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Table of Contents

Agradecimentos
Introduçã o
1. Bioética e alta cultura
2. Bioética
4. Bioética e guerra cultural III: o escotoma negativo abstrativo
5. Médico, o Goldenstein do PT
6. 1984: a profecia moderna de George Orwell
7. A “teologia de Polemarco”, ou, é isso o que dá quando Cristo sai e
entra Marx
A integridade e a objeçã o de consciência
A atual relativizaçã o da dignidade humana
A escravidã o espiritual do médico como ameaça à dignidade
humana
A escravidã o espiritual ao longo da histó ria
O médico e a objeçã o de consciência
O conflito de valores na sociedade contemporâ nea
O médico na qualidade de exterminador da vida humana
Mutaçã o civilizacional
11. O grande desafio do médico
12. Em busca do médico filó sofo
13. Bioética das “elites”
Bibliografia
 
D ISBIOÉ TICA – VOLUME 1
Reflexõ es sobre os rumos de uma estranha ética
 
 
 
 
 
 
 
 
Hélio Angotti Neto
 
 
 

Copyright @ 2017, de Hélio Angotti Neto


 
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por
EDITORA MONERGISMO
SCRN 712/713, Bloco B, Loja 28 — Ed. Francisco Morato
Brasília, DF, Brasil — CEP 70.760-620
www.editoramonergismo.com.br
 
1 a ediçã o, 2017

Revisão : Felipe Sabino de Araú jo Neto e Rogério Portella


Capa : Bá rbara Lima
PROIBIDA A REPRODUÇÃ O POR QUAISQUER MEIOS,
SALVO EM BREVES CITAÇÕ ES, COM INDICAÇÃ O DA FONTE.

 
 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Angotti Neto, Hélio


Disbioética: Reflexõ es sobre os rumos de uma estranha ética — Vol. I / Hélio
Angotti Neto — Brasília, DF: Editora Monergismo, 2017.
 
ISBN 978-85-69980-27-8
1. Medicina. 2. É tica. 3. Filosofia.
I. Hélio Angotti Neto II. Título.
CDD 306.667
 
 
 
 

 
Sumá rio
Agradecimentos
Introdução
1. Bioética e alta cultura
2. Bioética
4. Bioética e guerra cultural III: o escotoma negativo abstrativo
5. Médico, o Goldenstein do PT
6. 1984: a profecia moderna de George Orwell
7. A “teologia de Polemarco”, ou, é isso o que dá quando Cristo sai e
entra Marx
A INTEGRIDADE E A OBJEÇÃ O DE CONSCIÊ NCIA
A ATUAL RELATIVIZAÇÃ O DA DIGNIDADE HUMANA
A ESCRAVIDÃ O ESPIRITUAL DO MÉ DICO COMO AMEAÇA À DIGNIDADE HUMANA
A ESCRAVIDÃ O ESPIRITUAL AO LONGO DA HISTÓ RIA
O MÉ DICO E A OBJEÇÃ O DE CONSCIÊ NCIA
O CONFLITO DE VALORES NA SOCIEDADE CONTEMPORÂ NEA
O MÉ DICO NA QUALIDADE DE EXTERMINADOR DA VIDA HUMANA
MUTAÇÃ O CIVILIZACIONAL
11. O grande desafio do médico
12. Em busca do médico filósofo
13. Bioética das “elites”
Bibliografia

Agradecimentos
 
Muitos colaboraram na redaçã o dos artigos com ideias,
ensinamentos e críticas. Foram artigos escritos ao longo de diversos
anos, nos quais fui tomando consciência de forma lenta e
progressiva do que hoje denomino disbioética . A todos os que
caminharam comigo expresso minha gratidã o e o reconhecimento
do valor de suas liçõ es.
Minhas motivaçõ es má ximas sã o amparadas pela minha fé, minha
família e meu senso de dever profissional e existencial. A Deus e à
minha família devo minha inspiraçã o e disposiçã o em seguir
adiante, na esperança de deixar algo valioso ou ú til para a geraçã o
de meus filhos e convidar minha geraçã o à reflexã o.
Agradeço também ao total apoio e à cordialidade de Felipe Sabino,
editor da Monergismo, que trabalha de forma consistente para
trazer novos e bons ares ao ambiente embolorado da academia
brasileira e à sociedade de forma geral. Fico honrado em ter meus
livros publicados em sua editora e em poder contar com a
compreensã o e o suporte fraterno.
Enfim, nã o posso deixar de reconhecer a influência do filó sofo Olavo
de Carvalho, que gentilmente dedicou sua vida ao resgate da cultura
e da inteligência brasileira. Graças a ele, a estrada para a cultura de
abrangência universal foi aberta, e alcancei tantos outros teó logos e
filó sofos que em muito contribuíram para a reflexã o no campo da
bioética.

Introdução
 
Apresento ao leitor uma coletâ nea de artigos cujo título soará
estranho: disbioética .
É um neologismo, sem dú vida, como já foi um dia o termo bioética,
consagrado hoje pelo uso mundo afora. Permitindo-me um pouco de
licença etimoló gica, ousei juntar ao termo original que já mistura as
palavras bio (vida) e ética um terceiro elemento: dis .
Dis , em medicina, remete a algo errado, difícil, que dó i ou lesa o
paciente. Logo, a proposta do neologismo fica bem clara: tratarei de
assuntos que rondam a bioética — ou a ética relacionada à vida
humana individual e em sociedade — e que a ferem, como percebo
no cená rio cultural e político de nossos dias.
Há determinadas formas de bioética muito mais voltadas ao erro
que à ética adequada. Disso se depreende a existência de vá rios
rumos, vá rios caminhos para pensar a ética, como sã o variadas as
manifestaçõ es do fenô meno moral na realidade concreta.
Ao estudar um problema moral que envolve a vida humana, muitas
escolas podem contribuir com diferentes perspectivas rumo à sua
resoluçã o. Contudo, certas formas de pensamento sã o deletérias ou
simplificam em demasia uma questã o complexa, oferecendo uma
falsa percepçã o de facilidade.
Tome por exemplo a ideia utilitarista de que a vida só tem valor se
fornecer prazer, satisfaçã o ou deleite. É insuficiente para que seja
aplicada à situaçã o concreta da pessoa que sofre. Ignora por
completo as mú ltiplas formas pelas quais a civilizaçã o ocidental, por
exemplo, encarou o sofrimento. Desde a divinizaçã o [1]
até a
indignidade. Outro possível foco é na abordagem consequencialista,
onde se pensa, com ajuda da histó ria e de uma boa imaginaçã o, isto
é, da criatividade, [2] nas consequências geradas por determinada
escolha ou forma de pensar.
Há também no ambiente intelectual uma série de questionamentos
sobre a politizaçã o da bioética, ou sobre a entrada da bioética como
auxiliar no debate político. Porém, aqui, o foco consiste nas
interaçõ es danosas a ambas as partes — sociedade e bioética — e ao
elemento que é o real objetivo de tudo isso: o bem do ser humano.
No capítulo “Bioética e alta cultura”, trato da necessidade da busca
de só lido fundamento no que há de melhor em nossa cultura. Sem a
formaçã o poética adequada para sustentar toda a trama discursiva e
intelectual humana, só conseguiremos abordar temas bioéticos —
em geral muito problemá ticos — de forma canhestra.
Nos três artigos sobre “Bioética e guerra cultural”, falo da
importâ ncia de manter nosso legado cultural como fonte de
significados e também abordo a atitude destrutiva de alguns
elementos da bioética contemporâ nea na missã o prometeica de
amputar-nos de nossas raízes histó ricas.
Em “Médico, o Goldenstein do PT”, falo sobre como o governo do
Partido dos Trabalhadores inseriu o médico na guerra cultural, no
processo de eliminaçã o de grupos de poder alheios, na constante
busca da hegemonia. A compreensã o de significados bem
demonstrados pela literatura, esclarecedores de realidades políticas
vividas, é abordada em “1984: A Profecia Moderna de George
Orwell”, o mais antigo dos capítulos publicados neste livro.
Apó s demonstrar como a baixa politicagem entra na vida cultural e
na política da sociedade, mostro no artigo “A ‘teologia de
Polemarco’” como um famoso elemento engajado na discussã o
bioética pode reduzir o debate cultural à mera briga ideoló gica,
vulgarizando nã o só o debate acadêmico, mas também a bioética e a
religiã o.
Seguindo a linha exposta por Olavo de Carvalho na magnífica obra O
jardim das aflições , lido no artigo “Dignidade médica sob ataque”
com a objeçã o de consciência da classe médica e as atuais ameaças à
liberdade de pensamento em nossa sociedade. Eis a discussã o
bioética que promete ser mais acirrada. Manipuladores culturais e
bioeticistas de vertente secularista anticristã agressiva defendem a
escravidã o espiritual de médicos e demais profissionais da saú de,
atacando o direito de mantermos nossas convicçõ es baseadas no
modelo beneficente de saú de amparado pelos valores civilizacionais
que fizeram da medicina uma profissã o digna e confiá vel. Se hoje o
médico está em descrédito, é porque esqueceu-se de quem era, e
também porque cada vez mais dá ouvidos a certas ideias loucas e
perigosas, que destruirã o a essência do que é ser médico.
No artigo “Espantalhos, nazistas e coerência ética”, trato de uma das
vá rias argumentaçõ es falhas em prol do aborto e da
instrumentalizaçã o do ser humano. A distorçã o de conceitos e
argumentos é um ardil comumente utilizado no campo da bioética,
cabendo ao leitor discernir fatos de conjecturas e argumentos
só lidos de golpes erísticos.
Em “Agradando a gregos e romanos?”, falo como o ímpeto de
mudança no campo da ética médica pode ser instrumento de
destruiçã o cultural, e como transformaçõ es sociais e existenciais sã o
impressas por meio de símbolos e có digos empurrados goela abaixo
pela elite disposta a brincar de Deus. Há pouco tempo, devo lembrar
aos leitores, o Conselho Federal de Medicina, ó rgã o coletivo má ximo
da atuaçã o médica, defendeu o aborto e a eutaná sia infantil, opondo-
se frontalmente aos valores da populaçã o brasileira e ao legado
cultural que define quem somos enquanto civilizaçã o.
Temos nossas missõ es profissionais a resguardar. Lembro das
motivaçõ es médicas em “O Grande desafio do médico”, ao lidar com
as nobres realizaçõ es e buscas da medicina na postura contrá ria à
mediocridade fatalista e derrotada de certos elementos da
sociedade brasileira.
Nã o poderia deixar de tratar dos esforços educacionais no campo da
bioética e das humanidades médicas. “Em busca do médico filó sofo”
trata de iniciativas educacionais que ambicionam humanizar o
jovem estudante de medicina. Receio que a maioria das iniciativas
terminem em vulgares manipulaçõ es ideoló gicas capazes de
restringir o horizonte intelectual e moral de nossos futuros médicos.
Por fim, em “A bioética das elites”, menciono o uso da bioética como
instrumento de manipulaçã o social promovida pela elite contrá ria a
tudo o que a maioria do povo brasileiro acredita. Creio que a maioria
dos cidadã os comuns ficaria apavorada se tomasse conhecimento de
algumas propostas de açã o discutidas no â mbito da academia. Se a
bioética realmente deseja ser aberta à participaçã o das pessoas
comuns, nã o deveria também ser mais sensível aos valores delas?
Eis o primeiro volume de Disbioética . Espero que incomode
profundamente o leitor, como também incomodou a mim. Removido
da rotina de meus afazeres profissionais pelos absurdos da
discussã o da elite acadêmica, senti a obrigaçã o de estudar e
compartilhar meu espanto e minhas reflexõ es. Espero incentivar o
leitor à reflexã o, tirando-o do assombro paralisante que parece ter
tomado conta de nosso país.

1. Bioética e alta cultura


Todo esforço em ética médica e bioética é, antes de tudo, um esforço
em filosofia moral. É a busca pela compreensã o do rico fenô meno
chamado moral, aspecto inegá vel da realidade humana.
Lembro-me de uma palestra proferida pelo médico e filó sofo
bioeticista Diego Gracia no Congresso Brasileiro de Bioética em
2013. Afirmava ele, discípulo de Xavier Zubiri, que o melhor texto
sobre ética já escrito era a obra de Aristó teles: Ética a Nicômaco .
Alguns da plateia rudemente riram baixinho, outros comentaram de
forma depreciativa, em meio a muxoxos, do jeitinho brasileiro que
traduz com clareza a sequência: nã o li, nã o gostei, nã o quero ler e
ignoro quem lê, é coisa retró grada…
Sintoma da barbá rie brasileira, sem dú vida. 
Como pensar e debater bioética e ética médica sem os Diálogos
platô nicos? Sem o questionamento da virtude e de como ensiná -la
mostrado em Protágoras e Mênon ? Sem o vislumbre do íntimo do
ser humano e de seus anseios mais sublimes lidos em Fédon ? Como
pensar a justiça sem ter lido o Górgias ou a República de Platã o e seu
contraponto — ou complemento — aristotélico: A Política ? Como
nã o repetir o exemplo de Allasdair McIntyre ( After Virtue ) na busca
da ética das virtudes e retornar a Aristó teles e seu já citado Ética a
Nicômaco ?
Como evitar os estoicos, o cristianismo e toda a progressã o do
pensamento humano nas formulaçõ es mais sutis e sublimes, capazes
de tocar a experiência humana nos momentos mais impactantes:
vida, morte, saú de e doença? Como evitar os escritos morais
médicos ao longo de mais de dois mil anos e suas preciosas liçõ es?
Como negar o papel inspirador da boa literatura e de obras que
auxiliam o médico e o paciente a compreender o drama da
existência humana? Ousariam negar a riqueza de vida presente em A
montanha mágica , A mulher que fugiu de Sodoma , A morte de Ivan
Illitch , A queda , Sinto muito , Admirável mundo novo e tantas outras
obras?
Sim, o esforço da filosofia moral inclui a alta cultura. Diria até que
sã o indissociá veis e que a tentativa de pensar a ética sem o aporte
cultural de qualidade legado por milênios de questionamentos e
reflexõ es só poderá terminar na brutalidade sem sentido.
 

