TEMAS DE ESCATOLOGIA
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Luiz Antonio BELINI
TEMAS DE ESCATOLOGIA
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Copyright 2009 by Humanitas Vivens Ltda
EDITOR:
Prof. Dr. José Francisco de Assis DIAS
CONSELHO EDITORIAL:
Prof. Ms. José Aparecido PEREIRA
Prof. Ms. Leomar Antônio MONTAGNA
Prof. Gunnar Gabriel ZABALA MELGAR
REVISÃO GERAL:
André Luis Sena dos SANTOS
Anna Ligia CORDEIRO BOTTOS
Paulo Cezar FERREIRA
CAPA, DIAGRAMAÇÃO E DESIGN:
Agnaldo Jorge MARTINS
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
Belini, Luiz Antonio
B431t Temas de escatologia [recurso eletrônico] /
Luiz Antonio
Belini. -- Sarandi, Pr : Humanitas Vivens,
2009.
ISBN: 978-85-61837-12-9
Modo de acesso:
<www.humanitasvivens.com.br>.
1. Escatologia. 2. Teologia. 3. História. 4.
Filosofia.
CDD 21.ed. 236.9
Bibliotecária: Ivani Baptista CRB-9/331
6
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .............................................................09
3. A MORTE ........................................................................35
3.1 Morte e escatologia na Bíblia ........................................... 35
3.2 Reflexões teológicas .......................................................40
3.3 Teologia da morte ............................................................43
5. RESSURREIÇÃO ...........................................................55
65
6. RESSURREIÇÃO DA CARNE ......................................
7
8. PARUSIA ..........................................................................81
8.1 Vem Senhor! .................................................................... 81
8.2 (...) de novo há de vir em sua glória,
para julgar os vivos e os mortos” .......................................... 86
9. FIM DO MUNDO:
A PLENITUDE DA CRIAÇÃO ..........................................91
8
APRESENTAÇÃO
9
10
1. INTRODUÇÃO À ESCATOLOGIA
11
aptos a falar também da dimensão ‘supramundana’
da nossa salvação”1.
1
SCHILLEBEECKX, E.; WILLEMS, B., A
Escatologia: perspectiva cheia de esperança da Vida Cristã
(Editorial). Concilium 1969/1, p.5. Embora tenham passado
algumas décadas, parece não ter mudado muito,
especialmente quanto à fé popular, como constata
BETIATO, M. A., Escatologia cristã: entre ameaças e a
esperança. Petrópolis: Vozes, 2006, p.21: “Existe uma larga
diferença entre o discurso escatológico na teologia e a
religiosidade popular. (...) O fato é que o nosso povo, à sua
maneira, vive e respira escatologia no cotidiano da vida. A
reflexão escatológica tem feito a diferença no inconsciente
coletivo da nossa gente. Porém, a teologia popular é uma
teologia produzida a partir do senso comum e na maioria
das vezes viciada, distorcida, carregada de mitos, que
passou de pai para filho nos moldes do discurso teológico da
Idade Média”.
12
um setor importante da história da salvação acerca
do qual dificilmente poderão falar”2.
2
SCHILLEBEECKX, E.; WILLEMS, B., A Escatologia:
perspectiva cheia de esperança da Vida Cristã (Editorial). Concilium
1969/1, p.6.
3
SCHÜTZ, C., Fundamentação geral da escatologia. Em:
FEINER, J.; LOEHRER, M. (Editores), Mysterium Salutis, V/3: A
Escatologia. Petrópolis: Vozes, 1985, p.12: “O próprio conceito
‘escatologia’ é de origem relativamente recente. Aparece pela primeira
vez no Systema locorum theologicorum de A. Calov (+1686); o
volume XII da obra aborda sob o título Eschatologia sacra a morte, a
ressurreição, o juízo e a definitiva consumação do mundo. Somente
com Schleiermacher, todavia, é que ele assume um sentido bem
preciso e vai entrar no uso mais geral”.
13
teologia bem tarde4. A origem do termo nos é apresentado
por Schütz:
4
GRESHAKE, G., Escatologia. Em: LACOSTE, J-Y. (Dir.),
Dicionário Crítico de Teologia. São Paulo: Paulinas; Loyola, 2004,
pp.620. Em relação à sua situação tardia basta atentar para a
afirmação, no contexto da discussão sobre o juízo de HÜNERMANN,
P., Juízo. 3. Novo Testamento e teologia da história. Em: LACOSTE,
J-Y. (Dir.), Dicionário Crítico de Teologia. São Paulo: Paulinas;
Loyola, 2004, pp.965: “A teologia da alta Idade Média até o século
XII, inclusive, não apresenta ainda uma discussão sistemática do juízo
divino no quadro dos eschata. Esta só é tornada possível no s.XIII,
com a elaboração de uma antropologia dotada de um aparato
conceitual estruturado”.
5
SCHÜTZ, C., Fundamentação geral da escatologia. Em:
FEINER, J.; LOEHRER, M. (Editores), Mysterium Salutis, V/3: A
Escatologia. Petrópolis: Vozes, 1985, p.11.
14
dimensão, a alma da pessoa está sendo JULGADA
por Deus no assim chamado JUÍZO PARTICULAR.
Conforme o resultado deste Juízo, a alma ou entra
diretamente no inferno, ou, depois de ter passado
talvez certo tempo no PURGATÓRIO, entra no céu.
Ela aguarda, numa situação de felicidade ou de
tormento, a chegada do JUÍZO FINAL.
Quando o momento deste segundo juízo chegar,
acontecerá também a RESSURREIÇÃO DO CORPO
e, de novo conforme o resultado dos dois
julgamentos, a alma humana, agora reunida com o
seu corpo, passará para toda a eternidade numa
situação de felicidade total, chamada CÉU, ou de
tormento inimaginável, chamado INFERNO”6
6
BLANK, R., Escatologia da Pessoa. Vida, morte e
ressurreição. São Paulo: Paulus, 2000, p.75.
15
portanto, está veiculado no tratado da Criação. A salvação
oferecida ao homem e ao cosmo é a própria comunhão com
o Criador, comunhão experienciada7 como Graça. Mas esta
salvação nos é oferecida de modo específico no mistério da
encarnação-morte-ressurreição de Cristo. A cristologia é a
espinha dorsal da escatologia cristã.
7
Prefiro a palavra “experienciada” a experimentada.
16
alheios. Com esse pequeno excurso, incompleto por sinal,
quis apenas mostrar que a escatologia se inscreve no edifício
teológico e está imbricada com toda a temática teológica.
