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O MOVIMENTO ABOLICIONISTA NITEROIENSE, O CLUBE DOS LIBERTOS E O

PROJETO DE UMA CRECHE PARA FILHOS DE ESCRAVOS E EX-ESCRAVOS

Heloísa de Oliveira Santos Villela/ Universidade Federal Fluminense (UFF)


heloisavillela.uff@gmail.com

Resumo
Este estudo parte do conceito de circularidade dos modelos pedagógicos para analisar uma
proposta inédita de abertura de creche, nos moldes froebelianos, realizada por um grupo de
abolicionistas da cidade de Niterói na década de 1880. Contesta a ideia de que até o século
XX não possuíamos experiências educativas nacionais adaptadas a nossa realidade. Partimos
de um referencial da História Cultural que percebe uma circularidade cultural entre países que
estabelecem trocas, colocando novas práticas que não podem ser reconhecidas simplesmente
como imposições verticais, ou de países hegemônicos sobre países periféricos. Durante o
século XIX, a partir de Pestalozzi, o método intuitivo foi sendo implantado na Europa. Um de
seus seguidores, Froebel, desenvolveu uma metodologia e materiais específicos para crianças
pequenas num novo tipo de instituição que criou na Alemanha, em 1837, o Kindergartem.
Com a inclusão das mulheres no mercado de trabalho essas instituições tiveram excelente
aceitação por tornarem-se locais adequados para cuidar e educar crianças. Na França,
Madame Pape Carpentier na década de 1870, cria a primeira instituição nesses moldes. Na
escola Normal de Niterói, no mesmo período, aprendia-se a trabalhar com o método de “lição
de coisas” que ficaria restrito ao plano teórico. A primeira referência a uma creche cabe ao
grupo abolicionista Club dos Libertos que manteve uma escola em S. Domingos para escravos
e libertos. No ano de 1882, o grupo liderado por João Clapp convidou Dr. Domingos de
Almeida para proferir conferências sobre o método de Froebel, visando à implantação de uma
futura creche. Talvez tenha sido a primeira tentativa de criação de uma creche, utilizando a
metodologia froebeliana, que não ocorreu por imposição de um modelo exógeno, mas por
uma escolha consciente, dentre várias experiências, pareceu aquela que mais se adequava aos
ideais abolicionistas de uma educação de crianças negras, futuros cidadãos, para um novo
estatuto de liberdade.

Palavras-chave: Método intuito. Froebel. Movimento abolicionista

Introdução

O Grupo de Pesquisa História, Educação, Saberes e Práticas da FEUFF (GRUPHESP)


desenvolve uma linha de pesquisa que parte das trajetórias individuais de professores
secundários no século XIX e início do XX, entendidos como intelectuais e autores, na
hipótese de que suas práticas e representações construíram saberes que se corporificaram em
pedagogias escolares. Nesse processo, se autoconstituíram como grupo socioprofissional na
medida em que uma profissão resulta, sobretudo, de uma construção social e de uma
representação desse grupo no mundo social (Bourdieu, 1989; Cerutti, 1998). O

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aprofundamento da pesquisa sobre os intelectuais-professores no século XIX e primeiras
décadas do século XX despertou a atenção para um recorte específico dentro do grupo
investigado – a considerável presença de professores negros e pardos que atuavam nas escolas
da Corte e da província do Rio de Janeiro.

Imerso neste contexto, tomamos como objeto de estudo a trajetória da família de


Philippe José Alberto Júnior, composta de educadores cujos membros ocuparam lugares de
regentes de escolas públicas e particulares, desempenhando cargos importantes em
instituições públicas bem como uma intensa participação em associações literárias, científicas
e clubes abolicionistas. O recorte temporal situa-se entre a segunda metade do século XIX e a
primeira década do século XX, focalizando a ascensão da família Alberto no magistério e a
rede de sociabilidades que estabeleceu durante a consolidação da monarquia.

O foco do estudo aqui apresentado, delineado a partir dos estudos maiores


desenvolvidos no âmbito do GRUPHESP concentrou-se na vida de Philippe José Alberto
Júnior, formado pela Escola Normal da Bahia, que durante a segunda metade do século XIX
chegou à Corte, lecionou no Mosteiro de São Bento e assumiu a direção da Escola Normal da
Província fluminense. Envolvido com o movimento abolicionista foi exonerado a bem do
serviço público onde exercia o cargo de professor e diretor daquele importante
estabelecimento de ensino. Buscando informações sobre a vida e a obra pedagógica desse
professor, identificou-se a existência de uma significativa rede familiar de professores negros
que escapou às análises da história da educação brasileira referente ao período. Considerando
que a presença de negros nessa profissão, no período citado, pode ser muito mais significativa
do que se imagina, como vem sugerindo alguns autores envolvidos com a temática (Veiga,
2004; Silva, 2002; Müller, 2006; Fonseca, 2007 e outros), decidimos, a partir daí, investigar
as redes de sociabilidades que constituíram a identidade da família Alberto.

