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Copyright © 2021 Editora Livraria da Física

Editor: J OSÉ R OBERTO M ARINHO


Editoração Eletrônica: E DI C ARLOS P EREIRA DE S OUSA
Capa: E DI C ARLOS P EREIRA DE S OUSA

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Educação e formação no contexto da sociedade danificada: para além do terri-


tório demarcado / Organização Marta Regina Furlan de Oliveira; Alex Sander
da Silva; Luzia Batista de Oliveira Silva. – 1. ed. – São Paulo: Editora Livraria
da Física, 2021.

ISBN 978-65-5563-000-0

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Índices para catálogo sistemático:

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Maria Alice Ferreira – Bibliotecária – CRB-8/7964

ISBN: 978-65-5563-112-8

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1998.

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APRESENTAÇÃO

Mas se a barbárie, a terrível sombra sobre a nossa existência, é justa-


mente o contrário da formação cultural, então a desbarbarização das
pessoas individualmente é muito importante. A desbarbarização da
humanidade é o pressuposto imediato da sobrevivência (ADORNO,
1995, pp.116-117)

partir das afirmativas adornianas e em consonância com o contexto

A social demarcado há possibilidade de pensar em novos horizontes


educacionais e formativos em favor da emancipação humana pelas
lentes da Teoria Crítica e de outras bases confluentes. Neste sentido, esta cole-
tânea reúne ensaios, artigos e relatos de experiência de docentes, acadêmicos
de graduação e pós-graduação e pesquisadores do campo da educação e afins.
O movimento do pensamento crítico na obra potencializa a necessidade de
um repensar em tempos danificados sobre os rumos da sociedade, educação e
formação em favor da desbarbarização da humanidade.
A temática envolvente reflete as discussões do Grupo de Estudos e Pes-
quisa em Educação, Infância e Teoria Crítica (GEPEITC) da Universidade
Estadual de Londrina (UEL) que vem desenvolvendo estudos e pesquisas há
duas décadas e, através de parcerias com demais universidades públicas e pri-
vadas que estão imbuídas do compromisso com a formação humana crítica
e emancipada dos discentes e docentes. Para além do território demarcado,
a presente coletânea se preocupa em refletir e analisar criticamente sobre a
educação e formação no contexto da sociedade danificada, tomando como
premissa a base da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt e, ainda, por meio
do diálogo constante com outras bases teóricas críticas que tem se dedicado a
analisar acerca da mesma temática.
Por conseguinte, esta coletânea está dividida em duas partes, sendo que
na Parte 1 – Educação, Formação e Teoria Crítica objetiva-se refletir e discutir
sobre a educação e formação pelos limiares da Teoria Crítica de Sociedade à
luz dos principais pensadores, como Theodor W. Adorno, Max Horkheimer,
Herbert Marcuse e Walter Benjamin. A Parte II – Educação e Formação
em outros contextos propõe pensar sobre a temática da obra considerando
outros aportes teóricos críticos e, que mesmo na contradição desenvolvem
confluências com a Teoria Crítica.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
10 • Para além do território demarcado