17
18
2. DO FUTURO UTÓPICO À ESPERANÇA
ESCATOLÓGICA
8
SCHILLEBEECKX, E., Algumas reflexões acerca
da interpretação da escatologia. Em: Concilium 1969/1,
p.40: “Parece-me, por conseguinte, que a indagação do
futuro é um elemento ‘existencial’ na nossa condição
humana. Embora inserido no tempo e nunca fora dele, o
homem não é prisioneiro do tempo no seu crescimento
histórico: transcende o tempo a partir de dentro. Por isso não
pode ele nunca sentir-se satisfeito. Dentro desta condição
temporal, o homem tem, por conseguinte, liberdade de
alcançar uma certa abertura em face do tempo”. Um pouco
antes, o autor havia chamado a atenção para uma
preocupação crescente com o futuro do homem em sua
implicância terrena: “o conceito do ‘futuro terreno do
homem’ começa a exercer uma espécie de polaridade no
pensamento e conhecimento do homem, ao passo que no
passado – pelo menos no Ocidente – a dimensão futura da
história era quase unicamente considerada como uma
questão de finis ultimus, o fim último do homem, depois e
para além desta vida terrena. Desde a redescoberta da
verdadeira historicidade do homem como criatura do
‘tempo’ que, com base no seu passado, fixa o seu curso de
vida no presente com vista a um futuro, desde então a
escatologia é considerada como uma questão que se
encontra encarnada na existência do homem”.
19
comporta um modo específico de vivenciar o futuro: a
esperança9.
Por causa desta propensão para o futuro, o homem
sempre construiu teorias futurológicas. A teologia, contudo,
continua trabalhando com sua própria concepção de futuro.
“A recente quebra das esperanças seculares demanda uma
reflexão sobre suas causas e coloca a pergunta de como
possa afetar também à esperança escatológica cristã”10.
9
GEORGE, A., O juízo de Deus. Esboço de
interpretação de um tema escatológico. Em: Concilium
1969/1, p.9: “Do Antigo ao Novo Testamento, o Povo de
Deus vive incessantemente voltado para o futuro. É mesmo
uma das características que o distingue dos povos que o
rodeiam. Enquanto esses povos vivem num mundo fechado,
submetido ao perpetuo recomeço dos ciclos naturistas, Israel
vive na tensão da salvação que vem; e vê a sua garantia nas
intervenções de Deus ao longo do seu passado: a história
santa”. SCHILLEBEECKX, E., Algumas reflexões acerca
da interpretação da escatologia. Em: Concilium 1969/1,
p.42: “Mas, segundo a Bíblia, a base da expectativa
escatológica do futuro é a certeza, na fé, de uma relação real
e atual com Deus. Esta relação real com o Deus da aliança,
que torna o passado de novo presente, não se deve sacrificar
ao primado do futuro. (...) A base da nossa esperança é, por
conseguinte, a nossa fé em Javé, que tanto no passado como
no futuro se revela como o Deus vivo da comunidade”.
10
RUIZ DE LA PEÑA, J. L., La Pascua de la Creacion.
Escatología. 3ªed. Madri: BAC, 2000, p.4. SCHILLEBEECKX, E.;
WILLEMS, B., A Escatologia: perspectiva cheia de esperança da
Vida Cristã (Editorial). Concilium 1969/1, p.5: “Por conseguinte,
uma das questões básicas que assomam repetidas vezes ao longo dos
artigos deste número de Concilium é a de saber se o aspecto
escatológico da nossa salvação, isto é, o aspecto que diz respeito ao
20
2.1 Tempo humano e futuro do homem.
15
Ibidem, p.16.
23
teleológico, consubstancial à utopia, exige um fim, no duplo
sentido de finalidade e término”16, esta concepção é
insustentável, tanto que o próprio Bloch se vê obrigado a
tomar da Bíblia a idéia de término, mas que não aceitando
Deus, também se torna problemática.
16
Ibidem, p.18.
17
Ibidem.
24
a dupla fase do já e o ainda-não, e celebrar
regularmente seu real advento; a salvação está vindo
constantemente à história graças à sua existência não
depender da história, senão da infinita generosidade
de Deus”18.
18
Ibidem, p.19.
25
trabalha, em fim, com elementos análogos aos que
emprega a escatologia: aposta de fé, esperança no
futuro, abertura à transcendência... Deveria,
portanto, dar-se conta que, se a acusa de
irracionalidade ou utopismo acrítico, se compromete
a si mesma em identica acusação.
“A escatologia sim está em grau de justificar a idéia
de um fim da história que seja real e definitivamente
plenificador, e de dar com sobras, razão da dialética
presente-futuro. E isto porque dispõe da idéia forte
de transcendência, sem a que não há salvação para o
presente, e a que se aplica ao futuro, por mais que se
maquie de novidade absoluta, não é senão a
extrapolação evolutiva do genuinamente alojado no
passado”19.
19
Ibidem, p.22.
26
utópico que, além de propor seu próprio projeto de
futuro, denunciava as carências do que ofereciam os
crentes. Se é verdade que tais carências foram
sanadas (ao menos em boa parte) pela teologia pós-
conciliar, não o é menos que, até a mesma vigília do
Vaticano II, as denúncias a que deram lugar seguiam
sendo pertinentes”20.
20
Ibidem, p.22-23.
27
limitação: individualismo, espiritualismo,
desmundanização”21.
21
Ibidem, p.24.
22
Ibidem, p.24-25.
23
Ibidem, p.25.
28
“Foi justamente a incardinação da escatologia nestas
três coordenadas (individualismo, espiritualismo,
desmundanização) o que conferiu credibilidade à
crítica da utopia, que, no extremo oposto,
confeccionava uma interpretação do futuro humano
em chave social (não individual), encarnada (não
espiritualizada) e mundana (no mais nobre sentido do
termo)”24.
24
Ibidem.
25
Ibidem.
26
SCHILLEBEECKX, E., Algumas reflexões acerca da
interpretação da escatologia. Em: Concilium 1969/1, p.45: “Neste
sentido, não pode haver verdadeira escatologia do futuro sem uma
certa escatologia do presente. Conquanto o futuro tenha em si um
elemento de ‘ainda não’, não podemos ignorar o elemento ‘já’. De
fato, apenas o ‘já’ nos permite dizer algo de significativo acerca do
futuro ainda desconhecido. É, por isso, típico o fato de o Antigo
Testamento nunca descrever o futuro desconhecido em termos
totalmente novos e inesperados. A esperança procura sempre alguma
‘restauração’ ideal, cujos traços particulares se supõe serem
conhecidos do passado. Todavia, o quadro total é sempre novo. A
29
hermenêuticas opostas: a escatologia conseqüente (o reino
de Deus é pura futuridade) e a escatologia realizada (o
reino está já realizado na vida, morte e ressurreição de
Jesus).
