inusitadas de tecnologia com
ficçã o científica darwinista.
Todavia, a bioética é justamente o palco certo para a discussã o livre
de ideias. O que me assusta é o desconhecimento geral da populaçã o
acerca do que pesquisadores e professores discutem, e o fato de que
essas discussõ es pautarã o grandes projetos de engenharia social
empurrados goela abaixo de uma populaçã o indefesa.
Um movimento que ganha cada vez mais força, por exemplo, é o de
liberaçã o da eutaná sia.
O livro de Daryl Charles, sobre a lei natural, trata de como a
manipulaçã o verbal, tã o rotineiramente utilizada nos círculos
acadêmicos, esconde realidades perigosas. O título é Retrieving the
Natural Law [Recuperaçã o da lei natural], e sua leitura é um alerta
importante. [25]
Trata também dos antecedentes histó ricos da
liberaçã o da eutaná sia e da tragédia causada por ela.
Hoje em dia escutamos, com certa frequência, que muitas pessoas
sofrem terrivelmente e que sua vida é indigna de continuaçã o.
Muitos acreditam até mesmo que seria melhor morrer. Fala-se do
golpe de misericó rdia, do direito de morrer, do direito de escolher o
alívio da dor (como se nã o houvesse tantas formas de aliviá -la) e do
sofrimento insuportá vel que deveria permitir a opçã o pela eutaná sia
e pelo suicídio assistido.
No entanto, essas ideias sã o antigas.
Ainda no século XIX, médicos alemã es encabeçaram a discussã o
sobre o aprimoramento racial e sobre as pessoas, em sua doentia
concepçã o de mundo, cuja vida nã o era digna o suficiente. Elas eram
designadas lebensunwertes Leben — “vidas que nã o merecem ser
vividas”. Essas pessoas eram também designadas de “comedores
inú teis”.
A linguagem utilizada incluía “morrer com dignidade”, “liberaçã o
compassiva” e “preferência pela saída misericordiosa”.
O que o mundo teve o desgosto de assistir, ao constatar os crimes
dos médicos nazistas, foi só a consequência dos debates acadêmicos
e ideias médicas de quem havia se afastado demais do ideal
hipocrá tico e cristã o da medicina.
Antes de nomes como Adolf Hitler, Joseph Goebbels, Hermann
Gö ring, Heinrich Himmler e Albert Speer, existiram pioneiros
médicos da grande mudança na concepçã o do valor da vida
humana. 
Da mesma forma que Peter Singer hoje, dizia-se no passado que a
vida humana derivava valor proporcional à sua qualidade. Já em
1890 se questionava a medicina compromissada com os princípios
da defesa da vida, da beneficência e da nã o maleficência. Falava-se
no “direito de morrer” e na “vida indigna de ser vivida”. Era
necessá ria uma nova medicina!
Ernst Haeckel, importante bió logo, autor e darwinista social,
defendia a eutaná sia como algo misericordioso que poderia poupar
preciosos recursos. Intelectuais famosos, como o famoso socialista
fabiano George Bernard Shaw, concordavam, desejando o
extermínio muito humano dos incapazes de produzir.
O caminho para o nacional socialismo de Hitler estava pronto em
sentido cultural décadas antes da Segunda Guerra Mundial. [26]
Como denunciou Viktor Frankl no magnífico livro Em busca de
sentido , [27]
famosos vencedores do prêmio Nobel foram
responsá veis por ideias e açõ es que possibilitaram as horrendas
câ maras de gá s e os cremató rios de seres humanos nos campos de
concentraçã o.
Antes mesmo da Primeira Guerra Mundial, a eutaná sia já era
defendida pelo soció logo Adolf Jost e pelo químico ganhador do
prêmio Nobel, Wilhelm Ostwald. Jost já ligava a eutaná sia à
compaixã o e ao alívio do sofrimento no livro Das Recht auf den Tod
[O direito de morrer], em 1895. [28]
Desse ponto em diante surgiu a necessidade de permitir a eutaná sia
e o suicídio assistido. Muitos já sabem o resto da histó ria. O que era
direito virou de fato obrigaçã o e resultou no pavoroso morticínio de
milhõ es de pessoas: a soluçã o final.
Daryl Charles usa uma expressã o forte para descrever essa forma de
manipulaçã o: “prostituiçã o verbal para justificaçã o do mal social”.
Concordo plenamente, como evidencia meu livro sobre a
manipulaçã o verbal feita para chamar o assassinato de crianças de
abortamento pó s-nascimento. [29]
Alguém pode afirmar que as coisas nã o vã o ladeira abaixo como
ocorreu no passado, que tudo será diferente. Mas nã o é isso o que
alguns relatos pessoais e acadêmicos demonstram. Eles indicam
que, apó s a aceitaçã o e liberaçã o da eutaná sia, cada vez fica mais
fá cil e mais presente a morte administrada por médicos. E cada vez
mais os médicos sentem-se pressionados a matar. [30]
Contudo, nem tudo sã o espinhos no jardim. Há escolas de bioética
que reconhecem o valor da vida humana e fogem dessa manipulaçã o
torpe do discurso humano. Ainda há quem entenda o valor do
legado cultural da medicina hipocrá tica e cristã . E nã o é necessá rio
ser cristã o ou mesmo teísta para reconhecer o instinto moral que
nos alerta sobre o valor da vida humana e a necessidade de protegê-
la.
No dia em que nó s, médicos, tivermos a autoridade para matar, uma
grande transformaçã o social ocorrerá de novo em nossa sociedade.
Nã o seremos mais os benevolentes doutores que curam e aliviam;
seremos os misericordiosos executores. Deixaremos de perceber a
vida humana como algo sagrado, precioso e ú nico para ver a vida
humana submissa ao valor econô mico ou à capacidade de desfrutar
prazer.
Questõ es éticas como a eutaná sia, o aborto, a clonagem, a eugenia e
o suicídio assistido vã o muito além de detalhes técnicos, científicos
ou médicos. Sã o questõ es que nos definem enquanto civilizaçã o, e
pautarã o o nosso futuro, a nossa sobrevivência e o nosso legado de
forma integral.

4. Quando a medicina enlouqueceu


 
Ensaios sobre a perda da identidade da medicina e a necessidade de
compreender o modelo hipocrático e cristão do Ocidente

Copio a ideia do título deste capítulo do livro When Medicine Went


Mad [Quando a medicina enlouqueceu], editado por Arthur Caplan,
[31]
um famoso bioeticista dos Estados Unidos.
Se a medicina pode enlouquecer, a conclusã o é o reconhecimento e a
busca de um padrã o de sanidade.
Muitas vezes sou questionado sobre meu trabalho e minhas
pesquisas. Por que devo me preocupar com o que médicos mortos
há mais de mil ou dois mil anos disseram? Por que buscar os escritos
desatualizados da tradiçã o hipocrá tica e cristã ?
É claro que os escritos antigos estã o desatualizados em sentido
científico. Eles guardam, no entanto, o aspecto eterno que repousa
nos valores e na experiência humana. Remexo tanto no passado e no
presente da ética médica e da bioética porque trabalho com a
essência da medicina, com a nossa identidade enquanto
profissionais da á rea da saú de.
Em um antigo seminá rio promovido pela Associaçã o dos Estudantes
de Medicina em Vitó ria, no Espírito Santo, lembro-me de um colega
que defendeu a possibilidade de a medicina ser compatível com
qualquer ideologia política. O que defendi à época, e ainda defendo,
consiste no cará ter equivocado e perigoso dessa ideia. Aliá s,
perigosíssimo!
Enquanto os médicos nã o adquirirem a cultura e a bagagem
humanística necessá ria, poderemos ser sempre alvos das piores
monstruosidades e distorçõ es da prá tica médica.
Basta uma pequena mudança de foco, um pequeno resultado de
engenharia social, e pronto: o estrago está feito.
Se, por algum momento, o médico acreditar que seu principal
objetivo nã o é beneficiar o paciente e sim promover o progresso ou
avanço da ciência, tudo estará perdido. Se, em algum momento, o
médico acreditar que seu principal objetivo é promover um tipo de
visã o social coletivista e revolucioná rio, crimes inconfessá veis serã o
perpetrados.
Esses sã o os exemplos da medicina nazista e comunista. Adiante,
apresentarei algumas passagens perturbadoras sobre quem viveu
na carne o resultado da medicina que se esqueceu da pró pria
identidade.
***
Apó s aceitar uma pequena ideia — a de que o principal dever do
médico nã o se relaciona com o paciente — tudo muda.
Sara Seiler Vigorito relata que, aparentemente, os médicos nazistas
eram normais, tinham família, atendiam em hospitais e trabalhavam
com diligência. A ú nica exceçã o era a dedicaçã o a um propó sito
alternativo. [32]
Eles haviam se desligado de fato da tradiçã o
hipocrá tica e cristã da medicina.
O ser humano, uma vez destituído da posiçã o prioritá ria, tornou-se
simples mercadoria. Enquanto vivos, os prisioneiros de campos de
concentraçã o nazistas eram utilizados como cobaias em
experimentos desumanos. Uma vez sacrificados, seu cabelo serviria
para fazer estofo dos colchõ es, a gordura serviria para fazer sabã o
(produzido pelos pró prios prisioneiros e futuras fontes de “matéria
prima”), a pele ofereceria tecido para produçã o de abajures e os
dentes de ouro iriam para os cofres nazistas. [33]
Relatos especialmente assustadores nos alcançam dos
sobreviventes das experiências nos campos de estudos “científicos”
em gêmeos, coordenados pelo médico Joseph Mengele, doutor em
Antropologia, o mais famoso carniceiro entre os médicos nazistas.
Eva Mozes Kor foi presa junto com sua irmã gêmea, e relata que
gêmeos idênticos eram “preciosos” para Mengele.

Richard Baer, Josef Mengele e Rudolf Hoess


 
Havia de tudo. Vivissecçõ es, sutura corporal entre dois gêmeos para
testar a rejeiçã o, experimentos com a injeçã o de microrganismos
patogênicos para testar a eficá cia de armas bioló gicas e até mesmo a
sangria, para verificaçã o de quanto sangue alguém poderia perder
antes de morrer. A sensaçã o de quem viveu na pele era a de que o
ser humano se tornara um pedaço de carne em um grande açougue.
[34]

Gêmeos eram especialmente selecionados para as pesquisas de


Mengele
 
É fá cil compreender por que Margaret Somerville afirma que a ideia
mais perigosa do mundo é acreditar que o ser humano nada tem de
especial. [35] Também é fá cil confirmar minha percepçã o inicial de
que a medicina nã o é compatível com qualquer ideologia. Eu diria
que ela é frontalmente oposta a determinadas ideologias. [36]
***
O tã o famoso “mantra de Georgetown”, presente na abertura do
livro mais famoso nos círculos de estudo da bioética, proclama que
os grandes problemas éticos do presente e a evoluçã o tecnoló gica
promovem desafios que precisam de uma nova ética. Citam a
medicina nazista como exemplo. [37] Eu ouso dizer diferente: foi
justamente a insensibilidade moral de uma geraçã o de médicos que
optaram por ignorar a moralidade cristã e hipocrá tica que permitiu
tais atrocidades.
Muitos poderiam alegar que os médicos foram forçados a agir assim
por causa de um governo tirâ nico. Porém, evidências fortes indicam
que médicos destituídos da identidade profissional adequada nã o só
se voluntariaram para realizar processos de eugenia e pesquisa
desumana, como também lideraram o establishment acadêmico,
ocupando um alto percentual de reitorias, publicando centenas de
perió dicos científicos e integrando as fileiras nazistas. [38]
Qual foi o grande erro? Os médicos se esqueceram de quem eles
eram e quem deviam buscar ser. Acreditaram que a nova
racionalidade e a nova moralidade deveriam ascender em
detrimento da moralidade de escravos que imperava anteriormente,
como já dizia Nietzsche ao se referir à moralidade cristã .
Na atualidade, a bioética parece sonhar de novo com a
desvinculaçã o da antiga moralidade. Projetos fantá sticos de
liberaçã o moral nos empurram para futuros mais eficazes, de alta
tecnologia, aprimoramento, contençã o de desperdícios, de uma
visã o nova sobre o que é o ser humano. E ao que parece, ainda nã o
aprendemos as velhas liçõ es, positivas e negativas.
Contudo, assim é o crescimento moral do ser humano: a cada nova
vida, um novo desafio para reconquistar e encarnar tudo que provou
ser bom ao longo da histó ria. A medicina tem sua identidade e,
portanto, conta com um modelo bem específico a ser seguido em
termos éticos. É claro que cada tempo exige novos arranjos, pois as
situaçõ es particulares sempre diferirã o, mas as regras gerais e
fundamentais subsistem, e sempre permaneceram ao longo das eras
entre os mais diferentes povos capazes do esforço civilizacional. [39]
 