Através da pesquisa em fontes primárias, principalmente em periódicos, conseguimos


gradativamente compreender melhor a trajetória original da família Alberto percebendo-a
inserida num contexto histórico datado – o Brasil escravista e pós-escravista –, mas, ao
mesmo tempo relativamente autônoma no que diz respeito às determinações econômicas e
sócio-culturais. Mulheres e homens, negros e mestiços, que ao contrário de serem “anômicos”
ou “vitimas” do sistema, participaram ativamente dele, e nele se constituíram enquanto
sujeitos individuais e coletivos.

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Ao investigar a trajetória do professor Alberto Júnior e dos demais professores e
professoras de sua família, encontramos uma vasta rede de sociabilidade construída em torno
da luta pela Abolição. Tratava-se de um grupo formado por professores, médicos, jornalistas,
políticos que se articulavam em torno do movimento abolicionista utilizando várias
estratégias. Uma delas era a realização de concertos, peças de teatro, saraus, quermesses, cuja
finalidade era angariar fundos para comprar Cartas de Alforrias e consequentemente libertar o
maior número de escravos. Outra era a fundação de escolas para negros libertos e seus filhos.
Utilizavam-se também dos jornais (periódicos) com finalidades múltiplas: artigos contra a
escravidão, convites para participação em eventos com finalidade filantrópica e até mesmo
denunciar os senhores de escravos que submetiam seus cativos a diversos tipos de suplício.

No contexto dessas iniciativas pela luta abolicionista, o jornal O Fluminense, no ano


de 1882, publicou um artigo comentando uma palestra realizada na escola do Club dos
Libertos sobre a metodologia froebeliana. A finalidade da palestra era a possibilidade da
implantação desse método, revolucionário para a época, em uma futura creche que os
abolicionistas liderados por João Clapp pretendiam fundar para os filhos de escravos e
libertos. A primeira referência que consta na historiografia da educação sobre a utilização do
método Froebel em jardins de infância, no Brasil, data de 1896, por ocasião da fundação do
primeiro Jardim de Infância na cidade de São Paulo, anexo à Escola Normal Caetano de
Campos. Entre a palestra do Dr. Domingos no Club dos Libertos e a implantação do método
de Froebel no jardim de infância paulistano passaram-se exatamente 14 anos, ou seja, pode-se
dizer que o grupo abolicionista niteroiense representava uma vanguarda em vários sentidos,
inclusive em relação ao pensamento e propostas educacionais. Esse envolvimento com a
causa educacional, voltada para escravos e alforriados, também representou a abertura de um
espaço singular para o questionamento das práticas pedagógicas, dos processos de
aprendizagem no Brasil, sobretudo no século XIX.

No âmbito desta discussão, nossa pesquisa visa contribuir para o diálogo com um
conjunto de estudos no campo da História (cultural, social, educacional), que na última
década se lançaram na revisão do papel do negro na construção da sociedade brasileira.
Espera-se, também oferecer uma contribuição para a revisão de alguns conceitos equivocados
nos cursos de história da educação e apontar a participação ativa de negros e pardos na
construção da nação, e em especial nas lutas dentro do campo educacional. Nossa intenção é
diminuir as lacunas existentes na historiografia da educação, revendo interpretações presentes

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na maioria dos livros didáticos, que repetem clichês onde os negros só aparecem vitimados ou
culpabilizados pelas mazelas nacionais, sem acesso à instrução. Desta forma fez-se necessário
o aprofundamento das análises sobre a escravidão, abolição, liberdade, cidadania e educação
dentro de uma vertente teórica que resgata o negro como sujeito de sua história.

Redes de Sociabilidade e Perfil do Grupo Abolicionista

Através do Jornal O Fluminense datado de 16 de maio de 1888, conseguimos


identificar algumas redes de sociabilidade de Alberto Júnior, o que nos levou a nomes de
abolicionistas, suas associações, as estratégias de compras das Cartas de Alforria, criação de
escolas para libertos e o modelo que concebiam de um novo Brasil.