28
Ibidem, p.26: ao que tem contribuído a teologia política de
Metz e a teologia latino-americana da libertação. SCHILLEBEECKX,
E., Algumas reflexões acerca da interpretação da escatologia. Em:
Concilium 1969/1, p.47, neste sentido comenta: “A Bíblia não nos dá
um relato histórico de antecipação deste eschaton. Nada sabemos
acerca das últimas coisas transcendentes – o juízo, o regresso de
Cristo, o céu, o inferno, o purgatório – exceto na medida em que já
estão indicados no decurso dos acontecimentos históricos que
exprimem a relação real e atual entre o Deus da aliança e a
humanidade, particularmente em Cristo, ‘último Adão’, isto é, ‘o
homem do eschaton’ (1Cor 15,45; cf. Ap 1,18 e 22,13). Portanto, a
escatologia não nos permite retirar-nos da história terrena, porque é
apenas na profundidade desta história que a eternidade pode começar
a tomar forma. O eschaton pós-terrestre não é senão o problema de
saber como receberá o seu cumprimento final o que já está a crescer
na história deste mundo”. E continua na p.48: “A escatologia não nos
permite já tirar proveito do além, mas é uma tarefa que se deve
realizar responsavelmente por todos os fiéis, dentro do quadro da
nossa história terrestre. (...) Esta salvação deve ser já realizada agora
na nossa história, neste mundo, e assim essa própria história se
transforma numa profecia do eschaton final e transcendente. É a
promessa de um ‘mundo novo’, um poderoso símbolo que nos põe a
pensar e, acima de tudo, a agir. E a credibilidade desta promessa está
na renovação atual, desde já, da nossa história humana. Através da
sua ‘justificação’, os próprios fiéis se tornam responsáveis pela
‘novidade’ deste mundo novo...”. Continua na p.49: “‘o mundo
novo’, irrevogavelmente prometido e, de fato, já a caminho em Jesus
Cristo, não é, portanto, uma realidade pré-fabricada; antes vai
tomando forma como um mundo histórico dentro do processo
histórico da ação na fé neste mundo”.
31
2.4 Esperança e escatologia.
29
Ibidem, p.27.
30
Ibidem.
31
SCHILLEBEECKX, E., Algumas reflexões acerca da
interpretação da escatologia. Em: Concilium 1969/1, p.45: “É
interessante notar aqui que o pensamento bíblico acerca do princípio
(‘protologia’) se acha entretecido com o pensamento escatológico.
Esta ‘protologia’, como é formulada no esboço final da história da
criação, no Gênesis apenas se pode entender com base na experiência
atual da fidelidade de Deus, com suas conseqüentes expectativas
escatológicas. A história da criação é, portanto, uma afirmação
escatológica também”.
32
Por escatologia podemos
32
RUIZ DE LA PEÑA, J. L., La Pascua de la Creacion.
Escatología. 3ªed. Madri: BAC, 2000, p.30.
33
34
3. A MORTE33
33
Esta apresentação do problema da morte humana é uma
simples síntese de RUIZ DE LA PEÑA, J. L., La Pascua de la
Creacion. Escatología. 3ªed. Madri: BAC, 2000. Penso ser importante
publica-la aqui, pois não existe em lingua portuguesa uma tradução de
sua obra. A fidelidade ao seu texto justifica as constantes citações
literais.
35
Aqueles que ensinam que com a morte começa a
retribuição definitiva: esta idéia é desconhecida do AT; ela
pressupõe a revelação neo-testamentária: Lc 23,42s (Ap
1,6). “A salvação definitiva não é uma realidade meramente
escatológica, que atinja o homem somente numa existência
pós-morte, senão que surte efeitos imediatos para quem
optou pela comunhão com Cristo. Isto é bem expresso pelo
termo paradeisos que designa o estado teminal da vida com
Deus, é o símbolo da bem-aventurança. O cumprimento da
esperança messiânica não se demora até o eschaton: é
realidade que já se faz presente desde o hoje do sacrifício de
Cristo. Outros textos: 2Cor 5,8; Flp 1,21-23.
34
RUIZ DE LA PEÑA, J. L., La Pascua de la Creacion.
Escatología. 3ªed. Madri: BAC, 2000, p.253.
36
Cristo, os que morrem nele gozam desde já dessa perfeita
comunhão com ele que é a vida eterna.
38
Ibidem, p.258.
38
Intervenção magisterial. O papa João XXII, em uma
homilia no dia de todos os santos de 1331 retomou a
questão, que já havia sido abandonada:
39
Ibidem, p.259.
40
Ibidem.
39
estudo sistemático sobre o caso: De statu animarum
sanctorum ante generale judicium, no qual negava a
dilatação da visão beatífica, como queria João XXII).
40
a) “A pergunta sobre a morte é a pergunta sobre o
sentido da vida”41. O homem é um ser para a
morte: do ponto de vista biológico (Engels) e
existencial-ontológico (Heidegger). Sua vida terá
um sentido na medida em que o tenha sua morte.
Uma morte sem sentido compromete a própria
existência.
45
Ibidem, p.263.
46
Ibidem.
47
Ibidem, p.264.
42
3.3 Teologia da morte.
43
vida. Tampouco o cristão morre para ficar morto,
mas, igual a Cristo, para ressuscitar. Sua morte é,
por conseguinte – em si mesma, e não somente no que
está por trás dela – uma morte distinta da morte-pena
do pecado. Não é fim, senão transito; não é término,
senão páscoa, passagem da forma de existência
provisória à forma de existência definitiva”48.
48
Ibidem, p.265-6.
49
Ibidem, p.266.
44
criatural). (...) O ato de morrer, em suma, é sempre e
necessariamente um ato de fé (explícita ou implícita)
ou um ato de incredulidade”50.
50
Ibidem, p.267-8.
51
Ibidem, p.268.
52
Ibidem, p.270.
45
46
4. MORTE E SENTIDO DA VIDA
47
querida é uma situação-limite que me abre para o sentido
profundo da existência.
48
campos que não são propriamente seus – pode dar uma
resposta convincente, acaba servindo apenas de fuga. A
prometida eterna juventude ou a perpetuidade por outros
meios – como a própria clonagem – são na verdade fantasias
de rejeição da morte. A pessoa humana é única e irrepetível,
por isso, insubstituível e jamais pode ser tornada objeto. E
nisto reside seu caráter de absolutidade. Também da
tragicidade da morte.
49
4.1 Questão complementar: morte-imortalidade-
ressurreição.
50
inviabiliza a tese da ressurreição (que postula
intrinsecamente um elemento de continuidade, ou seja,
aquilo que foi expresso pela tradição com a idéia de alma)53.
53
É bom lembrar uma distinção: quando falamos desde a
teologia cristã em “imortalidade da alma”, esta “imortalidade” não é
uma propriedade da própria alma – como para o pensamento grego –
mas ação divina.
54
RUIZ DE LA PEÑA, J. L., La Pascua de la Creacion.
Escatología. 3ªed. Madri: BAC, 2000, p.274.
51
sujeito mortal em sua cabal identidade e integridade,
operando assim uma ressurreição e não uma criação
desde o nada”55
55
Ibidem.
56
Ibidem, p.276.
52
4.1.3 Alma separada em um estado intermediário?
57
Chegado a este ponto, o Ruiz de la Peña simplesmente
apresenta – na estrutura atual do livro – em 7 pontos, o escrito da
Congregação para a Doutrina da Fé sobre algumas questões
escatológicas. É preciso lembrar de sua morte prematura, ocorrida
antes que pudesse terminar esta obra, vitimado pelo câncer em
27/09/96. Para melhores informações, a apresentação do livro feita por
Joaquin L. Ortega.
