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Resumo
Este estudo parte do conceito de circularidade dos modelos pedagógicos para analisar uma
proposta inédita de abertura de creche, nos moldes froebelianos, realizada por um grupo de
abolicionistas da cidade de Niterói na década de 1880. Contesta a ideia de que até o século
XX não possuíamos experiências educativas nacionais adaptadas a nossa realidade. Partimos
de um referencial da História Cultural que percebe uma circularidade cultural entre países que
estabelecem trocas, colocando novas práticas que não podem ser reconhecidas simplesmente
como imposições verticais, ou de países hegemônicos sobre países periféricos. Durante o
século XIX, a partir de Pestalozzi, o método intuitivo foi sendo implantado na Europa. Um de
seus seguidores, Froebel, desenvolveu uma metodologia e materiais específicos para crianças
pequenas num novo tipo de instituição que criou na Alemanha, em 1837, o Kindergartem.
Com a inclusão das mulheres no mercado de trabalho essas instituições tiveram excelente
aceitação por tornarem-se locais adequados para cuidar e educar crianças. Na França,
Madame Pape Carpentier na década de 1870, cria a primeira instituição nesses moldes. Na
escola Normal de Niterói, no mesmo período, aprendia-se a trabalhar com o método de “lição
de coisas” que ficaria restrito ao plano teórico. A primeira referência a uma creche cabe ao
grupo abolicionista Club dos Libertos que manteve uma escola em S. Domingos para escravos
e libertos. No ano de 1882, o grupo liderado por João Clapp convidou Dr. Domingos de
Almeida para proferir conferências sobre o método de Froebel, visando à implantação de uma
futura creche. Talvez tenha sido a primeira tentativa de criação de uma creche, utilizando a
metodologia froebeliana, que não ocorreu por imposição de um modelo exógeno, mas por
uma escolha consciente, dentre várias experiências, pareceu aquela que mais se adequava aos
ideais abolicionistas de uma educação de crianças negras, futuros cidadãos, para um novo
estatuto de liberdade.
Introdução
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aprofundamento da pesquisa sobre os intelectuais-professores no século XIX e primeiras
décadas do século XX despertou a atenção para um recorte específico dentro do grupo
investigado – a considerável presença de professores negros e pardos que atuavam nas escolas
da Corte e da província do Rio de Janeiro.
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Ao investigar a trajetória do professor Alberto Júnior e dos demais professores e
professoras de sua família, encontramos uma vasta rede de sociabilidade construída em torno
da luta pela Abolição. Tratava-se de um grupo formado por professores, médicos, jornalistas,
políticos que se articulavam em torno do movimento abolicionista utilizando várias
estratégias. Uma delas era a realização de concertos, peças de teatro, saraus, quermesses, cuja
finalidade era angariar fundos para comprar Cartas de Alforrias e consequentemente libertar o
maior número de escravos. Outra era a fundação de escolas para negros libertos e seus filhos.
Utilizavam-se também dos jornais (periódicos) com finalidades múltiplas: artigos contra a
escravidão, convites para participação em eventos com finalidade filantrópica e até mesmo
denunciar os senhores de escravos que submetiam seus cativos a diversos tipos de suplício.
No âmbito desta discussão, nossa pesquisa visa contribuir para o diálogo com um
conjunto de estudos no campo da História (cultural, social, educacional), que na última
década se lançaram na revisão do papel do negro na construção da sociedade brasileira.
Espera-se, também oferecer uma contribuição para a revisão de alguns conceitos equivocados
nos cursos de história da educação e apontar a participação ativa de negros e pardos na
construção da nação, e em especial nas lutas dentro do campo educacional. Nossa intenção é
diminuir as lacunas existentes na historiografia da educação, revendo interpretações presentes
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na maioria dos livros didáticos, que repetem clichês onde os negros só aparecem vitimados ou
culpabilizados pelas mazelas nacionais, sem acesso à instrução. Desta forma fez-se necessário
o aprofundamento das análises sobre a escravidão, abolição, liberdade, cidadania e educação
dentro de uma vertente teórica que resgata o negro como sujeito de sua história.
Por ocasião das comemorações da Lei Áurea em Niterói foi possível identificar em
notícia veiculada pelo Fluminense (16 de maio de 1888, n. 1554, Ano XI. Noticiário), a
presença de várias associações publicas e particulares, jornais, clubes abolicionistas e
filantrópicos, bandas marciais, grupos dramáticos dentre os quais: Banda de música do corpo
do policial, Sociedade Abolicionista Nictheroyense, Congresso Abolicionista Nictherroyense,
Club C. Mephestpheles, Clubs Rozario Vivo e Rosa Verde, Club Abolicionista de S.
Domingos e dos Libertos, Sociedades União Beneficente Nictheroyense, Sociedades União
Beneficente Nictheroyense, Imperial 28 de Abril, Amparo Operário, Congresso Litterario
Guarany, Club Kean, João Caetano, Gremio dos Fantoches, Flor dos Jardineiros, Club da
Juventude e Gruta das Deiopéias, Bandas de musicas União Fraternal, Aurora de S.
Domingos. Jornal O Fluminense, Província do Rio, Cassino de S. Domingos, União Fraternal
e Aurora de S. Domingos. Da mesma forma, várias escolas, lideradas por seus diretores e
professores se fizeram representar: Escola Normal, Lyceu Nictheroyense, Atheneu
Fluminense, Externato Limitado, 1ª escola publica, regida pelo professor Cardoso e a escola
anexa, do professor Mattos, Escola da Ponta d’Areia, Escola de Santa Rosa, do professor
Madeira, Escola de S. Lourenço, do professor Barbedo.