5. A medicina comunista
 
O horror e a repressão de uma medicina que se transformou em arma
estatal
 
O Estado — enquanto organizaçã o que tende por natureza à pró pria
perpetuaçã o e ao aumento do seu poder e de suas funçõ es — pode
transformar-se em um perigoso elemento propenso ao
totalitarismo.
O Estado também pode instrumentalizar todas as instituiçõ es e
grupos da sociedade para o propó sito final de crescer cada vez mais,
drenando tudo e todos.
Já a medicina, que detém grande autoridade científica e social, pode
ser um eficaz instrumento de controle e manipulaçã o da sociedade,
para o bem ou para o mal. O médico tem o poder de remover alguém
do trabalho, aposentá -lo, abrir seu corpo causando um dano
controlado chamado cirurgia, declarar alguém morto e, talvez o mais
assombroso, nomear uma doença e determinar em parte o futuro do
paciente. Talvez este ú ltimo seja o mais sutil e poderoso elemento
da profissã o médica.
Quando estamos diante de uma doença claramente identificá vel,
como um carcinoma basocelular na pele do paciente, nã o há muito
que duvidar. Pode chamá -lo por outro nome, tratá -lo de diferentes
formas, mas a evoluçã o e as repercussõ es físicas sã o bem objetivas e
previsíveis. O problema começa quando estamos diante da doença
psiquiá trica. Há , obviamente, um espaço muito maior para
elementos subjetivos de comportamento que podem alterar o
prognó stico do paciente de modo radical, e é justamente aí que um
grande perigo pode surgir.
A mistura é explosiva. De um lado, um Estado ocupado por
perigosos psicopatas, [40] sedentos de poder e controle. De outro, a
medicina, capaz de gerar gigantesca influência na sociedade. Una
tudo isso a um governo do tipo revolucioná rio e totalitá rio [41] e
voilá : a má quina de moer carne humana está pronta. E qualquer um
que se oponha poderá ser denominado louco ou doente. A
racionalidade por trá s de tudo isso é cruel: “Temos a perfeiçã o
encarnada no sistema, qualquer um que avance contra nó s é louco e
perigoso”.
Nenhum regime encarnou tã o bem o ideal do totalitarismo político e
espiritual — no sentido de domínio sobre a mente das pessoas —
que o comunismo em suas diversas manifestaçõ es.
Os maiores crimes contra a vida humana podem simplesmente ser
cobertos pela desculpa de que as pessoas precisam de tratamento
psiquiá trico. Ainda hoje alguns manifestantes e oposicionistas dos
regimes de esquerda (Rú ssia, China e tantos outros) desaparecem
da sociedade quando sã o internadas em hospitais psiquiá tricos para
receber “tratamento”. É uma soluçã o muito cô moda, porque muitas
explicaçõ es seriam necessá rias se simplesmente matassem o
indivíduo, certo? [42]
Conforme o que o pró prio Nikita Khrushchev disse em 1959:
Um crime é um desvio dos padrõ es gerais reconhecidos de
comportamento, causado muitas vezes por problemas mentais. É
possível que existam doenças, problemas mentais, entre certas
pessoas da sociedade comunista? É evidente que sim. Se é assim,
logo existirã o ofensas características de pessoas com mente
anormal… Para aqueles que comecem a erigir oposiçã o ao
comunismo de tal forma, nó s podemos dizer com clareza que […]
seu estado mental nã o é normal. [43]
Nã o é surpresa o intenso trabalho de terras socialistas e comunistas
investido na pesquisa dos processos psicoló gicos e psiquiá tricos,
muitos buscando a chave de como manipular o comportamento
humano. O bom e velho Pavlov e toda uma hoste de pesquisadores
da psicologia social e da manipulaçã o nã o me deixam mentir.
Aliado ao uso da medicina psiquiá trica para fins totalitá rios, basta
misturar o desconstrucionismo literá rio e a manipulaçã o da cultura
de acordo com os ditames de Antô nio Gramsci e de toda a Escola de
Frankfurt. [44] Teremos o caminho para a escravidã o pavimentado
com perfeiçã o.
Mais uma vez voltamos ao problema da medicina que perdeu sua
identidade. Uma vez que a proteçã o da vida e da integridade do
paciente movida pelo compromisso inegociá vel com a beneficência
for trocada por qualquer outra coisa ou qualquer outra fidelidade,
está encerrada a medicina tradicional hipocrá tica e cristã .
Em vez de ser direcionada ao paciente com o objetivo concreto e
imediato da prá tica médica, o juramento médico soviético, por
exemplo, era direcionado à s abstratas humanidade e sociedade,
demonstrando o predomínio do utilitarismo social contra a
beneficência direta ao ser humano. Em lugar de apelar à lei
universal, invoca-se a moralidade comunista e a obediência ao
Estado — isso é assustador para qualquer um que tenha lido o
mínimo sobre a histó ria soviética. Sem dú vida, esse é o juramento
que todos os Estados com tendência totalitarista gostariam de impor
aos médicos. [45]
Voltando aos dias de hoje, longe no tempo e na geografia, nã o
estranho nem um pouco a insistente atençã o dada aos médicos e à
educaçã o — ou deseducaçã o — pelos governos da esquerda radical
no Brasil. O constante desmanche da autoridade médica, substituída,
é claro, pela autoridade ideoló gica radical que ocupa o vá cuo
deixado, e o trabalho de hegemonia cultural sempre presente nas
universidades e escolas, onde se encontram ideó logos
manipuladores aliados aos piores índices educacionais
internacionais, deixam bem claro a tendência entró pica de nossa
elite.
A progressiva substituiçã o do perfil médico brasileiro remete com
clareza a uma intensa medida de engenharia social. Estamos saindo
de uma classe profissional liberal bastante científica e técnica, com
padrõ es de qualidade reconhecidos internacionalmente, porém
quase destituída de formaçã o política, para uma classe subserviente
ao Estado, menos qualificada e muito mais ideologizada. Eu
considero os dois modelos errados e distantes da identidade
tradicional da medicina, que deve ansiar pela excelência em termos
científicos, técnicos e morais, incluindo a política.
Junto com a destruiçã o da identidade médica, atos frontalmente
contrá rios à vida humana — e à opiniã o majoritá ria do povo
brasileiro, diga-se de passagem — sã o instituídos todos os dias.
Prega-se o abortamento voluntá rio e a eutaná sia, por exemplo, e a
vida humana deixa de ser considerada sagrada.
Realmente sagrado deve ser o Estado — esse Leviatã insaciá vel — e
a vontade de nossa elite política esquerdista, certo?
Nã o!
Certo é o compromisso mais que milenar de nossa medicina com a
vida humana e com o ser humano concreto, de carne e osso, que
todos os dias senta à frente de seu médico e pede auxílio, socorro e
compreensã o.
Certo é defender nossa identidade moral contra os enxertos
desumanos que ideologias monstruosas tentam empurrar à força
sobre a sociedade.
A boa medicina, de raiz cultural hipocrá tica e cristã , conta com uma
escala pró pria de valores a ser defendida.

6. Distopia revisitada
 
O uso da bioética para utopias políticas

A palavra distopia remete ao termo grego “dis” (doloroso, mal)


somado a “topia” (lugar — topon ), e pode ser considerada um
neologismo derivado do conceito de utopia. Distopia é uma ideia de
sociedade que nã o deu ou nã o dará certo e acabará por gerar o mal.
Na literatura, temos diversas utopias e distopias, à s vezes pró ximas
o suficiente de nossa realidade a ponto de nos assustar e se
revelarem verdadeiras profecias modernas, como as histó rias de
ficçã o criadas por George Orwell e Aldous Huxley, confirmadas em
muitos pontos com o passar do tempo. Essas profecias literá rias nos
ajudam até mesmo a compreender o cená rio político atual. [46]
Contudo, recentemente, uma nova forma de utopia surgiu no
horizonte, trazida pelos ventos da bioética. É o transumanismo. E
com forte potencial para se tornar uma distopia.
A ideologia transumanista pode ser resumida da seguinte forma:
somos todos produtos da evoluçã o aleató ria sem propó sito nenhum.
Assim, evoluímos biologicamente de forma nã o organizada. Nossa
moralidade nã o evoluiu de forma a estar pronta para lidar com os
novos desafios impostos pelo progresso, por isso os seres humanos
sã o problemá ticos. Para sanar esses defeitos, podemos utilizar a
biotecnologia aliada à nossa racionalidade com o intuito de
aprimorar o físico, a mente e a moralidade. Assim, poderemos
vencer os desafios do futuro incerto.
Os transumanistas têm uma preocupaçã o vá lida: o aumento do
controle sobre a natureza pode ser perigoso. Ou alguém duvida do
poder de fogo de uma bomba atô mica?
Entra em jogo, entã o, a soluçã o proposta pelos famosos bioeticistas
e entusiastas do aprimoramento humano, Julian Savulescu e Ingmar
Persson.
No livro Unfit for the Future [47] [ Inadequados para o futuro ], os
bioeticistas mostram alguns dos problemas que se avolumam no
horizonte:
1)  populaçã o mundial cresce sem nenhum controle;
2) os recursos hídricos e fó sseis estã o acabando;
3) o aquecimento global é um problema que pode destruir
naçõ es inteiras;
4) as pessoas nã o colaboram umas com as outras pensando no
futuro global;
5) a evoluçã o moral nã o acompanha o ritmo da evoluçã o
científica e tecnoló gica.
E eles apresentam sua soluçã o: o transumanismo aplicado à nossa
moralidade.
Segundo os autores, uma elite tecnocrá tica esclarecida poderá
manipular nossos valores e cará ter por meio de substâ ncias
químicas e alteraçõ es genéticas para que nó s sejamos mais
obedientes e mais altruístas. Seríamos todos menos resistentes e
mais dispostos a aceitar a reduçã o de nossa privacidade diante do
aumento de poder do governo central com intençõ es globalistas,
capaz de utilizar medidas até mesmo impopulares para controlar a
natalidade no mundo, reduzir a poluiçã o e a destruiçã o da camada
de ozô nio e acabar com as guerras e a fome.
Esta seria a medida salvadora do futuro, e impediria o ser humano
de causar o “grande mal” que poderia acabar com toda a existência
humana ao usar de forma irresponsá vel os recursos limitados e a
poderosa tecnologia alcançada.
A manipulaçã o do cará ter alheio se justifica pela responsabilidade
moral de nã o permitir a ocorrência do mal e pelo dever de agir a
favor da coletividade, da sobrevivência da espécie e da busca do
igualitarismo.
As necessidades materiais e formais para esse empreendimento sã o
assustadoras. Será necessá ria uma elite tecnocrá tica que
concentrará poder e tecnologia suficientes para manipular o espírito
de povos inteiros, controlando sua moralidade e suas crenças (eles
enfatizam que essa medida poderia ser libertadora). A democracia é
vista como um problema [48] e o despotismo esclarecido é visto com
muita simpatia. Na verdade, os proponentes do transumanismo
ocupariam as cadeiras dessa esfera de governo.
E se todo este texto parece uma grande peça de ficçã o científica,
saiba que alguns experimentos já acontecem, e “maravilhosas”
drogas como a Psylocibina já provocam comprovadamente as
alteraçõ es psíquicas almejadas. [49]
Por trá s dessas ideias estã o editores de perió dicos científicos
respeitados no mundo inteiro, pesquisadores com verbas
milioná rias e professores influentes que ocupam cá tedras nas
grandes universidades de renome internacional. E verbas, muitas
verbas, de corporaçõ es bilioná rias.
Uma brevíssima aná lise dialética desse enredo de ficçã o científica
nos permite levantar algumas questõ es incô modas:
Controlar o ser humano por meio de manipulaçõ es genéticas e
tecnoló gicas servirá apenas para aumentar a possibilidade do mau
uso do poder, que estará muito mais concentrado. Controla-se quem
usa a tecnologia, logo, a potencialidade de destruiçã o aumentaria
muito.
Quem garante que a moralidade e a racionalidade de quem
coordena o projeto — nossos iluminados bioeticistas
transumanistas — nã o é produto aleató rio do acaso e, portanto,
repleto de limitaçã o e imperfeiçã o? Como garantir um parâ metro
seguro de uma cosmovisã o destituída de objetivismo moral
explicá vel? E mesmo que um parâ metro universal pudesse ser
oferecido, quem garantiria a moralidade do agente?
Um governo poderosíssimo liderado por uma elite esclarecida, que
concentra meios tecnoló gicos para manipular o cará ter e a mente de
seus servos, invade a privacidade alheia, possui cará ter global e
justifica a necessidade de igualitarismo e beneficência nã o
representaria o desejo profundo de uma tirania perfeita? Nã o seria
esta a velha especulaçã o da cidade governada pelo rei-filó sofo como
Platã o mostrou em A República ? [50]
A forma dessa proposta já foi vista vá rias vezes em nossa histó ria, e
o resultado sempre foi idêntico: morte.
A morte de milhõ es de pessoas que nã o se adaptaram ao projeto, ao
modelo. Chame de mentalidade revolucioná ria, [51] comunismo,
nazismo ou o que mais quiser… A mesma fó rmula se repete de
forma aterrorizante.
Cria-se uma imagem paradisíaca a ser alcançada nesta realidade,
algo que o grande filó sofo exilado da Alemanha nazista, Eric
Voegelin, chamava “imanentizaçã o do eschaton ”. [52] Esse termo
complicado explica o anseio de algumas ideologias totalitá rias e
perigosas de inserir na nossa realidade um ideal utó pico e fazer o
necessá rio para alcançá -lo, mesmo que seja a concretizaçã o de
males e crimes terríveis. Pois, se o objetivo é tã o nobre, que medida
seria inadmissível? Ou assim pensam e pensaram os defensores das
mais sanguiná rias concentraçõ es de poder que a humanidade já viu.
[53]

