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1.
ANTROPOLOGIA DA
RELIGIÃO: FUNDAMENTOS E
CONCEITOS
Este capítulo aborda os fundamentos e os dados mais importantes do campo da
antropologia da religião. Para dar conta dessa pretensão, elaboramos o assunto em
dois tópicos, um que define o que podemos propriamente chamar de antropologia da
religião e outro que tenta identificar o modo como podemos construir conhecimento
sobre o tema.
Assim, após o estudo do capítulo, você será capaz de definir o que é
antropologia da religião e, também, poderá descrever o modo como esse campo do
saber constrói seus conhecimentos.
Já indicamos, na apresentação deste livro, que há uma diferença entre a maneira
como construímos conhecimento espontâneo sobre a religião e a forma como a
antropologia define esse conceito.
Como brasileiros, somos instruídos desde o nascimento a respeito de diversas
práticas e conceitos sobre certa multiplicidade de expressões religiosas, e agora
podemos aproveitar essa experiência e dar um passo adiante. O que podemos
compreender como passo adiante não pretende designar uma forma de conhecimento
superior ou melhor, mas apenas algo diferente do que estamos acostumados.
Desejamos que você aprenda a problematizar sua crença religiosa, se você tiver uma;
ou que coloque em debate sua atitude de rejeição da religião, caso seja um ateu ou
agnóstico; mas, acima de tudo, queremos lhe oferecer outro modo de ver a religião.
21 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos

Você vai perceber que não desejamos que altere sua posição em relação à
religião, apenas queremos indicar outra maneira de ver as coisas. E essa forma se insere
em uma tradição que já tem um pouco mais de um século e que se chama antropologia
da religião.
Agora, pare e pense: O que é antropologia da religião? Como ela estuda as
religiões? Como ela se distingue do modo como você, espontaneamente, avalia a sua
religião (ou a ausência dela) e a do outro? Quais vantagens e desvantagens pode haver
no modo como a antropologia olha para a religião?

1.1 O que é antropologia da religião?


Para começar nossas reflexões sobre antropologia da religião e apontar algumas
respostas para as questões levantadas anteriormente, focaremos em um famoso
antropólogo, François Laplantine (2000).
Eu tive o prazer de conhecer Laplantine pessoalmente, há muitos anos, quando
eu era estudante de mestrado em Sociologia, na Universidade Federal do Ceará (UFC),
em Fortaleza. Trata-se de uma pessoa muito simpática e inteligente e que vai nos
ajudar a começar a decifrar o que é antropologia da religião.
François Laplantine é um conhecido etnólogo1 francês e autor devasta
bibliografia no campo da antropologia. Foi professor de etnologia na Universidade de
Lyon II. Esteve várias vezes no Brasil, onde muitos de seus livros são conhecidos,
especialmente Aprender antropologia (Laplantine. 2000) e O que é imaginário?
(Laplantine;

1
Muitas veies, os franceses, especialmente, chamam o que normalmente designamos de antropologia (estudo
do ser humano) de etnologia (estudo da cultura) Mais adiante, passaremos a usar a palavra etnografia (escrita
sobre d cultura) para designar o trabalho de campo do antropólogo ou do etnólogo de deixar escrito, em um
diário de campo, o que ele observa em um dado espaço cultural
22 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos

Trindade, 1997), este último em parceria com a antropóloga brasileira Liana Trindade.
Aprender antropologia é um livro destinado às pessoas interessadas em dar os
primeiros passos no conhecimento do campo da antropologia. Apresenta oito
capítulos, distribuídos em três partes (Laplantine, 2000): (1) “Marcos para uma história
do pensamento antropológico”; (2) “As principais tendências do pensamento
antropológico contemporâneo”; e (3) “A especificidade da prática antropológica”.
Destacamos para nosso estudo a introdução do livro, que apresenta uma breve
discussão sobre o objeto da antropologia e possui três subdivisões: (1) o estudo do
homem inteiro; (2) o estudo do homem em sua diversidade; e (3) dificuldades.
A antropologia, como área do saber, surgiu no decorrer do século XIX. Antes
disso, havia, naturalmente, produção de conhecimento sobre o ser humano, mas se
tratava de um saber espontâneo, não formalizado dentro dos parâmetros de uma
disciplina acadêmica. Ela foi erguida com base no outro do europeu civilizado de
então, o assim denominado selvagem de terras distantes. Ao longo do século XX, a
jovem ciência antropológica começou a passar por uma crise de identidade. O seu
objeto de estudo, o tal selvagem, eslava desaparecendo e a disciplina leve de
reformular seu foco com base em outros parâmetros.
Na visão de Laplantine, a antropologia resolve a questão ao deixar de se
identificar como a ciência que estuda os selvagens para se tornar a área de conhecimento
académico caracterizada por um tipo de olhar especifico. Esse enfoque, segundo o
autor, seria delimitado pelos seguintes aspectos: “a) o estudo do homem inteiro; b) o
estudo do homem em todas as sociedades, sob todas as latitudes, em todos os seus
estados e em todas as épocas” (Laplantine, 2000, p. 16).
23 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos

Portanto, é o estudo do ser humano inteiro – a abordagem antropológica não


aceita parcelar o ser humano, ou seja, antes de qualquer ação, procura relacionar
campos de investigação muitas vezes separados. Para chegar a essa visão abrangente,
a antropologia está dividida em cinco principais áreas: 1) antropologia biológica, 2)
pré-histórica, 3) linguística, 4) psicológica e 5) cultural. O livro de Laplantine trata
somente da antropologia cultural.
Como estudo do ser humano em sua diversidade, a antropologia não trata
(mais) somente das ditas sociedades selvagens e distantes, seja cultural, seja
geograficamente. Ela aborda todas as sociedades, em todas as épocas. Se a
antropologia não é mais uma área do saber dedicada somente às sociedades extra
europeias, algo dos seus primórdios prevalece. Ela se caracteriza pela observação
direta, por impregnação lenta e continua de grupos humanos com os quais o
pesquisador mantém contato. Para que o estudo antropológico seja eficaz, é preciso
que o estudioso entre em um processo de estranhamento do outro e de si, a fim de que
o que parecia natural e óbvio seja problematizado e observado com persistência e rigor.
Também implica uma atitude de descentramento, por meio do qual o
pesquisador passa a observara cultura alheia sem a intenção de estabelecer juízos de
valor ou avaliá-las tendo a sua própria como referencial do que é certo ou errado,
civilizado ou selvagem. O enfoque antropológico está comprometido com a
diversidade cultural humana, com o direito que o outro tem de ser diferente, sem que
isso implique uma hierarquização ou julgamento.
O texto termina com o levantamento de uma série de questões não resolvidas
no campo da antropologia.
24 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos

▪ Deve-se designar a disciplina de antropologia ou de etnologia?


▪ Deve-se atribuir à antropologia um status de cientificidade ou não?
▪ Como a antropologia se relaciona com o campo da história?
▪ Como trabalhar as sociedades do passado sem produzir um conhecimento
tipicamente historiografia»?
▪ Em que medida o antropólogo deve guardar distância de seu objeto de estudo
e em que medida deve ser um profissional engajado?
▪ Como ser um erudito e, ao mesmo tempo, um especialista no trabalho
antropológico?

Talvez essas questões sejam muito avançadas agora, mas você poderá retornar
a elas depois de se engajar mais na leitura deste livro. Além disso, as perguntas nem
sempre precisam de respostas. O mais importante é sempre perguntar. E fazer boas
indagações (bem elaboradas) é um excelente indício de desenvolvimento de um
pensamento crítico, assim como do que podemos chamar de atitude antropológica. Por
exemplo, se um indivíduo nascer no Brasil, um país católico, sendo criado em uma
família católica praticante, a cultura católica certamente lhe parecerá algo natural.
Contudo, quando ele passar a questionar sua pertença religiosa, assim como a de sua
família e a de seu país, estará aberto para perceber que há tantas outras formas de ser
religioso no Brasil. Parece que tudo começa com perguntas: E se o indivíduo tivesse
nascido no Japão, e não no Brasil ? li se sua cultura fosse budista ou xintoísta em vez
de católica, como ele pensaria a relação com a divindade?
Se o sujeito nascesse em outro país, em uma cultura distinta da nossa, o que hoje
parece ser natural não seria, pois o que ele toma como natureza, na verdade, é cultura,
li a antropologia, ou etnologia. estuda a cultura, esse conjunto de fenômenos nos quais
somos iniciados desde crianças e que não são naturais, mas aprendidos.
25 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos

É constituído um fenômeno aprendido quando o conjunto de conceitos e de práticas


que servem de referência para cada indivíduo mudam. Por isso, os estudiosos dizem
que a principal atitude antropológica deve ser a de relativizar ou estranhar aquilo que
é familiar, como afirma Laplantine (2000) no texto que analisamos acima.
Não precisamos apenas relativizar nossa cultura, de modo que passemos a
estranhá-la, mas se queremos conhecer a cultura do outro de forma razoável, teremos
de nos familiarizar com ela. Por isso, como diz Laplantine (2000), a antropologia surgiu
como um empreendimento de europeus que estavam em contato com a cultura de
pessoas que lhes eram muito distantes, muitas vezes designadas como selvagens.
A antropologia surgiu no século XIX como necessidade de colonialistas
europeus que foram severamente impactados pelo contato com culturas e com povos
distintos dos seus. No entanto, com o tempo, os antropólogos foram relativizando suas
culturas e passaram a familiarizar-se com as dos outros. Depois, começaram a perceber
que isso também poderia ser feito com as diversas subculturas de seus próprios países.
Assim, a antropologia deixou de ser um estudo exclusivo de culturas exóticas e
distantes para englobar, também, o que estava próximo, mas também era diferente.
De acordo com o nosso objetivo, devemos nos perguntar: Como esses dados
sobre a antropologia se aplicam, de forma geral, à antropologia da religião?
Acreditamos que a transição pode ser muito simples, se pensarmos que a
religião é um fenômeno cultural. Quando fazemos essa afirmação, temos em mente o
texto clássico sobre o assunto do antropólogo norte-americano Clifford Geertz, cujo
título é A religião como sistema cultural, no seu conhecido livro A interpretação das culturas
(Geertz, 2008). O autor, que foi professor na Universidade de Princeton, é bastante
conhecido por ser representante de uma antropologia interpretativa.
26 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos

Mais adiante, abordaremos com mais detalhes essa perspectiva de análise das
culturas. Agora, é suficiente que você compreenda que Geertz (2008) entende uma
cultura como um sistema de símbolos que são significativos para as pessoas que
compartilham um espaço geográfico comum. Como a religião é vista pela antropologia
como uma das muitas expressões culturais, ela é encarada, pela perspectiva do autor
norte-americano, como um sistema de símbolos partilhados pelas pessoas de uma
mesma cultura religiosa.
Vamos explicar melhor o que estamos dizendo com base em uma citação do
próprio Geertz (2008, p. 67) sobre o assunto:

Portanto, sem mais cerimônias, uma religião é: (1) um sistema de símbolos que
atua para (2) estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e
motivações nos homens através da (3) formulação de conceitos de uma ordem
de existência geral e (4) vestindo essas concepções com tal aura de fatualidade
que (5) as disposições e motivações parecem singularmente realistas.

O texto do antropólogo norte-americano é uma explicação do que está


evidenciado nesse trecho. Vamos verter o que compreendemos da citação, que, na
verdade, é uma definição condensada de sua percepção do que é a religião.
No item l, o autor afirma que, assim como a cultura, a religião é um sistema de
símbolos. Isso significa que os sujeitos que fazem parte de uma comunidade religiosa
compartilham um arsenal de significados sobre o que fazem e dizem.

Quando fui fazer trabalho de campo em uma igreja neopentecostal pela primeira vez,
eu não sabia, por exemplo, o que o rito de exorcismo significava para a liderança da
denominação, nem para o seu grupo de fiéis. Como eles (líderes e liderados) estavam
juntos há muito tempo, sabiam o que significava cada palavra, cada ato, mas eu era
uma pessoa de fora da comunidade (um outsider) e não compreendia muita coisa do
que faziam e diziam.
27 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos

Assim, fazer parte de uma cultura, no caso desse exemplo, um segmento


religioso, é compreender o que é dito e feito pelos demais participantes da
comunidade.
No item 2, o autor afirma que a religião estabelece poderosas, penetrantes e
duradouras disposições e motivações nos homens e nas mulheres. Com base nisso,
começamos a sair do terreno comum da cultura e entramos naquilo que é específico
da religião: ela é capaz, talvez, como nenhum outro fenômeno cultural, de criar
motivações que são tão persistentes que, muitas vezes, não podemos compreender tal
perseverança, seja para aquilo que chamaríamos de bem, seja para o que chamaríamos
de mal. Por exemplo, uma pessoa que é dependente química pode tentar de muitas
formas deixar tal situação, vai ao médico, toma remédios, faz psicoterapia, interna-se
em uma clínica de recuperação, mas não consegue se livrar de seu problema. Então,
ela experimenta uma conversão religiosa e recebe uma revelação de que é amada por
Deus ou que ele tem uma missão especial para ela, que, quase que instantaneamente,
consegue deixar sua dependência química. Qualquer especialista em religião já ouviu
relatos dessa natureza inúmeras vezes, o que explica o caráter persuasivo da
experiência religiosa. Ela é eficaz, não apenas para transformar ou criar novas
motivações, mas também para mantê-las de uma forma que outras experiências
culturais apenas conseguem fazer a duras penas ou colecionando insucessos.
Por fim, a religião consegue promover mudanças culturais nas pessoas porque
atua por meio da formulação de conceitos de uma ordem de existência geral (item 3) e
vestindo essas concepções com tal aura de factualidade (item 4) que as disposições e
motivações parecem singularmente realistas (item 3). Embora seja um fenômeno
cultural como os demais, tudo que é feito e dito no âmbito religioso é sempre revestido
de uma aura de sobrenatural, o que explica seu caráter altamente persuasivo.
28 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos

Uma coisa e dizer que não é bom depender de um agente químico que age sobre
o corpo, outra muito diferente é afirmar que o corpo é o templo do Espírito Santo e que,
por isso, é preciso cuidar desse templo-corpo que Deus deu aos homens. Diríamos que,
nesse caso, a religião atuou de forma a beneficiar seu fiel, uma vez que ela o induz a
deixar a dependência química. Todavia, essa aura sagrada pode ser manipulada, de
forma consciente ou inconsciente, para que as pessoas apenas façam coisas que tragam
benefício para instituições ou para agentes religiosos específicos.
Recentemente, vimos a notícia de que um religioso usava seu prestigio para
persuadir dezenas de mulheres a se submeterem a seus desejos sexuais. Muitos talvez
perguntem: Como esse homem poderia ter abusado de dezenas, quem sabe centenas,
de mulheres por tanto tempo, sem que fosse denunciado? A resposta pode ser dada
com base na concepção de Geertz (2008) de que a religião pode revestir fatos
corriqueiros de uma aura sagrada que fica difícil para uma leiga questionar a ação, tida
como sobrenatural, de um prestigioso agente religioso.
Esperamos que haja a compreensão de que a religião constitui um fenômeno
cultural, entremeado com muitos símbolos, sempre muito significativos e capazes de
induziras ações das pessoas em função do caráter sobrenatural de que os fatos são
revestidos em uma dada comunidade religiosa. O estudo da antropologia, quando está
voltado para a religião, de forma especifica, preocupa-se em decifrar esses símbolos,
assim como a ingerência que têm sobre o comportamento das pessoas. O mais
interessante aqui é que, para interpretar os símbolos religiosos, precisamos de uma
inserção perseverante na comunidade religiosa que queremos compreender e isso
demanda esforço e persistência. Geertz (2008), que nos ensinou como a religião atua
na vida das pessoas, também nos diz que precisamos fazer uma descrição densa sobre
essa religião.
29 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos

A construção de conhecimento
1.2

antropológico
Clifford Geertz (2008) diz que a ciência não deve ser compreendida com base em suas
teorias ou descobertas, mas em conformidade com o que seus praticantes fazem. A
antropologia também deve ser percebida com base nesse mesmo critério, pois seus
praticantes fazem a etnografia. Ismael Pordeus Júnior2 (2000), pesquisador brasileiro,
afirma que o antropólogo, se fizer parte de uma tradição de pesquisa, faz do trabalho
de campo o primeiro percurso obrigatório para a generalização e para a explicação
sistemática.
Para Geertz (2008), a atividade etnográfica envolve o esforço do antropólogo
para realizar uma descrição densa e não deve ser definida como um empenho
metódico que venha a garantir a objetividade sobre a realidade social: “Mas não são
essas coisas, as técnicas e os processos determinados, que definem o empreendimento.
O que define é o tipo de esforço intelectual que ele representa: um risco elaborado para
uma 'descrição densa', tomando emprestada uma noção de Gilbert Ryle” (Geertz, 2008,
p. 4). Mais adiante, o autor parece esclarecer com precisão em que consiste a descrição
densa: ‘1-azer etnografia é como tentar ler (no sentido de ‘construir uma leitura de')
um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas
e comentários tendenciosos, escrito não com os sinais convencionais do som, mas com
exemplos transitórios de comportamento modelado” (Geertz, 2008, p. 7).
A etnografia também pode ser representada como um processo de inscrição. As
culturas são marcadas por uma diversidade de discursos orais que se cruzam no
cotidiano, e o trabalho do antropólogo é o de colocar esses discursos no papel,
consolidando o trabalho que pode ser identificado como de inscrição. Mediante

2
Foi orientador de mestrado do autor deste livro na Universidade Federal do Ceará (UFC).
30 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos

essa atitude, o discurso oral torna-se estável no tempo e, assim, coloca-se disponível
para ser interpretado e reinterpretado infinitamente: “O etnógrafo ‘inscreve’ o
discurso social: ele o anota. Ao fazê-lo, ele o transforma de acontecimento passado,
que existe apenas em seu próprio momento de ocorrência, em um relato, que existe em
sua inscrição e que pode ser consultado novamente” (Geertz, 2008, p. 14, grifo do
original).
O trabalho do antropólogo é o de analisar as culturas, que podem ser definidas
como sistemas de signos interpretáveis. Assim, toda cultura passa a ser vista como
uma espécie de contexto, um fenômeno por intermédio do qual fatos sociais, condutas
e instituições podem ser examinados de forma compreensível ou, para usar a
expressão preferida de Geertz (2008), descritos de forma densa. Essa densidade ou
inteligibilidade que deve atingir o trabalho do estudioso da cultura é analisada pelo
autor com base no exemplo das piscadelas. Uma boa descrição densa é a que permite
separar uma piscadela, que é um simples reflexo nervoso, de outra, que tem
densidade/inteligibilidade cultural.
Vamos explicar essa ideia com base em um exemplo dado por um historiador,
Robert Darnton (1988), que reconhece a influência que Geertz exerceu sobre ele na
confecção dos artigos que iriam compor o livro O grande massacre dos gatos e outros
episódios da história cultural francesa. Mesmo não confessa, a influência pode ser
percebida na forma como o historiador da cultura procede para analisar o grande
massacre dos gatos, promovido por trabalhadores do século XVIII.
O objeto de análise do historiador e um texto que narra uma brincadeira
empreendida por trabalhadores franceses. De início, o teor do texto, que registra os
acontecimentos, é narrado por Darnton para, depois, começar a interpretação dos
fatos. É interessante o método que o autor usa. Ele principia com uma série de
explicações óbvias para, depois, refutá-las como superficiais por
31 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos

não serem suficientemente densas, no sentido usado por Geertz. O arremate vem com
uma descrição detalhada do documento, na qual o historiador faz uma interpretação
que procura buscar o sentido dos símbolos culturais expressos no rito de abate dos
gatos que pertenciam a seu patrão.
O conceito de descrição densa também pode ser usado com bastante proveito
na análise de um fenômeno muito conhecido por todos nós, o exorcismo, na forma
como aparece em uma igreja neopentecostal brasileira. Vamos explorar o exemplo,
mostrando primeiro o que seriam descrições não densas dos fenômenos para, em
seguida, descrevê-lo densamente.

Na primeira vez que ouvi falar sobre exorcismo, eu era um estudante de graduação
em História e ainda não havia cogitado a possibilidade de estudar em uma igreja
neopentecostal. Uma senhora, esposa de um amigo, havia visitado a referida igreja
para verificar ao vivo os comentários depreciativos que os jornais e a televisão
veiculavam sobre a denominação. Escandalizada, ela relatou que a liderança da igreja
gostava tanto de expulsar demônios que não esperava que estes aparecessem
espontaneamente. Nas palavras da minha informante, “eles invocavam os demônios
para, depois, expulsá-los”. O comentário parecia-me um contrassenso, pois, se alguém
odeia os demônios, por que haveria de invocá-los? Na época, eu não tinha nenhum
fundamento para refutar tal análise.

A versão acima relatada não era a única a circular entre as pessoas próximas
daquele contexto. Os meios de comunicação, preferencialmente, veiculavam uma
segunda versão do significado do exorcismo. Via de regra, o rito era descrito como
uma fraude, embora seja sempre muito difícil, ou até impossível, verificar se ela ocorre
ou não. Pastores, bispos e alguns supostos fiéis, em mútua combinação, estariam
simulando a possessão para atrair
32 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos

a atenção das pessoas e demonstrar a eficácia da denominação na tarefa de dissipação


do mal. Essa versão, embora construída em um clima de polêmica entre a igreja e uma
das maiores emissoras de televisão do nosso país, parece encontrar alguma
fundamentação em uma publicação. Leonildo Silveira Campos (1997) relata, em sua
tese, a história de uma pessoa contratada que circulava por várias cidades simulando
estar possuída por um demônio. O problema dessa explicação é a impossibilidade de
que a veracidade de cada situação de possessão seja checada. Além disso, a realidade
é socialmente construída: se as pessoas acreditam que algo seja verdadeiro, então isso
passa a ser real para elas.
Uma terceira possibilidade de explicação do exorcismo tem raízes profundas
nos estudos sobre o pentecostalismo. Em meados do século XX, quando esse
movimento religioso começou a ser difundido no Brasil, de forma mais acelerada, foi-
se constituindo um paradigma que analisava o fenômeno como um refúgio das massas
oprimidas. Dentro desse paradigma, o exorcismo seria uma catarse ritual de pessoas
afligidas pela pobreza. Se o pentecostalismo é uma forma de expressão das camadas
oprimidas, como explicar o número cada vez mais crescente de adeptos da igreja que
desfrutam de uma situação financeira abastada? Se a maioria absoluta da população
brasileira é pobre, que importância tem dizer que um fenômeno atinge a maioria
empobrecida? Nas igrejas locais, nos programas televisivos ou de rádio dessa igreja
neopentecostal, podemos ouvir uma série de testemunhos de pessoas que
prosperaram, e isso acontece por serem “abençoadas por Deus”, uma evidencia de que
não apenas os pobres aderem a essa igreja.
Se as explicações anteriores apenas podem elucidar superficial e parcialmente
o exorcismo, como explicá-lo de forma mais densa e convincente? Consideramos que
a prática somente pode ser descrita de forma densa por um especialista treinado
adequadamente.
33 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos

Sem um olhar treinado pela antropologia ou pela historiografia da cultura, é bastante


difícil conseguir relativizar as considerações pejorativas que circulam no Brasil
contemporâneo. O preconceito impede que se compreenda e se explique, de forma
relevante, o fenômeno. Embora não possamos argumentar de forma extensiva aqui,
entendemos que o exorcismo possa ser descrito densamente com base nos quatro
aspectos que analisaremos a seguir.

1. Exorcismo como demonização do outro – A instituição religiosa é uma igreja


relativamente nova. Sua organização como denominação ainda está em vias de
construção. O principal meio de formação da identidade teológica e ritual da
igreja não é afirmativa, mas, sobretudo, negativa. A referida igreja edifica sua
identidade no campo religioso brasileiro mediante a negação e a ridicularização
das suas concorrentes. De acordo com a conveniência e dependendo da
situação, qualquer religião pode ser desautorizada pela liderança dessa igreja:
evangélicos, pentecostais, católicos romanos, umbandistas e candomblecistas.
2. Exorcismo como teatralização das aflições do cotidiano – Todo culto
neopentecostal é teatralizado. O rito de exorcismo, como um dos
acontecimentos mais importantes dos cultos dessa igreja, é uma encenação. Não
estamos querendo com isso estabelecer um juízo de valor negativo em relação
à igreja e ao seu culto. Usamos a palavra teatro no sentido indicado por Campos
(1997) como uma metáfora para designar uma forma de culto em que as pessoas
são instigadas a encenar seus dramas sociais por meio de ritos, gestos, ações e
palavras.
3. O exorcismo como um rito de passagem – O drama que perpassa o rito de
exorcismo tem como finalidade promover o deslocamento das pessoas de uma
situação para outra.
34 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos

Pela mediação do rito de exorcismo, a pessoa passa de um estado de aflição


para um estado de prosperidade. A nomenclatura exorcismo quase não está
presente no vocabulário neopentecostal. A palavra libertação é preferida pela
liderança da igreja, os demônios são expulsos da vida das pessoas para que elas
possam viver em prosperidade.
4. O exorcismo como teodiceia – Uma teodiceia é um discurso organizador e
construtor de mundo. Perante o caos que os desafetos da vida cotidiana
proporcionam, os seres humanos insistem em afirmar e reafirmar a presença
divina. Peter Berger (2004) diz que tanto um camponês iletrado, que explica a
morte de um filho como vontade de Deus, quanto um teólogo, que escreve um
tratado para explicar que o sofrimento de um inocente não nega a bondade de
Deus, estão engajados em uma teodiceia. A morte de um filho poderia causar a
incredulidade e desorganizar o mundo do camponês, mas este constrói ou
passa a defender como genuíno um discurso que procura explicar a morte e,
portanto, torná-la aceitável e compatível com sua fé em Deus. O sábio teólogo
assume a função de tornar possível, para si e para os outros, o entendimento do
incompreensível: O sofrimento de um inocente. A morte, a dor, o desemprego
e os dissabores mostram a faceta caótica do mundo. Os ritos e os discursos
neopentecostais estão sempre conferindo sentido e ajudando a construir
domínio, ou seja, pôr ordem sobre o caos.

Tendo explicado o conceito de descrição densa de forma teórica e, depois,


ilustrado, por meio de um exemplo de pesquisa, como ele funciona, precisamos nos
dirigir a um nível ainda mais concreto: o da interpretação de forma propriamente dita.
As dúvidas são: Como funciona uma interpretação cultural? Como podemos fazer
uma interpretação de uma cultura?
35 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos

Devemos dizer que uma pessoa que procura pesquisar ou compreender um


universo cultural distinto do seu vai ter de lidar com os problemas de
desconhecimento do outro e de projeção de seus pressupostos culturais sobre o outro.
Tanto uma dificuldade quanto a outra constituem obstáculos às pretensões desse
sujeito conhecedor. Como superar tais obstáculos? Como entrar no universo de
símbolos de uma cultura? Como tirar proveito dos próprios preconceitos? Para
encontrar as respostas a essas questões, teremos de retornar ao antropólogo americano
Clifford Geertz.
As pesquisas do autor funcionam com o conceito de cultura que ele mesmo
identifica como semiótico. E a atividade do antropólogo que utiliza um conceito
semiótico de cultura não pode ser definida como uma ciência experimental, no sentido
de que é motivada pela busca de leis, mas como uma atividade de permanente
interpretação e reinterpretação.

O conceito de cultura que eu defendo, e cuja utilidade os ensaios abaixo tentam


demonstrar, é essencialmente semiótico. Acreditando, como Max Weber, que
o homem é um animal amarrado a teias que ele mesmo teceu, assumo a cultura
como essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental
em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa à procura do significado.
(Geertz, 2008, p. 4)

Ainda, segundo o autor, interpretação é uma atividade que está presente em


toda a vida cultural. Assim, podemos dizer que a interpretação ocorre nas ações de um
sujeito que é observado pelo antropólogo e se faz presente na atividade deste, quando
coloca por escrito as ações culturais que observou e que continuam na análise que faz
dos dados que recolheu em campo. Então, passa a fazer todo o sentido que o autor
afirme que os textos antropológicos são interpretações de segunda ou de terceira mão,
pois, rigorosamente
36 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos

falando, apenas os nativos fazem uma interpretação original. Enfim, a atividade do


antropólogo é toda atravessada pela interpretação, levando-nos a dizer que esse
pesquisador faz a interpretação de interpretações e assim sucessivamente.
O antropólogo brasileiro Roberto Cardoso de Oliveira (1998) também
compreende a atividade da antropologia como sendo eminentemente interpretativa.
Ele afirma que essa ciência tem como principal marca realizar sempre uma dupla
interpretação. Desse modo, por um lado, quando um antropólogo está descrevendo
um campo de estudos, está fazendo uma interpretação de primeira mão; por outro,
quando está interpretando a descrição que fez anteriormente, está fazendo uma
interpretação de segunda mão. “Quero dizer com isso que a própria divergência na
interpretação da realidade sociocultural sofre pelo menos duas retrações: uma,
resultante da descrição mesma, a rigor, uma interpretação de primeiro grau; a outra,
de segundo grau, uma interpretação da descrição sendo essa descrição, ela própria,
interpretativa” (Oliveira, 1998, p. 96).
A ação interpretativa é marcada pela relação dialética entre compreensão e
explicação, conforme a teoria da interpretação de Paul Ricoeur (1999). Para o filósofo
francês, a atividade interpretativa envolve tanto o ato de compreender quanto o de
explicar algo. Assim, devemos dizer que compreensão e explicação são ações que
servem para qualificar a atividade de interpretação, tendo em vista que qualquer
descrição, por mais objetiva que alguém a deseje, será, ainda assim, uma interpretação
de algo. O antropólogo, quando vai ao campo empírico coletar dados, não vai só. pois
está sob influxo de sua comunidade cientifica, ou, em outros termos, está condicionado
por um contexto intersubjetivo. Oliveira (1998) descreve a figura de um arco
interpretativo, a fim de ilustrar seu ponto de vista teórico. Essa imagem foi tirada do
trabalho filosófico de Ricoeur (1999):
37 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos

Teríamos, assim, a interpretação explicativa e a interpretação compreensiva.


Essas duas modalidades de interpretação guardam entre si uma relação
dialética, isto é, de mútua ou recíproca contaminação. Para exemplificar,
recorro ao “arco interpretativo” de que nos fala o mesmo Ricoeur e que habita,
muitas vezes inconscientemente, a nossa prática etnográfica. Em um extremo
desse arco, exercitamos uma compreensão ingênua, de superfície, quase uma
intuição daquilo que nos é dado pela intuição. No outro extremo, realizamos
uma compreensão sábia, de profundidade, uma indução fortalecida pela
mediação ou anterioridade da explicação – nomológica – situada no vértice do
arco interpretativo. (Oliveira, 1998, p. 97, grifo do original)

O arco interpretativo que o antropólogo brasileiro recolhe de Ricoeur é muito


parecido com o conceito de círculo hermenêutico, presente na filosofia do alemão
Hans-Georg Gadamer (1999). Assim, as metáforas do arco ou do círculo podem ser
vistas como essenciais para ilustrar o ato interpretativo como um fenômeno cíclico.
Um intérprete não capta nem elabora o sentido de um fenômeno que observa ou lê em
uma única observação do objeto, mas em função de aproximações persistentes e
sucessivas. Diríamos que, assim, interpretações parciais são substituídas por outras
mais adequadas.

Recordamos aqui a regra hermenêutica, segundo a qual tem-se de


compreender o todo a partir do individual e o individual a partir do todo. É uma
regra que procede da antiga retórica e que a hermenêutica moderna transferiu
da arte de falar para a arte de compreender. Aqui como lá subjaz uma relação
circular. A antecipação de sentido, na qual está entendido o todo, chega a uma
compreensão explicita através do fato de que as partes que se determinam a
partir do todo determinam, por sua vez, a esse todo. (Gadamer, 1999, p. 436)
38 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos

Os preconceitos eram vistos por filósofos positivistas como o principal


empecilho ã construção de conhecimento, mas Gadamer, em oposição, valoriza-os no
processo de interpretação. Preconceitos, que inicialmente podem ser vistos como
obstáculos ã interpretação, acabam por realizar um papel fundamental na ação
interpretativa. Isso porque um intérprete qualquer não pode se livrar de suas
preocupações, mas pode tomar consciência delas e colocá-las sob suspeita ou
suspendê-las.

Ê claro que destacar um preconceito implica em suspender sua validez. Pois na


medida em que um preconceito nos determina, não o reconhecemos nem o
pensamos como um juízo. Como poderia então ser destacado? Conseguir pôr
um preconceito diante dos olhos é impossível, enquanto este estiver constante
e desapercebidamente em obra, porém somente quando, por assim dizer, ele
é atraído por estimulo. (Gadamer, 1999, p. 447)

O filósofo alemão diz que, no diálogo com o outro, que pode ser uma pessoa,
um grupo ou um texto, não é imprescindível que o indivíduo se abstenha de seus
próprios pontos de vista, mas somente que esteja aberto ao ponto de vista alheio
(Ricoeur, 1999). Assim, à medida que ele se disponibiliza para a opinião do seu
interlocutor com consciência dos próprios preconceitos, está dando um passo
importante para apreender o que seu interpelador está dizendo.
Desse modo, devemos dizer que a interpretação é um processo que está
presente em todas as etapas da análise realizada por um pesquisador. Todas as vezes
que ele se desloca para o seu campo de observação e de estudo não o faz desvestido
de preconceitos, mas certo de que os possui e que pode haver a conscientização de
alguns e de outros, não. Apesar disso, ele sempre vai a campo com muita abertura para
o outro e para a sua lógica de mundo e a sua lógica da forma de pensar, que muitas
vezes difere profundamente da
39 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos

dele próprio. As constantes visitas a campo ajudam na elaboração de elementos que


lhe permitam acumular significados para poder fazer uma interpretação mais global
das crenças e dos ritos que o outro produz. Interpretações parciais vão sendo
substituídas por aquelas mais globais dentro de um círculo não vicioso, mas
hermenêutico. Quando acumula dados em seu diário de campo, suficientes para ter
condições de fazer uma interpretação mais consistente, o pesquisador começa um
segundo processo de interpretação que é o de manter o diálogo com a comunidade e
científica do universo da sociologia e da antropologia para compreender as
observações de campo com base em categorias desse universo.
Interpretação ê a palavra que serve para designar a atividade do cientista social
quando elo se desloca do seu universo cultural em direção ao outro no seu campo de
pesquisa. Interpretação é o que faz o pesquisador quando, tendo recolhido dados e os
registrados em seu diário de campo, procura compreender o que recolheu à luz de
conceitos da antropologia e da sociologia.

SÍNTESE
Neste capítulo, estudamos dois tópicos fundamentais do campo da antropologia da
religião: (1) exposição sobre o que é antropologia da religião; (2) descrição sobre como
podemos construir conhecimento sobre a antropologia da religião.
Vimos que a religião é um fenômeno cultural corno tantos outros e estudamos
a definição do antropólogo norte-americano Clifford Geertz, para quem a religião é
um complexo de símbolos significativos que são capazes de criar motivações intensas
e duradouras sobre a vida de pessoas e de grupos.
Por fim, percebemos que podemos definir a construção de conhecimento
antropológico sobre a religião com base em duas categorias provenientes do
pensamento de Geertz (2008): descrição
40 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos

densa e interpretação. Se a religião é uma teia de símbolos que têm uma densidade de
significados, somente podemos decifrar esses símbolos por meio de uma descrição
densa (meticulosa e persistente), falo que nos credenciará a uma interpretação
adequada do que observamos.

INDICAÇÕES CULTURAIS
PEIRANO, M. A favor da etnografia. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995.
Livro de uma das mais autênticas e interessantes antropólogas de nosso país, versando
sobre um tema que foi abordado neste capítulo.

PEIRANO, M. Etnografia não é método. Horizontes Antropológicos. Porto Alegre,


ano 20, n. 42, p. 577-591, jul./dez. 2014. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/ha/v20n42/15.pdf>. Acesso em: 8 jan. 2020.
Texto muito interessante sobre a prática etnográfica. Pequeno, objetivo e
fundamental.

SOUZA, L M. O diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade


popular no Brasil Colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
Livro muito interessante de uma historiadora brasileira sobre a
religiosidade popular no Brasil Colonial. Ajuda a desmistificar a
visão de que nosso país foi exclusivamente católico desde o início.

THOMAS, K. Religião e o declínio da magia. São Paulo. Companhia da» Letras, 1991.
Obra do historiador inglês sobre o declínio das práticas mágicas na Inglaterra, na
mesma proporção em que foram difundidas formas de religião conectadas à Reforma
Protestante no país.

VELHO, Y. M. A. Guerra de orixá: um estudo de ritual e conflito. Rio de Janeiro: Zahar,


1975.
Um belo texto da antropóloga brasileira sobre um terreiro de umbanda, desde sua
fundação até sua dissolução. Um livro exemplar de uma antropologia religiosa muito
bem-feita.
41 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos

ATIVIDADES DE AUTOAVALIAÇÃO
1. Uma forma correta de nos aproximarmos de uma outra pessoa por intermédio
da religião é:
A] impor a nossa religião a essa pessoa, uma vez que isso é um imperativo
divino.
B] criticar a religião do outro com base na nossa.
C] avaliar a religião e a cultura do outro com base na nossa.
D] fazer uma descrição densa, ou seja, complexa e problematizadora da
pertença religiosa do outro.
E] manter uma atitude de respeito e esforçar-se para compreender o que o
outro está dizendo.

2. Uma definição de religião com base em Clifford Geertz envolveria:


A] apenas um sistema de símbolos que atua para realizar algo.
B] algo que estabelece poderosas, penetrantes e duradouras disposições e
motivações nos seres humanos, e nada mais.
C] apenas a formulação de conceitos de uma ordem de existência geral.
D] vestir suas concepções com tal aura de factualidade que as disposições e as
motivações pareçam singularmente realistas.
E] um sistema de símbolos que atua para estabelecer poderosas. penetrantes e
duradouras disposições e motivações nos homens por meio da formulação
de conceitos de uma ordem de existência geral e vestindo essas concepções
com tal aura de factualidade que as disposições e as motivações pareçam
singularmente realistas.
42 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos

3. Não podemos definir uma descrição densa como sendo:


A] uma descrição persistente.
B] uma descrição detalhada.
C] etnocentrismo.
D] sinónimo de trabalho de campo.
E] sinônimo de etnografia.

4. O que é uma interpretação?


A] Uma observação neutra dos fatos antropológicos.
B] Uma descrição quantitativa dos fatos observados.
C] Uma interação com as pessoas de outra cultura.
D] Um processo que perpassa toda a atividade cultural.
E] Uma observação objetiva dos fatos culturais.

5. Como podemos definir antropologia da religião?


A] Como um campo de conhecimento que está preocupado em decifrar signos,
assim como a ingerência que eles têm sobre o comportamento das pessoas;
a melhor forma para fa/.cr isso é ser inserido na comunidade religiosa que
se quer compreender, o que demanda esforço e persistência.
B] Como uma forma de conhecimento que está preocupado em elaborar signos,
assim como a ingerência que eles têm sobre o comportamento das pessoas;
a melhor forma para fa/.er isso é ser inserido na comunidade religiosa que
se quer compreender, o que demanda esforço e persistência.
C] Como um campo de conhecimento que está preocupado em decifrar signos,
assim como a ingerência que eles têm sobre o comportamento das pessoas;
a melhor forma para fazer isso é estudar a produção dogmática escrita de
uma comunidade religiosa que se quer compreender, o que demanda
esforço e persistência.
43 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos

D] Como um campo do conhecimento que está preocupado em decifrar signos,


sem preocupar-se com a ingerência que eles têm sobre o comportamento das
pessoas; a melhor forma para fazer isso é ser inserido na comunidade
religiosa que se quer compreender, o que demanda esforço e persistência.
E] Como uma área intuitiva que está preocupada em decifrar signos, assim
como a ingerência que eles têm sobre o comportamento das pessoas; a
melhor forma para fazer isso é ser inserido na comunidade religiosa que se
quer compreender, o que demanda esforço e sensibilidade.

ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM

Questões para reflexão


1. Pense em situações que você julgou pejorativamente a religião de uma outra
pessoa. Como você agiria depois de ler este capítulo? Que contribuições o
conteúdo estudado deu para que você tenha uma atitude mais positiva diante
da religião alheia?
2. Reflita sobre como os dados deste capitulo poderiam ajudá-lo a fazer uma
monografia acadêmica sobre uma religião que não seja a sua.

Atividade aplicada: prática


1. Visite uma instituição religiosa (igreja, mesquita, sinagoga, terreiro de umbanda
ou candomblé, centro espírita, comunidade do Santo Daime etc.) que não seja a
sua. Leve um caderno consigo para anotar todos os detalhes que puder
observar. Fique atento a aspectos como o ambiente físico, o modo como as
pessoas se comportam e os ritos (cantos, danças, gestos estereotipados ou
repetitivos, orações, preces etc.); descreva-os e anote-os em seu caderno,
mencionando os textos sagrados que eventualmente forem lidos, os discursos
proferidos, os
44 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos

alimentos consumidos em ambiente sagrado e qualquer outro detalhe que achar


importante. Se não estiver entendendo qualquer aspecto, procure informar-se,
durante ou depois da celebração, para obter explicações ou detalhamentos.
Indique, em uma folha à parte, quais foram os seus sentimentos em relação ao
que observou (medo, insegurança, estranhamento, alegria, euforia,
curiosidade). Finalize a atividade fazendo uma interpretação do que observou.
2.
PERSPECTIVAS CLÁSSICAS
EM ANTROPOLOGIA
DA RELIGIÃO
O campo da antropologia é amplo e diverso. Se fôssemos fazer uma história da ciência
e destacar os nomes mais interessantes, precisaríamos escrever um livro à parte, li,
mesmo assim, seria enorme, quase infindável. Talvez precisássemos de alguns
volumes para levar tal tarefa a termo. Como não temos tempo nem espaço para isso,
optamos por um recorte bastante conveniente: escolhe mos dois grandes nomes da
antropologia, distantes, no tempo, um do outro, mas que têm em comum o fato de
terem produzido trabalhos importantes sobre o campo religioso.
Nossa intenção ê que você, após o estudo deste capítulo, seja capaz de
identificar e de descrever noções básicas do pensamento de dois ícones da
antropologia, Marcel Mauss (1872-1950) e Claude Lévi-Strauss (1908-2009), como é o
caso de temas como a dádiva, a magia e a eficácia simbólica.
Portanto, o capitulo é dedicado à antropologia clássica. E cabe começar
esclarecendo o que entendemos pela última palavra da frase anterior. Mauss e Lévi-
Strauss viveram em tempos relativamente distantes. Praticamente, quando um saiu de
cena, o outro começou a atuar. Assim, você pode perceber que o critério de
antiguidade não define necessariamente um clássico, pois um dos autores é
relativamente antigo, mas o outro é contemporâneo nosso.
46 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

Entendemos por clássico um intelectual que tenha dado uma contribuição


fundamental para a ciência que praticou durante a vida. O primeiro nome em destaque
é considerado um dos fundadores da antropologia, de modo que, em seu tempo, não
se distinguia, ainda, de forma clara, antropologia de sociologia. Essa separação foi
construída ao longo do século XX. Quanto mais no início da centúria, menor a
diferenciação entre as ciências; e, quanto mais perto do seu fim, maior a distinção.
Assim, uma das contribuições de Mauss foi a de ajudar a construir a antropologia
como campo autônomo em relação a outras áreas do conhecimento, de forma geral, e
da sociologia, de modo particular.
Lévi-Strauss apareceu em cena quando Mauss já estava idoso, e sua
contribuição para a antropologia foi conduzi-la a um novo patamar de densidade
teórica. Nos anos 1950 e 1960, ele quase conseguiu fazer da antropologia uma espécie
de rainha das demais ciências. Embora a antropologia tenha se tornado conhecida pela
inserção do seu estudioso no campo, mantendo contato direto e extensivo com as
culturas que estava investigando – Lévi-Strauss não foi um trabalhador empírico por
excelência, mas, acima de tudo, um grande produtor de conceitos e de teorias. Também
cabe destacar que ele fez parte da missão que fundou a Universidade de São Paulo
(USP), nas primeiras décadas do século passado, tendo, por isso, contribuído para a
formação de muitos antropólogos brasileiros e exercendo sobre eles grande influência
teórica. Além disso, mesmo não sendo um empírico por excelência, Lévi-Strauss
realizou um trabalho de campo entre indígenas brasileiros.
Como, neste livro, não abordamos a história propriamente da antropologia,
nem esse campo de forma geral, e sim sua contribuição para o estudo da religião,
destacaremos, do autor mais antigo, os debates sobre a dádiva e a magia e, do autor
mais recente, também abordaremos a sua análise da magia, complementada por
47 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

sua célebre investigação sobre a eficácia simbólica. Assim, no todo, teremos duas
visões sobre a magia e abordagens originais sobre a dádiva e a eficácia simbólica.
Para começar o nosso debate e a nossa análise, lançamos algumas perguntas
pertinentes ao assunto: Quem foram Marcel Mauss e Claude Lévi-Strauss? Que
contribuições deram para o estudo da religião? Qual a importância do debate de
Mauss sobre a dádiva? Como a discussão sobre o tema poderia ter impacto sobre nosso
modo de vida contemporâneo? Como distinguir religião e magia? O que caracteriza a
prática mágica? Como a magia pode ser percebida em nossas culturas
contemporâneas? O que é eficácia simbólica? Como ela funciona em ambientes
religiosos? Percebemos a ação da eficácia simbólica em ambientes religiosos brasileiros
na atualidade?

Antropologia da religião
2.1

com base em Marcel Mauss


Conforme destacamos anteriormente. Marcel Mauss pode ser considerado tanto um
sociólogo como um antropólogo. Podemos perceber que o seu nome é marcante em
ambas as áreas, sendo considerado o pai da antropologia francesa.
Outro fato interessante sobre sua vida é que Mauss era sobrinho cie Émile
Durkheim, também considerado um intelectual fundamental para as duas ciências.
Mauss nasceu quatorze anos mais tarde e na mesma cidade que seu tio, tendo sido
instruído por ele e se tornado seu assistente.
Foi professor na École Pratique des Hautes Études, em Paris; fundou o Instituto
de Etnologia da Universidade de Paris e fez
48 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

parte do corpo docente do prestigiado Collège de France, mas suas atividades foram
interrompidas pela Segunda Guerra Mundial.
Por fim, devemos destacar que ele foi o sucessor de Durkheim como editor da
revista L'Année Sociologique, periódico fundamental para a construção e a difusão de
conceitos da sociologia e da antropologia na França.
O debate teórico original de Mauss pode ser exemplificado pela designação de
fato social total, que pode ser compreendido como uma atividade que tem implicações
em toda a sociedade, atingindo as esferas econômica, jurídica, política e religiosa.
Podemos dizer que um fato social total seria aquele capaz de exercer influência sobre
diversas instituições e práticas que podem parecer, à primeira vista, bastante distintas.
A designação de fato social total aparece, algumas vezes, no conhecido texto
Ensaio sobre a dádiva (Mauss, 2017). Nele, o autor aborda o tema da dádiva, que, na
verdade, implica a obrigação de ofertar, aceitar e retribuir presentes de outras pessoas
ou de grupos sociais. O antropólogo pioneiro aborda uma enormidade de exemplos
tirados de pesquisas de outros estudiosos, assim como de documentos históricos dos
tempos e épocas muito diversificados.
Logo no início do escrito, Mauss afirma que, ao se debruçar sobre o tema da
dádiva, ele estaria diante de um conjunto de fatores que perpassam a totalidade da
vida social.

Existe aí um enorme conjunto de fatos. E fatos que são muito complexos. Neles,
tudo se mistura, tudo o que constitui a vida propriamente social das sociedades
que precederam as nossas – até às da proto-história. Nesses fenômenos sociais
“totais”, como nos propomos chamá-los, exprimem-se, de uma só vez, as mais
49 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

diversas instituições: religiosas, jurídicas e morais – estas sendo políticas e


familiares ao mesmo tempo econômicas – estas supondo formas particulares
da produção e do consumo, ou melhor, do fornecimento e da distribuição sem
contar os fenômenos estéticos em que resultam estes fatos e os fenômenos
morfológicos que essas instituições manifestam. (Mauss, 2017, p. 193)

Entendemos que o autor está querendo dizer que a dimensão econômica não
deve ser percebida como simples fato da cultura material, mas como algo revestido de
sentido simbólico. Trocar objetos com pessoas ou grupos não é uma atividade
realizada apenas para suprir necessidades materiais. O ser humano é um animal
simbólico, o que implica que suas ações estão sempre revestidas de um significado que
transcende o que está sendo feito.
Por exemplo, o fiel de uma igreja neopentecostal da atualidade, quando oferta
dinheiro à instituição, não o faz apenas para satisfazer as suas necessidades materiais,
ou mesmo as da denominação religiosa. Trata-se de uma relação de troca simbólica,
fato que tem implicações sobre sua vida religiosa (dádiva para com Deus, a fim de
também receber algo dele), sobre a vida econômica (a crença de que dar a Deus implica
receber muito mais em troca pode ser eficaz para que essa pessoa ascenda socialmente)
e sobre a vida social (a troca sempre acontece em um ambiente comunitário, pois as
pessoas negociam com Deus coletivamente).
Ainda no texto Ensaio sobre a dádiva, Mauss (2017, p. 324) volta ao importante
conceito e apresenta suas conclusões:

Mesmo assim, há nessa maneira de tratar um problema um princípio heurístico


que gostaríamos de destacar. Os fatos que estudamos são todos, permitam-nos
a expressão, fatos sociais totais ou, se quiserem – mas gostamos menos da
palavra – gerais: isto é, eles põem em ação, em certos casos, a totalidade da
sociedade e
50 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

de suas instituições (potlatch, clãs que se enfrentam, tribos que se visitam etc.)
e, noutros casos, somente um número muito grande de instituições, em
particular quando essas trocas e contratos dizem respeito sobretudo aos
indivíduos.

De novo aparece a expressão fatos sociais totais ou gerais. A preocupação é com


fenômenos que mobilizam a totalidade ou grande parte da sociedade. Quando falamos
em sociedades primitivas (arcaicas ou antigas), o conceito parece funcionar melhor, em
função de serem menos segmentadas que as contemporâneas. No entanto, a
preocupação de Mauss parece ser com as sociedades de seu tempo – talvez ele
partilhasse as mesmas ansiedades de seu tio sobre O papel da religião na construção
de coesão social. Durkheim pensava que, com o suposto declínio da religião nas
sociedades ocidentais contemporâneas, a vida social perderia um fenômeno poderoso
de construção de vínculos entre as pessoas; então, o sociólogo procurava por aspectos
da vida social que pudessem suceder a religião em tal tarefa. Estaria Mauss, ao analisar
a dádiva como fato social total, querendo dizer que as sociedades de outros tempos ou
de distintos espaços têm fatores simbólicos, mesmo por detrás da aparente frieza e
simplicidade de trocas de objetos? É como se ele estivesse argumentando que sempre
existirão fatores simbólicos, como, de fato, a religião e, e que esses fatores funcionarão
como construtores de sentido para a vida social, conferindo a ela a tão procurada
coesão social proposta por seu tio.
No início do século XX, havia a preocupação em encontrar aspectos que
pudessem funcionar na vida social da mesma forma que a religião, que, como
mencionado acima, parecia declinar da cena social no mundo ocidental. Ressaltamos
isso porque poucas páginas adiante do último trecho citado do texto Ensaio sobre a dá
diva, ou melhor, no último parágrafo do texto, Mauss retorna ao conceito de fato social
total em um contexto em que fala de moral,
51 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

civilidade e civismo como quem busca aspectos na vida social que possam preencher
as relações das pessoas em substituição à religião.

Percebe-se como é possível estudar, em certos casos, o comportamento


humano total, a vida social inteira; e percebe-se também como esse estudo
concreto pode levar não apenas a uma ciência dos costumes, a uma ciência
social parcial, mas inclusive a conclusões de moral, ou melhor – para retomar a
velha expressão-, de “civilidade”, de “civismo”, como se diz agora. De fato,
estudos desse tipo permitem entrever, medir, ponderar as diversas motivações
estéticas, morais, religiosas, econômicas, os diversos fatores materiais e
demográficos cujo conjunto funda a sociedade e constitui a vida comum, e cuja
reflexão consciente é a arte suprema, a Política, no sentido socrático da
palavra. (Mauss, 2017, p. 330)

Pelo exposto, percebemos que Mauss estava procurando a dimensão simbólica,


que está presente na religião, de forma muito explícita, em outras instâncias da
sociedade. Se a religião é a principal fonte de princípios éticos para a maior parte das
pessoas, elas não deixarão de agir moralmente, mesmo que não tenham fé em uma
divindade. Isso porque o simbólico pode ser visto em aspectos aparentemente laicos,
para usar uma expressão contemporânea, como é o caso da economia das trocas de
presentes.
Contudo, não nos esqueçamos da importância metodológica do debato sobro
fato social total. No texto Ensaio sobre a dádiva, Mauss (2017) nos mostra que analisar
um dado fenômeno da vida social implica sempre estabelecer correlações de fatores.
Alguns historiadores franceses da segunda metade do século XX usavam a expressão
história total para designar o foco do trabalho do historiador: uma historiografia capaz
de analisar densamente um dado momento do passado. Isto é, não apenas pensar em
um fato
52 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

ou em um conjunto de dados isoladamente, mas refletir de forma abrangente sempre.


Por exemplo, Jacques Le Goff, historiador medievalista, analisava as implicações da
ética católica romana sobre a economia do medievo, mostrando que não há limites
estabelecidos entre economia, religião, ética e vida social. Tudo está relacionado com
tudo.
Podemos avançar um pouco mais na nossa análise da dádiva de Mauss.
Deixemos o seu delineamento teórico-metodológico de lado, por ora, e coloquemos o
foco na dádiva de forma propriamente dita. O primeiro aspecto que podemos abordar
é que uma troca nunca é uma simples transação mercantil, mas um ato coletivo cheio
de significados.

Nas economias e nos direitos que precederam os nossos, nunca se constatam,


por assim dizer, simples trocas de bens, de riquezas e de produtos num
mercado estabelecido entre os indivíduos. Em primeiro lugar, não são
indivíduos, são coletividades que se obrigam mutuamente, trocam e
contratam; as pessoas presentes ao contrato são pessoas morais clãs, tribos,
famílias que se enfrentam e se opõem, seja em grupos frente a frente num
terreno, seja por intermédio de seus chefes, seja ainda dessas duas maneiras
ao mesmo tempo. Ademais o que eles trocam não são exclusivamente bens e
riquezas, bens móveis e bens imóveis, coisas úteis economicamente. São, antes
de tudo, amabilidades, banquetes, ritos, serviços militares, mulheres, crianças,
danças, festas, feiras, dos quais o mercado é apenas um dos momentos, o nos
quais a circulação de riquezas não é senão um dos termos de um contrato bem
mais geral e bem mais permanente. (Mauss, 2017, p. 196-197)
53 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

Parece que Mauss tem as sociedades europeias de seu tempo como contraste
das que analisa em outras temporalidades e em espaços diversos. Quando ele diz que
as trocas não são meras transações mercantis, entendemos que ele pensava que assim
tinha passado a ser na Europa no século XX. Todavia, como antropólogo, ele estava
interessado em culturas que trocavam vários objetos, inclusive com uma perspectiva
bastante diversa daquela que parecia ser mais comum a um europeu. Enfim, o
envolvimento de grupos sociais na transação, assim como a dimensão simbólica (o
sentido, o significado) da troca parecem ser os aspectos que interessavam ao estudioso
francês.
A troca envolvia um ciclo de obrigações entre diferentes culturas não europeias
analisadas pelo autor. Havia não somente a obrigação de oferecer algo aos demais
grupos, mas também o dever destes de receber e retribuir o que recebiam, formando o
que Mauss (2017, p. 208) chamava de “prestação total”. E ele acrescenta que os
presentes não eram dados apenas para as pessoas, mas para a natureza e para as
divindades também. Destacamos o último aspecto porque envolve não somente os
símbolos, de forma geral, mas a dimensão religiosa presente em cada um deles.

Não é difícil compreender o que Mauss está dizendo, se nos voltarmos para o exemplo
da teologia da prosperidade das igrejas neopentecostais da atualidade. O ambiente
religioso é bastante propicio para que pessoas da mesma comunidade troquem
serviços, conforme presenciei enquanto fazia trabalho de campo. Várias vezes, recebi
cartões de irmãos que eram pequenos empresários e que me ofereciam seus serviços.
Provavelmente, um dos fatores que fazem com que »ima pessoa prospere quando
passa a fazer parte de uma dessas comunidades é o fato de que, especialmente quando
as igrejas são grandes, a preferência por produtos oriundos
54 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

de membros do grupo religioso gera um aquecimento interno das trocas econômicas.


Cabe lembrar que tudo isso é permeado por uma atmosfera do sagrado. A crença de
que Deus nos quer prósperos é um importante motor para a ação das pessoas. Além
disso, não há troca apenas entre os fiéis, mas entre eles e Deus. Muitas vezes, ainda em
trabalho de observação de campo, ouvi promessas de que era preciso dar algo para
Deus para que as pessoas recebessem o dobro ou o triplo. O principal argumento era
que Deus havia prometido fazer as pessoas prosperarem; então, quando alguém agia
em conformidade com uma promessa sagrada, estava, literalmente, colocando Deus
contra a parede.

Voltemos aos argumentos de Mauss. Conforme mencionamos, ele estudou as


estratégias de troca em diversas sociedades não ocidentais. Destacamos, agora, que ele
também fez uma pesquisa que envolvia diversas outras sociedades do passado, tanto
europeias como de outras regiões do globo. Temos a impressão de que, com essa
múltipla atestação do fenômeno, ele visava demonstrar que suas afirmações tinham
“valor sociológico geral” (Mauss, 2017, p. 277). Por um lado, ele via essa aura sagrada
sendo perdida nas trocas mercantis das culturas europeias de seu tempo em função do
declínio da religião; por outro, tinha a esperança de que, mesmo com essa laicização,
as dimensões social e simbólica fossem preservadas. É possível detalhar mais esse
argumento quando analisarmos as conclusões do texto.
A parte final do ensaio é relativamente extensão está dividida em três curiosos
títulos: (1) Conclusões de moral; (2) Conclusões de sociologia econômica e de economia
política; e (3) Conclusão de sociologia geral e de moral. A palavra moral dá uma
importante dica do ponto em que o autor queria chegar. Ao comparar sociedades tão
distintas e observar os mecanismos de troca, o envolvimento
55 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

coletivo em tais tarefas e o sentido que tudo isso tinha para a vida cotidiana das
pessoas, Mauss pensava que isso as tornava mais solidárias e felizes do que nós.

Todas essas sociedades estão, ou estavam, longe de nossa unificação e da


unidade que uma história insuficiente lhes atribui. Ao mesmo tempo, no
interior desses grupos, os indivíduos, mesmo fortemente marcados, eram
menos tristes, menos sérios, menos avarentos e menos pessoais do que somos;
exteriormente, pelo menos, eles eram ou são mais generosos, mais dadivosos
que nós. (Mauss, 2017, p. 327)

A importância das conclusões de Mauss é tão grande que ecoa até os dias atuais.
Um filósofo alemão contemporâneo, com muita projeção no cenário intelectual
internacional, Peter Sloterdijk, considera-se um herdeiro do antropólogo francês ao
propor um “projeto de generosidade” (Ghiraldelli, 2018, p. 98-99) para os dias de hoje.
E aqui temos um caminho interessante para pensarmos as implicações do que
analisamos até o momento sobro Mauss: E se, em vez de sermos egoístas e
mesquinhos, fôssemos solidários e generosos? E se, em vez de as religiões seguirem
pelas trilhas dos valores excludentes do capitalismo, fossem uma fonte que estimulasse
a partilha e a doação? Claro que muitas expressões religiosas fazem isso na atualidade,
mas parece que as instituições que exploram financeiramente as pessoas vêm
crescendo muito ultimamente. Estamos convencidos do poder que as prescrições de
cunho sobrenatural têm e que pode ser manipulado para fazer as instituições
acumularem ou servirem como intermediárias na redistribuição de bens e serviços,
especialmente aos mais vulneráveis. Além disso, podemos exercitar a generosidade
individualmente.
56 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

Tenho alunos que passam por dificuldades até para comprar um lanche no intervalo
entre o fim do dia de trabalho e o início das aulas noturnas. Estar atento às
necessidades dessas pessoas é uma grande oportunidade para colocar em prática essa
generosidade. Além disso, muitos estudantes têm dificuldades para comprar livros,
embora estejam estimulados a ler e a estudar, pois veem nisso uma {talvez, a única)
possibilidade de ascensão econômica. Como amo os livros, fico sempre pensando que
nada pode fazer um bem maior do que doá-los às pessoas que desejam muito lê-los.
Aprendi isso com um colega professor que sempre estava atento aos alunos que
precisavam de algum tipo de ajuda.

Todavia, sobretudo, não nos esqueçamos do grande impacto simbólico que a


religião tem para mobilizar a generosidade das pessoas.
Precisamos seguir adiante na nossa análise do pensamento de Mauss. Para isso,
vamos nos deslocar para outro tema importante de seus escritos e que também tem
muita relevância para o estudo das religiões na atualidade, ou seja, para o “Estudo de
uma teoria geral da mugia” (Mauss, 2017, p. 47-187). Mais uma vez, temos de lembrar
que nosso autor era sobrinho de Durkheim e que este também se dedicou ao assunto
em algumas das páginas do seu clássico As formas elementares da vida religiosa
(Durkheim, 1996). Durkheim tinha uma tendência a distinguir magia de religião, tendo
construído uma espécie de tipologia de ambas, e Mauss parece divergir em alguns
aspectos dessa tipologia. Passemos, então, ao próprio texto de Mauss.
Assim como o tio, Mauss trabalha uma linha divisória entre magia e religião,
mas parece ter mais consciência de que essa distinção é meramente formal. Na prática,
ambas se tocam o tempo todo. O importante é que ele entendia a magia como um fato
social que tinha suas próprias características. Contrapondo-se, por exemplo, à ideia de
que a magia era um fenômeno eminentemente prático,
57 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

Mauss (2017) fala, já no próprio título de sou texto, que pretende estudar o que ele
chama de teoria geral da magia.
A melhor forma de começar o debate é a definição provisória de rito mágico,
proveniente do próprio autor: “Obtemos com isso uma definição provisoriamente do
rito mágico. Chamamos, assim, todo rito que não faz parte de um culto organizado,
rito privado, secreto, misterioso, e que tende no limite do rito proibido” (Mauss, 2017,
p. 61, grifo do original). Embora as práticas mágicas também se manifestem no âmbito
da religião institucionalizada, elas predominam nas margens do campo religioso e nas
bordas da vida social. Tanto na magia quanto na religião há sempre algo de misterioso,
mas também aspectos que não podem ser admitidos nas instituições legitimas, como
o segredo e o fato de lidar com coisas proibidas. Se algo é proibido, significa que um
outro (uma pessoa, uma instituição ou um grupo social) o vetou. E o que é um interdito
somente pode se manifestarem segredo e nas margens. Talvez esteja aí o grande apelo
da magia: as pessoas gostam do que é misterioso, principalmente se for também
poderoso e secreto.
Há outros detalhes que precisamos saber sobre a magia. Para isso, vamos
recorrer a um intérprete do pensamento de Mauss, a fim de chegarmos a uma síntese.
Observemos com mais detalhes em que consistem os atos mágicos:

O que caracteriza o ato mágico é a sua repetição. Atos mágicos se repetem.


Aquilo que não se repete, não pode ser considerado um ato mágico. Mas essa
não é uma característica única, pois nem tudo o que se repete é mágico. Além
do mais, para ser um ato mágico é necessário que haja a crença coletiva. O
grupo todo tem que acreditar para que o ato seja, de fato, considerado do
campo da magia, algo eficaz, como deve ser toda mágica. Para se enquadrar na
categoria de ato mágico, ele tem que produzir resultados. Assim sendo, a magia
é uma ideia do coletivo, reconhecida pela
58 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

coletividade, distinta daquilo que propôs Durkheim, onde a magia era vista
como um ato, ou uma ideia, individual. (Pereira, 2007, p. 4)

Mais adiante, quando abordarmos» pensamento de Lévi-Strauss, trataremos de


forma mais detalhada do que ele chama de eficácia simbólica, mas já podemos adiantar
que ele trabalha ideias comuns às de Mauss. Eficácia simbólica é o que acontece
quando as pessoas acreditam que uma determinada pessoa tem capacidade para
realizar ritualmente algo. Assim, para que a magia seja eficaz, ela depende da crença
das pessoas na sua eficácia. Precisa existir uma crença, coletivamente partilhada, na
capacidade de que algumas pessoas, dotadas de habilidades especiais, podem realizar
coisas extraordinárias. Talvez seja exatamente por isso que Mauss se interessava pela
magia: em função do papel que exercia sobre os grupos sociais.
Além disso, devemos atentar para o fato de que um ato mágico deve ser
repetível e, principalmente, produzir resultados.

Em meu trabalho de campo sobre o neopentecostalismo brasileiro, muitas vezes, vi


líderes das igrejas compararem a sua comunidade às demais, afirmando que o que as
distinguia era que a sua (neopentecostal) produzia resultados. Também é possível ver,
nas páginas da internet, testemunhos de pessoas que foram de outras igrejas,
afirmando que estas não foram funcionais em suas vidas, em contraste com a igreja
neopentecostal que passaram a frequentar, a qual produz muitos resultados. Esse
breve exemplo ilustra também o modo como religião e magia estão entrelaçadas na
vida cotidiana.

Se. muitas vezes, religião e magia se confundem, há momentos em que se


distinguem.
59 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

Enquanto que os atos religiosos são praticados nos espaços públicos,


legitimados, os atos mágicos são praticados às escondidas, em espaços
secretos, permeados de segredo. Assim sendo, dá para se concluir que a força
da magia está no segredo, no não dito, que passa pelo mistério do interdito. Se
para a magia a palavra tem poder, o silêncio também tem. O silêncio, o não
compreendido, é fundamental para a eficácia da magia. O ato mágico depende
do coletivo para se legitimar, mas tem que preservar o mistério que o envolve,
o interdito, o proibido. (Pereira, 2007, p. 5-6)

A religião é um fato social público, enquanto a magia prefere o segredo. Isso é


coerente com seu status de inferioridade em relação à religião; mas, isso, em vez de ser
uma desvantagem, é capitalizado pelos mágicos de forma sobrenatural. O segredo
acentua seu caráter místico.

Os mágicos, geralmente, pertencem a uma classe social distinta dos sacerdotes,


como também, pode ser distinto o carisma de ambos. O mágico é dotado de
atribuições especiais não escolhidas por si próprio. De acordo com o
pensamento de Mauss, ninguém escolhe ser mágico. Além dos sinais externos,
para se tornar mágico, passa-se por um processo de iniciação, que, além de
contar com os dados da revelação e da consagração, vão além de legitimar seus
atributos especiais. No caso do mágico, não há uma instituição que o legitima,
ele se legitima por atributos ou tradição, diferentemente da religião e do
sacerdote, que é pública, institucionalizada. (Pereira, 2007, p. 8)

Outro aspecto distintivo tem a ver com a legitimidade do mágico e do sacerdote.


Este é o representante legítimo de sua instituição. Seu status não deriva de seu carisma
nem da crença das demais pessoas de que ele é capaz de realizar prodígios, mas da
burocracia institucional. O mágico sempre é visto por seus admiradores
60 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

ou seguidores como alguém que tem habilidades excepcionais; portanto, elas não
podem ter sido conquistadas por ele, mas são derivadas de poderes que emanam do
além. Observamos isso, por exemplo, na formação de sacerdotes. No catolicismo
romano ou nos ramos tradicionais do protestantismo, quando alguém deseja fazer
parte do clero, deve seguir determinadas exigências da instituição à qual se candidata
(estudar filosofia e/ou teologia; demonstrar alguma piedade e alguma habilidade para
ensinar a se comunicar, por exemplo). Se alguém pretende exercer liderança em uma
igreja neopentecostal, deve provar suas habilidades naturais e sobrenaturais. Por isso,
alguns estudiosos têm chamado essa liderança de mágica. Talvez seja um exagero, mas
o fato é que muitas práticas neopentecostais estão muito mais no campo da magia do
que no da religião, sem que essa afirmação precise ter um viés valorativo.
Por fim, precisamos destacar o fato de que Mauss via a magia como uma
ancestral de alguns campos de conhecimento da atualidade, como é o caso da ciência
e da religião. É interessante notar que antropólogos evolucionistas1 de seu tempo viam
a religião como uma evolução da magia, e a ciência como um conhecimento melhor do
que a magia. Assim, esses estudiosos traçavam uma linha evolutiva que seguia esta
ordem: magia, religião e ciência. Mauss discordava desse ponto de vista, quando
afirmava que religião e ciência eram derivadas da magia, sem que esta tivesse sido
extinta. Em outras palavras, a religião e a ciência são apenas desdobramentos da
magia, e não uma evolução desta, consistindo em uma forma eficaz de resolver
problemas do cotidiano, de

1
Essa designação usada para os primeiros antropólogos que acreditavam que as culturas evoluíam
historicamente de forma “primitiva” para outras que eram consideradas melhores ou superiores. Essa forma de
pensamento serviu de justificativa para os europeus exercerem domínio sobre povos não ocidentais, uma vez
que aqueles se viam como culturalmente superiores e faziam um favor aos “primitivos” ao “ajudá-los” a efetuar
um upgrade em suas culturas.
61 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

maneira compatível com as crenças de grupos sociais e com os recursos simbólicos de


que dispõem a cada momento histórico ou em suas espacialidades. Não precisa haver
hierarquia entre elas, basta que sejam capazes de solucionar dilemas do cotidiano de
uma dada cultura.

Para Mauss, as ciências, as técnicas e as religiões, são como os germes que


frutificaram sobre o terreno da magia; mas elas suprimiram esta. Hoje elas
estão praticamente despojadas de tudo quanto lhes haviam emprestado de
místico, exceto a religião, que continua, de certa forma, com certos vínculos no
campo da magia, de difícil distinção, principalmente quando se trata de
devoções populares. Os processos que subsistem têm, cada vez mais, mudado
de valor. Se antigamente eram atribuídas às ciências e às técnicas, virtudes
místicas, hoje, mesmo à religião (no caso, a oficial), não têm mais que uma ação
mecânica, exceto em alguns casos. A religião, pelos seus elementos
intelectuais, tende à metafísica, enquanto a magia, segundo Mauss, está mais
ligada ao concreto, e, com isso, tende a conhecer mais a natureza. (Pereira,
2007, p. 11-12)

Nas sociedades contemporâneas ocidentais, chamadas de sociedades complexas,


há uma multiplicidade de campos de especialização, conforme veremos mais adiante,
quando estudarmos o sociólogo francês Pierre Bourdieu. Isso faz com que sejam cons-
truídas áreas de especialização para cada campo do conhecimento, como seria o caso
da religião, da ciência e da magia. Em sociedades não ocidentais da atualidade, ou
mesmo no passado das culturas do Ocidente, as coisas nem sempre foram assim.
Fenômenos que hoje vemos desconectados uns dos outros estavam ou estão rela-
cionados. Em um mesmo campo, poderia ou pode haver conexão entre várias
atividades distintas. O exemplo mais interessante é o da alquimia das culturas
ocidentais medievais e modernas do
62 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

Ocidente. Como podemos defini-la? Seria uma ciência, uma religião ou uma
forma de magia? Podemos dizer que era tudo isso ao mesmo tempo, porque os saberes
estavam organizados de uma forma muito diferente da que observamos nos dias de
hoje. Carl Gustav Jung, um psiquiatra suíço que estudaremos um pouco mais adiante,
pensava, com razão, que a alquimia era uma ancestral da psicologia profunda ou do
inconsciente, construída ao longo do século XX. Ele considerava que os alquimistas,
ao falarem de misturas químicas, estavam, também, referindo-se a aspectos de sua
psique inconsciente.
Vamos continuar falando de magia, mas precisamos passar agora para outro
expoente da antropologia: Claude Lévi-Strauss.

Antropologia da religião com


2.2

base em Claude Lévi-Strauss


Vamos falar um pouco sobre Lévi-Strauss e as implicações de seus estudos para a
pesquisa sobre a religião. Como a quantidade, a variedade e a complexidade dos seus
textos são amplos, focaremos em dois ensaios bastante interessantes e acessíveis: O
feiticeiro e sua magia e A eficácia simbólica. Ambos estão em uma coletânea de textos
dispersos do autor, coligida por ele mesmo e traduzida para o Português, denominada
de Antropologia estrutural (Lévi-Strauss. 2017b). Não vamos tratar a magia ou a
feitiçaria de forma distinta do debate sobre a eficácia simbólica, pois, como já pudemos
antever na análise sobre a magia nos escritos de Mauss. uma das suas características é
a crença coletiva de que existem pessoas capazes de realizar prodígios. Aliás, devemos
ressaltar que Lévi-Strauss é o autor de um belo e longo ensaio introdutório a coletânea
de textos de seu colega de profissão, o que evidencia que o conhecia e o admirava.
Assim, não será difícil vermos algumas aproximações
63 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

entre ambos. Além disso, a persistência no tema – a magia – vai nos ajudar a
compreendê-la.
Lévi-Strauss teve uma vida longa: nasceu em Bruxelas, em 1908, e morreu em
Paris, em 2009. Cursou Direito em Paris até ingressar na Sorbonne, onde também se
graduou em Filosofia, em 1931. Além disso, completou seu doutorado em 1948, com a
tese cujo título ficou conhecido como As estruturas elementares do parentesco, publicada
na forma de livro.
Ele já havia iniciado sua carreira docente com a disciplina de Filosofia no Liceu
Victor-Duruy de Mont-de-Marsan e no Liceu de Laon. Um fato, porém, transformou a
sua trajetória intelectual: ele foi convidado pelo diretor da Escola Normal Superior de
Paris, uma das mais prestigiadas instituições de ensino da França, para integrar a
missão universitária francesa no Brasil, fundando a Universidade de São Paulo(USP)
no início da década de 1930, que se tornou uma das instituições de ensino superior
mais importantes de nosso país. O antropólogo veio para atuar como professor de
Sociologia, apesar de, no início do século, antropologia e sociologia não serem campos
totalmente distintos, especialmente para os franceses.
Lévi-Strauss esteve em nosso país entre os anos de 1935 e 1939 e marcou
bastante a formação de vários intelectuais locais, aproveitando a oportunidade para
visitar e investigar o modo de vida de alguns grupos indígenas, o que viria a contribuir
para que se consolidasse como etnólogo2. Após uma temporada no Brasil, retornou
para a França, mas, como era de família judaica, precisou se refugiar nos Estados
Unidos durante o período da Segunda Guerra Mundial.
Quando retornou ã França, no pós-guerra, conseguiu uma cadeira da École
Pratique des Hautes Etudes, a de Ciências Religiosas, que tinha sido ocupada
exatamente por Mauss, mas ele a rebatizara, passando a se chamar Religião Comparada
de Povos Não-Letrados.

2
Os franceses também usam essa designação, muitas vezes, para se referir ao que hoje chamamos de
antropólogo.
64 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

Desde o fim dos anos de 1950 até sua aposentaria, trabalhou na mais cobiçada
instituição de ensino da França, o Collège de France. A partir desse momento, sua fama
se projetou ainda mais. Foi nesse contexto que publicou a coletânea Antropologia
estrutural, de onde foram extraídos os textos que serão analisados na sequência.
Vamos começar com O feiticeiro e sua magia. Nas páginas iniciais, Lévi-Strauss
{2017d, p. 168) enuncia a sua tese:

Portanto, não há por que duvidar da eficácia de certas práticas mágicas. Porém,
ao mesmo tempo, percebe-se que a eficácia da magia implica a crença da
magia, que se apresenta sob três aspectos complementares: primeiro, a crença
do feiticeiro na eficácia de suas técnicas; depois, a do doente de que ele trata
ou da vítima que ele persegue, no poder do próprio feiticeiro; e, por fim, a
confiança e as exigências da opinião coletiva, que formam continuamente uma
espécie de campo de gravitação no interior do qual se situam as relações entre
o feiticeiro e aqueles que ele enfeitiça.

Se você esteve atento ao que foi exposto sobre as concepções da magia de


Mauss, perceberá as similaridades que suas análises apresentam em relação às de Lévi-
Strauss (2017d): a magia é eficaz porque existe uma crença coletiva que dá sustentação
a ela. No entanto, há uma sutil diferença entre os dois pensadores. De acordo com a
citação apresentada, há um tripé que sustenta a eficácia da magia: (1) a crença do
feiticeiro na eficácia de suas técnicas; (2) a crença do doente no poder do feiticeiro; (3)
a confiança e as exigências da opinião coletiva. Os itens 2 e 3 mostram uma
continuidade ao que vimos anteriormente, quando estudamos Mauss, ou seja, a magia
funciona porque as pessoas acreditam que ela é funcional; há uma crença coletiva que
dá suporte às práticas mágicas. O item 1 diz que o feiticeiro/mago/xamã acredita na
eficácia de suas técnicas. Somente quem leu todo o texto consegue perceber a sutileza
que a frase comporta: o mago não precisa acreditar na
65 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

magia, apenas na sua capacidade de manipular a crença coletiva que as pessoas


professam em atos mágicos.
Nas páginas seguintes, Lévi-Strauss (2017d) apresenta um caso muito
interessante de um feiticeiro de uma tribo indígena, cujo nome é Quesalid, que não
acreditava em magia e decidiu provar sua funcionalidade. Inicialmente, ele era um
homem cético, que começou a aprender com feiticeiros experientes como realizar atos
mágicos. A história é longa e cheia de detalhes, mas o que importa é que o aprendiz
de mago acabou sendo acusado de praticar feitiçaria, ou seja, de impetrar um malefício
a outra pessoa. O problema não é que ele tivesse causado um mal a outrem de forma
sobrenatural, mas saber como ele tinha realizado aquilo. Vejamos as palavras do
antropólogo belga mais uma vez:

Esse relato, que infelizmente tivemos de reduzir, tirando dele todas as nuances
psicológicas, é bastante instrutivo em vários aspectos. Primeiro, percebe-se
que o réu, acusado de feitiçaria e correndo por isso o risco de ser condenado à
morte, não consegue ser absolvido se desculpando, mas sim assumindo o
suposto crime. E mais, melhora sua defesa apresentando versões sucessivas,
cada vez mais ricas, mais cheias de detalhes (portanto, em princípio, cada vez
mais incriminadoras). O debate não se faz, como em nossos julgamentos, com
acusações e denegações, mas com alegações e especificações. Os juízes não
esperam que o réu conteste uma tese, menos ainda que negue os fatos; exigem
que ele corrobore um sistema do qual possuem apenas um fragmento, o
querem que ele reconstitua o que falta de modo apropriado. (Lévi-Strauss,
2017d, p. 173)

Os que julgam o feiticeiro não esperam que ele negue sua feitiçaria ou que se
desculpe pelo mal que fez a outra pessoa. Querem saber como ele conseguiu fazer o
que fez. Há uma crença coletiva de que existem feiticeiros e que estes são capazes de
praticar atos
66 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

mágicos, e isso não pode ser colocado em questão. Quando o réu é convocado a dar
explicações, não é esperado dele que tais explicações sejam algo como uma retratação
pelo que fez, mas uma descrição de como a magia foi realizada de modo a afetar
alguém.
Não é difícil entender esse pensamento, basta um exemplo da nossa cultura
religiosa atual para que você entenda bem o que estamos vendo em Lévi-Strauss
(2017d). Um umbandista ou candomblecista diz crer na existência de orixás, entidades
sobrenaturais que podem se manifestar na vida das pessoas. Pentecostais,
neopentecostais, assim como alguns católicos ou protestantes tradicionais, poderiam
dizer que os orixás, na verdade, não são elementos da natureza, mas demônios. O que
está implícito na fé do todas as pessoas das diversas religiões mencionadas é que elas
acreditam em seres sobrenaturais. Se estes são personificados ou não, se são benignos
ou malignos, haverá grande divergência, mas a crença em entidades/demônios, ou
seja, em seres sobrenaturais, é inquestionável para lodos os grupos, li isso que Lévi-
Strauss (2017d) está afirmando sobre a magia entre os povos indígenas por ele
analisados no texto que estamos destacando: eles podem questionar como o malefício
foi imprecado, mas não há discussão sobre a possibilidade de que isso não aconteça,
pois é um pressuposto cultural, ou seja, algo coletivamente partilhado. Questionar tal
fato seria fazer ruir o tecido cultural, o que poderia causar danos ainda maiores.
Sigamos um pouco mais adiante com nosso relato do aprendiz de xamã, que era
descrente, mas que, no caminho, passou a acreditarem magia:

Confirmadas suas piores suspeitas, Quesalid queria prosseguir na investigação.