A organização da coletânea foi dividida em duas partes: Parte 1 - Educação,


Formação e Teoria Crítica e Parte 2 - Educação e Formação em outros Contextos
Teóricos.
O capítulo 1 – EDUCAÇÃO E PERPLEXIDADE DIANTE DA SO-
CIEDADE DANIFICADA, das pesquisadoras e estudiosas da teoria crítica,
Miriam Saiki, Sabrina Moschini e Érica Fernanda de Oliveira Menezes dis-
cute as ponderações acerca da educação e da formação a partir dos fundamen-
tos da teoria crítica em consonância com a vivência e experiência do cotidiano
educacional, em especial, no interior do estado de São Paulo. As autoras pro-
blematizam a respeito das diretrizes de pensamentos, em sua origem, e colo-
cam em destaque a educação e a perplexidade diante do contexto de uma soci-
edade danificada através do adoecimento do ser humano; a educação escolar
nos quadros da educação pública através de relatos e, finalmente, a educação
nos limites de um esgotamento físico, mental e moral do docente; analisam, a
partir de fragmentos de uma realidade educacional enferma, o percurso da
sociedade contemporânea em suas fissuras e imperfeições.
O capítulo 2 – TEORIA CRÍTICA E O POTENCIAL DA LEITURA
COMO EXPERIÊNCIA ESTÉTICA NA FORMAÇÃO SUBJETIVA,
dos pesquisadores e estudiosos da teoria crítica, Guilherme Orestes Canarim,
Alini Mariot, Karoline Cipriano dos Santos, discutem a respeito do poten-
cial da leitura como experiência estética, cujas potencialidades, a partir de um
contexto de educação não formal, como exemplo o grupo de Leituras selva-
gens, cuja leitura enquanto experiência estética pode se relacionar com a pro-
dução do conhecimento nos processos de ensino e aprendizagem e pode ser
considerada uma questão central para uma formação subjetiva.
O capítulo 3 – TEORIA CRÍTICA E SEUS CONCEITOS IMPOR-
TANTES À ÁREA DA EDUCAÇÃO, das pesquisadores e estudiosas da
teoria crítica, Kethelen Nathalia Rossini e Zuleika Aparecida Claro Piassa,
refletem a partir das principais características da Teoria Crítica da Sociedade,
e analisam seus conceitos e a influência destes no campo da educação, no pro-
cesso educativo e na formação de professores. Para tal, parte-se do princípio
no qual a educação se caracteriza enquanto um fenômeno cultural que in-
fluencia o próprio caminhar da humanidade em seu processo histórico. Os
conceitos da Teoria Crítica da Sociedade analisados têm como base teórica,
Max Horkheimer e Theodor W. Adorno.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 11 •

O capítulo 4 – INFLUÊNCIAS DA MÍDIA NO CONTEXTO DA


SOCIEDADE DANIFICADA, das pesquisadoras e estudiosas da teoria crí-
tica, Aline de Souza Sanches, Aline Olchaneski Chociai Vici, Cristhiane Pe-
reira de Lima, Juliana Graciola Silva. O texto reflete sobre o advento da era di-
gital e os modelos midiáticos absorvidos pelo mundo, no momento atual em
que as crianças passam por transformação dentro da maneira que interagem
com o outro e os objetos que lhes cercam, sofrendo assim o impacto direto
em seu desenvolvimento cognitivo. A partir do século XXI, com o advento
da internet, formas outras de adquirir informação e construir comunicações
tornaram-se rápidas, muitas beneficiam por sua velocidade, mas também per-
mitem adquirir novas demandas e até a criação de sintomas psíquicos, dei-
xando de lado a criticidade, a infância exposta a estímulos que não beneficiam
em nada seu desenvolvimento.
O capítulo 5 – EDUCAÇÃO E EMANCIPAÇÃO HUMANA, dos
pesquisardes e estudiosos da teoria crítica, Alonso Bezerra de Carvalho e
Sandra Regina Mantovani Leite, discutem a respeito do papel da cultura na
constituição individual do homem sendo fundamental considerar os aspectos
que influenciam o ser humano e suas relações educacionais e formativas. Os
autores analisam a educação na sociedade contemporânea e suas influências
no processo formativo do sujeito em prol de ações que conduzam para a
emancipação humana, e também analisam a educação e a relação do homem,
em processo de constituição com o mundo e sua materialidade, com a ética e a
política, almejando fortalecer a função social da instituição escolar, mediante
os níveis e modalidade de ensino, enquanto morada do saber e da formação
global do homem.
O capítulo 6 – A REFORMA DO ENSINO MÉDIO PROPOSTA
PELA LEI 13.415/17 E O ENGODO DA FORMAÇÃO, dos pesquisadores e
estudiosos da teoria crítica, Adonias Nelson da Luz e Luciane Neuvald, pro-
blematizam à luz dos fundamentos da teoria crítica, a Lei 13.415/17, que con-
sistiu no arauto da reforma do Ensino Médio no Brasil, pois alterou alguns
aspectos da nossa Lei de Diretrizes e Bases da Educação (9394/96). As ame-
aças à formação presentes na referida normativa foram interpretadas como
um engodo, cujo sentido é analisado com base nas reflexões desenvolvidas por
Adorno e Horkheimer (1985) na obra Dialética do Esclarecimento.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
12 • Para além do território demarcado