53
condição de possibilidade da ressurreição. Neste
sentido, deveria falar-se de uma imortalidade que
é mais dom sobrenatural, que mera qualidade o
condição natural”58.
58
RUIZ DE LA PEÑA, J. L., La Pascua de la Creacion.
Escatología. 3ªed. Madri: BAC, 2000, p.278.
54
5. RESSURREIÇÃO
59
ORÍGENES, Contra Celso. São Paulo: Paulus, 2004, Livro I,
7 (p.46).
60
DARTIGUES, A., Ressurreição dos mortos. B. Teologia
histórica. Em: LACOSTE, J-Y. (Dir.), Dicionário Crítico de Teologia.
São Paulo: Paulinas; Loyola, 2004, p. 1533.
55
lembrar que para o ambiente dos apóstolos – e mesmo antes
– esta realidade que estavam vivenciando era algo novo e
não possuíam uma palavra para designa-la em toda sua
riqueza, o que os forçava a expressar-se através de palavras
já conhecidas, mas carregadas de um significado novo.
Etienne Charpentier nos explica que “ressuscitar: esta única
palavra em português traduz, na realidade, duas imagens
‘fazer levantar, surgir’ (anistai, em grego) ou então ‘fazer
levantar, despertar’ (égeirein, em grego). Estas duas
palavras fazem parte da linguagem corrente para exprimir a
passagem da posição deitada para a posição de pé ou do
sono ao despertar. Quando aplicadas aos defuntos, apelam
para uma mentalidade mítica (comum a muitos povos) na
qual a morte é concebida como um sono ou como a descida
aos ‘infernos’”61, que era, para estes povos, um lugar
indiferenciado para todos os mortos, como o Hades para os
gregos ou o Sheol (por exemplo: Jó 3, 19; Ecl 2, 15) para os
judeus, não tendo ainda o significado que tem hoje62.
61
CHARPENTIER, E., Cristo ressuscitou! São Paulo: Paulinas,
1983, p.31.
62
Isto nos mostra que nem o povo grego nem o judeu
acreditaram em uma morte “total”. Embora tenha sido uma postura
teológica comum entre os teólogos protestantes do final do século
XIX e início do século XX. J. Ratzinger, Escatologia. Morte e vida
eterna. 2ºed. Assis: Cittadella Editrice, 1979, p.119, cita por exemplo
Carl Stange (1870-1959) e Adolf Schatter (1852-1938), aos quais
aderiu em um primeiro momento também o famoso Paul Althaus. Mas
que teria já suas conseqüências a partir da posição de Lutero, como o
mesmo Ratzinger procura demonstrar em um artigo: Entre a morte e
a ressurreição, COMMUNIO 1/1982, p. 73ss. Isto é importante para o
modo de compreender a ressurreição: se a morte é a aniquilação
completa do homem, a ressurreição deveria ser entendida como uma
nova criação, ficando assim comprometida a identidade entre a pessoa
que morreu e a que ressuscitou. Neste contexto poderemos entender o
conceito alma imortal tal como foi usado pela tradição: indicando esta
56
Com a palavra ressurreição se começou a indicar uma
experiência que ia muito além de um simples “levantar-se”
ou “acordar” de uma noite de sono. Com ela se começou a
indicar esta experiência de fé em uma existência pessoal
depois da morte. É uma experiência de fé porque brota da
certeza que Deus é fiel e não abandona os que são seus.
Deus se revela como o Deus da vida também para aqueles
que passam pela morte. Deus possibilita uma existência
pessoal, ou seja, quem ressuscita é verdadeiramente aquele
que morreu, há aqui uma identidade que expressa uma
continuidade, embora para uma situação existencial
completamente nova, expressa em nossa frase com o
“depois da morte”, indicando assim uma novidade.
66
RUIZ DE LA PEÑA, J. L., La pascua de la creacion.
Escatología. 3ªed. Madri: BAC, 2000, p.78: “é claro que não se fala
de uma ressurreição dos indivíduos, senão do povo enquanto tal”.
Segundo este autor, é a mesma situação de Ez 37, 1-14.
59
devolve, centuplicada, essa vida que o mártir havia
entregue”67.
67
Ibidem, p.83. É preciso notar que aqui se menciona a fé na
ressurreição apenas dos bons: “Vale a pena morrer pela mão dos
homens, quando se espera que o próprio Deus nos ressuscite. Para
você [rei injusto], porém, não haverá ressurreição para a vida” (2Mac
7, 14).
68
Esta problemática da alma imortal ocupa boa parte da reflexão
teológica na história. Desenvolvida e popularizada em ambiente grego
60
afirmando uma salvação “privatizada” (do indivíduo
somente): a promessa de salvação é para todo o gênero
humano e a ressurreição é um evento comunitário. Em nossa
existência o outro, aquele com o qual nos encontramos,
convivemos, não é um mero acréscimo, faz parte
verdadeiramente do que somos, por isso afirmamos que o
ser humano é “naturalmente” um ser social69.
70
Ao iniciar o documento Gaudium et Spes, o Concílio explicita
que é esta a visão de homem que orienta sua compreensão: “É a
pessoa humana que deve ser salva. É a sociedade humana que deve ser
renovada. É, portanto, o homem considerado em sua unidade e
totalidade, corpo e alma, coração e consciência, inteligência e vontade,
que será o eixo de toda a nossa explanação”(n.3) .
71
CATECISMO DA IGREJA CATOLICA, n.646: “A
ressurreição de Cristo não constitui uma volta à vida terrestre, como
foi o caso das ressurreições que Ele havia realizado antes da Páscoa: a
filha de Jairo, o jovem de Naim e Lázaro. Tais fatos eram
acontecimentos miraculosos, mas as pessoas contempladas pelos
milagres voltaram simplesmente à vida ‘ordinária’, pelo poder de
Jesus. Em determinado momento, voltariam a morrer. A ressurreição
de Cristo é essencialmente diferente”.
62
A ressurreição é esta existência transformada e
plenificada pela presença de Deus Trindade (elemento de
novidade) da pessoa na totalidade de seu ser individual e
social (elemento de continuidade). Podemos afirmar que a
ressurreição faz de nós aquilo que Deus sempre quis que
fôssemos (condição que havíamos perdido – não apenas
enquanto indivíduo, mas também como gênero – pelo
pecado72). Portanto, com o termo ressurreição expressamos
tanto o processo de restauração daquilo que Deus quer que
sejamos quanto o estado definitivo que alcançamos no
termo deste processo73.
Por fim, a ressurreição é uma “certeza de nossa fé”,
horizonte dentro do qual nós a podemos desde já
experienciar, por exemplo, nos sacramentos, como no
batismo: “Ou vocês não sabem que todos nós, que fomos
batizados em Jesus Cristo, fomos batizados na sua morte?