Porém, já não estava mais livre, uma vez que a notícia de seu estágio entre os
xamãs começava a se espalhar. E assim, certo dia, ele foi convocado pela família
de um doente que tinha
67 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

sonhado que ele era seu salvador. Esse primeiro tratamento (pelo qual observa
ele, não quis ser pago, assim como pelos seguintes, já que não tinha ainda
concluído os quatro anos regulamentares de prática) foi um enorme sucesso.
Porém, embora passasse a ser visto, a partir de então, como “um grande xamã”,
Quesalid não perdera o espirito crítico e interpretava seu sucesso por razões
psicológicas, “porque o doente acreditava piamente no sonho que tivera a meu
respeito”. O que haveria de deixá-lo, em suas próprias palavras, “hesitante e
pensativo” foi uma aventura mais complexa, que o colocou diante de várias
modalidades de “falso sobrenatural”, levando-o a concluir que umas eram
menos falsas do que outras: aquelas em que seu interesse pessoal estava
envolvido, evidentemente. Enquanto isso, o sistema começava a se constituir
sub-repticiamente em sua mente. (Lévi-Strauss, 2017d, p. 176)

O homem que começara a aprender magia apenas para ter certeza de que ela
era impossível ou uma fraude, passa a se tornar reticente. Quando ele se defronta com
a eficácia de seus atos e, acima de tudo, com a crença coletiva, seu ceticismo começa a
se dissolver e o sistema (cultura) começa a se instalar em sua mente. Quantas histórias
de severos combatentes da fé, que se tornaram piedosos crentes nós conhecemos?
Clive Staples Lewis, um ateu militante, converteu-se em um dos apologistas mais
conhecidos da história recente do cristianismo (Lewis, 1998). No nosso cotidiano,
também sabemos de tantos casos de pessoas que professavam uma fé inabalável que
acabou por se dissolver totalmente, Jung (2012b) falava do princípio da enantiodromia,
mediante o qual um aspecto severamente defendido por uma pessoa ou por um grupo
social tende a desencadear no seu extremo oposto com o passar do tempo. Uma espécie
de pêndulo: quando tendemos demais para um ponto de vista, corremos o risco de
parar no seu oposto. Por isso, a sabedoria oriental e o filósofo Aristóteles reco-
mendavam o caminho do meio.
68 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

Quesalid começa a ficar famoso por causa dos atos que passa a realizar e recebe
desafios de outros xamãs, uma disputa pública de poder religioso para ver quem é
mais eficaz. Em decorrência disso, vence a batalha ritual contra seu oponente mais
experiente ao retirar de um doente sua doença, representada por uma pena embebida
em sangue, que carregava às escondidas em sua boca. O aprendiz constrange seu
oponente, que passa a morrer de curiosidade sobre o modo como aquele operara tal
milagre.

Vê-se que a psicologia do feiticeiro não é simples. Na tentativa de analisá-la,


consideraremos incialmente o caso do velho xamã que suplica a seu jovem rival
que lhe diga a verdade, se a doença colada na palma da sua mão como um
verme vermelho e grudento é real ou fabricada, e que irá enlouquecer porque
não obteve resposta. Antes do drama, ele dispunha de dois dados: de um lado,
a convicção de que os estados patológicos têm uma causa e de que ela pode
ser atingida e, do outro, um sistema de Interpretação em que a invenção
pessoal desempenha um papel importante, que ordena as várias fases do mal,
desde o diagnóstico até a cura. Essa fabulação de uma realidade em si
desconhecida, feita de procedimentos e representações, funda-se numa tripla
experiência: a do próprio xamã que, se sua vocação for real (e ainda que não o
seja, em razão do exercício em si), experimenta estados específicos de natureza
psicossomática, a do doente, que sente ou não uma melhora, e a do público,
que também participa da cura, cujo treinamento porque passa e a satisfação
intelectual e afetiva que obtém determinam uma adesão coletiva que por sua
vez inaugura um novo ciclo. (Lévi-Strauss, 2017d, p. 179)

Com esses dados, Lévi-Strauss (2017d) vai chegando ao ponto central de sua
análise, que passa a explicar a eficácia da prática mágica em função da experiência
coletiva que lhe dá sustentação,
69 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

ou, para usar a expressão de um sociólogo da religião que estudaremos mais adiante,
Peter Berger, confere a ele uma estrutura de plausibilidade.

As experiências do doente representam o aspecto menos importante do


sistema, a não ser pelo fato de um doente tratado com sucesso por um xamã
ficar especialmente bem situado para tornar-se ele mesmo xamã, como se vê,
ainda hoje, na psicanálise. Seja como for, vimos que o xamã não é
completamente desprovido de conhecimentos positivos e de técnicas
experimentais que podem explicar em parte o seu sucesso. De resto, os males
do tipo que atualmente chamamos de psicossomáticos, os quais representam
grande parte das doenças em sociedades de baixo coeficiente de segurança,
frequentemente cedem à terapêutica psicológica. Tudo considerado, é
provável que os médicos primitivos, como seus colegas civilizados, curem ao
menos parte dos casos que tratam e que, sem essa eficácia relativa, as práticas
mágicas não poderiam ter se difundido tanto quanto o fizeram, no tempo e no
espaço. Mas esse não é o ponto essencial, pois que está subordinado aos dois
outros: Quesalid não se tornou um grande xamã porque curava seus doentes,
curava seus doentes porque se tomara um grande xamã. Somos, portanto,
levados diretamente ao outro extremo do sistema, isto é, seu polo coletivo.
(Lévi-Strauss, 2017d, p. 180-181)

Esta é a frase-chave da passagem: “Quesalid não se tornou um grande xamã


porque curava seus doentes, curava seus doentes porque se tornara um grande xamã”
(Lévi-Strauss, 2017d, p. 181). As convicções pessoais de nosso aprendiz de xamã pouco
importam agora, pois ele se tornou um grande feiticeiro. E a explicação de seu sucesso
está na crença coletiva de que ele ora capaz de realizar atos milagrosos. Essa
capacidade é endossada pelo sucesso das curas anteriores, de modo que entramos em
um ciclo vicioso: ele
70 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

se tornou um grande xamã porque as pessoas acreditavam que ele poderia realizar
prodígios, mas foram os próprios sinais que ele operou que fizeram dele uma figura
extraordinária.

Ao curar um doente, o xamã oferece um espetáculo ao seu auditório. Que


espetáculo? Correndo o risco de generalizar apressadamente algumas
observações, diríamos que o espetáculo em questão é sempre uma repetição,
por parte do xamã, do “chamado”, isto é, da crise inicial que lhe trouxe a
revelação de sua condição. Mas não devemos nos deixar enganar pela palavra
“espetáculo”, pois o xamã não reproduz ou encena apenas determinados acon-
tecimentos, ele os revive efetivamente, em toda a sua vivacidade, originalidade
e violência. E como ele volta ao normal ao término da sessão, podemos dizer,
empregando um termo essencial da psicanálise, que ele ab-reage. Como se
sabe, a psicanálise chama de ab-reação o momento decisivo da cura em que o
doente revive intensamente a situação inicial que está na base de seu distúrbio,
antes de superá-la definitivamente. Nesse sentido, o xamã é um ab-reator
profissional. (Lévi-Strauss, 2017d, p. 181)

Observemos que a explicação da eficácia da magia de Quesalid é comparada


por Lévi-Strauss (2017(1) ao processo de cura da psicanálise. Ele usa a palavra ab-
reação, que pode ser compreendida como uma descarga emocional pela qual uma
pessoa se liberta do afeto que acompanha a recordação de um acontecimento traumá-
tico. Mas como a ab-reação acontece? No caso da psicanálise, ela é provocada pelo
terapeuta, quando toca no ponto em que estava concentrada a tensão emocional.
Contudo, a menos que o paciente acredite estar diante de uma pessoa capaz de chegar
a esse ponto, o seu psicanalista não pode fazer nada. A questão em debate é: Onde está
o poder de cura, no terapeuta ou no paciente? Parece que Lévi-Strauss responderia que
está na crença que exercemos nos xamãs dos séculos XX e XXI, do mundo ocidental,
que são
71 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

denominados por nós de psicanalistas, na capacidade que têm de curar as pessoas.


Compreendemos que, como Mauss, Lévi-Strauss (2017d) está dizendo que há relações
de continuidade, ou mesmo de equivalência, entre a magia dos xamãs das tribos
indígenas e a nossa ciência contemporânea. Ao menos, em ambos os casos, problemas
cotidianos são resolvidos em função da existência de uma crença coletiva de que
existem pessoas que seriam capazes de fazer prodígios.

Percebe-se, assim, a necessidade de estender a noção de ab-reação,


examinando os sentidos que assume em outras terapêuticas que não a
psicanálise, que teve o imenso mérito de redescobri-la e de insistir em seu valor
essencial. Pode-se argumentar que, na psicanálise, só há uma reação, a do
doente, e não três. Talvez não seja assim. É fato que, na cura xamânica, o
feiticeiro fala, e realiza a ab-reação para o doente que fica calado, ao passo que,
na psicanálise, é o doente que fala, e realiza a ab-reação contra o médico que
o escuta. Mas a ab-reação do médico, embora não seja concomitante à do
doente, não deixa de ser indispensável, já que é preciso ter sido analisado para
ser analista. O papel que cabe ao grupo em ambas as técnicas é mais
complicado de definir, pois a magia readapta o grupo a problemas predefinidos,
por intermédio do doente, enquanto a psicanálise readapta o doente ao grupo,
por intermédio de soluções novas. (Lévi-Strauss, 2017d, p. 183)

A questão de saber quais seriam as especificidades de cada uma, da magia e da


psicanálise, não vem ao caso agora, pois o que importa é a dependência de ambas da
crença coletiva e do paciente de estar diante de alguém realmente poderoso para fazer
o que promete. Esse é um princípio interessante para compreendermos as muitas
formas de religião com as quais convivemos na atualidade. O que torna uma cura em
ambiente religioso algo provável? Por exemplo, temos visto muitas denúncias de
abuso sexual por parte
72 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

de um grande líder espiritual da atualidade de nosso país. Ele tem operado por anos,
realizando com muito sucesso muitas cirurgias espirituais, a despeito de ter um caráter
sendo questionado nos dias de hoje pela mídia, em função de muitas denúncias, as
quais somam centenas de mulheres que dizem ter sido abusadas sexualmente. Sem
discutir, agora, a culpa do líder espiritual, podemos nos perguntar se as curas que ele
realizou foram verdadeiras. Podemos dizer que sim, por um único motivo: não foi ele
quem as realizou, mas a crença de cada paciente/fiel de estar diante de alguém
realmente capaz de fazer algo que não seria possível de nenhuma outra forma. Ou, de
modo inverso, podemos dizer que as denúncias de abuso sexual poderão abalar a
crença das pessoas e levá-las a pensar que o líder nunca foi capaz de fazer milagre
algum e, então, elas não se colocarão diante dele para que novas curas se realizem.
Onde há fé no xamã, pode haver cura. Onde há dúvidas em torno da capacidade do
feiticeiro, os milagres se esvaem.

Se esta análise estiver correta, seremos levados a ver nos comportamentos


mágicos a resposta a uma situação que se revela è consciência por
manifestações afetivas, mas cuja natureza profunda é intelectual. Pois apenas
a história da função simbólica permitiria dar conta dessa condição espiritual do
homem, na qual o universo nunca significa o bastante, e o pensamento sempre
dispõe de um excedente de significações para a quantidade de objetos aos
quais pode associá-las. Dilacerado entre esses dois sistemas de referência, o do
significante e o do significado, o homem pede ao pensamento mágico para
fornecer-lhe um novo sistema de referência, no qual dados até então
contraditórios possam ser integrados. Sabemos, porém, que esse sistema se
edifica à custa do progresso do conhecimento, que teria exigido que apenas um
dos dois sistemas anteriores fosse arranjado e aprofundado a ponto de
(estamos bem longe disso) absorver o outro. Não se deve fazer o indivíduo,
73 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

psicopata ou normal, repetir essa desventura coletiva. Ainda que o estudo dos
doentes nos tenha mostrado que todo indivíduo se refere, em alguma medida,
a sistemas contraditórios, e que sofre com seu conflito, não basta que uma
determinada forma de integração seja possível e eficaz na prática para que seja
verdadeira, e para que se tenha a certeza de que a adaptação assim realizada
não constitui uma regressão absoluta em relação à situação conflitiva anterior.
(Lévi-Strauss, 2017d, p. 184-185)

O que Lévi-Strauss (2017d) quer ressaltar com essas conclusões? Que há um


conflito latente no interior de cada sujeito, protagonizado por dois princípios opostos,
um afetivo-inconsciente e outro intelectual-consciente? Cada um dos princípios estaria
representado por um campo do saber, ou seja, no primeiro caso, a magia, e, no
segundo, a ciência particularizada no exemplo da psicanálise? Que uma alternativa
razoável para o ser humano seria a integração entre os dois princípios? Não sabemos
quais seriam as respostas a tais perguntas, mas podemos considerar o desfecho
proposto pelo antropólogo um tanto quanto instigante.
Vamos passar a outro ensaio do autor para ver se conseguimos encontrar um
pouco mais de luz para tais questões. A partir de agora, vamos nos debruçar sobre o
texto que tem como título A eficácia simbólica (Lévi-Strauss, 2017a).
Um trecho inicial explica, em detalhes, o rito que Lévi-Strauss utiliza como base
para suas reflexões. Estamos diante da eficácia de cantos indígenas entoados em
situações em que as mulheres se encontram diante de um parto difícil e, portanto, e
preciso apelar para a presença de um xamã. Atentemos às suas palavras:

O objetivo do canto é ajudar num parto difícil. Sua utilização é relativamente


excepcional, já que as mulheres indígenas da América Central e da América do
Sul parem com mais facilidade do que as das sociedades ocidentais. A
intervenção do xamã é, portanto,
74 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

rara, e ocorre em caso de fracasso, a pedido da parteira. O canto começa por


uma descrição da aflição desta última, sua visita ao xamã, a saída deste em
direção à casa da parturiente, sua chegada e seus preparativos, que consistem
em fumigações de feijões e cacau queimados, invocações e confecção das
imagens sagradas, os nuchu. Essas imagens, esculpidas em determinadas
madeiras, que lhes dão sua eficácia, representam os espíritos protetores que o
xamã emprega como assistentes, e que pega pela cabeça para levá-los até a
morada de Muu, força responsável pela formação do feto. A explicação do
parto difícil é que Muu extrapolou suas atribuições e se apossou do purba ou
“alma” da futura mãe. Por isso, todo o canto consiste numa busca, a do purba
perdido, que será restituído depois de muitas peripécias, como a demolição de
obstáculos, a vitórias sobre animais ferozes e, finalmente, um grande torneio
entre o xamã com seus espíritos protetores e Muu com suas filhas, com a ajuda
de chapéus mágicos cujo peso elas não conseguem suportar. Vencida, Muu
permite que o purba da paciente seja descoberto e libertado, o parto se realiza,
e o canto termina enunciando os cuidados tomados para que Muu não escape
atrás de seus visitantes. Não se trata de um combate contra a própria Muu, que
é indispensável para a procriação, mas apenas contra seus abusos; uma vez
corrigidos, as relações tornam-se amigáveis, e a despedida que Muu dirige ao
xamã equivale praticamente a um convite: “Amigo nele, quando você irá voltar
para me ver?” (p. 412). (Lévi-Strauss, 2017a, p. 186-187)

A descrição e cheia de detalhes, mas é fácil compreender a cena. Uma mulher


indígena entra em trabalho de parto, a parteira é chamada. Caso esta não tenha sucesso
na sua tarefa, um xamã é convocado para destravar, misticamente, o parto. Uma das
estratégias e entoar cânticos que narram o que estaria acontecendo. As músicas são
lideradas pelo xamã, mas é preciso contar com a participação da comunidade.
75 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

Tal como resumimos brevemente, o canto parece seguir um modelo bastante


banal: o doente sofre porque perdeu seu duplo espiritual ou, mais
precisamente, um de seus duplos particulares, que em conjunto constituem sua
força vital (voltaremos a isso), e o xamã, auxiliado por seus espíritos protetores,
realiza uma viagem sobrenatural para tirar o duplo do espírito malvado que o
capturou e, ao devolvê-lo ao seu dono, garante a cura. O interesse excepcional
do texto não está nesse quadro formal, e sim na descoberta – que certamente
emana da leitura, pela qual Holmer e Wassen merecem, entretanto, todo o
reconhecimento de que Mu-igala, ou seja, “o caminho do Muu”, e a morada de
Muu não são, no pensamento indígena, um itinerário e uma morada míticos;
eles representam literalmente a vagina e o útero da mulher grávida, explorados
pelo xamã e pelos nuchu, em cujas profundezas é travado o combate de que
saem vitoriosos. (Lévi-Strauss, 2017a, p. 188)

Na citação acima, temos uma explicação mais pormenorizada do conteúdo do


cântico que acompanha uma série de rituais que tem como objetivo facilitar um parto
que estaria se realizando de forma, excepcionalmente, complexa.

Nas dez páginas seguintes, instala-se, num ritmo ofegante, uma oscilação cada
vez mais rápida entre temas míticos e temas fisiológicos, como se se tratasse
de abolir a distinção que os separa no espirito paciente e de impossibilitar a
diferenciação de seus respectivos atributos. Depois de imagens da mulher
deitada em sua rede ou na posição obstétrica indígena – joelhos afastados e
voltada para o leste, gemendo, sangrando, com a vulva dilatada e pulsante (pp.
84-92,123-24,134-35,152,158,173,177-78, 202-08) –, vêm chamados nominais
aos espíritos, os das bebidas alcoólicas, os do vento, das águas, da mata e até
mesmo o do “barco prateado do homem branco” (p. 187), testemunho
precioso da plasticidade do mito. Os temas convergem: como a paciente, os
nuchu sangram
76 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

abundantemente, e suas dores assumem proporções cósmicas: “Seu tecido


branco interno estende-se até o cerne da terra... até o cerne da terra, seu suor
forma uma poça, como sangue, todo vermelho” (pp. 89,92). Ao mesmo tempo,
cada espírito, ao surgir, é detalhadamente descrito, assim como o equipamento
mágico que recebe do xamã contas negras, contas rubras, contas escuras,
contas redondas, ossos de jaguar, ossos arredondados, ossos de garganta e
muitos outros, colares de prata, ossos de tatu, ossos de pássaro kerkettoli,
ossos de picanço-verde, ossos para fazer flautas, contas de prata (pp. 104 18).
Depois, a mobilização geral é retomada, como se essas garantias fossem ainda
insuficientes e se todas as forças, conhecidas e desconhecidas, tivessem de ser
reunidas para a invasão (pp. 119-229). (Lévi-Strauss, 2017a, p. 193-194)

Seguem-se mais alguns detalhes dos ritos realizados pelo xamã e do extenso
cântico que foi descrito por mais de uma dezena de páginas por um informante que
pertencia à tribo.

A cura consistiria, portanto, em tornar pensável uma situação dada


inicialmente em termos afetivos, e aceitáveis, pelo espírito, dores que o corpo
se recusa a tolerar. O fato de a mitologia do xamã não corresponder a uma
realidade objetiva não tem importância, pois que a paciente nela crê e é
membro de uma sociedade que nela crê. Espíritos protetores e espíritos
maléficos, monstros sobrenaturais e animais mágicos fazem parte de um
sistema coerente que afunda a concepção indígena do universo. A paciente os
aceita ou, mais precisamente, jamais duvidou deles. O que ela não aceita são
as dores incoerentes e arbitrárias que constituem um elemento estranho a seu
sistema, mas que o xamã, recorrendo ao mito, irá inserir num sistema em que
tudo se encaixa. (Lévi-Strauss, 2017a, p. 197)
77 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

E, enfim, chegamos à interpretação do rito xamânico. Lévi-Strauss (2017a) faz


isso com brilhantismo. Sua leitura do rito de cura é feita com base em suas teorizações.
Lembremos que ele teve sua formação no campo da filosofia; porém, sua migração
para a antropologia não fez com que renunciasse àquela. Podemos dizer que ele se
tornou um pensador que filosofava com base em objetos ou em temas empíricos. As
observações de diferentes culturas que ele estudava por meio da observação direta ou
pela intermediação da pesquisa publicada de outros antropólogos tinham como
finalidade a formulação de teorias. Lévi-Strauss tem sido definido como um
antropólogo estruturalista, o que significa que ele tinha uma tendência a interpretar
dados dispersos em busca de uma estrutura, de algum aspecto que pudesse estabelecer
alguma ordem no caos do mundo empírico. E o desfecho do texto vai pendendo para
isso, pois o autor começa a pensar o inconsciente como uma estrutura que serve de
base para uma série de conceitos e práticas sociais fazerem sentido para as pessoas. No
caso específico de seu texto, quando uma mulher tinha de dar à luz, mas não podia,
havia uma grande mobilização da comunidade para que as coisas passassem a
funcionar e fazer sentido. Vejamos outro trecho para o aprofundamento desse ponto
de vista:

Se essa for uma concepção correta, será provavelmente necessário


restabelecer uma distinção mais marcada entre consciente e inconsciente do
que a psicologia contemporânea nos acostumou a fazer. Pois o subconsciente,
repositório das lembranças e Imagens colecionadas no decorrer de cada vida,
torna-se mero aspecto da memória; ao mesmo tempo afirma sua perenidade e
implica suas limitações, já que o termo “subconsciente” remete ao fato de que
as lembranças, embora conservadas, nem sempre estão disponíveis. O
inconsciente, ao contrário, é sempre vazio. Ou, mais precisamente, é tão alheio
às imagens quanto o estômago aos
78 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

alimentos que o atravessam, órgão de função específica, limita-se a impor leis


estruturais, que lhe esgotam a realidade, a elementos esparsos que lhe vêm de
fora – pulsões, emoções, representações, lembranças. Poder-se-ia dizer,
portanto, que o subconsciente é o léxico individual no qual cada um de nós
acumula o vocabulário de sua história pessoal, mas que tal vocabulário só
adquire sentido, tanto para nós quanto para os outros, na medida em que o
inconsciente o organiza de acordo com suas leis, fazendo dele, assim, um
discurso. (Lévi-Strauss, 2017a, p. 203)

Lévi-Strauss (2017a) está falando do papel do inconsciente no caso estudado por


ele, ou seja, o de uma mulher que, ao se defrontar com um parto difícil, mobiliza toda
a sua comunidade para que o ato de dar à luz seja realizado. O xamã e sua magia são
convocados para interferir na situação. Há um verdadeiro esforço coletivo. Por que as
pessoas agem assim? Para Lévi-Strauss (2017a), mesmo que os fatos míticos narrados
não correspondam aos fatos, isso não importa, pois o que vale é que o problema tenha
sido resolvido; afinal, a mulher conseguiu parir o seu bebe. E porque a magia do xamã
funcionou? Porque a parturiente, por meio da indução do canto, que funciona de
maneira hipnótica, passa a acreditar que seu problema será resolvido e. por isso, de
fato, o dilema é solucionado. O que o líder espiritual fez foi mobilizar os dados
culturais que faziam parte do inconsciente do agrupamento social. Esse arsenal de
conceitos e práticas, que chamamos de cultura e que vai sendo introduzido no interior
de cada pessoa de uma mesma comunidade, é o que os psicólogos chamam de
inconsciente e que Lévi-Strauss via como uma estrutura. Isso fica mais evidente em outra
passagem do texto:

Acrescente-se que as estruturas, além de serem as mesmas para todos, e para


todas as matérias a que se aplica a função, são pouco numerosas, e
compreender-se-á porque o mundo do simbolismo
79 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

é infinitamente diverso em seu conteúdo, mas sempre limitado por suas leis.
Muitas línguas existem, mas muito poucas leis fonológicas que valem para
todas as línguas. Uma coletânea dos contos e mitos conhecidos ocuparia um
número impressionante de volumes. Entretanto, eles podem ser reduzidos a
um pequeno número de tipos simples que operam com algumas funções ele-
mentares, por trás da diversidade de personagens. E os complexos, mitos
individuais, também podem ser reduzidos a alguns tipos simples, moldes em
que se prende a fluida multiplicidade dos casos. (Lévi-Strauss, 2017a, p. 204)

Pelo fato de haver estruturas profundas, no caso, um inconsciente pessoal, no


qual o estoque de conhecimento comunitário é introduzido na vida de cada pessoa,
podem existir muitas variações rituais ou míticas, mas elas sempre redundam em
algumas leis fundamentais. Assim, existem muitas formas de solucionar o problema
de uma mulher que está tendo um parlo difícil, mas o fundamental é que a mobilização
da comunidade, com seus ritos, suas crenças e suas práticas mágicas, e eficaz para
conduzir a uma solução adequada. As culturas são inúmeras e muito variadas e, além
disso, apresentam as mais diversas formas de resolver problemas práticos. Parece que
o que Lévi-Strauss (2017a), nesse caso especifico, vê como um elemento estrutura! e
que um rito ou uma ação é eficaz sempre que se crê na sua eficácia.

SÍNTESE
Neste capítulo, estudamos dois importantes antropólogos clássicos e que produziram
trabalhos interessantes e importantes sobre o campo religioso: Marcel Mauss e Claude
Lévi-Strauss.
Do primeiro, destacamos o seu debate sobre a questão da dádiva, um rito
presente em diversas sociedades, do presente e do passado, que consiste na regulação
das formas como objetos
80 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

e ações são trocados entre as pessoas. Com base na análise da dádiva em sociedades
não ocidentais, Mauss desafiou as nossas culturas e nos fez pensar se não podemos ser
construtores de uma cultura da generosidade.
Ainda, em Mauss, estudamos a magia, que é um conjunto de práticas que,
muitas vezes, misturam-se às religiões e, em tantas outras, distinguem-se delas. A
principal marca da magia é o seu caráter marginal e/ou secreto. Vimos, também, que
a magia funciona quando as pessoas estão dispostas a acreditar nela.
Depois, passamos para Lévi-Strauss, com quem estudamos mais um pouco da
magia. O modo como ambos os autores analisam o tema é relativamente parecido, mas
a reflexão do último avança mais no campo teórico. Ele pensa a magia como um ato
que é eficaz, o que significa que ela realiza aquilo que as pessoas esperam dela.
Por fim, partimos para a reflexão sobre a eficácia simbólica e descobrimos que
ritos e símbolos são eficazes porque as pessoas acreditam na sua funcionalidade. Para
Lévi-Strauss, a eficácia simbólica seria um aspecto estrutural da cultura humana: há
muitas formas de resolver nossos problemas, mas a crença de que podem ser
solucionados é fundamental para que, de fato, isso aconteça.

INDICAÇÕES CULTURAIS
CASTRO, C. Textos básicos de antropologia: cem anos de tradição Boas.
Malinowski, Lévi-Strauss e outros. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.
Trata-se de uma antologia de textos de antropologia, desde os primórdios até a
atualidade. São trabalhos dos próprios antropólogos, clássicos, com introdução de um
professor brasileiro.

DAMATTA, R. Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema


brasileiro. Rio de janeiro: Rocco, 1997.
Livro do antropólogo brasileiro sobre diversos aspectos da nossa cultura. Muito
interessante e de fácil leitura.
81 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

DURKHEIM, E. As formas elementares de vida religiosa: o sistema totêmico na


Austrália. São Paulo: M. Fontes, 1996.
Um clássico fundador da antropologia religiosa, indispensável, embora algumas teses
estejam ultrapassadas.

ELIADE, M. O sagrado e o profano: a essência das religiões. São Paulo: M. Fontes.


1996.
Livro muito interessante e original. Algumas teses são discutíveis, mas é um clássico da
historiografia religiosa.

WEBER, M. A ética protestante e o espirito do capitalismo. São Paulo: Pioneira, 1992.


Outro clássico fundador da abordagem acadêmica da religião. Teses muito
interessantes e que ainda rendem boas análises.

ATIVIDADES DE AUTOAVALIAÇÃO
1. Como podemos compreender uma dádiva no sentido apresentado por Marcel
Maus«?
A] Que analisar um dado fenômeno da vida social não exige estabelecer
correlações de fatores e que uma troca nunca é uma simples transação
mercantil, e sim um ato coletivo cheio de significados.
B] Que analisar um dado fenômeno da vida social implica, algumas vezes,
estabelecer correlações de fatores e que uma troca nunca é uma simples
transação mercantil, e sim um ato coletivo cheio de significados.
C] Que analisar um dado fenômeno da vida social não implica sempre
estabelecer correlações de fatores e que uma troca nunca é uma simples
transação mercantil, e sim um ato coletivo cheio de significados.
82 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

D] Que analisar um dado fenômeno da vida social implica sempre estabelecer


correlações de fatores e que uma troca nunca é uma simples transação
mercantil, e sim um ato coletivo cheio de significados.
E] Que analisar um dado fenômeno da vida social implica sempre estabelecer
correlações de fatores e que uma troca sempre é uma simples transação
mercantil e um ato coletivo cheio de significados.

2. No texto do antropólogo Claude Lévi-Strauss (2017d) sobre O feiticeiro e sua


magia, há uma comparação entre a magia das sociedades ditas arcaicas e a
psicanálise nas sociedades ocidentais contemporâneas. Que conclusões
podemos t irar dessa comparação?
A] Que os dois campos do saber, um existente há muito tempo (magia) e outro
mais recente (psicanálise), são eficazes quando as pessoas acreditam na
eficácia de ambas, assim como são formas eficientes de resolver problemas
práticos.
B] Que apenas um dos campos do saber (psicanálise) é eficaz quando as
pessoas acreditam na sua eficácia, assim como é uma forma eficiente de
resolver problemas práticos.
C] Que apenas um dos campos do saber (magia) 6 eficaz quando as pessoas
acreditam na sua eficácia, assim como e uma forma eficiente de resolver
problemas práticos.
D] Que os dois campos do saber, um existente há muito tempo (magia) e outro
mais recente (psicanálise), não são eficazes quando as pessoas acreditam na
eficácia de ambas, assim como são formas eficientes de resolver problemas
práticos.
E] Que os dois campos do saber, um existente há muito tempo (magia) e outro
mais recente (psicanálise), são eficazes quando as pessoas acreditam na
eficácia de ambas, assim como não são formas eficientes de resolver
problemas práticos.
83 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

3. O que seria uma definição de fato social total, de acordo com Marcel Mauss?
A] Uma ação do Estado que visa interferir de forma total sobre a vida de seus
cidadãos.
B] Um fato ligado ao campo da magia.
C] Um fato que põe em ação, em certos casos, a totalidade da sociedade e de
suas instituições e, em outros casos, somente um número muito grande de
instituições, em particular quando trocas e contratos dizem respeito
sobretudo aos indivíduos.
D] Um fato ligado ao campo religioso.
E] Um fato ligado ao campo econômico.

4. Sobre a magia, é correto dizer que:


A] ela está ausente nas sociedades denominadas arcaicas.
B] ela está ausente nas culturas contemporâneas.
C] ela é eficaz apenas quando seus praticantes acreditam na sua eficácia.
D] ela está em evidência na maior parte das sociedades do presente.
E] pode ser um ato eficaz, mesmo que seu praticante não creia nela.

5. Sobre o que trata A eficácia simbólica, de Lévi-Strauss (2017a), texto que


fundamentou nossas discussões neste capítulo?
A] É um olhar antropológico e sociológico sobre a origem do contrato e sobre
os métodos de troca praticados na sociedade.
B] Trata-se do relato de um conjunto de ritos e de cantos de cura de uma tribo
especifica, com a intenção de ajudar uma mulher em um parto difícil.
C] É um ensaio sobre a magia, desmistificando a imagem atrelada a uma
especulação religiosa e tratando-a como a primeira forma de culto da
humanidade.
84 Perspectivas clássicas em antropologia da religião

D] É um texto que analisa o papel da bruxaria em algumas civilizações e sua


influência na cura de doenças e na busca por prosperidade.
E] É a refutação do que se entende comumente como mito, que nada mais é que
uma palavra que remete a acontecimentos de tempos passados.

ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM

Questões para reflexão


1. Observe como as pessoas usam as palavras religião e magia. Elas designam o
culto que essas pessoas escolheram para si de religião ou de magia? A forma
como usam as duas palavras estão permeadas por preconceitos? E você, como
as tem usado? O que elas significam para você?
2. Reflita sobre o debate a respeito da eficácia simbólica. Em sua opinião, podemos
compará-la com a prática da hipnose3 ou da Programação Neurolinguística
(PNL)4?

Atividade aplicada: prática


1. Visite um culto totalmente diferente de qualquer um que já tenha visto em sua
vida. Não escolha qualquer expressão sobrenatural que já tenha ido ao menos
uma vez, mas se permita ter uma experiência totalmente inédita e exótica.
Quando fizer sua visita, observe os ritos desse culto e anote, em um caderno,
respostas para as seguintes perguntas: Como os ritos funcionam? Os atos rituais
se aproximam do campo da magia? Os ritos se mostram eficazes? Quais são as
expressões dos rostos e dos corpos das pessoas quando participam dos ritos?
Como você se sente enquanto observa cada rito?

3
A hipnose se trata de um método terapêutico, regulamentado pelos determinados conselhos federais de
práticas clínicas, que pode modificar a condição usual dos pacientes. Essa alteração é conseguida por meio de
um estado transe, provocado por um profissional qualificado.
4
A Técnica que ajuda a entender melhor o funcionamento da mente humana e os padrões executados por ela.
Essa prática tem o intuito de refutar regras e remoldá-las, de acordo com os interesses de cada pessoa.
3.
PERSPECTIVAS
CONTEMPORÂNEAS
EM ANTROPOLOGIA
DA RELIGIÃO
A melhor forma de finalizar, por ora, um debate sobre a visão da antropologia acerca
da religião é tratando de alguns temas atuais. Uma vez que já introduzimos
fundamentos e conceitos e analisamos algumas ideias de dois antropólogos clássicos,
iremos nos debruçar sobre alguns lemas de pensadores mais próximos
cronologicamente de nós ou sobre aqueles que, mesmo estando ainda um pouco
distantes no tempo, desenvolveram debates que são considerados relevantes ou atuais
para nós. Assim, neste capitulo, abordaremos alguns assuntos como: religião como
sistema cultural; religião, rito e performance; e religião e arquétipos.
A nossa expectativa e a de que. após estudar este capitulo, você seja capaz de
identificar e utilizar, em suas pesquisas ou em sua prática de ensino, conceitos como
cultura, rito, performance e arquétipo.
No primeiro capítulo deste livro, mencionamos que a religião é um sistema
cultural. Na ocasião, usamos essa informação para mostrar que a antropologia, como
campo do saber que estuda a cultura, também deveria estar interessada na religião,
uma vez que esta constitui um sistema cultural. Na situação inicial em que abordamos
o tema, fizemos uma breve análise do paradigma do
86 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

antropólogo norte-americano Clifford Geertz e ressaltamos que a religião é um dos


muitos fenômenos culturais existentes, mas somente agora definiremos e analisaremos
o que é cultura. Ao fazer isso, esperamos estar contribuindo para que você obtenha
uma percepção mais aprofundada do debate sobre a religião como um sistema
cultural.
Outro aspecto importante sobre a religião é que ela não é composta apenas de
doutrinas (conceitos), mas de ações que devem ser realizadas. Estudar e conhecer uma
religião implica observar o que seus fiéis fazem em seus cultos (ritos e performances)
e como agem depois deles (ética). Com base nisso, conduziremos o debate sobre rito e
performance da melhor maneira possível, o que significa que detalharemos conceitos
teóricos sobre o assunto, mas, inevitavelmente, teremos de citar e analisar exemplos
vivos de ritos e performances para que você compreenda bem o que estamos
abordando.
Por fim, exploraremos outro tema interessante e desafiador, que envolve o que
chamamos de arquétipos. Embora o debate teórico mais refinado venha de um
psiquiatra suíço, Cari Gustav Jung, cie é relevante para o campo da antropologia
porque alguns especialistas dessa área têm se servido do conceito para suas análises,
especialmente da religião. Temos certeza de que você gostará e se sentirá muito
envolvido e instigado com o assunto.
Começaremos, como de costume, com algumas questões para você ir se
inteirando dos assuntos. Assim, pare e pense um pouco sobre estas questões: O que é
cultura? Quantos conceitos de cultura existem? Que conceitos seriam pertinentes? O
que é um rito e uma performance? Quais são os ritos e performances de sua religião
ou de pessoas próximas a você? O que é um arquétipo? Eles são fenômenos culturais,
biológicos ou ambos? Como você faria para observar a presença de arquétipos em si
mesmo? E nos outros? E num ambiente religioso?
87 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

3.1 A religião como sistema cultural


No primeiro capítulo, citamos o seguinte conceito de Geertz (2008, p. 67), enfatizando
O que é urna religião:

Portanto, sem mais cerimônias, uma religião é: (1) um sistema de símbolos que
atua para (2) estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e
motivações nos homens através da (3) formulação de conceitos de uma ordem
de existência geral e (4) vestindo essas concepções com tal aura de factualidade
que (5) as disposições e motivações parecem singularmente realistas.

