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1.
ANTROPOLOGIA DA
RELIGIÃO: FUNDAMENTOS E
CONCEITOS
Este capítulo aborda os fundamentos e os dados mais importantes do campo da
antropologia da religião. Para dar conta dessa pretensão, elaboramos o assunto em
dois tópicos, um que define o que podemos propriamente chamar de antropologia da
religião e outro que tenta identificar o modo como podemos construir conhecimento
sobre o tema.
Assim, após o estudo do capítulo, você será capaz de definir o que é
antropologia da religião e, também, poderá descrever o modo como esse campo do
saber constrói seus conhecimentos.
Já indicamos, na apresentação deste livro, que há uma diferença entre a maneira
como construímos conhecimento espontâneo sobre a religião e a forma como a
antropologia define esse conceito.
Como brasileiros, somos instruídos desde o nascimento a respeito de diversas
práticas e conceitos sobre certa multiplicidade de expressões religiosas, e agora
podemos aproveitar essa experiência e dar um passo adiante. O que podemos
compreender como passo adiante não pretende designar uma forma de conhecimento
superior ou melhor, mas apenas algo diferente do que estamos acostumados.
Desejamos que você aprenda a problematizar sua crença religiosa, se você tiver uma;
ou que coloque em debate sua atitude de rejeição da religião, caso seja um ateu ou
agnóstico; mas, acima de tudo, queremos lhe oferecer outro modo de ver a religião.
21 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos
Você vai perceber que não desejamos que altere sua posição em relação à
religião, apenas queremos indicar outra maneira de ver as coisas. E essa forma se insere
em uma tradição que já tem um pouco mais de um século e que se chama antropologia
da religião.
Agora, pare e pense: O que é antropologia da religião? Como ela estuda as
religiões? Como ela se distingue do modo como você, espontaneamente, avalia a sua
religião (ou a ausência dela) e a do outro? Quais vantagens e desvantagens pode haver
no modo como a antropologia olha para a religião?
1
Muitas veies, os franceses, especialmente, chamam o que normalmente designamos de antropologia (estudo
do ser humano) de etnologia (estudo da cultura) Mais adiante, passaremos a usar a palavra etnografia (escrita
sobre d cultura) para designar o trabalho de campo do antropólogo ou do etnólogo de deixar escrito, em um
diário de campo, o que ele observa em um dado espaço cultural
22 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos
Trindade, 1997), este último em parceria com a antropóloga brasileira Liana Trindade.
Aprender antropologia é um livro destinado às pessoas interessadas em dar os
primeiros passos no conhecimento do campo da antropologia. Apresenta oito
capítulos, distribuídos em três partes (Laplantine, 2000): (1) “Marcos para uma história
do pensamento antropológico”; (2) “As principais tendências do pensamento
antropológico contemporâneo”; e (3) “A especificidade da prática antropológica”.
Destacamos para nosso estudo a introdução do livro, que apresenta uma breve
discussão sobre o objeto da antropologia e possui três subdivisões: (1) o estudo do
homem inteiro; (2) o estudo do homem em sua diversidade; e (3) dificuldades.
A antropologia, como área do saber, surgiu no decorrer do século XIX. Antes
disso, havia, naturalmente, produção de conhecimento sobre o ser humano, mas se
tratava de um saber espontâneo, não formalizado dentro dos parâmetros de uma
disciplina acadêmica. Ela foi erguida com base no outro do europeu civilizado de
então, o assim denominado selvagem de terras distantes. Ao longo do século XX, a
jovem ciência antropológica começou a passar por uma crise de identidade. O seu
objeto de estudo, o tal selvagem, eslava desaparecendo e a disciplina leve de
reformular seu foco com base em outros parâmetros.
Na visão de Laplantine, a antropologia resolve a questão ao deixar de se
identificar como a ciência que estuda os selvagens para se tornar a área de conhecimento
académico caracterizada por um tipo de olhar especifico. Esse enfoque, segundo o
autor, seria delimitado pelos seguintes aspectos: “a) o estudo do homem inteiro; b) o
estudo do homem em todas as sociedades, sob todas as latitudes, em todos os seus
estados e em todas as épocas” (Laplantine, 2000, p. 16).
23 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos
Talvez essas questões sejam muito avançadas agora, mas você poderá retornar
a elas depois de se engajar mais na leitura deste livro. Além disso, as perguntas nem
sempre precisam de respostas. O mais importante é sempre perguntar. E fazer boas
indagações (bem elaboradas) é um excelente indício de desenvolvimento de um
pensamento crítico, assim como do que podemos chamar de atitude antropológica. Por
exemplo, se um indivíduo nascer no Brasil, um país católico, sendo criado em uma
família católica praticante, a cultura católica certamente lhe parecerá algo natural.
Contudo, quando ele passar a questionar sua pertença religiosa, assim como a de sua
família e a de seu país, estará aberto para perceber que há tantas outras formas de ser
religioso no Brasil. Parece que tudo começa com perguntas: E se o indivíduo tivesse
nascido no Japão, e não no Brasil ? li se sua cultura fosse budista ou xintoísta em vez
de católica, como ele pensaria a relação com a divindade?
Se o sujeito nascesse em outro país, em uma cultura distinta da nossa, o que hoje
parece ser natural não seria, pois o que ele toma como natureza, na verdade, é cultura,
li a antropologia, ou etnologia. estuda a cultura, esse conjunto de fenômenos nos quais
somos iniciados desde crianças e que não são naturais, mas aprendidos.
25 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos
Mais adiante, abordaremos com mais detalhes essa perspectiva de análise das
culturas. Agora, é suficiente que você compreenda que Geertz (2008) entende uma
cultura como um sistema de símbolos que são significativos para as pessoas que
compartilham um espaço geográfico comum. Como a religião é vista pela antropologia
como uma das muitas expressões culturais, ela é encarada, pela perspectiva do autor
norte-americano, como um sistema de símbolos partilhados pelas pessoas de uma
mesma cultura religiosa.
Vamos explicar melhor o que estamos dizendo com base em uma citação do
próprio Geertz (2008, p. 67) sobre o assunto:
Portanto, sem mais cerimônias, uma religião é: (1) um sistema de símbolos que
atua para (2) estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e
motivações nos homens através da (3) formulação de conceitos de uma ordem
de existência geral e (4) vestindo essas concepções com tal aura de fatualidade
que (5) as disposições e motivações parecem singularmente realistas.
Quando fui fazer trabalho de campo em uma igreja neopentecostal pela primeira vez,
eu não sabia, por exemplo, o que o rito de exorcismo significava para a liderança da
denominação, nem para o seu grupo de fiéis. Como eles (líderes e liderados) estavam
juntos há muito tempo, sabiam o que significava cada palavra, cada ato, mas eu era
uma pessoa de fora da comunidade (um outsider) e não compreendia muita coisa do
que faziam e diziam.
27 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos
Uma coisa e dizer que não é bom depender de um agente químico que age sobre
o corpo, outra muito diferente é afirmar que o corpo é o templo do Espírito Santo e que,
por isso, é preciso cuidar desse templo-corpo que Deus deu aos homens. Diríamos que,
nesse caso, a religião atuou de forma a beneficiar seu fiel, uma vez que ela o induz a
deixar a dependência química. Todavia, essa aura sagrada pode ser manipulada, de
forma consciente ou inconsciente, para que as pessoas apenas façam coisas que tragam
benefício para instituições ou para agentes religiosos específicos.
Recentemente, vimos a notícia de que um religioso usava seu prestigio para
persuadir dezenas de mulheres a se submeterem a seus desejos sexuais. Muitos talvez
perguntem: Como esse homem poderia ter abusado de dezenas, quem sabe centenas,
de mulheres por tanto tempo, sem que fosse denunciado? A resposta pode ser dada
com base na concepção de Geertz (2008) de que a religião pode revestir fatos
corriqueiros de uma aura sagrada que fica difícil para uma leiga questionar a ação, tida
como sobrenatural, de um prestigioso agente religioso.
Esperamos que haja a compreensão de que a religião constitui um fenômeno
cultural, entremeado com muitos símbolos, sempre muito significativos e capazes de
induziras ações das pessoas em função do caráter sobrenatural de que os fatos são
revestidos em uma dada comunidade religiosa. O estudo da antropologia, quando está
voltado para a religião, de forma especifica, preocupa-se em decifrar esses símbolos,
assim como a ingerência que têm sobre o comportamento das pessoas. O mais
interessante aqui é que, para interpretar os símbolos religiosos, precisamos de uma
inserção perseverante na comunidade religiosa que queremos compreender e isso
demanda esforço e persistência. Geertz (2008), que nos ensinou como a religião atua
na vida das pessoas, também nos diz que precisamos fazer uma descrição densa sobre
essa religião.
29 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos
A construção de conhecimento
1.2
antropológico
Clifford Geertz (2008) diz que a ciência não deve ser compreendida com base em suas
teorias ou descobertas, mas em conformidade com o que seus praticantes fazem. A
antropologia também deve ser percebida com base nesse mesmo critério, pois seus
praticantes fazem a etnografia. Ismael Pordeus Júnior2 (2000), pesquisador brasileiro,
afirma que o antropólogo, se fizer parte de uma tradição de pesquisa, faz do trabalho
de campo o primeiro percurso obrigatório para a generalização e para a explicação
sistemática.
Para Geertz (2008), a atividade etnográfica envolve o esforço do antropólogo
para realizar uma descrição densa e não deve ser definida como um empenho
metódico que venha a garantir a objetividade sobre a realidade social: “Mas não são
essas coisas, as técnicas e os processos determinados, que definem o empreendimento.
O que define é o tipo de esforço intelectual que ele representa: um risco elaborado para
uma 'descrição densa', tomando emprestada uma noção de Gilbert Ryle” (Geertz, 2008,
p. 4). Mais adiante, o autor parece esclarecer com precisão em que consiste a descrição
densa: ‘1-azer etnografia é como tentar ler (no sentido de ‘construir uma leitura de')
um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas
e comentários tendenciosos, escrito não com os sinais convencionais do som, mas com
exemplos transitórios de comportamento modelado” (Geertz, 2008, p. 7).
A etnografia também pode ser representada como um processo de inscrição. As
culturas são marcadas por uma diversidade de discursos orais que se cruzam no
cotidiano, e o trabalho do antropólogo é o de colocar esses discursos no papel,
consolidando o trabalho que pode ser identificado como de inscrição. Mediante
2
Foi orientador de mestrado do autor deste livro na Universidade Federal do Ceará (UFC).
30 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos
essa atitude, o discurso oral torna-se estável no tempo e, assim, coloca-se disponível
para ser interpretado e reinterpretado infinitamente: “O etnógrafo ‘inscreve’ o
discurso social: ele o anota. Ao fazê-lo, ele o transforma de acontecimento passado,
que existe apenas em seu próprio momento de ocorrência, em um relato, que existe em
sua inscrição e que pode ser consultado novamente” (Geertz, 2008, p. 14, grifo do
original).
O trabalho do antropólogo é o de analisar as culturas, que podem ser definidas
como sistemas de signos interpretáveis. Assim, toda cultura passa a ser vista como
uma espécie de contexto, um fenômeno por intermédio do qual fatos sociais, condutas
e instituições podem ser examinados de forma compreensível ou, para usar a
expressão preferida de Geertz (2008), descritos de forma densa. Essa densidade ou
inteligibilidade que deve atingir o trabalho do estudioso da cultura é analisada pelo
autor com base no exemplo das piscadelas. Uma boa descrição densa é a que permite
separar uma piscadela, que é um simples reflexo nervoso, de outra, que tem
densidade/inteligibilidade cultural.
Vamos explicar essa ideia com base em um exemplo dado por um historiador,
Robert Darnton (1988), que reconhece a influência que Geertz exerceu sobre ele na
confecção dos artigos que iriam compor o livro O grande massacre dos gatos e outros
episódios da história cultural francesa. Mesmo não confessa, a influência pode ser
percebida na forma como o historiador da cultura procede para analisar o grande
massacre dos gatos, promovido por trabalhadores do século XVIII.
O objeto de análise do historiador e um texto que narra uma brincadeira
empreendida por trabalhadores franceses. De início, o teor do texto, que registra os
acontecimentos, é narrado por Darnton para, depois, começar a interpretação dos
fatos. É interessante o método que o autor usa. Ele principia com uma série de
explicações óbvias para, depois, refutá-las como superficiais por
31 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos
não serem suficientemente densas, no sentido usado por Geertz. O arremate vem com
uma descrição detalhada do documento, na qual o historiador faz uma interpretação
que procura buscar o sentido dos símbolos culturais expressos no rito de abate dos
gatos que pertenciam a seu patrão.
O conceito de descrição densa também pode ser usado com bastante proveito
na análise de um fenômeno muito conhecido por todos nós, o exorcismo, na forma
como aparece em uma igreja neopentecostal brasileira. Vamos explorar o exemplo,
mostrando primeiro o que seriam descrições não densas dos fenômenos para, em
seguida, descrevê-lo densamente.
Na primeira vez que ouvi falar sobre exorcismo, eu era um estudante de graduação
em História e ainda não havia cogitado a possibilidade de estudar em uma igreja
neopentecostal. Uma senhora, esposa de um amigo, havia visitado a referida igreja
para verificar ao vivo os comentários depreciativos que os jornais e a televisão
veiculavam sobre a denominação. Escandalizada, ela relatou que a liderança da igreja
gostava tanto de expulsar demônios que não esperava que estes aparecessem
espontaneamente. Nas palavras da minha informante, “eles invocavam os demônios
para, depois, expulsá-los”. O comentário parecia-me um contrassenso, pois, se alguém
odeia os demônios, por que haveria de invocá-los? Na época, eu não tinha nenhum
fundamento para refutar tal análise.
A versão acima relatada não era a única a circular entre as pessoas próximas
daquele contexto. Os meios de comunicação, preferencialmente, veiculavam uma
segunda versão do significado do exorcismo. Via de regra, o rito era descrito como
uma fraude, embora seja sempre muito difícil, ou até impossível, verificar se ela ocorre
ou não. Pastores, bispos e alguns supostos fiéis, em mútua combinação, estariam
simulando a possessão para atrair
32 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos
O filósofo alemão diz que, no diálogo com o outro, que pode ser uma pessoa,
um grupo ou um texto, não é imprescindível que o indivíduo se abstenha de seus
próprios pontos de vista, mas somente que esteja aberto ao ponto de vista alheio
(Ricoeur, 1999). Assim, à medida que ele se disponibiliza para a opinião do seu
interlocutor com consciência dos próprios preconceitos, está dando um passo
importante para apreender o que seu interpelador está dizendo.
Desse modo, devemos dizer que a interpretação é um processo que está
presente em todas as etapas da análise realizada por um pesquisador. Todas as vezes
que ele se desloca para o seu campo de observação e de estudo não o faz desvestido
de preconceitos, mas certo de que os possui e que pode haver a conscientização de
alguns e de outros, não. Apesar disso, ele sempre vai a campo com muita abertura para
o outro e para a sua lógica de mundo e a sua lógica da forma de pensar, que muitas
vezes difere profundamente da
39 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos
SÍNTESE
Neste capítulo, estudamos dois tópicos fundamentais do campo da antropologia da
religião: (1) exposição sobre o que é antropologia da religião; (2) descrição sobre como
podemos construir conhecimento sobre a antropologia da religião.
Vimos que a religião é um fenômeno cultural corno tantos outros e estudamos
a definição do antropólogo norte-americano Clifford Geertz, para quem a religião é
um complexo de símbolos significativos que são capazes de criar motivações intensas
e duradouras sobre a vida de pessoas e de grupos.
Por fim, percebemos que podemos definir a construção de conhecimento
antropológico sobre a religião com base em duas categorias provenientes do
pensamento de Geertz (2008): descrição
40 Antropologia da religião: fundamentos e conceitos
densa e interpretação. Se a religião é uma teia de símbolos que têm uma densidade de
significados, somente podemos decifrar esses símbolos por meio de uma descrição
densa (meticulosa e persistente), falo que nos credenciará a uma interpretação
adequada do que observamos.