Por ocasião das comemorações da Lei Áurea em Niterói foi possível identificar em
notícia veiculada pelo Fluminense (16 de maio de 1888, n. 1554, Ano XI. Noticiário), a
presença de várias associações publicas e particulares, jornais, clubes abolicionistas e
filantrópicos, bandas marciais, grupos dramáticos dentre os quais: Banda de música do corpo
do policial, Sociedade Abolicionista Nictheroyense, Congresso Abolicionista Nictherroyense,
Club C. Mephestpheles, Clubs Rozario Vivo e Rosa Verde, Club Abolicionista de S.
Domingos e dos Libertos, Sociedades União Beneficente Nictheroyense, Sociedades União
Beneficente Nictheroyense, Imperial 28 de Abril, Amparo Operário, Congresso Litterario
Guarany, Club Kean, João Caetano, Gremio dos Fantoches, Flor dos Jardineiros, Club da
Juventude e Gruta das Deiopéias, Bandas de musicas União Fraternal, Aurora de S.
Domingos. Jornal O Fluminense, Província do Rio, Cassino de S. Domingos, União Fraternal
e Aurora de S. Domingos. Da mesma forma, várias escolas, lideradas por seus diretores e
professores se fizeram representar: Escola Normal, Lyceu Nictheroyense, Atheneu
Fluminense, Externato Limitado, 1ª escola publica, regida pelo professor Cardoso e a escola
anexa, do professor Mattos, Escola da Ponta d’Areia, Escola de Santa Rosa, do professor
Madeira, Escola de S. Lourenço, do professor Barbedo.

Aos poucos, acompanhando a movimentação de várias destas instituições, foram


emergindo nomes de importantes abolicionistas no cenário niteroiense como o de João Clapp,
Miguel Maria Jardim, Gastão Adolpho Raoux Briggs, Guilherme Christiano Raoux Briggs,
Guilherme Henrique Briggs, Guilherme Taylor March, Alberto Vitor Gonçalves da Fonseca,

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Luiz Leopoldo Fernandes Pinheiro, Cirne Maia, Alfredo Azamor, João Correa e muitos
outros. O fato é que a partir da década de 1880 houve intensa efervescência dos movimentos
abolicionistas liderados nos grandes centros por nomes como os de José do Patrocínio,
Joaquim Nabuco e Antônio Rebouças, aos quais os abolicionistas niteroienses davam suporte
na capital fluminense.

Através de periódicos, principalmente do jornal O Fluminense, acompanhamos o


crescimento do movimento abolicionista, em particular na década de 1880. A quantidade de
associações se multiplicava com diversos fins. Intelectuais e parlamentares participavam de
vários eventos, como conferências e comícios, para denunciar a forma desonrosa e retrograda
da escravidão brasileira. Produziam-se cada vez mais atividades em teatros, utilizando
músicas e poesias com a finalidade a angariar fundos para alforriar escravos. Até aniversários,
casamentos, bodas, nascimentos ou falecimentos serviam de cenário para as festas de entrega
das cartas de alforria. O Clube de Libertos de Niterói possuía um lugar de destaque nessa
empreitada a favor da Abolição e a imprensa contribuiu com papel relevante através do
aumento de publicações em periódicos em defesa dos ideais abolicionistas.

Uma medida adotada que ficou conhecida como “Limpeza das ruas”, representava
uma espécie de coação sobre os senhores de escravos. Os abolicionistas escolhiam
determinadas ruas e convenciam os proprietários dos cativos a libertá-los. Caso tal
procedimento não ocorresse, os nomes dos donos dos escravos eram publicados nos jornais.
Percebe-se já nessa época a dimensão do que a mídia jornalística era capaz de realizar. As
matérias publicadas nos jornais não se restringem ao acontecimento, elas possuem o poder de,
segundo Darnton, “moldar os fatos ao dar-lhes cobertura” (DARNTON, 1990, p. 16).

Os periódicos simpatizantes com a causa, portanto, tiveram boa parcela de


responsabilidade na construção de uma sociedade pautada em novos valores, inspirados nos
ideais de progresso e civilização, em oposição à barbárie da escravidão. Ficava bastante
evidente a contradição entre as ideias defendidas na Europa, na qual a economia capitalista se
encontrava em expansão versus os conservadores brasileiros, defensores de uma tradição
agrária sustentada no latifúndio escravocrata.

A imprensa escrita fazia circular sistematicamente críticas à “herança do passado”,


responsável pelo “atraso” do Brasil. A escravidão era denunciada na medida em que não
atendia aos interesses de países que se proclamavam no “século do progresso”. Nesta

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circunstancias, tonava-se necessário retirar o Brasil da condição de estagnação gerada pelo
cativeiro a fim de alcançar o mesmo patamar das nações “civilizadas.” Esse na verdade era o
slogan utilizado pelos jornais através de textos de inúmeros intelectuais, inclusive do grupo
niteroiense.