O nazismo e o comunismo funcionaram de fato assim: religiõ es sem


Deus controladas apenas pela vontade tirâ nica de alguns homens e
pela ilusã o e obediência cega das massas.
Por fim, toda a proposta transumanista incorre no risco de cair no
fenô meno chamado pelo filó sofo Olavo de Carvalho de “paralaxe
cognitiva”, que consiste no
… deslocamento, na obra de um pensador, entre o eixo da especulaçã o
teó rica e o da experiência concreta que ele tem da realidade. É o
resultado de um esforço de abstraçã o mal dirigido, que acaba por tomar
como separados efetivamente os elementos que tinham sido apenas
afastados em imaginaçã o, por facilidade de método. [54]
Será que, em meio à humanidade moralmente defeituosa, resultante
do processo cego e caó tico de evoluçã o natural imperfeita,
despreparada para enfrentar os perigos do futuro incerto, tendente
ao egoísmo e necessitada de conduçã o, encontraremos os pretensos
mestres iluminados para moldar a mente, o coraçã o e o corpo das
massas e dirigir os rumos da política internacional? Ou seja: entre os
pobres seres humanos limitados e moralmente defeituosos, quem
sã o eles, da elite tecnocrá tica, que desejam controlar outros seres
humanos limitados e defeituosos?
Parece-me que estamos diante de mais uma das inú meras crias do
bom e velho iluminismo secular, e de toda a sua incoerência
existencial. Nã o é à toa que alguns pensadores consideram o
transumanismo “a mais perigosa ideia do mundo”. [55]
Pessoalmente, concordo mais com Margaret Somerville, que enuncia
de forma mais clara a ideia mais perigosa de todas: “achar que nã o
há nada de especial em ser humano”, [56]
um dos elementos
fundamentais da visã o destituída de significado transcendental
como se vê no transumanismo.
Se nã o há nada especial em ser humano, nã o há nada essencial em nó s
que devamos preservar para as futuras geraçõ es. Isso significa que
somos livres para usar a nova tecnologia, como advogam os
transumanistas, para alterar a humanidade de forma que nos tornemos
“pó s-humanos”, isto é, nã o humanos, conforme se depreende. Em
outras palavras, haveria muito menos ou até mesmo nenhum limite
ético para buscar o propó sito utó pico dos transumanistas: que os
humanos se tornem um modelo obsoleto. [57]
E você, está obsoleto e pronto para ceder à distopia transumanista?
 

7. Liberdade e consciência médica


O ataque à integridade médica [58]

A liberdade de consciência é um dos componentes da integridade


pessoal. E sem integridade, o que nos resta é o cará ter fragmentado,
a personalidade fraca e maleá vel à manipulaçã o e aos mais diversos
vícios.
Na medicina, cabe ao profissional — isto é, a quem professa um
corpo de valores fundamentais — ter a força de cará ter suficiente
para lutar pela integridade de sua profissã o e pessoa.
Entende-se o termo medicina aqui por profissã o beneficente que
segue o modelo hipocrá tico e cristã o. Essa definiçã o, contudo, nã o
restringe de forma alguma a medicina a médicos e pacientes
cristã os. Limita, no entanto, como exercemos nossa profissã o. E
tragédias costumam se abater sobre vidas inocentes todas as vezes
que nos afastamos desse modelo que vigora há mais de dois mil
anos.
Muitos imaginam que o médico nã o deveria prezar por sua
integridade, sendo apenas um instrumento a servir ao paciente em
seus mais diversos desejos. Todavia, sobram muitas perguntas. Qual
paciente? Quais desejos? Quais formas de exigências e sob quais
parâ metros? A medicina pode ser amoral, isto é, neutra?
Em nossa histó ria já conhecemos o exemplo da medicina comunista,
que preferia princípios seculares revolucioná rios à vida humana, e
servia ao Estado antes de servir ao indivíduo, como se observa no
pró prio juramento dos antigos médicos soviéticos. [59] O resultado
desse desvio ideoló gico foi o uso da psiquiatria para a manipulaçã o
ideoló gica e opressã o totalitá ria de toda a populaçã o. [60]
A percepçã o do médico como agente do Estado só poderia terminar
em desconfiança e medo, de acordo com a descriçã o de um caso da
Romênia em tempos mais sombrios: os pacientes acossados pela
doença e diante de médicos burocratas a serviço do Estado tantas
vezes sentiram-se obrigados a recorrer ao suborno. [61]
O exemplo da medicina nazista também nã o nos é estranho. Médicos
deslumbrados com o avanço da ciência aliado ao racismo de moral
darwinista [62] usaram milhõ es de judeus, ciganos, prisioneiros de
guerra, deficientes mentais e pessoas com diversas características
socialmente indesejá veis como cobaias para os mais cruéis
experimentos.
O ser humano poderia, segundo a visã o deturpada de certos médicos
desviantes do legado hipocrá tico e cristã o, ser dividido em
categorias e tratado como mercadoria: a pele serviria de material
para belíssimos abajures, a gordura proveria sabã o e o cabelo seria
estofo de colchã o. [63]
O processo pelo qual tanto horror aconteceu é relativamente claro
para quem deseja abrir os olhos. A elite iluminada decide mudar a
moralidade médica, reformar a sociedade por conta de sua visã o
avançada do certo a ser feito, pretensamente muito melhor do que a
velha forma de enxergar o mundo. A moralidade hipocrá tica e cristã
seria, segundo esses iluminados, algo do passado ou, como diria
Nietzsche, de escravos. Mas o famoso filó sofo niilista previa muito
bem no que se transformaria a humanidade ao nos “libertarmos”
das amarras da moralidade chamada de tradicional. E sua profecia
se cumpriu.
Ao seguir a elite esclarecida, que se julgava capaz dos mais
revolucioná rios atos de engenharia social e mudança moral, toda
uma hoste de médicos praticou os mais horrendos e desumanos atos
imaginá veis com a excelente desculpa de que só cumpriam ordens,
como se ouviu no Julgamento de Nuremberg. [64]
Conclui-se que há modelos de prá tica médica que nã o devem ser
seguidos de forma alguma.
Contudo, poderia o médico alegar liberdade plena e declarar nã o
seguir nenhum modelo? Essa pretensã o consistiria em um novo
modelo de conduta. A ideia contida na palavra liberdade é de
contingência, isto é, requer uma delimitaçã o: liberdade de que ou de
quem em relaçã o a quê?
Quando se fala de liberdade de consciência, fala-se exatamente de
quê?
Minha posiçã o é a de que o médico deve ter a liberdade de
consciência para seguir a moralidade hipocrá tica e cristã sem ser
forçado por ideologias ou Estados a executar atos contra suas mais
fundamentais crenças ou contra a vida do ser humano.
Estaria essa liberdade ameaçada?
Este é o grande tema do momento.
A medicina utilitarista obteve vitó rias gigantescas: liberou o
abortamento voluntá rio, a pesquisa de embriõ es humanos, a
eutaná sia e o suicídio assistido. Todas essas mudanças se
fundamentaram nos seguintes pressupostos:
1) Nã o há nada de especial em ser humano e estar vivo;
2) Algumas vidas humanas valem mais que outras;
3) O médico pode matar em vez de buscar apenas a manutençã o
adequada da vida;
4) A vida só tem valor caso ofereça prazer físico.
Sã o mutaçõ es civilizacionais gigantescas provocadas por um
conjunto de ideias que, no Brasil, sã o empurradas goela abaixo dia
apó s dia por milhõ es e milhõ es de dó lares, pela militâ ncia de
centenas de organizaçõ es nã o governamentais e pela constante
pressã o da Organizaçã o Mundial da Saú de (OMS) e sua agenda de
controle populacional.
O pró ximo passo dessa revoluçã o moral justificada pelo avanço da
ciência é a transformaçã o do pró prio espírito da classe médica. A
pró xima grande batalha se dará na consciência de cada um de nó s.
Bioeticistas de renome mundial declaram abertamente que os
médicos devem servir ao Estado sem o direito de apelar à sua
consciência. Julgam errada a posiçã o de negar auxílio, por exemplo,
no extermínio de pacientes suicidas ou fetos. Eles afirmam:
Os médicos sã o, em primeiro lugar e acima de tudo, provedores de
serviços de saú de. A sociedade tem todo o direito de determinar que
tipos de serviços eles (os médicos) devem oferecer. [65]
A ordem de execuçã o dessas grandes mutaçõ es civilizacionais segue
de fato um padrã o que deve ser compreendido.
Da elite ao povo, há um constante emprego de diversas formas de
propaganda e manipulaçã o. A autoridade acadêmica de professores
universitá rios desempenha um papel relevante no processo, [66] ao
formar o que Antô nio Gramsci chamaria “intelectualidade orgâ nica”.
[67]

No começo, a opiniã o da elite iluminada é contrá ria à da populaçã o,


cujos valores e virtudes sã o denominados “preconceitos familiares”
e sã o inexoravelmente ridicularizados e combatidos. [68]
Exemplo claro ocorre no Brasil, onde a populaçã o se opõ e ao aborto
e possui tendências conservadoras [69] em diversos assuntos, mas é
empurrada sem descanso à mutaçã o da moralidade por meio da
maciça propaganda televisiva sob a forma de novelas, campanhas de
conscientizaçã o ou outras manipulaçõ es toscas.
Cabe entã o perguntar que sociedade é essa à qual os médicos devem
obediência. Será a sociedade composta pelo povo brasileiro, ainda
conservador? Será a sociedade que prescreve a moralidade cristã
tradicional, capaz de beneficiar teístas, ateus e agnó sticos mundo
afora? Será a sociedade de moralidade secular adaptada e derivada
dos elementos religiosos do passado? Ou será a sociedade dos
líderes revolucioná rios que se acham no direito de manipular o
espírito alheio ao evocar autoridade quase que divina para si
mesmos?
E a sociedade nazista? Teve ela o direito de determinar o que os
médicos deveriam fazer? Estavam os médicos justificados ao
dizerem que só seguiam ordens? Essa neutralidade moral justifica as
vivissecçõ es, a inoculaçã o de micro-organismos letais, o afogamento
e congelamento experimentais, toda a miséria, fome e genocídio do
campo de concentraçã o nazista e do gulag soviético?
De acordo com os novos Césares, legisladores seculares da
moralidade humana,
Se você é um médico ginecologista e nã o quer fazer abortamentos, é
como um policial que nã o usa armas, e deve parar de exercer sua
profissã o. [70]
Também se afirma: “No serviço pú blico, de acordo com a norma
técnica, o médico responsá vel é obrigado a fornecer o abortamento”.
[71]

