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Mentiras de Natal

Em vários momentos da nossa vida, nós queixamo-nos das mentiras e injustiças dos
políticos, dos juízes, enfim de várias entidades que deveriam ter um comportamento
honesto e que na prática, infelizmente, muitos deles, não o têm.

Acontece que todas estas pessoas tiveram pais, familiares, professores, padres,
catequistas, todos preocupados na correta educação das crianças que agora nos
governam. Porém, de alguma forma, esta sociedade (que somos todos nós) tem uma
atitude que fomenta a cultura da mentira.

Paradoxalmente é no Natal, época em que todos somos despertados para a


solidariedade que ao longo do resto do ano parece ficar adormecida, que a um grupo
importante de membros da sociedade descaradamente mentimos - as crianças.

Os pais esforçam-se para poupar algum dinheiro para dar alegria aos seus filhos
através da dádiva de presentes. Mas depois, dizem aos filhos que quem deu os
presentes foi um ser imaginário a que chamam de “pai natal”. Não admira que as
crianças não tenham a afetividade desejada pelos pais, família, professores, uma vez
que quem lhes dá alegria é um ser que, sendo-lhes estranho é quem os alegra,
enquanto os pais, professores, catequistas, não se lembram deles e até os castigam.

Ao esconder das crianças o sacrifício que representou obter aqueles presentes, como
os vamos ensinar que as coisas não caem pelas “ripas do telhado” mas sim através do
esforço diário, do trabalho honesto, do estudo constante, do merecimento e tudo pelo
amor que temos às crianças e pelo desejo que temos de as tornar felizes e solidárias?

Depois, na formação religiosa das crianças, continuam as mentiras:


É o menino Jesus que, tendo sido um profeta, é ensinado às crianças que é um menino
Deus.
E nasceu numa manjedoura sem qualquer prova histórica de que tal tenha acontecido.
E foi visitado por pastores numa época do ano em que não havia pastores.
E tem uma mãe que o deu à luz, como faz parte da lei da vida, e que passou a ser
virgem no ano de 649 por decisão de homens (Sínodo-Concílio de Latrão).
E tem um pai biológico que passou a ser adotivo.
E tendo tido vários irmãos, como está bem claro na Bíblia, passou a ser filho único.
E tendo morrido e sido sepultado, passou a ressuscitar e subir ao céu em corpo e alma,
o que é impossível pelas leis do universo, as quais são a lei de Deus.
E tendo morrido porque afrontou os romanos, passou a morrer por nós para nos salvar!
Mas salvar de quê? Ninguém sabe. E porquê? Porque foi inventado. Ah, mas foi por
causa do pecado original… mas isto também foi inventado!
E não havendo inferno, porque Deus é amor absoluto, e portanto não pode haver tal
coisa, temos em Fátima o museu do inferno onde continuamos a enganar os visitantes,
etc, etc.

Alguns defendem que acreditar no pai natal é inofensivo e pode ser benéfico para o
desenvolvimento cognitivo das crianças. Defendem que os contos de fadas e as
histórias mágicas podem (não têm portanto a certeza) incentivar o desenvolvimento de
um pensamento criativo, promover a consciência social e até a capacidade de
compreensão científica.
Mas outros defendem precisamente o contrário e que, muitas crianças ao descobrirem a
verdade sentem-se ludibriadas e perdem a confianças nos pais e educadores.
A mim, foi isto que aconteceu. Valeu-me ter descoberto que eles também não sabiam a
verdade toda e por isso eram merecedores de compreensão e tolerância.
Mas, para a maioria, a semente da mentira está lançada como exemplo a seguir.

Mas as mentiras continuam:


Anita, de sete anos, veio da escola onde tinha tido a primeira aula de educação sexual.
A mãe, muito interessada, perguntou como é que correu?
- Quase morri de vergonha! - Respondeu a pequena Anita.
- Porquê? - Perguntou a mãe. Anita respondeu:
- O Zezinho disse que foi a cegonha que o trouxe.
- O Marco disse que veio de Paris.
- A Cristina disse que foi comprada num orfanato e o António disse que foi comprado no
hospital.
- O Paulinho disse que nasceu de uma proveta.
- O André disse que nasceu de uma barriga de aluguer.
- Disse-lhe a mãe: Mas isso não é motivo para te sentires envergonhada!
- Oh mãe…Não me atrevi a dizer-lhes que, como nós somos pobres, foste tu e o pai
que me fizeram...!!!

Que valores transmitimos aos nossos filhos?


Estes dias assisti numa escola infantil à chegada de vários “pais natais” montados em
motas pesadas…qual delas a mais cara. Não admira que no subconsciente das
crianças fique o desejo de possuir um daqueles “brinquedos” de meninos ricos. A que
custo?
À custa da exploração do homem pelo homem, da escravatura da mão-de-obra e outras
escravaturas e da exploração desenfreada dos recursos do nosso planeta que não tem
capacidade para todos terem um nível de vida tão alto.

Que valores igualitários transmitimos?


A nossa sociedade fundamenta-se, há demasiados séculos, na lei da competição sem
limites. Não somos ensinados a viver em colaboração. Não somos ensinados a repartir
recursos, trabalhos e responsabilidades.
Somos ensinados que uns são melhores que os outros, o que não é, maioritariamente,
verdade. Nós somos complementares.
Somos ensinados para viver num reino onde há princesas e cinderelas, onde há
príncipes e pedintes.
Até o desporto, que deveria servir (apenas) para dar saúde e alegria a quem o pratica
moderadamente, é usado para competir até ao sacrifício da própria vida e privilegiar
apenas alguns.
E de quem é a culpa? Apenas nossa, que alinhamos e alimentamos esta sociedade tão
pouco cristã, tão pouco budista, ou tão pouco qualquer outro credo que incentive a
colaboração, a solidariedade e a repartição igual de recursos, deveres e direitos.

Então não fiquemos admirados quando as nossas crianças de hoje sejam os políticos
corruptos de amanhã. São esses os valores que temos transmitido e praticado…
Vivemos e transmitimos demasiadas mentiras; não há então que admirar.

Desejemos que no futuro, vivamos uma atitude de verdade, solidariedade e igualdade.

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