O que conseguimos captar é que esse grupo de abolicionistas de Niterói possuía uma
visão muito mais aprofundada em relação ao processo em curso. Acreditavam que para existir
de fato uma modernização no país, não bastaria apenas a liberdade, era necessário construir as
condições para o verdadeiro acesso dos ex-escravos e seus descendentes à cidadania. Por isso,
o grupo defendia reformas sociais que deveriam complementar a abolição. Uma delas era a
educação. Para os abolicionistas niteroienses não bastava à liberdade, já que esta, na verdade
não elevaria os ex-escravos a condição de cidadão se os mesmos não possuíssem a instrução.
Caso essas pré-condições não fossem enfrentadas, ficariam abandonados a própria sorte.

Portanto esse grupo abolicionista lutava ao mesmo tempo pela libertação dos escravos
e por sua formação educacional. Direcionados por esse ideal maior, “arregaçaram as mangas”
e fundaram várias escolas para os cativos, alforriados e seus filhos. Não se mantiveram no
âmbito do no discurso vazio, pelo contrário, lutaram efetivamente por uma sociedade que
corrigisse as distorções oriundas da escravidão.

Em relação às crianças, filhos de escravos e libertos, não foi possível saber se o


método Froebel foi de fato praticado. No entanto é necessário registrar que havia um grande
interesse da população já naquela época por essa temática. Segundo noticia o jornal:

(...) realisou-se, domingo ultimo, n’uma das salas do edificio onde funcciona
a Escola do Club dos Libertos contra a Escravidão, á rua do Gurany, em S.
Domingos, a Conferencia do Sr. Dr. Domingos de Almeida, ácerca do
methodo de Froebel.

A concurrencia foi numerosa não só de cavalheiros, como tambem de


senhores e crianças. (O Fluminense, 19 de julho de 1882, n. 651, p. 2)

É interessante notar como houve adesão a esse tipo tão singular de evento. De fato
havia a intenção de angariar fundos para o movimento abolicionista, mas este não era o único
motivo que levava a população a participarem efetivamente dos eventos desta natureza. No
caso especifico da Conferencia sobre o método de Froebel, realizada no Clube dos Libertos,

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observamos que havia a possibilidade das pessoas simplesmente comprarem os ingressos,
auxiliando a causa, mas não comparecer ou permanecer no evento. Entretanto, pelo que foi
noticiado, o evento foi muito concorrido, inclusive registrando a presença de crianças,
provavelmente estimuladas por seus pais em decorrência da inovação dos brinquedos que o
método prometia. Diz ainda a nota do jornal que o conferencista:

(...) Saúdando o Club, fez vótos para que seja a sua Escola a primeira a crear
n’esta capital um Jardim da Infancia.

O orador foi devidamente applaudido ao descer da tribuna, sendo


comprimentado pelas pessoas presentes.

Toda a sua explicação foi acompanhada de uma parte pratica, pois havia
n’uma mesa, tudo quanto era necessario para a prelecção.

O arranjo da Escola dos Libertos é digno de vêr-se e a sua directoria merece


louvores pela actividade, zelo e boa direcção que se evidenciem em tudo. (O
Fluminense, 19 de julho de 1882, n. 651, p. 2)

Sabemos que o método intuitivo estava se propagando no eixo Europa-Estados


Unidos. Mas, pouco se sabe, a forma como ele foi difundido no Brasil. Uma pista pode ser
encontrada nas representações do professor Domingos expostas na Conferência realizada na
Escola do Club dos Libertos de Niterói. Este inicia sua oratória tratando dos fundamentos da
pedagogia froebeliana:

(...) Aproveitando-se as tendências das crianças, elas serão uteis a si, à


sociedade e à humanidade.

Trata-se de reunir o necessário, o útil e o agradável. O necessário é educar o


homem para que ele possa conservar em equilíbrio com o que o cerca.

A higiene é o meio pelo qual se obtem esse resultado. Para manter-se e


educar-se para a família, para ser útil à sociedade e a humanidade é preciso
que sigam esses preceitos.

O agradavel é construído pelos gozos da vida.

A educação não deve ser interrompida: é uma cadeia em que cada elo
seguinte está inteiramente unido ao anterior (id.).

De acordo com sua retórica o método destinava-se especialmente as crianças, mas


também a facilitar aos pais que trabalhavam e em consequência não podiam se dedicar a
educação dos seus filhos.

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(...) Froebel formou um método para guiar o homem da infância a virilidade.