INDICAÇÕES CULTURAIS
PEIRANO, M. A favor da etnografia. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995.
Livro de uma das mais autênticas e interessantes antropólogas de nosso país, versando
sobre um tema que foi abordado neste capítulo.
THOMAS, K. Religião e o declínio da magia. São Paulo. Companhia da» Letras, 1991.
Obra do historiador inglês sobre o declínio das práticas mágicas na Inglaterra, na
mesma proporção em que foram difundidas formas de religião conectadas à Reforma
Protestante no país.
ATIVIDADES DE AUTOAVALIAÇÃO
1. Uma forma correta de nos aproximarmos de uma outra pessoa por intermédio
da religião é:
A] impor a nossa religião a essa pessoa, uma vez que isso é um imperativo
divino.
B] criticar a religião do outro com base na nossa.
C] avaliar a religião e a cultura do outro com base na nossa.
D] fazer uma descrição densa, ou seja, complexa e problematizadora da
pertença religiosa do outro.
E] manter uma atitude de respeito e esforçar-se para compreender o que o
outro está dizendo.
ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM
sua célebre investigação sobre a eficácia simbólica. Assim, no todo, teremos duas
visões sobre a magia e abordagens originais sobre a dádiva e a eficácia simbólica.
Para começar o nosso debate e a nossa análise, lançamos algumas perguntas
pertinentes ao assunto: Quem foram Marcel Mauss e Claude Lévi-Strauss? Que
contribuições deram para o estudo da religião? Qual a importância do debate de
Mauss sobre a dádiva? Como a discussão sobre o tema poderia ter impacto sobre nosso
modo de vida contemporâneo? Como distinguir religião e magia? O que caracteriza a
prática mágica? Como a magia pode ser percebida em nossas culturas
contemporâneas? O que é eficácia simbólica? Como ela funciona em ambientes
religiosos? Percebemos a ação da eficácia simbólica em ambientes religiosos brasileiros
na atualidade?
Antropologia da religião
2.1
parte do corpo docente do prestigiado Collège de France, mas suas atividades foram
interrompidas pela Segunda Guerra Mundial.
Por fim, devemos destacar que ele foi o sucessor de Durkheim como editor da
revista L'Année Sociologique, periódico fundamental para a construção e a difusão de
conceitos da sociologia e da antropologia na França.
O debate teórico original de Mauss pode ser exemplificado pela designação de
fato social total, que pode ser compreendido como uma atividade que tem implicações
em toda a sociedade, atingindo as esferas econômica, jurídica, política e religiosa.
Podemos dizer que um fato social total seria aquele capaz de exercer influência sobre
diversas instituições e práticas que podem parecer, à primeira vista, bastante distintas.
A designação de fato social total aparece, algumas vezes, no conhecido texto
Ensaio sobre a dádiva (Mauss, 2017). Nele, o autor aborda o tema da dádiva, que, na
verdade, implica a obrigação de ofertar, aceitar e retribuir presentes de outras pessoas
ou de grupos sociais. O antropólogo pioneiro aborda uma enormidade de exemplos
tirados de pesquisas de outros estudiosos, assim como de documentos históricos dos
tempos e épocas muito diversificados.
Logo no início do escrito, Mauss afirma que, ao se debruçar sobre o tema da
dádiva, ele estaria diante de um conjunto de fatores que perpassam a totalidade da
vida social.
Existe aí um enorme conjunto de fatos. E fatos que são muito complexos. Neles,
tudo se mistura, tudo o que constitui a vida propriamente social das sociedades
que precederam as nossas – até às da proto-história. Nesses fenômenos sociais
“totais”, como nos propomos chamá-los, exprimem-se, de uma só vez, as mais
49 Perspectivas clássicas em antropologia da religião
Entendemos que o autor está querendo dizer que a dimensão econômica não
deve ser percebida como simples fato da cultura material, mas como algo revestido de
sentido simbólico. Trocar objetos com pessoas ou grupos não é uma atividade
realizada apenas para suprir necessidades materiais. O ser humano é um animal
simbólico, o que implica que suas ações estão sempre revestidas de um significado que
transcende o que está sendo feito.
Por exemplo, o fiel de uma igreja neopentecostal da atualidade, quando oferta
dinheiro à instituição, não o faz apenas para satisfazer as suas necessidades materiais,
ou mesmo as da denominação religiosa. Trata-se de uma relação de troca simbólica,
fato que tem implicações sobre sua vida religiosa (dádiva para com Deus, a fim de
também receber algo dele), sobre a vida econômica (a crença de que dar a Deus implica
receber muito mais em troca pode ser eficaz para que essa pessoa ascenda socialmente)
e sobre a vida social (a troca sempre acontece em um ambiente comunitário, pois as
pessoas negociam com Deus coletivamente).
Ainda no texto Ensaio sobre a dádiva, Mauss (2017, p. 324) volta ao importante
conceito e apresenta suas conclusões:
de suas instituições (potlatch, clãs que se enfrentam, tribos que se visitam etc.)
e, noutros casos, somente um número muito grande de instituições, em
particular quando essas trocas e contratos dizem respeito sobretudo aos
indivíduos.
civilidade e civismo como quem busca aspectos na vida social que possam preencher
as relações das pessoas em substituição à religião.
Parece que Mauss tem as sociedades europeias de seu tempo como contraste
das que analisa em outras temporalidades e em espaços diversos. Quando ele diz que
as trocas não são meras transações mercantis, entendemos que ele pensava que assim
tinha passado a ser na Europa no século XX. Todavia, como antropólogo, ele estava
interessado em culturas que trocavam vários objetos, inclusive com uma perspectiva
bastante diversa daquela que parecia ser mais comum a um europeu. Enfim, o
envolvimento de grupos sociais na transação, assim como a dimensão simbólica (o
sentido, o significado) da troca parecem ser os aspectos que interessavam ao estudioso
francês.
A troca envolvia um ciclo de obrigações entre diferentes culturas não europeias
analisadas pelo autor. Havia não somente a obrigação de oferecer algo aos demais
grupos, mas também o dever destes de receber e retribuir o que recebiam, formando o
que Mauss (2017, p. 208) chamava de “prestação total”. E ele acrescenta que os
presentes não eram dados apenas para as pessoas, mas para a natureza e para as
divindades também. Destacamos o último aspecto porque envolve não somente os
símbolos, de forma geral, mas a dimensão religiosa presente em cada um deles.
Não é difícil compreender o que Mauss está dizendo, se nos voltarmos para o exemplo
da teologia da prosperidade das igrejas neopentecostais da atualidade. O ambiente
religioso é bastante propicio para que pessoas da mesma comunidade troquem
serviços, conforme presenciei enquanto fazia trabalho de campo. Várias vezes, recebi
cartões de irmãos que eram pequenos empresários e que me ofereciam seus serviços.
Provavelmente, um dos fatores que fazem com que »ima pessoa prospere quando
passa a fazer parte de uma dessas comunidades é o fato de que, especialmente quando
as igrejas são grandes, a preferência por produtos oriundos
54 Perspectivas clássicas em antropologia da religião
coletivo em tais tarefas e o sentido que tudo isso tinha para a vida cotidiana das
pessoas, Mauss pensava que isso as tornava mais solidárias e felizes do que nós.
A importância das conclusões de Mauss é tão grande que ecoa até os dias atuais.
Um filósofo alemão contemporâneo, com muita projeção no cenário intelectual
internacional, Peter Sloterdijk, considera-se um herdeiro do antropólogo francês ao
propor um “projeto de generosidade” (Ghiraldelli, 2018, p. 98-99) para os dias de hoje.
E aqui temos um caminho interessante para pensarmos as implicações do que
analisamos até o momento sobro Mauss: E se, em vez de sermos egoístas e
mesquinhos, fôssemos solidários e generosos? E se, em vez de as religiões seguirem
pelas trilhas dos valores excludentes do capitalismo, fossem uma fonte que estimulasse
a partilha e a doação? Claro que muitas expressões religiosas fazem isso na atualidade,
mas parece que as instituições que exploram financeiramente as pessoas vêm
crescendo muito ultimamente. Estamos convencidos do poder que as prescrições de
cunho sobrenatural têm e que pode ser manipulado para fazer as instituições
acumularem ou servirem como intermediárias na redistribuição de bens e serviços,
especialmente aos mais vulneráveis. Além disso, podemos exercitar a generosidade
individualmente.
56 Perspectivas clássicas em antropologia da religião
Tenho alunos que passam por dificuldades até para comprar um lanche no intervalo
entre o fim do dia de trabalho e o início das aulas noturnas. Estar atento às
necessidades dessas pessoas é uma grande oportunidade para colocar em prática essa
generosidade. Além disso, muitos estudantes têm dificuldades para comprar livros,
embora estejam estimulados a ler e a estudar, pois veem nisso uma {talvez, a única)
possibilidade de ascensão econômica. Como amo os livros, fico sempre pensando que
nada pode fazer um bem maior do que doá-los às pessoas que desejam muito lê-los.
Aprendi isso com um colega professor que sempre estava atento aos alunos que
precisavam de algum tipo de ajuda.
Mauss (2017) fala, já no próprio título de sou texto, que pretende estudar o que ele
chama de teoria geral da magia.
A melhor forma de começar o debate é a definição provisória de rito mágico,
proveniente do próprio autor: “Obtemos com isso uma definição provisoriamente do
rito mágico. Chamamos, assim, todo rito que não faz parte de um culto organizado,
rito privado, secreto, misterioso, e que tende no limite do rito proibido” (Mauss, 2017,
p. 61, grifo do original). Embora as práticas mágicas também se manifestem no âmbito
da religião institucionalizada, elas predominam nas margens do campo religioso e nas
bordas da vida social. Tanto na magia quanto na religião há sempre algo de misterioso,
mas também aspectos que não podem ser admitidos nas instituições legitimas, como
o segredo e o fato de lidar com coisas proibidas. Se algo é proibido, significa que um
outro (uma pessoa, uma instituição ou um grupo social) o vetou. E o que é um interdito
somente pode se manifestarem segredo e nas margens. Talvez esteja aí o grande apelo
da magia: as pessoas gostam do que é misterioso, principalmente se for também
poderoso e secreto.
Há outros detalhes que precisamos saber sobre a magia. Para isso, vamos
recorrer a um intérprete do pensamento de Mauss, a fim de chegarmos a uma síntese.
Observemos com mais detalhes em que consistem os atos mágicos:
coletividade, distinta daquilo que propôs Durkheim, onde a magia era vista
como um ato, ou uma ideia, individual. (Pereira, 2007, p. 4)
ou seguidores como alguém que tem habilidades excepcionais; portanto, elas não
podem ter sido conquistadas por ele, mas são derivadas de poderes que emanam do
além. Observamos isso, por exemplo, na formação de sacerdotes. No catolicismo
romano ou nos ramos tradicionais do protestantismo, quando alguém deseja fazer
parte do clero, deve seguir determinadas exigências da instituição à qual se candidata
(estudar filosofia e/ou teologia; demonstrar alguma piedade e alguma habilidade para
ensinar a se comunicar, por exemplo). Se alguém pretende exercer liderança em uma
igreja neopentecostal, deve provar suas habilidades naturais e sobrenaturais. Por isso,
alguns estudiosos têm chamado essa liderança de mágica. Talvez seja um exagero, mas
o fato é que muitas práticas neopentecostais estão muito mais no campo da magia do
que no da religião, sem que essa afirmação precise ter um viés valorativo.
Por fim, precisamos destacar o fato de que Mauss via a magia como uma
ancestral de alguns campos de conhecimento da atualidade, como é o caso da ciência
e da religião. É interessante notar que antropólogos evolucionistas1 de seu tempo viam
a religião como uma evolução da magia, e a ciência como um conhecimento melhor do
que a magia. Assim, esses estudiosos traçavam uma linha evolutiva que seguia esta
ordem: magia, religião e ciência. Mauss discordava desse ponto de vista, quando
afirmava que religião e ciência eram derivadas da magia, sem que esta tivesse sido
extinta. Em outras palavras, a religião e a ciência são apenas desdobramentos da
magia, e não uma evolução desta, consistindo em uma forma eficaz de resolver
problemas do cotidiano, de
1
Essa designação usada para os primeiros antropólogos que acreditavam que as culturas evoluíam
historicamente de forma “primitiva” para outras que eram consideradas melhores ou superiores. Essa forma de
pensamento serviu de justificativa para os europeus exercerem domínio sobre povos não ocidentais, uma vez
que aqueles se viam como culturalmente superiores e faziam um favor aos “primitivos” ao “ajudá-los” a efetuar
um upgrade em suas culturas.
61 Perspectivas clássicas em antropologia da religião
Ocidente. Como podemos defini-la? Seria uma ciência, uma religião ou uma
forma de magia? Podemos dizer que era tudo isso ao mesmo tempo, porque os saberes
estavam organizados de uma forma muito diferente da que observamos nos dias de
hoje. Carl Gustav Jung, um psiquiatra suíço que estudaremos um pouco mais adiante,
pensava, com razão, que a alquimia era uma ancestral da psicologia profunda ou do
inconsciente, construída ao longo do século XX. Ele considerava que os alquimistas,
ao falarem de misturas químicas, estavam, também, referindo-se a aspectos de sua
psique inconsciente.
Vamos continuar falando de magia, mas precisamos passar agora para outro
expoente da antropologia: Claude Lévi-Strauss.
entre ambos. Além disso, a persistência no tema – a magia – vai nos ajudar a
compreendê-la.
Lévi-Strauss teve uma vida longa: nasceu em Bruxelas, em 1908, e morreu em
Paris, em 2009. Cursou Direito em Paris até ingressar na Sorbonne, onde também se
graduou em Filosofia, em 1931. Além disso, completou seu doutorado em 1948, com a
tese cujo título ficou conhecido como As estruturas elementares do parentesco, publicada
na forma de livro.
Ele já havia iniciado sua carreira docente com a disciplina de Filosofia no Liceu
Victor-Duruy de Mont-de-Marsan e no Liceu de Laon. Um fato, porém, transformou a
sua trajetória intelectual: ele foi convidado pelo diretor da Escola Normal Superior de
Paris, uma das mais prestigiadas instituições de ensino da França, para integrar a
missão universitária francesa no Brasil, fundando a Universidade de São Paulo(USP)
no início da década de 1930, que se tornou uma das instituições de ensino superior
mais importantes de nosso país. O antropólogo veio para atuar como professor de
Sociologia, apesar de, no início do século, antropologia e sociologia não serem campos
totalmente distintos, especialmente para os franceses.
Lévi-Strauss esteve em nosso país entre os anos de 1935 e 1939 e marcou
bastante a formação de vários intelectuais locais, aproveitando a oportunidade para
visitar e investigar o modo de vida de alguns grupos indígenas, o que viria a contribuir
para que se consolidasse como etnólogo2. Após uma temporada no Brasil, retornou
para a França, mas, como era de família judaica, precisou se refugiar nos Estados
Unidos durante o período da Segunda Guerra Mundial.
Quando retornou ã França, no pós-guerra, conseguiu uma cadeira da École
Pratique des Hautes Etudes, a de Ciências Religiosas, que tinha sido ocupada
exatamente por Mauss, mas ele a rebatizara, passando a se chamar Religião Comparada
de Povos Não-Letrados.
2
Os franceses também usam essa designação, muitas vezes, para se referir ao que hoje chamamos de
antropólogo.
64 Perspectivas clássicas em antropologia da religião
Desde o fim dos anos de 1950 até sua aposentaria, trabalhou na mais cobiçada
instituição de ensino da França, o Collège de France. A partir desse momento, sua fama
se projetou ainda mais. Foi nesse contexto que publicou a coletânea Antropologia
estrutural, de onde foram extraídos os textos que serão analisados na sequência.