Justifica-se que a saú de é um bem geral — ou social, como gostam de


chamar — e que só se faz medicina por concessã o do Estado. Nessa
ló gica há uma premissa que necessariamente nã o é verdadeira!
O fato de alguém trabalhar por concessã o estatal e prestar um
serviço à comunidade em cará ter pú blico ou privado, nã o leva a
concluir de pronto que os valores implicados nesse trabalho sejam
os mesmos da elite governante ou da populaçã o. Há uma perigosa
submissã o do espírito humano aos elementos políticos do momento,
o que pode ser a porta de entrada de muitos horrores e sofrimentos.
[72]

Com muita ironia, aconselho o Estado a treinar a pró pria versã o do


que seria um prestador de cuidados de saú de, só nã o cabendo
chamá -lo “médico”. O Estado ou a elite iluminada, que está certa de
como deve ser o futuro, que crie seus carrascos e executores e deixe
a medicina em paz.
A medicina comporta em si um significado muito específico e nobre,
que inclui:
1) A percepçã o de que toda a vida humana é sagrada e digna;
2) A devoçã o a serviço do pró ximo de forma concreta e
individualizada em um contexto amplo;
3) A busca constante de excelência técnica e científica dentro
desses parâ metros morais.
Qualquer outra coisa nã o merece ser chamada “medicina”.
Remover a liberdade do profissional médico de professar fidelidade
ao projeto hipocrá tico e cristã o da medicina significa destruir a
profissã o e a integridade do ser humano devotado à cura do
pró ximo.
Ademais, sem a integridade moral necessá ria, tudo que nos restará é
a instrumentalizaçã o do ser humano, direcionada pelo mais raso
voluntarismo subjetivista, uma das mais perigosas combinaçõ es de
toda a nossa histó ria.

8. Tudo é bom motivo para matar um bebezinho…


Na ediçã o de maio de 2016 do American Journal of Bioethics , foi
publicado um artigo para somar-se à hoste dos artigos abortistas à
cata de justificativas para matar o pró ximo indefeso. [73]
Segundo o editorial, escrito a convite, o Brasil sofre forte tendência
para o recrudescimento da legislaçã o contra a legalizaçã o do aborto,
justamente no momento no qual o vírus Zika tem causado graves
problemas em neonatos. O artigo também recorda aos leitores que o
Brasil possui poucos recursos para auxiliar as famílias atingidas
pelas mais graves complicaçõ es do vírus, que têm que cuidar dos
bebês com microcefalia por sua pró pria conta e risco. Por fim,
avisam que leis contra o aborto podem reduzir a disponibilidade de
tecido fetal para realizar pesquisas científicas em busca de novos
tratamentos.
Pá ginas de notícias no Brasil informam que o nú mero de casos de
microcefalia confirmados ultrapassa mil e seiscentos em uma
avaliaçã o feita em julho de 2016. [74] Os comentá rios em uma dessas
pá ginas sã o reveladores do nível moral de alguns leitores pró -
aborto:
“Deveriam ter sido abortados. É um crime trazer para o mundo um
ser que ficará preso a um corpo mal formado. Insensatos,
insensíveis, irresponsá veis e hipó critas.”
“Se os pais assim o quiserem, deveria ser permitido.”
“Qual a expectativa de vida de um bebê desses?”
“Nenhuma cara, o jeito é esperar ele morrer mesmo infelizmente,
microcefalia nã o há soluçã o.”
“Corrigindo o bebê pode viver sim, mas vai ter uma vida totalmente
dependente de outra pessoa.”
“Espero do fundo do meu coraçã o que esse nú mero venha triplicar e
os brasileiros parem de fazer filhos kkk.”
Há todo um questionamento em relaçã o à mentalidade utilitarista e
hedonista que motiva a indisposiçã o de cuidar de crianças
imperfeitas ou, como diriam os nazistas, dos comedores inúteis
indignos de viver . Essa mentalidade que destina parcelas
inadequadas da populaçã o ao extermínio por sucçã o e
desmembramento ou, em outras épocas, por câ maras de gá s, fornos
cremató rios ou fuzilamentos, sempre esteve presente em nossa
histó ria, representando a antítese de nossos valores fundacionais
ligados à religiã o cristã e à percepçã o da dignidade humana. Remeto
o leitor à obra de Benjamin Wiker para mais informaçõ es sobre esse
duelo de cosmovisõ es que já dura mais de dois mil anos. [75]
Contudo, gostaria de chamar atençã o sobre outros aspectos.
Primeiro, seria muito impreciso afirmar que há um recrudescimento
das leis antiabortistas no Brasil. Nosso país sempre foi contrá rio à
legalizaçã o do aborto voluntá rio e, recentemente, seguindo a agenda
internacional de controle de natalidade e morticínio de fetos, criou
dispositivos facilitadores para o abortamento indiscriminado, como
o chamado de “Atençã o humanizada ao aborto”. [76] O que há , de
fato, é a maior consciência das constantes e insistentes tentativas de
engenharia social da agenda cultural de esquerda no país e uma
resposta de segmentos religiosos e de grupos que apoiam a vida do
bebê e os valores mais prezados pela populaçã o comum.
O que há no Brasil é o aumento da crítica feita à s violentas
iniciativas abortistas, sempre caracterizadas por muita maquiagem
politicamente correta e por termos eufemísticos como pró-escolha ,
direito de decidir e direitos reprodutivos , criados há décadas por
abortistas que lucravam pesado com a morte alheia. Nã o sou eu que
afirmo isto, é o pró prio rei do aborto, Bernard Nathanson, criador de
muitos desses termos desenvolvidos de modo especial para
comover e confundir a populaçã o desprevenida contra manipulaçã o
psicoló gica e auxiliar na aprovaçã o de leis abortistas. Nathanson,
mais tarde, arrependeu-se de seus crimes e passou a defender a vida
dos fetos e bebês. [77]
Segundo, há muitos recursos no Brasil. Somos um dos países mais
ricos do mundo — e com maior carga tributá ria. O problema é a
altíssima carga parasitá ria da elite política corrompida até à medula.
O dinheiro pú blico “desaparece” nos bolsos de nossa elite de
esquerda aliada aos megaempresá rios que topam entrar na dança
da malandragem institucionalizada. Porém, considerando o mercado
milioná rio do aborto e o ró tulo progressista que o acompanha, os
olhos da (des)“Intelligentsia” [78] tupiniquim brilham.
Terceiro, praticar um ato errado em sentido moral, ou até mesmo
questioná vel, justificado por um bem potencial, como os possíveis
avanços em tratamentos com o uso de pedaços de bebês abortados
para pesquisa, nã o é eticamente aceitá vel fora de um parâ metro
maquiavélico e diabó lico no qual o mais forte decide usar o mais
frá gil por meio do extermínio.
Muitos apelam aos possíveis tratamentos; contudo, nã o lembram de
que há outras ferramentas para o desenvolvimento de novos
tratamentos, como a pesquisa de células-tronco de adultos. Poucos
se lembram também de que ainda há muita expectativa e poucos
resultados concretos no uso de células embrioná rias, ou nem sequer
cogitam as complicaçõ es, como o desenvolvimento de câ ncer no
receptor. [79] E isso sem falar no assustador mercado clandestino de
pedaços de bebês e fetos, praticado pela megaempresa abortista
Planned Parenthood. [80]
O artigo publicado no famoso perió dico de bioética afirma que até o
papa concordou em fazer anticoncepçã o em situaçõ es como a do
vírus Zika. Dizem que evitar gravidez nã o é um mal absoluto. Isso
nã o passa de um truque de palavras. É uma mutatio controversiae —
mudança de assunto. [81]
O artigo defende o aborto, nã o a
anticoncepçã o. E a permissã o de uma coisa (contracepçã o) é bem
diferente da outra (aborto).
Por fim, o artigo conclui fazendo um apelo para que homens e
mulheres busquem respostas na opiniã o de pesquisadores
biomédicos sem a interferência de uma “agenda política”.
Advogam a disponibilizaçã o do abortamento. Negar o direito à
matança da prole deficiente seria, conforme os autores, açã o
moralmente inaceitá vel. Nisso repetem o discurso orwelliano da
Organizaçã o das Naçõ es Unidas: matar fetos e bebês tornou-se um
direito humano. [82]
Sob a perspectiva hedonista e naturalista, considerar inaceitá vel que
os pais cuidem de crianças deficientes é uma atitude compreensível,
como é de todo compreensível, na perspectiva caridosa e
transcendental — que, aliá s, fundou nossa civilizaçã o —, que os pais
cuidem de seus filhos em qualquer situaçã o considerando-os
dá divas de Deus (ou do destino, para quem nã o acredita em Deus),
mesmo quando imperfeitas em diferentes graus de imperfeiçã o, pois
todos nó s temos imperfeiçõ es. É claro que as duas posiçõ es sã o
compreensíveis, mas a primeira opçã o é moralmente muito inferior
e relaciona-se aos hedonistas mais medíocres e menos caridosos.
Quanto ao manjado e boboca discurso que aponta para uma
pretensa agenda política por trá s daqueles que movem um discurso
a favor da vida, nã o é nenhuma novidade. Esse artigo do American
Journal of Bioethics repete um padrã o já cansativo: pessoas com
agendas progressistas escandalosamente politizadas projetam nos
discordantes de suas iluminadas opiniõ es os desejos políticos
inconfessá veis de uma imaginada agenda obscurantista. Assim
também foi feito por Alta Charo no artigo publicado no famoso
perió dico New England Journal of Medicine , que cada vez mais
parece um panfleto político, embora publique conteú do científico de
valor quando nã o se pronuncia sobre questõ es humanísticas. [83]
Nossos bioprogressistas, enterrados até ao pescoço em suas
agendas políticas, acusam a todos de falta de objetividade científica
do alto de suas perspectivas subjetivas e desprovidas do mínimo de
empatia necessá rio para mover um debate de qualidade.
Convido o leitor a visitar a pá gina da National Advocates for
Pregnant Women, organizaçã o política proponente do aborto em
que milita Mary Faith Marshall, uma das autoras do artigo que
critico. [84] Lá qualquer um poderá conferir o grau de imparcialidade
da autora que acusa outros de moverem tenebrosas agendas
políticas.
Diante do exemplo de tantas famílias brasileiras que, tocadas pelo
mais sincero sentimento de amor ao pró ximo, recusam-se a matar
sua prole e cuidam de seus bebês por dias, semanas ou até mesmo
anos, haja o que houver, mesmo na pobreza e na ausência de auxílio
adequado do governo — este sempre disposto a ajudar criminosos e
ignorar inocentes —, só podemos nos sentir humildes e admirados,
e oferecer nossa compreensã o e incondicional ajuda para que vivam
e cumpram suas melhores virtudes.
Por ú ltimo, devemos responder que tipo de civilizaçã o desejamos
legar a nossos filhos e netos. Será a civilizaçã o que eliminará os
fracos e exaltará os fortes? Ou será a civilizaçã o que exaltará suas
virtudes e fortaleza ao cuidar dos mais fracos?
 