Para isso estudou a criança desde o berço: notou que a atividade era a
primeira manifestação.

Os orgãos dos sentidos não escaparam a sua atenção considerando que era
necessário educá-los.

Nos primeiros anos, é a mãe que se encarrega de tudo isso.

(...) O ensino por esse sistema é dado nos Jardins da Infância. As pessoas
pobres, pelos labores da vida, não podem cuidar da educação dos filhos:
então criaram estes lugares para crianças de dois a sete anos, para
permanecerem da manhã até a tarde. (id.)

Em seguida ele descreve o espaço físico do Jardim de Infância e sua utilidade:

(...) São pavilhões com salas vastas, mesas, cadeiras e series de brinquedos
para cada aula.

Ha uma varanda coberta para os exercícios em ocasião de mau tempo;


canteiros variados para a cultura e terrenos próprios para exercícios
ginasticos; uma sala para refeitório. Além disso existem outras dependencias
de menor importancia.

Casa de banho com um tanque apropriado para o ensino da natação. Nas


paredes das salas ha objetos e estampas que servem para a educação (id.).

Por último o Professor Domingos explica o que Froebel denominou de “Dons”,


representados a partir de vários grupos de brinquedos. Em relação ao primeiro Dom trabalha-
se com seis bolas de lã, representando as cores do prisma. Através dessas bolas ensinam-se os
corpos sólidos, indo do concreto ao abstrato. Com as bolas também era possível traçar as
linhas lineares e depois as geométricas. Por serem redondas permitem a compreensão das
formas. Era possível também fazer a criança perceber que possuiu peso, produz som e que as
cores podem variar ensinando desse modo as cores primitivas: o encarnado, o azul e o
amarelo. Após dominarem as cores primárias passavam-se as intermediárias. Através de uma
palheta pode-se misturar as cores e demonstrar que dessa forma chega-se a outras cores
inclusive mais intensas ou em tons pastel e por fim, era possível estabelecer as relações com
as cores estudadas e as cores presentes na natureza. Daí em diante os outros Dons iriam
expandir gradativamente o aprendizado através de variedades de formas geométricas,
texturas, diferenças de sons, arestas, ângulos, formas artísticas, flexibilidade etc.

Nosso objetivo nesse trabalho não foi focar o método de Froebel, já que existe uma
vasta literatura no campo pedagógico sobre esta metodologia. Nossa perspectiva foi
demonstrar que o trabalho de Froebel já era conhecido no Brasil no período em estudo e que

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aquele grupo de intelectuais abolicionistas de Niterói representou uma vanguarda também no
campo pedagógico.

Conclusão

A pesquisa sobre os processos de educação partilhados por escravos e libertos vai


assumindo aos poucos uma nova versão da história dos negros no Brasil. É crescente o
número de trabalhos que estão desnudando e contradizendo os velhos relatos descritos
geralmente nos livros didáticos. Esperamos que com nossa pesquisa possamos contribuir para
esse novo paradigma que se abre rompendo um longo silêncio e se debruçando sobre fontes
ainda não trabalhadas, ou trabalhadas insuficientemente.

Os periódicos demonstram que, sobretudo na década de 1880, vários grupos de


intelectuais estavam imersos na luta a favor da abolição utilizando-se de todos os mecanismos
possíveis, desde o “boca a boca” entre os próprios escravos, a imprensa e a utilização da
pressão popular. Havia inúmeras sociedades e associações abolicionistas beneficentes e nelas
estavam imersos professores e intelectuais negros como o professor Alberto Júnior e seus
descendentes.

Com essa pesquisa desejamos nos juntar a um coro crescente de pesquisadores que
estão contribuindo para o avanço da história da educação brasileira abrindo um leque de
possibilidades de novas pesquisas que com certeza irão construir uma nova visão, um “divisor
de águas” em relação à história dos negros e a sua participação no desmonte da escravidão.

A investigação do Grupo de Abolicionistas da cidade de Niterói demonstrou uma rede


de sociabilidade extremamente ativa. Dois pilares norteavam esse grupo: liberdade através das
compras das cartas de alforria e fundação de escolas para negros livres e libertos e seus
descendentes.

Cada vez mais os historiadores e pesquisadores estão convictos de que existia um


contingente de negros letrados e frequentadores das escolas fundadas por instituições
abolicionistas. Todos os caminhos que estamos percorrendo nos remetem a confirmar estas
hipóteses, resta-nos a agora desenvolver estudos que nos possibilitem compreender a
dinâmica de organização destas instituições, bem como suas práticas e contribuições para o

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processo de educação e de escolarização da população negra no Brasil do final do século XIX
e início do século XX.

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