Usamos essa definição para justificar que a antropologia estuda a religião


porque esta é urna teia de símbolos. Contudo, na ocasião, não exploramos a concepção
semiótica de cultura – semiótica porque vê a cultura como um conjunto de símbolos
que têm significados que são partilhados pelas pessoas que pertencem a determinada
comunidade. E a religião, como um sistema cultural, é unta teia de símbolos que
precisam ser decifrados pelos estudiosos.
Em decorrência disso, trabalharemos o conceito de Geertz, mas com base em
John Brookshire Thompson (1995). Isso porque esse autor faz uma abordagem do tema
que é muito didática, o que facilita o entendimento. Em poucas páginas, ele reúne um
denso e complexo debate, que levaríamos muito tempo para compreender sem sua
ajuda.
De início, apresentaremos nosso guia, que é um sociólogo de renome mundial,
professor da Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Autor de vários livros, reúne
a capacidade rara de comunicar-se com clareza enquanto discute questões complexas.
A obra Ideologia e cultura moderna (Thompson, 1995), que utilizaremos para
desenvolver nosso conceito de cultura e que tem como interlocutores Clifford Geertz,
Paul Ricoeur, Pierre Bourdieu Jürgen Habermas,
88 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

propõe uma metodologia hermenêutica dos meios de comunicação produzidos pela


modernidade sob uma perspectiva crítica.
Assim, devemos ressaltar que o livro de Thompson (1995) está estruturado em
seis capítulos: (1) “O conceito de ideologia'; (2) “Ideologia nas sociedades modernas';
(3) “O conceito de cultura”; (4) “Transmissão cultural e comunicação de massa”; (5)
“Para uma teoria social da comunicação de massa”; e (6) “Metodologia da
interpretação”.
O capítulo O conceito de cultura, que analisaremos a seguir, está dividido em
cinco partes: (1) “Cultura e civilização”; (2) “Concepções antropológicas de cultura; (3)
“Repensando a cultura: uma concepção estrutural”; (4) “A contextualização social das
formas simbólicas”; e (5) “A valorização das formas simbólicas”. A discussão sobre o
conceito de cultura, que é a parte que mais nos interessa nesse momento, ocorre no
contexto da construção de uma teoria hermenêutica crítica dos meios simbólicos. A
concepção de cultura do autor ê uma adaptação crítica de conceitos provenientes de
Geertz e de Bourdieu.
Primeiramente, Thompson preocupa-se em historiar o conceito de cultura até
desembocar na definição que lhe servirá de parâmetro, começando por uma concepção
(1) civilizadora de cultura: “Esta concepção pode ser definida de maneira ampla como
se segue: cultura é o processo de desenvolvimento e enobrecimento das faculdades
humanas, um processo facilitado pela assimilação de trabalhos acadêmicos e
artísticos e ligado ao caráter progressista da era moderna'' (Thompson, 1995, p. 170,
grifo do original).
O principal problema dessa concepção de cultura está no fato de ela ser baseada
em um juízo de valor, que vê a cultura acadêmica/escolar como o valor supremo da
sociedade. Se levássemos a sério esse conceito, as sociedades sem escrita, do passado
e do presente, teriam, necessariamente, de ser avaliadas de forma inferior. É fácil
89 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

entender o que é cultura com base nesse ponto de vista. Quando dizemos, na
linguagem coloquial, que “fulano é uma pessoa culta”, é essa percepção teórica que
está implícita. Uma pessoa culta seria aquela que acumulou conhecimento, sobretudo
em decorrência da vida acadêmica ou escolar.
Em seguida, o autor aborda uma concepção descritiva de cultura:

Caracterizei esta visão como a “concepção descritiva* da cultura, uma


concepção que pode ser resumida como segue: a cultura de um grupo ou
sociedade é o conjunto de crenças, costumes, ideias e valores, bem como os
artefatos, objetos e instrumentos materiais, que são adquiridos pelos
indivíduos enquanto membros de um grupo ou sociedade; e o estudo da
cultura envolve, pelo menos em parte, a comparação, classificação e análise
cientifica desses diversos fenômenos. (Thompson, 1995, p. 173, grifo do
original)

Essa definição também tem limites importantes. Parece-nos que é o conceito


mais utilizado em ambiente religioso, sobretudo cristão1. O problema pode ser
resumido da seguinte forma: estamos diante de uma concepção meramente descritiva
da cultura. A simples descrição do que é cultura ajuda a compreender o que ela é, mas
não auxilia no entendimento de como ela funciona. Quando Geertz (2008) diz que a
cultura é um conjunto de signos que possuem significados para seus participantes, ele
não está apenas dizendo o que ela é, mas como ela funciona, conforme veremos a
seguir.

1
Essa é uma percepção que tenho em função d« minha experiência como professor em ambiente cristão de
ensino, no caso, faculdades teológicas. Ê muito comum, sobretudo em escolas protestantes, que as pessoas
estudem missiologia ou antropologia missionária com vistas a compreender a cultura a ser evangelizada. Quando
fazem isso, na maioria das vezes, debatem ou utilizam conceitos descritivos de cultura.
90 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

Assim, o autor passa por uma concepção (3) simbólica de cultura.

Subjacente a esta abordagem está a concepção de cultura que descrevi como


“concepção simbólica”, e que pode ser caracterizada de maneira ampla como
se segue: cultura é o padrão de significados incorporados nas formas
simbólicas, que inclui ações, manifestações verbais e objetos significativos de
vários tipos, em virtude dos quais os indivíduos comunicam-se entre si e
partilham suas experiências, concepções e crenças. A análise cultural é, em
primeiro lugar e principalmente, a elucidação desses padrões de significado, a
explicação interpretativa dos significados incorporados às formas simbólicas.
(Thompson, 1995, p. 176, grifo do original)

Desse modo, Thompson chegou ao conceito de cultura que foi desenvolvido por
Geertz. Aquele autor apresenta duas características importantes: diz o que é a cultura
(“padrão de significados incorporados nas formas simbólicas”) e como ela funciona
(“indivíduos comunicam-se entre si e partilham suas experiências, concepções e
crenças”). Contudo, ainda apresenta um limite: ele não fala de um contexto em que os
símbolos são elaborados e interpretados. Por isso, Thompson chega a um quarto
conceito de cultura.
Sendo assim, ele passa a falar de uma concepção (4) estrutural de cultura.

Podemos oferecer uma caracterização preliminar dessa concepção definindo a


“análise cultural” como o estudo das formas simbólicas – isto é, ações, objetos
e expressões significativas de vários tipos – em relação a contextos e
processos historicamente específicos e socialmente estruturados dentro dos
quais, e por meio dos quais, essas formas simbólicas são produzidas,
transmitidas e recebidas. Os fenômenos culturais, deste ponto de vista, devem
ser entendidos como formas simbólicas em contextos estruturados, e a análise
cultural – para usar uma
91 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

fórmula abreviada que explicarei mais amplamente adiante – deve ser vista
como o estudo da constituição significativa e da contextualização social das
formas simbólicas (Thompson, 1995, p. 181, grifo do original)

Estamos diante de um conceito que (1) diz o que é cultura (conjunto de formas
simbólicas de tipos variados), (2) descreve como ela funciona (serve para que pessoas
de um mesmo grupo social se comuniquem entre si) e (T) estabelece um contexto para
ela (estruturas).
Podemos dizer, então, que, nas páginas iniciais do capitulo que estamos
analisando – O conceito de cultura Thompson (1995), depois de historiar diferentes
conceitos di* cultura, constrói a sua própria definição. Em seguida, o sociólogo inglês
propõe um modelo para analisar as formas culturais,

“como o estudo das formas simbólicas – isto é, ações, objetos e expressões


significativas de vários tipos – em relação a contextos e processos
historicamente específicos e socialmente estruturados dentro dos quais, e
por meio dos quais, essas formas simbólicas sio produzidas, transmitidas e
recebidas”. (Thompson, 1995, p. 181, grifo do original)

Nesse modelo de análise das formas simbólicas, o destaque é o seu aspecto


contextual. Se Geertz foi o referencial para uma definição do que é cultura, o debate
sobre a contextualização das formas simbólicas vai ser balizado pela sociologia de
Bourdieu, com destaque para o conceito de campo. Como iremos tratar do pensamento
de Bourdieu mais adiante, de forma bem especifica, também abordaremos o seu
conceito de campo; nesse momento, precisamos apenas enfatizar que campo é um
espaço simbólico no qual as posições dos agentes sociais se encontram previamente
fixadas. Assim, um campo seria uma localidade onde é travada uma disputa entre
atores sociais em torno de interesses específicos
92 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

que caracterizam a área em questão. E a ação das pessoas de um determinado campo


está previamente limitada, de modo que o agente somente realiza aquilo que ele pode
realmente efetivar nas condições que lhe foram dadas.
Para melhorar nossa compreensão sobre o debate, temos de acrescentar que as
sociedades contemporâneas devem ser entendidas como sendo plurissegmentadas, ou
seja, compostas da sobreposição de diversos campos, por exemplo, o religioso, o
econômico, o político, o artístico, entre outros. Se tomarmos o campo religioso como
destaque, diríamos que um sujeito que age no seu interior só pode realizar as ações
que o seu capital simbólico2 permite. Agentes com muito capital simbólico têm muito
poder, enquanto os que têm pouco estão alijados da possibilidade do dominar os
demais.
O capital simbólico é determinado pelos próprios sujeitos pertencentes ao
campo. No caso da religião, carisma, tamanho e idade da comunidade gerida pelo
líder, habilidade para usar poderes sobrenaturais, conhecimento teológico e
legitimidade institucional são bons exemplos de fatores que são valorizados por
agentes religiosos e, portanto, conferem acúmulo de capital simbólico aos seus
portadores. Um sujeito com poucas ou nenhuma das características descritas tem baixo
capital simbólico e, consequentemente, pouca possibilidade de produzir
transformações no campo, do mesmo modo que aquele com vários dos aspectos
destacados tem grandes chances de mudar as coisas.
Para o que nos interessa no momento, basta dizer que um campo constitui o
contexto estrutural em que são produzidos os símbolos culturais, que, por sua vez,
existem para possibilitar a comunicação entre os sujeitos pertencentes a uma
determinada cultura.

2
Cada campo tem regras próprias do que pode ou deve ser considerado capital simbólico. Em algumas situações,
até mesmo o capital financeiro pode ser cooptado como capita1 simbólico.
93 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

Podemos sintetizar o que foi dito até agora de maneira a concentrar em um


parágrafo o pensamento de Thompson (1995). Sua concepção estrutural de cultura
contém os seguintes aspectos:

▪ (1) Intencionalidade – As formas simbólicas são expressões produzidas por um


sujeito e destinadas a outrem, visando à realização de determinados objetivos.
▪ (2) Convencionalidade – A construção e a recepção de formas simbólicas
seguem regras e convenções de vários tipos.
▪ (3) Estruturação – As formas simbólicas são construções que exibem uma
estrutura articulada composta de elementos que se relacionam uns com os
outros.
▪ (4) Referencialidade As formas simbólicas são construções que representam
algo, referem-se a algo, dizem algo sobre alguma coisa.
▪ (5) Contextualidade – As formas simbólicas estão sempre inseridas em
processos e contextos sócio históricos específicos dentro dos quais – e por meio
dos quais – elas são produzidas, transmitidas e recebidas.

Podemos, por fim, utilizar tal síntese para pensar a religião, que constitui, como
já anunciamos, um fenômeno cultural como tantos outros. Assim, a religião, como um
sistema cultural, expressão presente no texto de Geertz, é (1) um conjunto de símbolos
significantes (2) cuja principal função é a de operar como forma de comunicação para
sujeitos de uma mesma cultura e que (3) sempre se concretiza em realidades
previamente estruturadas.
Um exemplo para consolidar ou esclarecer o conceito: tomemos a crença no
diabo de um grupo religioso. Ele é (1) um símbolo cheio de significados para
determinada comunidade e serve para que seus membros (2) possam partilhar e
comunicar entre si um conjunto de “verdades” sobrenaturais sobre tudo aquilo que
consideram
94 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

abominável ou desprezível, e o sentido desses significados faz parte de (3) um contexto


estruturado, o campo religioso; assim, os significados ou os agentes que serão
identificados como diabólicos podem ser outros concorrentes que disputam espaço no
interior do campo religioso com a comunidade que está expressando sua crença no
inimigo.
Talvez o exemplo apresentado ainda esteja abstrato demais para que você
compreenda o que estamos dizendo; então, poderíamos deixar de falar, de forma geral,
do cristianismo para abordar, de maneira especifica, o neopentecostalismo. As igrejas
neopentecostais partilham vários símbolos culturalmente elaborados, dentre eles as
crenças e os ritos em torno do diabo. Esses elementos têm um significado bem definido
para seus participantes: o diabo condensa todas as características das quais os fiéis
neopentecostais estão alijados, mas desejariam poder participar. Poderíamos definir
isso, de forma condensada, como um estado de prosperidade ou de abundância. Como
é bastante difícil, em um nível consciente, descrever todas as frustrações que têm, as
pessoas podem comunicar umas às outras o que sentem e o que aspiram por meio de
um símbolo sobre o qual projetam toda sua intensidade emocional: o diabo, o
adversário de Deus e de suas vidas, aquele que lhes priva de uma vida abundante. Por
isso, o rito de exorcismo é tão importante em ambiente neopentecostal; ele serve para
as pessoas transitarem, de forma simbólica, de um mundo de precariedades para
outro, de abundância e de prosperidade. Essas crenças e ritos funcionam em
determinado contexto, ou seja, no campo religioso brasileiro contemporâneo, no qual
agentes muito específicos disputam fiéis entre si. O neopentecostalismo tende a
identificar o adversário de Deus com religiões com as quais disputa esse espaço, dando
atenção especial às religiões afro-brasileiras (por usarem uma linguagem simbólica
muito parecida com a da neopentecostal) e ao catolicismo romano (por ser o maior
agente religioso do campo).
95 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

3.2 Religião, rito e performance


Agora, passaremos para outro debate importante da antropologia contemporânea, que
trata da dimensão prática ou pragmática da religião, ou seja, de ritos e performances.
Para levar a termo o que pretendemos, faremos uma digressão filosófica sobre a
pragmática da linguagem, a fim de criar um contexto para nossa análise.
Manfredo Araújo de Oliveira (1996) analisa as transformações que ocorreram
na filosofia contemporânea. Uma sua concepção, houve o que ele chama de reviravolta
linguístico-pragmática na filosofia contemporânea. O autor demonstra em que consiste
esta virada no campo da filosofia: “A linguagem se tornou, em nosso século, a questão
central da filosofia'(Oliveira, 1996, p. 11). Assim, podemos dizer que a filosofia de
épocas anteriores questionava a essência da causalidade ou mesmo o conteúdo do
termo causalidade. Porém, a filosofia, em tempos mais recentes, começou a colocar em
debate a própria palavra causalidade. Desse modo, a linguagem foi deixando de ser o
objeto por excelência da reflexão filosófica para começar a fazer parte do que podemos
definir como o fundamento do próprio pensar (Oliveira, 1996). Ela passou a ser
percebida como elemento fundamental de construção e expressão do mundo: “Numa
palavra, não existe mundo totalmente independente da linguagem, ou seja, não existe
mundo que não seja exprimível na linguagem. A linguagem é o espaço de
expressividade do mundo, a instância de articulação de sua inteligibilidade* (Oliveira,
1996, p. 13).
O referido autor destaca a reviravolta linguístico-pragmática de forma
interessante e longa. Começa pela semântica tradicional, na qual inclui autores como
Platão, Aristóteles, Husserl, Kutschera, Frege, Carnap e a primeira fase do pensamento
de Ludwig Wittgenstein. A semântica tradicional, na elaboração autocrítica de
Wittgenstein, parte do pressuposto de que
96 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

as palavras têm sentido porque há objetos que elas designam: coisas singulares
ou essências. Esses objetos são dos mais diferentes tipos, havendo mesmo
objetos muito especiais, os fatos, as situações objetais, designados pelas frases.
A última forma dessa teoria no Ocidente é, exatamente, a teoria da afiguração
como correspondência estrutural entre frase e estado de coisas,
respectivamente, fatos, elaborada no Tractatus. [...] A essência da linguagem
depende, assim, em última análise, da estrutura ontológica do real. Existe um
mundo em si que nos é dado independente da linguagem, mas que a linguagem
tem função de exprimir. (Oliveira, 1996, p. 121)

A partir da segunda fase do pensamento de Wittgenstein, começa a reviravolta


pragmática na filosofia contemporânea. Não vamos apresentar toda a trajetória
analisada pelo autor, pois isso exigiria uma longa argumentação que nos distanciaria
do foco da presente obra. Abordaremos esse conceito com base na caracterização que
Oliveira (1996) faz do pensamento de Wittgenstein e que serviu de chão para a filosofia
da linguagem de John L. Austin, um autor que procurou dar sistematicidade à
reviravolta que aquele autor promoveu.

O que caracterizava essa nova orientação é que para ele, agora, a linguagem é
uma atividade humana como andar, passear, colher etc. Há aqui uma íntima
relação, se não identidade, entre linguagem e ação, de tal modo que a
linguagem é considerada uma espécie de ação, de modo que não se pode
separar pura e simplesmente a consideração do agir humano ou a consideração
do agir não pode mais ignorar a linguagem. Essa atividade se realiza sempre em
contextos de ação bem diversos e só pode ser compreendida justamente a
partir do horizonte contextual em que está inserida. (Oliveira, 1996, p. 138,
grifo do original)
97 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

A conexão da filosofia da linguagem de Austin com as críticas promovidas por


Wittgenstein à semântica tradicional fica evidente já no começo de suas conferências
que originaram sua mais importante obra.

Por mais tempo que o necessário, os filósofos acreditaram que o papel de uma
declaração era tão somente o de “descrever” um estado de coisas, ou declarar
um fato, o que deveria fazer de modo verdadeiro ou falso. Os gramáticos, na
realidade, indicaram com frequência que nem todas as sentenças são (usadas
para fazer) declarações, há tradicionalmente, além das declarações (dos gra-
máticos), perguntas e exclamações, e sentenças que expressam ordens,
desejos e concessões. (Austin, 1990, p. 21)

Dessa forma, as palavras não servem apenas para declarar ou descrever fatos,
mas também para fazer coisas, aliás, isto é o que sugere o título do livro que deu
origem às conferências de Austin (1990), Quando dizer é fazer: palavras e ação. O autor
chama de performativa a sentença que não descreve, não relata nem afirma ser
verdadeira ou falsa, mas cujo proferimento é a realização de uma ação (Austin, 1990).
A origem da expressão é identificada por ele como sendo proveniente do inglês “to
perform, verbo correlato do substantivo 'ação', e indica que ao se emitir o proferimento
está-se realizando uma ação, não sendo, consequentemente, considerado um mero
equivalente a dizer algo” (Austin, 1990, p. 25).
Para Oliveira, a teoria dos atos de fala se refere a três tipos de atos: (1)
locucionários, (2) ilocucionários e (5) perlocucionários. Ele denomina de ato locucionárío
a “totalidade da ação linguística em todas as suas dimensões' (Oliveira, 1996, p. 157);
o ato ilocucionário se dá quando “no ato de dizer algo, fazemos também algo”
(Oliveira, 1996, p. 158); finalmente, o ato perlocucionário designa a ação de “provocar,
por meio de expressões linguísticas, certos
98 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

efeitos nos sentimentos, pensamentos e ações de outras pessoas” (Oliveira, 1996, p.


159-160).
Paul Ricoeur (1999, p. 26, grifo do original), também faz referência a filosofia da
linguagem:

Os [atos] performativos são apenas casos particulares de uma característica


geral exibida por toda a classe de actos da linguagem, quer sejam ordens,
desejos, perguntas, advertências ou asserções. Todas elas, além de dizerem
algo (o acto locutionário [sic]), fazem algo ao dizer (o acto ilocucionário) e
produzem efeitos por o dizerem (o acto perlocucionário).

O exemplo usado por Oliveira (1996) dá uma enorme clareza e concretude às


asserções teóricas e abstratas, além de demonstrar como os três atos acima descritos
estão sempre profundamente imbricados.

Que Pedro diga esta frase – o jacaré é perigoso -é um ato locucionárío; que
Pedro, por meio desta expressão linguística, faça uma advertência, isso é o alo
ilocucionário; que por meio dessa expressão Pedro consiga afastar alguém do
jacaré, isso é o ato perlocucionário. Os três atos são realizados por meio da
mesma expressão linguística, o que manifesta que não se trata de três atos
distintos, mas de três dimensões do mesmo ato de fala. Não se trata, pois, de
atos diversos, mas de “três aspectos, dimensões, momentos do único ato de
fala”. (Oliveira, 1996, p. 160)

Para tornar mais claro o que estamos dizendo, gostaríamos de exemplificar com
base em pesquisas de campo realizadas no âmbito do neopentecostalismo brasileiro
sobre o rito de exorcismo. Se alguém perguntar como é que se faz para expulsar
demônios, poderíamos responder que é por meio da linguagem. Há um universo de
gestos e coisas que precisam estar em sintonia com a ação de exorcizar, mas a expulsão
propriamente dita dos demônios
99 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

se dá pela mediação da palavra. É óbvio que não é qualquer um que pode expelir
demônios, é preciso que seja a pessoa certa, no momento exato e com as palavras
adequadas, mas efetivamente os demônios saem da vida de alguém mediante uma
ordem: “Sai!”. Essa ordem pode ser proferida por um pastor ou por um bispo quando
está dirigindo o culto, por um obreiro ou por uma obreira no início, no fim ou no
decorrer do culto, ou mesmo com a participação de todas as pessoas gritando ao
mesmo tempo, mas é a ordem – “Sai!”; “Sai em nome de Jesus!”; ou “Queima!” – que
confere efetividade ao exorcismo.
O antropólogo Pordeus Júnior (2000, p. 12), ao descrever o ato performático,
refere-se à autoridade do locutor:

A performance deve ser entendida como ato social definido por relação que se
estabelece pelo meio da enunciação entre locutor e auditor. Cumprindo um ato
ilocucionáno, o locutor exprime um certo papel e designa ao auditor um outro
papel complementar; o locutor exprime sua vontade de que o auditor siga uma
dada conduta, colocando-se como possuidor de uma autoridade que deixa o
auditor se conduzir de determinada maneira, simplesmente porque é a
vontade do locutor. O papel social assumido pelo locutor, quando emite uma
ordem, é o de superior hierárquico institucionalizado.

Uma observação tirada de meu diário de campo pode demonstrar bem como rito de
exorcismo e linguagem estão profundamente entrelaçados:

Corrente de Jericó. Foram formadas algumas correntes de mãos dadas na


igreja. Todos fecham os olhos e começam sucessivas orações enérgicas com
gritos ousados contendo palavras de ordem e desafio ao Diabo e seus
demônios. O dirigente e seus auxiliares iam se sucedendo em orações durante
vários minutos.
100 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

Vários nomes de demônios foram citados: Omolulu, Pomba-gira, Exu-caveira,


Exu-do-lodo, Maria-Padilha, Zé-Pilintra etc. Uma senhora que segurava a minha
mão na corrente de mãos começou a ficar com a aparência de quem está zonza.
Ela saiu da corrente, logo veio um obreiro e começou a exorcizá-la, gritando
palavras de ordem em seus ouvidos, ao mesmo tempo em que o dirigente e
seus auxiliares também oravam energicamente ao microfone, formando um
verdadeiro bombardeio. A mulher tinha o corpo todo trêmulo.

Cânticos. As pessoas que se sentiram mal no decorrer das orações são


convidadas a ir à frente.

Oração com a mão direita levantada.

Pessoas endemoninhadas sobem ao palco. Começa a entrevista com as quatro


mulheres que estavam endemoninhadas. Pergunta a cada uma delas a mesma
coisa: “Qual o teu nome?”; “Exu-sete-caveiras”, “Pomba-gira”, “Exu-da-morto”
e “Exu-caveira”. O bispo chama os acompanhantes das pessoas que estão ende-
moninhadas para irem à frente e depois retoma a entrevista com um dos
demônios. “Que o Exu-sete-caveiras faz?”; “Faz de tudo, destrói, mata. Sabe
porque eu estou aqui? A mãe dela acordou feito uma cobra e eu só achando
graça”. “Quantos demônios têm aí?”; “Tem sete. Eu coloquei câncer na vida da
mãe dela”. O bispo interrompe as entrevistas e chama quem está indo à igreja
pela primeira vez para ir ã frente para observar os demônios e serem exortados.
O bispo diz aos visitantes: “Olha o que acontece com quem não tem a armadura
de Deus!”. Depois se volta para uma outra pessoa endemoninhada, com os
visitantes ainda à frente: “Pomba-gira, para onde vão as pessoas que não têm
Jesus?”; “Pra onde eu vou, pro inferno!”. “É você que não deixa a pessoa vir
para a igreja?”; “Sou eu!”
101 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

Começam os exorcismos. Todos estendem as mãos ao a Ito e gritam junto com


o dirigente, “queima, queima...”. Depois acenam com as mãos como quem
enxota os demônios e gritam, “sai, sai...”. (Oliva, 2000)

O ambiente é preparado para que os demônios se manifestem. O corpo é


colocado em ação por meio da corrente de Jerico. Uma grande corrente de pessoas é
formada ao redor do templo. Começam as orações dos dirigentes, um após o outro,
orando energicamente e nominando os demônios, usando a nomenclatura que serve
para identificar os orixás do candomblé e da umbanda. O universo demoníaco é
identificado com a expressão religiosa afro-brasileira. Nas orações iniciais, as palavras
de acusação e de ordem contra os demónios vão demonstrando a autoridade da
liderança da igreja, bem como o poder da voz. As expressões não apenas nominam os
demônios, mas têm autoridade sobre eles. As palavras atravessam as vidas das pessoas
e, como um furacão, vão levando para fora das suas vidas os seres, causadores de toda
sorte de mal. Elas também servem para causar a humilhação dos demônios. É pela
palavra que o dirigente ordena que se ajoelhem, andem de um lado para o outro,
confessem o que estão fazendo na vida das pessoas e, enfim, saiam do corpo da pessoa
e parem de atormentá-las.

Não poderíamos terminar esta seção sem ensaiar uma definição, de forma mais
geral, dos termos analisados acima. Para fazer isso, vamos apelar para um texto breve
e didático da antropóloga brasileira Mariza Peirano (2006. p. 3):

Rituais e eventos etnográficos se adentram, portanto. Rituais podem ser vistos


como tipos especiais de eventos, mais formalizados e estereotipados, mais
estáveis o, portanto, mais suscetíveis a análise porque já recortados em termos
nativos eles possuem uma
102 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

certa ordem que os estrutura, um sentido de acontecimento cujo propósito é


coletivo, uma eficácia sui generis, e uma percepção de que são diferentes.
Nesse sentido, eventos em geral são, por princípio, mais vulneráveis ao acaso
e ao imponderável, mas não desprovidos de estrutura e propósito, aspectos
que ficam mais evidentes se o olhar do observador foi previamente treinado
nos rituais. Os rituais tornam-se, assim, uma “escola”, um treino, de
aprendizado analítico.

Com base no que aparece na citação, podemos definir um ritual como uma ação
corporal e verbal formalizada, estereotipada e estável. A antropóloga brasileira diz que
a prioridade para uma identificação de um ritual deve partir do nativo, ou seja, do
grupo ou de alguma pessoa que pertença à comunidade que está sendo estudada, mas
isso não significa que um rito seja inclassificável ou impossível de ser identificado, pois
constitui uma ação visível e identificável, que segue algum padrão. Há muitos
exemplos de ritos acerca dos quais temos familiaridade: a Santa Ceia ou a Eucaristia,
a oração ou a reza, o exorcismo. Em todos esses casos, há sempre um padrão de
repetição daquilo que é realizado.

Por fim, vale ressaltar que, na antropologia, a prova da análise está nos
exercícios etnográficos, ê quando se percebe que rituais e certos eventos
etnográficos ampliam, acentuam, sublinham o que é comum em uma
sociedade ou um grupo, trazendo, como consequência, o fato de que o
Instrumental analítico utilizado para o exame de rituais mostra, aí, sua
serventia plena. Concluo esta parte: ao adotar uma análise de rituais, não
procuro os eventos extraordinários de uma sociedade, mas exatamente os
corriqueiros, o mundo vivido em sua diversidade. Uso uma metáfora para
sintetizar esta abordagem: assim como a afasia é um distúrbio linguístico que
revela mecanismos básicos da linguagem, o ritual, como fenômeno peculiar,
específico, diferente, nos fornece o
103 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

instrumental para acessar visões de mundo, cosmologias, procedimento que


atualiza a antiga ambição sociológica. (Peirano, 2006, p. 4-5)

Nesse trecho, a autora nos dá uma dica de cunho mais metodológico para uma
análise dos rituais: não devemos procurar os atos extraordinários, mas aqueles que são
comuns e corriqueiros. O tato é que, quando estamos diante de uma cultura distinta
da nossa, em função do estranhamento, temos muito mais sensibilidade para perceber
seus ritos. Por causa da familiaridade, temos muita dificuldade para identificar os ritos
da nossa própria cultura. Agimos de forma estereotipada e repetitiva, mas, muitas
vezes, não notamos isso.
Podemos também buscar maior clareza sobre a questão da performance teatral,
que é vista pela autora como uma metáfora que é muito útil para a compreensão do
desempenho ritual.

Metáforas. O teatro é uma poderosa analogia, sem dúvida, e analogias são


recursos úteis para produzir inteligibilidade. A antropologia utiliza metáforas
desde que foi institucionalizada (organismo, linguagem, texto, palco, agora
teatro). O alerta é para a sua utilização: enquanto Instrumento, a metáfora é
poderosa, mas se é levada a sério, se é usada literalmente, engessa a análise.
Um exemplo recente é elucidativo: cultura como texto foi uma metáfora
produtiva, mas quando cultura passou a ser texto, perdeu-se o poder
explicativo. (Peirano, 2006, p. 6, grifo do original)

Assim, a discussão sobre a performance cultural requer que coloquemos o foco


sobre o campo das ações, e não apenas sobre o que é dito ou conceitualizado por
determinado grupo social. Se passamos a pensar em performance como algo mais do
que uma metáfora, a força inicial da expressão perde todo o seu poder, o qual direciona
o foco do trabalho de pesquisa antropológica para as ações da cultura observada.
104 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

Rituais e “performances” privilegiam o fazer e o agir, reforçam o contexto,


admitem o imponderável e a mudança, veem a linguagem em ação, a sociedade
em ato e prometem alcançar cosmovisões, tudo isso podendo levar a um
acordo de objetivos teórico-intelectuais com político-pragmáticos. Em um
mundo dominado por julgamentos de valor apressados e maniqueísmos
perigosos, vejo a antropologia como representando, hoje, e ainda, uma
possibilidade valiosa de reflexão sobre fenômenos sociais, um modo de
conhecimento que se caracteriza por levar sempre em conta contexto e
comparação, em constante referência às dimensões da cultura e da linguagem.
Mas, para isso, precisamos esclarecer se performance é um objeto de estudo,
um tema, uma teoria, ou uma antidisciplina. (Peirano, 2006, p. 7, grifo do
original)

A resposta da questão levantada pela autora sobre os ritos e as performances é


que estamos diante de um pouco de cada coisa por ela descrita. Quando falamos de
rito e performance, estamos diante de um objeto de estudo, de um tema, de uma teoria,
de uma antidisciplina. Podemos, perfeitamente, estudar determinado rito em uma
cultura (objeto e/ou tema), assim como há um importante debate teórico sobre o que
ê um rito ou uma performance (teoria) e por que não? uma antidisciplina, afinal de
contas a sua transdisciplinaridade mina o estabelecimento de uma disciplina no
sentido estrito do termo.

3.3 Religião e arquétipos


Uma boa forma de começar nosso debate e com uma definição de arquétipo, pois não é
uma palavra comum em nosso cotidiano. Mais adiante, voltaremos a uma explicação
do termo, mas entendemos que uma definição preliminar faz-se necessária, a fim de
que você possa entender o assunto.
105 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

O termo Arquétipo não foi criado por Jung, e Jung indica sua origem nos escritos
patrísticos com uma “perífrase explicativa do eidos platônico” [...]. A única
contribuição de Jung foi usar a ideia de arquétipo num sentido psicológico com
referência às pessoas contemporâneas. Os arquétipos eram para ele “formas
típicas de apreensão” [...]- isto é, padrões de percepção e compreensão
psíquicas comuns a todos os seres humanos como membros da raça humana.
(Hopcke, 2012, p. 23)

Agora, passemos a uma breve análise do modelo da psique de Jung, de modo


que a definição e a análise do termo arquétipo possam emergir no contexto desse
modelo. Iniciaremos a exposição desse protótipo por meio de uma visão metafórica e
sintética, a saber: a totalidade de todas as dimensões da vida intrapsíquica, que ele
denominou de si-mesmo; este, por sua vez, apresenta três grandes camadas: (1) o
consciente, cujo núcleo estruturante é o ego; (2)o inconsciente pessoal, que está ligado
à história dos recalques e dos esquecimentos do sujeito e no qual estão armazenados
os complexos; (3) o inconsciente coletivo, uma espécie de memória biológica comum
da humanidade, em que estão alojados os arquétipos.
Notamos que há muitos conceitos importantes na descrição do parágrafo
anterior e nossa tarefa será explicá-los da maneira mais clara e detalhada possível.
O si-mesmo é uma categoria que serve para designar a totalidade de uma
pessoa em sua riqueza e diversidade interior. Ele procurou usar um termo distinto de
eu porque este e o núcleo estruturante apenas da consciência, ao passo que o si-mesmo
serve para designar o conjunto que engloba a consciência e os inconscientes, seja em
sua camada pessoal, seja na coletiva.
A concepção de que o si-mesmo e algo mais amplo e abrangente que o eu coloca
em xeque o que, no debate teórico contemporâneo, pode ser denominado filosofia do
sujeito, a qual, de uma forma bem
106 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

simples e rápida, parte do pressuposto de que uma pessoa é livre para decidir ou
programar sua vida. Se o eu, como núcleo estruturante apenas da consciência, é
englobado pelo si-mesmo, que, por sua vez, é composto de duas camadas
inconscientes (uma pessoal e outra coletiva), então, a ideia de que somos totalmente
desprendidos para tomar decisões não se sustenta. A razão disso é que somos
determinados tanto pelo inconsciente quanto pela consciência e, como o próprio nome
diz, o inconsciente relaciona-se àquilo que não conhecemos mais ou que jamais
poderemos tomar ciência.
Com relação à consciência, como é possível perceber pela própria designação
da palavra, estamos diante dos fatos que são acessíveis ao nosso conhecimento. O
núcleo estruturador dos acontecimentos conscientes é uma instância denominada eu.
O que chama a atenção é o fato de o eu ser apenas o centro da consciência, embora a
maioria das pessoas pense que ele é o núcleo central da pessoa ou mesmo seu todo. O
principal papel da consciência ê a adaptação à vida social. Ela funciona como elemento
de compensação em relação ao inconsciente, e vice-versa, de modo que somos, ao
mesmo tempo, natureza ou instinto e cultura ou adaptação. Como nossa natureza ê
bruta, no sentido de que precisamos aprender a conter determinados impulsos para
viver em sociedade, o eu ê uma espécie de negociador entre o sujeito e a vida social,
fato que requer muito sacrifício dos instintos para que alguém possa ser considerado
ajustado ou sociável.
Damos o nome de sociabilização a um artifício que é necessário, mas
extremamente doloroso para cada um de nós, pois, afinal, temos de sacrificar muito
de nossa natureza instintiva no altar do que é chamado de civilização.
A partir de agora, desembocamos no mundo do inconsciente, explorando o fato
de que é composto de dois estratos, um pessoal e outro impessoal ou coletivo, dado
que nos permite distinguir a
107 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

visão de Jung da de Freud sobre o assunto. Jung não apenas afirmou a existência de
um inconsciente, como fazia Freud, mas ressaltou que ele tinha uma dimensão pessoal
– que continha lembranças perdidas, reprimidas, evocações dolorosas e percepções
que não ultrapassaram o limiar da consciência – e outra coletiva, diferentemente da de
Freud – que estava desligada do inconsciente pessoal, sendo totalmente universal;
desse modo, seus conteúdos poderiam ser encontrados em toda parte e em qualquer
temporalidade.
O que importa para nós, neste momento, é que o inconsciente coletivo é
povoado por arquétipos, os quais podem ser descritos como predisposições que nos
ligam a nossos ancestrais. Em outros trechos, percebemos que, por sua vez, o
inconsciente pessoal é constituído de diversos complexos o equivalente dos arqué-
tipos –, mas que constelam, para usar um termo da psicologia de Jung, a psique pessoal.
Com esse contexto em mente, podemos chegar ao que mais nos interessa, o
inconsciente coletivo, que pode ser compreendido como o campo conceitual em que
Jung demonstra majoritariamente sua originalidade. Afinal, antes dele, Freud já
afirmava a existência de uma dimensão da psique, que era inconsciente. Como seu
mestre, Jung admitia a vivência de um inconsciente ligado à história de vida de um
determinado sujeito, mas foi além e entendeu haver outro estrato, que denominou
inconsciente coletivo. Tal designação procura descrever algo que é comum a toda
humanidade, uma espécie de memória genética do gênero humano, que permite um
acúmulo de experiências ao longo da história da humanidade.
Por meio da “descoberta” do inconsciente coletivo, Jung criou uma explicação
para os motivos que apareciam nos relatos de seus pacientes espontaneamente e que
também podiam ser encontrados em textos antigos. Pessoas sem nenhuma formação
religiosa, por exemplo, expressavam conteúdos místicos que não se faziam
108 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

mais presentes nas sociedades laicizadas das quais faziam parte, mas que estavam
presentes em velhos escritos escavados pelo pesquisador. Jung deparou-se com uma
explicação para uma confluência que se dava por intermédio da hipótese da existência
de um inconsciente coletivo, uma dimensão da psique, que subsistia no decorrer dos
séculos.
Ressaltamos que, assim como o inconsciente pessoal é povoado por complexos,
o coletivo é a morada dos arquétipos, os quais podem ser definidos, de uma forma um
tanto quanto simples, como predisposições para a constituição de determinadas ima-
gens na psique humana.

Mas afora esses, no inconsciente encontramos também as qualidades que não


foram adquiridas individualmente, mas são herdadas, ou seja, os instintos
enquanto impulsos destinados a produzir ações que resultam de uma
necessidade interior, sem uma motivação consciente. Devemos incluir também
as formas a priori, inatas, de intuição, quais sejam os arquétipos da percepção
e da apreensão que são determinantes necessárias e a priori de todos os
processos psíquicos. Da mesma maneira como os instintos impelem o homem
a adotar uma forma de existência especifica- mente humana, assim também os
arquétipos forçam a percepção e a intuição a assumirem determinados padrões
especificam ente humanos. Os instintos e os arquétipos formam
conjuntamente o inconsciente coletivo. (Jung, 2011a, p. 76-77, grifo nosso)

Preste atenção ao fato de que Jung fala dos arquétipos como formas a priori
inatas de intuição. Não sao imagens propriamente, mas tendências para que
determinados motivos (temas) imagéticos desenvolvam-se na psique pessoal. Esse
detalhe deve ser ressaltado porque ele não eslava afirmando que as imagens eram
universais, e sim apenas predisposições. Isso explica como determinados assuntos são
recorrentes, mas, ainda assim, há
109 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

espaço para a particularidade. Em outros termos, há o motivo do herói que aparece e


reaparece em todos os tempos e lugares, mas a caracterização dele muda de acordo
com a forma que assume na vida interna de cada pessoa, assim como nas
particularidades de cada momento da história e das regionalidades culturais.

Minha opinião sobre os “resíduos primordiais”, que denomino “arquétipos” ou


“imagens primordiais”, é constantemente criticada por pessoas que não
possuem bastante conhecimento da psicologia dos sonhos e nem da mitologia.
O conceito arquétipo é muitas vezes mal-entendido porque significa, por
exemplo, um motivo ou figura mitológicos bem determinados e nitidamente
delineados. Isto seriam meras representações e seria absurdo acreditar que tais
representações mutáveis pudessem ser herdadas. Ao contrário, o arquétipo é
uma tendência de criar representações muito variáveis, mas sem perder seu
modelo primitivo. Existem, por exemplo, muitas representações do motivo dos
irmãos inimigos, mas só existe um motivo. Só é possível descrever isso com uma
tendência a esta espécie de formação de representações. Como tal, representa
uma disposição hereditária da psique humana e é possível encontrá-la
praticamente em toda parte e em todos os tempos. Penso nesse motivo
quando falo do arquétipo. (Jung, 2011b, p. 247, grifo do original)

Com o objetivo de tornar os conceitos mais evidentes ou acessíveis, passaremos


a um exemplo de uma manifestação de um arquétipo em um documento antigo.
Analisaremos duas passagens dos Atos de Tomé, um texto cristão apócrifo do século III
ou IV sobre o arquétipo da sombra, cuja designação mais comum no cristianismo é a
de diabo. O primeiro relato fala de um embate entro Tomé e um demônio, em que
apenas o apóstolo e a endemoninhada podem ver o diabo:
110 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

Respondeu o apóstolo:

– Oh malícia indomável! Oh falta de vergonha do inimigo! Oh ciumento que


jamais descansa! Oh infame que subjuga aos belos! Oh polimorfo que se mostra
como deseja, pois não pode mudar sua natureza! Oh você que procede do
enganador e infiel! Oh árvore amarga, cujos frutos são semelhantes a ela! Oh
você que procede do diabo que luta a favor dos estranhos! Oh você que
procede do erro acostumado à falta de vergonha! Oh você que procede da
maldade rastejante, como a serpente de quem é parente!