Vamos começar com O feiticeiro e sua magia. Nas páginas iniciais, Lévi-Strauss
{2017d, p. 168) enuncia a sua tese:
Portanto, não há por que duvidar da eficácia de certas práticas mágicas. Porém,
ao mesmo tempo, percebe-se que a eficácia da magia implica a crença da
magia, que se apresenta sob três aspectos complementares: primeiro, a crença
do feiticeiro na eficácia de suas técnicas; depois, a do doente de que ele trata
ou da vítima que ele persegue, no poder do próprio feiticeiro; e, por fim, a
confiança e as exigências da opinião coletiva, que formam continuamente uma
espécie de campo de gravitação no interior do qual se situam as relações entre
o feiticeiro e aqueles que ele enfeitiça.
Esse relato, que infelizmente tivemos de reduzir, tirando dele todas as nuances
psicológicas, é bastante instrutivo em vários aspectos. Primeiro, percebe-se
que o réu, acusado de feitiçaria e correndo por isso o risco de ser condenado à
morte, não consegue ser absolvido se desculpando, mas sim assumindo o
suposto crime. E mais, melhora sua defesa apresentando versões sucessivas,
cada vez mais ricas, mais cheias de detalhes (portanto, em princípio, cada vez
mais incriminadoras). O debate não se faz, como em nossos julgamentos, com
acusações e denegações, mas com alegações e especificações. Os juízes não
esperam que o réu conteste uma tese, menos ainda que negue os fatos; exigem
que ele corrobore um sistema do qual possuem apenas um fragmento, o
querem que ele reconstitua o que falta de modo apropriado. (Lévi-Strauss,
2017d, p. 173)
Os que julgam o feiticeiro não esperam que ele negue sua feitiçaria ou que se
desculpe pelo mal que fez a outra pessoa. Querem saber como ele conseguiu fazer o
que fez. Há uma crença coletiva de que existem feiticeiros e que estes são capazes de
praticar atos
66 Perspectivas clássicas em antropologia da religião
mágicos, e isso não pode ser colocado em questão. Quando o réu é convocado a dar
explicações, não é esperado dele que tais explicações sejam algo como uma retratação
pelo que fez, mas uma descrição de como a magia foi realizada de modo a afetar
alguém.
Não é difícil entender esse pensamento, basta um exemplo da nossa cultura
religiosa atual para que você entenda bem o que estamos vendo em Lévi-Strauss
(2017d). Um umbandista ou candomblecista diz crer na existência de orixás, entidades
sobrenaturais que podem se manifestar na vida das pessoas. Pentecostais,
neopentecostais, assim como alguns católicos ou protestantes tradicionais, poderiam
dizer que os orixás, na verdade, não são elementos da natureza, mas demônios. O que
está implícito na fé do todas as pessoas das diversas religiões mencionadas é que elas
acreditam em seres sobrenaturais. Se estes são personificados ou não, se são benignos
ou malignos, haverá grande divergência, mas a crença em entidades/demônios, ou
seja, em seres sobrenaturais, é inquestionável para lodos os grupos, li isso que Lévi-
Strauss (2017d) está afirmando sobre a magia entre os povos indígenas por ele
analisados no texto que estamos destacando: eles podem questionar como o malefício
foi imprecado, mas não há discussão sobre a possibilidade de que isso não aconteça,
pois é um pressuposto cultural, ou seja, algo coletivamente partilhado. Questionar tal
fato seria fazer ruir o tecido cultural, o que poderia causar danos ainda maiores.
Sigamos um pouco mais adiante com nosso relato do aprendiz de xamã, que era
descrente, mas que, no caminho, passou a acreditarem magia:
sonhado que ele era seu salvador. Esse primeiro tratamento (pelo qual observa
ele, não quis ser pago, assim como pelos seguintes, já que não tinha ainda
concluído os quatro anos regulamentares de prática) foi um enorme sucesso.
Porém, embora passasse a ser visto, a partir de então, como “um grande xamã”,
Quesalid não perdera o espirito crítico e interpretava seu sucesso por razões
psicológicas, “porque o doente acreditava piamente no sonho que tivera a meu
respeito”. O que haveria de deixá-lo, em suas próprias palavras, “hesitante e
pensativo” foi uma aventura mais complexa, que o colocou diante de várias
modalidades de “falso sobrenatural”, levando-o a concluir que umas eram
menos falsas do que outras: aquelas em que seu interesse pessoal estava
envolvido, evidentemente. Enquanto isso, o sistema começava a se constituir
sub-repticiamente em sua mente. (Lévi-Strauss, 2017d, p. 176)
O homem que começara a aprender magia apenas para ter certeza de que ela
era impossível ou uma fraude, passa a se tornar reticente. Quando ele se defronta com
a eficácia de seus atos e, acima de tudo, com a crença coletiva, seu ceticismo começa a
se dissolver e o sistema (cultura) começa a se instalar em sua mente. Quantas histórias
de severos combatentes da fé, que se tornaram piedosos crentes nós conhecemos?
Clive Staples Lewis, um ateu militante, converteu-se em um dos apologistas mais
conhecidos da história recente do cristianismo (Lewis, 1998). No nosso cotidiano,
também sabemos de tantos casos de pessoas que professavam uma fé inabalável que
acabou por se dissolver totalmente, Jung (2012b) falava do princípio da enantiodromia,
mediante o qual um aspecto severamente defendido por uma pessoa ou por um grupo
social tende a desencadear no seu extremo oposto com o passar do tempo. Uma espécie
de pêndulo: quando tendemos demais para um ponto de vista, corremos o risco de
parar no seu oposto. Por isso, a sabedoria oriental e o filósofo Aristóteles reco-
mendavam o caminho do meio.
68 Perspectivas clássicas em antropologia da religião
Quesalid começa a ficar famoso por causa dos atos que passa a realizar e recebe
desafios de outros xamãs, uma disputa pública de poder religioso para ver quem é
mais eficaz. Em decorrência disso, vence a batalha ritual contra seu oponente mais
experiente ao retirar de um doente sua doença, representada por uma pena embebida
em sangue, que carregava às escondidas em sua boca. O aprendiz constrange seu
oponente, que passa a morrer de curiosidade sobre o modo como aquele operara tal
milagre.
Com esses dados, Lévi-Strauss (2017d) vai chegando ao ponto central de sua
análise, que passa a explicar a eficácia da prática mágica em função da experiência
coletiva que lhe dá sustentação,
69 Perspectivas clássicas em antropologia da religião
ou, para usar a expressão de um sociólogo da religião que estudaremos mais adiante,
Peter Berger, confere a ele uma estrutura de plausibilidade.
se tornou um grande xamã porque as pessoas acreditavam que ele poderia realizar
prodígios, mas foram os próprios sinais que ele operou que fizeram dele uma figura
extraordinária.
de um grande líder espiritual da atualidade de nosso país. Ele tem operado por anos,
realizando com muito sucesso muitas cirurgias espirituais, a despeito de ter um caráter
sendo questionado nos dias de hoje pela mídia, em função de muitas denúncias, as
quais somam centenas de mulheres que dizem ter sido abusadas sexualmente. Sem
discutir, agora, a culpa do líder espiritual, podemos nos perguntar se as curas que ele
realizou foram verdadeiras. Podemos dizer que sim, por um único motivo: não foi ele
quem as realizou, mas a crença de cada paciente/fiel de estar diante de alguém
realmente capaz de fazer algo que não seria possível de nenhuma outra forma. Ou, de
modo inverso, podemos dizer que as denúncias de abuso sexual poderão abalar a
crença das pessoas e levá-las a pensar que o líder nunca foi capaz de fazer milagre
algum e, então, elas não se colocarão diante dele para que novas curas se realizem.
Onde há fé no xamã, pode haver cura. Onde há dúvidas em torno da capacidade do
feiticeiro, os milagres se esvaem.
psicopata ou normal, repetir essa desventura coletiva. Ainda que o estudo dos
doentes nos tenha mostrado que todo indivíduo se refere, em alguma medida,
a sistemas contraditórios, e que sofre com seu conflito, não basta que uma
determinada forma de integração seja possível e eficaz na prática para que seja
verdadeira, e para que se tenha a certeza de que a adaptação assim realizada
não constitui uma regressão absoluta em relação à situação conflitiva anterior.
(Lévi-Strauss, 2017d, p. 184-185)
Nas dez páginas seguintes, instala-se, num ritmo ofegante, uma oscilação cada
vez mais rápida entre temas míticos e temas fisiológicos, como se se tratasse
de abolir a distinção que os separa no espirito paciente e de impossibilitar a
diferenciação de seus respectivos atributos. Depois de imagens da mulher
deitada em sua rede ou na posição obstétrica indígena – joelhos afastados e
voltada para o leste, gemendo, sangrando, com a vulva dilatada e pulsante (pp.
84-92,123-24,134-35,152,158,173,177-78, 202-08) –, vêm chamados nominais
aos espíritos, os das bebidas alcoólicas, os do vento, das águas, da mata e até
mesmo o do “barco prateado do homem branco” (p. 187), testemunho
precioso da plasticidade do mito. Os temas convergem: como a paciente, os
nuchu sangram
76 Perspectivas clássicas em antropologia da religião
Seguem-se mais alguns detalhes dos ritos realizados pelo xamã e do extenso
cântico que foi descrito por mais de uma dezena de páginas por um informante que
pertencia à tribo.
é infinitamente diverso em seu conteúdo, mas sempre limitado por suas leis.
Muitas línguas existem, mas muito poucas leis fonológicas que valem para
todas as línguas. Uma coletânea dos contos e mitos conhecidos ocuparia um
número impressionante de volumes. Entretanto, eles podem ser reduzidos a
um pequeno número de tipos simples que operam com algumas funções ele-
mentares, por trás da diversidade de personagens. E os complexos, mitos
individuais, também podem ser reduzidos a alguns tipos simples, moldes em
que se prende a fluida multiplicidade dos casos. (Lévi-Strauss, 2017a, p. 204)
SÍNTESE
Neste capítulo, estudamos dois importantes antropólogos clássicos e que produziram
trabalhos interessantes e importantes sobre o campo religioso: Marcel Mauss e Claude
Lévi-Strauss.
Do primeiro, destacamos o seu debate sobre a questão da dádiva, um rito
presente em diversas sociedades, do presente e do passado, que consiste na regulação
das formas como objetos
80 Perspectivas clássicas em antropologia da religião
e ações são trocados entre as pessoas. Com base na análise da dádiva em sociedades
não ocidentais, Mauss desafiou as nossas culturas e nos fez pensar se não podemos ser
construtores de uma cultura da generosidade.
Ainda, em Mauss, estudamos a magia, que é um conjunto de práticas que,
muitas vezes, misturam-se às religiões e, em tantas outras, distinguem-se delas. A
principal marca da magia é o seu caráter marginal e/ou secreto. Vimos, também, que
a magia funciona quando as pessoas estão dispostas a acreditar nela.
Depois, passamos para Lévi-Strauss, com quem estudamos mais um pouco da
magia. O modo como ambos os autores analisam o tema é relativamente parecido, mas
a reflexão do último avança mais no campo teórico. Ele pensa a magia como um ato
que é eficaz, o que significa que ela realiza aquilo que as pessoas esperam dela.
Por fim, partimos para a reflexão sobre a eficácia simbólica e descobrimos que
ritos e símbolos são eficazes porque as pessoas acreditam na sua funcionalidade. Para
Lévi-Strauss, a eficácia simbólica seria um aspecto estrutural da cultura humana: há
muitas formas de resolver nossos problemas, mas a crença de que podem ser
solucionados é fundamental para que, de fato, isso aconteça.
INDICAÇÕES CULTURAIS
CASTRO, C. Textos básicos de antropologia: cem anos de tradição Boas.
Malinowski, Lévi-Strauss e outros. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.
Trata-se de uma antologia de textos de antropologia, desde os primórdios até a
atualidade. São trabalhos dos próprios antropólogos, clássicos, com introdução de um
professor brasileiro.
ATIVIDADES DE AUTOAVALIAÇÃO
1. Como podemos compreender uma dádiva no sentido apresentado por Marcel
Maus«?
A] Que analisar um dado fenômeno da vida social não exige estabelecer
correlações de fatores e que uma troca nunca é uma simples transação
mercantil, e sim um ato coletivo cheio de significados.
B] Que analisar um dado fenômeno da vida social implica, algumas vezes,
estabelecer correlações de fatores e que uma troca nunca é uma simples
transação mercantil, e sim um ato coletivo cheio de significados.
C] Que analisar um dado fenômeno da vida social não implica sempre
estabelecer correlações de fatores e que uma troca nunca é uma simples
transação mercantil, e sim um ato coletivo cheio de significados.
82 Perspectivas clássicas em antropologia da religião
3. O que seria uma definição de fato social total, de acordo com Marcel Mauss?
A] Uma ação do Estado que visa interferir de forma total sobre a vida de seus
cidadãos.
B] Um fato ligado ao campo da magia.
C] Um fato que põe em ação, em certos casos, a totalidade da sociedade e de
suas instituições e, em outros casos, somente um número muito grande de
instituições, em particular quando trocas e contratos dizem respeito
sobretudo aos indivíduos.
D] Um fato ligado ao campo religioso.
E] Um fato ligado ao campo econômico.
ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM
3
A hipnose se trata de um método terapêutico, regulamentado pelos determinados conselhos federais de
práticas clínicas, que pode modificar a condição usual dos pacientes. Essa alteração é conseguida por meio de
um estado transe, provocado por um profissional qualificado.
4
A Técnica que ajuda a entender melhor o funcionamento da mente humana e os padrões executados por ela.
Essa prática tem o intuito de refutar regras e remoldá-las, de acordo com os interesses de cada pessoa.
3.
PERSPECTIVAS
CONTEMPORÂNEAS
EM ANTROPOLOGIA
DA RELIGIÃO
A melhor forma de finalizar, por ora, um debate sobre a visão da antropologia acerca
da religião é tratando de alguns temas atuais. Uma vez que já introduzimos
fundamentos e conceitos e analisamos algumas ideias de dois antropólogos clássicos,
iremos nos debruçar sobre alguns lemas de pensadores mais próximos
cronologicamente de nós ou sobre aqueles que, mesmo estando ainda um pouco
distantes no tempo, desenvolveram debates que são considerados relevantes ou atuais
para nós. Assim, neste capitulo, abordaremos alguns assuntos como: religião como
sistema cultural; religião, rito e performance; e religião e arquétipos.
A nossa expectativa e a de que. após estudar este capitulo, você seja capaz de
identificar e utilizar, em suas pesquisas ou em sua prática de ensino, conceitos como
cultura, rito, performance e arquétipo.
No primeiro capítulo deste livro, mencionamos que a religião é um sistema
cultural. Na ocasião, usamos essa informação para mostrar que a antropologia, como
campo do saber que estuda a cultura, também deveria estar interessada na religião,
uma vez que esta constitui um sistema cultural. Na situação inicial em que abordamos
o tema, fizemos uma breve análise do paradigma do
86 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião
Portanto, sem mais cerimônias, uma religião é: (1) um sistema de símbolos que
atua para (2) estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e
motivações nos homens através da (3) formulação de conceitos de uma ordem
de existência geral e (4) vestindo essas concepções com tal aura de factualidade
que (5) as disposições e motivações parecem singularmente realistas.
entender o que é cultura com base nesse ponto de vista. Quando dizemos, na
linguagem coloquial, que “fulano é uma pessoa culta”, é essa percepção teórica que
está implícita. Uma pessoa culta seria aquela que acumulou conhecimento, sobretudo
em decorrência da vida acadêmica ou escolar.
Em seguida, o autor aborda uma concepção descritiva de cultura:
1
Essa é uma percepção que tenho em função d« minha experiência como professor em ambiente cristão de
ensino, no caso, faculdades teológicas. Ê muito comum, sobretudo em escolas protestantes, que as pessoas
estudem missiologia ou antropologia missionária com vistas a compreender a cultura a ser evangelizada. Quando
fazem isso, na maioria das vezes, debatem ou utilizam conceitos descritivos de cultura.