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Luiz Leopoldo Fernandes Pinheiro, Cirne Maia, Alfredo Azamor, João Correa e muitos
outros. O fato é que a partir da década de 1880 houve intensa efervescência dos movimentos
abolicionistas liderados nos grandes centros por nomes como os de José do Patrocínio,
Joaquim Nabuco e Antônio Rebouças, aos quais os abolicionistas niteroienses davam suporte
na capital fluminense.
Uma medida adotada que ficou conhecida como “Limpeza das ruas”, representava
uma espécie de coação sobre os senhores de escravos. Os abolicionistas escolhiam
determinadas ruas e convenciam os proprietários dos cativos a libertá-los. Caso tal
procedimento não ocorresse, os nomes dos donos dos escravos eram publicados nos jornais.
Percebe-se já nessa época a dimensão do que a mídia jornalística era capaz de realizar. As
matérias publicadas nos jornais não se restringem ao acontecimento, elas possuem o poder de,
segundo Darnton, “moldar os fatos ao dar-lhes cobertura” (DARNTON, 1990, p. 16).
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circunstancias, tonava-se necessário retirar o Brasil da condição de estagnação gerada pelo
cativeiro a fim de alcançar o mesmo patamar das nações “civilizadas.” Esse na verdade era o
slogan utilizado pelos jornais através de textos de inúmeros intelectuais, inclusive do grupo
niteroiense.
O que conseguimos captar é que esse grupo de abolicionistas de Niterói possuía uma
visão muito mais aprofundada em relação ao processo em curso. Acreditavam que para existir
de fato uma modernização no país, não bastaria apenas a liberdade, era necessário construir as
condições para o verdadeiro acesso dos ex-escravos e seus descendentes à cidadania. Por isso,
o grupo defendia reformas sociais que deveriam complementar a abolição. Uma delas era a
educação. Para os abolicionistas niteroienses não bastava à liberdade, já que esta, na verdade
não elevaria os ex-escravos a condição de cidadão se os mesmos não possuíssem a instrução.
Caso essas pré-condições não fossem enfrentadas, ficariam abandonados a própria sorte.
Portanto esse grupo abolicionista lutava ao mesmo tempo pela libertação dos escravos
e por sua formação educacional. Direcionados por esse ideal maior, “arregaçaram as mangas”
e fundaram várias escolas para os cativos, alforriados e seus filhos. Não se mantiveram no
âmbito do no discurso vazio, pelo contrário, lutaram efetivamente por uma sociedade que
corrigisse as distorções oriundas da escravidão.
(...) realisou-se, domingo ultimo, n’uma das salas do edificio onde funcciona
a Escola do Club dos Libertos contra a Escravidão, á rua do Gurany, em S.
Domingos, a Conferencia do Sr. Dr. Domingos de Almeida, ácerca do
methodo de Froebel.
É interessante notar como houve adesão a esse tipo tão singular de evento. De fato
havia a intenção de angariar fundos para o movimento abolicionista, mas este não era o único
motivo que levava a população a participarem efetivamente dos eventos desta natureza. No
caso especifico da Conferencia sobre o método de Froebel, realizada no Clube dos Libertos,
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observamos que havia a possibilidade das pessoas simplesmente comprarem os ingressos,
auxiliando a causa, mas não comparecer ou permanecer no evento. Entretanto, pelo que foi
noticiado, o evento foi muito concorrido, inclusive registrando a presença de crianças,
provavelmente estimuladas por seus pais em decorrência da inovação dos brinquedos que o
método prometia. Diz ainda a nota do jornal que o conferencista:
(...) Saúdando o Club, fez vótos para que seja a sua Escola a primeira a crear
n’esta capital um Jardim da Infancia.
Toda a sua explicação foi acompanhada de uma parte pratica, pois havia
n’uma mesa, tudo quanto era necessario para a prelecção.
A educação não deve ser interrompida: é uma cadeia em que cada elo
seguinte está inteiramente unido ao anterior (id.).
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(...) Froebel formou um método para guiar o homem da infância a virilidade.
Para isso estudou a criança desde o berço: notou que a atividade era a
primeira manifestação.
Os orgãos dos sentidos não escaparam a sua atenção considerando que era
necessário educá-los.
(...) O ensino por esse sistema é dado nos Jardins da Infância. As pessoas
pobres, pelos labores da vida, não podem cuidar da educação dos filhos:
então criaram estes lugares para crianças de dois a sete anos, para
permanecerem da manhã até a tarde. (id.)
(...) São pavilhões com salas vastas, mesas, cadeiras e series de brinquedos
para cada aula.
Nosso objetivo nesse trabalho não foi focar o método de Froebel, já que existe uma
vasta literatura no campo pedagógico sobre esta metodologia. Nossa perspectiva foi
demonstrar que o trabalho de Froebel já era conhecido no Brasil no período em estudo e que
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aquele grupo de intelectuais abolicionistas de Niterói representou uma vanguarda também no
campo pedagógico.
Conclusão
Com essa pesquisa desejamos nos juntar a um coro crescente de pesquisadores que
estão contribuindo para o avanço da história da educação brasileira abrindo um leque de
possibilidades de novas pesquisas que com certeza irão construir uma nova visão, um “divisor
de águas” em relação à história dos negros e a sua participação no desmonte da escravidão.
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processo de educação e de escolarização da população negra no Brasil do final do século XIX
e início do século XX.
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CERTEAU, Michel de. L´invention du quotidien – Arts de faire. T.I. Paris: Galimard, 1990.
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SCHUELER & GONDRA. Educação, poder e sociedade no Império brasileiro. São Paulo:
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