Quando o apóstolo pronunciou estas palavras, veio o inimigo e se colocou


diante dele – ainda que ninguém pudesse vê-lo, exceto a mulher e o apóstolo
– bradou diante dos ouvidos de todos [...). (Piñero; Cerro, 2005, p. 993-995,
tradução nossa)

Como vemos, todo o refugo da vida intrapsíquica projeta-se sobre o arquétipo


da sombra: malícia indomável, falta de vergonha, ciumento, infame, polimorfo,
enganador, infiel, árvore amarga, que procede do erro, que procede da maldade
rastejante etc. Tudo aquilo que não estamos dispostos a admitir que somos é lançado
na conta do diabo. Há uma anedota de que uma vez o diabo foi encontrado chorando
em pleno Viaduto do Chá, local movimentadíssimo da cidade de São Paulo, e ao lhe
perguntarem o que havia sucedido, ele respondeu: – Tudo eu... tudo eu!
A personagem, apresentada anteriormente como endemoniada, foi liberta por
Tomé. Mas, enquanto esteve sob o domínio do diabo, fez uma visita ao inferno e nos
contou como as coisas estavam por lá:
111 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

O apóstolo lhe respondeu:

– Conta para nós sobre onde esteve.

Ela disse:

– Você, que estava comigo, a quem fui entregue, quer ouvir?

E começou a contar assim:

– Fui recebida por um certo homem, muito feio de aparência, totalmente


escuro, e com vestes totalmente sujas. Ele me conduziu a um certo lugar em
que havia muitas fissuras e um péssimo odor, de onde saíam exalações
terríveis. Ele me fez olhar dentro de cada uma das fissuras. Vi na primeira um
fogo ardente e rodas de fogo que davam voltas de fogo por ali. Diversas rodas
estavam atadas àquelas rodas, que se chocavam entre si. Altos gritos e gemidos
ressoavam naquele lugar e não havia ninguém que livrasse aos condenados.
Então, aquele homem me disse: “Estas almas são congéneres suas, e no dia da
prestação de contas, foram entregues para serem castigadas e destruídas. E
quando isto ocorre, trazem outras em lugar das primeiras, e semelhantemente,
logo outras em lugar das anteriores. Estas almas são as que perverteram a
união entre um homem e uma mulher”. E olhando para baixo, vi crianças
recém-nascidas amontoadas umas às outras, que lutavam entro si,
perseguindo-se mutuamente. Disse-me: “Estes são seus filhos, e por ele foram
colocados aqui para que dessem testemunhos contra eles”. (Piñero; Cerro,
2005, p. 1011-1013, tradução nossa)

Sua narrativa e apavorante. Seu anfitrião é um homem feio, o lugar é fétido e as


pessoas que lá se encontram estão padecendo duras penas. Não foram poupadas nem
mesmo as criancinhas, que estão amontoadas, umas sobre as outras, em razão das
presumidas irresponsabilidades de seus pais. Mais uma vez, o instinto
112 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

sublimado leva o ser humano a pagar um alto preço, e todo valor é debitado nas
finanças do pai da mentira.
Para encerrar esse debate, gostaríamos de abordar o pensamento de Jung sobre
os riscos que existem para aqueles que negligenciam a realidade do mal, assim como
seria interessante avaliar a importância que esse tema tem na vida psicológica de
qualquer pessoa. O psiquiatra suíço, em seus textos, já chamava a atenção para os
perigos da exclusão do mal e da sombra no cristianismo. O principal risco é que, se o
mal não fosse real, Deus também não poderia ser.

Atualmente encontramo-nos sob a influência do desenvolvimento medieval do


cristianismo. Agora estamos acostumados a pensar desse modo cristão. Isto é,
no estilo do “summum bonum” e “Deus é apenas o bem”, “Deus não é
paradoxal, todo mal é da ordem da sombra e nem possui de fato uma
substância”. £ apenas uma “ausência do bem”. Não refletimos a respeito, pois
caso o fizéssemos deveríamos saber: Se o mal não existe, se o mal não é, então
também o bem não existe. (Jung, 201A, p. 56)

Jung ilustra bem, de maneira prática, as implicações de se negar o mal. file


menciona a história de um “homem santo”, que certa vez visitou. Para sua surpresa,
toda pureza servia apenas para camuflar o pecador que habitava nas profundezas de
seu inconsciente e se manifestava aleatoriamente, personalizando sua sombra.
Vejamos suas palavras:

Um dia vi um verdadeiro santo. Infelizmente não posso lhes dar maiores


detalhes biográficos. Durante três dias conversei com ele, afundando-me cada
dia mais em minha pecaminosidade e imperfeição. Na noite do terceiro dia não
restava mais muito de mim. Na outra manhã a mulher dele me procurou. Bem,
aí conheci outra versão de toda essa maravilha! Desenterrei-me novamente
113 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

e estava perfeitamente recomposto. Para mim bastava. Percebi: “Essa então é


a assim chamada santidade!”. (Jung, 2014, p. 60-61)

Em seguida, como você notará, corremos o risco de ficar estarrecidos ao vermos


a passagem na qual nosso psicólogo fala sobre a “utilidade* do mal. Nós ainda não
havíamos pensado na possibilidade de que a maldade existente no mundo pudesse
cumprir uma função benéfica.

Mas o que seria se todos nós fôssemos bons: O que seria? Sena absolutamente
nada! Então não se necessitaria de religiões, de igrejas, de nada. Então nada
aconteceria. Não haveria mais diferenças. Não existiria mais um declive. Não
haveria mais um objetivo, pois o objetivo já teria sido alcançado há muito
tempo. Nasceríamos com harpas em nossas mãos e durante toda a nossa vida
cantaríamos louvor e nada mais. Mortalmente fácil! Também não há energia
sem declive. Declive significa opostos! Quem não abriga os opostos dentro de
si não está vivo, ao invés disso, é um neurótico morto que apenas geme, mas
não vive. (Jung, 2014, p. 67)

Se não sobrasse mais nenhuma motivação para encararmos nossa sombra como
algo real o ativo em nossas vidas, bastaria pensar que ela nos é muito útil!

SÍNTESE
Neste capítulo, tratamos de três debates que julgamos serem atuais no campo da
antropologia: (1) religião como sistema cultural; (2) religião, rito e performance; e (3)
religião e arquétipos.
A religião como um sistema cultural pode ser descrita como um conjunto de
símbolos significantes, cuja principal função é funcionar como forma de comunicação
para sujeitos de uma mesma cultura e que sempre se concretizam em realidades
previamente estruturadas.
114 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

Rito e performance dizem respeito a atos que podemos observar em ambiente


religioso. Remetem à dimensão prática da religião, como uma segunda face da
doutrina, que incorpora seus conceitos.
Podemos definir arquétipos como predisposições biológicas que nos ligam a
nossos ancestrais. Não é a imagem de algo que se manifesta no inconsciente por meio
de um arquétipo, mas apenas a predisposição a formar imagens. Jung identificou
muitos arquétipos, mas destacamos os mais recorrentes: eu, persona, sombra, mãe, pai,
herói, velho sábio etc.

INDICAÇÕES CULTURAIS
BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Tradução de
Renato Aguiar. 16. ed. Rio do janeiro: Civilização Brasileira, 2015. (Coleção Sujeitos &
História).
Um livro fundamental para compreender os debates sobre gênero na atualidade.
Porém, apresenta um texto que exige algum esforço de compreensão do leitor.

HOPCKE, R. H. Guia para a obra completa de C. G. Jung. Tradução de Edgar Orth e


Reinaldo Orth. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2012.
Como a obra de C. G. Jung pode ser um pouco difícil para iniciantes, indicamos este
livro introdutório, que mapeia os conceitos mais importantes do psiquiatra suíço e
mostra de que forma é possível entrarem contato com tais conceitos.

MOTTA. M. B. (Org.). Michel Foucault: ética, sexualidade, política. Tradução de Elisa


Monteiro e Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.
v. V (Coleção Ditos e Escritos).
Coletânea de textos do filósofo francês Michel Foucault de grande importância para
quem interessa-se pelos debates sobre gênero dos dias de hoje.
115 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

THOMPSON, J. B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios
de comunicação de massa. Tradução de Carmen Grisci et al. Petrópolis: Vozes. 1995.
Texto belíssimo do sociólogo britânico sobre mídia e cultura, do qual foi tirado o
debate sobre o conceito de cultura analisado no terceiro capitulo.

SAMAIN, E. Ver e dizer na tradição etnográfica: Bronislaw Malinowski e a fotografia.


Horizontes Antropológicos, ano 1, n. 2, p. 19-49, jul./set. 1995.
Outro texto interessante sobre um dos mais importantes antropólogos da história da
disciplina, Bronislaw Malinowski, que é considerado pioneiro da prática de campo no
âmbito da antropologia.

ATIVIDADES DE AUTOAVALIAÇÃO

1. De acordo com Jung, o que é o si-mesmo?


A] Um sinônimo de consciente, cujo núcleo estruturante é o ego.
B] A parte mais importante de todas as dimensões da vida intrapsíquica.
C] O mesmo que o inconsciente pessoal, que está ligado à história dos recalques
e esquecimentos do sujeito e no qual estão armazenados os complexos.
D] Um sinônimo do inconsciente coletivo, uma espécie de memória biológica
comum da humanidade, na qual estão alojados os arquétipos.
E] A totalidade de todas as dimensões da vida intrapsíquica.
116 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

2. Assinale a alternativa que contém os cinco aspectos da concepção estrutural de


cultura de Thompson.
A] Intencionalidade, convencionalidade, estruturação, referencialidade e
contextualidade.
B] Intencionalidade, convencionalidade, estruturação, referencialidade e
estabilidade.
C] Ocasionalidade, convencionalidade, estruturação, referencialidade e
contextualidade.
D] Intencionalidade, convencionalidade, estratificação, referencialidade e
contextualidade.
E] Intencionalidade, conversacionalidade, estruturação, referencialidade e
contextualidade.

3. De acordo com o estudado no capítulo, o que é rito?


A] Qualquer forma de ação.
B] Um corpo de doutrinas.
C] Uma ação corporal e verbal formalizada, estereotipada e estável.
D] Uma ação cujos fins são conhecidos.
E] Uma ação cujos fins são desconhecidos.

4. Como podemos definir arquétipos?


A] Padrões de cunho ritual e performático.
B] Padrões de percepção e compreensão psíquicas comuns a todos os seres
humanos como membros da espécie humana.
C] Padrões de comportamento ritual.
D] Padrões de repetições culturais.
E] Padrões de percepção e compreensão psíquicas comuns a todos os seres
vivos.
117 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

5. Sobre o inconsciente, é correto afirmar que:


A] é a totalidade de todas as dimensões da vida intrapsíquica.
B] diz respeito aos fatos sobre a própria vida psicológica que um sujeito
desconhece e que possui apenas uma camada, a pessoal.
C] diz respeito aos fatos sobre a própria vida psicológica que um sujeito
desconhece e que possui apenas uma camada, a impessoal.
D] possui duas camadas, uma pessoal e outra impessoal ou coletiva, esta
formada pelo acúmulo de experiências da espécie humana na história.
E] possui duas camadas, uma pessoal e outra impessoal ou coletiva, esta
formada pelo acúmulo de experiências da espécie animal na história.

ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM

Questões para reflexão


1. Alguma vez você pensou na religião como um fenômeno cultural? Abordar a
religião como fenômeno cultural implica reduzi-la a isso ou há outras formas
de imaginá-la e experimentá-la? Como você gosta de conceber a religião? Que
modo de analisar n religião lhe incomoda?
2. Você consegue perceber quando está sob influência de um arquétipo? Quais são
os arquétipos que você consegue observar em seu ambiente religioso ou no de
algum conhecido? Você considera o debate de Jung sobre os arquétipos mera
especulação ou acredita que ele tinha uma base empírica para fazer tais
afirmações? Pesquise, na internet e em livros, uma resposta para essa última
questão.
118 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião

Atividade aplicada: prática


1. Vá a um templo neopentecostal em que você saiba que é grande a possibilidade
de haver um exorcismo. Observe atentamente o rito do início ao fim e os
movimentos dos corpos das pessoas e suas expressões faciais. Depois, anote em
um caderno ou em um arquivo eletrônico tudo que observou.
4.
SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO:
FUNDAMENTOS
E CONCEITOS
A partir deste capitulo, deixaremos o campo da antropologia para nos dedicarmos à
sociologia. Começaremos com dois tópicos em torno da sociologia do conhecimento,
o que significa que analisaremos o modo como os saberes são socialmente construídos,
dando, é claro, destaque para o papel da religião. Em termos mais simples e objetivos,
neste capitulo, analisaremos o modo como a religião contribui para a construção do
mundo, ou daquilo que denominamos realidade. Veremos, também, qual seria o papel
da religião na manutenção dos mundos criados por ela mesma.
Após o estudo do capitulo, acreditamos que você será capaz de identificar e
descrever o modo como a religião constrói e mantém a realidade. Explicaremos melhor
essas ideias a seguir.
Algumas vezes, nos defrontamos com expressões como: “A verdade é relativa”;
“Cada um constrói sua verdade”; “Há muitas verdades”; “A realidade é uma
construção” ele. Consideramos que as coisas são exatamente assim, ou seja, a verdade
ou a realidade não existem como fatos naturais ou objetivos, mas são sempre
construídas. Não basta construir a verdade ou a realidade, uma vez edificadas, tam-
bém é necessário mantê-las estáveis ou plausíveis. Neste capítulo, veremos que a
religião é um dos mecanismos mais poderosos para criar e manter o mundo de uma
forma que ele faça sentido para nós.
120 Sociologia da religião: fundamentos e conceitos

Para levar nosso desafio adiante, valeremo-nos do trabalho de um dos mais


criativos e instigantes sociólogos da religião: Peter L. Berger. Daremos atenção especial
a seu famoso e importante livro, O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da
religião, do qual extrairemos e debateremos várias ideias. Temos certeza de que você
se sentirá muito instigado com os conceitos desse bem-humorado autor.
Para começar de maneira estimulante, reflita sobre as seguintes perguntas: O
que chamamos de realidade? Como nossa realidade é construída? O que fazemos para
que nosso mundo se torne e permaneça plausível? Qual o papel da religião na constru-
ção e na manutenção de mundos? O que podemos fazer quando nossa realidade perde
a plausibilidade? O que são estruturas de plausibilidade?

Religião e construção social


4.1

da realidade
Este tópico está fundamentado no primeiro capítulo, denominado Religião e construção
do mundo, do livro O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião, de
Peter L. Berger A obra foi publicada originalmente em 1967, nos Estados Unidos, e
traduzida para nossa língua em 1985, apresentando, desde então, várias edições.
Peter L. Berger (1929-2017), vienense que imigrou para os Estados Unidos aos
17 anos de idade, luterano, foi um dos mais importantes sociólogos da religião, e O
dossel sagrado possivelmente seja seu livro mais interessante sobre o assunto.
O livro é marcado pela escrita fluente, clara e bem-humorada, tendo sido
redigido sob impacto das teorias da secularização dos anos 1960, que previam, para as
décadas seguintes, a subtração da religião na vida cotidiana das pessoas. No entanto,
o que aconteceu
121 Sociologia da religião: fundamentos e conceitos

nas décadas seguintes foi que o autor reconheceu o equívoco de tal visão, mas não
renunciou à sua teoria na totalidade, comoveremos quando analisarmos Os múltiplos
aliares da modernidade (Berger, 2017b) um pouco mais adiante, escrito em anos ainda
mais tardios.
O capítulo que agora analisamos parece partir do seguinte problema levantado
pelo autor: “Toda sociedade humana é um empreendimento de construção do mundo.
A religião ocupa um lugar destacado nesse empreendimento. Nosso principal intuito
aqui é formular alguns enunciados sobre a relação entre a religião humana e a
construção humana do mundo” (Berger, 2004, p. 15).
Preste bastante atenção ao que o autor está dizendo! Ele não parte do
pressuposto de que o mundo é um fenômeno dado de antemão, mas algo que precisa
ser construído, e a sociedade, a agremiação de pessoas que vivem em um mesmo
espaço, é um empreendimento que tenta levar a termo tal tarefa. E ele ainda acrescenta
que a religião ocupa um lugar de destaque nesse trabalho. Construir o mundo,
comoveremos mais à frente, é torná-lo plausível, algo estruturado e com sentido, e a
religião é o artefato mais importante para essa realização, por isso. ela é tão importante
para a vida humana.
O passo seguinte, então, é nos perguntarmos: Como construímos nossos
mundos? A resposta é que o fazemos de maneira coletiva (social) com as ferramentas
do que chamamos de sociologia do conhecimento. De modo sintético, Berger (2004, p. 16)
“O processo dialético fundamental da sociedade consiste em três momentos, ou
passos. São a exteriorização, a objetivação e a interiorização”. O intuito do primeiro
capítulo do livro de Berger é exatamente o de descrever, em detalhes, essa dialética
fundamental. Assim, seguiremos os passos do autor nessa atividade de explicar o
modo como construímos socialmente nossos conhecimentos.
122 Sociologia da religião: fundamentos e conceitos

Vamos, então, a uma visão sintética da dialética fundamental da sociedade, que


consiste em três etapas: (1) “A exteriorização é a continua efusão do ser humano sobre
o mundo, quer na atividade física, quer na atividade mental dos homens”; (2) *A
objetivação é a conquista por parte dos produtos dessa atividade (física e mental) de
uma realidade que se defronta com os seus produtores originais como facticidade
exterior distinta deles”; (3) “A interiorização é a reapropriação dessa mesma realidade
por parte dos homens, transformando-a novamente de estruturas do mundo objetivo
em estruturas da consciência subjetiva” (Berger, 2004, p. 16). As páginas seguintes do
capitulo são dedicadas a exemplificar os três aspectos que fazem parte da dialética do
conhecimento produzido na sociedade. Vamos explicar cada uma dessas três etapas.
Berger (2004) diz que a exteriorização é uma necessidade antropológica, porque
o ser humano não está completo apenas em sua dimensão biológica; ele é também um
animal social, o que significa dizer que precisa dos agrupamentos sociais. Mas isso não
é tudo! As pessoas, quando formam grupos, precisam criar seus mundos, e isso é o
que chamamos de invenção social da realidade. Assim, a sociedade é uma construção
social, mas sabemos que tudo que é socialmente construído pode também ser
desconstruído e reelaborado, e assim sucessivamente. Desse modo, os mundos estão
sempre sendo inventados e reinventados.
Apesar de os mundos existentes serem construções sociais, após terem sido
inventados, eles passam a ser considerados fatos objetivos, mediante o que Berger
(2004) chama de objetivação. O ser humano cria. mas não vê o que inventou como
construção, mas sim como realidade objetiva. As pessoas acostumam-se tanto com
suas invenções culturais que as tomam por natureza. Há tantos hábitos e modos de
pensar que fazem parte de nós desde que somos crianças que tendemos a vê-los como
fatos naturais.
123 Sociologia da religião: fundamentos e conceitos

Criamos as religiões, mas as consideramos como algo que sempre existiu. Damos
origem aos costumes, mas achamos que as coisas devem ser assim porque sempre
foram desse modo, e assim por diante. É o que chamamos de sociabilização, um
processo mediante o qual as pessoas vão sendo moldadas pelos valores e costumes
sociais desde o nascimento e de modo inconsciente. Apenas quando temos algum
problema em nos enquadrarmos ao que a sociedade impõe é que passamos a
questioná-la, ou quando um sociólogo nos instiga a saber por que as coisas são assim
e não de outra forma.
Por fim, o ciclo se fecha com o que Berger (2004) denomina interiorização.
Embora crie os valores sociais mediante a exteriorização, vimos que a sociedade
objetiva o que foi inventado, restando-lhe interiorizar o que foi criação humana como
fato natural. A interiorização somente é possível graças à nossa crença de que os fatos
sociais não são criações humanas, mas dados objetivos. As pessoas ficam muito
irritadas quando dizemos que não existe realidade como dado por si, sem atribuição
de valor humano. Elas têm necessidade de pensar que há o real, o objetivo, enfim, aquilo
que existe por si só. Se alguém coloca em xeque esse ponto de vista, é hostilizado pelos
demais; afinal, como poderíamos aceitar pacificamente a sociabilização se
acreditássemos que ela é uma mera convenção socialmente estabelecida? E se não
formos adequadamente sociabilizados, podemos nos transformar em verdadeiros
monstros?
No entanto, ainda, há outros conceitos importantes no texto. O processo de
criação de mundos sociais também pode ser definido como atividade nomizante:
“Uma ordem significativa, ou nomos, é imposta às experiências e sentidos discretos
dos indivíduos. Dizer que a sociedade é um empreendimento de construção do mundo
equivale a dizer que é uma atividade ordenadora, ou nomizante” (Berger. 2004, p. 32).
124 Sociologia da religião: fundamentos e conceitos

Tendemos a acreditar que isso é algo imprescindível, pois seu inverso seria a
anomia, fato visto de maneira problemática desde o processo de formação da
sociologia como um saber autônomo. Berger (2004, p. 34) atesta que “É por esse motivo
que a separação radical do mundo social, ou anomia, constitui tão séria ameaça ao
indivíduo”.
Um dos textos-fundadores da sociologia, O suicídio: estudo de sociologia, de Émile
Durkheim, via na anomia uma séria ameaça à vida social e a principal causa da
formação de “correntes suicidógenas”. Segundo o sociólogo/antropólogo pioneiro,
uma pessoa que se distanciava do mundo social corria sérios riscos de perder
completamente o sentido da vida, restando-lhe pôr fim à sua vida. De modo contrário,
Durkheim (2000) percebeu que pessoas bem integradas à vida social tinham menos
possibilidade de se suicidar do que aquelas que estavam mal adaptadas ou
completamente desatadas da vida social.
Disso deriva outra afirmação de Berger (2004, p. 36): “Todo nomos socialmente
construído deve enfrentar a possibilidade constante de ruir em anomia”. A maior
evidência de que os nossos mundos são socialmente construídos está no fato de que
eles podem vir a ruir, o que, de fato, acontece em muitos momentos. se fossem dados
sólidos e objetivos, eles manteriam-se estáveis o tempo todo, mas, como são criações,
estão sempre prestes a serem reelaborados.
A religião tem um papel muito importante no sentido de fornecer fundamentos
para o nomos social: “Sempre que o nomos socialmente estabelecido atinge a qualidade
de ser aceito como expressão da evidência, ocorre uma fusão do seu sentido com os
que são considerados os sentidos fundamentais inerentes ao universo. Nomos e
cosmos aparecem como coextensivos” (Berger, 2004, p. 37-38). Assim, percebemos que
a religião é um fenômeno
125 Sociologia da religião: fundamentos e conceitos

fundamental, talvez o mais importante, para a transformação de nomos em cosmos. De


acordo com Berger (2004, p. 38), “A religião é o empreendimento humano pelo qual se
estabelece um cosmos sagrado”. Mircea Eliade (2002), um importante historiador da
religião, chamava esse processo de cosmificação.
Embora a religião também seja um fenômeno socialmente construído, as
pessoas encaram-na não como construção, mas como fato, como realidade objetiva e
irrefutável: “O homem enfrenta o sagrado como uma realidade imensamente poderosa
distinta dele” (Berger, 2004, p. 39). Assim, o ser humano concebe que precisa do
sagrado, sob risco de ver sua vida dissolver: “Num certo nível, o antônimo do sagrado
é o profano, que se define simplesmente como a ausência do caráter sagrado. [...]Num
nível mais profundo, todavia, o sagrado tem outra categoria oposta, a do caos” (Berger,
2004, p. 39). Esse viés nos ajuda a compreender por que as pessoas podem negociar
muitos pontos de vista, exceto suas crenças religiosas, pois, se o fizessem, seu mundo
pessoal e cultural desembocaria no caos. As pessoas estão preparadas para enfrentar
quase tudo, mas não a falta de sentido que o caos acarreta. O contrário do caos é o
cosmos, um mundo que sofreu a interferência do sagrado e foi, assim, revestido de
sentido, portanto habitável e digerível.
É importante perceber um fato inegociável: “Achar-se numa relação 'correta'
com o cosmos sagrado é ser protegido contra o pesadelo das ameaças do caos” (Berger,
2004, p. 40). Se pensarmos desse modo, poderemos compreender porque as pessoas
tendem a se apegar a fundamentalismos religiosos, fincando os pés no universo da
certeza. A questão para Berger (2004) era que, nos anos 1960, quando o livro foi escrito,
havia uma crença muito difundida entre os estudiosos da religião de que esta vinha
perdendo sua influência no mundo contemporâneo de maneira tão acelerada que seria
uma questão de tempo até ela se extinguir. Desse modo,
126 Sociologia da religião: fundamentos e conceitos

nós estaríamos em um grande abismo, pois perderíamos nosso antídoto contra o caos.
Em decorrência disso, surge a afirmação do autor de que “Em tempos mais recentes,
de modo particular tem havido tentativas inteiramente seculares de cosmificação,
entre as quais a ciência moderna é de longe a mais importante” (Berger, 2004, p. 40).
Muitos, inclusive Berger, acreditavam que as categorias religiosas seriam totalmente
substituídas por outras, as da ciência moderna. Não foi isso que aconteceu, e Berger
teve de reformular a questão em uma nova teoria. Mais adiante, teremos a
oportunidade de debater esse tema de maneira mais especifica e detalhada. Agora,
precisamos avançar um pouco mais no pensamento do autor sobre a manutenção do
mundo.

Religião e manutenção social


4.2

da realidade
Dando sequência, passaremos ao segundo capítulo do livro de Berger, que trata da
manutenção da realidade social construída. Iniciaremos esclarecendo que o livro tem
como título principal original The sacred canopy, traduzido em nossa língua como O
dossel sagrado. A palavra dossel não é muito utilizada, pois seu significado não faz parte
de nosso léxico cotidiano. A saber, dossel é aquela cobertura que se projeta sobre uma
cama, peça esta mais comum em tempos passados do que no presente. De qualquer
forma, esse dado nos ajuda a compreender a metáfora usada pelo autor. A experiência
religiosa funciona como uma proteção que se estende sobre a vida das pessoas, seja
como indivíduos isoladamente, seja em coletividades. As pessoas precisam, ou
imaginam que precisam, dela para poder viver. Assim, vão construindo proteções
simbólicas para resguardar sua sobrevivência.
127 Sociologia da religião: fundamentos e conceitos

Contudo, observo bem que estamos dizendo “vão construindo proteções”, pois,
se algo é construído, criado, pode ser reconstruído de outra forma ou mesmo
destruído. Nesse sentido, Berger (2004, p. 42) afirma que “Todos os mundos
socialmente construídos são intrinsecamente precários. Amparados pela atividade
humana, são eles constantemente ameaçados pelos fatos humanos do egoísmo e da
estultice. (...) Os programas institucionais são sabotados por indivíduos com interesses
conflitantes”. O fato de os mundos sociais serem construções, conforme analisamos
anteriormente, faz deles realidades precárias, já que estão a ponto de ruir a qualquer
momento. Por isso, há a necessidade constante de que as atividades sociais sejam
escoradas, e essas vigas que sustentam a vida social, em linguagem técnica da
sociologia, são denominadas legitimação. Conforme Berger (2004, p. 42), “existe ainda
outro processo centralmente importante que serve para escorar o oscilante edifício da
ordem social. É o processo de legitimação. Por legitimação se entende o 'saber'
socialmente objetivado que serve para explicar e justificar a ordem social”.
Esta seria a principal marca da sociedade: tudo que nela é feito deve ser
legitimado. “O objetivo essencial de todas as formas de legitimação pode, assim, ser
descrito como a manutenção da realidade, tanto ao nível objetivo como ao nível
subjetivo’ (Berger, 2004, p. 45). E a religião tem um papel primordial nessa tarefa, já
que “legitima de modo tão eficaz porque relaciona com a realidade suprema as
precárias construções da realidade erguidas pelas sociedades empíricas” (Berger, 2004,
p. 45). A religião é muito eficaz porque não apenas legitima o que acontece na vida
social, mas o faz de modo que aquilo que é feito é descrito como vontade de Deus. Essa
aura sagrada faz com que se torne quase impossível que um fato, religiosamente
legitimado, venha a ser colocado em xeque. Uma das estratégias de imunização contra
as formas de
128 Sociologia da religião: fundamentos e conceitos

questionamento da religião é a da estigmatização. Todo aquele ou aquela que passe a


indagar o que tem sido realizado em nome de uma religião é visto como infiel,
impiedoso ou sem caráter. Tendo desvalorizado o sujeito, também o conteúdo que ele
profere é descartado, e o edifício religioso-social procura permanecer em pé. Berger
(2004, p. 52) declara que “quando a realidade socialmente definida veio a identificar-
se com a realidade última do universo, negá-la assume a qualidade de mal e de
loucura. O negador arrisca-se, então, a ingressar no que se pode chamar de qualidade
negativa – se se quiser, a realidade do demônio”.
A religião faz isso de modo a criar a certeza de que as pessoas estão no interior
de um mundo onde tudo acontece de acordo com o que um poder sobrenatural
estabeleceu que deveria ser. “A religião legitima as instituições infundindo-lhes um
status ontológico de validade suprema, isto é, situando-as num quadro de referência
sagrado e cósmico” (Berger, 2004, p. 46, grifo do original). Assim, os ritos, por exemplo,
têm esse importante papel de manter a realidade como algo inabalável: “O ritual
religioso tem sido um instrumento decisivo desse processo de 'rememora mento*.
Repetidas vezes 'torna presente' aos que nele tomam parte as fundamentais definições
da realidade e suas apropriadas legitimações” (Berger, 2004, p. 53). Um rito promove
a fusão de mundos. Um cristão que participa da Santa Ceia ou da Eucaristia está
tornando-se contemporâneo de Jesus. Seu tempo se funde com o do primeiro século e
agora se plenifica do Senhor.
Tudo isso é feito de modo que o mundo se torne plausível para as pessoas.
Berger (2004) fala de uma estrutura de plausibilidade. Um mundo social, para ser
habitado, deve ser plausível, o que significa que tem de ser razoável, deve possuir
sentido. “Para o indivíduo, existir num determinado mundo religioso significa existir
no contexto social particular no seio do qual aquele mundo pode manter
129 Sociologia da religião: fundamentos e conceitos

a sua plausibilidade”. Ou, de outra maneira: “Como todo mundo religioso se 'baseia’
numa estrutura de plausibilidade, na qual é ela própria o produto da atividade
humana, todo mundo religioso é intrinsecamente precário na sua realidade” (Berger,
2004, p. 63). Mas isso não é um problema, pois é possível transitar de uma estrutura a
outra. Quando um mundo social perde sua plausibilidade, é possível migrar para
outro, também elaborado coletivamente. É assim que podemos explicar as conversões,
que são mudanças realizadas quando um modo de vida perde sua plausibilidade. Por
exemplo, um ateu enfrenta uma crise severa e experimenta uma conversão religiosa,
assim, seu mundo volta a ter sentido, ou o contrário, um crente piedoso que se sente
abandonado por seu Deus em uma situação dolorosa e torna-se descrente.
Nos capítulos seguintes de seu livro, Berger correlaciona as questões da
legitimação e das estruturas de plausibilidade com o problema da secularização.
Quando a ciência passa a fazer parte do cotidiano das pessoas e a concorrer com as
categorias religiosas na construção de sentido, as legitimações fundadas no sobrena-
tural e as estruturas de plausibilidade são corroídas. A corrosão da estrutura de
plausibilidade pode levar a uma crise de anomia, problema que, como mencionado
anteriormente, já preocupava Durkheim na virada do século XIX para o XX.
A religião foi colocada contra a parede pela ciência, mas a ciência também é
contestada, seja por meio da religião, seja por meio da filosofia. Atualmente, cada vez
mais novos conhecimentos são adquiridos e construídos e, nesse contexto, os
argumentos racionais científicos são constantemente refutados e reelaborados. Assim,
questiona-se qual o papel da ciência e da religião na atualidade.
Questões como essas levaram pesquisadores de diferentes campos a reverem,
em nova chave, a teoria da secularização; não
130 Sociologia da religião: fundamentos e conceitos

para descartá-la, mas para adequá-la à realidade do século XXI. Isso foi o que Peter L
Berger fez, conforme veremos mais adiante. No momento, foi necessário demonstrar
como a religião constrói e mantém mundos sociais em ordem, de modo que, mais à
frente, possamos discutir esse outro importante tema.

SÍNTESE
No primeiro tópico, vimos a dialética fundamental da sociedade, que consiste em três
movimentos que explicam o modo como a realidade é socialmente construída: (1) “A
exteriorização é a contínua efusão do ser humano sobre o mundo, quer na atividade
física, quer na atividade mental dos homens”; (2) *A objetivação é a conquista por parte
dos produtos dessa atividade (física e mental) de uma realidade que se defronta com
os seus produtores originais como facticidade exterior distinta deles”; (3) “A
interiorização é a reapropriação dessa mesma realidade por parte dos homens,
transformando-a novamente de estruturas do mundo objetivo em estruturas da
consciência subjetiva” (Berger, 2004, p. 16).
Em seguida, vimos que a realidade é socialmente mantida mediante um
processo denominado Legitimação, que pode ser descrito, de maneira sintética, da
seguinte forma: “Existe ainda outro processo centralmente importante que serve para
escorar o oscilante edifício da ordem social. É o processo de legitimação. Por
legitimação se entende o 'saber' socialmente objetivado que serve para explicar e
justificar a ordem social” (Berger, 2004, p. 42).
131 Sociologia da religião: fundamentos e conceitos

INDICAÇÕES CULTURAIS
BECKER, H. S. Métodos de pesquisa em ciências sociais. Tradução de Marco Estevão
e Renato Aguiar. 4. cd. São Paulo: Hucitec, 1999.
Texto fundamental para uma compreensão das diferentes metodologias de pesquisa
das ciências sociais.

BERGER, P. L; LUCKMANN.T. A construção social da realidade: tratado de


sociologia do conhecimento. Tradução de Floriano de Souza Fernandes. 24. ed.
Petrópolis: Vozes, 2004. v. 5. (Coleção Antropologia).
Texto muito bem escrito, acessível e divertido sobre conceitos básicos do campo da
sociologia.

BOTELHO, A. (Org.). Sociologia: essencial. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
Uma coletânea de textos clássicos fundadores do campo da sociologia.

CASTRO.C. Textos básicos de sociologia: de Karl Marx a Zygmunt Bauman. Rio de


Janeiro: Zahar, 2014.
Outra coletânea de clássicos fundadores da sociologia.

MARX, K.; KNGKLS, H. Manifesto do Partido Comunista. Estudos Avançados, v. 12,


n. 34. p. 6-46, set./dec. 1998. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141998000300002>.
Acesso em: 22 jan. 2020.
Para completar o trio de clássicos fundadores da sociologia, o velho Marx, disponível
online.
132 Sociologia da religião: fundamentos e conceitos

ATIVIDADES DE AUTOAVALIAÇÃO

1. Berger (2004) fala de um processo dialético da sociedade que consiste em alguns


momentos. Quantos e quais seriam eles?
A] O processo dialético fundamental da sociedade consiste em três momentos,
ou passos, que são a exteriorização, a objetivação e a interiorização.
B] O processo dialético fundamental da sociedade consiste em quatro
momentos, ou passos, que são a exteriorização, a objetividade, a
interiorização e a concatenação.
C] O processo dialético fundamental da sociedade consiste em três momentos,
ou passos, que são a exteriorização, a objetivação e a concatenação.
D] O processo dialético fundamental da sociedade consiste em três momentos,
ou passos, que são a excentricidade, a objetivação e a interdependência.
E] O processo dialético fundamental da sociedade consiste em três momentos,
ou passos, que são a exceção, a objetivação e a interiorização.

2. Sobre qual aspecto se debruça o livro O dossel sagrado, de Peter L. Berger, que
embasou nossos estudos neste capítulo?
A] A interpretação dos fatos sociais deve ser feita com cautela e é necessário se
apoiar em ideias concebidas no sonso comum.
B] A sociedade não é capaz de produzir mecanismos que agem de maneira
coercitiva nos indivíduos que fazem parte dela.
C] A bruxaria é de extrema importância para a sociedade e somente por meio
dela é possível obter uma cura de fato para as enfermidades.
D] A magia deve ser compreendida como fenômeno isolado, uma vez que teve
seu tempo e local específicos e exerce influência irrelevante nas sociedades.
E] Analisa o relacionamento tempestivo entre a sociedade e a religião e
esclarece, profundamente, de que forma ele ocorre.
133 Sociologia da religião: fundamentos e conceitos

3. Qual seria uma boa forma de definir internalização, de acordo com Berger
(2004)?
A] Processo mediante o qual uma pessoa assimila valores e práticas produzidos
pela coletividade conhecida como sociedade.
B] Processo mediante o qual uma pessoa expressa para a sociedade seus
valores e práticas.
C] Atitude mediante a qual uma pessoa toma as produções sociais como se
fossem dados inquestionáveis.
D] Atitude mediante a qual uma pessoa questiona valores e práticas
produzidos pela coletividade conhecida como sociedade.
E] Processo mediante o qual uma pessoa dissimula valores e práticas
produzidos pela coletividade conhecida como sociedade.

4. Como podemos definir uma conversão religiosa com base no horizonte teórico
de Berger (2004)?
A] Como proselitismo.
B] Como a transição de um mundo social implausível para outro plausível.
C] Como algo que não pode ser plausível.
D] Como uma estrutura de plausibilidade.
E] Como uma estrutura de implausibilidade.

5. Qual a melhor forma de definir legitimidade?


A] São ações que corroem a vida social.
B] É um processo centralmente importante, que serve para escorar o sólido
edifício da ordem social.
C] É o saber subjetivo, que serve para explicar e justificar a ordem social.
D] É algo que serve para a instabilidade da realidade, tanto em relação a um
ponto de vista objetivo quanto subjetivo.
E] São formas de pensamento, socialmente construídas, que servem de
sustentação para o que é realizado na vida coletiva.
134 Sociologia da religião: fundamentos e conceitos

ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM

Questões para reflexão


1. Pense nas seguintes questões: Você sempre praticou a religião a qual pertence
hoje? Experimentou conversão religiosa ou foi criado nessa religião? Quais são
os benefícios de sua religião? Quais são os aspectos de que não gosta em sua
religião? Alguma vez já pensou em mudar sua religião atual? Por quê?
2. Reflita sobre os conceitos presentes no capítulo: Como sua religião contribui
para a construção social de seu inundo? Como sua religião funciona para fazer
a manutenção de seu mundo social? Que mecanismos de legitimidade você
consegue perceber em sua religião?

Atividade aplicada: prática


1. Entreviste algumas pessoas que tenham passado por uma conversão religiosa
ou tenham se transformado em ateias ou agnósticas. Faça algumas perguntas
como:
A] Qual a idade, o estado civil, a renda e o grau de escolaridade?
B] Qual era sua religião antes de experimentar a conversão?
C] Quais foram as principais razões que lhe fizeram mudar de situação em
relação à religião?
D] Como se sentia antes da mudança? Como se sente agora?
E] Qual foi seu maior ganho com a mudança?
F] Que recomendações faria a outras pessoas que se sentem reticentes em
relação a mudanças?
Em seguida, monte um comparativo e reflita sobre quais aspectos podem ler
influenciado essa mudança de egrégora e sobre que perfil de pessoas são
mais suscetíveis a tais modificações.
5.
PERSPECTIVAS CLÁSSICAS
EM SOCIOLOGIA
DA RELIGIÃO
Este capitulo é dedicado a três sociólogos cuja importância é bastante atestada no
campo acadêmico por apresentarem trabalhos relevantes para quem estuda religião, o
alemão Max Weber (1864-1920), o austríaco Peter L. Berger (1929-2017), que conhece-
mos nas páginas anteriores, e o francês Pierre Bourdieu (1930-2002). Exploraremos
apenas dois conceitos deles, teodiceia (em Weber o Berger) e campo (em Bourdieu).
Assim, esperamos que, após o estudo do capítulo, você seja capaz de definir
esses dois importantes conceitos do campo da sociologia.
De acordo com Weber, uma das coisas mais importantes que a religião poderia
fazer pelas pessoas seria elaborar teodiceias, ou seja. explicações da razão de existir o
mal em um mundo criado bom por Deus. Neste capitulo, colocaremos Weber em
diálogo com um weberiano contemporâneo nosso, Berger, para explorar o
conceito/debate sobre a teodiceia.
Após explorar os detalhes sobre o conceito de teodiceia, passaremos para o de
campo, de Bourdieu. Trata-se de um debate muito importante para intelectuais da
atualidade, seja na área da sociologia, seja na antropologia, seja na historiografia. O
sociólogo francês forjou uma teoria dos campos, explorando cada um deles e, claro,
também o religioso.
136 Perspectivas clássicas em sociologia da religião

Seguindo nosso padrão de reflexão inicial sobre os temas abordados, pense em


algumas destas questões: O que é uma teodiceia, de acordo com Weber? Deus é
incapaz de acabar com o mal? Ou Ele é capaz de acabar com o mal, mas não o faz
porque não ama o ser humano e o mundo suficientemente? O que é pior, sofrer
simplesmente ou sofrer por causa da falta de sentido? O que é um campo, de acordo
com Bourdieu? Como pensar o embate entre as religiões em uma realidade
estruturada? Por que as religiões se digladiam o tempo todo?