90 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião
Desse modo, Thompson chegou ao conceito de cultura que foi desenvolvido por
Geertz. Aquele autor apresenta duas características importantes: diz o que é a cultura
(“padrão de significados incorporados nas formas simbólicas”) e como ela funciona
(“indivíduos comunicam-se entre si e partilham suas experiências, concepções e
crenças”). Contudo, ainda apresenta um limite: ele não fala de um contexto em que os
símbolos são elaborados e interpretados. Por isso, Thompson chega a um quarto
conceito de cultura.
Sendo assim, ele passa a falar de uma concepção (4) estrutural de cultura.
fórmula abreviada que explicarei mais amplamente adiante – deve ser vista
como o estudo da constituição significativa e da contextualização social das
formas simbólicas (Thompson, 1995, p. 181, grifo do original)
Estamos diante de um conceito que (1) diz o que é cultura (conjunto de formas
simbólicas de tipos variados), (2) descreve como ela funciona (serve para que pessoas
de um mesmo grupo social se comuniquem entre si) e (T) estabelece um contexto para
ela (estruturas).
Podemos dizer, então, que, nas páginas iniciais do capitulo que estamos
analisando – O conceito de cultura Thompson (1995), depois de historiar diferentes
conceitos di* cultura, constrói a sua própria definição. Em seguida, o sociólogo inglês
propõe um modelo para analisar as formas culturais,
2
Cada campo tem regras próprias do que pode ou deve ser considerado capital simbólico. Em algumas situações,
até mesmo o capital financeiro pode ser cooptado como capita1 simbólico.
93 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião
Podemos, por fim, utilizar tal síntese para pensar a religião, que constitui, como
já anunciamos, um fenômeno cultural como tantos outros. Assim, a religião, como um
sistema cultural, expressão presente no texto de Geertz, é (1) um conjunto de símbolos
significantes (2) cuja principal função é a de operar como forma de comunicação para
sujeitos de uma mesma cultura e que (3) sempre se concretiza em realidades
previamente estruturadas.
Um exemplo para consolidar ou esclarecer o conceito: tomemos a crença no
diabo de um grupo religioso. Ele é (1) um símbolo cheio de significados para
determinada comunidade e serve para que seus membros (2) possam partilhar e
comunicar entre si um conjunto de “verdades” sobrenaturais sobre tudo aquilo que
consideram
94 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião
as palavras têm sentido porque há objetos que elas designam: coisas singulares
ou essências. Esses objetos são dos mais diferentes tipos, havendo mesmo
objetos muito especiais, os fatos, as situações objetais, designados pelas frases.
A última forma dessa teoria no Ocidente é, exatamente, a teoria da afiguração
como correspondência estrutural entre frase e estado de coisas,
respectivamente, fatos, elaborada no Tractatus. [...] A essência da linguagem
depende, assim, em última análise, da estrutura ontológica do real. Existe um
mundo em si que nos é dado independente da linguagem, mas que a linguagem
tem função de exprimir. (Oliveira, 1996, p. 121)
O que caracterizava essa nova orientação é que para ele, agora, a linguagem é
uma atividade humana como andar, passear, colher etc. Há aqui uma íntima
relação, se não identidade, entre linguagem e ação, de tal modo que a
linguagem é considerada uma espécie de ação, de modo que não se pode
separar pura e simplesmente a consideração do agir humano ou a consideração
do agir não pode mais ignorar a linguagem. Essa atividade se realiza sempre em
contextos de ação bem diversos e só pode ser compreendida justamente a
partir do horizonte contextual em que está inserida. (Oliveira, 1996, p. 138,
grifo do original)
97 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião
Por mais tempo que o necessário, os filósofos acreditaram que o papel de uma
declaração era tão somente o de “descrever” um estado de coisas, ou declarar
um fato, o que deveria fazer de modo verdadeiro ou falso. Os gramáticos, na
realidade, indicaram com frequência que nem todas as sentenças são (usadas
para fazer) declarações, há tradicionalmente, além das declarações (dos gra-
máticos), perguntas e exclamações, e sentenças que expressam ordens,
desejos e concessões. (Austin, 1990, p. 21)
Dessa forma, as palavras não servem apenas para declarar ou descrever fatos,
mas também para fazer coisas, aliás, isto é o que sugere o título do livro que deu
origem às conferências de Austin (1990), Quando dizer é fazer: palavras e ação. O autor
chama de performativa a sentença que não descreve, não relata nem afirma ser
verdadeira ou falsa, mas cujo proferimento é a realização de uma ação (Austin, 1990).
A origem da expressão é identificada por ele como sendo proveniente do inglês “to
perform, verbo correlato do substantivo 'ação', e indica que ao se emitir o proferimento
está-se realizando uma ação, não sendo, consequentemente, considerado um mero
equivalente a dizer algo” (Austin, 1990, p. 25).
Para Oliveira, a teoria dos atos de fala se refere a três tipos de atos: (1)
locucionários, (2) ilocucionários e (5) perlocucionários. Ele denomina de ato locucionárío
a “totalidade da ação linguística em todas as suas dimensões' (Oliveira, 1996, p. 157);
o ato ilocucionário se dá quando “no ato de dizer algo, fazemos também algo”
(Oliveira, 1996, p. 158); finalmente, o ato perlocucionário designa a ação de “provocar,
por meio de expressões linguísticas, certos
98 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião
Que Pedro diga esta frase – o jacaré é perigoso -é um ato locucionárío; que
Pedro, por meio desta expressão linguística, faça uma advertência, isso é o alo
ilocucionário; que por meio dessa expressão Pedro consiga afastar alguém do
jacaré, isso é o ato perlocucionário. Os três atos são realizados por meio da
mesma expressão linguística, o que manifesta que não se trata de três atos
distintos, mas de três dimensões do mesmo ato de fala. Não se trata, pois, de
atos diversos, mas de “três aspectos, dimensões, momentos do único ato de
fala”. (Oliveira, 1996, p. 160)
Para tornar mais claro o que estamos dizendo, gostaríamos de exemplificar com
base em pesquisas de campo realizadas no âmbito do neopentecostalismo brasileiro
sobre o rito de exorcismo. Se alguém perguntar como é que se faz para expulsar
demônios, poderíamos responder que é por meio da linguagem. Há um universo de
gestos e coisas que precisam estar em sintonia com a ação de exorcizar, mas a expulsão
propriamente dita dos demônios
99 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião
se dá pela mediação da palavra. É óbvio que não é qualquer um que pode expelir
demônios, é preciso que seja a pessoa certa, no momento exato e com as palavras
adequadas, mas efetivamente os demônios saem da vida de alguém mediante uma
ordem: “Sai!”. Essa ordem pode ser proferida por um pastor ou por um bispo quando
está dirigindo o culto, por um obreiro ou por uma obreira no início, no fim ou no
decorrer do culto, ou mesmo com a participação de todas as pessoas gritando ao
mesmo tempo, mas é a ordem – “Sai!”; “Sai em nome de Jesus!”; ou “Queima!” – que
confere efetividade ao exorcismo.
O antropólogo Pordeus Júnior (2000, p. 12), ao descrever o ato performático,
refere-se à autoridade do locutor:
A performance deve ser entendida como ato social definido por relação que se
estabelece pelo meio da enunciação entre locutor e auditor. Cumprindo um ato
ilocucionáno, o locutor exprime um certo papel e designa ao auditor um outro
papel complementar; o locutor exprime sua vontade de que o auditor siga uma
dada conduta, colocando-se como possuidor de uma autoridade que deixa o
auditor se conduzir de determinada maneira, simplesmente porque é a
vontade do locutor. O papel social assumido pelo locutor, quando emite uma
ordem, é o de superior hierárquico institucionalizado.
Uma observação tirada de meu diário de campo pode demonstrar bem como rito de
exorcismo e linguagem estão profundamente entrelaçados:
Não poderíamos terminar esta seção sem ensaiar uma definição, de forma mais
geral, dos termos analisados acima. Para fazer isso, vamos apelar para um texto breve
e didático da antropóloga brasileira Mariza Peirano (2006. p. 3):
Com base no que aparece na citação, podemos definir um ritual como uma ação
corporal e verbal formalizada, estereotipada e estável. A antropóloga brasileira diz que
a prioridade para uma identificação de um ritual deve partir do nativo, ou seja, do
grupo ou de alguma pessoa que pertença à comunidade que está sendo estudada, mas
isso não significa que um rito seja inclassificável ou impossível de ser identificado, pois
constitui uma ação visível e identificável, que segue algum padrão. Há muitos
exemplos de ritos acerca dos quais temos familiaridade: a Santa Ceia ou a Eucaristia,
a oração ou a reza, o exorcismo. Em todos esses casos, há sempre um padrão de
repetição daquilo que é realizado.
Por fim, vale ressaltar que, na antropologia, a prova da análise está nos
exercícios etnográficos, ê quando se percebe que rituais e certos eventos
etnográficos ampliam, acentuam, sublinham o que é comum em uma
sociedade ou um grupo, trazendo, como consequência, o fato de que o
Instrumental analítico utilizado para o exame de rituais mostra, aí, sua
serventia plena. Concluo esta parte: ao adotar uma análise de rituais, não
procuro os eventos extraordinários de uma sociedade, mas exatamente os
corriqueiros, o mundo vivido em sua diversidade. Uso uma metáfora para
sintetizar esta abordagem: assim como a afasia é um distúrbio linguístico que
revela mecanismos básicos da linguagem, o ritual, como fenômeno peculiar,
específico, diferente, nos fornece o
103 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião
Nesse trecho, a autora nos dá uma dica de cunho mais metodológico para uma
análise dos rituais: não devemos procurar os atos extraordinários, mas aqueles que são
comuns e corriqueiros. O tato é que, quando estamos diante de uma cultura distinta
da nossa, em função do estranhamento, temos muito mais sensibilidade para perceber
seus ritos. Por causa da familiaridade, temos muita dificuldade para identificar os ritos
da nossa própria cultura. Agimos de forma estereotipada e repetitiva, mas, muitas
vezes, não notamos isso.
Podemos também buscar maior clareza sobre a questão da performance teatral,
que é vista pela autora como uma metáfora que é muito útil para a compreensão do
desempenho ritual.
O termo Arquétipo não foi criado por Jung, e Jung indica sua origem nos escritos
patrísticos com uma “perífrase explicativa do eidos platônico” [...]. A única
contribuição de Jung foi usar a ideia de arquétipo num sentido psicológico com
referência às pessoas contemporâneas. Os arquétipos eram para ele “formas
típicas de apreensão” [...]- isto é, padrões de percepção e compreensão
psíquicas comuns a todos os seres humanos como membros da raça humana.
(Hopcke, 2012, p. 23)
simples e rápida, parte do pressuposto de que uma pessoa é livre para decidir ou
programar sua vida. Se o eu, como núcleo estruturante apenas da consciência, é
englobado pelo si-mesmo, que, por sua vez, é composto de duas camadas
inconscientes (uma pessoal e outra coletiva), então, a ideia de que somos totalmente
desprendidos para tomar decisões não se sustenta. A razão disso é que somos
determinados tanto pelo inconsciente quanto pela consciência e, como o próprio nome
diz, o inconsciente relaciona-se àquilo que não conhecemos mais ou que jamais
poderemos tomar ciência.
Com relação à consciência, como é possível perceber pela própria designação
da palavra, estamos diante dos fatos que são acessíveis ao nosso conhecimento. O
núcleo estruturador dos acontecimentos conscientes é uma instância denominada eu.
O que chama a atenção é o fato de o eu ser apenas o centro da consciência, embora a
maioria das pessoas pense que ele é o núcleo central da pessoa ou mesmo seu todo. O
principal papel da consciência ê a adaptação à vida social. Ela funciona como elemento
de compensação em relação ao inconsciente, e vice-versa, de modo que somos, ao
mesmo tempo, natureza ou instinto e cultura ou adaptação. Como nossa natureza ê
bruta, no sentido de que precisamos aprender a conter determinados impulsos para
viver em sociedade, o eu ê uma espécie de negociador entre o sujeito e a vida social,
fato que requer muito sacrifício dos instintos para que alguém possa ser considerado
ajustado ou sociável.
Damos o nome de sociabilização a um artifício que é necessário, mas
extremamente doloroso para cada um de nós, pois, afinal, temos de sacrificar muito
de nossa natureza instintiva no altar do que é chamado de civilização.
A partir de agora, desembocamos no mundo do inconsciente, explorando o fato
de que é composto de dois estratos, um pessoal e outro impessoal ou coletivo, dado
que nos permite distinguir a
107 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião
visão de Jung da de Freud sobre o assunto. Jung não apenas afirmou a existência de
um inconsciente, como fazia Freud, mas ressaltou que ele tinha uma dimensão pessoal
– que continha lembranças perdidas, reprimidas, evocações dolorosas e percepções
que não ultrapassaram o limiar da consciência – e outra coletiva, diferentemente da de
Freud – que estava desligada do inconsciente pessoal, sendo totalmente universal;
desse modo, seus conteúdos poderiam ser encontrados em toda parte e em qualquer
temporalidade.
O que importa para nós, neste momento, é que o inconsciente coletivo é
povoado por arquétipos, os quais podem ser descritos como predisposições que nos
ligam a nossos ancestrais. Em outros trechos, percebemos que, por sua vez, o
inconsciente pessoal é constituído de diversos complexos o equivalente dos arqué-
tipos –, mas que constelam, para usar um termo da psicologia de Jung, a psique pessoal.
Com esse contexto em mente, podemos chegar ao que mais nos interessa, o
inconsciente coletivo, que pode ser compreendido como o campo conceitual em que
Jung demonstra majoritariamente sua originalidade. Afinal, antes dele, Freud já
afirmava a existência de uma dimensão da psique, que era inconsciente. Como seu
mestre, Jung admitia a vivência de um inconsciente ligado à história de vida de um
determinado sujeito, mas foi além e entendeu haver outro estrato, que denominou
inconsciente coletivo. Tal designação procura descrever algo que é comum a toda
humanidade, uma espécie de memória genética do gênero humano, que permite um
acúmulo de experiências ao longo da história da humanidade.
Por meio da “descoberta” do inconsciente coletivo, Jung criou uma explicação
para os motivos que apareciam nos relatos de seus pacientes espontaneamente e que
também podiam ser encontrados em textos antigos. Pessoas sem nenhuma formação
religiosa, por exemplo, expressavam conteúdos místicos que não se faziam
108 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião
mais presentes nas sociedades laicizadas das quais faziam parte, mas que estavam
presentes em velhos escritos escavados pelo pesquisador. Jung deparou-se com uma
explicação para uma confluência que se dava por intermédio da hipótese da existência
de um inconsciente coletivo, uma dimensão da psique, que subsistia no decorrer dos
séculos.
Ressaltamos que, assim como o inconsciente pessoal é povoado por complexos,
o coletivo é a morada dos arquétipos, os quais podem ser definidos, de uma forma um
tanto quanto simples, como predisposições para a constituição de determinadas ima-
gens na psique humana.
Preste atenção ao fato de que Jung fala dos arquétipos como formas a priori
inatas de intuição. Não sao imagens propriamente, mas tendências para que
determinados motivos (temas) imagéticos desenvolvam-se na psique pessoal. Esse
detalhe deve ser ressaltado porque ele não eslava afirmando que as imagens eram
universais, e sim apenas predisposições. Isso explica como determinados assuntos são
recorrentes, mas, ainda assim, há
109 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião
Respondeu o apóstolo:
Ela disse:
sublimado leva o ser humano a pagar um alto preço, e todo valor é debitado nas
finanças do pai da mentira.
Para encerrar esse debate, gostaríamos de abordar o pensamento de Jung sobre
os riscos que existem para aqueles que negligenciam a realidade do mal, assim como
seria interessante avaliar a importância que esse tema tem na vida psicológica de
qualquer pessoa. O psiquiatra suíço, em seus textos, já chamava a atenção para os
perigos da exclusão do mal e da sombra no cristianismo. O principal risco é que, se o
mal não fosse real, Deus também não poderia ser.