O capítulo 7 – FORMAÇÃO DE PROFESSORES: SEREMOS ESPEC-


TADORES DO DESASTRE?, das pesquisadoras e estudiosos da teoria crí-
tica, Adriane dos Santos Silva Soltau, Gisele da Silva Rezende da Rosa e Mar-
cia da Costa dos Santos, analisam como na contemporaneidade, as exigências
quanto ao método para atingir determinado objetivo tornam-se axiomáticas,
independente do que se pretende alcançar no processo de aprendizagem: re-
cursos tecnológicos. E, pode ser que alguns objetivos quando submetidos
a uma análise, acabam por sucumbir a uma ou outra habilidade em poten-
cial no aprendiz. Assim, ao inserir a tecnologia virtual, pode o educador es-
tar dinamizando suas aulas, diminuindo o distanciamento cognitivo em rela-
ção aos demais, suas formas e tempos de aprendizagem, como também pode
impedi-lo de outras habilidades.
O capítulo 8 – ENTRAVES E POSSIBILIDADES NA ATUAÇÃO DO-
CENTE EM TEMPOS DE PANDEMIA: A QUESTÃO DA EDUCAÇÃO
ESCOLARIZADA, das pesquisadoras e estudiosas da teoria crítica, Marta Re-
gina Furlan de Oliveira, Natasha Yukari Schiavinato Nakata e Flávia Regina
Schimanski dos Santos. As autoras dissertam a respeito o potencial nefasto do
momento atual com o uso das Fake News, quando se tem a iminência de um
colapso e os meios de comunicação já não falam sobre outra coisa. A grandeza
e a velocidade com níveis astronômicos das redes sociais socializam as notícias.
As especulações começam e, com elas, o fenômeno contemporâneo das Fake
News. O terror se espalha facilmente e o desespero começa a mostrar a sua face.
Há quem não acredite na proporção desastrosa do novo Coronavírus e nos
impactos que esse vilão invisível pode causar no mundo, mas, desde que a Or-
ganização Mundial da Saúde – OMS, deflagrou a pandemia da COVID-19 a
transformação social virou uma realidade em todas as instâncias da sociedade.
O capítulo 9 – EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES
NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA, as pesquisadoras e estudiosas da
teoria crítica Taila Angélica Aparecida da Silva e Andréia da Cunha Malhei-
ros Santana, analisam porque a formação de professores na sociedade “danifi-
cada” não é uma tarefa fácil, é um pensar espinhoso que faz refletir sobre a
realidade e o quanto é necessário ultrapassá-la, ir além deste território demar-
cado, a fim de ressaltar alguns aspectos históricos sobre o processo de forma-
ção de professores no Brasil e retomar para os dias atuais os conceitos merca-
dológicos que envolvem a formação inicial e continuada de professores, com
embasamento teórico na teoria critica.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 13 •