9. Um mergulho nas próprias trevas


Bernard Nathanson (1926-2011), o rei do aborto, descreveu sua
trajetó ria pessoal no livro The Hand of God : A Journey from Death to
Life by the Abortion doctor Who Changed His Mind [A mã o de Deus:
uma jornada da morte à vida do médico que realizava abortos e
mudou a forma de pensar]. [85]
Como todas as melhores narrativas autobiográ ficas presentes em
nossa civilizaçã o, Nathanson iniciou pela aná lise das pró prias trevas.
Nã o foi diferente com o apó stolo Paulo, Agostinho de Hipona ou
Dante Alighieri. Eles estabeleceram modelos ao redor da mesma
fó rmula de sinceridade plena consigo mesmo, e esse médico foi
capaz de identificar o mesmo modelo em sua vida. E trevas
profundas foram vasculhadas de fato!
Bernard foi um judeu secular filho de judeus seculares. Começou
cedo sua histó ria com o aborto, encaminhando a namorada com a
ajuda de seu pai para abortar seu primeiro filho. Já adiante na
carreira, ele mesmo fez o aborto de outro filho, de forma metó dica e
higiênica, quase como a dos proficientes médicos nazistas que
exterminavam milhõ es.
Seu papel na legalizaçã o do aborto nos Estados Unidos foi
importante, e sua atuaçã o na chefia de clínicas de aborto ou na
realizaçã o de abortos impressiona. Mais de 75 mil vidas foram
eliminadas por Bernard Nathanson, de maneira direta ou indireta.
Ele era eficiente no que fazia e se destacava em uma época que os
médicos mais desqualificados já migravam para as prá ticas
abortistas.
É claro que nos anos de abortismo, Nathanson atraiu a fú ria e o
desprezo de muitos médicos de linhagem hipocrá tica e de
defensores da vida humana.
Mas as coisas começaram a mudar quando surgiu um
impressionante aparelho: a ultrassonografia. Ao observar as reaçõ es
do feto no momento em que o mesmo era destruído pela sucçã o e
aspiraçã o, Nathanson parou de viver na abstraçã o de seu pró prio
mal e percebeu com concretude a extensã o do terror praticado. Ali
estava uma vida sendo destruída, ao vivo, na televisã o. E nã o só ele,
outros médicos abortistas nunca mais ousaram eliminar vidas
humanas depois de assistir ao que acontecia de verdade no ú tero
materno.
O rei do aborto começara a questionar a si mesmo. Abandonou suas
prá ticas anteriores e tornou-se membro do movimento pró -vida
americano, angariando para si o ó dio e a inimizade de incontá veis
médicos e pessoas que agora defendiam o direito de escolha .
Produziu dois documentá rios impactantes, que sem dú vida nunca
chegaram à grande mídia, mas transformaram a forma pela qual
muitas pessoas enxergavam essa questã o: The Silent Scream [O grito
silencioso] e The Eclipse of Reason [O eclipse da razã o].
Em 1987, Bernard recebeu a carta de uma defensora do direito de
escolher o aborto que trabalhara para ele no passado. Ela contava
que algo muito tenebroso se passava na clínica onde trabalhava.
Pedaços de bebês estavam sendo vendidos. Hoje observamos quase
que descrentes a Planned Parenthood vender ó rgã os de bebês
abortados em um verdadeiro açougue humano e nos perguntamos
como chegamos aqui. Mas nã o há novidade na histó ria. A promessa
de tratamentos milagrosos era muito grande à época, e ela ainda
existe, com efeitos colaterais e decepçõ es igualmente presentes em
larga escala.
Nathanson fez os cá lculos macabros do necessá rio para efetivar
terapias com células fetais, e o resultado impressiona pela
quantidade de sangue humano necessá rio para açõ es em larga
escala efetivas à sociedade.
E a guerra entre abortistas e defensores da vida seguiu acirrada nos
Estados Unidos, incluindo alguns casos de tiroteio e violência contra
médicos e funcioná rios de clínicas de aborto. Foram poucos, mas
trá gicos. Porém, o que mais impactou Bernard foi o exemplo da
pacífica maioria que tinha a coragem de suportar as piores
humilhaçõ es e agressõ es dos radicais que desejavam impor o direito
de decidir .
A maioria pacífica que se mantinha firme e resiliente ao lutar por
algo que considerava sagrado o impressionou. Movido pelo exemplo,
ele se aprofundou no estudo da fé que movia aquelas pessoas e, ao
fim de uma longa e trá gica vida, encontrou seu caminho no
cristianismo.
Das profundezas do mais tenebroso inferno, onde causou seu
holocausto particular contra a vida de milhares e milhares de bebês
e fetos, Bernard Nathanson foi alçado a um diferente patamar e
sofreu uma impressionante virada na sua visã o de mundo. Sua
histó ria culminou na sua sofrida transformaçã o e consiste no
testemunho real do poder e do efeito do perdã o na vida de alguém.
10. Uma ponte para o futuro direto do passado
 
A obra de Van Rensselaer Potter

Recentemente foi publicada em português a obra primordial da


bioética, escrita pelo bió logo e bioquímico pesquisador em
oncologia Van Rensselaer Potter, pela Editora Loyola, com a
traduçã o de Diego Carlos Zanella e uma introduçã o à ediçã o
brasileira escrita pelo padre Leo Pessini, importante ator da bioética
no Brasil e no mundo. Era uma obra que o mercado brasileiro
necessitava há tempos por muitos motivos.
Citado por muitos e lido, talvez, por poucos, o livro sempre foi
mencionado como excelente fonte dos primó rdios da bioética. É
uma pedra fundamental nesse campo interdisciplinar de estudo que
ajuda sobremaneira a compreender os rumos da discussã o
acadêmica mundo afora e no Brasil.
Potter instaura a bioética em uma perspectiva global, incluindo
questõ es acerca da sobrevivência humana na biosfera, ecologia,
crescimento populacional, responsabilidade no ambiente científico e
perigos dos avanços tecnoló gicos. A bioética clínica, iniciada quase
ao mesmo tempo por Hellegers, tratou, desde os primó rdios, de
questõ es semelhantes, porém mais restritas à assistência à saú de no
contexto dos avanços tecnoló gicos e dos novos desafios à
moralidade de médicos, pacientes e demais envolvidos.
As temá ticas de Potter ainda hoje sã o lugares comuns na discussã o
bioética: responsabilidade frente à s pró ximas geraçõ es, valores
laicos e religiosos em sociedade, controle populacional, preservaçã o
da natureza, excesso de especializaçã o na ciência, incapacidade de
lidar com as questõ es maiores da sociedade e individualismo.
Potter exemplifica bem o que Yuval Levin explicou em Imagining the
Future : Science and American Democracy [Imaginando o futuro: a
ciência e a democracia americana], seu livro recente: indivíduos com
tendências à esquerda do espectro político e tradicionalmente
ligadas ao progressismo estã o agindo de forma conservadora
quando o assunto envolve o desenvolvimento tecnoló gico e a
proteçã o da natureza.
Outro aspecto muito curioso e ilustrativo da realidade dos
ambientes de discussã o em bioética sã o os contrastes
exemplificados pelo pró prio autor em sua obra. Um secularista
mecanicista promove — com competência, devo dizer — um
reducionismo do ser humano à condiçã o de má quina cibernética,
trazendo o aporte de vá rios achados científicos interpretados sob
um paradigma naturalista bem específico. Ao mesmo tempo, nã o
descuida da cultura circundante, fazendo referências contínuas a
trechos das Escrituras sagradas, mesmo que para anunciar com
placidez que elas perderam a validade nos dias de hoje. A bioética
ainda é um campo de ferrenhos duelos entre o secularismo e as
outras crenças, incluindo-se as religiosas; todas partilhando ao
menos a disposiçã o em conversar, mesmo que com â nimos
acirrados algumas vezes.
E, talvez, algo ainda mais curioso: Potter é muito moralista, embora
subscreva a cosmovisã o naturalista e mecanicista. Há uma tensã o
incontorná vel entre essas visõ es, à beira do abismo niilista. Nã o
duvido por um momento sequer da sinceridade do autor em
recomendar o que julgava certo, mas ele descartou a fé alheia com
muita facilidade e evitou regressar a seus pressupostos mais
bá sicos. O regresso ao mesmo tempo filosó fico e anamnésico à s
fundaçõ es de suas crenças o levaria ao terrível choque entre o
naturalismo e a necessidade de pregar a moralidade.
De fato, o livro de Potter é uma ponte para o futuro. Lá estã o
prenunciados os conflitos atuais da bioética. Lá já se defendia a
existência do engenheiro social (bioeticista) que contornaria a visã o
superespecializada de suas pesquisas cada vez mais avançadas e
distantes do cotidiano e da aplicabilidade prá tica para pregar a
moral da nova fé.
Se os termos parecem exagerados, o leitor me desculpará ao ler o
“Credo Bioético” oferecido pelo autor, com suas crenças e
compromissos. E compreenderá melhor o papel central desse
pequeno livro no cená rio internacional que hoje se vê.
Sem dú vida essa obra chega tarde, mas melhor agora que nunca.
Parabéns à Loyola e aos envolvidos no trabalho bem realizado e por
trazer esse importante pedaço do quebra-cabeça chamado bioética
para a língua portuguesa.
 

11. Bibliografia de bioética


 
Mapeamento o início da jornada

Muitos perguntam sobre bons livros para começar os estudos de


bioética. A pergunta é relevante e mostra o senso de
responsabilidade diante de um campo de estudo tã o amplo.
Para quem quer entender de fato sobre qualquer assunto com
qualidade, o levantamento bibliográ fico prévio economizará anos de
estudos pouco direcionados e auxiliará a fundamentar um
posicionamento ou entender melhor o contexto de algum autor de
grande importâ ncia na á rea.
Para começo de conversa, já respondo que qualquer embasamento
interdisciplinar de qualidade demorará alguns anos para acontecer.
Portanto, acumule paciência e comece a ler e estudar sem o
compromisso de terminar tã o cedo.
Prepare-se também para singrar em mares nunca antes navegados
(por você, pelo menos)! Nas palavras de Edmund Pellegrino, pai da
ética médica contemporâ nea, é necessá rio o conhecimento de
humanidades médicas e filosofia da medicina, caso alguém deseje
conhecer a bioética. Estou falando de literatura, histó ria, filosofia
(geral e especializada), retó rica, ló gica, política e muitas outras
á reas.
Diante da necessidade de criar um referencial teó rico mínimo
aceitá vel, temos que nos perguntar algumas coisas bastante
importantes desde o início.
 
Qual o tipo de leitura?
Qual o tipo de livro que temos diante de nó s?
É um livro de conteú do inspirador e formativo? Um livro que nos
molda o cará ter e a perspectiva de mundo e inspira a melhorar?
Ou é um livro de conteú do informativo, que nos oferece material
para raciocinar e argumentar?
Outra categoria que nã o tratarei seria a do livro lú dico, que apenas
nos diverte sem oferecer conteú do ú til ou nobre. [86]
A leitura formativa ou de inspiraçã o pode ser repetida vá rias vezes,
pois a cada vez oferece novas perspectivas e se mostra mais
complexa quanto mais complexos nó s nos tornamos.
Já a leitura informativa, deve ser lida uma vez para que se tenha
noçã o de onde buscar informaçõ es relevantes, e deve ser consultada
sempre que necessá rio.
 
Qual o foco?
Quando iniciamos um curso formal de bioética ou humanidades
médicas, o foco é adquirir o bá sico da formaçã o geral na á rea,
pretensamente capaz de lançar o estudioso no campo de pesquisa
com o mínimo de ferramentas necessá rias para a argumentaçã o e
progressã o nos estudos.
Embora a aproximaçã o sistemá tica tenha suas inegá veis vantagens,
é difícil compará -la com o ímpeto e a vitalidade do estudo baseado
em problemas em que as leituras sã o iniciadas com base em um
tó pico de extrema relevâ ncia para a vida, e que atrai intensamente
nossa atençã o.
A mistura saudá vel entre ambas as ênfases é interessante.
Quantos tesouros eu nã o descobri, por exemplo, ao ler materiais que
nã o estavam relacionados de forma direta a um problema que eu
pesquisava?
 
Por quanto tempo? Qual o caráter necessário?
A primeira resposta é simples. Até o fim da vida.
Aprende-se algo todos os dias. A cada dia revisamos nossas
perspectivas para reforçá -las ou para colocá -las em cheque. O
estudioso dedicado saberá suportar anos de dú vidas e buscas.
Se nã o há fibra para aguentar o aporte de diferentes perspectivas e a
vontade de harmonizá -las ou selecioná -las de forma metó dica apó s
absorver e criticar, nã o se deve arriscar a vida intelectual, ainda
mais em relaçã o à bioética.
Se nã o há força de cará ter para defender o que se mostrou
verdadeiro e correto, apesar das circunstâ ncias e da pressã o
externa, nã o se tem moral para ingressar na vida intelectual.
 