2. Bioética e guerra cultural I: manipulação semântica


[3]

“O homicídio infantil pode ser chamado aborto pó s-nascimento porque


o feto e o bebê recém-nascido nã o sã o pessoas.” [4]
“Se você é médico ginecologista e nã o quer fazer abortamentos, você é
como o policial que nã o usa armas, e deve parar de exercer sua
profissã o.” [5]
“No serviço pú blico, de acordo com a norma técnica, o médico
responsá vel é obrigado a fornecer o abortamento.” [6]
Há uma guerra cultural pelo coraçã o do Ocidente. [7]  Arrastados
para o centro da guerra estã o valores cardinais à civilizaçã o e à
forma como as pessoas enxergam o mundo e a si mesmas. Os valores
e formas de enxergar o mundo relacionam-se de forma direta com a
medicina e com as demais profissõ es que lidam com a vida, a morte
e o sofrimento humano, daí a importâ ncia das prá ticas de saú de no
cená rio cultural belicoso de nossos dias.
A medicina, obviamente, está no olho do furacã o, pelo fato da
possibilidade de sua instrumentalizaçã o para outros fins que nã o a
saú de do ser humano. Uma das formas mais insidiosas e perigosas,
sem dú vida nenhuma, ocorre por meio da engenharia social
executada na troca de palavras e ideias.
Trocando-se palavras, por exemplo, trocam-se conceitos e formas de
pensamento, como já avisara George Orwell em sua distó pica obra
1984 . [8] Alguns conceitos importantes sã o suprimidos e outros, de
menor importâ ncia, sã o elevados à categoria de princípios de
grande destaque. Isso acontece no dia a dia quando somos
submetidos à propaganda ou a campanhas diversas. Porém, quando
os “termos manipulados” lidam diretamente com a vida e os
parâ metros pelos quais julgamos tudo o que nos rodeia, mexemos
perigosamente com os fundamentos de nossa civilizaçã o.
Os exemplos no início deste texto ilustram bem o processo que
poderia ser chamado engenharia social das palavras.
O simples expediente de chamar uma coisa pelo nome de outra pode
gerar alteraçõ es profundas na percepçã o e na prá tica da medicina e
em toda a sociedade. O exemplo aqui citado é o da troca da
expressã o “homicídio infantil“ (ou assassinato de bebês, se preferir)
pelo termo “aborto pó s-nascimento“.
Uma breve aná lise dessa troca, considerando as ferramentas
descritas de forma sintética por Pascal Bernardin no livro Maquiavel
pedagogo , [9] pode chocar pela obviedade da operaçã o e pelos
possíveis resultados, mesmo que nã o intencionados pelos autores
da proposta.
***
A troca de nomes (assassinato de crianças por aborto) foi proposta
por membros da comunidade acadêmica que discutem em um
círculo discreto há cerca de quarenta anos. Em suas discussõ es,
recortes abstratos de conceitos importantes, amplos e, muitas vezes
escorregadios, como o de “pessoa”, dã o origem a uma série de
conclusõ es que aos poucos ganham força e projeçã o em meios
especializados.
O fato de essas discussõ es serem geradas e mantidas por
autoridades acadêmicas, circulantes em meio à comunidade de
estudantes e pesquisadores com grande destaque, já basta para
haver um forte contexto de convencimento da razoabilidade de suas
propostas. Adicione isso a um perió dico bem qualificado
internacionalmente — em que os autores se esforçam para publicar
e ganhar notoriedade científica — e o palco está armado.
Junte isso ao eufemismo proposto e teremos um importante
conjunto de atividades com alto potencial de mudança social. O
eufemismo do ato muito repudiado pelas pessoas comuns configura
ao mesmo tempo dois recursos psicoló gicos bá sicos na arte de
convencer. Chamar uma coisa grotesca — como matar um bebê —
por um nome em teoria menos desprezível — como abortamento —,
pode ser considerado um recurso do tipo “pé na porta”, por meio do
qual o ouvinte corre o risco de aceitar doze escutando meia-dú zia. O
mero fato de se discutir homicídio infantil como algo racional já
pode induzir o efeito “porta na cara” — o repú dio imediato pode
dessensibilizar os menos perceptivos e gerar maior aceitaçã o de
atos de aparência menos grotesca como o de abortar um feto.
Coloque tudo isso ao lado de medidas governamentais que obrigam
os médicos a realizar o abortamento enquanto suprimem sua
objeçã o de consciência. Inevitavelmente ocorrerá o que se chama
dissonâ ncia cognitiva, quando há mudança de pensamento e valores
apó s a realizaçã o do ato do qual se discordava antes. Mudança
causada pela racionalizaçã o e introjeçã o do comportamento
realizado. O comportamento alterado pode ser simples como
chamar uma coisa por outro nome, ou complexo como executar um
ato cirú rgico imoral.
Falar contra essa impostura psicoló gica e intelectual é tido por
muitos como “fundamentalismo”, [10]
mas há que se falar na
“intolerâ ncia dos tolerantes”, que proíbem ao médico realizar uma
simples objeçã o de consciência, elemento essencial à condiçã o
humana!
Em resumo: junte a submissã o à autoridade, o conformismo grupal,
o “pé na porta”, a “porta na cara”, a dissonâ ncia cognitiva, a
imposiçã o de autoridade governamental e o reforço de tudo isso por
“formadores de opiniã o”, e você obterá um forte elemento de guerra
cultural e engenharia social em açã o.
Quando os autores do artigo que propunha a troca do termo
“infanticídio” (ou homicídio infantil, como seria chamado no Brasil)
por “abortamento pó s-nascimento” foram respondidos por centenas
de protestos e mensagens de repú dio, muitas vezes com alto teor de
agressividade, o estrago já estava feito. Eles, de certa forma, se
desculparam dizendo que tudo nã o passa de um debate de ideias e
de um jogo ló gico. Mas quantos crimes horrendos e “democídios”
nã o começaram com simples debates de ideias?
Em uma carta aberta em que Giubilini e Minerva declararam-se
surpresos pela ojeriza coletiva e afirmaram: “Ninguém deveria ser
hostilizado por um artigo acadêmico sobre um tema controverso”,
uma resposta muito ó bvia foi dada por um leitor: “Suponhamos que
vocês argumentem acerca da morte de uma minoria étnica em uma
sociedade acometida pelo racismo, vocês esperariam aplausos?”. [11]
Outro ponto de destaque é a percepçã o direta e clara da postura
hostil na defesa da ausência de status moral de fetos e crianças,
mesmo que essa defesa seja executada sob o manto da linguagem
acadêmica.
O leite está derramado. Incontá veis atos de manipulaçã o semâ ntica
chegam a nossos ouvidos a cada dia, trocando valores, camuflando
intençõ es e propondo novas cosmovisõ es. O mínimo que se pode
fazer é permitir um espaço para a verdadeira altercaçã o intelectual,
onde esses venenos sutis possam se transformar em poderosas
vacinas, e onde propostas agressivas com palavras suaves possam
ser respondidas de forma clara e direta.
 
3. Bioética e guerra cultural II: o assassinato de legados
culturais
Uma das formas mais discutidas, porém, nem sempre percebidas, de
alterar os valores da sociedade é a manipulaçã o histó rica e cultural.
Exemplos literá rios nã o saem de nossa cabeça. Quem nã o se lembra
da distopia de George Orwell, 1984 ? O “Ministério da Verdade” era o
que cuidava justamente de reescrever a histó ria, paralelo
interessante com as atuais comissõ es de busca ideoló gica da
verdade.
Uma das absurdidades de nossos dias de analfabetismo funcional é a
proposta de vulgarizar Machado de Assis, na qual uma estudiosa vai
“assassinar Machado, na prá tica, com dinheiro pú blico, já que
conseguiu apoio da Lei Rouanet, do Ministério da Cultura”. [12]  
Em lugar de elevar a capacidade compreensiva e expressiva de
crianças e jovens, o que se propõ e é destruir o legado de Machado
de Assis sob a desculpa de torná -lo acessível. Por fim, o que se
alcança é a acessibilidade do texto reinventado por outra pessoa.
Além de tornar ideias complexas e sutis em realidades distantes,
quase alienígenas, ideias comunicadas antes por meio do esforço
á rduo dos grandes escritores, a vulgarizaçã o da forma acabará por
alterar o pró prio significado do que Machado desejou transmitir. É ,
literalmente, a destruiçã o da nossa agonizante cultura, do resto que
nos alcançou depois de décadas de massacre e mediocrizaçã o
intelectual.
Mas, neste caso, há um precedente importantíssimo na medicina.
Hipó crates, um antepassado muito mais distante, já sofreu nas mã os
de quem reinventa a cultura.
A comparaçã o entre o texto originá rio e o que hoje em dia se oferece
em có digos de ética pelos pró prios conselhos profissionais da classe
falará por si mesma:
 
Juramento de Hipócrates (originário)
Juro por Apolo médico, Asclépio, Hígia, Panaceia e todos os deuses
e deusas, fazendo-os testemunhas de que conforme minha
capacidade e discernimento cumprirei este juramento e
compromisso escrito:
Considerar aquele que me ensinou esta arte igual a meus pais,
compartilhar com ele meus recursos e se necessá rio prover o que
lhe faltar; considerar seus filhos meus irmã os, e aos do sexo
masculino ensinarei esta arte, se desejarem aprendê-la, sem
remuneraçã o ou compromisso escrito; compartilhar os preceitos,
ensinamentos e todas as demais instruçõ es com os meus filhos, os
filhos daquele que me ensinou, os discípulos que assumiram
compromisso por escrito e prestaram juramento conforme a lei
médica, e com ninguém mais; utilizarei a dieta para benefício dos
que sofrem, conforme minha capacidade e discernimento, e além
disso evitarei o mal e a injustiça; nã o darei a quem pedir nenhuma
droga mortal e nem darei esse tipo de instruçã o; do mesmo modo,
nã o darei a mulher alguma pessá rio para abortar; com pureza e
santidade conservarei minha vida e minha arte; nã o operarei
ninguém que tenha a doença da pedra, e cederei o lugar aos
homens que fazem isso; em quantas casas eu entrar, entrarei para
benefício dos que sofrem, evitando toda injustiça voluntá ria ou
outra forma de corrupçã o, e também atos libidinosos no corpo de
mulheres e homens, livres ou escravos; o que vir e ouvir durante o
tratamento sobre a vida dos homens, sem relaçã o com o
tratamento e que nã o for necessá rio divulgar, calarei,
considerando tais coisas segredo.
Se cumprir e nã o violar este juramento, que eu possa desfrutar
minha vida e minha arte afamado junto a todos os homens, para
sempre; mas se eu o transgredir e nã o cumprir, o contrá rio dessas
coisas aconteça . [13]
Juramento de Hipócrates (amputado)
Prometo que ao exercer a arte de curar, mostrar-me-ei sempre fiel
aos preceitos da honestidade, da caridade e da ciência.
Penetrando no interior dos lares, meus olhos serã o cegos, minha
língua calará os segredos que me forem revelados, os quais terei
como preceito de honra.
Nunca me servirei da profissã o para corromper os costumes e
favorecer o crime.
Se eu cumprir este juramento com fidelidade, goze eu, para
sempre, a minha vida e a minha arte de boa reputaçã o entre os
homens.
Se o infringir ou dele me afastar, suceda-me o contrá rio. [14]

O médico deixou de ser heró i ou santo, eterno buscador da


excelência e da virtude, deixou de ser professo, vocacionado, e
tornou-se um honrado burguês preocupado apenas com sua
reputaçã o entre os homens. E, de forma bem escancarada, nã o se
menciona o respeito ao valor da vida ao proibir a eutaná sia, o
suicídio assistido e o abortamento voluntá rio.
E o que veio depois foi ainda mais chocante: o Conselho Federal de
Medicina tentou emplacar uma resoluçã o para liberaçã o geral do
abortamento até a décima segunda semana!
Em uma brincadeira boba com as palavras, o documento justifica-se
da seguinte forma: “É importante frisar que nã o se decidiu serem os
Conselhos de Medicina favorá veis ao aborto, mas, sim, à autonomia
da mulher e do médico”.
É como falar que cebola nã o faz com que ardam nossos olhos, ela
apenas tempera a comida! O documento declara, com todas as
palavras, que seria feito o abortamento por vontade da gestante até
a décima segunda semana da gestaçã o. [15]
Felizmente, nem todos os conselhos concordaram. [16]

Isso tudo ocorre em um país majoritariamente contra a legalizaçã o


do aborto e que adota a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos ( Pacto de San José da Costa Rica ) como norma
constitucional! No pacto está descrito: “Pessoa é todo ser humano, e
que toda vida do ser humano deve ser protegida desde sua
concepçã o”. [17]
Voltemos ao Juramento .
É ó bvio que ele, como a obra de Machado de Assis, deve ser
interpretado apó s o estudo adequado. Leitores incultos — e, à s
vezes, mal-intencionados — enxergam no Juramento o machismo
grego como se fosse machismo médico, ou o respeito aos mestres
como corporativismo, obviamente uma deturpaçã o inaceitá vel para
alguém que domina o mínimo de metodologia necessá ria para ler
um documento antigo.
A soluçã o nã o é destruir o Juramento criando uma versã o falsificada
e inodora, ou distorcer a interpretaçã o e a correta contextualizaçã o
do original. Da mesma forma, a soluçã o nã o é destruir Machado de
Assis em sua originalidade e genialidade.
A soluçã o também nã o é proibir a versã o originá ria como tentaram
fazer com Monteiro Lobato, enxergando em suas brincadeiras
literá rias infantis um racismo cruel com a personagem de tia
Anastá cia. [18]
A soluçã o, ou a tentativa de evitar a criaçã o de um grande problema,
é resgatar a alta cultura e adquirir os significados e a expressividade
dos clá ssicos a nó s legados. É estudar de forma adequada, respeitosa
e prudente. É imperativo saber que essas “pequenas” mudanças
culturais podem degenerar em assombrosas mutaçõ es
civilizacionais. [19]
Destrua a cultura da vida e o legado da medicina hipocrá tica e cristã ,
e a sociedade pagará o preço. A medicina no Brasil já sente a
decadência cultural, política e moral em suas fileiras, e já foi
escorraçada e desmoralizada pelo Partido dos Trabalhadores (PT)
— entre os anos de 2003 e 2016 —, que moveu intensa campanha
difamató ria contra os médicos brasileiros. Se os médicos nã o
aprendem direito o que é ser médico e qual o valor da alta cultura (a
verdadeira e ú nica digna do nome, diga-se de passagem),
provavelmente o culpado será o pequeno burguês de boas
aparências do Juramento de Hipócrates adulterado. [20]  Destrua a
verdadeira cultura e a memó ria da medicina, e nossos médicos
alcançarã o a irrelevâ ncia frente à sociedade, tornando-se meros
burocratas da saú de.