Sociologia da religião com base


5.1

em Max Weber e em Peter L. Berger


O alemão Max Weber é considerado um dos três clássicos fundadores da sociologia e,
dos três, foi o que mais desenvolveu pesquisa original sobro o campo religioso. Peter
L. Berger, que conhecemos nas páginas anteriores, ê um weberiano dos dias de hoje.
Neste tópico, vamos colocar os dois em diálogo, a fim de que possamos estudar um
dos temas mais interessantes da sociologia da religião: o problema da teodiceia. Uma
das tarefas mais importantes que a religião tem desenvolvido ao longo da história ê a
de apresentar uma explicação para a existência e o sentido do mal. Pedimos que você
nos acompanhe nas próximas páginas com muita atenção.
Começando com uma definição de caráter geral, uma teodiceia pode ser
entendida como um conjunto de ideias ou doutrinas que procura justificar a bondade
de Deus, ou dos deuses, e a existência do mal no mundo. Para isso, refuta o ateísmo, o
agnosticismo ou as concepções dualistas de Deus, ou dos deuses, que tentam colocar
em xeque sua existência em razão da também existência do mal. A questão que desafia
a teodiceia é: Como Deus, ou os deuses, po- de(m) existir em um mundo mal? Se Deus.
ou os deuses, existe(m),
137 Perspectivas clássicas em sociologia da religião

por que impera o mal no mundo? Por que, enfim, as divindades, se são tão poderosas,
não acabam definitivamente com o mal?
Do ponto de vista da sociologia da religião, segundo Berger (2004, p. 65),

fenômenos anômicos devem não só ser superados, mas também explicados –


a saber, explicados em termos do nomos estabelecido na sociedade em
questão. Uma explicação desses fenômenos em termos de legitimações
religiosas, de qualquer grau de sofisticação teológica que seja, pode chamar-se
uma teodiceia.

Berger (2004) reconhece que sua compreensão de teodiceia é influenciada pela


sociologia de Max Weber. O terceiro capítulo de seu livro O dossel sagrado: elementos
fiara uma teoria sociológica da religião, intitulado O problema da teodiceia, repousa sobre a
discussão de Max Weber na seção também com o título O problema da teodiceia, em sua
famosa obra Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva (Weber, 1991,
p. 350-555). Referindo-se à compreensão que utiliza de teodiceia, Berger (2004, p. 65)
afirma: ‘Essa definição é mais ampla que o uso do termo no pensamento teológico
cristão, onde se originou. Nisso seguimos Weber; na verdade, todo este capítulo
repousa na discussão dele sobre teodiceia* Assim, é importante, portanto, primeiro
analisar o uso do termo na sociologia de Weber para, depois, perceber como Berger o
incorpora à sua teoria da religião.
Embora Weber (1991) considere que, a rigor, somente o judaísmo e o islamismo
sejam monoteístas, ele entende que o cristianismo, mesmo com sua concepção
trinitária, está muito mais próximo do monoteísmo do que o triteísmo hinduísta. O
problema da teodiceia afeta, sobretudo, as religiões monoteístas, embora não seja
exclusividade delas. Para o autor, em contextos monoteístas ou quase monoteístas,
emergem as seguintes questões: Como pode um Deus grande e poderoso permitir que
haja tanta desgraça no
138 Perspectivas clássicas em sociologia da religião

mundo? Como compatibilizar a fé e a confiança em um Deus que tudo provê com


constantes momentos de desgraça? Como justificar o caos presente no mundo com a
concepção de um Deus que cuida de tudo e de todos? Como resposta a questões como
essas é que são construídas as teodiceias, mas, conforme Weber (1991, p. 351),

quanto mais próxima a concepção de um deus único, universal e


supramundano, tanto mais facilmente surge o problema de como o poder
aumentado ao infinito de semelhante deus pode ser compatível com o fato da
imperfeição do mundo que ele mesmo criou e governa. O problema assim
surgido da teodiceia está vivo tanto na literatura do antigo Egito quanto em Jó
e Esquilo, só que cada vez numa variação peculiar. (...) O problema da teodiceia
encontrou soluções diversas e estas estão numa relação muito Intima com a
formação da concepção de deus e também com a das ideias de pecado e
salvação.

Após as colocações sobre a origem do problema, Weber (1991) apresenta


algumas teodiceias com base em seus tipos mais puros. Ele fala em escatologias
messiânicas (transformação política e social deste mundo), em concepção de um além
(possibilidade de retribuição dos bons e maus feitos deste mundo no porvir), em
crença na predestinação (Deus concede o que quer a quem deseja e não o faz de modo
igual a todos os seres humanos), em concepções religiosas dualistas (conflito entre
deuses bons contra forças e poderes das trevas) e, finalmente, em doutrina indiana do
carma (o ser humano cria seu destino por meio de suas atitudes).
Conforme vimos anteriormente, Berger (2004, p. 15) faz uma afirmação que é de
extrema importância para a compreensão das teodiceias: “Toda sociedade humana é
um empreendimento de construção do mundo. A religião ocupa um lugar destacado
nesse empreendimento”. Para compreendermos o pensamento de Berger,
139 Perspectivas clássicas em sociologia da religião

é preciso nos atentarmos ao fato, já discutido anteriormente, de que ele entende a


religião como um empreendimento de construção do mundo. Assim, a religião ajuda
o ser humano a ordenar e a tornar o mundo plausível, tendo a teodiceia um papel
fundamental nesse aspecto: “Não é a felicidade que a teodiceia proporciona antes de
tudo, mas significado” (Berger, 2004, p. 70).
Se quiséssemos já passar às exemplificações, poderíamos dizer que esse é o
papel que o neopentecostalismo realiza ao orar e ao pregar constantemente sobre o
sofrimento humano. Observações de meu diário campo atestam esse papel construtor
de sentido do neopentecostalismo:

Oração pelo sofrimento das pessoas e exorcismo coletivo das dores e


dissabores das pessoas e também das obras do Diabo em suas vidas; o pastor
fez oração pedindo para os demônios desalojarem da vida das pessoas, as
pessoas colocaram suas mãos sobre as cabeças e, ao final da oração, gritavam
“sai em nome de Jesus”. (Oliva, 2000)

A realidade do sofrimento e da dor é experimentada por todos os seres


humanos, em todos os momentos de suas vidas. É preciso aprender a conviver com a
dor para poder viver.

Todo nomos é estabelecido, repetidas vezes, contra a ameaça de sua


destruição pelas forças anômicas, próprias à condição humana. Em termos
religiosos, a sagrada ordem do caos é, repetidas vezes, reafirmada perante o
caos. Ê evidente que esse fato cria um problema ao nível da atividade humana
na sociedade, na medida em que esta atividade deve ser de tal modo
institucionalizada que continue a despeito da renovada intrusão na experiência
individual e coletiva dos fenômenos anômicos (ou, se se prefere, demonizante
[sic]) do sofrimento, do mal e, sobretudo, da morte. (Berger, 2004, p. 65)
140 Perspectivas clássicas em sociologia da religião

Uma teodiceia é um discurso organizador e construtor do sentido de mundo.


Perante o caos que os desafetos da vida cotidiana proporcionam, os seres humanos
insistem em afirmar e reafirmar a presença divina. Berger (2004) diz que tanto um
camponês iletrado, que explica a morte de um filho como vontade de Deus, quanto
um teólogo, que escreve um tratado para explicar que o sofrimento de um inocente
não nega a bondade de Deus, estão engajados em uma teodiceia.
A morte de um filho poderia causara incredulidade e desorganizar o mundo do
camponês, mas este constrói, ou passa a defender como genuíno, um discurso que
explique a perda e, desse modo, possa torná-la aceitável e compatível com sua fé em
Deus. O sábio teólogo assume a função de tornar possível, para si e para outros, o
entendimento de algo incompreensível: o sofrimento de um inocente. A morte, a dor,
o desemprego e os dissabores mostram a faceta caótica do mundo. Os ritos e os
discursos neopentecostais estão sempre conferindo sentido e ajudando a construir
domínio, ordem, sobre o caos:

Orientação do dirigente sobre o evento bíblico em que Josué deu 13 voltas


sobre as muralhas de Jerico e as muralhas caíram. Do mesmo modo, se
orarmos, as muralhas (desemprego, tristeza, depressão, nervosismo etc.) que
estão aos arredores de nossas vidas cairão. O dirigente ressalta que, todavia,
não devemos ter dúvida, poiso Diabo trabalha na dúvida. (Oliva, 2000)

Existem alguns “tipos históricos” de teodiceias, apresentados por Berger (2004).


O primeiro, que o autor localiza “no polo irracional desse continuum tipológico”.
refere-se à transcendência simples do eu “produzida pela completa identificação com
a coletividade” (Berger, 2004, p. 72). O referido autor entende que quanto maior for a
identificação do indivíduo com seu meio social, menor será
141 Perspectivas clássicas em sociologia da religião

a ameaça da anomia; e quanto mais submerso em seu meio social, menor será a
possibilidade de as catástrofes biográficas fazerem o indivíduo sucumbir. A expressão
mais típica dessa forma de teodiceia está expressa nas religiões primitivas, mas não
está restrita a elas. Um exemplo de teodiceia como transcendência de si mesmo é o
misticismo, no qual “toda individualidade se desvanece e é absorvida pelo oceano da
divindade” (Berger, 2004, p. 75).
O segundo tipo, localizado “no outro polo do continuum racional-irracional das
teodiceias” (Berger, 2004, p. 77), considerado o mais racional, é o que ele denomina
complexo de karma-samsara. Trata-se de um discurso religioso que se encontra de
maneira clara e desenvolvida na filosofia indiana: “Na engenhosa combinação dos
conceitos do karma (a inexorável lei de causa e efeito que governa todas as ações,
humanas ou não, no universo) e samsara (a roda dos renascimentos), toda anomia
concebível é integrada numa concepção inteiramente racional e de ilimitada
abrangência do universo” (Berger, 2004, p. 77).
Essa percepção, muitas vezes, deveras racionalista, foi amenizada pela magia,
por exercícios devocionais/místicos e por intercessões junto a diferentes divindades,
em formas populares de hinduísmo, com o intuito de que interferisse nos processos de
karma-samsara (Berger. 2004). O budismo é considerado por Berger (2004, p. 79) como
a “mais radical racionalização dos fundamentos do complexo karma-samsara, ao nível
da soteriologia1 e no da sua teodiceia concomitante”.
Finalmente, entre os polos extremos do “continuum racional-irracional existe
uma variedade de tipos de teodiceia, capazes de diversos graus de racionalização
teórica” (Berger, 2004, p. 80). Berger (2004) inclui sob essa categoria as diferentes
formas de messianismo, de milenarismo e de escatologia, manifestações

1
Estudo teológico sobre a doutrina da salvação.
142 Perspectivas clássicas em sociologia da religião

típicas de tempos de profundo sofrimento e catástrofes. O citado autor fala, ainda, das
“reinterpretações das esperanças messiânicas de Israel em termos da ideia do ‘servo
sofredor’ [...] durante o período do exílio babilónico” (Berger, 2004, p. 83) como
exemplo clássico de teodiceia, bem como das concepções dualistas de origem iraniana.
O dualismo, todavia, ressurgiu de formas diferentes e em momentos diversos na
história do ocidente, e uma de suas mais famosas foi conhecida como gnosticismo.
Desse modo, devemos ressaltar, mais uma vez, que o problema da teodiceia
aparece de maneira aguda no universo da religião monoteísta.

Ficará manifesto sem grande necessidade de demonstração que o problema da


teodiceia aparece mais nitidamente no monoteísmo radical e ético, isto é, na
órbita da religião bíblica. Se todas as divindades rivais ou menos importantes
são radicalmente eliminadas, e se não só todo poder, mas ainda todos os
valores éticos são referidos ao Deus único que criou todas as coisas deste ou
qualquer outro mundo, o problema da teodiceia se torna uma questão aguda,
orientada justamente para essa concepção. Com efeito, mais do que em
qualquer outra constelação religiosa, pode-se dizer que esse tipo de
monoteísmo fica de pé ou cai consoante a sua capacidade de resolver a questão
da teodiceia: “Como pode Deus permitir...?”. (Berger, 2004, p. 85)

A afirmação da existência e da eficácia de um único Deus leva ao dilema da


existência do mal. Se há um único Deus, criador de todas as coisas e soberano, como
pode Ele permitir que pessoas padeçam? Por que Deus não interfere nas situações de
caos se Ele é todo-poderoso? O cristianismo, de modo geral, procura apresentar
respostas a questões como essas, responsabilizando o diabo e seus demônios por todo
mal e, com isso, isentando Deus da culpa da
143 Perspectivas clássicas em sociologia da religião

existência e das consequências do mal. Além disso, o cristianismo procura identificar


seu discurso e sua prática como sendo eficazes, ao mesmo tempo em que tenta
desautorizar as teodiceias concorrentes, conferindo-lhes um status demoníaco. À
pergunta Como pode Deus permitir?, o cristianismo responde: Deus não permite! O diabo
e seus demônios é que se intrometem na boa criação de Deus com o intuito de destrui-la. No
cristianismo, é Deus quem age, mas, nas outras religiões, é o diabo e seus demônios que atuam
travestidos de anjos de luz.

Observei, em meu trabalho de campo sobre o neopentecostalismo, esse processo


de atuação do diabo e de seus demônios nos relatos vividos e narrados pelas pessoas
possuídas.

Distribuição de cálices com suco de uva. Os cálices são distribuídos para todas
as pessoas que estão no templo. O dirigente explica que o suco de uva que vai
ser ingerido está relacionado ao sangue do cordeiro que foi aspergido na porta
dos antigos hebreus nos batentes de suas portas como sinal de adesão ao Deus
Javé. Este sinal livrou os hebreus das pragas enviadas pelo anjo de Javé para
destruir os egípcios. O suco de uva ingerido tem o poder de livrar as pessoas
das pragas que as atormenta.

Depois de ingerir do cálice que livra das pragas, começa o exorcismo. As


pessoas colocam suas mãos sobre a cabeça e o oficiante começa a gritar
palavras de ordem aos demônios, como “pode se manifestar demônio”. Oração
com as mãos ao coração. Algumas pessoas ficam endemoninhadas e o liturgista
orienta aos obreiros e obreiras para que expulsem os demônios no local onde
eles se encontram.

Convite para as pessoas participarem do jejum de 21 dias e da Fogueira Santa


de Israel e entrega de ofertas.
144 Perspectivas clássicas em sociologia da religião

Rito do vale de sal. As pessoas são chamadas para caminhar por uma grande
área do chão à frente coberta de sal. O dirigente explica que os demônios não
gostam de sal. Ao passar pelo vale, se houver algum demônio na vida da pessoa,
ele sairá.

Distribuição do amarradinho. Trata-se de um pequeno pedaço de papel sulfite


em branco, enrolado e amarrado por uma linha de lã vermelha. As pessoas
devem escrever no papel tudo que está obstruindo suas vidas e levar na
próxima semana para ser amarrado na igreja. Amarrar é a expressão usada para
designar a ação do exorcista de bloquear a ação de um demônio.

Convite para os fiéis virem participar do culto no próximo Domingo e passar por
uma porta que será colocada no templo. As pessoas são orientadas a preparar
uma lista das suas dívidas, calcular o valor da dívida e colocar em um envelope
o dízimo da dívida. Ao passar pela porta e ao entregar o dízimo das dívidas, as
pessoas estariam criando condições de se livrar das dívidas.

Oração com os amarradinhos que foram entregues aos presentes suspensos.

O Bispo Marcos assume a direção do culto e promove um novo exorcismo. Os


endemoninhados são levados ao palco e ele pergunta o nome do demônio, ao
que responde que é um Exu-caveira. O dirigente grita “Queima, libera tudo,
sai”. Ele pergunta ao demônio “Você é forte?”, e em seguida ordena “Fica de
joelho, pra mim e pra Jesus”. Dá uma ordem final ao demônio “Em nome de
Jesus, sai”. Depois de o demônio ter saldo, o oficiante pergunta à pessoa que
estava endemoninhada o que ela estava sentindo e ela responde que sentia
cansaço. (Oliva, 2000).
145 Perspectivas clássicas em sociologia da religião

No livro Como as sociedades recordam, Paul Connerton escrevo um capítulo sobre


A memória social. Suas conclusões são as seguintes: “Abordei, contudo, as cerimônias
comemorativas e as práticas corporais em particular, porque é o estudo destas,
segundo pretendo provar, que nos permite ver que as imagens do passado e o conhe-
cimento recordado do passado são transmitidos e conservados por performances
(mais ou menos) rituais” (Connerton, 1993, p. 48).
O fiel neopentecostal não estuda a história dos antigos hebreus ou israelitas,
mas a vive por meio de ritos. Assim, ele torna-se um contemporâneo dos antigos
escravos hebreus libertos por Javé das garras do faraó do Egito ao ingerir do mesmo
sangue do cordeiro que afastou as pragas dos eleitos de Deus. Os textos bíblicos não
são apenas narrados, mas também ritualizados, performatizados; portanto, vividos
com intensidade no presente. A memória coletiva vai sendo construída e reconstruída
com intensa participação do corpo. O corpo marcado pela dor, pelo sofrimento, pela
exclusão, pela frustração agora é o corpo que sonha, que se reveste de esperança, que
aprende a recordar o sucesso de seus antepassados da história bíblica.

No rito, de fato, a voz poética fala uma língua comum aos mortais e aos deuses:
as “belas palavras” dos viajantes guarani, onde rumorejava ainda a memória de
uma passagem anterior, e já a promessa de uma “Terra sem mal”. A voz funda
sua profecia sobre a origem, misturada à nossa história, onde se retém, embora
se interrompa frequentemente, em prol de um outro presente, que ó, como
escreveu magnificamente Blanchot, esta presença dos homens, pobres e nus,
entre os deuses. A profecia nômade dos poetas de Israel, recuando o que não
é errância, anunciando como futuro o que nunca saberiam viver aqui e agora.
(Zumthor, 1997, p. 277-278)
146 Perspectivas clássicas em sociologia da religião

Analisamos a problemática da teodiceia na sociologia de Max Weber e, depois,


na sociologia de Peter L. Berger. Ressaltamos que um dos elementos de suma
importância na religião é sua capacidade de construir respostas, explicações, enfim,
alternativas para as situações de caos, de dor, de sofrimento, de anomia. É preciso
destacar, todavia, que a construção dessas respostas não aparece somente, nem
sobretudo, na forma de tratados teológicos. Defendemos a hipótese de que as
teodiceias são construídas por meio da voz, a voz do discurso dos dirigentes e dos fieis
de uma dada religião, e também por meio do corpo, mediante a ação ritual. É
interessante observar como Cecília Loreto Mariz(1997) vê a conexão entre teodiceia e
ritual na sociologia de Berger a solidariedade seria gerada para se colocar contra a
possibilidade de caos, qualquer que seja ela, e esse impulso seria proporcionado pela
religião; a teodiceia, por sua vez, permite à religião a possibilidade de explicar os fe-
nômenos ameaçadores do nomos e relembra essas explicações por meio de rituais. Essa
conexão está em absoluta consonância com o que diz Berger (2004, p. 53) sobre ritual:
“Os homens esquecem. Precisam, por isso, que lhes refresque constantemente a
memória [...]. O ritual religioso tem sido um instrumento decisivo desse processo de
'rememoramento'“.
Mariz (1997) também abarca observações de Berger acerca dos ritos; “A ‘ação’
de um ritual [...] consiste tipicamente de duas partes: as coisas que precisam ser feitas
(dromena) e as coisas que precisam ser ditas (legoumena). As execuções do ritual estão
estreitamento ligadas à reiteração das fórmulas sagradas que 'tornam presentes’ uma
vez mais os nomes e feitos dos deuses” (Berger, 2004, p. 53).
A ação ritual no neopentecostalismo é uma teodiceia. O foco central de todo
discurso e de toda ação ritual desse fenômeno religioso está voltado para a criação de
um sentido, de uma explicação, de toda sorte de sofrimento humano. As orações com
as mãos no coração são um exemplo disso: a oração, a conversa com o Deus
147 Perspectivas clássicas em sociologia da religião

Todo-poderoso, que tudo pode solucionar, encontra-se com o coração, símbolo do


centro emocional humano, o primeiro lugar a sentir as agruras da vida. As orações
pelos problemas humanos, os mais diversos, as explicações com base bíblica, os gestos
de amassar o copo de plástico, a água orada que confere força, os cânticos que falam
de sofrimento, os desenhos e símbolos dos folhetos e figuras distribuídos no decorrer
dos cultos, os painéis afixados atrás do púlpito, os cartazes espalhados dentro e fora
do templo com propaganda de campanhas etc. podem ser interpretados como
elementos discursivo-ritualísticos elaborados pelo neopentecostalismo com o intuito
de criar e manter suas teodiceias.
O exorcismo não é apenas um rito, mas também uma encenação do sofrimento
humano. Assim, há um Deus que ama e abençoa a quem tem fé, mas também existe
seu opositor, o diabo, que tem seus subalternos, os demônios, permanentemente
planejando dissabores para a vida humana. Essa é a principal forma de explicação para
a existência de sofrimento e de dor no mundo. Sabemos da existência da morte, de
injustiças, de pobreza e de doenças e Deus não pode ser identificado como o culpado
por tais acontecimentos. Para o que há de ruim no mundo, o cristianismo criou um
departamento que é regido pelo adversário de Deus, o diabo. Então, é possível dizer
que os exorcismos, realizados permanentemente em ambientes neopentecostais,
difundem a teodiceia do grupo. Isso acontece para que o mal não seja visto apenas
como um conceito sobre o qual os dirigentes das igrejas discursam, mas como uma
realidade que pode ser experimentada por todos aqueles que ficam possessos. Desse
modo, os líderes de denominações neopentecostais não apenas identificam o mal, mas
apresentam uma solução para ele: a salvação das agruras da vida por meio de um rito,
o do exorcismo. E este não é apenas uma maneira estilizada de construir e manter uma
teodiceia, mas uma forma de demonstrar sua eficácia, tendo
148 Perspectivas clássicas em sociologia da religião

em vista que os dissabores não somente são descritos, mas também podem ser
solucionados.
Os exorcismos não servem apenas como construtores da teodiceia
neopentecostal, mas atuam também como deslegitimadores da encenação e da
vivência do mal em instituições concorrentes. Nos termos de Pierre Bourdieu, as
igrejas neopentecostais tentam destruir o status das religiões concorrentes, impondo
suas práticas mágicas. Por meio do exorcismo, as denominações neopentecostais não
apenas elaboram e mantêm sua teodicea, mas também conseguem manter a
concorrência com outras teodiceias no mercado religioso brasileiro contemporâneo,
bastante disputado e tenso. A principal estratégia de concorrência é a de demonização
da religião alheia, uma atitude bastante presente no interior do campo religioso em
outros tempos, por outros fenômenos. Isso pode ser verificado por meio da própria
atribuição de nomes de orixás das religiões afro-brasileiras aos supostos demônios que
atuavam na vida das pessoas. Assim, a atuação e o testemunho das entidades conferem
um status de realidade à teodiceia neopentecostal, simultaneamente ao ato de
desmascarar a teodiceia dos fenômenos concorrentes.
A farsa da teodiceia da concorrência não é estabelecida pela fala dos dirigentes
neopentecostais, mas pela própria voz dos demônios, que se nomeiam como os orixás
das religiões afro-brasileiras ou como os santos do catolicismo romano. Portanto, nas
religiões do outro, entendidas especialmente como umbanda, candomblé e
catolicismo, não existe teodiceia funcional e, consequentemente, o discurso delas é
ineficaz. A intenção é a de que apenas o neopentecostalismo permaneça em pé como a
verdadeira resposta para as lutas enfrentadas pelas pessoas em seus cotidianos.
149 Perspectivas clássicas em sociologia da religião

Sociologia da religião com base


5.2

em Pierre Bourdieu
Pierre Bourdieu viveu entre 1930 e 2002. Em 1964, começou a se projetar como
importante intelectual no cenário internacional. No ano de 1982, foi integrado ao corpo
de professores do Collège de France, uma das mais importantes instituições de ensino
da França, onde intelectuais de projeção mundial vêm atuando desde os primórdios
da Idade Moderna. Mesmo sendo sociólogo de formação, sua obra tem exercido forte
influência sobre as ciências sociais e humanas, de maneira bastante ampla. Alguns de
seus livros mais conhecidos são O poder simbólico, As regras da arte, A economia das trocas
simbólicas, A economia das trocas simbólicas, A profissão de sociólogo, Razões práticas, A
dominação masculina e Meditações pascalianas, citando apenas alguns dos que
apresentam tradução em nosso idioma.
Seria interessante visitar alguns de seus textos, aqueles mais emblemáticos,
tendo em vista que há uma unidade temática entre eles. Assim, poderemos estabelecer
aproximações com um campo empírico, o neopentecostalismo brasileiro, a fim de
demonstrar como tais conceitos podem funcionar em um fenômeno mais próximo de
nós. Dessa forma, os conceitos teóricos do sociólogo francês ficarão mais claros por
meio de exemplificações.
Neste tópico, trabalharemos o conceito de campo, que é bastante útil para
analisar a relação do neopentecostalismo com seus concorrentes no espaço religioso
do Brasil. Analisaremos esse processo de disputa por espaço como uma concorrência
entro teodiceias.
Não ê uma tarefa simples buscar uma compreensão teórica de conceitos na
sociologia de Bourdieu, uma vez que o próprio autor não tem a preocupação de pensar
a teoria de maneira separada de sua pesquisa empírica. Devemos destacar que os
conceitos da sociologia de Bourdieu não são construídos para, depois, serem
150 Perspectivas clássicas em sociologia da religião

testados na prática, como se a teoria viesse antes da prática, de forma simples e


automática. Para Bourdieu, os conceitos deveriam ser elaborados ã medida que uma
análise empírica criaria a necessidade deles, e não o contrário.
O conceito de campo é uma dessas ideias que está presente na sociologia de
Bourdieu, mas que não recebe um tratamento sistemático, de modo isolado da
pesquisa empírica. É preciso olhar a forma como o autor usa o conceito em sua
pesquisa e procurar apreender o sentido que este vai assumindo. Vamos começar pela
descrição que Bourdieu faz da forma como o conceito se originou em seu pensamento:

Foi assim que a primeira elaboração rigorosa da noção saiu de uma leitura do
capitulo de Wirtschaft und Gesellshaft consagrado à sociologia religiosa, leitura
que, dominada pela referência permanente do campo intelectual, nada tinha
de comentário escolar. Com efeito, mediante uma crítica da visão interacionista
das relações entre os agentes religiosos, proposta por Weber, que implicava
uma crítica retrospectiva da minha representação inicial do campo intelectual,
eu propunha uma construção do campo religioso como estrutura de relações
objetivas que pudesse explicar a forma concreta das interações que Max Weber
descrevia em forma de uma tipologia realista. Nada mais restava fazer do que
pôr a funcionar o instrumento de pensamento, assim elaborado para descobrir,
aplicando-o a domínios diferentes, não só as propriedades especificas de cada
campo – alta costura, literatura, filosofia, política etc. – mas também as
invariantes reveladas pela comparação dos diferentes universos tratados como
casos particulares do possível. (Bourdieu, 1998, p. 66)

É interessante também procurar uma compreensão da forma pela qual as


sociedades contemporâneas constituem-se em uma pluralidade de campos. Esse é um
ponto de convergência entre o
151 Perspectivas clássicas em sociologia da religião

pensamento de Pierre Bourdieu e o de Jürgen Habermas. Embora com construções


teóricas e nomenclaturas diferentes, ambos parecem acreditar que as sociedades
contemporâneas tendem a se constituírem universos/subsistemas que possuem suas
próprias leis.

A evolução das sociedades tende a fazer com que surjam universos (que chamo
de campos) que têm leis próprias, são autônomos. As leis fundamentais são,
com frequência, tautologias. A do campo econômico, elaborada pelos filósofos
utilitaristas: negócios são negócios; a do campo artístico, explicitamente
colocada pela escola que se diz da arte pela arte: a finalidade da arte é a arte,
a arte não tem outro objetivo que não seja a arte... Temos assim universos
sociais com uma lei fundamental, um nomos independente de outros
universos, que são auto-nomos, que avaliam o que se faz ai, as questões que ai
estão em jogo, de acordo com princípios e critérios irredutíveis aos de outros
universos. (Bourdieu, 1996, p. 147-148)

A compreensão das sociedades contemporâneas levou Bourdieu a afirmar a


formação de campos como um local onde lutas concorrenciais são travadas. A análise
de Renato Ortiz permite uma compreensão do conceito de campo com mais clareza:

Bourdieu denomina “campo” esse espaço onde as posições dos agentes se


encontram a priori fixadas. O campo se define como locus onde se trava uma
luta concorrencial entre os atores em torno de interesses específicos que
caracterizam a área em questão [...). Toda a eficácia da ação se encontra assim
prefigurada, o que implica dizer que o ator só realiza aquelas ações que ele
pode realmente efetivar. (Ortiz, 1994, p. 19)

É ainda Renato Ortiz que presta uma preciosa ajuda na elucidação do conceito
de campo, fornecendo-nos importantes dados sobre a estruturação de um campo no
pensamento de Bourdieu.
152 Perspectivas clássicas em sociologia da religião

Um primeiro elemento relacionado à estruturação de um dado campo é que, em


seu interior, ocorre uma batalha entre dominantes e dominados.

A estrutura do campo pode ser apreendida tomando-se como referência dois


polos opostos: o dos dominantes e o dos dominados. Os agentes que ocupam
o primeiro polo são justamente aqueles que possuem um máximo de capital
social; em contrapartida, aqueles que se situam no polo dominado se definem
pela ausência ou pela raridade do capital social especifico que determina o
espaço em questão. (Ortiz, 1994, p. 21)

Um segundo elemento relacionado à estruturação de um dado campo refere-se


à oposição entre ortodoxia e heterodoxia.

A divisão do campo social em dominantes e dominados implica uma distinção


entre ortodoxia e heterodoxia [...]. Ao polo dominante correspondem as
práticas de uma ortodoxia que pretende conservar intacto o capital social
acumulado; ao polo dominado, as práticas heterodoxas que tendem a
desacreditar os detentores reais de um capital legítimo. (Ortiz, 1994, p. 22)

Assim, o conceito de campo de Bourdieu é fundamental para analisar o campo


religioso brasileiro contemporâneo e isso foi percebido por Leonildo Silveira Campos,
que fez considerações interessantes acerca do assunto. O país teve a religião católica
romana como religião majoritária durante a maior parte da sua história. Em meados
do século XIX, o protestantismo começou a se instalar no pais de maneira tímida e
gradual; no início do século XX, chegou a fixar suas raizes institucionais, todavia ainda
era inexpressivo do ponto de vista numérico; foi, no século XX, que grandes
transformações ocorreram no campo religioso brasileiro com a explosão das religiões
afro-brasileiras e com o nascimento, a expansão e a posterior explosão do
pentecostalismo. Na atualidade,
153 Perspectivas clássicas em sociologia da religião

o catolicismo romano disputa sua hegemonia com as religiões afro-brasileiras e com


as várias expressões do pentecostalismo. A chegada constante de novos agentes no
interior desse campo tem tornado a disputa cada vez mais acirrada.

A chegada de qualquer novo agente no interior de um campo provoca,


querendo ou não, o deslocamento de pessoas, instituições e organizações que
ali já estavam estabelecidas. Por isso, a estratégia usada pelos recém-chegados
é de buscar alianças. Caso não consigam, eles tentam contestar e banalizar os
atores e instituições religiosas que os antecederam. Para tais ações os novos
pregadores tendem a vestir a roupagem dos “profetas”, encarnando a retórica
da novidade e da transformação, denunciando os estabelecidos como
“hereges”, “sacerdotes” ou “feiticeiros”, considerando-os representantes de
uma religião “traída” ou “corrompida” em sua “pureza”, conforme teoria
sociológica de Pierre Bourdieu [...]. (Campos, 2011, p. 507)

As afirmações de Leonildo Silveira Campos explicam muito bem as


perspectivas teóricas de Bourdieu, que pensava uma conceitua- ção com vistas a
distinguir religião de magia no campo religioso. Um fenômeno religioso que estivesse
buscando consolidar-se nesse campo tenderia a classificar como magia a religião de
seu oponente, a fim de afirmar sua legitimidade.

Uma vez que a religião, e em geral todo sistema simbólico, está predisposta a
cumprir urna função de associação e de dissociação, ou melhor, de distinção,
um sistema de práticas e crenças está fadado a surgir como magia ou como
feitiçaria, no sentido de religião inferior, todas as vezes que ocupar uma
posição dominada na estrutura de relações de força simbólica, ou seja, no
sistema das relações entre o sistema de práticas e de crenças próprias a uma
formação social determinada. Desta maneira, costuma-se
154 Perspectivas clássicas em sociologia da religião

designarem geral como magia tanto uma religião inferior e antiga, logo
primitiva, quanto uma religião inferior e contemporânea, logo profana (aqui
equivalente a vulgar) e profanadora. Assim a aparição de uma ideologia
religiosa tem por feito relegar os antigos mitos ao estado de magia ou de
feitiçaria. Como observa Weber, é a supressão de um culto sob a influência de
um poder político ou eclesiástico, em prol de uma outra religião, que,
reduzindo os antigos deuses à condição de demônios, deu origem no curso do
tempo à oposição entre a religião e a magia. (Bourdieu, 1992, p. 43-44, grifo do
original).

Por fim, devemos afirmar que, se é possível ver as crenças e os ritos


concernentes ao diabo, nas denominações neopentecostais, como formas de elaboração
de teodiceias, também é plausível interpretá-los como deslegitimação da teodiceia das
religiões concorrentes. Assim, podemos dizer que o neopentecostalismo desconstrói o
status das religiões alheias, denunciando seu aspecto mágico. E, por meio do rito de
exorcismo, não apenas elabora e mantém sua teodiceia, mas também disputa com
outras teodiceias no enorme e tenso mercado religioso do Brasil contemporâneo.
Descrevemos esse processo como o de demonização da religião do outro, por meio,
por exemplo, da atribuição de nomes dos orixás das religiões afro-brasileiras e de
santos do catolicismo romano aos demônios que afligem o cotidiano de seus fiéis.

SÍNTESE
Neste capitulo, abordamos, em primeiro lugar, o problema da teodiceia com base em
Max Weber e Peter L. Berger. Com base nisso, definimos teodiceia como uma explicação
teológica (teórica) e ritual (prática) de como o mal pode existir em um mundo criado
por uma divindade boa e/ou amorosa.
155 Perspectivas clássicas em sociologia da religião

Em seguida, com base em Pierre Bourdieu, tratamos do debate sobre campo, que
pode ser compreendido como uma realidade estruturada mediante a qual as ações dos
sujeitos (pessoas ou coletividades) estão previamente estabelecidas e/ou regradas.

INDICAÇÕES CULTURAIS
BENDIX. R. Max Weber: um perfil intelectual. Traduzo de Elisabeth Hanna e José
Viegas Filho. Brasília: UnB, 1986.
Mesmo que tenha sido escrito e traduzido há muito tempo, ainda é uma das melhores
introduções ao pensamento de Max Weber.

BERGER, P. L; LUCKMANN, T. Modernidade, pluralismo e crise de sentido: a


orientação do homem moderno. Tradução de Edgar Orth. 3. ed. Petrópolis: Vozes.
2012.
Texto muito bem escrito e interessante sobre o fenômeno religioso na
contemporaneidade.

CAMPOS, L. S. Teatro, templo e mercado: organização e marketing de um


empreendimento neopentecostal. Petrópolis: Vozes, 1997.
Texto em que Weber e Bourdieu aparecem bastante para explicar um fenômeno
religioso de nosso país. Leitura deliciosa!

SELL. C. E. Racionalidade e racionalização em Max Weber. Revista Brasileira de


Ciências Sociais, v. 27, n. 79, p. 153-172, jun. 2012. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v27n79/a10.pdf>. Acesso em: 23 jan. 2020.
Um sociólogo brasileiro apresenta um dos conceitos mais importantes de Max Weber:
ode racionalização.

WEBER, M. Ensaios de sociologia. Tradução de Waltensir Dutra. 5. ed. Rio de Janeiro:


LTC, 1982.
Uma coletânea de textos de Max Weber. muito importante e fundamental para a
pesquisa sobre sociologia da religião.
156 Perspectivas clássicas em sociologia da religião

ATIVIDADES DE AUTOAVALIAÇÃO
1. Qual das ideias abaixo melhor contribuiu para o que se entende atualmente
sobre sociologia?
A] O entendimento de que a magia não passa de um culto secreto, que não
agrega sentido algum para as práticas sociais.
B] A conclusão de que a religião e a sociedade são duas entidades que não
podem coexistir.
C] A percepção de que as culturas tribais estão mais corretas do que a dita
civilização em seu modo de viver.
D] O esclarecimento de que a religião é um mero produto histórico, que não
influencia na vida da grande maioria das pessoas atualmente.
E] A proposição de um método cientifico autônomo, que considera fatos sociais
como objetos de estudo.

2. Leia o trecho a seguir.


Mas quanto mais próxima a concepção de um deus único, universal e supramundano,
tanto mais facilmente surge o problema de como o poder aumentado ao infinito de
semelhante deus pode ser compatível com o fato da imperfeição do mundo que ele
mesmo criou e governa. O problema assim surgido da teodicea está vivo tanto na
literatura do antigo Egito quanto em Jó e Ésquilo, só que cada vez numa variação
peculiar. [...] O problema da teodiceia encontrou soluções diversas e estas estão numa
relação muito íntima com a formação da concepção de deus e também com as ideias
de pecado e salvação.
De quem é a descrição de teodiceia apresentada?
A] Max Weber.
B] Peter Berger.
C] Pierre Bourdieu.
D] Leonildo Silveira Campos.
E] Paul Ricoeur.
157 Perspectivas clássicas em sociologia da religião

3. Qual fenômeno religioso é utilizado neste capítulo para exemplificar os debates


sobre teodiceia e campo, com base na experiência de campo?
A] Pentecostalismo.
B] Cristianismo.
C] Neopentecostalismo.
D] Budismo.
E] Metodismo.

4. O que é teodiceia?
A] Uma prática organizadora e construtora de mundo, perante o caos que os
desafetos da vida cotidiana proporcionam, por meio da qual os seres
humanos buscam encontrar a presença divina.
B] Um discurso desorganizador e desconstrutor de mundo, perante o caos que
os desafetos da vida cotidiana proporcionam, por meio do qual os seres
humanos insistem em afirmar e reafirmar a presença divina.
C] Uma prática desorganizadora e desconstrutora de mundo, perante o caos
que os desafetos da vida cotidiana proporcionam, por meio da qual os seres
humanos insistem em afirmar e reafirmar a presença divina.
D] Um discurso organizador o construtor de mundo, perante o caos que os
desafetos da vida cotidiana proporcionam, por meio do qual os seres
humanos insistem em afirmar e reafirmar a presença divina.
E] Um discurso organizador e construtor de mundo, perante o caos que os
desafetos da vida cotidiana proporcionam, por meio do qual os seres
humanos insistem em afirmar e reafirmar a presença demoníaca.
158 Perspectivas clássicas em sociologia da religião

5. Identifique a definição que melhor se aplica ao conceito de campo explicado por


Ortiz (1994).
A] Campo é o nome que se dá ã justificativa da existência de Deus.
B] O campo é definido como locus, no qual existe uma luta concorrencial entre
seus participantes, na busca por interesses específicos que giram em torno
da área analisada.
C] Campo é a percepção sociológica sobre o fato de que o ser humano não existe
sem a sociedade.
D] O termo campo define a importância dos símbolos culturais dentro de uma
religião.
E] O campo consiste na transgressão de valores humanos que carecem de
objetivos.

ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM

Questões para reflexão


1. Reflita sobre as seguintes questões: Você já pensou em mudar de religião em
algum momento em que estava em profundo sofrimento? Quais eram seus
sentimentos? Já conheceu alguém que tenha mudado de religião em razão de
uma situação de sofrimento intensa? O que essa pessoa alegava? Que contri-
buição para sua vida pessoal o debate sobre a teodicea traz? E para sua vida
profissional?
2. Agora, reflita sobre o debate em relação ao conceito de campo de Pierre
Bourdieu: Como esse debate ajuda a entender o conflito entre as religiões no
Brasil? Como explicar o episódio do chute na santa, em que um líder
neopentecostal chutou uma imagem de Nossa Senhora em um programa
televisivo, com base na teoria dos campos? Como usar o conceito de campo em
suas pesquisas e no ensino de religião?
159 Perspectivas clássicas em sociologia da religião

Atividade aplicada: prática


1. Pesquise, na internet e em livros, o que foi o episódio do chute na santa e, com base
nessa pesquisa:
A] Descreva, em detalhes, o que foi o evento e em que contexto ele aconteceu.
B] Qual foi a repercussão do evento nas mídias sociais?
C] Faça uma análise do evento com base na sociologia de Max Weber, Peter L.
Berger e Pierre Bourdieu.
6.
PERSPECTIVAS
CONTEMPORÂNEAS EM
SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO
Chegamos, finalmente, ao nosso último capítulo. Depois de passarmos por conceitos
essenciais e clássicos da sociologia, enfocaremos as perspectivas contemporâneas
sobre a religião. De maneira mais especifica, trataremos de teorias sobre a religião,
começando pelo debate da secularização; passando à questão da racionalidade e, por
fim, desembocando na escolha racional. Como você verá, embora pareçam teorias
incompatíveis, há muitas convergências, mas esperamos que tudo fique claro até o fim
do caminho.
Torcemos para que, após o estudo deste capítulo, você seja capaz de identificar
os autores e as ideias de cada teoria exposta. As ideias mais importantes estão
identificadas em cada título: secularização, racionalidade e escolha racional.
Uma interpretação muito comum entre professores e estudantes das séries
iniciais de nosso sistema de ensino é a de que vivemos em um mundo em que impera
a razão. Esse domínio teria sido construído com base na Idade Moderna, por meio do
que se convencionou chamar de Iluminismo.
A palavra Iluminismo vem de luz, referindo-se à razão. O movimento partia do
pressuposto de que a luz, promovida pela razão – a qual, por sua vez, era oriunda da
ciência seria um saber baseado
161 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião

em fatos, não em crenças, ao menos em tese. Se há um encadeamento entre luz, razão


e ciência, o inverso seria outra cadeia de dados: trevas, irracionalidade e religião.
Com base nessa oposição entre razão (ciência) e irracionalidade (religião), foi se
constituindo um novo senso comum no mundo ocidental, de modo que ele parecia
irrefutável. No entanto, há críticos desse ponto de vista desde o século XVIII, os quais
não pararam de se multiplicar à medida que nos aproximamos da atualidade.
A teoria da secularização foi produzida por pessoas que se aproximavam dos
valores difundidos pelo Iluminismo. Em síntese, muitos pesquisadores pensavam que
os saberes científicos estavam tão difundidos em nossas sociedades que, em um futuro
próximo, substitui riam completamente a religião, e esta desapareceria. Este é o sentido
da palavra secularização: processo mediante o qual a religião é subtraída da sociedade,
sendo substituída por valores seculares/científicos.
Com o passar do tempo, Peter L. Berger, um dos defensores da teoria da
secularização, viu que as coisas não estavam acontecendo como previsto e passou a
reformular seu ponto de vista. Neste capítulo, no primeiro tópico, veremos como ele
fez isso.
No segundo tópico, veremos o exemplo de um filósofo social ateu, Jürgen
Habermas (que acredita no valor da ciência e da razão), que criticava a perspectiva
iluminista. O cerne de sua crítica está no fato de que o Iluminismo operava com um
conceito limitado de razão e, por isso, agia de modo a entronizar (enaltecer) a ciência
e a deslegitimar outras formas de saber, dentre elas a religião. Ao criticar o conceito
limitado de razão do Iluminismo, Habermas estende a racionalidade para outros
campos, inclusive para o religioso.
Por fim, abordaremos outro autor agnóstico, Rodney Stark, um sociólogo da
religião, que não pensava que viveríamos em
162 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião

um mundo melhor se não houvesse religião. Mesmo não tendo crença religiosa, ele
admitiu que ela exerceu e ainda exerce um papel importante na sociedade. Sua teoria
é muito interessante e parte do pressuposto de que a religião, ao invés de irracional,
está envolvida em um processo permanente de “escolhas racionais”.
Só nos resta, agora, convidá-lo para refletir conosco: Como a religião passou a
ser vista como uma forma de saber irracional? O que são racionalidade e
irracionalidade? Como a crítica ao Iluminismo permitiu uma revisão do papel da
religião na sociedade? Como você concebe a religião, como algo racional ou irracional?
Quando você experimenta a religião, que funções da sua vida interior estão em ação?

Religião e a teoria
6.1

da secularização
Este tópico está elaborado com base no livro de Peter L. Berger, Os múltiplos altares da
modernidade rumo a um paradigma da religião numa época pluralista. A obra é uma revisão
de sua teoria (secularista) da religião dos anos 1960, presente em outra de suas obras,
a qual estudamos anteriormente, O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica
da religião.
O livro Os múltiplos altares da modernidade foi publicado originalmente em 2014,
nos Estados Unidos, e traduzido para nossa língua em 2017 e, ao que parece, foi seu
último livro. Em O dossel sagrado, Berger procurava explicar quais seriam os fatores
sociais/sociológicos que justificariam o declínio das religiões nas sociedades de seu
tempo. Como ele percebeu que sua explicação, após mais de 50 anos decorrentes, não
tinha mais sintonia com o mundo empírico, fez uma revisão crítica dela.
Berger não pensava que tivesse errado apenas ao formular sua teoria da
secularização, então passou a avaliar o que ainda seria
163 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião

cabível e o que precisaria ser modificado. A ideia de que a religião seria subtraída da
vida social foi o principal erro, embora as sociedades ainda devam ser consideradas
secularizadas. A questão fundamental, então, passava a ser uma investigação sobre o
que significava dizer que vivemos em sociedades secularizadas. A resposta está no
subtítulo do livro, isto é, nossa secularidade implica no convívio de categorias
cientificas com diversos discursos religiosos, fazendo-nos desembocarem um
pluralismo. Seu problema estava formulado da seguinte maneira: “a chamada teoria
da secularização estava equivocada ao pressupor que a modernidade leva
necessariamente a um declínio da religião, razão porque precisamos substituí-la por
uma teoria do pluralismo, um projeto para o qual este livro pretende dar uma modesta
contribuição” (Berger, 2017b, p. 107).
Em sua revisão, ele afirma que não errou ao dizer que vivemos em uma
sociedade secularizada, mas na elaboração do próprio conceito. O termo secularização
era definido como declínio ou subtração da religião na vida social. Ele manteve o
termo, mas conferiu um novo sentido a ele: “Contudo, a teoria anterior não estava
completamente errada. A modernidade realmente produziu um discurso secular, que
permite às pessoas lidar com muitas áreas da vida sem referência a qualquer definição
religiosa da realidade” (Berger, 2017b, p. 107). Como podemos notar, ele não está mais
prevendo a extinção da religião, apenas dizendo que há um discurso secular, o que
entendemos como falo irrefutável, o que não significa a substituição da ciência pela
religião, mas o convívio/disputa entre ambas.
Assim, a modernidade produziu duas formas de pluralismo, uma que faz
conviver religião e ciência, como vimos no parágrafo anterior, e outra, que faz
diferentes religiões conviverem entre si em um amplo e complexo mercado religioso.
Vejamos as duas formas de pluralismo nas palavras do autor: “O primeiro é o
pluralismo de
164 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião

diferentes opções religiosas coexistindo na mesma sociedade, com o qual se ocuparam


os primeiros capítulos deste livro. O segundo é o pluralismo do discurso secular e os
vários discursos religiosos, também coexistindo na mesma sociedade” (Berger, 2017b,
p. 111).
É nesse ponto que a teoria de Berger começa a apresentar traços muito
interessantes e originais. Ele passa a investigar como seria o modo de convívio entre
as diferentes religiões e entre estas e a ciência. Vejamos a análise do problema pelo
próprio autor:

Existe uma posição privilegiada do discurso secular na mente das pessoas? Sim,
definitivamente. Existe uma posição exclusiva? Em alguns casos, sim;
geralmente, não E foi aí que tanto os teóricos da secularização quanto seus
críticos cometeram um erro. Eu inicialmente pertencia ao primeiro grupo,
depois me juntei ao segundo, mas ambos os grupos superestimam a coerência
da consciência humana. Na experiência da maioria dos indivíduos, a
secularidade e a religião não são mutuamente contraditórias. (Berger, 2017b,
p. 112)

O mais interessante dessa reformulação está na visão de Berger de que a mente


humana não é tão coerente quanto pensamos, ou seja, não somos apenas religiosos ou
apenas cientistas. Procuramos soluções para os problemas cotidianos e as achamos de
formas inusitadas ou, até mesmo, incoerentes. Peter Berger (2017b, p. 114) identifica a
matriz teórica de sua perspectiva: “A obra de Alfred Schütz (1900-1959) foi um esforço
continuo de ligar a fenomenologia da consciência com a teoria sociológica. O ponto de
partida era a proposição de que a consciência de um indivíduo não é um todo coerente,
mas consiste antes no que ele chamou de 'realidades múltiplas'“.
E prossegue explorando o pensamento de seu colega de profissão: “Outro
conceito de Schütz, aquele de estrutura de relevância, é aplicável a este último tipo de
pessoa religiosa. É importante
165 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião

compreender que vivemos com diferentes relevâncias o tempo todo, e não somente
quando navegamos entre relevâncias religiosas e seculares” (Berger, 2017b, p. 117). É
como se falássemos diferentes idiomas: o da religião e o da ciência. Se posso solucionar
meu problema de forma religiosa, eu o faço, como seria o caso de uma crise existencial;
mas o que fazer se preciso de uma cirurgia? Apelo para a ciência. Todavia, nem tudo
é tão extremo assim no cotidiano. Na verdade, passamos de um registro (religião) a
outro (ciência), muitas vezes, no mesmo dia. Fosso ser religioso, mas não vou deixar
de tomar um analgésico se estiver com dor de cabeça.
Uma bela metáfora explica o funcionamento da mente de uma pessoa religiosa:

Quando se trata de religião, é útil ler em mente que os seres humanos não são
lógicos. (...) Existe provavelmente uma espécie de impulso para a coerência na
mente, mas frequentemente esta coerência é tênue ou vaga. (...) Visto que
pluralismo significa que os indivíduos juntam suas crenças religiosas, tal como
uma criança usa peças de lego para construir um edifício idiossincrático, não
surpreende que algumas das construções subsequentes pareçam um pouco
estranhas. (Berger, 2017b, p. 118)

Assim como crianças montando seus brinquedos de múltiplas peças, vamos


construindo nossos mundos de modo a deixá-los coerentes e. principalmente,
habitáveis para nós. Quando a pluralidade começa a ameaçar nossa coerência,
podemos desembocar em fundamentalismos, sejam eles religiosos ou não.

O fundamentalismo é uma boa categoria sob a qual subsumir todos esses


movimentos. Alguns são religiosos, outros não. A suposta certeza pode ser
cristã, muçulmana, hindu e assim por diante. Ela pode também ser política,
psicológica, estética, inclusive ateis- ta. O que todos estes movimentos têm em
comum é um projeto
166 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião

de restaurar a qualidade do dado-como-certo das cosmovisões que o


pluralismo enfraqueceu. (Berger, 2017b, p. 132)

Precisamos nos lembrar de que não são apenas os fundamentalismos que são
perigosos, mas lambem os relativismos. Segundo Berger (2017b, p. 133), “Tanto o
relativismo quanto o fundamentalismo são perigosos para os indivíduos e muito mais
para a sociedade. O relativismo encaminha os indivíduos no sentido do niilismo moral;
o fundamentalismo no sentido do fanatismo”.
O autor chama a atenção para o papel das instituições na criação de certezas
para as pessoas: “A teoria sugere que as instituições funcionam melhor quando elas se
assemelham a instintos – programas de comportamento que podem ser seguidos
espontaneamente, sem reflexão. (...) O pluralismo moderno enfraquece este dado-
como-certo, obrigando os indivíduos a hesitar em refletir sobre os programas
institucionais* (Berger, 2017b, p. 134). Consideramos muito interessante essa
percepção de que as instituições funcionam de maneira parecida com nossos instintos,
ao programarem nossas vidas para agirem de uma certa forma. Não é isso que temos
experimentado no Brasil recentemente, quando grupos religiosos e não religiosos
passam a desembocar em formas conservadoras de comportamento, fazendo parecer
que estamos na Idade Média de novo?
Para terminar, devemos nos lembrar de que a teoria da secularização de Berger
foi elaborada ao longo dos anos 1960. No entanto, ele foi capaz de revisá-la nas décadas
seguintes, até o ano de 2014, data da publicação de Os múltiplos altares da modernidade,
quando o autor tinha mais de 80 anos. Esses fatos demonstram a capacidade que o
memorável sociólogo da religião tinha de se reinventar, de se reciclar, para se
manterem sintonia com o que se passava no mundo religioso de seu tempo. Quantas
pessoas conhecemos com essa capacidade?
167 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião

Religião e a teoria
6.2

da racionalidade
Neste tópico, vamos seguir pelas trilhas de Jürgen Habermas, um importante filósofo
social da atualidade. A erudição e a diversidade temática de seu pensamento podem
ser percebidas na classificação de suas obras em três conjuntos temáticos: (1)
epistemológicas, (2) filosóficas e (3) sociológicas (Aragão, 1997). As matrizes do
pensamento de Jürgen Habermas são assim sintetizadas por Luiz Bernardo L. Araújo
(1996, p. 19):

Ao lado de uma efetiva participação na nascente e acalorado movimento


estudantil, Habermas reencontrou seu caminho filosófico pelas vias da
hermenêutica, da filosofia da linguagem e do pragmatismo, fato que
demonstra sua dívida para com a obra de Gadamer e as sugestões de K. O. Apel.
Por outro lado, Habermas engajou-se na querela sobre o positivismo e
concentrou boa parte de seus esforços teóricos em questões de ordem
epistemológica, visando fornecer bases metodológicas mais sólidas para uma
teoria crítica da sociedade.

Lúcia Maria C. Aragão analisa o pensamento de Jürgen Habermas com base em


três aspectos: (1) teoria da racionalidade; (2) teoria da evolução social; e (3) teoria do
capitalismo maduro. Para o aspecto teórico do pensamento de Habermas, a autora
dedica um capítulo de sua obra. Apesar disso, o pensamento de filósofo social não é t
ratado de modo estanque, mas relacionando cada aspecto de sua obra aos demais. No
terceiro capítulo de seu livro, oportunidade em que vai tratar do terceiro aspecto
teórico da obra de Habermas, a autora fornece uma síntese importante: “Aqui
queremos demonstrar que a concepção das sociedades do capitalismo maduro
oferecida por Habermas é uma derivação
168 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião

de sua teoria da evolução social que, por sua vez, é uma aplicação de sua teoria da
racionalidade, e que ambas as teorias que se pretendem científicas sofrem a influência
da filosofia de Hegel” (Aragão, 1997, p. 113).
Feitas essas observações, é importante abordar a teoria da racionalidade do
referido filósofo social. O pensamento social contemporâneo trabalha a categoria da
subjetividade; já Habermas, a categoria da intersubjetividade. As fontes dessa forma
de pensar estão no Jovem Hegel e no Jovem Marx (Araújo, 1996). Na visão do pensador
da Escola de Frankfurt, houve uma ruptura no pensamento de Hegel. O Jovem Hegel
trabalha a categoria de intersubjetividade, ao passo que o Velho Hegel abandona essa
categoria em detrimento de outra, a de subjetividade (Araújo, 1996). A gestação do
sujeito, no Jovem Hegel, ocorre por meio de um processo de três esferas fundamentais:
(1) linguagem, (2) instrumento e (3) família (Araújo, 1996). A construção do sujeito
decorre de um processo social; a identidade d»* um sujeito não acontece fora de um
processo de socialização, pois só há sujeito em um processo de interação. 0 Jovem Marx
desconhecia os textos do Jovem Hegel, mas conseguiu percebera relação entre trabalho
e interação (Araújo, 1996). Para Habermas, Marx tem uma tendência cada vez mais
clara de fazer do trabalho o elemento fundamental da gestação da humanidade. O
problema é que Marx relaciona a sociabilidade ao trabalho, que passa a concebê-lo de
forma reducionista. O trabalho passa a ser o modelo de todas as esferas da vida social.
Habermas percebe que a grande patologia da humanidade é a instrumentalização de
todas as instâncias sociais. A crítica de Marx ao capitalismo se reduzia ao aspecto da
instrumentalidade.
Habermas pretende superar a compreensão reducionista que concebe a razão
somente em seu aspecto instrumental. O caminho para a superação dessa
compreensão reducionista está na linguagem.
169 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião

Há, portanto, além das razões estritamente metodológicas, um segundo – mas


nem por isso menos importante – motivo para que seja a linguagem, e não o
conhecimento ou a ação, o melhor medium através do qual a razão se revela:
somente através da linguagem podemos ter acesso a uma forma de razão não
instrumental e não subjetiva, isto é, a uma razão “comunicativa”,
essencialmente intersubjetiva, cujo único critério é promover o acordo racional
entre os sujeitos, o que exclui, imediatamente, o uso de qualquer forma de
coerção, externa ou interna. (Aragão, 1997, p. 32-33)

Habermas concebe a razão de forma tridimensional: 1) há uma dimensão


instrumental da razão; 2) há uma outra dimensão da razão que é normativa; e 3) há
também uma dimensão expressiva da razão. Sendo a razão tridimensional, a
emancipação nas sociedades contemporâneas precisa ocorrer também nas diferentes
esferas, não podendo acontecer apenas em uma esfera instrumental/normativa, mas
também na esfera da afetividade/relacionamentos.
Aragão (1997, p. 73) pensa que “a teoria da evolução social de Habermas nada
mais é do que uma aplicação de sua teoria da racionalidade*. De forma análoga à sua
teoria da razão, na qual o autor trabalha uma concepção tridimensional de razão, sua
teoria da evolução social também opera com mais de uma dimensão. Uma sociedade
não evolui apenas em seu aspecto instrumental/normativo, mas também evolui
quanto a seu aspecto comunicacional/ relacional. Segundo a autora, esse aspecto
permite a Habermas fazer uma crítica ao materialismo histórico (Aragão, 1997). O refe-
rida autor vai colocar de cabeça para baixo a tese do materialismo histórico de que a
evolução das sociedades tem como motor as transformações de fundo
instrumental/tecnológico apenas.
170 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião

Habermas cré que o motivo mais forte que levou homens a buscarem a
convivência social e a evoluir enquanto espécie não foi o trabalho, e sim a
interação, e isto fica bastante claro, quando ele estabelece a aquisição da
linguagem como o marco decisivo para o início da história humana. Habermas
acredita, em segundo lugar, que a evolução material das sociedades é uma
consequência de sua evolução cultural. Exatamente porque a evolução cultural
tem esse papel preeminente na sua teoria da evolução social, Habermas se
dedica a analisar as “etapas de reflexão” pelas quais as sociedades passaram
até alcançar o estágio atual, o da modernidade. (Aragão, 1997, p. 74)

Tendo sido estabelecida a conexão entre a teoria da racionalidade e a teoria da


evolução social, passaremos às bases sobre as quais se estabelece a evolução social.
Habermas, baseado no princípio de que há uma circularidade entre os processos de
aprendizagem individual e coletivo, passa a estabelecer uma história dos tipos de
sociedades (Aragão, 1997). Há, basicamente, três tipos de sociedades que
correspondem a três diferentes níveis de integração social: (1) sociedades arcaicas; (2)
sociedades organizadas em torno do Estado; e (3) sociedades de classe
economicamente constituídas (Aragão, 1997). Segundo essa concepção de evolução
social, a história tem demonstrado um deslocamento de formações sociais em que o
mundo da vida tem a supremacia sobre o sistema para formações sociais, em que o
sistema passa a colonizar o mundo da vida. Esse é o caso das sociedades
contemporâneas, nas quais o subsistema econômico tem absoluta soberania.
Outro aspecto a destacar é a teoria do capitalismo maduro. Essa teoria é
importante para que você possa compreender a teoria da religião, bem como o papel
que esta ocupa nas sociedades contemporâneas. O ponto de partida da teoria do
capitalismo maduro e a teoria da evolução social, que, por sua vez, tem como ponto
de
171 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião

partida a teoria da racionalidade, conforme citado anteriormente. As sociedades do


capitalismo maduro são caracterizadas pela cisão entre sistema e mundo da vida.
Aragão (1997) detecta que, nas sociedades do capitalismo maduro, a lógica sistêmica
avança sobre a lógica interativa. Esse argumento é importante porque permite a
compreensão de sua concepção de sociedade.

Habermas defende a ideia de que as sociedades são originalmente um todo


formado pela intersubjetividade do reconhecimento de tradições, valores e
normas de ação comuns, o que lhes confere uma característica essencialmente
integradora. Acontece que este todo, ao longo da evolução, devido ao aumento
da complexidade das sociedades, gerado a partir das necessidades de
reprodução material, foi desmembrando em áreas diversas, cada qual respon-
sável por funções especificas. Isto se deu, tanto com referência ás funções de
reprodução material, quanto em relação às funções simbólicas, criando-se, de
um lado, um campo formado pela economia, administração, sistema jurídico e
complexo militar, além da ciência, denominado genericamente de sistema, do
qual cada um dos mencionados é um subsistema, e, de outro, uma esfera
formada pela cultura, sociedade e personalidade, que são reunidas sob a
designação de mundo da vida. (Aragão, 1997, p. 118)

A colonização do mundo da vida pelo sistema nas sociedades contemporâneas


tem sérias repercussões sobre a forma de expressão religiosa nos dias de hoje. Por isso,
consideramos importante estender um pouco mais a análise do pensamento de Jürgen
Habermas, mas agora pendendo/afunilando para a questão especifica da religião.
Algumas considerações sobre sua teoria da religião serão de muita utilidade para
efeito de análise da demonologia neopentecostal.
172 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião

Entramos em diálogo com Habermas citando a abordagem tríplice de Aragão


(1997). Além dela, Araújo (1996) também concebe a obra de Habermas dessa mesma
forma, embora sua atenção esteja voltada para a teoria da religião.

Três aspectos da teoria habermasiana estão cingidos nesta reformulação da


teoria weberiana da modernidade: a teoria da racionalidade (com o conceito
mais englobante de razão comunicativa e a consequente superação da
perspectiva monológica da filosofia do sujeito), a teoria da evolução social (com
a distinção entre os domínios da lógica e da dinâmica do desenvolvimento das
sociedades modernas), e, enfim, a teoria da sociedade (com a incorporação de
categorias da análise funcionalista que permitem distinguir a esfera sistêmica
da esfera do mundo vivido). A teoria habermasiana da religião, que não é um
aspecto isolado de seu opus e nem constitui um corpus sólido e conclusivo, está
conectada com os três aspectos mencionados. (Araújo, 1996, p. 144)

Ressaltamos que a citação acima é importante como ponto de partida para uma
análise da teoria da religião de Jürgen Habermas, visto que ela não se encontra
sistematizada no universo de sua teoria. A possibilidade de analisar a religião com
base no pensa mento desse autor está conectada à sua tríplice teoria acima colocada –
teoria da racionalidade, teoria da evolução social e teoria da sociedade/capitalismo
maduro. Vamos apresentar a relação entre a teoria da religião e sua tríplice teoria.
Qual o papel da religião na construção da racionalidade moderna? A que esfera
de racionalidade está conectada a religião? Ela ajuda a construir e a manter a dimensão
instrumental/normativa da racionalidade ou tem um papel ligado à construção da
racionalidade expressiva? C) referido autor, na esteira de Weber, está disposto a
reconhecer um papel importante da religião no processo de construção da
racionalidade. No entanto, de maneira
173 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião

até contraditória, a religião, que é um elemento construtor de racionalidade, vai ser a


única esfera de construção de sentido ausente em uma sociedade excessivamente
racionalizada. O aspecto instrumental da racionalidade, que se constrói em parte como
contribuição da racionalidade produzida pela religião, tende a se voltar para a religião
e a devorá-la. Habermas vê como alternativa para o mundo moderno voltar-se ao
cultivo de uma interação social de tipo comunicativo, mediante a qual a lógica do
sistema não colonizaria mais o mundo da vida. A questão e se o autor vê a
racionalidade comunicativa como uma alternativa às imagens religiosas de mundo ou
como um elemento que pode ser colocado ao lado destas (Araújo, 1996).
O que já expusemos anteriormente sobre o neopentecostalismo demonstra que
as imagens míticas e religiosas ainda preservam um papel de fundamental
importância na construção de sentido de mundo para milhões de pessoas. Mesmo as
crenças no diabo e em seus demônios não representam uma construção “racional” de
explicação para a pobreza e as agruras da vida? Concordamos com Aragão (1997) e,
nesse aspecto, ela parece estar de acordo com o próprio Habermas, quando diz que a
razão não é boa nem má por si só, tampouco dominadora ou libertadora; a questão
está no uso que as pessoas fazem dela.
A teoria da evolução social de Habermas aponta para uma diminuição da
influência da esfera do sagrado nas sociedades modernas. Nessas sociedades, as
imagens e os discursos sagrados concorrem com outras imagens e discursos seculares.
Isso se agrava à medida que o mundo da vida passa a ser colonizado pelo sistema. Esse
fator, em vez de indicar o fim da influência do sagrado, parece muito mais indicar o
surgimento de uma nova forma de expressão religiosa, a religião, na qual impera a
lógica sistêmica.
174 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião

O neopentecostalismo constitui um exemplo evidente de uma expressão


religiosa em que a lógica sistêmica impera. Vemos isso expresso na forma voraz da
instituição de correr atrás do dinheiro e, também, no modo como a evangelização é
usada para atingir meios racionalmente calculados pela liderança.
A pesquisa empírica mostra a vivacidade do sagrado e sua importância como
construção de sentido para milhares de pessoas, ainda que essas imagens sejam
construídas por meio de uma grande influência do sistema sobre o mundo da vida. O
próprio rito de exorcismo, como rito que promove a passagem de um estado de
precariedade para outro de abundância, caracteriza uma evidência de que o
neopentecostalismo é uma religião em uma sociedade em que o mundo da vida está
cada vez mais sob influência da lógica sistêmica. A performance que perpassa o
exorcismo pode ser interpretada como um rito de passagem para o estado de abun-
dância oferecido polo mundo capitalista. Pessoas que viviam em situação de
precariedade podem, pela intermediação do exorcismo, ingressarem uma nova
situação, agora marcada pela riqueza, pelo poder, pela estabilidade e pela inserção no
mercado.
A palavra evolução pode suscitar, ainda, muita discussão. Embora seja
impossível considerara sociedade uma realidade estática, não saberíamos, por outro
lado, como encontrar critérios que pudessem descrever as mudanças das sociedades
que fossem universalmente válidos. Em muitos momentos, a realidade social descrita
por Habermas parece muito mais uma descrição da realidade europeia. Que utilidade
esses conceitos, construídos com base na realidade europeia, poderiam ter para
descrever uma realidade como o Brasil? Como constituir categorias de evolução para
um universo macrossocial? Tomando como exemplo o Brasil, como estabelecer
categorias/critérios de evolução para uma realidade imaginária (nação) formada de
infinitos e pequenos universos tão
175 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião

particulares? Mesmo que eu pudesse aceitar o pressuposto de que as sociedades


possuem qualquer mecanismo de evolução, como aplicaria esse critério para
realidades tão diferentes entre si?

Religião e a teoria
6.3

da escolha racional
A teoria da escolha racional, de Rodney Stark (2004; 2006), parte do pressuposto de
que a religião é um fenômeno racional. Ao invés de ser algo permeado por pura
irracionalidade, a religião é um fenômeno em que as pessoas fazem escolhas o tempo
todo e estas são balizadas pela razão. Assim, há cálculo sobre lucros e perdas que as
pessoas assumirão em razão de suas escolhas dentro do campo religioso.
A teoria de Stark é formulada com base na elaboração de proposições que são
realizadas na observação de agentes religiosos. Depois de elaboradas, as proposições
são testadas em universos religiosos empíricos para dar lugar aos ajustes necessários.
Assim, a teoria consiste em uma grande quantidade de afirmações, que são feitas sobre
o que é a religião e como ela funciona, as quais têm a pretensão de servir como guia
do que um pesquisador pode encontrar quando se defronta com diferentes religiões.
Há três importantes textos de Stark traduzidos para o português: l)um artigo
eletrônico, Trazendo a teoria de volta (2004), no qual ele faz uma síntese de sua teoria; 2)
um livro sobre o cristianismo primitivo, O crescimento do cristianismo: um sociólogo
reconsidera a história (2006), no qual a teoria é apresentada dissolvida em meio às
análises que faz do fenômeno empírico; e 3) um livro em que sua teoria é explicada e
detalhada, Uma teoria da religião (2008), em coautoria com William Sims Bainbridge.
Daremos prioridade aos dois primeiros textos por serem mais acessíveis. Nossa
estratégia
176 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião

será a de apresentar alguns dos axiomas da teoria do autor para ilustrar o modo como
essa teoria é elaborada. Quem desejar conhecer toda a teoria e as devidas explicações,
deve 1er o terceiro livro mencionado, no qual, ao final, todos os axiomas, as definições
e as proposições da teoria são sintetizados.
Então, vamos aos textos de Stark.

Comecei com um axioma de escolha racional: Seres humanos buscam o que


percebem ser recompensa e evitam o que percebem ser custos.

Outro axioma introduzia explicitamente a questão da cognição humana: A ação


humana é direcionada por um complexo processamento de informação que
funciona para identificar problemas e tentar solucioná-los. [...]

Outro axioma impunha escassez sobre o conceito de recompensa: algumas


recompensas desejadas são limitadas, outras sequer existem (no mundo físico).
(Stark, 2004, p. 6, grifo do original)

Como podemos observar, Stark vê a religião como algo racional e que está
direcionado para a busca de compensadores – que são substitutos de recompensas –,
os quais não são muito acessíveis ou estão indisponíveis. A busca pela religião não
seria mero acaso ou para simplesmente saciar a sede existencial das pessoas, mas para
ajudá-las a resolver problemas que não poderiam ser solucionados de outra forma.
Para o autor, “A pertença a uma religião mais dispendiosa é, para muitas
pessoas, uma “boa barganha” (Stark, 2006, p. 198). Isso explica por que muitas pessoas
se submetem a situações consideradas por outros como exploração ou absurdo, mas o
fato é que algum benefício estão colhendo, caso contrário não permaneceriam naquela
instituição.
177 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião

Muito interessante também é a visão que o autor tem da associação entre vida
material e adesão religiosa.

1] O poder de um indivíduo ou grupo será negativamente associado com a


aceitação de compensadores religiosos cujas recompensas sejam escassas.
Ou seja, pessoas poderosas simplesmente buscarão as recompensas – luxo
material, por exemplo. Pessoas menos poderosas tendem a aceitar com-
pensadores que, por exemplo, lhes garantam a recompensa que, se
renunciarem de bens materiais nessa vida, os obterão na outra. Podemos
chamar esta forma de compromisso religioso de sectária.
2] O poder de um indivíduo ou grupo será positivamente associado com o
controle de instituições religiosas e com a obtenção de recompensas
disponíveis em organizações religiosas. Podemos considerar essa forma de
compromisso religioso como sendo próprio das igrejas. [...]
3] Independente de poder, pessoas e grupos tendem a aceitar compensadores
religiosos em troca de recompensas que não existem nesta vida. Notei aqui
que, em alguns aspectos, todos são privados de algo e têm motivo para ser
religioso – já que todo mundo enfrenta a morte, doutrinas do pós-morte têm
um apelo para todos. Poderíamos chamar esta de a forma universal do
comprometimento religioso. (Stark, 2004, p. 7)

Com base nesses pressupostos, Stark começa a classificar religião e magia,


assuntos com os quais nos deparamos quando analisamos alguns textos de Marcel
Mauss e Claude Lévi-Strauss. Para o sociólogo americano, religião e magia
distinguem-se com base na relação que mantém com os compensadores, descritos
acima.
178 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião

Religião se refere a sistemas de compensadores gerais baseados em assunções


sobrenaturais. [...]

Magia se refere a compensadores específicos que prometem providenciar


recompensas desejadas desconsiderando evidências concernentes aos meios
designados. [...]

Especialistas em cultura cuja principal atividade é providenciar compensadores


específicos são magos. [...]

A magia è mais suscetível do que a religião à falsificação. [...]

Não é do interesse dos especialistas religiosos arriscar que caiam em descrédito


os compensadores que fornecem. [...]

Especialistas religiosos, ao longo do tempo, tendem a reduzir a quantidade de


magia que fornecem. [...]

Na medida em que a demanda por magia continua mesmo após os especialistas


religiosos terem parado de fornecê-la, outros se especializarão em fornecê-la.
(Stark, 2004, p. 14, grifo do original)

Stark também apresenta algumas ideias interessantes sobre o modo de ação dos
deuses, que são definidos como seres racionais por excelência, assim como aborda o
tema da relação entre o bem e o mal, assunto que também analisamos anteriormente,
mas agora sob outro prisma.

Explicações que assumem serem os deuses racionais oferecem mais garantia de


recompensa do que as que assumem serem os deuses irracionais. [...]

A racionalidade é marcada por uma atividade consistente direcionada a um


objetivo.

Distinguir o sobrenatural em duas classes – a do bem e a do mal – oferece um


quadro racional dos deuses. [...]
179 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião

Bem e mal se referem às intenções dos deuses nas suas trocas com os humanos.
O bem consiste na intenção de permitir que os humanos se beneficiem com as
trocas. O mal consiste na intenção de infligir trocas coercitivas ou decepções
aos humanos, levando a perdas por parte deles. [...]

Quão mais complexa a cultura, mais clara a distinção entre deuses bons e maus.
[...]

Quanto mais velhas, maiores e mais cosmopolitas as sociedades se tornam,


mais clara a distinção entre deuses bons e maus. [...]

Os seres humanos buscam fazer trocas com os deuses bons, evitando fazer
trocas com deuses maus. [...]

Serão preferidos os deuses que forem considerados capuzes de proteger os


humanos dos deuses maus. {Stark, 2004, p. 16-17, grifo do original)

O referido autor ainda aborda a concorrência entre diferentes agentes religiosos


em um mesmo espaço físico, assim como o pluralismo, outra temática anteriormente
explorada neste livro.

Uma economia religiosa consiste na totalidade de atividade religiosa em


andamento em qualquer sociedade. Economias religiosas são como as
comerciais, no sentido de que consistem em mercados de possíveis e atuais
clientes, um conjunto de firmas procurando servir esse mercado, e as “linhas
de produtos” religiosos oferecidos por essas várias empresas (Stark, 1985). [...]

A capacidade de uma única firma religiosa monopolizar uma economia religiosa


depende do grau em que o Estado usa de força coercitiva para regulara
economia religiosa. [...]

Quanto mais urna economia religiosa não for regulada, mais tenderá a ser
pluralista.
180 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião

Pluralismo se refere ao número de empresas atuando na economia: quanto


mais empresas tiverem participação significativa no mercado, maior o nível de
pluralismo. (Stark, 2004, p. 18-19, grifo do original)

Ao falar de pluralismo e de disputa religiosa, não poderíamos deixar de abordar


o tema do monopólio: “A capacidade de uma firma religiosa individual monopolizar
uma economia religiosa depende do grau em que o listado utilize forças coercitivas
para regular a economia religiosa. À medida que uma economia religiosa não é
regulada, tenderá a ser muito pluralista” (Stark, 2006, p. 216).
O pluralismo tende a fazer com que as empresas religiosas entrem em urna
disputa entre si e, para sobreviver aos combates, elas precisam se especializar. “0
pluralismo inibe a capacidade de as novas firmas religiosas obterem participação no
mercado” (Stark, 2006, p. 217).

Quanto mais uma economia religiosa é pluralista, mais suas firmas se


especializarão.

Para se especializar, uma firma deve suprir as necessidades e gostos especiais


de segmentos específicos do mercado. [...]

Quanto mais uma economia religiosa é competitiva e pluralista, maiores os


níveis gerais de participação religiosa tendem a ser. Inversamente, quanto mais
uma economia religiosa é monopolizada por uma ou duas firmas apoiadas pelo
Estado, mais a participação geral tende a ser baixa. (Stark, 2004, p. 20, grifo do
original)

A teoria de Stark também trata do papel social das conversões religiosas, outro
assunto central da sociologia da religião: “A conversão a grupos religiosos novos e
dissidentes ocorre quando, mantido tudo o mais, as pessoas têm ou desenvolvem
vínculos mais fortes com membros do grupo do que aqueles que têm com não-
membros” e confirma isso quando diz que “os novos movimentos
181 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião

religiosos arregimentam seus prosélitos sobretudo entre os setores religiosa – mente inativos e
descontentes, e entre membros de comunidades religiosas mais acomodadas (mundanas)”
(Stark, 2006, p. 29, grifo do original). Além disso, acrescenta que “o ceticismo religioso
predomina com maior intensidade entre os indivíduos mais privilegiados” (Stark, 2006, p. 49,
grifo do original).
Como a conversão, do ponto de vista da sociologia da religião, é um fato social,
precisa tratar das condições sociais e culturais que são mais propicias à adesão da uma
nova religião.

As pessoas se mostram mais dispostas a adotar uma nova religião à medida


que esta mantém uma continuidade cultural em relação à(s) religião(ões)
tradicional(ais) com a(as) qual(ais) já estão familiarizadas. [...]

Os movimentos sociais crescem mais rapidamente quando se disseminam ao


longo de redes sociais preexistentes. (Stark, 2006, p. 68-69, grifo do original)

Antes de terminar, gostaríamos de abordar a interpretação sociológica de Stark.


do cristianismo primitivo. Ele se dá a tarefa de investigar quais seriam os fatores sociais
que fizeram com que o cristianismo, uma seita judaica, se tornasse a religião majori-
tária do Império Romano e busca explicações sociológicas para o crescimento do
cristianismo.

O cristianismo não cresceu em decorrência de um milagre ocorrido no mercado


(embora muito de milagre deva ter ocorrido), ou porque Constantino disso que
devia, ou mesmo porque os mártires lhe conferiram credibilidade. Cresceu
porque os cristãos constituíam uma intensa comunidade, capaz de gerar a
“invencível obstinação” que tanto desagradava a Plínio, o Moço, mas que
resultou em imensas recompensas religiosas. E os meios fundamentais de sou
crescimento foram os esforços conjuntos e motivados do crescente
182 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião

número de fiéis cristãos, que convidavam seus amigos, parentes e vizinhos para
compartilhar a “boa-nova”. (Stark, 2006, p. 231)

Conceitos e práticas do cristianismo tiveram um impacto muito grande nas


sociedades romanas dos séculos iniciais da era cristã, como aquelas que dizem que
Deus ama o ser humano e que, por isso, este deve amar as demais pessoas, sem
restrições étnicas.

As doutrinas fundamentais do cristianismo estimularam e sustentaram


organizações e relações sociais atrativas, liberadoras e efetivas.