Pelo batismo fomos sepultados como ele na morte, para que,
72
GAUDIUM ET SPES, n.18: “Ensina a fé cristã que a morte
corporal, da qual o homem seria subtraído se não tivesse pecado, será
vencida um dia, quando a salvação perdida pela culpa do homem lhe
for restituída por seu onipotente e misericordioso Salvador. Pois Deus
chamou e chama o homem para que ele, com a sua natureza inteira, dê
sua adesão a Deus na comunhão perpétua da incorruptível vida
divina”.
73
Ibidem, n.39: “Nós ignoramos o tempo da consumação da
terra e da humanidade e desconhecemos a maneira de transformação
do universo. Passa certamente a figura deste mundo deformada pelo
pecado, mas aprendemos que Deus prepara morada nova e nova terra.
Nela habita a justiça e sua felicidade irá satisfazer e superar todos os
desejos da paz que sobem nos corações dos homens. Então, vencida a
morte, os filhos de Deus ressuscitarão em Cristo, e o que foi semeado
na fraqueza e na corrupção revestir-se-á de incorrupção. Permanecerão
o amor e sua obra e será libertada da servidão da vaidade toda aquela
criação que Deus fez para o homem”.
63
assim como Cristo foi ressuscitado dos mortos por meio da
glória do Pai, assim também nós possamos caminhar numa
vida nova” (Rm 6, 3-4). E esta fé em uma existência pós-
morte, longe de nos afastar de nossos compromissos na
construção deste mundo, serve de estímulo74.
74
Ibidem, n.21: “A Igreja ensina, além disso, que a esperança
escatológica não diminui a importância das tarefas terrestres, mas
antes apóia o seu cumprimento com motivos novos”. E “a esperança
de uma nova terra, longe de atenuar, antes deve impulsionar a
solicitude pelo aperfeiçoamento desta terra” (n.39).
64
6. RESSURREIÇÃO DA CARNE
65
riqueza, o que os forçava a expressar-se através de palavras
já conhecidas, mas carregadas de um significado novo.
Etienne Charpentier nos explica que ressuscitar: “esta única
palavra em português traduz, na realidade, duas imagens
‘fazer levantar, surgir’ (anistai, em grego) ou então ‘fazer
levantar, despertar’ (égeirein, em grego).
75
CHARPENTIER, E., Cristo ressuscitou! São Paulo: Paulinas,
1983, p.31.
66
continuidade, embora para uma situação existencial
completamente nova, expressa em nossa frase com o
“depois da morte”, indicando assim uma novidade. Eis a
chave de leitura para falarmos em ressurreição: entre a
pessoa que morre e ressuscita, existe uma continuidade –
expressa pela sua identidade (é a mesma pessoa que morre a
que ressuscita) – e uma descontinuidade, ou seja, uma
novidade (a pessoa ressuscitada possui uma condição
existencial toda nova que nós somente ousamos imaginar
como seria).
67
seus feitos ou na memória das pessoas ou da sociedade. O
horizonte de compreensão do homem judeu também é
diferente do nosso. Ali, a sociedade, o povo é que é
referência, ainda não se tem a idéia de indivíduo como
posteriormente. Por isso, mesmo as primeiras expressões de
uma fé na ressurreição serão para o povo e não para o
indivíduo.
68
O Novo Testamento nos mostra a comunidade dos
judeus dividida frente à fé na ressurreição. A posição de
Jesus é firme e clara. Embora não fale com freqüência da
ressurreição, sua polêmica com os saduceus não deixa
dúvida (Mc 12, 18-27). Os Apóstolos e tantos outros das
primeiras comunidades fizeram a experiência da
ressurreição de Jesus (Lc 24, 9-10.34.36; At 1,22), que
passa a ser o fundamento da fé em nossa própria
ressurreição (1Cor 15, 12-18). Esta experiência é o fato
central de todo o NT. E o primeiro anúncio (querigma) dos
cristãos foi justamente este: “Deus ressuscitou Jesus”.
69
completamente fora do espírito bíblico e da tradição da
Igreja. Por fim, a salvação não é uma “desmundanização”.
A salvação prometida pela ressurreição envolve a realidade
inteira e não só a humanidade (Cl 1, 20: “para por meio dele
[Jesus ressuscitado], reconciliar consigo todas as coisas,
tanto as terrestres como as celestes, estabelecendo a paz
pelo seu sangue derramado na cruz”).
70
cristãos podemos afirmar que cremos na ressurreição da
carne). Mas a carne indica a condição de criatura em sua
dependência absoluta do criador. A carne passou a indicar o
homem concreto, em sua existência cotidiana, em suas
relações com os outros e com a natureza. Com a palavra
carne, se quer expressar que o ressuscitado será
integralmente o homem mesmo e não apenas uma parte
dele, ou isolado de suas relações.
71
E esta fé em uma existência pós-morte, longe de nos
afastar de nossos compromissos na construção deste mundo,
serve de estímulo (cf. Gaudium et Spes, 21).
72
7. O CATÓLICO PODE ACREDITAR EM
REENCARNAÇÃO?
Não!
76
Nos pronunciamentos do Magistério da Igreja podemos
encontrar muitas condenações – ainda que nem sempre explícitas – à
doutrina da reencarnação, um exemplo é a condenação das teses de
Orígenes pelo Sínodo de Constantinopla, em 543 (DS 403-411). Um
exemplo mais atual e acessível é a condenação que faz o Catecismo
da Igreja Católica: “A morte é o fim da peregrinação terrestre do
homem, do tempo de graça e de misericórdia que Deus lhe oferece
para realizar a sua vida terrestre segundo o projeto divino e para
decidir o seu destino último. Quando tiver terminado ‘o único curso da
nossa vida terrestre’, não voltaremos mais a outras vidas terrestres.
‘Os homens devem morrer uma só vez’ (Hb 9,27). Não existe
‘reencarnação’ depois da morte” (n.1013). Também o papa João Paulo
II se manifestou contra a reencarnação em sua Carta apostólica Tertio
Milennio Adveniente, n.9: “Alguns imaginam várias formas de
reencarnação: consoante o modo como tivesse vivido durante a
existência mais nobre ou mais humilde, até atingir a plena purificação.
Muito radicada nalgumas religiões orientais, esta crença indica, entre
outras coisas, que o homem não pode resignar-se à irrevogabilidade da
morte. Está convencido da própria natureza essencialmente espiritual e
imortal”. E o papa continua: “A revelação cristã exclui a reencarnação
e fala de um cumprimento que o homem é chamado a realizar no curso
de uma única existência sobre a terra”.
73
Kloppenburg, uma pesquisa feita em 1996, revelou que 35%
da população brasileira aceita a doutrina da reencarnação77.
77
KLOPPENBURG, B., Reencarnação? Petrópolis: Vozes,
1998, p.13. Battista Mondin cita uma pesquisa feita em nove países
europeus cujo resultado indicou que 21% dos entrevistados aceitam a
doutrina da reencarnação (Preesistenza, sopravvivenza,
reincarnazione. Milão: Editrice Àncora, 1989, p.33).
78
KLOPPENBURG, B., Reencarnação? Petrópolis: Vozes,
1998, p.9: “Os cristãos rezam: ‘Creio na ressurreição da carne’.