4. Bioética e guerra cultural III: o escotoma negativo


abstrativo

Lembro-me de uma aula em que o filó sofo Olavo de Carvalho


utilizou o termo escotoma para se referir à ausência perceptiva do
detalhe de uma questã o. Na oftalmologia, chama-se escotoma à
mancha no campo visual do paciente, uma ausência localizada no
campo de percepçã o visual. Quando o paciente percebe a presença
da mancha, chama-se o escotoma “positivo”; quando a mancha nã o é
percebida pelo paciente, estamos diante do escotoma “negativo”.
O uso desse termo como metá fora para se referir à apreensã o da
realidade quando se aborda uma questã o bioética é interessante e
exemplifica um erro constante em nosso meio. Teríamos um
escotoma negativo abstrativo quando recortes da realidade passam
ao largo da intelecçã o ou do raciocínio, sendo estes os reféns de
determinados aspectos abstratos pré-estabelecidos em uma
discussã o ou na aná lise de uma situaçã o. É um tipo de armadilha
ló gica.
A busca da limpeza de alguns escotomas do nosso campo de visã o
foi feita no livro de minha autoria A morte da medicina. [21] Todavia,
um breve exemplo dado aqui pode ser esclarecedor.
Talvez o escotoma negativo abstrativo mais usado, e abusado, seja o
do grupo chamado “pró -escolha”.
Na questã o de liberar ou nã o o abortamento voluntá rio, o aspecto
ressaltado é o da autonomia materna para decidir com liberdade
acerca de seu corpo, tomado como sua propriedade. [22]
Concentra-se a atençã o em determinado aspecto retirado da
realidade, recusando-se a perceber, ou dar percepçã o, a outros
aspectos igualmente reais. É uma abstraçã o que leva de forma
irremediá vel ao reducionismo quando se analisa um problema, erro
imperdoá vel na filosofia.
E se removermos o escotoma? O que veremos, ou por onde seremos
obrigados a abordar a questã o?
Ainda na perspectiva do princípio da autonomia, [23] será necessá rio
avaliar a autonomia bioló gica, ontoló gica e social do feto, como a do
médico, capaz de tecer a objeçã o de consciência, por exemplo. Por
fim, porque nã o falar da autonomia paterna, coparticipante na
gestaçã o, mesmo que de forma menos direta?
Se tomarmos os princípios da beneficência e da nã o maleficência,
será necessá rio abordar o problema sob o aspecto dos benefícios e
malefícios esperados para todos os envolvidos. Ao abordar a
questã o do aborto apenas sob a perspectiva da autonomia da mã e,
deixa-se de falar das consequências deletérias, físicas e psicoló gicas
do aborto para o organismo materno, incluindo depressã o,
infertilidade e hemorragia. Também é necessá rio falar do feto ou do
bebê, inevitavelmente o mais prejudicado. E por que nã o falar do
médico e das consequências psicoló gicas, profissionais e morais que
ele sofrerá ?
Por ú ltimo, ainda nos princípios clá ssicos da bioética, teremos que
falar da justiça, e será necessá rio questionar se o ato de matar fetos
e bebês, por definiçã o seres humanos inocentes e indefesos,
provocará ou promoverá a justiça ou injustiça na sociedade. Quais as
consequências civilizacionais e culturais da institucionalizaçã o do
aborto?
Poderíamos ainda falar de aspectos econô micos, transcendentais,
bioló gicos em larga escala, geopolíticos, emocionais e tantos outros
em uma lista quase ilimitada. O que nã o se pode fazer é reduzir tudo
à questã o pura e simples de escolha, e esta de uma pessoa somente.
No fim, o escotoma abstrativo nã o passa do empobrecimento da
apreensã o da realidade e da inteligência humana, um artifício
antidialético que só pode resultar em uma opiniã o muito mal
fundamentada.
Outros exemplos sã o fá ceis de achar, nã o só na bioética, mas em
todos os campos de estudo.
A abordagem historicista do Juramento de Hipó crates, as críticas
governistas à medicina brasileira, as soluçõ es simplistas e
propagandistas à s vésperas das eleiçõ es…
Escolha você mesmo um item da imensa lista de escotomas
imbecilizantes para treinar, e limpe seu intelecto dessas manchas
em um esforço sadio.
5. Médico, o Goldenstein do PT
Emmanuel Goldenstein foi uma personagem fictícia criada para a
alegoria política de George Orwell: 1984 . [24]
Nesse romance, referência obrigató ria para entender o
funcionamento da política mundial apó s a Segunda Grande Guerra e
da política corriqueira e rasteira do Brasil, Emmanuel Goldenstein é
uma personagem utilizada como bode expiató rio pelo partido
governante, o Socialismo Inglês (IngSoc), para despejar a culpa de
todos os erros e problemas enfrentados pela populaçã o submissa ao
regime tirâ nico. O “perigoso” Goldenstein seria o famoso líder de um
grupo subversivo denominado “A Irmandade”.
Seria algo do tipo: Faltou á gua? Foram os seguidores do rebelde
Goldenstein que sabotaram a estaçã o de á gua ou modificaram o
clima. Faltou comida? As plantaçõ es foram sabotadas por lavradores
preguiçosos que se uniram à causa de Goldenstein para minar o
sucesso de Oceâ nia, naçã o imaginá ria inventada por George Orwell.
Há inclusive a “Semana do Ó dio” e os “dois minutos de ó dio”, nos
quais a imagem de Goldenstein é exibida para a catarse de uma
coletividade ensandecida de raiva e frustraçã o. [25]
Trato aqui, quando falo do ó dio direcionado, do fenô meno
conhecido pelo nome de “bode expiató rio”, tã o bem descrito pelo
filó sofo francês René Girard. Desde o início da civilizaçã o, os
conflitos acumulados em sociedade tendem a buscar uma vá lvula de
escape. O bode expiató rio catalisador do ó dio coletivo sempre
consistiu na ferramenta ideal. [26] É claro que com o advento do
Cristo essa ferramenta de aliviar tensõ es ficou obsoleta,
desmanchada pela vítima que se tornara entã o o juiz de seus algozes
e de toda a humanidade.
Mas uma ferramenta obsoleta ainda funciona bem, ainda mais em
um povo manipulado com facilidade pelas estratégias políticas do
mais baixo nível, como as demonstradas pelo governo brasileiro.
E no contexto da busca do bode expiató rio para desviar a atençã o do
que de fato importa, deslocando o ó dio e a frustraçã o dos problemas
do cotidiano capitalizando tudo em lucro político, qual seria a vítima
eleita? Sim, o médico.
Por vá rios anos a saú de no Brasil foi sucateada. Falta de planos de
carreira, fechamento de milhares de leitos hospitalares, falta de
investimento, incompetência na gestã o de recursos (escassos) para
a saú de e constante evasã o de divisas por razõ es ideoló gicas em vez
de investir na saú de do pró prio povo.
Foi uma lambança.
Em 2014 a convulsã o social fugiu ao controle da elite governante e
explodiu nas ruas com demandas contrá rias à política vigente. [27]
Manifestantes cobraram dos líderes as coisas mais que ó bvias como
saú de, segurança e educaçã o de qualidade — o de sempre — e
geraram terror nas elites dominantes ao se mostrarem apartidá rios
(e até mesmo hostis à s diversas tentativas de invasã o partidá ria)
além de, pasmem, conservadores em suas demandas e palavras de
ordem.
Chega entã o o momento de lançar o bode na grelha do holocausto ou
nomear o Goldenstein da vez.
Os médicos sempre foram, de certa forma, uma elite econô mica e
intelectual em meio a um povo muito sofrido. Quem seria melhor
para ocupar o papel de elite burguesa malvada?
Na votaçã o do famigerado Ato médico , as diversas profissõ es da
á rea da saú de, ou pelo menos seus representantes políticos,
viraram-se contra a classe médica, inflamadas por discursos de
demagogos governistas que declararam em alto e bom som que o
“médico inventa a doença para lucrar com o paciente”. Segundo a
versã o oficial dos criadores de Goldensteins, o ato médico era uma
“opressã o médica contra as outras classes”.
Acompanhei tudo pela TV Senado, e vi diversas outras imbecilidades
extemporâ neas da mesma estirpe.
O plano de carreira para médicos é descartado. Os médicos sã o
taxados de ignorantes e mal-educados, acusados de odiar os pobres
e de repudiar o interior do Brasil. Instala-se o controverso e
suspeitíssimo “Mais Médicos”. Milhares de médicos estrangeiros que
servem de atravessadores de dinheiro para o regime cubano sã o
inseridos no Brasil ao custo do emprego de muitos médicos lotados
no interior e nos centros urbanos de assistência à saú de. [28]
E eis que surge a peça mais recente da propaganda de ó dio do
governo petista do Brasil: os médicos sã o racistas e, por isso,
atendem mal aos negros e deixam os mesmos morrerem com mais
frequência.
Em uma série de propagandas repletas de estatísticas fora de
contexto, o Ministério da Saú de acusa os médicos de atenderem mal
à s pacientes negras, por menos tempo, de forma incompleta e, até
mesmo, permitindo um maior nú mero de complicaçõ es médicas e
mortes na populaçã o negra que na branca. Tudo isso sem referência
nenhuma à diferença entre a proporçã o de brancos, pardos e negros
no sistema pú blico de saú de, no complementar ou no privado e sem
referências para a aná lise detalhada dos dados que nã o seja um
mero banco de dados de prevalência. [29]
Alguns dos dizeres veiculados na mídia sã o os seguintes:
“60% da mortalidade materna no Brasil ocorre entre mulheres
negras. Entre as mulheres brancas esse nú mero é de 34%”;
“74,5% das mulheres brancas declaram fazer o pré-natal,
enquanto 55,7% das mulheres pretas declaram fazer esse
acompanhamento”;
“A diferença entre os níveis de mortalidade de crianças negras
e brancas aumentou de 21% para 40% em 20 anos”;
“77,7% das mulheres brancas foram orientadas sobre a
importâ ncia do aleitamento materno, enquanto 62,5% das
mulheres negras tiveram essa orientaçã o”;
“Uma mulher negra recebe menos tempo de atendimento que
uma mulher branca”.
E talvez uma das mais calamitosas acusaçõ es, curiosamente
removida apó s alguns protestos: [30]
“Em 2012, a taxa de mortalidade por doença falciforme entre
pessoas pretas foi de 0,73 mortes (por 100.000 hab.) e de 0,28
(por 100.000 hab.) entre pardas; enquanto na populaçã o
branca 0,08 (por 100.000 hab.)”.
O ardil é tã o baixo que qualquer um ao estudar o mínimo sobre a
doença em questã o — a anemia falciforme — descobrirá sua ligaçã o
com questõ es genéticas e hereditariedade, e sua maior prevalência
na populaçã o negra que na branca. Nã o morrem mais negros que
brancos porque os médicos deixam os negros morrerem; morrem
mais negros que brancos porque existem muito mais negros que
brancos portadores da doença! Seria quase o mesmo que dizer que
os médicos discriminam os brancos porque estes sofrem mais com o
câ ncer de pele (que sabidamente afeta pessoas de pele mais clara e
com menor proteçã o aos raios solares), ou que os médicos
discriminam as mulheres porque elas morrem de carcinoma de colo
uterino (vejam bem, só as mulheres têm ú tero). É cô mico para nã o
dizer trá gico.
Uma rá pida busca nos meios de pesquisa digitais informará que a
prevalência, isto é, a frequência dos diagnó sticos da doença
falciforme na populaçã o brasileira encontra-se expressivamente
concentrada na populaçã o que se declara negra ou, em menor
escala, na populaçã o parda.
Só para ilustrar, um artigo reportou que na cidade de Uberaba foram
estudados 47 casos presentes em adultos, e que a proporçã o era
distribuída da seguinte forma: 78,7% em negros, 17% em pardos e
4,3% em brancos, com preponderâ ncia do sexo feminino (59,6%).
[31]
Daqui a pouco falarã o que morrem mais mulheres de doença
falciforme que homens porque os médicos nã o gostam das
mulheres.
E, por fim, a simples descriçã o percentual nã o é suficiente para tirar
conclusõ es do significado dos dados sem a adequada avaliaçã o
estatística.
Toda a campanha do governo pode ser interpretada considerando-
se os seguintes atos:
1. Procura-se exercer o recurso erístico — isto é, a trapaça
intelectual — conhecido como rotulaçã o odiosa. Por meio dela
se atribui a determinado indivíduo, classe ou grupo um
adjetivo que invoca sentimentos ruins em quem escuta a
rotulaçã o (no caso, racista e assassino); [32]
2. Imputa-se crime de ó dio racial à classe médica brasileira,
pois se há a afirmaçã o de que um possível racismo gera dados
estatísticos que demonstram a pior qualidade de atendimento
a determinada populaçã o, a ponto de sugerir mortalidade
maior decorrente do racismo, há um terrível crime em curso;
3. Usam-se de forma inadequada as estatísticas, dando
credibilidade científica a dados interpretados sob forte viés
ideoló gico que atestam extrema incompetência de ó rgã os
governamentais que deveriam prezar pela qualidade ao cuidar
da saú de do brasileiro. Trata-se disso ou da simples e
criminosa má -fé.
Logo, é difícil concluir outra coisa que nã o a seguinte: toda a
campanha governista de combate ao “racismo no SUS” nã o passa de
manobra política e ideoló gica de má qualidade, executada de forma
incompetente, com o objetivo explícito de difamar por meio de
imputaçã o de terrível crime a toda uma classe de profissionais
brasileiros, desviando a atençã o da populaçã o e atribuindo a culpa
por seus problemas de saú de à classe médica e nã o ao governo,
interessado em manter sua hegemonia.
Sem dú vida, tudo nã o passa de um produto deficiente de mentes
corrompidas pelo maquiavelismo político.
Faltou ao Ministério da Saú de do Brasil o conhecimento, a
responsabilidade, a competência e a boa intençã o de servir à
populaçã o com a verdade dos fatos.
Lamentavelmente, é mais um exemplo de um período que talvez seja
conhecido mais tarde pela extrema concentraçã o de corrupçã o e
vileza, talvez a maior desde o descobrimento destas terras pelos
portugueses há mais de 500 anos. [33]
 
6. 1984: a profecia moderna de George Orwell
A Segunda Guerra terminou!
O totalitarismo se expande e é levado até suas ú ltimas
consequências. Assim acontece no livro de George Orwell, ficçã o
feita como aviso ao futuro sobre os males que o autor identificara na
sua ideologia prévia, no momento de sua desilusã o com o
comunismo.
Lá no livro está o “Partido Socialista Inglês”, o superpartido que é a
razã o ú ltima da existência e agente coletivo do poder. Gramsci se
sentiria em casa, pois seu príncipe partidá rio e maquiavélico é
facilmente reconhecível no “Grande Irmã o” orwelliano.
Nã o se honra o país, a família, a religiã o; vive-se e se honra apenas o
partido. O partido do livro 1984 é eterno, onisciente, onipotente e
onipresente em uma caricatura porca da Divindade renegada pelos
homens. É o fechamento do ser humano à transcendência, como
Voegelin bem notara em sua magnífica obra filosó fica.
Lá está o “duplipensar”, caracterizado pela aceitaçã o de
contradiçõ es ó bvias, que acaba no emburrecimento completo,
tornando-se incapaz de enxergar o ó bvio posto diante do nariz.
Por aqui o Estado laico — ou anticristã o? — proíbe o cristianismo
nas escolas, mas ao mesmo tempo estimula o ensino das religiõ es
africanas e do islamismo. Aqui o Estado nã o permite a pena de
morte, mas estimula a morte maciça de crianças no abortamento e
negligencia a violenta maré de mortes de jovens. O Estado prega a
igualdade de direitos, mas aparelha, manipula e favorece certas
minorias declaradamente, colocando-as contra os demais.
O Estado prega a distribuiçã o de renda, mas acumula poder em um
partido que engloba e afunda a noçã o de país soberano.
O Estado proíbe drogas, mas está aliado a narcotraficantes
terroristas de outros países no Foro de Sã o Paulo.
E lá no livro 1984 encontramos o controle dos pensamentos, a
“correçã o política” em que vivemos hoje levada à s ú ltimas
consequências. Lá o indivíduo é uma ilusã o, e só o coletivo do
partido existe e é eterno.
Lá está a “novafala” (ou novilíngua), com seus conceitos que
proíbem pensamentos. E aqui temos as palavras imbuídas de
preconceitos paralisantes e dementes. O reacioná rio, a direita, o
cató lico, o crente, o religioso, o certinho, e tantas outras palavras
muitas vezes assumidas ou ditas com um pedido encoberto e
covarde de desculpas.
Lá está o subjetivismo moderno e a recusa da realidade objetiva;
subjetivismo que motiva nossa política e nossa iletrada classe
letrada.
O’Brien, o terrível agente da “Polícia das Ideias” e carrasco do
“Ministério do Amor” (onde se encontram os presos políticos), hoje
é visto nos nossos intelectuais subjetivistas e niilistas, que apoiam
partidos totalitaristas e desconstroem o passado e a realidade. Como
Viktor Frankl dizia, a culpa dos campos de concentraçã o está nos
filó sofos niilistas ganhadores de prêmios internacionais.
O passado, no 1984 inclemente de Orwell, é um brinquedo na mã o
do partido. Fatos sã o reescritos e a memó ria se perde no
emaranhado de anseios políticos de dominaçã o. Hoje nossos livros
de histó ria sã o porcamente escritos com propagandas descaradas
que elogiam genocidas brutais e desumanos como Stá lin, Lênin, Che
Guevara e Mao.
Orwell captou bem o objetivo da elite pensante por trá s das
ideologias de massa: acú mulo de poder, de força. Criar uma nova
elite muito poderosa. Controlar nã o só a economia, mas acima de
tudo a mente e o coraçã o.
O nú cleo do poder deixou de ser composto por guerreiros e nobres
corajosos, tornando-se uma elite de burocratas intelectuais e
covardes. O resto dos que agem como rêmoras do poder se
enquadra no que Lênin chamava “inocentes ú teis”, passíveis de
eliminaçã o tã o logo se tornem inconvenientes.
O proletá rio continua proletá rio, mais pobre e mais oprimido — se
nã o em sentido material, com certeza espiritual —, [34] achando que
melhorou, manobrado pelas ideias dos governantes.
Os inocentes ú teis de hoje sã o nossos intelectuais de segunda
ordem, professores, atores da TV, com cérebro de geleia, e
soció logos, que acham fazer um bem ao pregar suas ideologias
ultrapassadas.
Ainda bem que Orwell nã o viveu para ver o Brasil de hoje! Ele
morreria muito preocupado, percebendo que suas palavras foram
jogadas ao vento.
No fim, o heró i de 1984 morre aprendendo uma severa liçã o:
quando o ser humano se dobra de corpo e alma à tirania, seu prêmio
irremediavelmente é a aniquilaçã o…
 