Quais as obras?
Esta é a pergunta fá cil de responder. Isto nã o faz com que a resposta
deixe de ser inquietante. Estamos diante de um campo
interdisciplinar que mistura humanidades e ciências. Portanto, a
lista é enorme e variadíssima.
Se alguém deseja falar algo sobre bioética, o mínimo que se espera é
a formaçã o humanística de qualidade, incluindo os clá ssicos da
literatura e da filosofia mundial, ao lado da formaçã o científica
atualizada.
Quando se trata de bioética, aborda-se o fenô meno da vida humana
e de tudo que a motiva e enriquece, fala-se das grandes religiõ es e
do sentido da vida, lembra-se das mais comoventes histó rias da
humanidade e busca-se a alta cultura. Exigir um pouco menos do
que isso já equivale a mediocrizar todo um projeto de estudo.
 
A formação do imaginário
Começarei pelas grandes obras poéticas, de acordo com a
classificaçã o aristotélica formulada por Olavo de Carvalho. [87]  Sã o
estas as mais importantes obras que fundamentam nosso imaginá rio
e dã o sustentaçã o aos estudos mais complexos e avançados.
Hans Jonas aconselha em um de seus livros: é preciso muita
imaginaçã o para pensar e agir com responsabilidade em relaçã o à
bioética. [88]  E a imaginaçã o bem formada requer a fundaçã o
oferecida pelos clá ssicos da religiã o e da literatura, além do aporte
opcional de bons filmes.
A pedra fundamental para qualquer um que vive a cultura ocidental,
em acordo ou discó rdia, é a Bíblia. Nã o há discussã o nesse ponto.
Para abrir a boca e falar qualquer coisa, o mínimo do mínimo é ter
conhecimento das histó rias fundamentais de nossa civilizaçã o.
Hoje, qualquer adolescente imberbe crê ser capaz de criticar
milhares de anos de sabedoria e cultura acumulada. É preciso
entender que essa ilusã o impede a sustentaçã o de uma verdadeira
vida de estudos.
Na Bíblia estã o os dilemas existenciais que assolam ou elevam a
humanidade. Guerras, milagres, esperança, desespero, doença, cura,
fé, salvaçã o e perdiçã o. Está tudo lá . A emotividade dos Salmos, os
sofrimentos de Jó , o existencialismo de Eclesiastes, o exemplo do
Cristo e as descriçõ es fenomenoló gicas da intimidade angustiada do
apó stolo. No campo em que se discute certo e errado, a Bíblia
fornece instrumentos narrativos que povoam o imaginá rio e
potencializam a compreensã o do ser humano.
Nesta hora normalmente alguém se ergue quase ultrajado e diz: e as
outras religiõ es, e o pluralismo, e os ateus?
De que adianta buscar pluralismo sem antes possuir integralmente
uma das perspectivas? De que adianta buscar uma posiçã o crítica
contra uma perspectiva de fato desconhecida? Desenraizado da alta
cultura, só restarã o a superficialidade e a arrogâ ncia de quem
ignora, permanecerá apenas a impostura. Acabar-se-á
transformando uma perspectiva — a ocidental, nesse caso — em
caricatura.
E nem preciso comentar o valor da teologia no campo da bioética!
Autores necessá rios para compreender parâ metros morais e as
perspectivas ocidentais incluem Agostinho de Hipona e Tomá s de
Aquino, este ú ltimo dissertando sobre virtudes e vícios.
Recentemente, é impossível nã o recomendar obras de intelectuais
como Francis Schaeffer e de grandes lideranças religiosas como Joã o
Paulo II e Bento XVI. Encontram-se teó logos contemporâ neos por
todos os lados da bioética, do brasileiro Leocir Pessini ao americano
Gilbert Meinlander, importante membro da Comissã o Presidencial
de Bioética dos Estados Unidos. Religiã o e bioética definitivamente
se misturam e se discutem.
Na literatura clá ssica, temos os livros que marcaram nossa
civilizaçã o. A poesia de Homero, tragédias gregas escritas por
Só focles e diá logos escritos por Platã o abordam dú vidas
existenciais, noçõ es de justiça e convivência em sociedade.
Romances como A morte de Ivan Illitch , de Tolstó i, nos ensinam as
fases psicoló gicas enfrentadas por alguém que se aproxima da morte
ao ser acometido por grave doença. Romances mais modernos como
Admirável mundo novo , de Aldous Huxley, e 1984 , de George Orwell,
nos mostram projeçõ es de sociedades futuras baseadas nos
possíveis desenvolvimentos de tecnologias e ideologias da época.
Mesmo um conto de terror, como Frankestein , de Mary Shelley,
pode nos educar quanto à s visõ es tenebrosas do ímpeto prometeico
frente ao desenvolvimento científico e à s altas expectativas de
sucesso na manipulaçã o da natureza.
Nos relatos de nossa época, encontramos também biografias e
estudos perturbadores que demonstram o caminho que podemos
trilhar ao nos esquecermos de nossos valores civilizacionais. Em
busca de sentido , escrito pelo médico Viktor Frankl, revela a vida —
e a morte — em um campo de concentraçã o nazista, e contextualiza
os grandes crimes que marcaram o nascimento da bioética
contemporâ nea.
Para desenvolver a empatia e a compreensã o em relaçã o aos idosos,
sempre envolvidos em debates bioéticos quando se fala sobre
utilitarismo e valor da vida humana, sugiro O velho e o mar , de
Hemingway. E, por que nã o, Rei Lear , de Shakespeare?
Crô nicas interessantes e relatos de médicos nos momentos mais
dramá ticos da existência humana sã o capazes de sensibilizar o mais
á rido coraçã o. Sinto muito , do médico português Nuno Lobo
Antunes, Mortais de Atul Gawande e O médico , de Rubem Alves, sã o
bons exemplos.
 
História
Fala-se muita bobagem a respeito de Hipó crates. Pessoas o acusam
ou elogiam sem nunca ter lido uma obra hipocrá tica sequer. Alguns
acham mesmo que a discussã o ética nasceu com a bioética — gosto
de pensar que sejam poucas pessoas, mas tenho a forte impressã o
de que formam uma legiã o!
Julgo que as obras hipocrá ticas, ao lado de todos os clá ssicos desde a
Antiguidade até a Era Moderna, sã o indispensá veis, todas elas.
Visõ es gerais do passado e da validade dos fundadores da ética
médica podem ser obtidas em grandes historiadores modernos e
contemporâ neos como Ludwig Edelstein, Owsei Temkin, Albert
Jonsen, Allasdair McIntyre e Gary Ferngren. Diego Gracia também
apresenta um panorama histó rico e filosó fico valioso na obra
Fundamentos de bioética . Entretanto, ler esses excelentes
historiadores, médicos e bioeticistas nã o substitui a necessidade de
conhecer os originais.
Aproveito também para falar das línguas necessá rias. O mínimo que
se espera de um estudioso brasileiro de bioética é o conhecimento
de inglês, português e espanhol, além de boa disposiçã o para
aprender algo de grego e latim, caso ouse passear pela histó ria. Ler
em espanhol a obra de Diego Gracia — aprendiz de Xavier Zubiri,
médico da Real Academia Espanhola de Medicina e um dos maiores
bioeticistas vivos do mundo — é um elemento obrigató rio. O
espanhol também possibilitará a leitura de outros gigantes das
humanidades médicas como Pedro Laín-Entralgo.
 
Fundamentos
Um volume bá sico e geral é Para fundamentar a bioética de Ferrer,
que mostra uma visã o bem geral deste amplo campo de estudo.
Na á rea específica da Filosofia da Medicina, uma boa introduçã o é o
livro escrito pelo meu amigo James Marcum, da Baylor University:
Humanizing Modern Medicine: An Introductory Philosophy of
Medicine [Humanizaçã o da medicina moderna: uma filosofia
introdutó ria da medicina]. Marcum aprendeu diretamente de dois
grandes intelectuais: Bernard Lonergan e Thomas Kuhn.
Além da obra já citada de Diego Gracia, de grande valor para o
estudo da histó ria e dos fundamentos da bioética, cabe lembrar os
livros fundamentais de cada escola de pensamento. Fundamentos de
bioética e Fundamentos de bioética cristã ortodoxa , de Tristram
Engelhardt, sã o obras bá sicas, como a “bíblia” do principialismo:
Princípios de ética biomédica , de Beauchamp e Childress. A escola
baseada em virtudes conta com as obras do pai da ética médica
contemporâ nea, o saudoso Edmund Pellegrino, que escreveu uma
trilogia ao lado de David Thomasma: For the Patient’s Good [Para o
bem do paciente], The Virtues in Medical Practice [As virtudes na
prá tica médica] e The Christian Virtues in Medical Practice [As
virtudes cristã s na prá tica médica]. A escola personalista cató lica é
bem representada no Brasil pela obra traduzida em dois volumes do
cardeal Elio Sgreccia, Manual de bioética , e encontram-se diversos
outros livros escritos também de autores protestantes que lançam
fundamentos éticos nas questõ es ligadas à vida humana, como o
livro Ética cristã de Norman Geisler e a Série Bioética , publicada
pela Editora Cultura Cristã , desenvolvida com o apoio do grupo de
reflexã o cristã o Center for Bioethics and Human Dignity.
Na categoria curiosidade histó rica, recomendo o livro Bridge to the
Future [Ponte para o futuro], o primeiro livro de bioética do mundo
— muito citado e pouco lido — escrito por Van Rensselaer Potter.
Como foi lançado pela Loyola recentemente, deverá ser lido por
muitas pessoas que sempre o elogiaram de ouvir falar.
Uma necessidade, infelizmente negligenciada por muitos, é beber
nas melhores fontes da alta cultura.
Lembro-me até hoje das palavras que ouvi do médico-filó sofo Diego
Gracia no Congresso Brasileiro de Bioética em 2013: “O melhor livro
de bioética do mundo foi escrito há tempos, por Aristó teles: Ética a
Nicômaco ”. Eu nã o diria o melhor, mas sim indispensá vel. Como
esperava, alguns riram de forma rude do convidado estrangeiro,
mostrando o pior lado do ó dio nutrido por uma fraçã o expressiva de
nosso povo à inteligência e cultura.
 
Biopolítica
A bioética e política estã o ligadas profundamente. Nã o se discute
bioética sem as devidas consideraçõ es políticas, jamais.
Os fundamentos do pensamento político incluem A República , de
Platã o; Política , de Aristó teles; Arte da guerra , de Sun Tzu; O
príncipe , de Maquiavel, ao lado da crítica demolidora escrita por
Olavo de Carvalho, de quem eu recomendo também A nova era e a
revolução cultural , Como vencer um debate sem precisar ter razão
(na verdade escrito por Schopenhauer e anotado por Olavo de
Carvalho), O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota ,
Os Estados Unidos e a nova ordem mundial e toda a série de
comentá rios políticos, filosó ficos e culturais publicada pela Vide
Editorial. Do ponto de vista psiquiá trico e estratégico, recomendo
em especial a obra de Andrew Lobacewski, Ponerologia política , e a
obra de Heitor de Paola, Eixo do mal latino-americano , esta ú ltima
mais estratégica que psiquiá trica, embora também tenha sido
escrita por um especialista da á rea.
Algumas obras que ajudam a contextualizar os conflitos ideoló gicos
globais e entender as bases do pensamento político, estratégico e
econô mico que interferem sem parar na bioética sã o: Política da
prudência , de Russel Kirk, O que é conservadorismo , de Roger
Scruton, Rules for Radicals [Regras para radicais], de Saul Alinski; e
Estratégia e hegemonia socialista , de Ernesto Laclau. Esses
escritores fizeram a cabeça dos grandes líderes de Estado no mundo
inteiro.
Um autor ainda pouco conhecido na academia brasileira é Eric
Voegelin, que trata da histó ria e da política com maestria, e oferece
uma nova forma de avaliar e julgar a cultura e a política. Visõ es de
grande interesse e relevâ ncia incluem também os escritos dos
romenos Vladimir Tismă neanu e Gabriel Liiceanu, com seus relatos
e estudos assustadores do potencial destrutivo do ser humano e
suas distopias.
Na política externa, tã o importante quanto a política interna para
compreender os rumos políticos de nosso país e como o Brasil se
posiciona em relaçã o a alianças e valores civilizacionais, sugiro os
escritos de Felipe G. Martins, do diplomata Paulo Roberto de
Almeida e do historiador José Flá vio Sombra Saraiva.
Paulo Roberto de Almeida apresenta uma visã o crítica capaz de
ajudar a compreender a crise institucional causada pelo Partido dos
Trabalhadores no Ministério das Relaçõ es Exteriores e o abandono
da tradiçã o do Itamaraty durante o tempo em que a elite brasileira
se comprometeu com o projeto do Foro de Sã o Paulo, com o objetivo
de resgatar na América do Sul o que se perdeu com a queda da
Uniã o Soviética (conforme palavras do ex-presidente e atual
presidiá rio Lula).
 