O capítulo 10 – O PAPEL DO ESTÁGIO DE DOCÊNCIA NO CURSO


DE PEDAGOGIA: REFLEXÕES A PARTIR DO PROGRAMA DE PÓS-
GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA UEL, as pesquisadoras e estudiosas
da teoria crítica Isabela Aparecida Rodrigues Costa, Jacqueline Oliveira Jo-
vanovich, Marta Regina Furlan de Oliveira e Cândida Athayde de Carvalho
Bittencourt relatam a experiência do estágio docente no Ensino Superior em
tempos de pandemia da Covid-19. O momento foi altamente significativo no
desenvolvimento e amadurecimento científico e profissional das estagiárias
durante a pós-graduação, pois oportunizou a compreensão de diferentes sa-
beres teóricos, práticos e suas articulações.
O capítulo 11 – O USO DAS TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO: UM
RELATO DE EXPERIÊNCIA NO CONTEXTO PANDÊMICO, as pes-
quisadoras e estudiosas da teoria crítica Taila Angélica Aparecida da Silva,
Mariana Civalsci Cardoso e Adriana Regina de Jesus refletem sobre o con-
texto da sociedade danificada como um ato de resistência, conforme apon-
tam Horkheimer e Adorno em meio a um mundo globalizado, dominado
pelo capitalismo, no qual ocorre uma objetivação da subjetividade do ser hu-
mano, que entra em conflito com valores e ideologias, a educação neste con-
texto, tem papel preponderante na emancipação humana, sendo fundamen-
tal repensar a escola, num mundo surpreendido por uma pandemia causada
através da proliferação de um vírus denominado SARS-CoV-2s. Sendo fun-
damental analisar as suas consequências, dado o rápido contágio e sua letali-
dade provocando o repensar da forma de viver em sociedade.
O capítulo 12 – OLHARES PARA A ESCOLA CONTEMPORÂNEA:
DEBATENDO A INTERATIVIDADE NA ERA TECNOLÓGICA, os
pesquisadoras e estudiosos da teoria crítica Débora Graciela Radenti e Car-
los Fernando Lozano Castañeda enfatizam o século XX como aquele que
apontou uma escala abrangente e dinâmica, com avanço das tecnologias de
comunicação e informação cujo impacto indicou a existência de uma estra-
tégia imprescindível para a cultura, a sociedade e o sistema educacional. Por
tanto, as pessoas, antes influenciadas pelos pais ou autoridades de gerações
anteriores, passavam a depender de seus pares. Todavia, no final do século
XX, a internet aliada ao aparecimento da cotidianização de sistemas multi-
midiáticos, como o computador, televisão e o smartphone, intensificaram a
tendência ao virtualismo.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
14 • Para além do território demarcado

Capítulo 13 – EDUCAÇÃO E INTERAÇÕES COLABORATIVAS


MEDIADAS POR TECNOLOGIAS DIGITAIS E A FORMAÇÃO HU-
MANA DOS ESTUDANTES, os pesquisadores e estudiosos da teoria crí-
tica, Luciane Guimarães Batistella Bianchini, Juliana Gomes Fernandes e An-
derson Jorge Marcolino Pinheiro destacam o desenvolvimento de diversas
tecnologias digitais da informação e comunicação (TDIC) no percurso his-
tórico e cultural da humanidade, contribui para facilitar e melhorar a vida
cotidiana. No entanto, o ritmo acelerado com que vem ocorrendo tal desen-
volvimento tem demandado por parte da sociedade adaptações e às vezes mu-
danças significativas em seus hábitos, para que a tecnologia seja partícipe de
um determinado contexto.
O capítulo 14 – IMPLICAÇÕES DO CONTEXTO PANDÊMICO
/ SOCIEDADE DANIFICADA SOBRE O TRABALHO DOCENTE
DA EDUCAÇÃO BÁSICA EM TRÊS CONTEXTOS: MS, GO E SP, os
pesquisadores e estudiosos da teoria crítica, Andréia Nunes Militão, Julice
Souza Farias Suzanna Neves Ferreira e Willian dos Santos Bonfim examinam
as implicações do contexto pandêmico/sociedade danificada sobre o trabalho
docente da educação básica em três contextos, notadamente: Goiás (GO),
Mato Grosso do Sul (MS) e São Paulo (SP). Para tanto, aportaram-se no
referencial epistemológico da Teoria Crítica e adotaram como procedimento
metodológico a pesquisa documental, com ancoragem na Teoria Crítica pela
centralidade que confere às condições emancipatórias socialmente existentes.
O capítulo 15 – ASPECTOS HISTÓRICOS E LEGAIS DA FORMA-
ÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL: DESAFIOS E PERSPECTIVAS,
as pesquisadoras e estudiosas da teoria crítica, Patrick Pacheco Castilho Car-
doso, Sonara Maria Lopes de Oliveira, Jaqueline Delgado Paschoal e Luci-
ana Aparecida de Araújo analisam a formação de professores diante de um
consenso nos âmbitos onde o tema qualidade da educação é discutido. O dis-
curso de que a prática formativa de qualidade, seja inicial ou em serviço, é es-
sencial para o aprimoramento da prática pedagógica e para o sucesso da apren-
dizagem é inquestionável. A formação docente é uma preocupação evidente
dos órgãos que gerenciam as políticas públicas, pois se encontra, de forma
clara, em documentos oficiais que orientam e direcionam as redes de ensino,
além de basear pesquisas e estudos acadêmicos e, principalmente, o que não
poderia ser diferente, é também vista como essencial por aqueles que são au-
toridades do ato educativo: os professores.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 15 •