7. A “teologia de Polemarco”, ou, é isso o que dá quando
Cristo sai e entra Marx

Na magnífica obra A República , Platã o nos brinda com um diá logo


acerca do que seria a justiça. Uma das personagens inquiridas é
Polemarco, que responde de pronto com toda franqueza de seu
torpe coraçã o: justiça é ajudar os amigos e prejudicar os inimigos.
[35]

Claro que a política evoluiu muito depois de Platã o e hoje muitos


políticos entendem que a justiça inclui a destruiçã o de antigos
aliados — excelentes bodes expiató rios — apó s a chegada ao poder
com o objetivo de manter o controle indisputado de tudo, como
aconselhava o chefe florentino de milícias, Maquiavel. Fó rmula mais
que repetida por políticos de viés stalinista até as ditaduras de hoje.
Nada melhor que um pouco de sangue humano socialista para
limpar a sujeira da causa socialista, certo?
Em sua coluna de jornal, o teó logo Leonardo Boff reproduz em parte
esse antiquíssimo — e, por que nã o, reacionaríssimo —
pensamento. [36]
Ele divide mais uma vez, como é de seu feitio e de toda nossa
esquerda iluminada pelas intolerantes luzes do ó dio, o povo
brasileiro entre “nó s” e “eles”. Categorias classistas mais que
anacrô nicas, reutilizadas à exaustã o desde os tempos do velho
profeta secular Marx. Só nã o pergunte a quem servem as profecias
do antigo barbudo alemã o e de seus imitadores contemporâ neos.
Na categoria “nó s” estã o os santos esquerdistas radicais; os
guerreiros para os quais tudo é perdoado em nome da causa; os
amantes dos pobres mesmo quando os roubam; os revolucioná rios
que, justificados pelo futuro perfeito que nunca chegou e — ao ver o
andar da carruagem desgovernada — provavelmente nunca
chegará , têm licença para mentir, matar, cometer genocídios e
roubar (muito).
Na categoria “eles” estã o os profanos direitistas; maldosos que
odeiam pobres e minorias; exploradores; conservadores (neste
momento faça-se o sinal da cruz invertido para proteçã o, quem
sabe); indignos desprovidos da cogniçã o iluminada do futuro
perfeito que tudo perdoa e tudo permite desde que a pessoa esteja
no lado adequado do espectro ideoló gico ou da ló gica mortal da
guerra de classes.
Para seus amigos, Boff recomenda, de forma muito cristã , a
“autocrítica pú blica e humilde dos erros cometidos”, à luz do
conhecimento de que “a vida nos ensina e as escrituras cristã s nã o
se cansam de repetir: quem caiu sempre pode se levantar”. Para
seus inimigos, os quais também deveriam merecer seu perdã o e
receber suas sinceras oraçõ es, Boff destina o desprezo e o franco
combate.
Sã o os inimigos — malditos conservadores direitistas — acusados
de usarem “mentiras e distorçõ es”, mas os amigos esquerdistas
previsivelmente passam batido por tais acusaçõ es. Os inimigos sã o
acusados de bater “panelas cheias”, mas os bolsos lotados de
dinheiro pú blico dos amigos merecem o apelo ao perdã o e
recomeço.
Quando a crise é gerada pela esquerda, ela “funciona como um crisol
que purifica o ouro das gangas e o libera para um novo uso”,
integrando o caos “generativo” bem ao estilo da crítica destrutiva da
Escola de Frankfurt. Se for gerada pela direita, nã o se deve jamais
“aceitar as derrotas sem antes dar as batalhas”.
O nome disso nã o é cristianismo. Envergonha muito observar liçõ es
cristã s recortadas e prostituídas por ideó logos para que sirvam de
muniçã o em uma guerra profana que vira brasileiro contra
brasileiro, irmã o contra irmã o, corrompendo coraçõ es e
transformando o amor em algo seletivo.
Nã o, o cristianismo nã o é isso pregado nos textos de incitaçã o ao
ó dio classista defecados à exaustã o por Boff em suas colunas. Boff
acerta quando lembra que o cristianismo pode ajustar as coisas, mas
erra ao revelar que ele mesmo desconhece o que é o cristianismo,
trocando-o pela diabó lica interpretaçã o reducionista da Teologia da
Libertaçã o.
É isso o que dá trocar Cristo por Marx: a caridade, a disposiçã o em
aconselhar e perdoar e o espírito fraterno terminam onde termina a
afinidade ideoló gica. Aos amigos, o bem e o perdã o; aos inimigos, a
espada e o combate feroz.

8. Dignidade médica sob ataque: a integridade da


consciência

A INTEGRIDADE E A OBJEÇÃ O DE CONSCIÊ NCIA


A necessidade de manter a integridade de alguém é uma preciosa
realidade derivada da importâ ncia ontoló gica do pró prio ser. De
forma mais direta pode-se dizer que cada vida humana é preciosa —
isto é, tem dignidade —, por isso deve ter a integridade respeitada.
O ser humano tem valor intrínseco e real, ou nã o. E se nã o tiver, nã o
há motivo para conversar. A violência irracional selará todas as
decisõ es. Se o ser humano tem valor, sua integridade deve ser
respeitada. Aí sim, abre-se a possibilidade de discutir algo.
Tomado como real e necessá rio o valor da integridade do ser
humano, apela-se de imediato ao plano ontoló gico que possibilita tal
característica, e conclui-se que a vida humana é a premissa inegá vel.
É preciso existir de forma concreta para ter valor.
A integridade da vida humana envolve a manutençã o das
características que tomam parte no ser humano e lhe conferem
aquilo sem o qual nã o seria mais humano: sua essência. Mesmo na
ausência de uma ou mais características essenciais, a dignidade
ainda reside nele, só que agora em privaçã o ou destituído das
características normais, porém ainda detentor da dignidade,
conferida em nossa civilizaçã o pelo simples fato de ser humano.
Em termos culturais, é inegá vel que o legado cristã o foi protagonista
na formulaçã o do que hoje se entende por dignidade e que, como
consequência, sustenta os tã o difundidos — e tantas vezes
deturpados — direitos humanos universais.
Elemento essencial à integridade do ser humano é a integridade de
sua consciência, fonte do direito à objeçã o de consciência.

A ATUAL RELATIVIZAÇÃ O DA DIGNIDADE HUMANA


Se o valor do ser humano está ancorado à vida humana, deve-se
concluir que todos os seres humanos vivos sã o dignos. Ricos ou
pobres, brancos ou negros, nobres ou plebeus, saudá veis ou doentes,
jovens ou velhos, mentalmente sã os ou loucos, inteligentes ou com
graves deficiências cognitivas, todos.
Hoje, ao considerar a dignidade inerente ao ser humano, nã o caberia
discutir com seriedade questõ es monstruosas envolvendo
esterilizaçõ es em massa de mulheres com problemas mentais, como
nã o caberia refletir sobre o extermínio sistemá tico de judeus, negros
ou prisioneiros de guerra, nem sobre experimentos em bebês ou
crianças deficientes. Nada disso seria pertinente na discussã o
pú blica, certo?
Errado!
As liçõ es do passado foram esquecidas com uma facilidade
preocupante. Acadêmicos de renome se levantam e afirmam que a
dignidade é um conceito inú til ou ridículo. E, verdade seja dita, a
palavra dignidade tem mesmo sido utilizada de forma esdrú xula por
muitos.
Fetos e bebês abortados sã o dilacerados para que sejam vendidos
em um grotesco mercado de ó rgã os para a indú stria de cosméticos
ou de pesquisa médica. [37]
Populaçõ es de países pobres e
desassistidos sã o utilizadas como cobaias em experimentos
científicos diversos. [38] Povos inteiros sã o tratados como gado,
exterminados aqui e acolá e transferidos entre fronteiras como
produtos rejeitados ou fugitivos desesperados. Populaçõ es sã o
massacradas sob a sola de sapato de tiranos, transformadas em
nú meros ou estatísticas sangrentas de regimes totalitá rios.
O cená rio é desafiador, e a dignidade do ser humano está sob
constante ataque. A dignidade humana foi deturpada e relativizada
e, com ela, a vida humana.

A ESCRAVIDÃ O ESPIRITUAL DO MÉ DICO COMO AMEAÇA À DIGNIDADE HUMANA


Mas aqui proponho examinar uma faceta poucas vezes abordada no
cotidiano das discussõ es em sociedade sobre a dignidade humana.
Examino a dignidade do médico na qualidade de ser humano e de
profissional devotado a um ideal, a um conjunto de princípios de
milhares de anos.
Pois, assim como é uma ameaça à integridade de um indivíduo da
sociedade obrigá -lo a violar de forma definitiva e irreversível um
valor precioso em sua vida, também é uma ameaça à integridade de
um indivíduo da sociedade forçá -lo, na condiçã o de médico, a matar
alguém contra a sua vontade ou convicçã o mais profunda, como
tantos querem fazer com a liberaçã o da eutaná sia ou do suicídio
assistido.
Basta um exemplo de agressã o à integridade humana nesse nível
para destacar o quã o perigoso um governo pode ser para a mente e
para a cultura de seu povo quando crê poder legislar sobre a esfera
moral e realizar grandes mutaçõ es civilizacionais.
O nome dessa agressã o à integridade é escravidã o espiritual.
O que está por trá s desse nome tã o ominoso?

A ESCRAVIDÃ O ESPIRITUAL AO LONGO DA HISTÓ RIA


No passado, muitos sofreram desse tipo de escravidã o. Os judeus em
fuga do Egito, por exemplo, enunciavam que para trá s ficava o
império da morte espiritual, o sheol , [39] a escravidã o ao Faraó , ao
deus encarnado no sistema de governo. Saíam do Egito e buscavam
a Terra Prometida, que os libertaria da servidã o à s coisas do mundo,
finitas, e os entregaria à servidã o ao Infinito, ao Deus que tudo
transcende, presente na revelaçã o profética daqueles iluminados
diretamente pela luz que transcende governos humanos. Luz esta
que era o Deus que lhes daria uma Lei escrita, já gravada no coraçã o
de todos os povos. [40]
Em Roma, o governo também era a divindade, como nos reinos
orientais, repletos de seus homens deuses, representantes em
pequena escala dos mecanismos do cosmo. [41]
Nã o se imaginava, pelo menos em larga escala, ser possível a
vivência interior da busca moral. Nã o se cria na possibilidade de
organizar a sociedade com base no ordenamento da pró pria alma,
dos pró prios valores, alcançados pelo indivíduo de modo direto pela
intuiçã o moral. Ir contra a autoridade civil significava contrapor-se à
divindade, contra a ordem das coisas, contra as leis do pró prio
cosmo.
Hoje parece muito normal falarmos do direito de contestar valores
ou de almejar a liberdade de culto, mas nem sempre foi assim.
A liberdade espiritual, ou transcendente, que hoje desfrutamos já
estava prefigurada no teatro grego, em suas tragédias, no conflito
entre a lei dos homens e a lei eterna, imutá vel, perante a qual
Antígona ou as suplicantes clamavam por justiça. Essa mesma
liberdade espiritual, ou submissã o direta à divindade sem a
mediaçã o da autoridade terrena, já prefigurava fora do teatro no
sacrifício aceito por Só crates, que preferiu sofrer uma injustiça a
cometê-la, e pagou com a vida por seguir a Verdade com coerência,
por acessar a Lei divina que superava as normas de sua sociedade.
[42]

No que foi chamado plenitude dos tempos, o poder temporal —


como representante da ordem mundana e divina —
simultaneamente, foi fraturado pela açã o do Cristo, o grande
separador do que era devido ao governante das coisas mundanas,
César, do que era devido ao governante das coisas transcendentais
que englobam as anteriores, Deus: “Dai, pois, a César o que é de
César, e a Deus o que é de Deus”. [43]
Essas palavras reverberaram por milênios, e um equilíbrio nunca foi
alcançado, e talvez nem seja alcançado nesta realidade. Mas uma
coisa ficou clara: algumas questõ es saíram da esfera do Estado ou
governo mundano e cabem só ao indivíduo perante a eternidade,
perante o transcendente. O certo a ser feito nã o era o socialmente
certo, mas o “celestialmente” certo — da perspectiva da alma
imortal.
Hoje, mesmo quem nã o crê no cristianismo, julga a sociedade e seu
entorno com base em sua intuiçã o moral, e o faz sem a adequada
noçã o do quanto isso seria fantá stico para alguém do distante
passado.
Contudo, observa-se também a constante tensã o que sempre
ameaça os momentos de frá gil equilíbrio assimétrico entre as duas
potências: César e Deus. [44] O poder temporal, secular ou estatal,
tem crescido vertiginosamente, suprimindo consciências e
liberdades. O discurso ideoló gico motivou o massacre de milhõ es e
milhõ es de pessoas pelos regimes totalitá rios dos ú ltimos dois
séculos. [45] A consciência humana, sede real de reconhecimento dos
valores que movem a sociedade, foi cada vez mais acuada e
silenciada, até ser trancafiada ou deturpada em definitivo, por
técnicas refinadas e assustadoras. [46]
Reconhecendo a importâ ncia da integridade da consciência como
fonte de ordenaçã o e conduçã o benevolente da sociedade, analiso
um exemplo entre muitos que têm ameaçado a integridade e a
dignidade da consciência de incontá veis médicos ao redor do
mundo: o ataque à objeçã o de consciência.
Está em jogo muito mais que a profissã o ou sentimentos subjetivos
de integridade. O perigo envolve toda a visã o civilizacional de certo
ou errado e de como tratar os seres humanos viventes. As
repercussõ es em larga escala de medidas como a supressã o secular
da objeçã o de consciência gerarã o consequências muito amplas na
forma de agir, pensar e ser de toda a humanidade.