Estudo de acordo com problemas
E enquanto se adquire a fundaçã o que permitirá crescer em
conhecimento, deve-se estudar muito conteú do relacionado ao
interesse específico. Aborto, transumanismo, eugenia, clonagem,
ética profissional e corporativismo, questõ es de autonomia do
paciente, religiã o e saú de, saú de pú blica e o que mais interessar.
Comece elaborando uma abrangente e extensa bibliografia, sabendo
de cada obra o autor, quando foi escrita, o principal tema tratado e
as conclusõ es. E leia, mesmo que pouco, todos os dias.
Se o tema de interesse for o transumanismo, devem-se estudar as
obras de Julian Savulescu, Ingmar Persson e Ray Kurzweil, por
exemplo.
Uma excelente fonte de conhecimento para quem deseja encontrar
uma bibliografia prévia dividida por assuntos é o portal do Center
for Bioethics and Human Dignity, que oferece uma diversificada e
valiosa lista de fontes bibliográ ficas divididas por temas de
interesse. [89]
E, obviamente, nada substitui uma visita à biblioteca de um centro
de estudos ou à biblioteca privada de um grande estudioso.
Para manter-se informado nos mais diversos temas, um recurso
importante é o portal de notícias bioéticas, www.bioethics.com,
também organizado pelo Center for Bioethics and Human Dignity.
Creio ser um dos mais atualizados centros de notícias da á rea.
 
Periódicos
Além de livros e portais especializados em bioética, busque as fontes
de artigos de maior qualidade. Entre os melhores perió dicos do
mundo, incluem-se os seguintes: Hastings Report , Kennedy Institute
of Ethics Journal , American Journal of Bioethics e o Journal of
Medicine and Philosophy . Há muitos outros, específicos para temas
como neuroética, comitês de ética em pesquisa, novidades
tecnoló gicas etc.
 
Metaestudo
Por fim, há livros e cursos que tratam de modo especial sobre como
estudar e desenvolver uma vida intelectual. Recomendo A vida
intelectual , de Antonin-Dalmace Sertillanges, Como ler livros , de
Mortimer Adler, e os cursos ministrados por Olavo de Carvalho
incluindo-se: Como tornar-se um leitor inteligente , Introdução ao
método filosófico e As bases da autoeducação .
Em relaçã o ao volume de estudo, a expectativa adequada seria ler
pelo menos uns cinquenta livros por ano. Algo bem razoá vel para
atingir o padrã o minimamente adequado em cerca de dez anos de
estudo.
E antes que alguém comece a achar que a lista é muito grande, saiba
que o volume de publicaçõ es sobre bioética aumenta
vertiginosamente a cada ano. Portanto, mã os à obra!