Mas o que seria se todos nós fôssemos bons: O que seria? Sena absolutamente
nada! Então não se necessitaria de religiões, de igrejas, de nada. Então nada
aconteceria. Não haveria mais diferenças. Não existiria mais um declive. Não
haveria mais um objetivo, pois o objetivo já teria sido alcançado há muito
tempo. Nasceríamos com harpas em nossas mãos e durante toda a nossa vida
cantaríamos louvor e nada mais. Mortalmente fácil! Também não há energia
sem declive. Declive significa opostos! Quem não abriga os opostos dentro de
si não está vivo, ao invés disso, é um neurótico morto que apenas geme, mas
não vive. (Jung, 2014, p. 67)
Se não sobrasse mais nenhuma motivação para encararmos nossa sombra como
algo real o ativo em nossas vidas, bastaria pensar que ela nos é muito útil!
SÍNTESE
Neste capítulo, tratamos de três debates que julgamos serem atuais no campo da
antropologia: (1) religião como sistema cultural; (2) religião, rito e performance; e (3)
religião e arquétipos.
A religião como um sistema cultural pode ser descrita como um conjunto de
símbolos significantes, cuja principal função é funcionar como forma de comunicação
para sujeitos de uma mesma cultura e que sempre se concretizam em realidades
previamente estruturadas.
114 Perspectivas contemporâneas em antropologia da religião
INDICAÇÕES CULTURAIS
BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Tradução de
Renato Aguiar. 16. ed. Rio do janeiro: Civilização Brasileira, 2015. (Coleção Sujeitos &
História).
Um livro fundamental para compreender os debates sobre gênero na atualidade.
Porém, apresenta um texto que exige algum esforço de compreensão do leitor.
THOMPSON, J. B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios
de comunicação de massa. Tradução de Carmen Grisci et al. Petrópolis: Vozes. 1995.
Texto belíssimo do sociólogo britânico sobre mídia e cultura, do qual foi tirado o
debate sobre o conceito de cultura analisado no terceiro capitulo.
ATIVIDADES DE AUTOAVALIAÇÃO
ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM
da realidade
Este tópico está fundamentado no primeiro capítulo, denominado Religião e construção
do mundo, do livro O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião, de
Peter L. Berger A obra foi publicada originalmente em 1967, nos Estados Unidos, e
traduzida para nossa língua em 1985, apresentando, desde então, várias edições.
Peter L. Berger (1929-2017), vienense que imigrou para os Estados Unidos aos
17 anos de idade, luterano, foi um dos mais importantes sociólogos da religião, e O
dossel sagrado possivelmente seja seu livro mais interessante sobre o assunto.
O livro é marcado pela escrita fluente, clara e bem-humorada, tendo sido
redigido sob impacto das teorias da secularização dos anos 1960, que previam, para as
décadas seguintes, a subtração da religião na vida cotidiana das pessoas. No entanto,
o que aconteceu
121 Sociologia da religião: fundamentos e conceitos
nas décadas seguintes foi que o autor reconheceu o equívoco de tal visão, mas não
renunciou à sua teoria na totalidade, comoveremos quando analisarmos Os múltiplos
aliares da modernidade (Berger, 2017b) um pouco mais adiante, escrito em anos ainda
mais tardios.
O capítulo que agora analisamos parece partir do seguinte problema levantado
pelo autor: “Toda sociedade humana é um empreendimento de construção do mundo.
A religião ocupa um lugar destacado nesse empreendimento. Nosso principal intuito
aqui é formular alguns enunciados sobre a relação entre a religião humana e a
construção humana do mundo” (Berger, 2004, p. 15).
Preste bastante atenção ao que o autor está dizendo! Ele não parte do
pressuposto de que o mundo é um fenômeno dado de antemão, mas algo que precisa
ser construído, e a sociedade, a agremiação de pessoas que vivem em um mesmo
espaço, é um empreendimento que tenta levar a termo tal tarefa. E ele ainda acrescenta
que a religião ocupa um lugar de destaque nesse trabalho. Construir o mundo,
comoveremos mais à frente, é torná-lo plausível, algo estruturado e com sentido, e a
religião é o artefato mais importante para essa realização, por isso. ela é tão importante
para a vida humana.
O passo seguinte, então, é nos perguntarmos: Como construímos nossos
mundos? A resposta é que o fazemos de maneira coletiva (social) com as ferramentas
do que chamamos de sociologia do conhecimento. De modo sintético, Berger (2004, p. 16)
“O processo dialético fundamental da sociedade consiste em três momentos, ou
passos. São a exteriorização, a objetivação e a interiorização”. O intuito do primeiro
capítulo do livro de Berger é exatamente o de descrever, em detalhes, essa dialética
fundamental. Assim, seguiremos os passos do autor nessa atividade de explicar o
modo como construímos socialmente nossos conhecimentos.
122 Sociologia da religião: fundamentos e conceitos
Criamos as religiões, mas as consideramos como algo que sempre existiu. Damos
origem aos costumes, mas achamos que as coisas devem ser assim porque sempre
foram desse modo, e assim por diante. É o que chamamos de sociabilização, um
processo mediante o qual as pessoas vão sendo moldadas pelos valores e costumes
sociais desde o nascimento e de modo inconsciente. Apenas quando temos algum
problema em nos enquadrarmos ao que a sociedade impõe é que passamos a
questioná-la, ou quando um sociólogo nos instiga a saber por que as coisas são assim
e não de outra forma.
Por fim, o ciclo se fecha com o que Berger (2004) denomina interiorização.
Embora crie os valores sociais mediante a exteriorização, vimos que a sociedade
objetiva o que foi inventado, restando-lhe interiorizar o que foi criação humana como
fato natural. A interiorização somente é possível graças à nossa crença de que os fatos
sociais não são criações humanas, mas dados objetivos. As pessoas ficam muito
irritadas quando dizemos que não existe realidade como dado por si, sem atribuição
de valor humano. Elas têm necessidade de pensar que há o real, o objetivo, enfim, aquilo
que existe por si só. Se alguém coloca em xeque esse ponto de vista, é hostilizado pelos
demais; afinal, como poderíamos aceitar pacificamente a sociabilização se
acreditássemos que ela é uma mera convenção socialmente estabelecida? E se não
formos adequadamente sociabilizados, podemos nos transformar em verdadeiros
monstros?
No entanto, ainda, há outros conceitos importantes no texto. O processo de
criação de mundos sociais também pode ser definido como atividade nomizante:
“Uma ordem significativa, ou nomos, é imposta às experiências e sentidos discretos
dos indivíduos. Dizer que a sociedade é um empreendimento de construção do mundo
equivale a dizer que é uma atividade ordenadora, ou nomizante” (Berger. 2004, p. 32).
124 Sociologia da religião: fundamentos e conceitos
Tendemos a acreditar que isso é algo imprescindível, pois seu inverso seria a
anomia, fato visto de maneira problemática desde o processo de formação da
sociologia como um saber autônomo. Berger (2004, p. 34) atesta que “É por esse motivo
que a separação radical do mundo social, ou anomia, constitui tão séria ameaça ao
indivíduo”.
Um dos textos-fundadores da sociologia, O suicídio: estudo de sociologia, de Émile
Durkheim, via na anomia uma séria ameaça à vida social e a principal causa da
formação de “correntes suicidógenas”. Segundo o sociólogo/antropólogo pioneiro,
uma pessoa que se distanciava do mundo social corria sérios riscos de perder
completamente o sentido da vida, restando-lhe pôr fim à sua vida. De modo contrário,
Durkheim (2000) percebeu que pessoas bem integradas à vida social tinham menos
possibilidade de se suicidar do que aquelas que estavam mal adaptadas ou
completamente desatadas da vida social.
Disso deriva outra afirmação de Berger (2004, p. 36): “Todo nomos socialmente
construído deve enfrentar a possibilidade constante de ruir em anomia”. A maior
evidência de que os nossos mundos são socialmente construídos está no fato de que
eles podem vir a ruir, o que, de fato, acontece em muitos momentos. se fossem dados
sólidos e objetivos, eles manteriam-se estáveis o tempo todo, mas, como são criações,
estão sempre prestes a serem reelaborados.
A religião tem um papel muito importante no sentido de fornecer fundamentos
para o nomos social: “Sempre que o nomos socialmente estabelecido atinge a qualidade
de ser aceito como expressão da evidência, ocorre uma fusão do seu sentido com os
que são considerados os sentidos fundamentais inerentes ao universo. Nomos e
cosmos aparecem como coextensivos” (Berger, 2004, p. 37-38). Assim, percebemos que
a religião é um fenômeno
125 Sociologia da religião: fundamentos e conceitos
nós estaríamos em um grande abismo, pois perderíamos nosso antídoto contra o caos.
Em decorrência disso, surge a afirmação do autor de que “Em tempos mais recentes,
de modo particular tem havido tentativas inteiramente seculares de cosmificação,
entre as quais a ciência moderna é de longe a mais importante” (Berger, 2004, p. 40).
Muitos, inclusive Berger, acreditavam que as categorias religiosas seriam totalmente
substituídas por outras, as da ciência moderna. Não foi isso que aconteceu, e Berger
teve de reformular a questão em uma nova teoria. Mais adiante, teremos a
oportunidade de debater esse tema de maneira mais especifica e detalhada. Agora,
precisamos avançar um pouco mais no pensamento do autor sobre a manutenção do
mundo.
da realidade
Dando sequência, passaremos ao segundo capítulo do livro de Berger, que trata da
manutenção da realidade social construída. Iniciaremos esclarecendo que o livro tem
como título principal original The sacred canopy, traduzido em nossa língua como O
dossel sagrado. A palavra dossel não é muito utilizada, pois seu significado não faz parte
de nosso léxico cotidiano. A saber, dossel é aquela cobertura que se projeta sobre uma
cama, peça esta mais comum em tempos passados do que no presente. De qualquer
forma, esse dado nos ajuda a compreender a metáfora usada pelo autor. A experiência
religiosa funciona como uma proteção que se estende sobre a vida das pessoas, seja
como indivíduos isoladamente, seja em coletividades. As pessoas precisam, ou
imaginam que precisam, dela para poder viver. Assim, vão construindo proteções
simbólicas para resguardar sua sobrevivência.
127 Sociologia da religião: fundamentos e conceitos
Contudo, observo bem que estamos dizendo “vão construindo proteções”, pois,
se algo é construído, criado, pode ser reconstruído de outra forma ou mesmo
destruído. Nesse sentido, Berger (2004, p. 42) afirma que “Todos os mundos
socialmente construídos são intrinsecamente precários. Amparados pela atividade
humana, são eles constantemente ameaçados pelos fatos humanos do egoísmo e da
estultice. (...) Os programas institucionais são sabotados por indivíduos com interesses
conflitantes”. O fato de os mundos sociais serem construções, conforme analisamos
anteriormente, faz deles realidades precárias, já que estão a ponto de ruir a qualquer
momento. Por isso, há a necessidade constante de que as atividades sociais sejam
escoradas, e essas vigas que sustentam a vida social, em linguagem técnica da
sociologia, são denominadas legitimação. Conforme Berger (2004, p. 42), “existe ainda
outro processo centralmente importante que serve para escorar o oscilante edifício da
ordem social. É o processo de legitimação. Por legitimação se entende o 'saber'
socialmente objetivado que serve para explicar e justificar a ordem social”.
Esta seria a principal marca da sociedade: tudo que nela é feito deve ser
legitimado. “O objetivo essencial de todas as formas de legitimação pode, assim, ser
descrito como a manutenção da realidade, tanto ao nível objetivo como ao nível
subjetivo’ (Berger, 2004, p. 45). E a religião tem um papel primordial nessa tarefa, já
que “legitima de modo tão eficaz porque relaciona com a realidade suprema as
precárias construções da realidade erguidas pelas sociedades empíricas” (Berger, 2004,
p. 45). A religião é muito eficaz porque não apenas legitima o que acontece na vida
social, mas o faz de modo que aquilo que é feito é descrito como vontade de Deus. Essa
aura sagrada faz com que se torne quase impossível que um fato, religiosamente
legitimado, venha a ser colocado em xeque. Uma das estratégias de imunização contra
as formas de
128 Sociologia da religião: fundamentos e conceitos
a sua plausibilidade”. Ou, de outra maneira: “Como todo mundo religioso se 'baseia’
numa estrutura de plausibilidade, na qual é ela própria o produto da atividade
humana, todo mundo religioso é intrinsecamente precário na sua realidade” (Berger,
2004, p. 63). Mas isso não é um problema, pois é possível transitar de uma estrutura a
outra. Quando um mundo social perde sua plausibilidade, é possível migrar para
outro, também elaborado coletivamente. É assim que podemos explicar as conversões,
que são mudanças realizadas quando um modo de vida perde sua plausibilidade. Por
exemplo, um ateu enfrenta uma crise severa e experimenta uma conversão religiosa,
assim, seu mundo volta a ter sentido, ou o contrário, um crente piedoso que se sente
abandonado por seu Deus em uma situação dolorosa e torna-se descrente.
Nos capítulos seguintes de seu livro, Berger correlaciona as questões da
legitimação e das estruturas de plausibilidade com o problema da secularização.
Quando a ciência passa a fazer parte do cotidiano das pessoas e a concorrer com as
categorias religiosas na construção de sentido, as legitimações fundadas no sobrena-
tural e as estruturas de plausibilidade são corroídas. A corrosão da estrutura de
plausibilidade pode levar a uma crise de anomia, problema que, como mencionado
anteriormente, já preocupava Durkheim na virada do século XIX para o XX.
A religião foi colocada contra a parede pela ciência, mas a ciência também é
contestada, seja por meio da religião, seja por meio da filosofia. Atualmente, cada vez
mais novos conhecimentos são adquiridos e construídos e, nesse contexto, os
argumentos racionais científicos são constantemente refutados e reelaborados. Assim,
questiona-se qual o papel da ciência e da religião na atualidade.
Questões como essas levaram pesquisadores de diferentes campos a reverem,
em nova chave, a teoria da secularização; não
130 Sociologia da religião: fundamentos e conceitos
para descartá-la, mas para adequá-la à realidade do século XXI. Isso foi o que Peter L
Berger fez, conforme veremos mais adiante. No momento, foi necessário demonstrar
como a religião constrói e mantém mundos sociais em ordem, de modo que, mais à
frente, possamos discutir esse outro importante tema.
SÍNTESE
No primeiro tópico, vimos a dialética fundamental da sociedade, que consiste em três
movimentos que explicam o modo como a realidade é socialmente construída: (1) “A
exteriorização é a contínua efusão do ser humano sobre o mundo, quer na atividade
física, quer na atividade mental dos homens”; (2) *A objetivação é a conquista por parte
dos produtos dessa atividade (física e mental) de uma realidade que se defronta com
os seus produtores originais como facticidade exterior distinta deles”; (3) “A
interiorização é a reapropriação dessa mesma realidade por parte dos homens,
transformando-a novamente de estruturas do mundo objetivo em estruturas da
consciência subjetiva” (Berger, 2004, p. 16).
Em seguida, vimos que a realidade é socialmente mantida mediante um
processo denominado Legitimação, que pode ser descrito, de maneira sintética, da
seguinte forma: “Existe ainda outro processo centralmente importante que serve para
escorar o oscilante edifício da ordem social. É o processo de legitimação. Por
legitimação se entende o 'saber' socialmente objetivado que serve para explicar e
justificar a ordem social” (Berger, 2004, p. 42).
131 Sociologia da religião: fundamentos e conceitos
INDICAÇÕES CULTURAIS
BECKER, H. S. Métodos de pesquisa em ciências sociais. Tradução de Marco Estevão
e Renato Aguiar. 4. cd. São Paulo: Hucitec, 1999.
Texto fundamental para uma compreensão das diferentes metodologias de pesquisa
das ciências sociais.
BOTELHO, A. (Org.). Sociologia: essencial. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
Uma coletânea de textos clássicos fundadores do campo da sociologia.