O MÉ DICO E A OBJEÇÃ O DE CONSCIÊ NCIA


Os exemplos de ataque à consciência do médico sã o incontá veis, mas
tomo uma amostra emblemá tica para breve discussã o.
No artigo “Conscientious Objection in Medicine: Private Ideological
Convictions must not Supercede Public Service Obligations”
[“Objeçã o de consciência na medicina: convicçõ es ideoló gicas
privadas nã o devem superar obrigaçõ es de serviço pú blico”], Udo
Schü klenk parece defender a concepçã o de que o médico deve ser
quase um autô mato a serviço do deus secular chamado Estado. [47]
O contexto do artigo é a situaçã o de conflito entre a lei canadense,
que permite a eutaná sia, e um grupo de médicos representado pela
Associaçã o Médica Canadense, que deseja a liberdade de nã o
realizar a eutaná sia e de também nã o encaminhar o paciente para
quem o faça, alegando a objeçã o de consciência por nã o desejar ter a
integridade destruída junto com a visã o tradicional da medicina
como defensora da vida humana. [48]
O autor ressalta que, no Ocidente, a objeçã o de consciência em saú de
cabe quase sempre ao médico cristã o que nã o deseja realizar um ato
contra sua consciência, e nisso ele está certo, embora nã o possamos
nos esquecer de que outras religiõ es e crenças, como a dos
kardecistas, bem numerosos no Brasil, também sã o ferrenhos
opositores da relativizaçã o do valor da vida humana e, como
consequência, do aborto e da eutaná sia.
A preocupaçã o, segundo Schü klenk, editor da revista Bioethics , é
que pacientes que desejam a eutaná sia e morem no interior acabem
sofrendo por nã o obter auxílio em seus intentos com facilidade se os
médicos locais estiverem presos à objeçã o de consciência. Mesmo a
soluçã o proposta de que se faça um cadastro nacional de médicos
cristã os em objeçã o para facilitar a procura pelo paciente de outro
médico que concordará em matá -lo nã o parece suficiente para
agradar opositores da objeçã o de consciência. No entanto, de acordo
com os representantes da pró pria Associaçã o Médica do Canadá ,
cerca de um quarto dos médicos nã o faria essa objeçã o, o que
significa que milhares de médicos estã o dispostos a matar porque o
Estado assim o permite e demanda. E, falemos a verdade: matar é
mais fá cil que tratar e cuidar.
Caminhando para uma pretensa conductio ad absurdum , [49]

Schü klenk pergunta se nã o será necessá rio também cadastros para


médicos que nã o tenham objeçã o em tratar homossexuais ou
pacientes de determinada etnia. A comparaçã o é um apelo emotivo
desproporcional, e reforça a imagem preconceituosa amplamente
amada pela mídia e pela cultura secular que insiste em retratar os
cristã os como monstros terríveis, normalmente presos a vícios
também terríveis como nacionalismo, republicanismo, racismo,
homofobia e outras coisas da “direita”, na deturpada visã o
autojustificada da esquerda mais agressiva, sempre detentora
exclusiva da bondade politicamente correta.
É claro que o autor nã o afirmou que os cristã os fariam tal objeçã o,
mas o efeito psicoló gico subliminar (ou escandalosamente explícito
mesmo) da mençã o desses aspectos no mesmo texto deveria ser
ó bvio para a mente mais obtusa. Estimula-se o ó dio contra o falso
estereó tipo de cristã o e ridiculariza-se sua posiçã o na sociedade sem
perder a pose de bom moço preocupado com o bem-estar alheio.
Nã o é uma doçura?
E, além do sentimento de prezar toda vida humana como sagrada
ser algo dificilmente coerente com o repú dio de cuidar de
determinados grupos por questõ es específicas, a proporçã o entre
1) médicos que prezam a vida humana como algo sagrado, e
2) médicos sedentos de sangue de determinadas raças e de pessoas
com determinadas opçõ es sexuais é algo desigual até onde se
percebe. Talvez o Canadá enfrente uma horda de médicos que
fechem os consultó rios aos homossexuais ou a indígenas e latinos,
mas eu duvido da viabilidade dessa hipó tese fantá stica em um país
tã o aberto e diversificado.
De acordo com o autor, o conceito do respeito à objeçã o de
consciência em qualquer profissã o é questioná vel. Ressalta também
que entrar para uma profissã o é algo voluntá rio. O médico que
deseja exercer a medicina da ética tradicional cristã -hipocrá tica é
comparado ao taxista que nã o quer dirigir o carro por este usar
gasolina e poluir o ambiente. A sugestã o é que o taxista use
bicicletas entã o. Uma comparaçã o esdrú xula entre vidas humanas,
integridade de consciência e automó veis poluidores do ambiente,
sem dú vida.

O CONFLITO DE VALORES NA SOCIEDADE CONTEMPORÂ NEA


Toda a discussã o gira em torno do conflito entre determinados
valores ou princípios. De um lado está a liberdade do indivíduo que
deseja ser morto, de outro está a liberdade do médico em se recusar
a matar alguém. De um lado está o direito a viver em uma sociedade
sem as restriçõ es religiosas; de outro está o direito de liberdade de
culto e de viver em uma sociedade sem as restriçõ es antirreligiosas.
De um lado está a autonomia moral do paciente em decidir morrer,
de outro está a autonomia moral do médico que opta em nã o tomar
parte na morte por uma questã o de beneficência e respeito à vida
humana. De um lado está a concepçã o de que a medicina nada mais
é que uma construçã o da sociedade, maleá vel ao gosto do cliente e
do tempo, de outro está a concepçã o de que a medicina tem uma
filosofia moral pró pria e valores atemporais que a definem em nossa
civilizaçã o, e de que deve ter seus limites e valores respeitados para
nã o se transformar em outra coisa totalmente diferente.
Essas incompatibilidades sã o típicas da sociedade secular de hoje,
que ergue a liberdade de escolha acima dos demais princípios.
Porém, considerando que as liberdades de escolha se chocarã o de
forma inevitá vel, torna-se preciso compreender que nã o existe uma
visã o imparcial contra os religiosos parciais. Há na verdade uma
visã o antirreligiosa que se denomina imparcial, mas ela é tã o — ou
ainda mais — arbitrá ria quanto a visã o dos chamados arbitrá rios
por serem religiosos.
 

O MÉ DICO NA QUALIDADE DE EXTERMINADOR DA VIDA HUMANA


Por fim, há uma questã o de precedência cronoló gica e ontoló gica
inegá vel. Só escolhe algo quem está vivo, e mesmo que se eleve a
liberdade de escolha acima de tudo, deve-se prezar a vida para que a
liberdade de escolha seja um dia manifestada e, por fim, valorizada.
Logo, nã o é desejá vel elevar a liberdade como grande princípio sem
antes elevar ainda mais a vida humana. Desprezar o valor da vida e o
compromisso com a real dignidade humana equivale a amputar as
duas pernas que sustentam o respeito à autonomia e à escolha
individual.
Diz-se que: os “médicos sã o, primeiramente e acima de tudo,
provedores de serviços de saú de. A sociedade tem todo o direito de
determinar que tipos de serviços eles devem oferecer”. [50]
É preciso trabalhar as premissas desse breve enunciado ló gico
utilizado para concluir o editorial do perió dico acadêmico Bioethics .
Em primeiro lugar, os médicos sã o acima de tudo seres humanos,
com valores, virtudes, crenças e princípios pró prios.
Segundo, eles devem prover serviços de saú de e nã o de morte. É
verdade que o Estado legalizou a morte assistida ou a eutaná sia, mas
implantar uma prá tica tã o radical em uma profissã o classicamente
ligada à defesa da vida é algo muito temerá rio. Incluir no conceito de
oferecer saú de o ato de auxiliar a morrer de forma rá pida — ou
auxiliar o suicídio — é uma atitude que nã o pode ser tomada como
premissa sem muito questionamento.
Um pingo de responsabilidade temerosa quanto à s consequências
desse ato recomendaria nã o insistir em mudar radicalmente o grupo
de valores da medicina ocidental. Os exemplos de médicos que
relativizaram o valor da vida (nazistas ou comunistas) deveriam nos
deixar receosos em provocar essas mudanças.
E terceiro, os médicos que consideram toda a vida humana preciosa
também integram a sociedade na qualidade de membros, à
semelhança de cristã os, ateus e médicos que nã o se importam em
tirar a vida humana e outros.
Uma coisa é garantir que pessoas possam preferir a morte, outra
coisa é forçar pessoas a matar outras, contrariando a pró pria raiz de
sua identidade e crença. No primeiro caso é uma possibilidade
criada, no segundo, uma terrível e irreversível coaçã o sobre toda
uma classe, e uma violência terrível contra a consciência humana.
Que o hipotético governo crie entã o cursos de carrascos ou
matadores profissionais e que os chame “biomédicos executores”,
“médicos do governo secular”, ou algo do tipo. Porém, tomar uma
tradiçã o de mais de dois mil anos no Ocidente e desfigurá -la
derrubando um de seus principais aspectos — o respeito à vida
humana — é algo completamente irresponsá vel e inadequado.
Se os médicos tomarem parte, mesmo que de maneira indireta, em
atos de eutaná sia ou suicídio assistido, passarã o pelo processo de
dissonâ ncia cognitiva, violentados em seu íntimo, e acabarã o por
sofrer a mutaçã o de seus valores na racionalizaçã o que se seguirá ao
ato gerador de culpa ou remorso.

MUTAÇÃ O CIVILIZACIONAL
Muito mais que agredir a integridade de um grupo de pessoas, a
coaçã o para que os médicos executem seres humanos ou tomem
parte nessas execuçõ es fará uma verdadeira mutaçã o social, o que
poderá colocar em risco até mesmo a liberdade tã o prezada pela
sociedade secularizada no momento em que entrega nas mã os do
Estado, mesmo que a título de defender a liberdade, a possibilidade
de escravizar atitudes e valores de seus habitantes, dialeticamente
transformados em escravos. [51]
Bioeticistas do mundo inteiro fariam muito bem em lembrar de um
detalhe antes de entregar o comando de nossa consciência ao
Estado, comemorando com alegria a derrocada da religiã o no
Ocidente. Nã o foram as religiõ es as grandes má quinas de matar e
oprimir, mas sim, os governos, principalmente quando interferiram
na mente e no coraçã o de seus sú ditos. [52]
Nas portentosas — e desagradá veis para a maioria dos defensores
mais radicais e inconsequentes do Estado laico e antirreligioso —
palavras do filó sofo brasileiro Olavo de Carvalho, acaba-se por fazer
a “política do Anticristo sobre a Terra: investir o Estado de
autoridade espiritual, restaurar o culto de César, banir deste mundo
a liberdade interior que é o reino de Cristo”. [53]
A linguagem é religiosa, mas as consequências da ressurreiçã o de
César afetarã o a liberdade de todos, religiosos ou nã o.
 

9. Espantalhos, nazistas e coerência ética


Alguns seres humanos têm a capacidade de nos surpreender ao
tornarem em realidade as mais estapafú rdias hipó teses.
Explico melhor: no livro A morte da medicina eu joguei com a
hipó tese da perda da dignidade do feto e do bebê, e perguntei se nã o
houvesse um problema em matar um feto ou bebê por ele nã o ser
considerado pessoa, por que entã o haveria problema em vender
suas partes ou degustá -lo como fina iguaria? Confesso que foi um
gracejo na época, uma conductio ad absurdum de valor retó rico,
talvez.
E assisti surpreso a uma série de vídeos em que uma das maiores
empresas abortistas do mundo, a Planned Parenthood, fundada pela
excêntrica e grotesca eugenista americana Margareth Sanger,
negociava pedaços de bebês e fetos, até mesmo enquanto um
“espécime” ainda com o coraçã o batendo era dilacerado.
O que era hipó tese absurda e chocante virava realidade da noite
para o dia.
Mas quando acho que posso tomar fô lego, eis que um novo fato
surpreende. Em um dos melhores perió dicos médicos do mundo foi
publicado um comentá rio, no mínimo curioso, demonstrando certa
indignaçã o com a indignaçã o alheia — uma “metaindignaçã o”? —,
reclamando dos incoerentes defensores da dignidade da vida
humana. [54] Mas fico surpreso porque o artigo inteiro nada mais é
que uma série de proposiçõ es falaciosas a respeito de um grande
espantalho [55]
inventado pela autora Alta Charo, importante
bioeticista da Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos.
A autora começa reclamando sobre as grandes “vias de esperança” (
avenues of hope ) que poderã o ser destruídas pelo ativismo de
grupos politiqueiros. Segundo ela:
… essas vias de esperança [para pacientes atuais e futuros por causa da
pesquisa com tecido fetal] sã o ameaçadas [por meio do corte de verbas
federais para a Planned Parenthood] por uma luta política pura — uma
luta que, no caso, nã o vai afetar de forma alguma o nú mero de fetos
abortados ou trazidos a termo, objetivo alegado pelos ativistas
envolvidos.
Há vá rios erros no raciocínio exposto.
Declarar que tudo nã o passa de uma briga política é cometer um dos
grandes crimes filosó ficos dos quais se tem notícia: o reducionismo.
É , no mínimo, uma barbaridade reduzir à politicagem uma questã o
que toca no valor da vida humana, na dignidade da vida e nos limites
de definiçã o da açã o digna e correta ou errada. Significa ignorar, ou
insistir em nã o reconhecer, a existência de elementos políticos na
discussã o, mas que esta discussã o é algo muito mais sério, amplo e
profundo que a política, é uma questã o direta sobre a cosmovisã o de
toda uma naçã o, senã o de uma civilizaçã o. É uma questã o essencial
para a definiçã o de quem sã o afinal os americanos.
Alta Charo também parece melindrada com a mudança de
esperanças alheias por meio de grandes descobertas no futuro
hipotético. Mas, desde que Hans Jonas publicou sua obra chamando
a atençã o da comunidade mundial de bioeticistas sobre o princípio
da responsabilidade e do temor [56] — sendo acusado por muitos
incautos de conservador justo por nã o advogar o progresso
científico acima do bem do indivíduo concreto e real de nosso tempo
e das pró ximas geraçõ es —, analistas prudentes perceberam que
nenhuma esperança em algo hipotético e, portanto, opcional, pode
justificar uma falha ética no presente. Logo, nã o há razõ es para
melindres a respeito de expectativas futuras se houver razõ es para
melindres a respeito de falhas éticas graves no presente.
Verdade seja dita: o que mais existe quando o tema gira em torno de
células tronco embrioná rias é esperança e, por que nã o dizer, fé.
Dizer também que o nú mero de abortos nã o diminuirá por meio do
ativismo político e social de defensores da vida de fetos e bebês
também nã o é uma proposiçã o muito adequada. Precisa-se de um
pouco mais de cautela, pois em uma situaçã o relativamente nova no
conhecimento geral, pouco pesquisada e pouco analisada, nã o se
sabe se a disponibilizaçã o do mercado de pedaços de bebês e fetos
nã o geraria um grande aumento do nú mero de abortos. Da mesma
forma, nã o se pode afirmar que a proibiçã o da destinaçã o de verbas
federais a Planned Parenthood nã o geraria uma reduçã o no nú mero
de abortos. Quem sabe? Eu nã o sei, e creio com sinceridade que Alta
Charo também nã o pode afirmar saber, ou opta por ocultar o fato de
que a instituiçã o abortista pratica mais procedimentos abortivos
que a conscientizaçã o ou orientaçã o da populaçã o.
A seguir ela afirma:
Ao olhar de perto a ética da pesquisa fetal, no entanto, revela-se o dever
de utilizar esse precioso recurso [o feto] na esperança de encontrar
novas intervençõ es preventivas e terapêuticas contra doenças
devastadoras. Quase todas as pessoas neste país [EUA] se beneficiaram
da pesquisa com o tecido fetal. Todas as crianças poupadas dos riscos e
de sofrer com catapora, rubéola ou pó lio podem agradecer aos
ganhadores do Prêmio Nobel e a outros cientistas que usaram esses
tecidos na pesquisa produtora das vacinas que nos protegem.
Eis que o ser humano, de repente e previsivelmente, torna-se um
“recurso” precioso, por sinal. De fato, o nú mero de pessoas
beneficiadas pelo uso de tecido fetal é incontá vel em quase um
século de vacinas. Mas da utilizaçã o de tecido fetal para beneficiar o
pró ximo nã o se depreende a colheita desse por meio de açõ es de
ética questioná vel. Por que nã o colher apenas o tecido fetal
decorrente de situaçõ es eticamente inquestioná veis como as em que
ocorre o aborto espontâ neo ou traumá tico acidental? Por que nã o
investir em meios de pesquisa mais avançados para fazer proliferar
o tecido obtido por meios menos controversos e fornecer material
suficiente para pesquisas sem incorrer em questõ es existenciais que
podem comprometer os valores de todo um povo?
Ou por que nã o investir em novos tecidos e novas técnicas capazes
de evitar problemas éticos?
Acomodar-se aos problemas éticos para cobrar coerência e
continuidade em relaçã o a determinada linha controversa de
pesquisa e ridicularizar um dos lados da questã o nã o parece
consistir realmente no melhor caminho. Ademais, se eu também
quiser fazer o meu espantalho, posso afirmar que essa acomodaçã o
ética é algo bem reacioná rio dentro de um contexto progressista, se
é que vocês me entendem…
Há também a cobrança de coerência por parte dos defensores
enraivecidos da vida:
Os críticos apontam para os abortos subjacentes à questã o, assegurando
sua malignidade, e argumentam que a sociedade nã o deve apoiá -los ou
nem mesmo beneficiar-se de maneira indireta deles, ou acabará por
encorajar mais abortamentos ou fazer com que a sociedade seja
cú mplice do que enxergam como um ato imoral. Mas a maioria deles se
beneficia de vacinas e tratamentos derivados da pesquisa com tecido
fetal e sem dar a menor indicaçã o de que vã o abrir mã o dos benefícios
obtidos. Justiça e reciprocidade sugeririam que eles teriam o dever de
apoiar a pesquisa, ou ao menos nã o atrapalhar.
Alta Charo cobra um determinado tipo de coerência no mínimo
questioná vel. Exemplifico com uma analogia.
Suponhamos que a medicina nazista, utilizando judeus, prisioneiros
de guerra ou crianças com retardo mental, tenha produzido um
avançado medicamento no passado que salvou muitas vidas arianas
e nã o arianas até os dias de hoje. Utilizar essa medicaçã o e
reconhecer seu benefício nã o significa, de modo automá tico, assumir
o compromisso de prosseguir a pesquisa e a medicina nos moldes
nazistas, utilizando judeus, crianças deficientes ou prisioneiros de
forma cruel.
É muito mais coerente cobrar que, ao ser descoberta uma ameaça à
ética, a ameaça seja avaliada de imediato, e que as chances de
perpetuar um erro sejam suspensas até que se saiba melhor o
caminho a tomar. Parar com a “venda” de fetos ou suspender por
algum tempo o aporte de novos espécimes para a pesquisa nã o
implicará no fim imediato das pesquisas com os tecidos fetais já
colhidos, ou até mesmo na coleta de novos tecidos à medida em que
novos abortos espontâ neos ou sob condiçõ es mais seguras do ponto
de vista ético continuem acontecendo.
A autora prossegue menosprezando a perspectiva alheia e declara:
“… parece ó bvio que as necessidades dos pacientes de hoje e do
futuro superam o que só podem ser gestos simbó licos ou políticos
de preocupaçã o”.
Parece ó bvio, mas nã o é. Nesse esquema ló gico, uma premissa nã o
confere. Há uma falta de empatia mortal ao debate intelectual. O
pressuposto de que se está ao lado da verdade e do bem, e que o
outro é um hipó crita interesseiro ou um simpló rio, incapaz de
sentimentos genuínos e profundos nã o parece contribuir para o
ambiente respeitá vel de diá logo e compreensã o exigido pela
bioética.
Doutora Charo também observa uma ironia: “… reduzir o acesso à
contracepçã o [ao deixar de custear com verbas do governo a
Planned Parenthood, que também atua na distribuiçã o de
anticoncepcionais] é o caminho certo para aumentar o nú mero de
abortamentos”.
Mas antes de ser uma ironia há uma possibilidade em jogo. Pode
muito bem ser possível que outras organizaçõ es, sem os entraves
éticos da Planned Parenthood, tomem para si o papel de orientar a
contracepçã o. Pode ser que novos serviços surjam. Pode ser que o
nú mero de abortos até diminua. Afinal, quem faz o aborto e o
defende pode, de uma hora para outra, nã o estar lá . Nã o é possível
afirmar que tirar verbas federais da megaempresa abortista
aumentará de fato o nú mero de abortos. Isso seria brincar de prever
o futuro sem muita fundamentaçã o em exemplos histó ricos.
Por fim, o artigo é encerrado com um tom fortemente retó rico e
emocional, a fim de demonstrar a feiura moral dos discordantes:
“Esse ataque representa a traiçã o das pessoas cujas vidas poderiam
ser salvas pela pesquisa e a violaçã o do dever mais fundamental da
medicina e da política da saú de — o dever do cuidar”.
Se o ataque é uma traiçã o à s pessoas do futuro, porque a venda de
ó rgã os de fetos e bebês nã o seria uma traiçã o aos seres humanos do
presente? Se o dever fundamental da medicina e das políticas de
saú de é cuidar do pró ximo, onde está o cuidado para com as vidas
interrompidas, ou com sua dignidade?
A preocupaçã o da doutora Charo é plenamente compreensível e
respeitá vel sob a perspectiva progressista, naturalista, anticristã e
cientificista. O mínimo que se espera de alguém de sua importâ ncia
como figura pú blica, bioeticista e educadora, é o esforço genuíno
para compreender que a postura de quem ela chama traidores e
politiqueiros também é respeitá vel dentro de suas perspectivas, e
que criar espantalhos nesse ponto nã o ajudará em nada no debate
bioético de qualidade.