O capítulo 16 – A QUESTÃO EDUCACIONAL NO DISCURSO DA


EXECUTIVA PRISCILA CRUZ, NO PROGRAMA RODA VIVA (2020),
as pesquisadoras e estudiosas da teoria crítica, Érica Fernanda de Oliveira Me-
nezes, Luzia Batista de Oliveira Silva, Miriam Saiki e Sabrina Moschini apre-
sentam uma discussão acerca da entrevista da executiva Priscila Cruz, que
aconteceu no programa Roda Viva, organizado e transmitido pela TV Cul-
tura no dia 13 de abril de 2020. O programa também foi disponibilizado nas
plataformas do Twitter, Facebook, YouTube e Linkedin. As autoras identi-
ficaram, no conjunto dos enunciados proferidos pela executiva e debatidos
com os arguidores, os elementos de uma formação discursiva que dizem res-
peito às regras de funcionamento comuns à organização da sociedade.
O capítulo 17 – O DIREITO DO TRABALHO E A RELAÇÃO COM
A EDUCAÇÃO, do pesquisador e estudioso da teoria crítica, Dante Batista
Silva reflete sobre a realidade das condições de trabalho e da educação do tra-
balhador, cujos questionamentos e inquietações são decorrentes dessas condi-
ções. O autor analisa a complexidade do contexto das relações de trabalho ao
longo do período de 1940 a 1960, o que permite afirmar que faltou ao trabalha-
dor uma educação em direito do trabalho, cujos reflexos podem ser observados
na sociedade atual, tal como a falta de uma educação, em especial a respeito da
legislação trabalhista e os impactos das modificações para a classe trabalhadora.
Destarte, as discussões desta coletânea são potências críticas para além do
instituído pelo capitalismo tardio e pela razão instrumental, vislumbrando
outras possibilidades mais abrangentes como forma de contrapor-se à barbárie,
principalmente, no campo educacional e formativo.
PREFÁCIO

coletânea de textos, intitulada Educação e formação no con-

A texto da sociedade danificada: para além do território demar-


cado, é um projeto que conta com a participação de pesquisadores
de vários lugares do Brasil, um trabalho conjunto que coloca em pauta o con-
texto social, político, educacional e econômico do Brasil na atualidade, cha-
mando a atenção dos brasileiros e do mundo.
São muitos os problemas que assombram, causam dores e sofrimentos no
cenário brasileiro, bem como na educação brasileira, como o desprestígio que
tentam imputar ao campo da educação e aos educadores de todas as etapas,
do ensino básico ao ensino superior e até das pós-graduações, com o corte de
bolsas de pesquisa, independente da instituição ser pública ou privada, todos
estão vivendo um cenário de desolação e depreciação acirrada das instituições
e dos educadores.
A esperança em certos momentos parece que desapareceu, mas o povo não
desiste de lutar, trabalhar, estudar e buscar formas novas, legítimas e saudáveis
para manter a sanidade e garantir uma vida com dignidade, com estudos
sim, porque a geração que não podia ir à escola é uma geração que deixou
marcas profundas, como a dureza para sobreviver mediante um trabalho
excessivo, por vezes, abusivo, explorador, depreciativo, cuja precariedade das
condições de trabalho deixou marcas indeléveis em cada avó, avô, pai, mãe,
tios, são as gerações que nos antecederam na luta social, cultural, educacional
e trabalhista, muitos são herdeiros de uma geração que não foi à escola, outros
que somente foram até a alfabetização ou apenas treinados para assinar o
próprio nome, e poucos são os herdeiros dos que se diplomaram na escola,
especialmente ou no ensino superior, que abraçaram uma profissão com
titulação e preparo.
A escola para todos, o prato de comida na mesa deve ser uma realidade
em todo o território brasileiro, a geração que vai e deve permanecer na escola
é a geração atual, por isso, a luta é continua e necessária.
O cenário mundial está carregado de problemas, dilemas e conflitos, fa-
zendo reinar uma reificação do indivíduo diante da lógica de mercado, que
enfatiza o consumo e se pauta numa racionalidade instrumental.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
18 • Para além do território demarcado