[1]
No volume 1 de Disbioética (Brasília: Monergismo, 2017), Angotti
explica: “ Dis , em medicina, remete a algo errado, difícil, que dó i ou
lesa o paciente. Logo, a proposta do neologismo fica bem clara:
tratarei de assuntos que rondam a bioética — ou a ética relacionada
à vida humana individual e em sociedade — e que a ferem, como
percebo no cená rio cultural e político de nossos dias” (p. 9).
[2]
O renomado bioeticista Edmund D. Pellegrino (1920-2013)
apresenta o que poderia ser chamado de um resumo da posiçã o
cristã : “O aborto é considerado uma abominaçã o, pois destró i uma
criatura criada e ‘moldada’ no ventre (Salmo 139) por um Deus
pessoal para ser amada por este Deus. Esse ser criado é digno de
respeito, pois é uma pessoa a caminho da plena atualizaçã o. O
aborto priva essa pessoa do seu destino de ser amada e amar.
Nenhum marcador bioló gico arbitrá rio ou intervalo de tempo pode
alterar o fato de que o ovo fertilizado é uma substâ ncia individual
pertencente a uma espécie de seres com uma natureza racional
criada por um Deus pessoal”. Cf. The Christian Virtues in Medical
Practice (Washington DC: Georgetown University Press, 1996), p.
147.
[3]
Como assevera R. J. Rushdoony: “A incapacidade das sociedades
médicas de condenar e barrar os abortistas deixa claro a sua
capitulaçã o moral” ( An Informed Faith — volume 2 [Vallecito, CA:
Chalcedon Foundation: 2017], p. 570). Na opiniã o de Rushdoony “à
medida que a prá tica medicinal ocidental se afastou do cristianismo,
ela se torna cada vez mais uma classe de técnicos profissionais em
vez de curadores”.
[4]
Campinas: VIDE Editorial, 2014.
[5]
Brasília: Monergismo, 2017.
[6]
O professor Olavo de Carvalho define assim tal técnica: “Técnica
filosó fica é saber rastrear um tema, um problema, uma idéia, até
suas raízes na estrutura mesma da realidade. Trata-se de pensar no
assunto até que o pensamento encontre seus limites e a pró pria
realidade comece a falar”. Cf. A filosofia e seu inverso & outros estudos
(Sã o Paulo: Vide Editorial, 2012), p. 161.
[7]
Olavo diz que para os “filó sofos profissionais” as questõ es
filosó ficas servem apenas “para alimentar a pesquisa erudita e
aquecer o debate acadêmico”. Eles decidiram “buscar antes a
segurança de uma identidade profissional do que a ordem da vida
interior, conciliando sem maiores dramas de consciência o rigor das
investigaçõ es acadêmicas com a fragmentaçã o, desarmonia e
deformidade das suas almas” ( op. cit. , p. 23). Com certeza esse é um
dos motivos da sociedade ver com desprezo o empreendimento
filosó fico, pois no cená rio universitá rio ele se resume a aparência e
papéis sociais, sem conexã o com a realidade. Nã o existe livro melhor
sobre esse problema (ou doença?) do que A filosofia e seu inverso &
outros estudos , de Olavo de Carvalho.
[8]
ENGELHARDT , H. Tristram. Fundamentos da bioética cristã ortodoxa.
Introdução geral e fundamentos (São Paulo: Edições Loyola, 2003), p.
XIX.
[9]
Diversos livros documentam isso. Uma visã o cató lica sobre o
assunto pode ser encontrada em Como a Igreja Católica construiu a
civilização ocidental , de Thomas E. Woods Jr. Um excelente livro
apresentando a visã o protestante é O livro que fez o seu mundo: como
a Bíblia criou a alma da civilização ocidental , do indiano Vishal
Mangalwadi.
[10]
Veja o excelente livreto Medicina pós-hipocrática (Brasília:
Monergismo, 2017), de Hugh J. Flemming.
[11]
Veja o seu livro Arte médica: De Hipócrates a Cristo (Brasília:
Monergismo, 2018).
[12]
Entrevista publicada originariamente no Jornal Raio-X , do Diretó rio
Acadêmico de Medicina da Universidade Federal do Espírito Santo, a convite
da gestã o discente de 2016.
[13]
Nome fictício.
[14]
Nome fictício.
[15]
SCHOPENHAUER , Arthur. Como vencer um debate sem precisar ter razão, em
38 estratagemas (Dialética Erística). Introduçã o, Notas e Comentá rios – Olavo
de Carvalho (Rio de Janeiro: Topbooks, 2003), p. 95.
[16]
ANGOTTI NETO , Hélio. Disbioética, vol. 1 (Brasília: Monergismo, 2017).
[17]
SCHOPENHAUER , op. cit. , p. 148. Lembro-me de que há situaçõ es em que
atacar uma pessoa é vá lido, mas nã o configura um apelo ad hominem , e sim,
um argumentum in contrarium . O exemplo clá ssico é a tese marxista de que a
classe proletá ria liderará a revoluçã o, sendo o pró prio líder do movimento um
líder revolucioná rio, burguês. A existência factual de Karl Marx desmente sua
tese!
[18]
A vida intelectual: seu espírito, suas condições, seus métodos (São Paulo: É
Realizações, 2010).
[19]
BRAGA , Homero. “Um momento, calouro!”, aula inaugural proferida na
solenidade de abertura dos cursos da Faculdade de Medicina do Paraná , a 1º
de março de 1947. Homero Braga foi catedrá tico de Clínica Pediá trica Médica
e Higiene Infantil da Faculdade de Medicina da Universidade do Paraná .
[20]
E, verdade seja dita, Olavo de Carvalho nã o é homofó bico, embora utilize
palavrõ es com fins muito bem determinados.
[21]
SCHOPENHAUER , op. cit. , p. 174.
[22]
Ibid. , p. 150.
[23]
Como a esdrú xula atitude da gestã o anterior do Conselho Federal de
Medicina em enviar ao Congresso Brasileiro um protocolo versã o tupiniquim
de eutaná sia infantil, como ocorre no famigerado do Protocolo Groningen da
Holanda, e uma proposta de liberaçã o geral do abortamento até a décima
segunda semana, contrariando a opiniã o da maioria dos brasileiros, que ainda
nã o se dobrou por completo à engenharia social internacional da ONU.
[24]
PERSSON , Ingmar; SAVULESCU , Julian. Unfit for the Future: The Need for
Moral Enhancement (Oxford: Oxford University Press, 2012), 143p.
[25]
Michigan: Eerdmans, 2008.
[26]
SCHMUL , Walter. Rassenhygiene, Nationalsozialismus, Euthanasie: von der
Verhütung zur Vernichtung ‘lebensunwerten Lebens’ 1890-1945 (Göttingen:
Vandenhoeck & Ruprecht), 1987.
[27]
Rio de Janeiro: Vozes, 2015.
[28]
Das Recht auf den Tod: Sociale Studie (Gö ttingen: Dietrich’sche
Verlagsbuchhandlung, 1895).
[29]
ANGOTTI NETO , Hélio. A morte da medicina (Campinas: VIDE Editorial,
2014).
[30]
KOOPMAN , Jacob J. E.; BOER , Theo A. “Turning Points in the Conception and
Regulation of Physician-Assisted Dying in the Netherlands”. The American
Journal of Medicine , 2016.
[31]
When Medicine Went Mad: Bioethics and the Holocaust (Totowa: Humana
Press, 1999).
[32]
“A Profile of Nazi Medicine: The Nazi Doctor — His Methods and Goals”.
In: CAPLAN , Arthur L. When Medicine Went Mad: Bioethics and the Holocaust
(Totowa: Humana Press, 1999), p. 9-13.
[33]
KOR , Eva Mozes. “Nazi Experiments as Viewed by a Survivor of Mengele’s
Experiments”. In: Ibid ., p. 3-8.
[34]
Ibid.
[35]
Bird on an Ethics Wire: Battles about Values in the Culture Wars (Chicago:
McGill-Queen’s University Press, 2015).
[36]
Como já acredito que ficou claro no livro de minha autoria: A morte da
medicina (Campinas: VIDE Editorial, 2014).
[37]
BEAUCHAMP , Tom; C HILDRESS , James. Principles of Biomedical Ethics , 7. ed.
(Baltimore: Oxford University Press, 2012).
[38]
PROCTOR , Robert N. “Nazi Biomedical Policies”. In: CAPLAN , Arthur L. When
Medicine Went Mad: Bioethics and the Holocaust (Totowa: Humana Press,
1999), p.23-42.
[39]
LEWIS , Clive Staples. A abolição do homem (Rio de Janeiro: Martins Fontes,
2012).
[40]
LOBACEWSKI , Andrew. Ponerologia Política (Campinas: VIDE Editorial,
2015).
[41]
Na concepçã o de Olavo de Carvalho, revoluçã o é a concentraçã o de poder
mediante a promessa de um futuro melhor, para justificar a inversã o moral,
isto é, desculpar atos imorais para alcançar um distante fim desejá vel.
[42]
VAN NOREN , Robert. “Ending Political Abuse of Psychiatry: Where We Are
at and What Needs to Be Done”. BJPsych Bulletin (2016): 40, 30-3, doi:
10.1192/pb.bp.114.049494
[43]
Ibid .; K NAPP , M. Mental Health Policy and Practice Across Europe: The
Future Direction of Mental Health Care (McGraw-Hill, 2007).
[44]
CARVALHO , Olavo de. A nova era e a revolução cultural (Campinas: VIDE
Editorial, 2015).
[45]
ASSOCIATION OF AMERICAN PHYSICIANS AND SURGEONS . Comparison between
Oath of Hippocrates and Other Oaths . Disponível em:
http://www.aapsonline.org/ethics/oathcomp.htm
[46]
ANGOTTI NETO , Hélio. A Profecia Moderna de George Orwell . Blog
Seminá rio de Filosofia Aplicada à Medicina. Disponível em:
http://medicinaefilosofia.blogspot.com/2014/09/1984-profecia-moderna-
de-george-orwell.html
[47]
PERSSON , Ingmar; SAVULESCU , Julian. Unfit for the Future: The Need for
Moral Enhancement (Oxford: Oxford University Press, 2012).
[48]
Nã o defendo que a democracia seja perfeita. Ela realmente tem lá seus
problemas.
[49]
TENNISON , Michael N. “Moral Transhumanism: The Next Step”. Journal of
Medicine and Philosophy , August 37(4), 2012: 405-16.
[50]
PLATÃ O . A República (Lisboa: Editora Calouste Gulbekian, 2014).
[51]
CARVALHO , Olavo de. “A mentalidade revolucioná ria”. Diário do Comércio ,
17 ago. 2007. Disponível em:
http://www.olavodecarvalho.org/semana/070813dc.html
[52]
Voegelin for a exilado de seu país por fazer um estudo filosó fico e
científico a respeito da ideia de raça, criticando o conceito no momento em
que ele servia de justificativa das terríveis medidas do Partido Nacional-
Socialista.
[53]
VOEGELIN , Eric. Modernity Without Restraint: The Political Religions, The
New Science of Politics, and Science, Politics, and Gnosticism ( Collected Works
of Eric Voegelin , Volume 5). Columbia: Missouri Press, 1999. Sobre os
morticínios causados pelos déspotas das ideologias escatoló gicas da
modernidade, sugiro buscar informaçõ es na pá gina de Joseph Rummel,
professor da universidade do Havaí. Disponível em:
https://www.hawaii.edu/powerkills/PERSONAL.HTM
[54]
CARVALHO , Olavo de. “Menti para os leitores”. O Globo , 10 jul. 2004.
Disponível em: http://www.olavodecarvalho.org/semana/040710globo.htm
[55]
FUKUYAMA , Francis. Transhumanism: Foreign Policy , 23 de outubro de
2009. Disponível em:
http://foreignpolicy.com/2009/10/23/transhumanism/
[56]
Bird on an Ethics Wire: Battles about Values in the Culture Wars (Chicago:
McGill-Queen’s University Press, 2015).
[57]
Texto originá rio de Margaret Somerville encontrado em: SMITH , Wesley J.
Human Exceptionalism :  Life and Dignity with Wesley J. Smith. National
Review, 20 de agosto de 2010. Disponível em:
http://www.nationalreview.com/human-exceptionalism/324628/preserving
-human-exceptionalism-necessary-preserving-humanity-wesley-j
[58]
Agradeço à s observaçõ es do colega Arthur Jorge de Vasconcelos Ribeiro,
revisor e editor. A oportunidade de ser criticado de forma inteligente e cordial
é uma excelente oportunidade para melhorar. Este artigo será publicado
impresso no livro Saúde e liberdade .
[59]
ASSOCIATION OF AMERICAN PHYSICIANS AND SURGEONS . Comparison between
Oath of Hippocrates and Other Oaths . Disponível em:
http://www.aapsonline.org/ethics/oathcomp.htm
[60]
VAN NOREN , Robert. “Ending Political Abuse of Psychiatry: Where We Are
at and What Needs to Be Done”. BJPsych Bulletin (2016): 40, 30-33, doi:
10.1192/pb.bp.114.049494
[61]
MANEA , Teodora. “Medical Bribery and the Ethics of Trust: The
Romanian Case”. Journal of Medicine and Philosophy , vol. 40, 2015: 26-43.
[62]
Charles Darwin ofereceu a fundamentaçã o para muitos dos crimes que se
seguiriam, mesmo que nã o os prescrevesse pessoalmente, como pode se
observar nos seguintes trechos: “Em algum período futuro, nã o muito distante
se medido em séculos, as raças civilizadas do homem vã o certamente
exterminar e substituir as raças selvagens em todo o mundo. Ao mesmo
tempo, os macacos antropomorfos […] serã o, sem dú vida, exterminados. A
distâ ncia entre o homem e seus parceiros inferiores será maior, pois mediará
entre o homem num estado ainda mais civilizado, esperamos, do que o
caucasiano, e algum macaco tã o baixo quanto o babuíno, em vez de, como
agora, entre o negro ou o australiano e o gorila”; “Olhando o mundo numa
data nã o muito distante, que incontá vel nú mero de raças inferiores terá sido
eliminado pelas raças civilizadas mais altas!”; “Entre os selvagens, os fracos de
corpo ou mente sã o logo eliminados; e os sobreviventes geralmente exibem
um vigoroso estado de saú de. Nó s, civilizados, por nosso lado, fazemos o
melhor que podemos para deter o processo de eliminaçã o: construímos asilos
para os imbecis, os aleijados e os doentes; instituímos leis para proteger os
pobres; e nossos médicos empenham o má ximo da sua habilidade para salvar
a vida de cada um até o ú ltimo momento. […] Assim os membros fracos da
sociedade civilizada propagam a sua espécie. Ninguém que tenha observado a
criaçã o de animais domésticos porá em dú vida que isso deve ser altamente
prejudicial à raça humana. É surpreendente ver com que rapidez a falta de
cuidados, ou os cuidados erroneamente conduzidos, levam à degenerescência
de uma raça doméstica; mas, exceto no caso do pró prio ser humano, ninguém
jamais foi ignorante ao ponto de permitir que seus piores animais se
reproduzissem”. Cf. WIKER , Benjamim. Darwinismo Moral: como nos tornamos
hedonistas (Sã o Paulo: Editora Paulus, 2011), 456p; CARVALHO , Olavo de. “Por
que nã o sou fã de Charles Darwin”. Diário do Comércio , 20 de fevereiro de
2009, Disponível em: http://olavodecarvalho.org/semana/090220dc.html. É
claro que o funcionamento de um mecanismo evolutivo nã o leva
necessariamente à s conclusõ es genocidas; todavia, mostra-se coerente com
sua implantaçã o.
[63]
CAPLAN , Arthur L. When Medicine Went Mad: Bioethics and the Holocaust
(Totowa: Humana Press, 1992), 359p.
[64]
ARENDT , Hannah. Eichmann em Jerusalém: Um relato sobre a banalidade do
mal (São Paulo: Companha das Letras, 1999).
[65]
SCHUKLENK , Udo. “Editorial: Conscientious Objection in Medicine: Private
Ideological Convictions Must Not Supercede Public Service Obligations”.
Bioethics , Volume 29, Number 5, 2015: ii–iii.
[66]
MILGRAM , Stanley. Obedience to Authority (New York: Harper, 1974).
[67]
CARVALHO , Olavo de. A nova era e a revolução cultural: Fritjof Capra e
Antônio Gramsci (Campinas: Vide Editorial, 2014).
[68]
BERNARDIN , Pascal. Maquiavel Pedagogo, ou o ministério da reforma
psicológica (Campinas: Vide Editorial, 2013).
[69]
AZEVEDO , Reinaldo. “Pesquisa Datafolha evidencia outra vez: o brasileiro é
conservador. Ou: Eleitores em busca de um partido”. In : Blog do jornalista
Reinaldo Azevedo : política, governo, PT, imprensa e cultura. Disponível em:
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/pesquisa-datafolha-evidencia-
outra-vez-o-brasileiro-e-conservador-ou-eleitores-em-busca-de-um-partido/
[70]
VATTIMO , G. Nihilism and Emancipation (New York: Columbia University
Press, 2004). 
[71]
SAVULESCU, Julian. “Conscientious Objection in Medicine”. Brittish Medical
Journal , vol. 332, 2006:294-7.
[72]
Há situaçõ es específicas que necessitam de aná lise cuidadosa, como a
possibilidade de um médico contratado apó s a instituiçã o da nã o penalizaçã o
de abortamento em decorrência de estupro, por exemplo, negar-se a fazer o
procedimento alegando objeçã o de consciência. O médico já entrou no cargo já
sob a nova lei que o obrigaria a realizar determinado ato, mesmo contra sua
consciência. O mais coerente seria nã o se colocar nessa situaçã o de conflito
moral. Mas o que muitos bioeticistas defendem é a mutaçã o moral ampla e
irrestrita, com base no fato de a permissã o para exercer a medicina ser, em
ú ltima instâ ncia, uma concessã o estatal.
[73]
HARRIS , Lisa H.; SILVERMAN , N EIL S.; MARSHALL , Mary Faith. “The Paradigm
of the Paradox: Women, Pregnant Women, and the Unequal Burdens of the
Zika Virus Pandemic”. In: American Journal of Bioethics , Vol 16(5), 2016: 1-4.
[74]
GLOBO.COM Bem Estar. Brasil tem 1.687 casos confirmados de microcefalia,
diz ministério . 13 de julho de 2016. Disponível em:
http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2016/07/brasil-tem-1687-casos-
confirmados-de-microcefalia-diz-ministerio.html
[75]
Hedonismo Moral: como nos tornamos hedonistas (São Paulo: Paulus, 2011).

[76]
MINISTÉ RIO DA SAÚ DE . Norma Técnica: Atenção Humanizada ao
Abortamento . Série Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos vol. 4. Brasília,
DF: Ministério da Saú de, 2005. Disponível em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_humanizada.pdf
[77]
NATHANSON , Bernard N. The Hand of God: A Journey from Death to Life by
the Abortion Doctor Who Changed His Mind (Washington: Regnery Publishing,
Inc., 1996); Aborting America :  A Doctor’s Personal Report on the Agonizing
Issue of Abortion (Fort Collins: Life Cycle Books, 1979).
[78]
O termo russo интеллигенция [ intelligentsiya ], refere-se a um grupo
remunerado de pessoas envolvidas em trabalho intelectual complexo e
criativo direcionado ao desenvolvimento e à disseminaçã o de uma cultura
específica, isto é, à engenharia social por meio da cultura.
[79]
AMARIGLIO , Ninette; et al . “Donor-Derived Brain Tumor Following Neural
Stem Cell Transplantation in an Ataxia Telangiectasia Patient”. PLoS Medicine ,
6(2), February 2009. Disponível em:
https://doi.org/10.1371/journal.pmed.1000029
[80]
The Center for Medical Progress. Planned Parenthood still #guilty of
selling baby parts for profit one year after videos #ppsellsbabyparts.
Disponível em:
http://www.centerformedicalprogress.org/2016/07/planned-parenthood-
still-guilty-of-selling-baby-parts-for-profit-one-year-after-videos-
ppsellsbabyparts/
[81]
SCHOPENHAUER , Arthur. Como vencer um debate sem precisar ter razão (Rio
de Janeiro: Topbooks, 2003).
[82]
LA GACETA . La ONU califica el aborto de derecho humano . Disponível em:
http://gaceta.es/noticias/onu-reconoce-aborto-derecho-humano-12022016-
1436
[83]
CHARO , Alta. “Fetal Tissue Fallout”. New England Journal of Medicine ,
373(10), September 3, 2015: 890-1. Remeto o leitor à crítica feita por mim no
texto: Espantalhos, nazistas e coerência ética . Disponível em:
http://medicinaefilosofia.blogspot.com.br/2015/09/espantalhos-nazistas-e-
coerenciaetica.html
[84]
Disponível em: http://www.advocatesforpregnantwomen.org/
[85]
Washington: Regnery Publishing, 1996.
[86]
SERTILLANGES , Antonin-Dalmace. A Vida Intelectual: seu espírito, suas
condições, seus métodos (São Paulo: É Realizações, 2010).
[87]
Aristóteles em nova perspectiva: introdução à teoria dos quatro discursos
(Campinas: VIDE Editorial, 2014).
[88]
Técnica, medicina e ética: sobre a prática do princípio responsabilidade (São
Paulo: Paulus, 2013).
[89]
Disponível em: https://cbhd.org/category/bibliography 

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