Jamais como hoje, tem havido tanta necessidade de sublinhar esta
parte do Credo da Igreja. A ressurreição e a esperança cristã são
unidas de maneira indissolúvel. Onde desaparece a fé na ressurreição,
ela é substituída pela crença na reencarnação. A fé na ressurreição e a
teoria da reencarnação são duas interpretações profundamente
diferentes do enigma da vida e do mistério depois da morte. Trata-se
de duas tomadas de posição fundamentais acerca da vida e de duas
diferentes formas de esperança”.
74
A doutrina da reencarnação atrai também pela
simplicidade de suas afirmações (é uma resposta muito
simples para os sofrimentos presentes: sofre-se como
purificação de males cometidos no passado); além de
explorar uma região do ser humano que ainda é mistério, o
sobrenatural – algo muito precioso em um mundo
racionalizado e tecnificado como o nosso. Assim, aqueles
fenômenos que ainda não possuem uma explicação
convincente pela ciência acabam sendo utilizados como
justificação de “vidas passadas”.
75
a “unicidade e irrepetibilidade” da pessoa. As decisões
livres do homem, que comprometem sua existência, acabam
sendo desvalorizadas.
79
Catecismo da Igreja Católica, n.990: “O termo ‘carne’
designa o homem na sua condição de fraqueza e de mortalidade. A
‘ressurreição da carne’ significa que após a morte não haverá somente
a vida da alma imortal, mas que mesmo os nossos ‘corpos mortais’
(Rm 8,11) readquirirão vida”.
80
O “como” será esta corporeidade ressuscitada já incomodava
os cristãos do tempo de Paulo, que responde de um modo singelo e
poético em sua primeira carta aos Coríntios, principalmente no
capítulo 15. “Ressuscitar ‘com o mesmo corpo’ significa, como
conseqüência e desde logo, recuperar a própria vida em todas as suas
dimensões autenticamente humanas; não perder nada de tudo aquilo
que agora constitui e singulariza a cada homem” (RUIZ DE LA
PEÑA, J. L., La Pascua de la creación. Escatologia. Madri: BAC,
2000, p.173).
76
“Penso que os sofrimentos do momento presente não
se comparam com a glória futura que deverá ser
revelada em nós. A própria criação espera com
impaciência a manifestação dos filhos de Deus.
Entregue ao poder do nada – não por sua própria
vontade, mas por vontade daquele que a submeteu – a
criação abriga a esperança, pois ela também será
liberta da escravidão da corrupção, para participar
da liberdade dos filhos de Deus. Sabemos que a
criação toda geme e sofre dores de parto até agora”
(Rm 8, 18-22)81.
81
RUIZ DE LA PEÑA, J. L., Resurrección o reencarnación?
Communio (1980) p.298: escrevendo sobre a incompatibilidade entre
a ressurreição (fé cristã) e a reencarnação afirma: “Seu não à
reencarnação está já pré-anunciada no não às premissas desta, a seus
pressupostos ontológicos e éticos. O último artigo do Creio cristão
(‘cremos na ressurreição dos mortos’) se deriva rigorosamente do
primeiro (‘cremos em Deus Pai, criador de todas as coisas, visíveis e
invisíveis’). Não é casual, pois, que as três grandes religiões que
assentam sua compreensão da realidade no dado criação (judaísmo,
cristianismo, islamismo) repudiam o conceito de metempsicose”.
Metempsicose é a transmigração da alma.
82
Aqui cabe lembrar também da sociabilidade fundamental do
ser humano. O homem se constitui naquilo que é a partir de sua
vivência com os outros homens. A afirmação de ser o homem “um ser
relacional”, que se constitui no “encontro” com o outro, impede
qualquer antropologia individualista: “ressurreição é um conceito
corporativo, comunitário. A carne que ressuscita está feita de
proximidade, tem sido amassada no molde da socialidade. A salvação
que se promete e confere com a ressurreição não é individualista, não
é o salvamento do naufrago solitário, senão a reconstituição da
77
promessa é para todas as criaturas (embora cada uma a seu
modo). Porque Deus é o criador de tudo, é também O
salvador de tudo. E tudo o que faz o faz por amor83.
80
tomado do helenismo, parusia (de páreimi, que significa
“estar presente” ou “chegar”). No helenismo indicava a
visita do imperador, principalmente como boa notícia,
trazendo ajuda. Como os reis e imperadores eram
considerados de condição “divina”, o imperador era saudado
como senhor e portador de salvação. Tudo isto faz com que
a parusia tenha um caráter jubiloso e festivo.
81
A parusia está conectada com o fim do mundo:
“Estando ele sentado no monte das Oliveiras, os discípulos
se aproximaram dele, a sós, dizendo: ‘Dize-nos quando vai
ser isso, e qual o sinal da tua Vinda e da consumação dos
tempos’” (82P 24,3; outras citações 82P 24,27.37.39; 1Ts
2,19; 3,13; 2Ts 2,1.8; 1Pd 3,4.12) e com o juízo: “O Deus da
paz vos conceda santidade perfeita; e que o vosso ser
inteiro, o espírito, a alma e o corpo sejam guardados de
modo irrepreensível para o dia da Vinda de nosso Senhor
Jesus Cristo” (1Ts 5,23; ver também: 1Jo 2, 28).
82
Senhor” cf. 1Cor 16,22; 83P 22,20); Que permite também a
leitura maran atha (“o Senhor vem”).
83
acontecimentos (parusia, ressurreição, juízo, nova criação),
sejam fatos independentes entre si. A parusia é o último ato
da história da salvação: é a páscoa da criação. O destino
cristológico está presente na criação desde seu início: Cristo
é o eschaton (não “tem” eschaton).
85
RUIZ DE LA PEÑA, J. L., La pascua de la creacion.
Escatología. 3ªed. Madri: BAC, 2000, p.139 .
84
8.2 (...) de novo há de vir em sua glória, para julgar
os vivos e os mortos”
85
nossas ações pecaminosas não poderão ser integradas,
porque a parusia pressupõe justamente a plenitude da
comunhão com Cristo (e por extensão com os irmãos e toda
a criação), e o pecado é a ruptura dessa comunhão. É preciso,
portanto, um juízo sobre o bem e o mal.
86
Compreende-se assim, que parusia e juízo apareçam, tanto
no Novo Testamento como nos Credos elaborados pelos
Concílios na história da Igreja, estreitamente unidos.
Podemos até afirmar que “a parusia é o juízo e o juízo é a
parusia”.
87
esperança” (n.44). O evento terminal dessa história a
finaliza na plena comunhão com Ele.
88
desmascaradas. Mas, quem age conforme à verdade,
se aproxima da luz, para que suas ações sejam vistas,
porque são feitas como Deus quer” (Jo 3, 17-21).
89
9. FIM DO MUNDO:
A PLENITUDE DA CRIAÇÃO
90
pensada. Mundo no qual a existência humana vivencia o
tempo como história.