10. Agradando a gregos e romanos?


 
Nosso novo Código de Ética Médica [57] traz o rosto de uma curiosa
figura mitoló gica e permite uma série de interessantes aná lises
simbó licas. Lá nã o está Hipó crates, tampouco um médico anô nimo
de nossos tempos. Lá está o rosto de Jano, o deus romano de duas
faces.
Há algumas curiosidades acerca do antigo deus das duas faces. Ele é
exclusivo dos romanos [58] e representa a transiçã o, um rosto que
olha para o passado e outro para o futuro, como se preparasse a
mudança, o início de um novo tempo. [59] E, realmente, a proposta
ética para muitos é esta: mudar, ou quebrar, antigos paradigmas.
Para os romanos, principalmente os mais cultos, que reclamavam da
presença massiva da cultura grega entre eles, um deus pró prio
poderia até ser motivo de orgulho. Talvez tal sentimento de orgulho
com a mudança de padrõ es também possa despertar muitos
coraçõ es ainda hoje.
Nas redes sociais vemos exemplos interessantes da ideologia de
mudança e transiçã o compartilhada pelo Conselho Federal de
Medicina.
Um exemplo recente é o dizer abaixo:

“O Có digo representa a introduçã o da medicina brasileira no


século XXI. As regras ora delineadas confirmam no presente o
reconhecimento de que o mundo e o homem mudaram .” [60]
Reflito e chego à seguinte conclusã o: sim e nã o.
Há algo no ser humano que nã o muda, e é isso o que torna as
humanidades essencialmente diferentes da ciência moderna.
Se a tecnologia e nossas condiçõ es sociais estã o sempre mudando, e
requerem as constantes atualizaçõ es que se deram nas diversas
transiçõ es de épocas vividas pelo homem, o mesmo nã o se pode
dizer do cará ter do ser humano, pelo menos nos ú ltimos milênios.
O sofrimento, o medo da morte, a fragilidade, o anseio pela mã o
caridosa de um médico amigo, a confiança depositada em quem se
oferece para ajudar sã o experiências universais e presentes em
todos os períodos histó ricos da humanidade.
O mais correto talvez seja misturar Parmênides e Herá clito e
compreender que, se por um lado, todas as coisas mudam o tempo
todo, por outro lado, o ser humano ainda é o mesmo.
Vivemos diferentes conflitos em diferentes épocas, mas podemos
compreender a alegria e o sofrimento de nossos semelhantes em
todos os tempos por manter algo em comum, algo de universal em
relaçã o a eles.
Voltando à s posturas de mudança ética do Conselho Federal nos
ú ltimos anos, podemos destacar posiçõ es que de fato rompem de
todo com a herança grega e cristã da medicina ocidental. Propostas
de legalizaçã o do abortamento até a décima segunda semana e
adaptaçõ es do famigerado protocolo Groningen (de eutaná sia
infantil) já foram sugeridas pelo nosso ó rgã o má ximo de
representaçã o ética. [61]
As sugestõ es ainda nã o emplacaram, tampouco foram unâ nimes
entre os Conselhos Regionais, [62] mas deixaram claro que diversos
médicos enxergam novos tempos nos quais os valores mudaram e,
portanto, os homens e as sociedades também mudaram. Para eles,
talvez a boa medicina seja algo bem maleá vel e, em sua maior parte,
definida pela sociedade. [63]
Talvez muitos pensassem, nos tempos que nos precederam, que as
ideias pitagó ricas (precursora ideoló gica dos hipocrá ticos) e cristã s
de que toda vida humana era preciosa, digna e até mesmo sagrada
eram revolucioná rias, e de fato o foram e ainda o sã o.
Hoje muitos julgam ultrapassadas tais ideias que moldaram a
medicina hipocrá tica e cristã , e podem advogar, conscientemente ou
nã o, o retorno parcial aos tempos pré-cristã os em termos de
valorizaçã o da vida humana. A pressã o mundial para a relativizaçã o
do valor da vida humana, para a liberaçã o do abortamento, do
homicídio infantil [64]
e da eutaná sia de crianças e idosos é
monstruosa e massiva. [65]
Nã o ouso aprofundar ou abordar de maneira direta aqui a complexa
discussã o sobre o aborto ou a eutaná sia, mas me lembro de que se
alguém tem o direito de matar ou morrer, outra pessoa deverá ser
responsá vel por executar o ato terminal. E preocupo-me ao ver o
médico contemporâ neo como o responsá vel por encerrar vidas. [66]
Toda a discussã o sobre o quanto defendemos a vida pode parecer
muito abstrata para alguns, mas essas questõ es sã o cruciais para a
definiçã o de que tipo de civilizaçã o nó s queremos ser, e que tipo de
legado cultural e moral deixaremos aos que virã o.
Sei que ao escrever isso passo por reacioná rio para os muitos
empolgados com medidas tã o defendidas pela Organizaçã o Mundial
da Saú de e pelas organizaçõ es como a Planned Parenthood, [67] mas
o bom sabedor de histó ria antiga compreende que poucas coisas
foram tã o novas, revolucioná rias e assustadoras quanto a medicina
hipocrá tica ou o compromisso cristã o com o ser humano,
verdadeiros precursores dos direitos humanos.
Talvez Jano, se olhasse para nossos tempos de mudanças éticas
civilizacionais, questionasse como alguns hoje ainda desejam
regressar aos velhos há bitos espartanos, [68] deixando para trá s as
novidades pitagó ricas e judaico-cristã s. [69]
Como disse Salomã o em Eclesiastes: “Nada há de novo debaixo do
sol”. [70]
Concordem ou nã o, pessoalmente, eu prefiro a efígie do bom e velho
Hipó crates, respeitado até mesmo entre os cristã os da Idade Média,
ao rosto bifronte de Jano.
 

11. O grande desafio do médico


Li um comentá rio em uma rede social que despertou o interesse em
falar acerca de qual seria o maior desafio do médico.
“Nã o há desafio maior do que salvar vidas humanas”.
Antes de falar qual seria o maior desafio, seria bom começar a falar
quais sã o os desafios do médico.
A tríade da clínica nos impõ e três grandes desafios de cará ter geral.
O primeiro grande desafio geral é o diagnó stico. Investigar e
descobrir o problema, mapear terrenos.
O segundo grande desafio é o prognó stico. De posse do
conhecimento do problema do paciente, prever o risco, os possíveis
caminhos a seguir, os possíveis destinos a alcançar.
O terceiro grande desafio é a terapêutica. O tratamento pode ser
cirú rgico, farmacoló gico, para reabilitaçã o ou apenas para prover
algum conforto. Sem o mapeamento do terreno a caminhar e sem
saber o que esperar ao fim de cada caminho, como traçar um
percurso?
Esses três desafios gerais sã o complementares. Algumas vezes o
mais desafiador será o diagnó stico, e o tratamento simples poderá
poupar a vida. À s vezes o diagnó stico será facílimo, porém o
tratamento necessitará de grande perícia, ou muita coragem.
Mas toda a tríade da açã o médica visa um objetivo, uma finalidade: o
bem do paciente. Aí cabe uma série de desafios adicionais.
Qual o bem desejado pelo paciente? Qual o bem necessá rio
identificado pelo médico? Qual o maior bem possível a ser alcançado
na relaçã o médico-paciente?
Posso atender a um paciente que deseja novos ó culos e detectar um
dano ao nervo ó ptico compatível com o diagnó stico de glaucoma
primá rio de â ngulo aberto. A doença é silenciosa, e o paciente mal
sabia que a tinha. O paciente chegou pensando em um resultado:
enxergar melhor com novos ó culos. No meio da consulta ele
descobre outro problema e o objetivo alternativo: evitar a cegueira
no futuro hipotético. Qual o melhor resultado possível da situaçã o e
qual o maior desafio? E ainda estamos em um exemplo
relativamente bem simples, bem cotidiano.
O bem final a ser alcançado pode ser um entre muitos: salvar uma
vida, aliviar a dor, confortar alguém que sofre, oferecer sentido à
situaçã o de fragilidade e dú vida, informar conhecimentos e
promover a autonomia do paciente e de sua família etc.
O desafio e sua gradaçã o mudam de acordo com a situaçã o.
À s vezes o tratamento que salvará a vida é algo simples, corriqueiro,
como a simples injeçã o da tradicional penicilina benzatina que
salvará de uma infecçã o potencialmente letal. À s vezes salvar a vida
será um desafio extraordiná rio de ousadia, técnica, ciência e
compaixã o, como o grande desafio aceito por nobres cirurgiõ es
pediá tricos que decidiram lutar pela vida humana quando tantos
outros desistiram.
Um exemplo clá ssico pode ser visto no esforço de Rob de Jong,
crítico do Protocolo de Eutanásia Infantil conhecido como “Protocolo
Groningen”.
O “Protocolo Groningen”, da Holanda, advoga o extermínio da vida
do bebê em situaçõ es drá sticas, sem prognó stico e de grande
sofrimento irreversível. Joga-se a toalha. Em 2008 foram reportados
22 casos de aplicaçã o do Protocolo em crianças com espinha bífida.
[71]

Desistir sempre da vida humana seria tã o fá cil! Alguns resultados


garantem que tudo pode ser feito em acordo com os pais e a equipe
médica, sem gerar processos legais incô modos.
Mas aí o grande desafio é mesmo salvar a vida, inovar, batalhar. Rob
de Jong mostra o resultado de uma de suas batalhas: uma criança
operada e sorridente, aos 7 meses, interagindo, com o diagnó stico
que garantiria sua entrada no “Protocolo Groningen”, porém sem o
sofrimento insuportá vel ou o prognó stico irreversível descrito. [72]
Foto do artigo de Rob de Jong, Internet,
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2092440/
 
Quantas vezes um médico ou um cientista nã o se deparou com o que
parecia um beco sem saída? Quantas vezes o impossível nã o se
tornou possível e hoje parece algo garantido?
Lembro-me da histó ria do doutor Ben Carson, neurocirurgiã o
pediá trico que, pela primeira vez, separou com sucesso dois gêmeos
siameses unidos pela regiã o occipital do crâ nio. Da mesma forma
que ele venceu um desafio pela primeira vez, alguém pela primeira
vez realizou um transplante de rim, operou um coraçã o, usou com
sucesso um antibió tico etc.
Sim, salvar a vida é um grande desafio em diversas oportunidades.
Mas há oportunidades em que a grande novidade, a grande
descoberta, a revoluçã o no tratamento nã o ocorre. Nesses casos a
vida nã o poderá ser salva. O grande desafio será aliviar ou confortar,
e esses atos sã o deveres primá rios de qualquer médico.
Esqueça-se do conselho amargo de alguns desiludidos ou menos
otimistas que afirmam nada fazer o médico, que sua funçã o nã o é
salvar vidas. O médico faz muita coisa, e se for um bom médico, de
boa formaçã o humanística e científica, fará ainda mais. O médico
salva diversas vidas, sim! Isso pode até nã o ser um grande desafio
na maioria das vezes, mas é maravilhoso e recompensador.
 