ATIVIDADES DE AUTOAVALIAÇÃO
2. Sobre qual aspecto se debruça o livro O dossel sagrado, de Peter L. Berger, que
embasou nossos estudos neste capítulo?
A] A interpretação dos fatos sociais deve ser feita com cautela e é necessário se
apoiar em ideias concebidas no sonso comum.
B] A sociedade não é capaz de produzir mecanismos que agem de maneira
coercitiva nos indivíduos que fazem parte dela.
C] A bruxaria é de extrema importância para a sociedade e somente por meio
dela é possível obter uma cura de fato para as enfermidades.
D] A magia deve ser compreendida como fenômeno isolado, uma vez que teve
seu tempo e local específicos e exerce influência irrelevante nas sociedades.
E] Analisa o relacionamento tempestivo entre a sociedade e a religião e
esclarece, profundamente, de que forma ele ocorre.
133 Sociologia da religião: fundamentos e conceitos
3. Qual seria uma boa forma de definir internalização, de acordo com Berger
(2004)?
A] Processo mediante o qual uma pessoa assimila valores e práticas produzidos
pela coletividade conhecida como sociedade.
B] Processo mediante o qual uma pessoa expressa para a sociedade seus
valores e práticas.
C] Atitude mediante a qual uma pessoa toma as produções sociais como se
fossem dados inquestionáveis.
D] Atitude mediante a qual uma pessoa questiona valores e práticas
produzidos pela coletividade conhecida como sociedade.
E] Processo mediante o qual uma pessoa dissimula valores e práticas
produzidos pela coletividade conhecida como sociedade.
4. Como podemos definir uma conversão religiosa com base no horizonte teórico
de Berger (2004)?
A] Como proselitismo.
B] Como a transição de um mundo social implausível para outro plausível.
C] Como algo que não pode ser plausível.
D] Como uma estrutura de plausibilidade.
E] Como uma estrutura de implausibilidade.
ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM
por que impera o mal no mundo? Por que, enfim, as divindades, se são tão poderosas,
não acabam definitivamente com o mal?
Do ponto de vista da sociologia da religião, segundo Berger (2004, p. 65),
a ameaça da anomia; e quanto mais submerso em seu meio social, menor será a
possibilidade de as catástrofes biográficas fazerem o indivíduo sucumbir. A expressão
mais típica dessa forma de teodiceia está expressa nas religiões primitivas, mas não
está restrita a elas. Um exemplo de teodiceia como transcendência de si mesmo é o
misticismo, no qual “toda individualidade se desvanece e é absorvida pelo oceano da
divindade” (Berger, 2004, p. 75).
O segundo tipo, localizado “no outro polo do continuum racional-irracional das
teodiceias” (Berger, 2004, p. 77), considerado o mais racional, é o que ele denomina
complexo de karma-samsara. Trata-se de um discurso religioso que se encontra de
maneira clara e desenvolvida na filosofia indiana: “Na engenhosa combinação dos
conceitos do karma (a inexorável lei de causa e efeito que governa todas as ações,
humanas ou não, no universo) e samsara (a roda dos renascimentos), toda anomia
concebível é integrada numa concepção inteiramente racional e de ilimitada
abrangência do universo” (Berger, 2004, p. 77).
Essa percepção, muitas vezes, deveras racionalista, foi amenizada pela magia,
por exercícios devocionais/místicos e por intercessões junto a diferentes divindades,
em formas populares de hinduísmo, com o intuito de que interferisse nos processos de
karma-samsara (Berger. 2004). O budismo é considerado por Berger (2004, p. 79) como
a “mais radical racionalização dos fundamentos do complexo karma-samsara, ao nível
da soteriologia1 e no da sua teodiceia concomitante”.
Finalmente, entre os polos extremos do “continuum racional-irracional existe
uma variedade de tipos de teodiceia, capazes de diversos graus de racionalização
teórica” (Berger, 2004, p. 80). Berger (2004) inclui sob essa categoria as diferentes
formas de messianismo, de milenarismo e de escatologia, manifestações
1
Estudo teológico sobre a doutrina da salvação.
142 Perspectivas clássicas em sociologia da religião
típicas de tempos de profundo sofrimento e catástrofes. O citado autor fala, ainda, das
“reinterpretações das esperanças messiânicas de Israel em termos da ideia do ‘servo
sofredor’ [...] durante o período do exílio babilónico” (Berger, 2004, p. 83) como
exemplo clássico de teodiceia, bem como das concepções dualistas de origem iraniana.
O dualismo, todavia, ressurgiu de formas diferentes e em momentos diversos na
história do ocidente, e uma de suas mais famosas foi conhecida como gnosticismo.
Desse modo, devemos ressaltar, mais uma vez, que o problema da teodiceia
aparece de maneira aguda no universo da religião monoteísta.
Distribuição de cálices com suco de uva. Os cálices são distribuídos para todas
as pessoas que estão no templo. O dirigente explica que o suco de uva que vai
ser ingerido está relacionado ao sangue do cordeiro que foi aspergido na porta
dos antigos hebreus nos batentes de suas portas como sinal de adesão ao Deus
Javé. Este sinal livrou os hebreus das pragas enviadas pelo anjo de Javé para
destruir os egípcios. O suco de uva ingerido tem o poder de livrar as pessoas
das pragas que as atormenta.
Rito do vale de sal. As pessoas são chamadas para caminhar por uma grande
área do chão à frente coberta de sal. O dirigente explica que os demônios não
gostam de sal. Ao passar pelo vale, se houver algum demônio na vida da pessoa,
ele sairá.
Convite para os fiéis virem participar do culto no próximo Domingo e passar por
uma porta que será colocada no templo. As pessoas são orientadas a preparar
uma lista das suas dívidas, calcular o valor da dívida e colocar em um envelope
o dízimo da dívida. Ao passar pela porta e ao entregar o dízimo das dívidas, as
pessoas estariam criando condições de se livrar das dívidas.
No rito, de fato, a voz poética fala uma língua comum aos mortais e aos deuses:
as “belas palavras” dos viajantes guarani, onde rumorejava ainda a memória de
uma passagem anterior, e já a promessa de uma “Terra sem mal”. A voz funda
sua profecia sobre a origem, misturada à nossa história, onde se retém, embora
se interrompa frequentemente, em prol de um outro presente, que ó, como
escreveu magnificamente Blanchot, esta presença dos homens, pobres e nus,
entre os deuses. A profecia nômade dos poetas de Israel, recuando o que não
é errância, anunciando como futuro o que nunca saberiam viver aqui e agora.
(Zumthor, 1997, p. 277-278)
146 Perspectivas clássicas em sociologia da religião
em vista que os dissabores não somente são descritos, mas também podem ser
solucionados.
Os exorcismos não servem apenas como construtores da teodiceia
neopentecostal, mas atuam também como deslegitimadores da encenação e da
vivência do mal em instituições concorrentes. Nos termos de Pierre Bourdieu, as
igrejas neopentecostais tentam destruir o status das religiões concorrentes, impondo
suas práticas mágicas. Por meio do exorcismo, as denominações neopentecostais não
apenas elaboram e mantêm sua teodicea, mas também conseguem manter a
concorrência com outras teodiceias no mercado religioso brasileiro contemporâneo,
bastante disputado e tenso. A principal estratégia de concorrência é a de demonização
da religião alheia, uma atitude bastante presente no interior do campo religioso em
outros tempos, por outros fenômenos. Isso pode ser verificado por meio da própria
atribuição de nomes de orixás das religiões afro-brasileiras aos supostos demônios que
atuavam na vida das pessoas. Assim, a atuação e o testemunho das entidades conferem
um status de realidade à teodiceia neopentecostal, simultaneamente ao ato de
desmascarar a teodiceia dos fenômenos concorrentes.
A farsa da teodiceia da concorrência não é estabelecida pela fala dos dirigentes
neopentecostais, mas pela própria voz dos demônios, que se nomeiam como os orixás
das religiões afro-brasileiras ou como os santos do catolicismo romano. Portanto, nas
religiões do outro, entendidas especialmente como umbanda, candomblé e
catolicismo, não existe teodiceia funcional e, consequentemente, o discurso delas é
ineficaz. A intenção é a de que apenas o neopentecostalismo permaneça em pé como a
verdadeira resposta para as lutas enfrentadas pelas pessoas em seus cotidianos.
149 Perspectivas clássicas em sociologia da religião
em Pierre Bourdieu
Pierre Bourdieu viveu entre 1930 e 2002. Em 1964, começou a se projetar como
importante intelectual no cenário internacional. No ano de 1982, foi integrado ao corpo
de professores do Collège de France, uma das mais importantes instituições de ensino
da França, onde intelectuais de projeção mundial vêm atuando desde os primórdios
da Idade Moderna. Mesmo sendo sociólogo de formação, sua obra tem exercido forte
influência sobre as ciências sociais e humanas, de maneira bastante ampla. Alguns de
seus livros mais conhecidos são O poder simbólico, As regras da arte, A economia das trocas
simbólicas, A economia das trocas simbólicas, A profissão de sociólogo, Razões práticas, A
dominação masculina e Meditações pascalianas, citando apenas alguns dos que
apresentam tradução em nosso idioma.
Seria interessante visitar alguns de seus textos, aqueles mais emblemáticos,
tendo em vista que há uma unidade temática entre eles. Assim, poderemos estabelecer
aproximações com um campo empírico, o neopentecostalismo brasileiro, a fim de
demonstrar como tais conceitos podem funcionar em um fenômeno mais próximo de
nós. Dessa forma, os conceitos teóricos do sociólogo francês ficarão mais claros por
meio de exemplificações.
Neste tópico, trabalharemos o conceito de campo, que é bastante útil para
analisar a relação do neopentecostalismo com seus concorrentes no espaço religioso
do Brasil. Analisaremos esse processo de disputa por espaço como uma concorrência
entro teodiceias.
Não ê uma tarefa simples buscar uma compreensão teórica de conceitos na
sociologia de Bourdieu, uma vez que o próprio autor não tem a preocupação de pensar
a teoria de maneira separada de sua pesquisa empírica. Devemos destacar que os
conceitos da sociologia de Bourdieu não são construídos para, depois, serem
150 Perspectivas clássicas em sociologia da religião
Foi assim que a primeira elaboração rigorosa da noção saiu de uma leitura do
capitulo de Wirtschaft und Gesellshaft consagrado à sociologia religiosa, leitura
que, dominada pela referência permanente do campo intelectual, nada tinha
de comentário escolar. Com efeito, mediante uma crítica da visão interacionista
das relações entre os agentes religiosos, proposta por Weber, que implicava
uma crítica retrospectiva da minha representação inicial do campo intelectual,
eu propunha uma construção do campo religioso como estrutura de relações
objetivas que pudesse explicar a forma concreta das interações que Max Weber
descrevia em forma de uma tipologia realista. Nada mais restava fazer do que
pôr a funcionar o instrumento de pensamento, assim elaborado para descobrir,
aplicando-o a domínios diferentes, não só as propriedades especificas de cada
campo – alta costura, literatura, filosofia, política etc. – mas também as
invariantes reveladas pela comparação dos diferentes universos tratados como
casos particulares do possível. (Bourdieu, 1998, p. 66)
A evolução das sociedades tende a fazer com que surjam universos (que chamo
de campos) que têm leis próprias, são autônomos. As leis fundamentais são,
com frequência, tautologias. A do campo econômico, elaborada pelos filósofos
utilitaristas: negócios são negócios; a do campo artístico, explicitamente
colocada pela escola que se diz da arte pela arte: a finalidade da arte é a arte,
a arte não tem outro objetivo que não seja a arte... Temos assim universos
sociais com uma lei fundamental, um nomos independente de outros
universos, que são auto-nomos, que avaliam o que se faz ai, as questões que ai
estão em jogo, de acordo com princípios e critérios irredutíveis aos de outros
universos. (Bourdieu, 1996, p. 147-148)
É ainda Renato Ortiz que presta uma preciosa ajuda na elucidação do conceito
de campo, fornecendo-nos importantes dados sobre a estruturação de um campo no
pensamento de Bourdieu.
152 Perspectivas clássicas em sociologia da religião
Uma vez que a religião, e em geral todo sistema simbólico, está predisposta a
cumprir urna função de associação e de dissociação, ou melhor, de distinção,
um sistema de práticas e crenças está fadado a surgir como magia ou como
feitiçaria, no sentido de religião inferior, todas as vezes que ocupar uma
posição dominada na estrutura de relações de força simbólica, ou seja, no
sistema das relações entre o sistema de práticas e de crenças próprias a uma
formação social determinada. Desta maneira, costuma-se
154 Perspectivas clássicas em sociologia da religião
designarem geral como magia tanto uma religião inferior e antiga, logo
primitiva, quanto uma religião inferior e contemporânea, logo profana (aqui
equivalente a vulgar) e profanadora. Assim a aparição de uma ideologia
religiosa tem por feito relegar os antigos mitos ao estado de magia ou de
feitiçaria. Como observa Weber, é a supressão de um culto sob a influência de
um poder político ou eclesiástico, em prol de uma outra religião, que,
reduzindo os antigos deuses à condição de demônios, deu origem no curso do
tempo à oposição entre a religião e a magia. (Bourdieu, 1992, p. 43-44, grifo do
original).
SÍNTESE
Neste capitulo, abordamos, em primeiro lugar, o problema da teodiceia com base em
Max Weber e Peter L. Berger. Com base nisso, definimos teodiceia como uma explicação
teológica (teórica) e ritual (prática) de como o mal pode existir em um mundo criado
por uma divindade boa e/ou amorosa.
155 Perspectivas clássicas em sociologia da religião
Em seguida, com base em Pierre Bourdieu, tratamos do debate sobre campo, que
pode ser compreendido como uma realidade estruturada mediante a qual as ações dos
sujeitos (pessoas ou coletividades) estão previamente estabelecidas e/ou regradas.
INDICAÇÕES CULTURAIS
BENDIX. R. Max Weber: um perfil intelectual. Traduzo de Elisabeth Hanna e José
Viegas Filho. Brasília: UnB, 1986.
Mesmo que tenha sido escrito e traduzido há muito tempo, ainda é uma das melhores
introduções ao pensamento de Max Weber.
ATIVIDADES DE AUTOAVALIAÇÃO
1. Qual das ideias abaixo melhor contribuiu para o que se entende atualmente
sobre sociologia?
A] O entendimento de que a magia não passa de um culto secreto, que não
agrega sentido algum para as práticas sociais.
B] A conclusão de que a religião e a sociedade são duas entidades que não
podem coexistir.
C] A percepção de que as culturas tribais estão mais corretas do que a dita
civilização em seu modo de viver.
D] O esclarecimento de que a religião é um mero produto histórico, que não
influencia na vida da grande maioria das pessoas atualmente.
E] A proposição de um método cientifico autônomo, que considera fatos sociais
como objetos de estudo.
4. O que é teodiceia?
A] Uma prática organizadora e construtora de mundo, perante o caos que os
desafetos da vida cotidiana proporcionam, por meio da qual os seres
humanos buscam encontrar a presença divina.
B] Um discurso desorganizador e desconstrutor de mundo, perante o caos que
os desafetos da vida cotidiana proporcionam, por meio do qual os seres
humanos insistem em afirmar e reafirmar a presença divina.
C] Uma prática desorganizadora e desconstrutora de mundo, perante o caos
que os desafetos da vida cotidiana proporcionam, por meio da qual os seres
humanos insistem em afirmar e reafirmar a presença divina.
D] Um discurso organizador o construtor de mundo, perante o caos que os
desafetos da vida cotidiana proporcionam, por meio do qual os seres
humanos insistem em afirmar e reafirmar a presença divina.
E] Um discurso organizador e construtor de mundo, perante o caos que os
desafetos da vida cotidiana proporcionam, por meio do qual os seres
humanos insistem em afirmar e reafirmar a presença demoníaca.