Acredito que foram as doutrinas religiosas particulares que permitiram ao


cristianismo situar-se entre os movimentos de revitalização mais arrebatadores
e bem-sucedidos da história. E foi dessa forma que tais doutrinas efetivamente
se concretizaram, direcionaram as ações organizacionais e o comprometimento
individual, além de acarretar o crescimento do cristianismo. [...]

A simples frase “pois Deus amou o mundo de tal maneira...” seria capaz de
desconcertar um pagão instruído. E a ideia de que os deuses preocupavam-se
com o modo como nos tratamos mutuamente teria sido descartada como
manifestamente absurda.

Da perspectiva pagã [...], a Ideia de que Deus ama aqueles que o amam era
inteiramente nova. (Stark, 2006, p. 236, grifo do original)

O amor de Deus às pessoas e o imperativo de que estas devem amar-se, levou


o cristianismo para além de suas fronteiras culturais iniciais, fazendo dele uma religião
verdadeiramente universal.

Além disso, o corolário segundo o qual porque Deus ama a humanidade, os


cristãos só podem agradá-lo se amarem uns aos outros era algo inteiramente
novo.

Talvez mais revolucionário ainda tenha sido o princípio de que o amor e a


caridade cristãos devem difundir-se para além dos limites da família e da tribo,
de que devem estender-se a “todos os que
183 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião

em qualquer lugar invocam o nome do Senhor Jesus” (1Cor 1,2). Na realidade,


o amor e a caridade devem transpor até mesmo os limites da comunidade
cristã. (Stark, 2006, p. 237, grifo do original)

E esse fato é reforçado mais adiante pelo autor:

A meu ver, uma importante contribuição do cristianismo como movimento de


revitalização foi o oferecimento de uma cultura coerente, totalmente
desprovida de etnicidade. Todos eram bem-vindos, sem que tivessem de
abandonar seus vínculos étnicos. [...]

Dessa forma, o cristianismo primeiramente evitou e depois sobrepujou a


barreira étnica que impedira ao judaísmo servir de base para a revitalização.
(Stark, 2006, p. 238, grifo do original)

Expusemos alguns aspectos da teoria da religião segundo Stark e finalizamos


com a descrição do próprio autor sobre o cristianismo primitivo. Como não se trata de
uma teoria sistêmica ou sistemática, mas de um encadeamento de premissas ou
afirmações que precisam ser testadas em um universo empírico, pode deixar a
impressão de que simplesmente estivemos diante de um emaranhado de frases soltas.
Ao tratar do cristianismo antigo, caso explorado pelo próprio autor para exemplificar
sua teoria, tentamos matizar essa impressão. Esperamos que você leia os textos de
Stark, colecione suas premissas, use-nas para diferentes contextos religiosos e avalie,
por si mesmo, se sua teoria é plausível ou não. Talvez fosse interessante aferir, com
base em exemplos empíricos de religiões distintas, se a tese que perpassa toda a teoria,
a de que a religião sempre está permeada por escolhas racionais, funciona ou não. Faça
o teste!
184 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião

SÍNTESE
Neste capitulo, abordamos três grandes temas da sociologia da religião na atualidade:
(1) secularização, (2) racionalidade e (3) escolha racional. Cada um dos assuntos foi
explorado, de maneira majoritária, com base, respectivamente, nos seguintes autores:
Peter L. Berger, Jürgen Habermas e Rodney Stark.
Podemos definir secularização, inicialmente, como o processo mediante o qual a
importância da religião vai sendo subtraída da vida social. Peter L. Berger revisou o
conceito e passou a considerá-lo como uma situação em que a religião começa a
enfrentar uma dupla concorrência: com as demais religiões e com as categorias
científicas.
Com base em Jürgen Habermas, vimos que a religião não é um fenômeno
irracional, mas comporta uma racionalidade própria. Além disso, vimos que o tempo
presente seria marcado por uma colonização do mundo da vida pela lógica sistêmica,
especialmente pelo subsistema econômico.
Por fim, com base em Rodney Stark. vimos que, nas religiões, funciona uma
lógica racional que leva sujeitos e coletividades a fazerem escolhas permeadas de
cálculos de lucro e perda.

INDICAÇÕES CULTURAIS
ARAÚJO, L. B. L. Religião e modernidade em Habermas. São Paulo Loyola. 1996.
Uma importante introdução ao pensamento de Habermas, recomendável para quem
nunca leu diretamente o filósofo alemão, que apresenta alguma dificuldade ao
iniciante.
185 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião

HABERMAS, J. Entre naturalismo e religião: estudos filosóficos. Tradução de Flávio


Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2007. v. 14. (Coleção Colégio do
Brasil).
Coletânea de textos de um dos mais importantes filósofos a abordar, de maneira
sociológica, o mundo contemporâneo.

PIERUCC1. A. F. Secularização em Max Weber: da contemporânea serventia de


voltarmos a acessar aquele velho sentido. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v.
13, n. 37, jun. 1998. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69091998000200003>.
Acesso em: 24 jan. 2020.
Conhecido e importante sociólogo da religião, brasileiro, weberiano, que apresenta o
conceito de secularização de Max Weber.

PIERUCC1. A. F. Economia e sociedade: últimos achados sobre a “grande obra” de


Max Weber. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 23, n. 68. p. 41-51, out. 2008.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-
69092008000300004&script=sci_abstract&tlng=pt>.Acesso em: 24 jan. 2020.
A segunda obra da lista do mesmo autor, que traz outro panorama sobre conceitos
abordados por Weber.

SLOTERDIJK. P. O zelo de Deus: sobre a luta dos três monoteísmos. Tradução de


Nelio Schneider. São Paulo: Ed. da Unesp, 2016.
Outro filósofo da atualidade a abordar o papel da religião nos dias de hoje. Muito
interessante e instigante.

VATTIMO. G.; PATERLINI, P. Não ser Deus: uma autobiografia a quatro mãos.
Tradução de Frederico Carotti. Petrópolis Vozes, 2018.
Os filósofos italianos contemporâneos têm uma abordagem muito original e
interessante sobre a religião na atualidade.
186 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião

ATIVIDADES DE AUTOAVALIAÇÃO
1. De acordo com o que foi exposto neste capitulo, o que foi o Iluminismo?
A] Um movimento religioso que primava pela busca da luz do Espírito Santo.
B] Um movimento religioso que primava pelo uso da razão.
C] Um movimento social e cultural do século XVIII que tinha como principal valor
o fanatismo religioso.
D] Um movimento social e cultural do século XVIII que tinha como principal valor
o racionalismo.
E] Um movimento social e cultural do século XVIII que tinha como principal valor
o ativismo religioso.

2. Peter L. Berger (2017b) usa uma metáfora para explicar a mente de uma pessoa
religiosa. Que metáfora e essa e como ela explica a experiência religiosa de um
determinado sujeito?
A] É a metáfora de um jogo infantil de peças de lego, que permite perceber que,
quando se trata de religião, os seres humanos não são ilógicos e não
surpreende que algumas das construções que realizam sejam estranhas, pois
juntam fenômenos de forma idiossincrática.
B] É a metáfora do jogo de quebra-cabeças, que permite perceber que, quando
se trata de religião, os seres humanos não são lógicos e não surpreende que
algumas das construções que realizam sejam estranhas, pois juntam
fenômenos de forma idiossincrática.
C] É a metáfora do jogo de quebra-cabeças, que permite perceber que, quando
se trata de religião, os seres humanos são muito lógicos e não surpreende
que algumas das construções que realizam sejam encantadoras, pois juntam
fenômenos de forma idiossincrática.
D] É a metáfora de um jogo infantil de peças de lego, que permite perceber que.
quando se trata de religião, os seres
187 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião

humanos não são lógicos e não surpreende que algumas das construções que
realizam sejam estranhas, pois juntam fenômenos de forma idiossincrática.
E] É a metáfora de um jogo infantil de peças de lego, que permite perceber que,
quando se trata de religião, os seres humanos são razoavelmente lógicos e
não surpreende que algumas das construções que realizam sejam coerentes,
pois juntam fenômenos de forma idiossincrática.

3. Qual seria uma boa definição de secularização com base em Peter L. Berger?
A] Processo mediante o qual a importância da religião foi sendo subtraída da
vida social, fato que levou Berger a revisar o conceito e a considerá-lo como
uma situação em que a religião passa a enfrentar uma dupla concorrência:
com as demais religiões e com as categorias cientificas.
B] Processo mediante o qual a importância da religião foi sendo elevada na
vida social, fato que levou Berger a revisar o conceito e a considerá-lo como
uma situação em que a religião passa a enfrentar uma dupla concorrência:
com as demais religiões e com as categorias cientificas.
C] Processo mediante o qual a importância da religião foi sendo subtraída da
vida social, fato que levou Berger a revisar o conceito e a considerá-lo como
uma situação em que a religião não enfrenta mais concorrência.
D] Processo mediante o qual a importância da religião foi sendo elevado na
vida social, fato que levou Berger a revisar o conceito e a considerá-lo como
uma situação em que a religião não enfrenta mais concorrência.
E] Processo mediante o qual a importância da religião foi sendo subtraída da
vida social, fato que levou Berger a revisar o conceito e a considerá-lo como
uma situação em que a religião passa a enfrentar apenas a concorrência de
outras religiões.
188 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião

4. Assinale a alternativa correta sobre a visão de Habermas a respeito da religião.


A] Ela é um fenômeno que comporta uma racionalidade própria.
B] Ela é um fenômeno que comporta uma irracionalidade própria.
C] Ela é um fenômeno irracional.
D] Ela é um fato extemporâneo.
E] Ela é um fenômeno irreconhecível.

5. O que podemos dizer sobre escolha racional com base na teoria de Rodney
Stark?
A] Que nas religiões funciona uma lógica racional que leva sujeitos e
coletividades a não fazerem escolhas com base em cálculos de lucro e perda.
B] Que nas religiões funciona uma lógica irracional que leva sujeitos e
coletividades a fazerem escolhas com base em cálculos de lucro e perda.
C] Que nas religiões funciona uma lógica racional que leva sujeitos e
coletividades a fazerem escolhas com base em cálculos de lucro e perda.
D] Que nas religiões funciona uma lógica racional que não leva sujeitos e
coletividades a fazerem escolhas com base em cálculos de lucro e perda.
E] Que nas religiões não funciona uma lógica racional que leva sujeitos e
coletividades a fazerem escolhas com base em cálculos de lucro e perda.
189 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião

ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM

Questões para reflexão


1. Reflita sobre as seguintes questões: O que você entendeu da teoria da
secularização de Peter L. Berger? E da teoria da racionalidade de Jürgen
Habermas? E da teoria da escolha racional de Rodney Stark? Você concorda
com essas teorias? Com quais concorda e de quais discorda? Qual foi o impacto
deste capítulo sobre você? Do que gostou? Do que não gostou?
2. Pense um pouco sobre suas escolhas religiosas: Você tem religião? Porquê? O
que o levou a essa religião? Se não tem religião, por que não tem? Que benefícios
colhe de sua religião? Como você trata a religião ou a falia de religião das
demais pessoas? Você mudaria de religião? Por quê?

Atividade aplicada: prática


1. Entreviste uma pessoa religiosa e colete os seguintes dados:
A] Religião.
B] Idade.
C] Escolaridade.
D] Estado civil.
E] Por que escolheu essa religião?
F] Como foi sua conversão?
G] Quais foram as circunstâncias?
H] Que benefícios recebe de sua religião?
I] Você mudaria de religião? Por quê?
Por fim, anote as respostas em um caderno ou em formulário eletrônico.
190

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para terminar, gostaríamos de convidá-los a fazer uma reflexão sobre o ensino


religioso, partindo do pressuposto de que, quando terminarem a graduação em
Ciências da Religião, vocês se defrontarão com a possibilidade de que lecionar ensino
religioso seja uma de suas atribuições. Ao promover essa reflexão, temos a intenção de
estar contribuindo para um bom desfecho deste livro ao indicar o que podemos fazer
com seu conteúdo em lermos práticos.
Assim, gostaríamos de afirmar que consideramos a expressão ensino religioso
muito vulnerável a uma interpretação equivocada. Para a maioria das pessoas, ensino
religioso parece designar uma prática educacional que tem um caráter eminentemente
doutrinário. Nesse caso, ensino religioso seria um sinônimo de ensino teológico.
O ensino teológico implica conhecer uma dada tradição confessional e optar por
ela. Claro que um teólogo pode falar sobre uma confissão religiosa sem se colocar em
seu interior, mas isso é um fato incomum, além disso, é visto com muita antipatia pelos
pares por parecer uma atitude incoerente.
Não basta distinguir ensino religioso de ensino teológico para que as pessoas
entendam o que a primeira expressão significa. Seria preciso também entrar no debate
em torno da questão da laicidade de nosso listado.
Desde a primeira constituição republicana, promulgada em 1891, o Estado
brasileiro tem se autodefinido como religiosamente neutro (Brasil, 1891). Que o Estado
soja laico, no caso de nosso país do fim do século XIX, significa que ele passou a estar
dissociado do catolicismo romano. Talvez na atualidade, no contexto em que
191

o Brasil se transformou em um espaço com relativa1 diversidade religiosa, implique


em não privilegiar nenhuma das expressões religiosas existentes, nem optar por elas.
Alguns, com razão, dizem que se trata muito mais de uma diversidade de instituições
cristãs do que de uma diversidade religiosa propriamente dita. De qualquer modo,
havendo, na atualidade, muitas instituições diferentes, sejam cristãs, sejam de outras
religiões ou religiosidades, nosso Estado não está mais associado ao catolicismo
romano, assim como a nenhuma outra instituição ou confissão. Talvez seja isso que
um dado sujeito queira dizer quando afirma que vivemos sob a égide de um Estado
laico.
Se o Estado está dissociado de qualquer confissão ou instituição religiosa, ao
menos na teoria, não significa que ele seja ou deva ser contrário à religião. Talvez até
pelo contrário, exatamente por respeitar a diversidade religiosa de nosso país, o Estado
não pode se colocar como tendo preferência por esta ou aquela religião. Não somente
isso, mas também significa que um Estado laico precisa respeitar os cidadãos que
optarem por não aderir a qualquer expressão religiosa existente. Esse seria o caso de
pessoas que se autoidentificam como ateias, agnósticas ou, para usar uma expressão
mais simpática, sem sensibilidade (por escolha) para as questões levantadas pelos
cidadãos ou cidadãs que se compreendem como religiosos.
Então, se vivemos em um país administrado por um Estado laico, no sentido
exposto, não é desejável que exista em seu interior um ensino religioso entendido como
prática educacional de cunho doutrinário e que vise promover valores e crenças de
uma dada confissão ou tradição religiosa. Fazemos essas afirmações tendo

1
A diversidade religiosa do Brasil é relativa porque, somadas as adesões a diferentes instituições cristãs,
atingimos cifras acima dos 90%. Por isso, seria mais correto falar em diversidade de instituições cristãs, e não em
diversidade religiosa, o que implicaria em números mais significativos de pessoas que aderissem a religiões
diferentes do cristianismo.
192

como pressuposto que o ensino religioso é ministrado em uma escola pública com
ensino fundamental e médio. Um Estado laico estaria em contradição consigo mesmo
(com seus preceitos) se ele fosse o promotor de um ensino de cunho doutrinário, no
sentido mais óbvio da palavra.
Se ensino religioso não pode significar ensino doutrinário, você concordará
conosco que há uma infelicidade na escolha da terminologia. Adiante, vamos defender
a ideia de que a melhor (menos ambígua) expressão seria ensino sobre o fenômeno
religioso. Nesse momento, basta constatar que a terminologia, ao menos em parte, pode
explicar por que as disciplinas de ensino religioso têm servido, muitas vezes, como
propaganda de determinadas instituições religiosas.
Se não fosse esse o caso, o de as pessoas compreenderem equivocadamente a
natureza do ensino religioso, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN 9.394, de 20 de dezembro 199b), que prevê o ensino religioso no ensino
fundamental, não precisaria destacar os seguintes fatos:

O ensino religioso, de matricula facultativa, é parte integrante da formação


básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas
públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural
religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. (Brasil, 1996, art.
33)

De acordo com a lei, apesar de o professor ou a professora dar aulas que são
designadas como ensino religioso, precisa (1) respeitar a diversidade cultural e religiosa
e (2) não fazer de sua tarefa uma propaganda ou promoção de sua religião.
Diferentemente do ensino teológico, que é realizado no e com base no interior de uma
dada confissão, o ensino religioso precisa manter um distanciamento de preceitos de
uma dada confissão. Como fazer isso se o índice
193

de pertença religiosa de nosso país é maior que 90%? Como uma pessoa que quase
sempre é religiosa, mesmo que de diferentes formas e graus, pode se envolver na tarefa
de dar aulas de uma temática que está tão envolvida existencialmente sem desrespeitar
seus alunos e alunas?
Não estamos certos de que se possa encontrar uma fórmula que apresente
saídas satisfatórias às questões colocadas no parágrafo anterior. Arriscaríamos dizer
que talvez possamos melhorar ou amenizar os problemas, discutindo os termos o as
tarefas a serem desenvolvidas pela pessoa que dá aulas de ensino religioso, o que
estamos tentando fazer nessas considerações finais.

Atualmente, sou professor do Departamento de História de uma universidade pública


estadual. Leciono disciplinas na área de Teoria da História e História do Fenômeno
Religioso. Antes de ser professor em uma universidade pública, trabalhei durante 15
anos como professor em diferentes áreas, na seguinte ordem: Ensino Religioso de
escola básica em uma instituição particular (1992-1995); ensino de História no ensino
fundamental de uma escola particular (1992-1993); ensino superior em uma faculdade
particular (1993); ensino teológico em diferentes faculdades particulares de nosso país
(1993-2007).
Minha formação é bivalente. Fiz graduação em Teologia e em História
simultaneamente, em uma faculdade particular confessional (1988 1991) e em uma
universidade pública laica (1989 1993), respectivamente. Fiz mestrado em Teologia em
uma escola particular confessional (1996-1999) antes de fazer mestrado em Sociologia
em outra universidade pública laica (1999-2001). Completei meus estudos doutorais
na área de História, mais uma vez, em uma universidade pública laica (2002-2005). For
fim, fiz pós-doutorado em uma universidade particular confessional (2016-2017).
194

Falo da minha experiência como professor e da minha formação acadêmica para


deixar em evidência a dificuldade que há muito enfrento para encontrar distinções
entre os campos de ensino teológico e de ensino religioso daquilo que se poderia
chamar de campo de ensino laico. Não creio que seja possível colocar de lado
convicções existenciais e teóricas e entrar em sala de aula como se fosse possível a
existência de um sujeito neutro afetivamente. Mesmo com uma preocupação enorme
em ser honesto e respeitoso para com as pessoas, não conheço uma estratégia
convincente que possa repartir um dado sujeito ao meio, mesmo que de forma
esquizofrênica, entre uma parcela afetiva e religiosa, que fica em casa, e outra teórica
e sábia, que entra em sala de aula com absoluta neutralidade.
Claro que estou caricaturando a situação. Faço isso para mostrar que não é
possível deixar de lado convicções. Contudo, se não podemos ser neutros, temos como
respeitar o outro em suas distintas opções teóricas e existenciais. Respeitar implica
aceitar que o outro tenha o direito de fazer escolhas muito diferentes e divergentes das
minhas. Esse respeito pelo outro se torna uma necessidade muito mais proeminente
quando se t rata de crianças ou de adolescentes em fase de formação intelectual ou
cultural e em uma situação de assimetria, em termos de poder, quando se colocam
diante de um professor ou de uma professora numa sala de aula.
No meu modo de ver, desrespeitar as opiniões ou as escolhas das outras pessoas
é uma deselegância quando se trata de uma relação entre parceiros ou parceiras. No
entanto, quando se trata de uma relação entre um adulto maduro (professor ou
professora) e uma pessoa em formação (criança, adolescente ou jovem), passa a ser
uma questão de uso inadequado ou abusivo de poder.
195

Quando o professor de ensino religioso passa por cima da diversidade cultural


e religiosa de seus alunos e alunas, não está apenas ferindo um preceito de uma lei
criada pelo Estado; ele está administrando abusivamente o poder que o papel de
mestre lhe proporciona.
A tarefa inicial seria, então, a de distinguir ensino religioso de ensino teológico.
Vamos procurar compreendê-la um pouco melhor. O ensino teológico implica estar no
interior de uma confissão religiosa. E aderir a uma instituição religiosa tem como
pressuposto uma escolha existencial, fato que é facultado a todo cidadão brasileiro em
razão da liberdade religiosa que impera em nosso contexto. A atividade de ensino
teológico sempre será legítima até o ponto em que não implicar em fraude ou ofensa à
liberdade alheia.
Entendemos fraudar o outro como sendo a atitude de tentar “laçar”
sorrateiramente uma pessoa sem religião ou adepta de uma religião diferente da nossa,
sem que ela manifeste o desejo de fazê-lo. Por exemplo, esse seria o caso de um pai ou
de uma mãe que coloca seu filho ou filha em uma escola básica particular que não seja
declaradamente religiosa, masque tenha ou passe a ministrar aulas de ensino religioso
com base no ponto de vista de uma dada confissão religiosa. Se a criança não foi
colocada em uma escola sabidamente religiosa, o risco da fraude é sempre muito
grande, pois o aluno ou a aluna poderia ser “laçada” para os meandros de uma
confissão religiosa que ainda não está preparado(a) para optar, nem está de acordo
com a orientação desejada por seus responsáveis legais. Não dizemos com isso que as
pessoas são mal-intencionadas, apenas que agem de forma questionável de um ponto
de vista ético.
Ainda no contexto dessa reflexão, compreendemos como uma ofensa à
liberdade alheia que qualquer professor ou professora, de qualquer nível de ensino,
seja em uma instituição particular, seja
196

em uma pública, passe a estabelecer juízos de valor pejorativos em relação à religião


de seus alunos e alunas. Como há uma assimetria de poder, o mestre precisa ser
excepcionalmente cuidadoso na avaliação da religiosidade alheia. Isso não tem nada a
ver com deixar de ser crítico em relação ao papel inadequado que uma dada religião
tenha eventualmente exercido em um determinado momento da história. No modo
como vemos as coisas, é possível ser crítico (algo sempre necessário ao professor e à
professora) sem desrespeitar as pessoas.
Não sendo nenhum dos dois casos, acreditamos que o ensino teológico poderá
ser legítimo. Mais um exemplo, agora positivo, lima pessoa que entre
espontaneamente em um templo que ela sabe que é de uma dada religião não poderia
reclamar de ter ouvido ensinamentos de caráter teológico – exposição de preceitos e
valores da confissão religiosa dos crentes daquela instituição. Seria diferente se o
mesmo ensino fosse ministrado em uma escola pública laica, levando em consideração
que a maioria dos pais ou das mães e dos estudantes não se dirige àquele local com a
intenção de receber um ensino de cunho teológico, no sentido exposto neste parágrafo.
Como se pode notar, a legitimidade de uma dada forma de ensino tem muito mais a
ver com sua adequação ao contexto em que se desenvolve.

Outro exemplo, agora levando em consideração uma situação pessoal que vivi como
professor de Teologia. Trabalhei em faculdades teológicas de diferentes confissões. As
pessoas que se matriculavam nas escolas onde trabalhei tinham como objetivo receber
exatamente uma educação de caráter doutrinário. Elas não foram enganadas ou
enroladas ao receberem um ensino com base na perspectiva de uma dada expressão
religiosa. Na verdade, isso fazia parte do pacto entre estudantes e mestres. Diria que
as pessoas
197

estavam na escola exatamente porque sentiam a necessidade de encontrar argumentos


que pudessem justificar, de forma densa, suas escolhas existenciais e religiosas.

Como podemos notar pelos exemplos apresentados, o ensino teológico não


pode ser considerado ilegítimo por si só. Eventualmente, ilegítimo é o uso que algumas
pessoas, mesmo que sinceras e bem intencionadas em suas ações, fazem da
oportunidade que têm diante do ensino religioso para divulgar suas crenças religiosas
pessoais. Se estiverem no contexto adequado, tanto o ensino religioso quanto o
teológico podem ser legítimos e até mesmo benéficos para seus destinatários. Estar no
contexto adequado implica saber ler adequadamente os propósitos de cada
modalidade de ensino, assim como manter como horizonte ético o respeito pela
diversidade de crenças e escolhas existenciais.
Em síntese, compreendemos o ensino teológico como uma modalidade de
relação de ensino e aprendizagem com algumas particularidades: na maioria das
vezes, acontece no interior de uma determinada confissão religiosa, embora devamos
ressaltar que alguns grupos religiosos são flexíveis a ponto de serem capaz de ver seus
preceitos religiosos como apenas alguns em um universo amplo de tantos outros e que
são igualmente legítimos; produz um conhecimento de caráter normativo, o que
significa dizer que não apenas busca os fundamentos argumentativos para um
conjunto de crenças práticas, mas as vê como emanadas de uma realidade
sobrenatural; está sempre relacionado (em permanente diálogo) a outras formas de
saber, como filosofia, sociologia, antropologia, ciências da linguagem, ciências da
comunicação etc.
O cientista da religião está em uma situação acadêmica e profissional que
oferece algumas vantagens para ministrar aulas de ensino religioso. Se o seu curso de
graduação atendeu aos objetivos
198

básicos, ele teve uma formação acadêmica que lhe proporcionou assimilar algumas

experiências importantes portanto, você: recebeu um treinamento para identificar,

catalogar e analisar as mais diversas fontes documentais e empíricas; aprendeu a ler e

a interpretar textos, autores e autoras de cunho acadêmico de Ciências da Religião;

desenvolveu alguma habilidade para escrever pequenos, médios e grandes relatórios

de pesquisa, como é o caso de resenhas, fichamentos, monografias e um trabalho de

conclusão de curso; desenvolveu alguma competência comunicacional e didática, o

que envolve saber preparar uma aula, utilizar recursos didáticos para realizá-la, assim

como saber como falar em público e gerir os relacionamentos com seus alunos e alunas.

Nossa primeira sugestão é a do que se tome a expressão ensino religioso, até que

a nomenclatura equivocada seja substituída por outra menos ambígua, como apenas

uma designação meramente formal. Mesmo que a disciplina se chame ensino religioso,

o conteúdo a ser ministrado deverá ser o ensino sobre ou acerca do fenômeno religioso.

Entendemos ensino como uma atividade de interação entre professores ou entre

professoras e alunos em que ambos os lados possuem atribuições distintas, mas

igualmente importantes e que implicam esforço e atividade intensa de todos. Diríamos

que o foco objetal desse ensino (e não sua natureza ou qualificativo) seria o fenômeno

religioso (religiões e religiosidades).

Por exemplo, um cientista da religião poderia pesquisar um tema qualquer:

História das mulheres na Idade Antiga; História da homossexualidade na Grécia Antiga;

História das relações de gênero no Brasil Contemporâneo. Do mesmo modo, ele poderia ter

como foco de investigação um objeto voltado para a religião: Cristianismo na Idade

Média; Religiões afro-brasileiras no século XX; Neopentecostalismo no Brasil Contemporâneo.


199

Nas duas situações imaginárias mencionadas, o pesquisador precisa se

debruçar sobre uma literatura acadêmica especializada, dedicar-se à análise de um

conjunto de documentos de naturezas variadas e escrever para comunicar a seus pares

os resultados de sua pesquisa. Não vemos diferença de procedimentos técnicos entre

os que trabalham com temáticas não religiosas e aqueles que lidam com temas em

torno do fenômeno religioso. Por isso, diríamos que é necessário que o educador ou a

educadora não trate a temática religiosa em sala de aula de forma distinta de qualquer

outra, mesmo que o nome da disciplina seja infeliz, como demonstrado anteriormente.

Um professor ou uma professora de ensino religioso poderia, numa primeira hipótese,

abordar sua temática da mesma maneira que os historiadores, os sociólogos ou os

antropólogos abordam suas pesquisas: elegendo fontes primárias (documentos

escritos, fontes visuais, tratados teológicos etc.), separando uma bibliografia

especializada sobre o período e a localização espacial escolhida o produzindo seus

próprios textos sobre o assunto ou auxiliando seus alunos e alunas na mesma tarefa.

Uma segunda sugestão estaria voltada ao campo da ética. Consideramos

imprescindível que as pessoas que dão aula de ensino religioso acatem o artigo 33 da

LDBEN 9.394/96 (Brasil, 1996) como horizonte ético de sua tarefa. Claro que o respeito

à diversidade cultural e religiosa deve ser acolhido pelo mestre de qualquer disciplina.

Um professor de Matemática que tenha uma diversidade teórica sobre as maneiras de

se abordar um determinado tema, mas que ensine apenas uma forma e negue a

existência ou legitimidade das demais, talvez não esteja realizando com êxito sua

tarefa, ou seja, o valor do respeito à diversidade, seja ela cultural, seja religiosa, seja

referindo-se a preferências políticas e/ou à orientação sexual, pode muito bem ser um

princípio para o ensino de qualquer temática ou área. Um educador que defenda


200

cegamente uma corrente teórica ou uma determinada perspectiva política, a ponto de

impor uma ou outra a seus pupilos, estaria fazendo algo similar ao ministrante de

aulas de ensino religioso que usa a oportunidade para fazer defesa de uma religião: a

sua. Infelizmente, o fundamentalismo não é um fenômeno que assola somente as

religiões. Na prática cotidiana, respeitar a diversidade cultural e religiosa implicaria

criar um ambiente de sala de aula que permita que todas as pessoas que nela estejam

se sintam à vontade para ouvir os out rose falar com eles com disponibilidade e

empatia. Também implica que o professor aborde com a mesma honestidade e

entusiasmo diferentes fenômenos religiosos.

Uma terceira sugestão, talvez até mesmo uma alternativa às duas propostas

anteriormente indicadas, seria tirar o foco do fenômeno religioso na condição de objeto

de investigação, exposição e debate e dirigir a atenção a dilemas éticos sob a ótica de

diferentes confissões religiosas ou laicas. Por exemplo, tratar da questão do aborto com

base em óticas distintas, como seria o caso das diferentes confissões religiosas e da

visão oficial ou legal do assunto, ou mesmo abordar o que aqueles que não creem

pensam sobre o assunto. Essa forma de trabalhar poderia explorar tantos outros lemas

polêmicos e que costumam atrair o interesse e a atenção de adolescentes e jovens, como

pena de morte, eutanásia, sexualidade e orientação sexual etc.

Com base em tudo o que foi exposto neste livro, acreditamos que a

complexidade de toda análise do fenômeno religioso se deve ao fato de nos

defrontarmos com um objeto que é apropriado de formas distintas por sujeitos de

campos diferentes, mas que estão em permanente conexão.

Podemos descrever essa simultânea distinção e conexão da seguinte forma:

(l)Campo do dogma envolve o sujeito religioso, sua busca por um sentido último para

sua vida e a busca de uma


201

verdade irrefutável; (2) Campo da teologia – engloba também o sujeito religioso, mas
agora com suas reflexões e debates, que têm como objetivo apresentar a experiência
religiosa como legítima ou razoável; (3) Campo das ciências da religião circunscreve
um sujeito que olha para a religião com distanciamento (quando é religioso) ou
externamente (quando não é religioso), visando analisar a busca das pessoas religiosas
por sentido para suas vidas, assim como os fundamentos que apresentam essa procura.
Esperamos que você possa perceber que apenas é possível distinguir os três
campos de maneira estritamente formal, pois, no mundo empírico, as coisas estão
sempre desarrumadas e misturadas entre si, resultando em infinitas confusões na
abordagem da religião em ambiente escolar. Como as pessoas estão majoritariamente
envolvidas, de alguma forma, com alguma experiência religiosa, apresentam sempre
muita dificuldade para criar o distanciamento necessário e tornar o estudo da religião
respeitoso e razoável para com as opções religiosas e teóricas dos outros.
Esperamos, ainda, que os argumentos apresentados neste texto possam
contribuir para a formalização de cada um dos três campos e, assim, amenizar os mal-
entendidos!
202

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Tradução de José Carlos Barcellos. 5. ed. São Paulo: Paulus, 2004. v. 2. (Coleção
Sociologia o Religião). Este é um clássico da sociologia da religião, pois coloca em foco
o relacionamento entre a religião e a sociedade. Livro imprescindível, em linguagem
acessível, divertido e instigante.

BERGER, P. L Os múltiplos altares da modernidade: rumo a um paradigma da


religião numa época pluralista. Tradução de Noéli Correia de Melo Sobrinho.
Petrópolis: Vozes, 2017.
Livro interessante e importante que serviu de base para o primeiro tópico do sexto
capítulo. O que se entendia de secularização anteriormente veio a cair por terra e urgia
a reformulação do conceito. 0 autor, através do olhar sobre diversos fenômenos
atuais, começa a fundamentar a ideia. Sempre vale a pena ler Peter L. Berger criativo,
analítico e divertido.

BERGER, P. L. Perspectivas sociológicas: uma visão humanística.


Tradução de Donaldson M. Garschagen. Petrópolis: Vozes, 1986. Outro livro
interessante do autor e que é uma divertida introdução ao estudo da sociologia, no
qual ela é enfocada em sua tradição humanística. A obra revela que a sociologia ajuda
a conhecer melhor a humanidade.
223

BOURDIEU, P. Economia das trocas simbólicas. Tradução de Sérgio Miceli et al. São
Paulo: Perspectiva, 1992. (Série Estudos).
Texto muito importante de Pierre Bourdieu para quem estuda religião, mas que,
infelizmente, é de difícil compreensão para os iniciantes. Segundo Bourdieu, a
sociedade é um local no qual há o choque de diversas relações de força, originadas das
significações e das simbolizações.

GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008.


Este livro é muito importante para a história da antropologia e foi amplamente
utilizado nesta obra. A linguagem é acessível, o conteúdo é muito interessante e, além
disso, A interpretação das culturas rendeu a Clifford Geertz, em 1974, o prémio Sorokin
da American Sociological Association.

LEVI-STRAUSS, C. Antropologia estrutural. Tradução de Beatriz. Perrone-Moisés.


São Paulo: Ubu, 2017. (Coleção Argonautas).
Talvez a coletânea mais importante de Claude Lévi-Strauss, na qual estão O feiticeiro e
sua magia e A eficácia simbólica, também estudados no segundo capítulo. A obra, que
foi publicada em 1958, traz ligações entre a antropologia e a linguística, a psicanálise
e a arte por meio da análise, em sua maior parte, das formas simbólicas que o homem
produziu ao longo da história.

MAUSS, M. Sociologia e antropologia. São Paulo: Ubu, 2017.


Coletânea de textos de Marcel Mauss, em que estão o Ensaio sobre a dádiva e Esboço
de uma teoria geral da magia, analisados no segundo capítulo. A obra póstuma,
publicada em 1950, tornou-se leitura obrigatória não só para antropólogos e
historiadores, mas também para psicólogos, filósofos e linguistas.
224

OLIVEIRA, M. A. de. Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia


contemporânea. São Paulo: Loyola, 1996. (Coleção Filosofia).
Um livro fundamental para quem quer entender o debate sobre a virada linguística. O
autor e filósofo brasileiro é docente na Universidade Federal de Fortaleza e uma
autoridade no campo da filosofia.

STARK, R. O crescimento do cristianismo: um sociólogo reconsidera a história.


Tradução de Jonas Pereira dos Santos. São Paulo: Paulus, 2006.
Um dos textos que serviram de base para este livro e o mais acessível e interessante
do autor em nosso idioma. Trata-se de uma explicação sociológica do fenômeno
cristão, uma doutrina praticada por poucos que tomou o lugar do paganismo clássico
e se tornou a religião principal do ocidente.

WEBER, M. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva.


Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. Brasília: Ed. da UnB, 1991. v. 1.
Importante livro de Max Weber, em dois longos volumes. Do primeiro, tiramos nossa
reflexão sobre o sociólogo alemão, que foi um pensador de extrema importância para
a formação do que se conhece atualmente em relação às ciências sociais no Brasil.
225

RESPOSTAS

Capítulo 1 Capítulo 3
Atividades de Autoavaliação Atividades de Autoavaliação
1. e 1. e
2. e 2. a
3. c 3 .c
4. d 4. b
5. a 5. d

Capítulo 2 Capítulo 4
Atividades de Autoavaliação Atividades de Autoavaliação
1. d 1. a
2. a 2. e
3. c 3 .c
4. e 4. b
5. b 5. e
226

Capítulo 5 Capítulo 6
Atividades de Autoavaliação Atividades de Autoavaliação
1. e 1. d
2. a 2. d
3. c 3. a
4. d 4. a
5. b 5. c
227

SOBRE O AUTOR

Alfredo dos Santos Oliva fez doutorado na Universidade Estadual Paulista (Unesp),
na área de História, com uma tese que abordou o discurso sobre o diabo na Igreja
Universal do Reino de Deus, em perspectiva foucaultiana.
Frequentou dois mestrados: o primeiro em Teologia, no Seminário Teológico
Batista do Norte do Brasil (STBNB), com dissertação sobre o papel da Torah no período
medo-persa; o segundo em Sociologia, na Universidade Federal do Ceará (UFC), com
pesquisa realizada sobre a Igreja Universal do Reino de Deus e seus demônios,
abordagem antropológica e dois anos de frequência aos cultos e pesquisa de campo na
Catedral da Fé da Cidade de Fortaleza.
Fez duas graduações. A primeira em Teologia, no extinto Seminário Teológico
de Londrina, com trabalho final no qual elaborou uma exegese do livro do Gênesis,
capítulo 3, quando dissertou sobre o conceito de pecado e de pecado estrutural.
Posteriormente, fez História na Universidade Estadual de Londrina (UEL), onde
passou também a trabalhar e permanece há treze anos. Como na época quem escolhia
cursar licenciatura não fazia trabalho de conclusão de curso, foi iniciado na pesquisa
historiográfica apenas por meio de pequenos trabalhos semestrais.
Ingressou na docência logo que terminou a graduação em Teologia e enquanto
terminava a de História. Por isso, começou sua trajetória como professor de Ensino
Religioso em turmas do ensino fundamental e médio em uma escola particular da
cidade de Londrina. Assim que terminou a segunda graduação, passou
228

a dar aulas de História para o ensino fundamental e também na graduação em


Teologia, no mesmo seminário onde estudou.
Após dois anos de docência, começou a lecionar exclusivamente na graduação,
em Teologia, de modo que hoje tem dois anos de experiência como professor de Ensino
Religioso para crianças e adolescentes, quinze em aulas de Teologia para graduandos
e mestrandos e doze na área de História, o que inclui graduação, especialização e
mestrado.
Sua formação acadêmica e experiência profissional ocorreram no campo de
interseção entre a Teologia e a Historiografia. Na primeira área, era um especialista em
Bíblia (biblista), mais especificamente em Antigo Testamento. Quando ingressou no
Departamento de História da UEL, sua subárea passou a ser Teoria da História.
Com o passar do tempo, percebeu que havia muito em comum entre o que
alguns especialistas em História Antiga faziam e a atividade como perito nas
Escrituras Sagradas. O motivo final para que retornasse à área de pesquisas sobre a
Bíblia foi dado por meio da leitura dos últimos cursos de Michel Foucault, exatamente
os que tratavam da ética do cuidado de si e da parrhesia, termo que se refere à prática
da coragem no âmbito da filosofia greco-romana, que, na análise de Foucault, esbarra
no cristianismo primitivo.
Começou a pesquisar o tema da parrhesia em Foucault quando descobriu que a
expressão aparecia no Novo Testamento dezenas de vezes. Principiou a explorar os
textos canônicos gregos e, desde então, não parou mais.
229

Já fazia algo em torno de três ou quatro anos que pesquisava o tema da parrhesia
no Novo Testamento quando uma colega da UEL o convidou para ir a São Bernardo
do Campo, na Universidade Metodista de São Paulo, para participar de um seminário
de pesquisa de um grupo chamado Oracula, que havia começado a analisar os Atos
Apócrifos dos Apóstolos. Desde então, não parou de frequentar os encontros da
confraria. Foi dessa relação que, sob a supervisão do coordenador do referido grupo,
ocorreu fazer um pós-doutorado, o qual foi concluído no início de 2017.

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