91
Essas idéias encontraram um gênero literário: a
apocalíptica. Mas embora muitas pessoas pensem que isso
tenha um fundamento bíblico, é, na verdade, uma leitura
equivocada. Posso dar dois exemplos muito lembrados. Mt
24, 1-14: Jesus fala em guerras, fome e terremotos, diz que
“essas coisas devem acontecer, mas ainda não é o fim”
(v.6). Embora os discípulos tenham perguntado a Jesus
quando seria sua vinda, a parusia e o fim do mundo, Jesus
não tem nenhuma intenção de dar uma informação a este
respeito, mas sim uma exortação, manter-se fiel: “quem
perseverar até o fim, será salvo” (v.13).
92
Vinda? De fato, desde que os pais morreram, tudo continua
como desde o princípio da criação!’”. A carta exorta para
manterem-se fiéis, pois “para o Senhor, um dia é como mil
anos e mil anos é como um dia.
93
ressuscitado é o mesmo que morreu (identidade), embora
numa nova condição existencial (novidade).
94
95
10. E O MUNDO NÃO ACABOU!
96
compromisso da igreja... E as pessoas continuarão
escutando estes discursos de “enganos pessoais”...
97
11. SERÁ O CÉU UM LUGAR EM MEIO AS
NUVENS?
86
Trata-se do texto intitulado: O inferno é real mas não físico,
publicado aqui na seqüência.
98
mundo, até por isso, popularmente se diz “subir aos céus”. É
evidente que esse modo de falar apóia-se em uma
determinada cultura com sua cosmovisão.
87
RUIZ DE LA PEÑA, J. L., La pascua de la creacion.
Escatología. 3ªed. Madri: BAC, 2000.
99
centrado na morte de cada pessoa. Com isso se tem um
espiritualismo que afirma como sujeito da recompensa
eterna apenas a “alma separada”. Este acentuado
individualismo e espiritualismo levam a uma
“desmundanização” das realidades últimas.
100
chamado à existência? Tu, porém, poupas todas as coisas,
porque todas pertencem a ti, Senhor, o amigo da vida”
(11,24-26). O que nós chamamos de céu será todo o cosmos
transformado, plenificado pela presença amorosa Deus. Mt
19,28 fala de um mundo renovado; 2Pe 3,13 afirma que
“esperamos um céu novo e uma terra nova onde habitará a
justiça”. Mas será principalmente em Paulo que
encontraremos esse tema desenvolvido.
101
da restauração de todas as coisas (cf. At 3,21). E com o
gênero humano também o mundo todo, que intimamente
está ligado com o homem e que por ele chega ao seu fim,
será perfeitamente restaurado em Cristo...” É preciso tomar
cuidado em não entender este fim a que chega o mundo
como destruição, mas sim como finalização, realização
daquilo que o Criador quis ao criá-lo (finalidade).
102
103
12. O INFERNO É REAL, MAS NÃO FÍSICO
104
definindo-o como um lugar em que Deus está ausente. Cioso dos
fundamentos do catolicismo, Bento XVI não faz mais do que
relembrar o que está nos textos sagrados. O capítulo 25 do
Evangelho de São Mateus, para ficar em um exemplo, é
inequívoco: os colocados à esquerda de Deus, que não deram de
beber a quem teve sede nem alimentaram quem teve fome, serão
banidos ‘para o fogo eterno destinado ao demônio e seus
anjos’”.
105
1976, terminava de escrever uma obra sobre Escatologia
(Eschatologie: tod und ewiges leben. Regensburg: Friedrich
Pustet, 1977, traduzido para o italiano já em 1979), tratado
teológico ao qual pertence o tema do inferno, após ter lecionado
esta disciplina por vinte anos, e a publicou no momento em que
recebeu o episcopado. Ali o papa reafirma a doutrina dogmática
da Igreja a esse respeito: a existência do inferno e a eternidade
de suas penas se apóiam em um terreno sólido, tanto bíblico
quanto dogmático.
106
viveram para o ódio e espezinharam o amor em si mesmas.
Trata-se de uma perspectiva terrível, mas algumas figuras da
nossa mesma história deixam entrever, de forma assustadora,
perfis desse gênero. Em tais indivíduos não haveria nada de
remediável e a destruição do bem seria irrevogável: é isso que
se indica com a palavra inferno”. A esse ponto, o papa
simplesmente remete para o Catecismo da Igreja Católica,
nn.1033-1037.
E completa no n. 1035:
107
que o que é real é físico. Alguns afirmarão inclusive que
somente o físico é real, a ponto de real e físico se tornarem
sinônimos (por exemplo: alguns tipos de materialismos
sensistas). O que é plenamente aceitável, é que o inferno seja
real, isso não quer dizer, físico (ao menos no sentido costumeiro
que atribuímos a esta palavra).
Afirmar que o inferno é real, quer dizer que ele existe, não
se reduz a uma figura de linguagem. O sofrimento que esta
“situação” infernal comporta, deverá ser adequada a este novo
modo de existir, que pode ser dito somente com as palavras do
Catecismo: uma separação eterna de Deus. Em relação ao que
isto significa, não podemos afirmar nada, já que o ser humano
ainda não fez a experiência de existir completamente sem Deus.
108
liberdade ao homem, como condição para obter a
salvação. Quando a Igreja reza pela salvação de todos,
na realidade está pedindo pela conversão de todos os
homens que vivem. Deus ‘quer que todos os homens se
salvem e cheguem ao conhecimento da verdade’ (1Tm
2,4). A Igreja creu sempre que esta vontade salvífica
universal de Deus tem, de fato, uma ampla eficácia. A
Igreja nunca declarou a condenação de alguma pessoa
em concreto. Mas porque o inferno é uma verdadeira
possibilidade real para cada homem, não é lícito – ainda
que se esqueça hoje às vezes na pregação das exéquias –
pressupor uma espécie de automatismo da salvação. Por
isto, com respeito a esta doutrina - é absolutamente
necessário fazer próprias as palavras de Paulo: ‘Ó
profundeza da riqueza, da sabedoria e da ciência de
Deus! Quão insondáveis são os seus julgamentos e
impenetráveis os seus caminhos!’ (Rom 11,33)”88.
88
Comisión Teológica Internacional, Documentos 1969-1996.
Veinticinco años de servicio a la teologia de la Iglesia. Madri: BAC,
1998, p.494-495.
109
13. CÉU E INFERNO
110
escatológico. Nossa fonte maior serão sempre os
evangelhos.
111
é conseqüência do mandamento do amor de Jesus. Um
teólogo – von Balthasar – dizia que: por verdade de fé deve-
se afirmar que o inferno exista; mas por dever cristão deve-
se desejar que esteja vazio!
112
113
14. O PURGATÓRIO
114
chegada a Deus apenas leva a cumprimento aquilo que já
são” (n.45).
115
não devemos nos esquecer de todo contexto sócio-cultural e
religioso no qual ele vivenciou essa discussão, contexto
certamente de muito abuso e afastamento da sã doutrina.