158 Perspectivas clássicas em sociologia da religião
ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM
um mundo melhor se não houvesse religião. Mesmo não tendo crença religiosa, ele
admitiu que ela exerceu e ainda exerce um papel importante na sociedade. Sua teoria
é muito interessante e parte do pressuposto de que a religião, ao invés de irracional,
está envolvida em um processo permanente de “escolhas racionais”.
Só nos resta, agora, convidá-lo para refletir conosco: Como a religião passou a
ser vista como uma forma de saber irracional? O que são racionalidade e
irracionalidade? Como a crítica ao Iluminismo permitiu uma revisão do papel da
religião na sociedade? Como você concebe a religião, como algo racional ou irracional?
Quando você experimenta a religião, que funções da sua vida interior estão em ação?
Religião e a teoria
6.1
da secularização
Este tópico está elaborado com base no livro de Peter L. Berger, Os múltiplos altares da
modernidade rumo a um paradigma da religião numa época pluralista. A obra é uma revisão
de sua teoria (secularista) da religião dos anos 1960, presente em outra de suas obras,
a qual estudamos anteriormente, O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica
da religião.
O livro Os múltiplos altares da modernidade foi publicado originalmente em 2014,
nos Estados Unidos, e traduzido para nossa língua em 2017 e, ao que parece, foi seu
último livro. Em O dossel sagrado, Berger procurava explicar quais seriam os fatores
sociais/sociológicos que justificariam o declínio das religiões nas sociedades de seu
tempo. Como ele percebeu que sua explicação, após mais de 50 anos decorrentes, não
tinha mais sintonia com o mundo empírico, fez uma revisão crítica dela.
Berger não pensava que tivesse errado apenas ao formular sua teoria da
secularização, então passou a avaliar o que ainda seria
163 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião
cabível e o que precisaria ser modificado. A ideia de que a religião seria subtraída da
vida social foi o principal erro, embora as sociedades ainda devam ser consideradas
secularizadas. A questão fundamental, então, passava a ser uma investigação sobre o
que significava dizer que vivemos em sociedades secularizadas. A resposta está no
subtítulo do livro, isto é, nossa secularidade implica no convívio de categorias
cientificas com diversos discursos religiosos, fazendo-nos desembocarem um
pluralismo. Seu problema estava formulado da seguinte maneira: “a chamada teoria
da secularização estava equivocada ao pressupor que a modernidade leva
necessariamente a um declínio da religião, razão porque precisamos substituí-la por
uma teoria do pluralismo, um projeto para o qual este livro pretende dar uma modesta
contribuição” (Berger, 2017b, p. 107).
Em sua revisão, ele afirma que não errou ao dizer que vivemos em uma
sociedade secularizada, mas na elaboração do próprio conceito. O termo secularização
era definido como declínio ou subtração da religião na vida social. Ele manteve o
termo, mas conferiu um novo sentido a ele: “Contudo, a teoria anterior não estava
completamente errada. A modernidade realmente produziu um discurso secular, que
permite às pessoas lidar com muitas áreas da vida sem referência a qualquer definição
religiosa da realidade” (Berger, 2017b, p. 107). Como podemos notar, ele não está mais
prevendo a extinção da religião, apenas dizendo que há um discurso secular, o que
entendemos como falo irrefutável, o que não significa a substituição da ciência pela
religião, mas o convívio/disputa entre ambas.
Assim, a modernidade produziu duas formas de pluralismo, uma que faz
conviver religião e ciência, como vimos no parágrafo anterior, e outra, que faz
diferentes religiões conviverem entre si em um amplo e complexo mercado religioso.
Vejamos as duas formas de pluralismo nas palavras do autor: “O primeiro é o
pluralismo de
164 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião
Existe uma posição privilegiada do discurso secular na mente das pessoas? Sim,
definitivamente. Existe uma posição exclusiva? Em alguns casos, sim;
geralmente, não E foi aí que tanto os teóricos da secularização quanto seus
críticos cometeram um erro. Eu inicialmente pertencia ao primeiro grupo,
depois me juntei ao segundo, mas ambos os grupos superestimam a coerência
da consciência humana. Na experiência da maioria dos indivíduos, a
secularidade e a religião não são mutuamente contraditórias. (Berger, 2017b,
p. 112)
compreender que vivemos com diferentes relevâncias o tempo todo, e não somente
quando navegamos entre relevâncias religiosas e seculares” (Berger, 2017b, p. 117). É
como se falássemos diferentes idiomas: o da religião e o da ciência. Se posso solucionar
meu problema de forma religiosa, eu o faço, como seria o caso de uma crise existencial;
mas o que fazer se preciso de uma cirurgia? Apelo para a ciência. Todavia, nem tudo
é tão extremo assim no cotidiano. Na verdade, passamos de um registro (religião) a
outro (ciência), muitas vezes, no mesmo dia. Fosso ser religioso, mas não vou deixar
de tomar um analgésico se estiver com dor de cabeça.
Uma bela metáfora explica o funcionamento da mente de uma pessoa religiosa:
Quando se trata de religião, é útil ler em mente que os seres humanos não são
lógicos. (...) Existe provavelmente uma espécie de impulso para a coerência na
mente, mas frequentemente esta coerência é tênue ou vaga. (...) Visto que
pluralismo significa que os indivíduos juntam suas crenças religiosas, tal como
uma criança usa peças de lego para construir um edifício idiossincrático, não
surpreende que algumas das construções subsequentes pareçam um pouco
estranhas. (Berger, 2017b, p. 118)
Precisamos nos lembrar de que não são apenas os fundamentalismos que são
perigosos, mas lambem os relativismos. Segundo Berger (2017b, p. 133), “Tanto o
relativismo quanto o fundamentalismo são perigosos para os indivíduos e muito mais
para a sociedade. O relativismo encaminha os indivíduos no sentido do niilismo moral;
o fundamentalismo no sentido do fanatismo”.
O autor chama a atenção para o papel das instituições na criação de certezas
para as pessoas: “A teoria sugere que as instituições funcionam melhor quando elas se
assemelham a instintos – programas de comportamento que podem ser seguidos
espontaneamente, sem reflexão. (...) O pluralismo moderno enfraquece este dado-
como-certo, obrigando os indivíduos a hesitar em refletir sobre os programas
institucionais* (Berger, 2017b, p. 134). Consideramos muito interessante essa
percepção de que as instituições funcionam de maneira parecida com nossos instintos,
ao programarem nossas vidas para agirem de uma certa forma. Não é isso que temos
experimentado no Brasil recentemente, quando grupos religiosos e não religiosos
passam a desembocar em formas conservadoras de comportamento, fazendo parecer
que estamos na Idade Média de novo?
Para terminar, devemos nos lembrar de que a teoria da secularização de Berger
foi elaborada ao longo dos anos 1960. No entanto, ele foi capaz de revisá-la nas décadas
seguintes, até o ano de 2014, data da publicação de Os múltiplos altares da modernidade,
quando o autor tinha mais de 80 anos. Esses fatos demonstram a capacidade que o
memorável sociólogo da religião tinha de se reinventar, de se reciclar, para se
manterem sintonia com o que se passava no mundo religioso de seu tempo. Quantas
pessoas conhecemos com essa capacidade?
167 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião
Religião e a teoria
6.2
da racionalidade
Neste tópico, vamos seguir pelas trilhas de Jürgen Habermas, um importante filósofo
social da atualidade. A erudição e a diversidade temática de seu pensamento podem
ser percebidas na classificação de suas obras em três conjuntos temáticos: (1)
epistemológicas, (2) filosóficas e (3) sociológicas (Aragão, 1997). As matrizes do
pensamento de Jürgen Habermas são assim sintetizadas por Luiz Bernardo L. Araújo
(1996, p. 19):
de sua teoria da evolução social que, por sua vez, é uma aplicação de sua teoria da
racionalidade, e que ambas as teorias que se pretendem científicas sofrem a influência
da filosofia de Hegel” (Aragão, 1997, p. 113).
Feitas essas observações, é importante abordar a teoria da racionalidade do
referido filósofo social. O pensamento social contemporâneo trabalha a categoria da
subjetividade; já Habermas, a categoria da intersubjetividade. As fontes dessa forma
de pensar estão no Jovem Hegel e no Jovem Marx (Araújo, 1996). Na visão do pensador
da Escola de Frankfurt, houve uma ruptura no pensamento de Hegel. O Jovem Hegel
trabalha a categoria de intersubjetividade, ao passo que o Velho Hegel abandona essa
categoria em detrimento de outra, a de subjetividade (Araújo, 1996). A gestação do
sujeito, no Jovem Hegel, ocorre por meio de um processo de três esferas fundamentais:
(1) linguagem, (2) instrumento e (3) família (Araújo, 1996). A construção do sujeito
decorre de um processo social; a identidade d»* um sujeito não acontece fora de um
processo de socialização, pois só há sujeito em um processo de interação. 0 Jovem Marx
desconhecia os textos do Jovem Hegel, mas conseguiu percebera relação entre trabalho
e interação (Araújo, 1996). Para Habermas, Marx tem uma tendência cada vez mais
clara de fazer do trabalho o elemento fundamental da gestação da humanidade. O
problema é que Marx relaciona a sociabilidade ao trabalho, que passa a concebê-lo de
forma reducionista. O trabalho passa a ser o modelo de todas as esferas da vida social.
Habermas percebe que a grande patologia da humanidade é a instrumentalização de
todas as instâncias sociais. A crítica de Marx ao capitalismo se reduzia ao aspecto da
instrumentalidade.
Habermas pretende superar a compreensão reducionista que concebe a razão
somente em seu aspecto instrumental. O caminho para a superação dessa
compreensão reducionista está na linguagem.
169 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião
Habermas cré que o motivo mais forte que levou homens a buscarem a
convivência social e a evoluir enquanto espécie não foi o trabalho, e sim a
interação, e isto fica bastante claro, quando ele estabelece a aquisição da
linguagem como o marco decisivo para o início da história humana. Habermas
acredita, em segundo lugar, que a evolução material das sociedades é uma
consequência de sua evolução cultural. Exatamente porque a evolução cultural
tem esse papel preeminente na sua teoria da evolução social, Habermas se
dedica a analisar as “etapas de reflexão” pelas quais as sociedades passaram
até alcançar o estágio atual, o da modernidade. (Aragão, 1997, p. 74)
Ressaltamos que a citação acima é importante como ponto de partida para uma
análise da teoria da religião de Jürgen Habermas, visto que ela não se encontra
sistematizada no universo de sua teoria. A possibilidade de analisar a religião com
base no pensa mento desse autor está conectada à sua tríplice teoria acima colocada –
teoria da racionalidade, teoria da evolução social e teoria da sociedade/capitalismo
maduro. Vamos apresentar a relação entre a teoria da religião e sua tríplice teoria.
Qual o papel da religião na construção da racionalidade moderna? A que esfera
de racionalidade está conectada a religião? Ela ajuda a construir e a manter a dimensão
instrumental/normativa da racionalidade ou tem um papel ligado à construção da
racionalidade expressiva? C) referido autor, na esteira de Weber, está disposto a
reconhecer um papel importante da religião no processo de construção da
racionalidade. No entanto, de maneira
173 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião
Religião e a teoria
6.3
da escolha racional
A teoria da escolha racional, de Rodney Stark (2004; 2006), parte do pressuposto de
que a religião é um fenômeno racional. Ao invés de ser algo permeado por pura
irracionalidade, a religião é um fenômeno em que as pessoas fazem escolhas o tempo
todo e estas são balizadas pela razão. Assim, há cálculo sobre lucros e perdas que as
pessoas assumirão em razão de suas escolhas dentro do campo religioso.
A teoria de Stark é formulada com base na elaboração de proposições que são
realizadas na observação de agentes religiosos. Depois de elaboradas, as proposições
são testadas em universos religiosos empíricos para dar lugar aos ajustes necessários.
Assim, a teoria consiste em uma grande quantidade de afirmações, que são feitas sobre
o que é a religião e como ela funciona, as quais têm a pretensão de servir como guia
do que um pesquisador pode encontrar quando se defronta com diferentes religiões.
Há três importantes textos de Stark traduzidos para o português: l)um artigo
eletrônico, Trazendo a teoria de volta (2004), no qual ele faz uma síntese de sua teoria; 2)
um livro sobre o cristianismo primitivo, O crescimento do cristianismo: um sociólogo
reconsidera a história (2006), no qual a teoria é apresentada dissolvida em meio às
análises que faz do fenômeno empírico; e 3) um livro em que sua teoria é explicada e
detalhada, Uma teoria da religião (2008), em coautoria com William Sims Bainbridge.
Daremos prioridade aos dois primeiros textos por serem mais acessíveis. Nossa
estratégia
176 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião
será a de apresentar alguns dos axiomas da teoria do autor para ilustrar o modo como
essa teoria é elaborada. Quem desejar conhecer toda a teoria e as devidas explicações,
deve 1er o terceiro livro mencionado, no qual, ao final, todos os axiomas, as definições
e as proposições da teoria são sintetizados.
Então, vamos aos textos de Stark.
Como podemos observar, Stark vê a religião como algo racional e que está
direcionado para a busca de compensadores – que são substitutos de recompensas –,
os quais não são muito acessíveis ou estão indisponíveis. A busca pela religião não
seria mero acaso ou para simplesmente saciar a sede existencial das pessoas, mas para
ajudá-las a resolver problemas que não poderiam ser solucionados de outra forma.
Para o autor, “A pertença a uma religião mais dispendiosa é, para muitas
pessoas, uma “boa barganha” (Stark, 2006, p. 198). Isso explica por que muitas pessoas
se submetem a situações consideradas por outros como exploração ou absurdo, mas o
fato é que algum benefício estão colhendo, caso contrário não permaneceriam naquela
instituição.
177 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião
Muito interessante também é a visão que o autor tem da associação entre vida
material e adesão religiosa.
Stark também apresenta algumas ideias interessantes sobre o modo de ação dos
deuses, que são definidos como seres racionais por excelência, assim como aborda o
tema da relação entre o bem e o mal, assunto que também analisamos anteriormente,
mas agora sob outro prisma.
Bem e mal se referem às intenções dos deuses nas suas trocas com os humanos.
O bem consiste na intenção de permitir que os humanos se beneficiem com as
trocas. O mal consiste na intenção de infligir trocas coercitivas ou decepções
aos humanos, levando a perdas por parte deles. [...]
Quão mais complexa a cultura, mais clara a distinção entre deuses bons e maus.
[...]
Os seres humanos buscam fazer trocas com os deuses bons, evitando fazer
trocas com deuses maus. [...]
Quanto mais urna economia religiosa não for regulada, mais tenderá a ser
pluralista.
180 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião
A teoria de Stark também trata do papel social das conversões religiosas, outro
assunto central da sociologia da religião: “A conversão a grupos religiosos novos e
dissidentes ocorre quando, mantido tudo o mais, as pessoas têm ou desenvolvem
vínculos mais fortes com membros do grupo do que aqueles que têm com não-
membros” e confirma isso quando diz que “os novos movimentos
181 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião
religiosos arregimentam seus prosélitos sobretudo entre os setores religiosa – mente inativos e
descontentes, e entre membros de comunidades religiosas mais acomodadas (mundanas)”
(Stark, 2006, p. 29, grifo do original). Além disso, acrescenta que “o ceticismo religioso
predomina com maior intensidade entre os indivíduos mais privilegiados” (Stark, 2006, p. 49,
grifo do original).
Como a conversão, do ponto de vista da sociologia da religião, é um fato social,
precisa tratar das condições sociais e culturais que são mais propicias à adesão da uma
nova religião.
número de fiéis cristãos, que convidavam seus amigos, parentes e vizinhos para
compartilhar a “boa-nova”. (Stark, 2006, p. 231)
A simples frase “pois Deus amou o mundo de tal maneira...” seria capaz de
desconcertar um pagão instruído. E a ideia de que os deuses preocupavam-se
com o modo como nos tratamos mutuamente teria sido descartada como
manifestamente absurda.