12. Em busca do médico filósofo


Escutei que “humanizar” a medicina era um desafio, pois deveria ser
oferecida aos médicos a formaçã o filosó fica adequada.
Vou aos termos primeiro.
Humanizar parece-me pretensioso, porém utilizo o termo com a
consciência de que o faço para tornar-me comunicá vel.
Termos mais adequados seriam qualificar, tornar abrangente ou
completar a medicina previamente enviesada com o cientificismo
iluminista e otimista do fim do século XIX.
Tolerante, utilizo o termo humanizar, sabendo que se deve à
referência teó rica ao estudo conhecido como humanidades, isto é, ao
estudo que busca a capacitaçã o do ser humano como ator e eficaz
analisador da sociedade.
Formaçã o filosó fica é outra expressã o problemá tica. Poucos até
mesmo conseguem definir filosofia. [73] Como definir a formaçã o
filosó fica? E que tipo de filosofia? Racionalista, existencialista,
fenomenoló gica, analítica? E dessas vertentes, qual estilo?
Fenomenoló gico husserliano? Realismo radical zubiriano?
Intuicionismo radical de Olavo de Carvalho?
Outro problema: há filó sofos suficientes? Aliá s, há filósofos médicos a
ponto de nutrir nossa hipotética esperança de que ensinem filosofia
os jovens médicos? E, por que nã o ensiná -la também a médicos já
experientes?
Que nã o se enganem, há reflexõ es filosó ficas dignas presentes em
nossa cultura, apesar das tentativas do governo atual em destruir
tudo o que resta de bom neste país sofrido; mas o Brasil carece de
esforços contínuos, rigorosos e vigorosos vindos de um grupo de
médicos interessados.
Nã o há em nosso país uma elite viva, formada por elementos como
Diego Gracia, Edmund Pellegrino, Pedro Laín Entralgo, Thomas
Percival, William Osler, Carlos Alberto da Costa Nunes, José
Ingenieros, Gregó rio Marañ ó n etc. Nosso céu ainda precisa de
muitas estrelas para montar a plêiade.
E, ao falar de bioética, há que se falar antes da só lida formaçã o
humanística, sob o risco de discutir bioética e ética médica apenas
em bases frá geis e mó veis, escorregadias. E falar em formaçã o
humanística significa falar em treinar a mente e o coraçã o. Fora o
currículo oculto, onde se treina — ou destreina — essa dupla?
Se nos falta a plêiade de médicos filó sofos, sobra-nos o amplo e
expressivo grêmio de bacharéis ideó logos e manipuladores, que
enxergam em cada cadeira de departamento universitá rio um foco
potencial de militâ ncia política e manipulaçã o revolucioná ria da
juventude incauta.
Reproduzo um entre muitos comentá rios que dá voz a muitos
formandos de medicina do Brasil:
Esse negó cio de reescrever o currículo parece uma tara de
comunista. Na medicina também sofremos. Na faculdade em que
me formei, reformularam o currículo em 1994 (X é uma cidade
muito famosa pelo seu socialismo de boutique) tentando ter uma
formaçã o mais humanista. O resultado prá tico: horrível, alunos
precisam cada vez mais de cursinhos pré-residência para aprender
e têm pouca experiência clínica. Resultado político: formam
centenas de militantes políticos.
Nã o acredito ser possível, por decreto governamental — ainda mais
vindo da nossa elite política amante das nulidades — estabelecer o
ensino de humanidades. Ninguém pode dar ou obrigar a dar o que
nã o é, nunca foi e que, pelo andar da carruagem, jamais será !
Um grupo de médicos e professores idealistas [74] faz-se necessá rio.
Médicos dedicados e capazes de abrir mã o do conforto e de uma boa
dose de lucro, pelo menos de forma temporá ria, e que busquem com
afinco e sinceridade a filosofia em acordo com o projeto socrá tico
como estilo de vida. [75] E, apó s décadas, esse grupo terá condiçõ es
de oferecer algo melhor que alcance mais pessoas. Qualquer coisa
maior que isso cheira a pura demagogia barata.
Nã o precisa ser um grupo, melhor ainda se fossem vá rios, com
diferentes aportes, diferentes contribuiçõ es. É claro, também, que
existem diversos filó sofos médicos por aí, crescendo como plantas
resilientes em meio ao cimento. Mas para alcançarmos a cultura
filosó fica médica, o alvo está muito além de nossas possibilidades
atuais. Uma verdadeira rede de interaçõ es deveria ser construída
unindo focos de estudo e pesquisa.
A filosofia nã o é um simples título de bacharelado como a medicina
também nã o o é. Filosofia é vocaçã o de uma vida inteira, de décadas
de estudo e aprofundamento coroados pelo esforço pedagó gico.
Misturar medicina e filosofia é uma ambiçã o nobilíssima, porém
beira à utopia. É coisa grande!
Falsos médicos e falsos filó sofos (filodoxos e sofistas) sempre
existiram. A literatura hipocrá tica já denunciava a existência desses
figurantes:
A medicina é a mais nobre de todas as artes, mas no presente está
muito abaixo de outras artes dada a ignorâ ncia de seus praticantes
e dos que os julgam de forma leviana. Parece-me que seu erro é
derivado principalmente do fato de nã o haver puniçã o nas cidades
ligada à prá tica da medicina — exceto a desgraça, e isso nã o fere
os acostumados com tal estado de coisas. Essas pessoas sã o como
figurantes nas tragédias, pois têm forma, se vestem e se parecem
com atores, mas nã o sã o atores, também sã o muitos os médicos
em título, porém poucos o sã o em realidade. [76]
Antes de cobrar das pessoas incapazes que lotam as cadeiras
ministeriais e suas parvas e numerosas assessorias —
estupidificadas pela atitude de bajulaçã o dos poderosos —, por que
nã o compramos uns bons quinhentos livros de clá ssicos da
literatura e da filosofia cada um e dedicamos uns dez anos de estudo
para nos qualificarmos?
Nã o espere um professor má gico que cairá do céu por força de um
papel carimbado por analfabetos funcionais do governo brasileiro.
Canso de ouvir pessoas com planos maravilhosos para o pró ximo.
Utopia nas costas do pró ximo é fá cil. Cada um faça sua parte. Mã os à
obra!

13. Bioética das “elites”


A bioética surgiu em momentos de pretenso levante popular.
Fomentados pela ideologia trazida pela famigerada Escola de
Frankfurt, os jovens das décadas de 1960 e 1970 do século XX se
ergueram contra as convençõ es, contra as tradiçõ es e contra o
elitismo. Nesse contexto surgiu a bioética, justificada pelo anseio de
democratizar o debate sobre a saú de, entre tantos outros.
Na raiz da bioética está o desejo saudá vel de transdisciplinaridade.
Acredito que os melhores bioeticistas anseiam de fato o contato
diversificado com outras mentes e coraçõ es apaixonados pela vida
humana.
E, em sentido teó rico, deveríamos manter um debate de amplo
acesso, diferente do debate enclausurado, elitista e opressor dos
médicos, trancafiados em suas torres de marfim com seus có digos
desatualizados e seu Juramento antiquado e ineficaz para nos
proteger de abusos horrendos.
Ou pelo menos assim reza a lenda na academia.
O livro bá sico de bioética mais lido no mundo inteiro começa
anunciando plá cida e inexoravelmente a derrota da moralidade
hipocrá tica da medicina e a necessidade incontorná vel da adoçã o da
bioética. É o famigerado “mantra” de Georgetown.
Nã o é certo afirmar a inadequaçã o de uma ética profissional por nã o
representar a sociedade. Médicos, enfermeiros, psicó logos e
fisioterapeutas, entre tantos outros, sã o membros da sociedade, e
representam-na, acreditados como profissionais, em seus grêmios.
Mas ao mesmo tempo, deve-se buscar a harmonia saudá vel entre os
valores gerais da sociedade e os valores específicos de seus
habitantes. É , no mínimo, suspeito ser instaurada a medicina
abortista em um país cristã o maciçamente contra o aborto, como
está para acontecer no Brasil.
De certa forma o debate democratizou, mas talvez nã o da forma que
os mais otimistas esperavam.
É inegá vel que hoje profissionais de diversos ramos discutem
assuntos arcanos antes dominado apenas por médicos e
enfermeiros. No entanto, os assuntos ainda sã o arcanos, só que
outros magos se valem deles do interior de suas torres que
permanecem de marfim (ou do mais tenebroso basalto).
Alguns filó sofos buscam levar ao grande pú blico suas reflexõ es.
Outros parecem repudiar o contato com a “plebe” repleta do que a
Organizaçã o das Naçõ es Unidas, por meio da UNESCO, chama
preconceitos familiares, isto é, religiã o e tradiçõ es familiares. [77]
Descobri que a bioética nã o era tã o aberta quanto desejava há algum
tempo, quando encontrei o artigo que defendia o “aborto pó s-
nascimento”.
Isso ocorreu de modo quase aleató rio, ao passear pelo conteú do de
Journal of Medical Ethics [ Revista de Ética Médica ]. O artigo foi
levado ao Seminá rio de Filosofia Aplicada à Medicina para discussã o
com os alunos e a reaçã o foi quase unâ nime. A maioria ficou chocada
ao saber como algo tã o monstruoso foi discutido de forma tã o
corriqueira, tã o vã , no meio acadêmico especializado da bioética.
A reaçã o na mídia também veio. Pessoas liam horrorizadas o que
respeitá veis senhores e senhoras discutiam a partir de suas
cá tedras, com palavras elegantes e conceitos rigorosos. Era uma
obscenidade, mas era uma obscenidade respeitá vel, entendam bem.
Editores e pesquisadores reclamaram da violência verbal utilizada
por quem leu o artigo e respondeu horrorizado à proposta ali
contida.
Eram os terríveis reacioná rios incultos — repletos de terríveis
preconceitos — que se erguiam escandalizados para censurar o
debate iluminado dos acadêmicos.
De um lado há o choque à sensibilidade moral de milhares de
pessoas que mal podiam acreditar no que se propagava em um
respeitado perió dico de ética médica e lançavam acusaçõ es verbais
muito agressivas; do outro se encontra a elegante e estudada elite
universitá ria que propõ e, com termos elegantes e chiques — é tudo
ló gica, afinal — o extermínio de vidas humanas ao lhes negar a
condiçã o de pessoa digna.
E isso chamou minha atençã o.
Vive-se uma guerra cultural, isso nã o é novidade.
O curioso, no entanto, é que de um lado está a elite política,
empresarial e midiá tica com suas tropas de choque: artistas,
repó rteres e cantores. Também desse lado está boa parte da elite
universitá ria mundial. Uma privilegiada minoria, sem dú vida. Seus
valores, de regra, sã o justamente o contrá rio do que o povo defende.
O povo é contra o aborto? Reú na atores e cantores para convencer a
turba acéfala — ou assim as pessoas devem achar ao querer
manipular a massa de forma tã o tosca: matar fetos e bebês é a coisa
mais linda e progressista do universo.
O povo é religioso? Contrate milhares de professores para ensiná -los
que esse negó cio de religiã o é coisa do capeta ou, na melhor das
hipó teses, é só uma superstiçã o boba de gente burra.
O povo gosta da vida pacífica, ordeira e segura? Convença-os de que
isso é coisa de burguês acomodado, e que o bom mesmo é exaltar a
marginalidade, como Herbert Marcuse já anunciava nos primó rdios
da Escola de Frankfurt.
A elite progressista e seus aliados complacentes, interessados
mesmo é na grana dos pagadores de impostos, estã o aí para ensinar
os jovens a se rebelarem contra a família, enquanto os domesticam e
os preparam a entregar toda a sua moral e sua cosmovisã o aos
iluminados que nunca os viram, ou se os viram, pouco se importam
com seu destino.
A bioética nesse contexto de elite praticante da engenharia social,
tocando ao som dos conselhos maquiavélicos de Gramsci, é mais
uma arma contra o povo que um canal pelo qual a voz do povo pode
se manifestar.
Se determinada escola de bioética convence as pessoas de seus
interesses, certas mudanças sociais, a bioética é boa, excelente e
maravilhosa. Se nã o, o povo é retró grado e precisa de mais doses de
bioética, intratecais, quem sabe?
Eis o que defendo: o povo deve ter acesso à ética médica e à bioética,
e estas devem respeitar os valores do povo que as mantém, em vez
de ansiar pela tosca engenharia social.
E cabe lembrar, aqui no fim, que há muitas bioéticas, e vá rias
respeitam os valores dos brasileiros. O que nã o suporto é a bioética
ideoló gica da torre de marfim, que ao chocar o cidadã o comum com
seu sangrento pensamento de vanguarda, ataca a moralidade
comum com a pose de iluminada ditadora de parâ metros
civilizacionais e guia confiá vel do povo. É a relativizaçã o da
moralidade alheia mediante a absolutizaçã o da pró pria moralidade,
disfarçada com trejeitos céticos e relativistas.
A bioética só servirá para algo se existir para servir ao bem maior.
Nada mais, nada menos.
 

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[1]
T ANQUEREY, Adolphe, La Divinización del Sufrimiento (Madrid: Rialp, 1960).
[2]
Como preconiza o filó sofo Hans Jonas no livro O princípio responsabilidade
(Sã o Paulo: Contraponto Editora, 2006).
[3]
Artigo publicado originariamente no portal Mídia Sem Máscara
(22 mai. 2014) e reproduzido aqui com algumas alteraçõ es. Disponível em:
http://www.midiasemmascara.org/artigos/cultura/15208-2014-05-22-21-
49-39.html
[4]
GIUBILINI, A.; MINERVA, F. “After-birth abortion: why should the Baby live?”.
Journal of Medical Ethics, vol. 39, 2013, p. 261-3.
[5]
VATTIMO, G. Nihilism and Emancipation . New York: Columbia University
Press, 2004; S AVULESCU , J. “Conscientious Objection in Medicine”. Brittish
Medical Journal , vol. 332, 2006, p. 294-7.
[6]
PENITENTE , Leonardo Serafini. “Aspectos jurídicos, sociais e éticos do
aborto”. Mirabilia Medicinae , vol. 1, 2013, p. 13-24; PENITENTE, Leonardo
Serafini et. al . “Debate sobre o abortamento voluntá rio”. Mirabilia Medicinae,
vol. 1, 2013, p. 25-39.
[7]
Países que nasceram com a junçã o da filosofia grega, do direito romano e
da religiã o judaica sob a ascensã o do cristianismo.
[8]
Sã o Paulo: Companhia das Letras, 2003.
[9]
Campinas: Vide Editorial, 2012.
[10]
JURKEWICZ , R. S. “A escolha sobre o corpo”. Le Monde Diplomatique
(3 fev. 2010). Disponível em: http://www.diplomatique.org.br/artiho.php?
id=619.
[11]
BRASSINGTON , Iain. “An Open Letter from Giubilini and Minerva”. Journal of
Medical Ethics Blog , 2 mar. 2012.
[12]
AZEVEDO , Reinaldo. “Em vez de uma escola brasileira à altura de Machado,
um ‘Machado’ à baixura da escola brasileira”. Disponível em:
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/em-vez-de-uma-escola-
brasileira-a-altura-de-machado-um-machado-a-baixura-da-escola-brasileira/.