116
seu amor nos penetra como chama, consentindo-nos no final
sermos totalmente nós mesmos e, por isso mesmo,
totalmente de Deus” (n.46). Poderíamos lembrar ainda aqui:
1Cor 15,29 e 2Tm 1,16-18. A prática da oração pelos
mortos na Igreja, desde seus inícios, é largamente
testemunhada, principalmente na liturgia eucarística, como
o atestam Tertuliano, Santo Éfrem e Cirilo de Jerusalém.
117
simultaneamente queima e salva (conforme a imagem de
Paulo em 1Cor 3,12-15), o papa utiliza a palavra
“momento”, mas não sem uma ulterior explicação: “No
momento do Juízo, experimentamos e acolhemos esse
prevalecer do seu amor sobre todo o mal no mundo. O
‘momento’ transformador desse encontro escapa à medição
terrena: é tempo do coração, tempo da ‘passagem’ à
comunhão com Deus no Corpo de Cristo” (n.47).
118
Ninguém se salva sozinho. A vida dos outros continuamente
entra na minha existência: naquilo que penso, digo, faço e
realizo. E vice-versa, a minha vida entra na dos outros: tanto
para o mal como para o bem. Desse modo, a minha
intercessão pelo outro não é de forma alguma uma coisa que
lhe é estranha, uma coisa exterior, nem mesmo após a
morte.
119
15. PODEMOS REZAR PELOS MORTOS?
120
Basta lembrar que todo o planeta se une em torno de uma
tocha de fogo, que passa de mão em mão, pelos continentes,
com toda a atenção dos meios de comunicação mais
respeitados, por ocasião das olimpíadas. É claro, não é pela
tocha de fogo e sim pelo que ela representa, a olimpíada. E a
importância da Olimpíada não está apenas na competição,
mas em seu significado de integração de toda a humanidade.
121
do Pai e os que se purificam. Por isso podemos levar flores
e velas aos túmulos, não porque aqueles que foram ali
sepultados precisem, mas porque assim realizamos
emocionalmente essa comunhão como seres humanos e
históricos. Há um sentimento vital que une os que já
viveram, nós que vivemos e os que ainda viverão: o amor.
Amor que se realiza a seu modo em cada caso.
122
No Novo Testamento encontramos um testemunho
interessante em Paulo, que fala em oferecer o batismo pelos
mortos, talvez como nós que oferecemos a celebração
eucarística: “Se não fosse assim, o que ganhariam aqueles
que se fazem batizar em favor dos mortos? Se os mortos não
ressuscitam, porque se fazer batizar em favor deles?” (1Cor
15, 29). E o próprio Paulo reza por Onesíforo e sua família:
“Que o Senhor lhe conceda misericórdia junto a Deus
naquele dia” (2Tm 1, 18).
123
aniversario de sua morte”. Santo Efrém, do século IV, pede
aos irmãos que rezem por ele no trigésimo dia de sua morte.
Também no século IV temos o testemunho de São Cirilo de
Jerusalém que em sua Catequese (23,9-10) defende a
utilidade da oração pelos defuntos e do sacrifício eucarístico
oferecido pelos mortos.
124
125
16. A ORAÇÃO PELOS MORTOS
E
O SENTIDO DA VIDA
126
cuidado pelos mortos. Desde as maneiras mais rudimentares
de sepultamento ou cremação como as mais sofisticadas
como o embalsamento. Túmulos muito precários ou
pirâmides.
127
filosofia (...) Se eu me pergunto por que julgo que tal
questão é mais premente que tal outra, respondo que
é pelas ações a que ela se compromete. Nunca vi
ninguém morrer por causa do argumento ontológico.
Galileu, que sustentava uma verdade científica
importante, abjurou dela com a maior tranqüilidade
assim que viu sua vida em perigo. Em certo sentido,
fez bem. Essa verdade não valia o risco da fogueira.
É profundamente indiferente saber qual dos dois, a
terra ou o sol, gira em torno do outro. Em suma, é
uma futilidade. Mas vejo, em contrapartida, que
muitas pessoas morrem porque consideram que a
vida não vale a pena ser vivida. Vejo outros que,
paradoxalmente, deixam-se matar pelas idéias ou
ilusões que lhes dão uma razão de viver (o que se
denomina razão de viver é ao mesmo tempo uma
excelente razão de morrer). Julgo, então, que o
sentido da vida é a mais importante das perguntas”89.
89
CAMUS, A., O Mito de Sísifo. 2ªed. Rio de Janeiro: Record,
2005, p.17-18.
128
intrínseca da alma (como queria Sêneca reproduzindo
Platão). Cremos sim que a vida é comunhão com Deus que
nos criou por amor, por amor nos sustenta na existência e
por amor nos concede a imortalidade (ou seja, “vida
eterna”). A imortalidade é então dom de Deus, não poder
humano. Por isso, quem se afasta de Deus se afasta da vida
(aquilo que chamamos de inferno poderá ser chamado,
portanto, de “morte eterna”).
129
BIBLIOGRAFIA
130
GEORGE, A., O juízo de Deus. Esboço de interpretação de
um tema escatológico. Em: Concilium 1969/1,
pp.9-20.
131
Tomo 2: O homem e sua salvação. São Paulo:
Loyola, 2003, pp.345-400.
132
SCHILLEBEECKX, E.; WILLEMS, B., A Escatologia:
perspectiva cheia de esperança da Vida Cristã
(Editorial). Concilium 1969/1, pp.5-8.
133
O AUTOR:
134
Publicou ainda pela Editora Humanitas Vivens Ltda, a
obra A Justiça na República de Platão, Sarandi (PR) 2009,
100 p., ISBN: 978-85-61837-11-2.
135
A morte é um mistério que permeia a existência humana.
É um mistério porque por mais que saibamos hoje sobre
o fato que chamamos morte (do ponto de vista da
biologia, medicina, filosofia etc.), tudo o que sabemos
refere-se à morte do outro. Sabemos que todos
morreremos, observamos e estudamos como os outros
morrem, mas nada sabemos do nosso próprio morrer. E,
no entanto, esta é uma certeza. A morte é um fato
universal: atinge a todos. Nos iguala a todos: frente à
morte desaparecem todas as diferenças culturais, raciais,
econômicas, intelectuais, etc.
Frente ao fenômeno da morte podemos encontrar
atitudes diversas: desde o desespero (para Sartre, filósofo
francês do século XX, é “absurdo que tenhamos que
morrer” e isso, porque a morte significa o nada da não-
existência), como a atitude confiante de Sócrates
(filósofo ateniense que viveu no século IV antes de
Cristo, que condenado à morte, antes de beber o veneno,
discursa sobre seu convencimento da imortalidade). Ou
mesmo da fé na imortalidade como a professada por
Sêneca (pensador nascido em Córdoba, Espanha, no I
século e teve uma intensa atividade em Roma, sendo
condenado por Nero ao suicídio em 65, em uma Carta a
Lucílio, escreveu: “Este dia que temes como o último é o
do nascimento para a eternidade”).
136