Da perspectiva pagã [...], a Ideia de que Deus ama aqueles que o amam era
inteiramente nova. (Stark, 2006, p. 236, grifo do original)
SÍNTESE
Neste capitulo, abordamos três grandes temas da sociologia da religião na atualidade:
(1) secularização, (2) racionalidade e (3) escolha racional. Cada um dos assuntos foi
explorado, de maneira majoritária, com base, respectivamente, nos seguintes autores:
Peter L. Berger, Jürgen Habermas e Rodney Stark.
Podemos definir secularização, inicialmente, como o processo mediante o qual a
importância da religião vai sendo subtraída da vida social. Peter L. Berger revisou o
conceito e passou a considerá-lo como uma situação em que a religião começa a
enfrentar uma dupla concorrência: com as demais religiões e com as categorias
científicas.
Com base em Jürgen Habermas, vimos que a religião não é um fenômeno
irracional, mas comporta uma racionalidade própria. Além disso, vimos que o tempo
presente seria marcado por uma colonização do mundo da vida pela lógica sistêmica,
especialmente pelo subsistema econômico.
Por fim, com base em Rodney Stark. vimos que, nas religiões, funciona uma
lógica racional que leva sujeitos e coletividades a fazerem escolhas permeadas de
cálculos de lucro e perda.
INDICAÇÕES CULTURAIS
ARAÚJO, L. B. L. Religião e modernidade em Habermas. São Paulo Loyola. 1996.
Uma importante introdução ao pensamento de Habermas, recomendável para quem
nunca leu diretamente o filósofo alemão, que apresenta alguma dificuldade ao
iniciante.
185 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião
VATTIMO. G.; PATERLINI, P. Não ser Deus: uma autobiografia a quatro mãos.
Tradução de Frederico Carotti. Petrópolis Vozes, 2018.
Os filósofos italianos contemporâneos têm uma abordagem muito original e
interessante sobre a religião na atualidade.
186 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião
ATIVIDADES DE AUTOAVALIAÇÃO
1. De acordo com o que foi exposto neste capitulo, o que foi o Iluminismo?
A] Um movimento religioso que primava pela busca da luz do Espírito Santo.
B] Um movimento religioso que primava pelo uso da razão.
C] Um movimento social e cultural do século XVIII que tinha como principal valor
o fanatismo religioso.
D] Um movimento social e cultural do século XVIII que tinha como principal valor
o racionalismo.
E] Um movimento social e cultural do século XVIII que tinha como principal valor
o ativismo religioso.
2. Peter L. Berger (2017b) usa uma metáfora para explicar a mente de uma pessoa
religiosa. Que metáfora e essa e como ela explica a experiência religiosa de um
determinado sujeito?
A] É a metáfora de um jogo infantil de peças de lego, que permite perceber que,
quando se trata de religião, os seres humanos não são ilógicos e não
surpreende que algumas das construções que realizam sejam estranhas, pois
juntam fenômenos de forma idiossincrática.
B] É a metáfora do jogo de quebra-cabeças, que permite perceber que, quando
se trata de religião, os seres humanos não são lógicos e não surpreende que
algumas das construções que realizam sejam estranhas, pois juntam
fenômenos de forma idiossincrática.
C] É a metáfora do jogo de quebra-cabeças, que permite perceber que, quando
se trata de religião, os seres humanos são muito lógicos e não surpreende
que algumas das construções que realizam sejam encantadoras, pois juntam
fenômenos de forma idiossincrática.
D] É a metáfora de um jogo infantil de peças de lego, que permite perceber que.
quando se trata de religião, os seres
187 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião
humanos não são lógicos e não surpreende que algumas das construções que
realizam sejam estranhas, pois juntam fenômenos de forma idiossincrática.
E] É a metáfora de um jogo infantil de peças de lego, que permite perceber que,
quando se trata de religião, os seres humanos são razoavelmente lógicos e
não surpreende que algumas das construções que realizam sejam coerentes,
pois juntam fenômenos de forma idiossincrática.
3. Qual seria uma boa definição de secularização com base em Peter L. Berger?
A] Processo mediante o qual a importância da religião foi sendo subtraída da
vida social, fato que levou Berger a revisar o conceito e a considerá-lo como
uma situação em que a religião passa a enfrentar uma dupla concorrência:
com as demais religiões e com as categorias cientificas.
B] Processo mediante o qual a importância da religião foi sendo elevada na
vida social, fato que levou Berger a revisar o conceito e a considerá-lo como
uma situação em que a religião passa a enfrentar uma dupla concorrência:
com as demais religiões e com as categorias cientificas.
C] Processo mediante o qual a importância da religião foi sendo subtraída da
vida social, fato que levou Berger a revisar o conceito e a considerá-lo como
uma situação em que a religião não enfrenta mais concorrência.
D] Processo mediante o qual a importância da religião foi sendo elevado na
vida social, fato que levou Berger a revisar o conceito e a considerá-lo como
uma situação em que a religião não enfrenta mais concorrência.
E] Processo mediante o qual a importância da religião foi sendo subtraída da
vida social, fato que levou Berger a revisar o conceito e a considerá-lo como
uma situação em que a religião passa a enfrentar apenas a concorrência de
outras religiões.
188 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião
5. O que podemos dizer sobre escolha racional com base na teoria de Rodney
Stark?
A] Que nas religiões funciona uma lógica racional que leva sujeitos e
coletividades a não fazerem escolhas com base em cálculos de lucro e perda.
B] Que nas religiões funciona uma lógica irracional que leva sujeitos e
coletividades a fazerem escolhas com base em cálculos de lucro e perda.
C] Que nas religiões funciona uma lógica racional que leva sujeitos e
coletividades a fazerem escolhas com base em cálculos de lucro e perda.
D] Que nas religiões funciona uma lógica racional que não leva sujeitos e
coletividades a fazerem escolhas com base em cálculos de lucro e perda.
E] Que nas religiões não funciona uma lógica racional que leva sujeitos e
coletividades a fazerem escolhas com base em cálculos de lucro e perda.
189 Perspectivas contemporâneas em sociologia da religião
ATIVIDADES DE APRENDIZAGEM
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1
A diversidade religiosa do Brasil é relativa porque, somadas as adesões a diferentes instituições cristãs,
atingimos cifras acima dos 90%. Por isso, seria mais correto falar em diversidade de instituições cristãs, e não em
diversidade religiosa, o que implicaria em números mais significativos de pessoas que aderissem a religiões
diferentes do cristianismo.
192
como pressuposto que o ensino religioso é ministrado em uma escola pública com
ensino fundamental e médio. Um Estado laico estaria em contradição consigo mesmo
(com seus preceitos) se ele fosse o promotor de um ensino de cunho doutrinário, no
sentido mais óbvio da palavra.
Se ensino religioso não pode significar ensino doutrinário, você concordará
conosco que há uma infelicidade na escolha da terminologia. Adiante, vamos defender
a ideia de que a melhor (menos ambígua) expressão seria ensino sobre o fenômeno
religioso. Nesse momento, basta constatar que a terminologia, ao menos em parte, pode
explicar por que as disciplinas de ensino religioso têm servido, muitas vezes, como
propaganda de determinadas instituições religiosas.
Se não fosse esse o caso, o de as pessoas compreenderem equivocadamente a
natureza do ensino religioso, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN 9.394, de 20 de dezembro 199b), que prevê o ensino religioso no ensino
fundamental, não precisaria destacar os seguintes fatos:
De acordo com a lei, apesar de o professor ou a professora dar aulas que são
designadas como ensino religioso, precisa (1) respeitar a diversidade cultural e religiosa
e (2) não fazer de sua tarefa uma propaganda ou promoção de sua religião.
Diferentemente do ensino teológico, que é realizado no e com base no interior de uma
dada confissão, o ensino religioso precisa manter um distanciamento de preceitos de
uma dada confissão. Como fazer isso se o índice
193
de pertença religiosa de nosso país é maior que 90%? Como uma pessoa que quase
sempre é religiosa, mesmo que de diferentes formas e graus, pode se envolver na tarefa
de dar aulas de uma temática que está tão envolvida existencialmente sem desrespeitar
seus alunos e alunas?
Não estamos certos de que se possa encontrar uma fórmula que apresente
saídas satisfatórias às questões colocadas no parágrafo anterior. Arriscaríamos dizer
que talvez possamos melhorar ou amenizar os problemas, discutindo os termos o as
tarefas a serem desenvolvidas pela pessoa que dá aulas de ensino religioso, o que
estamos tentando fazer nessas considerações finais.
Outro exemplo, agora levando em consideração uma situação pessoal que vivi como
professor de Teologia. Trabalhei em faculdades teológicas de diferentes confissões. As
pessoas que se matriculavam nas escolas onde trabalhei tinham como objetivo receber
exatamente uma educação de caráter doutrinário. Elas não foram enganadas ou
enroladas ao receberem um ensino com base na perspectiva de uma dada expressão
religiosa. Na verdade, isso fazia parte do pacto entre estudantes e mestres. Diria que
as pessoas
197
básicos, ele teve uma formação acadêmica que lhe proporcionou assimilar algumas
que envolve saber preparar uma aula, utilizar recursos didáticos para realizá-la, assim
como saber como falar em público e gerir os relacionamentos com seus alunos e alunas.
Nossa primeira sugestão é a do que se tome a expressão ensino religioso, até que
a nomenclatura equivocada seja substituída por outra menos ambígua, como apenas
uma designação meramente formal. Mesmo que a disciplina se chame ensino religioso,
o conteúdo a ser ministrado deverá ser o ensino sobre ou acerca do fenômeno religioso.
que o foco objetal desse ensino (e não sua natureza ou qualificativo) seria o fenômeno
História das relações de gênero no Brasil Contemporâneo. Do mesmo modo, ele poderia ter
os que trabalham com temáticas não religiosas e aqueles que lidam com temas em
torno do fenômeno religioso. Por isso, diríamos que é necessário que o educador ou a
educadora não trate a temática religiosa em sala de aula de forma distinta de qualquer
outra, mesmo que o nome da disciplina seja infeliz, como demonstrado anteriormente.
próprios textos sobre o assunto ou auxiliando seus alunos e alunas na mesma tarefa.
imprescindível que as pessoas que dão aula de ensino religioso acatem o artigo 33 da
LDBEN 9.394/96 (Brasil, 1996) como horizonte ético de sua tarefa. Claro que o respeito
à diversidade cultural e religiosa deve ser acolhido pelo mestre de qualquer disciplina.
se abordar um determinado tema, mas que ensine apenas uma forma e negue a
existência ou legitimidade das demais, talvez não esteja realizando com êxito sua
tarefa, ou seja, o valor do respeito à diversidade, seja ela cultural, seja religiosa, seja
referindo-se a preferências políticas e/ou à orientação sexual, pode muito bem ser um
impor uma ou outra a seus pupilos, estaria fazendo algo similar ao ministrante de
aulas de ensino religioso que usa a oportunidade para fazer defesa de uma religião: a
criar um ambiente de sala de aula que permita que todas as pessoas que nela estejam
se sintam à vontade para ouvir os out rose falar com eles com disponibilidade e
Uma terceira sugestão, talvez até mesmo uma alternativa às duas propostas
diferentes confissões religiosas ou laicas. Por exemplo, tratar da questão do aborto com
base em óticas distintas, como seria o caso das diferentes confissões religiosas e da
visão oficial ou legal do assunto, ou mesmo abordar o que aqueles que não creem
pensam sobre o assunto. Essa forma de trabalhar poderia explorar tantos outros lemas
Com base em tudo o que foi exposto neste livro, acreditamos que a
(l)Campo do dogma envolve o sujeito religioso, sua busca por um sentido último para
verdade irrefutável; (2) Campo da teologia – engloba também o sujeito religioso, mas
agora com suas reflexões e debates, que têm como objetivo apresentar a experiência
religiosa como legítima ou razoável; (3) Campo das ciências da religião circunscreve
um sujeito que olha para a religião com distanciamento (quando é religioso) ou
externamente (quando não é religioso), visando analisar a busca das pessoas religiosas
por sentido para suas vidas, assim como os fundamentos que apresentam essa procura.
Esperamos que você possa perceber que apenas é possível distinguir os três
campos de maneira estritamente formal, pois, no mundo empírico, as coisas estão
sempre desarrumadas e misturadas entre si, resultando em infinitas confusões na
abordagem da religião em ambiente escolar. Como as pessoas estão majoritariamente
envolvidas, de alguma forma, com alguma experiência religiosa, apresentam sempre
muita dificuldade para criar o distanciamento necessário e tornar o estudo da religião
respeitoso e razoável para com as opções religiosas e teóricas dos outros.
Esperamos, ainda, que os argumentos apresentados neste texto possam
contribuir para a formalização de cada um dos três campos e, assim, amenizar os mal-
entendidos!
202
REFERÊNCIAS
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BIBLIOGRAFIA COMENTADA
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Paulo: Perspectiva, 1992. (Série Estudos).
Texto muito importante de Pierre Bourdieu para quem estuda religião, mas que,
infelizmente, é de difícil compreensão para os iniciantes. Segundo Bourdieu, a
sociedade é um local no qual há o choque de diversas relações de força, originadas das
significações e das simbolizações.
RESPOSTAS
Capítulo 1 Capítulo 3
Atividades de Autoavaliação Atividades de Autoavaliação
1. e 1. e
2. e 2. a
3. c 3 .c
4. d 4. b
5. a 5. d
Capítulo 2 Capítulo 4
Atividades de Autoavaliação Atividades de Autoavaliação
1. d 1. a
2. a 2. e
3. c 3 .c
4. e 4. b
5. b 5. e
226
Capítulo 5 Capítulo 6
Atividades de Autoavaliação Atividades de Autoavaliação
1. e 1. d
2. a 2. d
3. c 3. a
4. d 4. a
5. b 5. c
227
SOBRE O AUTOR
Alfredo dos Santos Oliva fez doutorado na Universidade Estadual Paulista (Unesp),
na área de História, com uma tese que abordou o discurso sobre o diabo na Igreja
Universal do Reino de Deus, em perspectiva foucaultiana.
Frequentou dois mestrados: o primeiro em Teologia, no Seminário Teológico
Batista do Norte do Brasil (STBNB), com dissertação sobre o papel da Torah no período
medo-persa; o segundo em Sociologia, na Universidade Federal do Ceará (UFC), com
pesquisa realizada sobre a Igreja Universal do Reino de Deus e seus demônios,
abordagem antropológica e dois anos de frequência aos cultos e pesquisa de campo na
Catedral da Fé da Cidade de Fortaleza.
Fez duas graduações. A primeira em Teologia, no extinto Seminário Teológico
de Londrina, com trabalho final no qual elaborou uma exegese do livro do Gênesis,
capítulo 3, quando dissertou sobre o conceito de pecado e de pecado estrutural.
Posteriormente, fez História na Universidade Estadual de Londrina (UEL), onde
passou também a trabalhar e permanece há treze anos. Como na época quem escolhia
cursar licenciatura não fazia trabalho de conclusão de curso, foi iniciado na pesquisa
historiográfica apenas por meio de pequenos trabalhos semestrais.
Ingressou na docência logo que terminou a graduação em Teologia e enquanto
terminava a de História. Por isso, começou sua trajetória como professor de Ensino
Religioso em turmas do ensino fundamental e médio em uma escola particular da
cidade de Londrina. Assim que terminou a segunda graduação, passou
228
Já fazia algo em torno de três ou quatro anos que pesquisava o tema da parrhesia
no Novo Testamento quando uma colega da UEL o convidou para ir a São Bernardo
do Campo, na Universidade Metodista de São Paulo, para participar de um seminário
de pesquisa de um grupo chamado Oracula, que havia começado a analisar os Atos
Apócrifos dos Apóstolos. Desde então, não parou de frequentar os encontros da
confraria. Foi dessa relação que, sob a supervisão do coordenador do referido grupo,
ocorreu fazer um pós-doutorado, o qual foi concluído no início de 2017.