[13]
RIBEIRO Jr., W. A. Juramento de Hipócrates . Modelo 19, Araraquara, v. 4,
n. 9, p. 69-72, 1999. Disponível em:
http://warj.med.br/pub/pdf/juramento.pdf.
[14]
CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO DISTRITO FEDERAL . CÓDIGO DE ÉTICA DO
ESTUDANTE DE MEDICINA . 3. ED. BRASÍLIA, DF, 2004.
[15]
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA . Circular CFM N° 46/2013. Brasília, DF:
Conselho Federal de Medicina , 2013 . Disponível em:
http://waldircardoso.files.wordpress.com/2013/03/ofc3adcio-circular-cfm-
46-2013.pdf .
[16]
PEREIRA , Sandra Helena. Posiçã o do Conselho Regional de Medicina do
Espírito Santo (CRM-ES) e do Conselho Federal de Medicina (CFM) sobre o
abortamento voluntá rio . Mirabilia Medicinae , 2013, vol. 1, p. 7-12.
[17]
MINISTÉ RIO DAS RELAÇÕ ES EXTERIORES . Convenção Americana Sobre Direitos
Humanos . Em vigor no Brasil desde 1992, conforme o Decreto 678, de
6 nov. 1992. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm .
[18]
MENDES , Priscilla. “Mais uma obra de Monteiro Lobato é questionada por
suposto racismo”. Disponível em:
http://g1.globo.com/educacao/noticia/2012/09/mais-uma-obra-de-
monteiro-lobato-e-questionada-por-suposto-racismo.html.
[19]
Indico as seguintes obras para começar a entender o perigo que uma
alteraçã o de ideias pode representar: WEAVER , Richard. Ideias têm
consequências (Sã o Paulo: Vide Editorial, 2012) e JONAS , Hans. O princípio da
responsabilidade (Rio de Janeiro: Editora PUC Rio, 2011).
[20]
Para compreender melhor o que é ser médico no contexto histó rico e
filosó fico, e como a benevolência e a busca pela excelência atuam no contexto
de amizade com o paciente para estabelecer a relaçã o médico-paciente de
forma adequada, sugiro a leitura das obras de GRACIA GUILLÉ N, Diego (
Fundamentos de Bioética . Madrid: Editorial Triacastela, 2011) e PELLEGRINO ,
Edmund ( The Philosophy of Medicine Reborn : A Pellegrino Reader. Notre
Dame: University of Notre Dame Press, 2011).
[21]
Campinas: Vide Editorial, 2014.
[22]
Como se pode ver em: JURKEWICZ , Regina. “A escolha sobre o corpo”. Le
Monde Diplomatique Brasil , 2010. Disponível em:
http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=619.
[23]
Os “princípios da bioética”, segundo a obra clá ssica Princípios de ética
biomédica , sã o: beneficência, nã o maleficência, autonomia e justiça. Cf.
BEAUCHAMP , Tom; CHILDRESS James. Princípios da Ética Biomédica (Sã o Paulo:
Ediçõ es Loyola, 2002).
[24]
Sã o Paulo: Companhia das Letras, 2009.
[25]
Uma clara alusã o de George Orwell à prá tica soviética de destruir a
reputaçã o de seus inimigos e utilizá -los para capitalizar o ó dio das massas.
Semelhanças com o Partido dos Trabalhadores nã o sã o mera coincidência.
Recomendo a leitura de: TUMA JÚ NIOR , Romeu. Assassinato de reputações: um
crime de Estado (Rio de Janeiro: Topbooks, 2013).
[26]
GIRARD , René. O bode expiatório (Sã o Paulo: Editora Paulus, 2004).
[27]
Cf. MORGENSTERN , Flá vio. Por trás da máscara. Do passe livre aos black
blocs, as manifestaçõ es que tomaram as ruas do Brasil (Sã o Paulo: Record,
2015).
[28]
ANGOTTI NETO , Hélio. “Políticas de interiorizaçã o do médico brasileiro”.
Ibérica – Revista Interdisciplinar de Estudos Ibéricos e Ibero-Americanos.
Vol. VII, Nº 21, 2013, p. 40-56. Disponível em:
http://www.sophiaweb.net/repositorio/iberica/iberica21/interiorizacao-
medico-angotti.pdf; acesso em: 28 dez. 2014.
[29]
Alguns locais em que a propaganda de ó dio do governo é destilada podem
ser vistos nos seguintes locais: SUS sem racismo: organizaçã o governamental
no Facebook. Disponível em: https://www.facebook.com/SUSnasRedes. Blog
da Saúde — Ministério da Saú de. Disponível em:
http://www.blog.saude.gov.br/index.php/34777-campanha-mobiliza-a-
populacao-contra-o-racismo-no-sus. Portal da Saúde — Ministério da Saú de.
Disponível em:
http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/secretaria
s/sgep/doges-departamento-de-ouvidoria-geral-do-sus/ouvidoria-g-sus/
noticias-ouvidoria-geral-do-sus/15854-campanha-mobiliza-a-populacao-
contra-o-racismo-no-sus.
[30]
CARDOSO , Francisco. “SUS sem fascismo — Governo utiliza tá tica nazista de
pegar dados desfavorá veis a ele e jogar a culpa em um grupo populacional
através da deturpaçã o de estatísticas”. Disponível em:
http://www.perito.med.br/2014/12/sus-sem-fascismo-governo-utiliza-
tatica.html. BRASIL , Felipe Moura. “Campanha do SUS atribui a ‘racismo’
mortes por doença genética predominante em negros. Médicos reagem”.
Disponível em:
http://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil/2014/12/25/campanha-
do-sus-atribui-a-racismo-mortes-por-doenca-genetica-predominante-em-
negros-medicos-reagem/.
[31]
FELIX , A. A.; S OUZA , H. M.; RIBEIRO , S. B. F. “Aspectos epidemioló gicos e
sociais da doença falciforme”. Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia
, 32(3), 2010, p. 203-8.
[32]
Sugiro consultar a excelente obra comentada pelo filó sofo Olavo de
Carvalho: SCHOPENHAUER , Arthur. Como vencer um debate sem precisar ter
razão, em 38 estratagemas (dialética erística). Introduçã o, Notas e
Comentá rios de Olavo de Carvalho (Rio de Janeiro: Topbooks, 2003).
[33]
Uma irô nica conclusã o, que remete ao há bito governista de sempre gabar-
se com a expressã o “nunca antes neste país…”. Poder-se-ia igualmente tecer o
seguinte comentá rio: Nunca antes neste país houve tanta corrupçã o, tanta
impunidade e tanta ausência de vergonha.
[34]
DALRYMPLE , Theodore. A vida na sarjeta (Sã o Paulo: É Realizaçõ es, 2014).
[35]
PLATO [ Platã o ] . Republic , Volume I: Books 1-5. Ediçã o e traduçã o de
Christopher Emlyn-Jones, William Preddy. Loeb Classical Library 237.
Cambridge, MA: Harvard University Press, 2013, p. 22-3.
[36]
Disponível em: http://www.otempo.com.br/opini%C3%A3o/leonardo-
boff/recado-para-o-pt-s%C3%A3o-poss%C3%ADveis-a-autocorre
%C3%A7%C3%A3o-e-o-recome%C3%A7o-1.1046783.
[37]
Como se viu na série de pavorosos vídeos gravados pelo “The Center for
Medical Progress”, em que funcioná rios de diversos escalõ es da organizaçã o
abortista internacional Planned Parenthood negocia pedaços de fetos e bebês
abortados. Considerando-se as raízes eugenistas da organizaçã o em sua
fundadora Margareth Sanger, nã o é de estranhar a conduta desumana dos
atuais moedores de carne humana. Disponível em:
http://www.centerformedicalprogress.org/.
[38]
Algumas questõ es ainda permanecem controversas, abrindo margem do
texto revisado da Declaração de Helsinki para atitudes antiéticas na pesquisa
com seres humanos.
[39]
Ezequiel 32.17-32.
[40]
Romanos 2.14-16.
[41]
Sobre a grande virada civilizacional em que o centro ordenador da
sociedade passa a ser o espírito humano e nã o o cosmo, pode-se consultar a
obra de Eric Voegelin: Ordem e história , em cinco volumes. Mais que
reafirmar a ordem natural vista no cosmo, as sociedades humanas desde os
judeus antigos e os gregos filó sofos, passaram a enxergar a fonte de
ordenamento na alma do pró prio ser humano, o ponto de contato entre o que
era divino e o que era natural.
[42]
PLATÃ O . Apologia de Sócrates (Pará : Editora da Universidade Federal do
Pará , 2015).
[43]
Mateus 22.21.
[44]
Quando digo equilíbrio, nã o equiparo de forma alguma um poder ao outro,
mas infiro haver uma dose adequada para cada um, uma funçã o pró pria
devida a cada parte que pode ser desvirtuada e aí sim gerar desequilíbrio.
[45]
Sobre as estatísticas de quantas vidas humanas foram sacrificadas no altar
dos governos modernos e contemporâ neos, sugiro a consulta do trabalho de
Rudolph Joseph Rummel, da Universidade do Havaí. Disponível em:
https://www.hawaii.edu/powerkills/.
[46]
Tais técnicas podem ser vistas em parte nos livros de BERNARDIN , Pascal:  
Maquiavel pedagogo (Campinas: Vide Editorial, 2013) e MEERLOO , Joost:
Lavagem cerebral — menticídio: o rapto do espírito (Rio de Janeiro: Ibrasa,
1980).
[47]
Bioethics . Volume 29, Number 5, 2015, p. ii-iii.
[48]
KIRKEY , S. “Unacceptable to force doctors to participate in assisted dying
against their conscience”: CMA. National Post  2015 March 5. Disponível em:
http://news.nationalpost.com/news/canada/unacceptable-to-force-doctors-
to-participate-in-assisted-dying-against-their-conscience-cma-head.
[49]
Recurso dialético que leva a hipó tese à s ú ltimas consequências, neste caso
utilizado de forma indevida.
[50]
SCHÜ KLENK , Udo. Op. cit. , p. ii-iii.
[51]
Sobre consequências tardias dessas medidas na sociedade, o livro de
Braden R. Allenby e Daniel Sarewitz, The Techno-Human Condition (The MIT
Press, 2013), apresenta uma interessante reflexã o, que também pode ser
aplicada a alteraçõ es de conduta como foi aplicada ao desenvolvimento
tecnoló gico. Esperam-se consequências de curto prazo de cada mudança na
sociedade — normalmente previstas —, consequências de médio prazo — em
geral sob a forma de profundas alteraçõ es na economia e nas relaçõ es
imediatas entre as pessoas —, e consequências de longo prazo — de cará ter
civilizacional e cultural — quase completamente imprevisíveis. 
[52]
Remeto novamente o leitor à pesquisa indispensá vel de Rudolph Joseph
Rummel, da Universidade do Havaí. Disponível em:
https://www.hawaii.edu/powerkills/.
[53]
O jardim das aflições , p. 231.
[54]
CHARO , Alta. “Fetal Tissue Fallout”. New England Journal of Medicine ,
373(10), September 3, 2015, p. 890-1.
[55]
Evocar um espantalho em uma discussã o, debate ou argumentaçã o
equivale a criar uma versã o estereotipada do “adversá rio” e passar a atacar a
pró pria criaçã o em lugar de lidar com a pessoa real.
[56]
Princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilizaçã o
tecnoló gica (Rio de Janeiro: Editora Contraponto, 2006).
[57]
Cf. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA . Código de Ética Médica . Resoluçã o CFM
Nº1931/2009. Disponível em:
http://www.portalmedico.org.br/novocodigo/integra.asp.
[58]
Ao contrá rio de outros deuses como Zeus, com representaçã o alternativa
em outra cultura sob a forma de Jú piter.
[59]
“Why then is it said that the beginnings of things belong to him”. Cur ergo
ad eum dicuntur rerum initia pertinere. Cf. AUGUSTINE [ Agostinho ] . City of
God . Volume II: Books 4-7. Traduçã o de William M. Green. Loeb Classical
Library 412. Cambridge: Harvard University Press, 1963, p. 398-9.
[60]
Grifos do autor.
[61]
Assunto já abordado pelo Academia Médica em:
http://academiamedica.com.br/discussao-descriminalizacao-do-aborto-ate-a-
12o-semana-de-gestacao/. O Conselho Federal de Medicina expõ e sua
justificativa em: http://portal.cfm.org.br/index.php?
option=com_content&view=article&id=23663:cfm-esclarece-posicao-a-favor-
da-autonomia-da-mulher-no-caso-de-interrupcao-da-gestacao&catid=3. E a
postura é criticada pelo jornalista Reinaldo Azevedo em:
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/cultura-da-morte-maioria-do-
conselho-federal-de-medicina-apoia-descriminacao-do-aborto-ate-12a-
semana-de-gestacao-assim-tambem-ela-acha-a-exemplo-de-certa-comissao-
que-feto-de-gente-e-in/.
[62]
Como debatido no I Seminá rio UNESC de Humanidades Médicas, em 2013.
Cf. ANGOTTI NETO , Hélio (org.) ( Mirabilia Medicinae  1, I UNESC Seminar of
Medical Humanities, 2015).
[63]
PELLEGRINO , Edmund D. “Philosophy of Medicine: Should It Be
Teleologically or Socially Constructed?” ( Kennedy Institute of Ethics Journal ,
Volume 11, Number 2, June 2001), p. 169-80.
[64]
Como descrito no livro A morte da medicina , lançado pela Vide Editorial.
[65]
ROCCELLA , Eugenia; SCARAFFIA , Lucetta. Contra o cristianismo : a ONU e a
Uniã o Europeia como nova ideologia (Sã o Paulo: Ecclesiae, 2014).
[66]
Preocupaçã o antiga, descrita no livro publicado no final da década de
1970. Cf. KOOP , C. Everett; SCHAEFFER , Francis A. Whatever Happened to the
Human Race (Wheaton, Illinois: Crossway, 1983).
[67]
Recentemente exposta em um escâ ndalo relacionado à venda de partes
fetais obtidas em abortamentos. Cf. CENTER FOR MEDICAL PROGRESS . “The
Human Capital Project”. Disponível em:
http://www.centerformedicalprogress.org/; acesso em: 3 jan. 2016.
[68]
Conhecidos por seus há bitos de homicídio infantil e eutaná sia,
arremessando do penhasco crianças e velhos frá geis.
[69]
Sobre a evoluçã o da É tica Médica, sugiro consultar a obra de Albert
Jonsen: A Short History of Medical Ethics (New York: Oxford University Press,
2008). Sobre os laços entre o hipocratismo e a Escola Pitagó rica, sugiro a
leitura de Ludwig Edelstein: Ancient Medicine: Selected Papers of Ludwig
Edelstein (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1987).
[70]
Eclesiastes 1.9: “O que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se
fará ; de modo que nada há de novo debaixo do sol”.
[71]
VERHAGEN , A. A., S OL , J. J., B ROUWER , O. F., S AUER , P. J. “Deliberate
termination of life in newborns in The Netherlands; review of all 22 reported
cases between 1997 and 2004”. Nederlands Tijdschrift voor Geneeskunde .
2005 Jan 22; 149(4):183-8.
[72]
“Deliberate termination of Life of Newborns with Spina Bifida, a Critical
Reappraisal”. Child’s Nervous System . 2008 Jan; 24(1): 13-28.
[73]
Recomendo a leitura de: A filosofia e seu inverso (Campinas: Vide Editorial,
2012), de Olavo de Carvalho.
[74]
Com o termo idealistas, peço que nã o entendam ideó logos socialistas. Esse
tipo de idealismo que carrega nas mã os sujas de sangue mais de uma centena
de milhõ es de vidas em tempos de paz internacional nã o merece o termo
atribuído a si. COURTOUIS , Stephane; et. al . O livro negro do comunismo :
crimes, terror e repressã o (Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999). Disponível
em: http://www.mises.org.br/files/literature/O%20LIVRO%20NEGRO
%20DO%20COMUNISMO%20-%20Crimes%20Terror%20E%20Repress
%C3%A3o.pdf
[75]
Cf. CARVALHO , Olavo de. Coleção história essencial da filosofia (aula 02): o
projeto socrá tico (Sã o Paulo: É Realizaçõ es, 2002).
[76]
HIPPOCRATES [ Hipócrates ] . Prognostic. Regimen in Acute Diseases. The
Sacred Disease. The Art. Breaths. Law. Decorum. Physician (Chap. I). Dentition
(Volume II Tradução de JONES , W. H. S. Cambridge: Loeb Classical Library,
1923).
[77]
Denunciado por Pascal Bernardin: Maquiavel pedagogo (Campinas: Vide
Editorial, 2013).

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