Os embasamentos teóricos dos pesquisadores contaram com o pensa-


mento de Theodor Adorno, Walter Benjamin, Marx Horkheimer, Herbert
Marcuse; Karl Marx, Christoph Türcke, Jacques Le Goff, Michel Foucault,
Zygmunt Bauman, Jacques Delors, Hannah Arendt; Paulo Freire, Newton
Duarte, Dermeval Saviani, Moacir Gadotti; Gaudêncio Frigotto, Sônia Kra-
mer, Bernadete Gatti, Dalila Andrade Oliveira, António Nóvoa, Antonio
Joaquim Severino, Antonio Zuin.
Não podemos nos equivocar que o nosso país é um manancial que todos
querem se dar bem e ganhar, inclusive as empresas estrangeiras que fincam suas
unhas até nos planos de saude, laboratórios e na esfera da educação, oferecem
o básico e destoem muitas vezes o essencial, cortam as asas dos brasileiros,
impedindo-os de voar e engaiolando-os. Assim, fragilizados muitos aderem ao
jugo e jogo que os manipula e os fazem sucumbir em tarefas que sugam a vida
e esvaziam a alma de esperança; os capitães do mar in-civilizacional, adentram
o país como nos anos oitenta e com ideias ideológicas, dizem contribuir para o
desenvolvimento do país, os de dentro, vendem o que existe para comprar de
volta depois, brasileiros comuns não entendem e sequer sabem o que acontece
ao seu redor, a falta de esclarecimento e emancipação de um povo favorece o
cabresto e o faz servil e cordato até com o que deprecia sua vida.
Destarte, os mais esclarecidos no sentido dos que lutam por uma vida me-
nos danificada, uma vida diferente para seus filhos e netos, sabem o potencial
que uma educação crítica pode lhes proporcionar, sendo fundamental enten-
der o contexto sociocultural, econômico e politico a fim de ver a si mesmo
e ao outro numa sociedade capitalista que tira a esperança e deixa um vazio
existencial que nada poderá preencher.
Na esfera da educação, a elite empresariada em meio à fragilidade em que
vive o trabalhador brasileiro, consegue lucros e dividendos acima de qualquer
suspeita. Em contraponto, as escolas e as universidades públicas sobrevivem
e se mantêm com dificuldade. A saída é se tornar lugares de acolhida e de
esperança para as conquistas das classes mais fragilizadas economicamente,
os mais estigmatizados, os mais empobrecidos economicamente, os filhos da
pobreza e da miséria, os descendentes afros e os povos originários - os indígenas,
muitos destes aprovados em inúmeros cursos, inclusive entre os mais difíceis
e cobiçados, impossíveis para uma família pobre, se tivesse que pagá-lo fora
do ensino público, como o curso de medicina, odontologia e outros.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 19 •

Assistimos e resistimos a um Brasil triste, silenciado pela dor da fome e


da miséria, do desemprego e da falta de esperança, acentuada pela pandemia
do COVI 19 que assombra lares, que tira vidas e faz sangrar os corações, são
partidas rápidas e sem despedidas, sem um culto funerário.
A maioria dos que partiram vivia na pobreza e na dificuldade cotidiana,
perdemos também muitos profissionais da saúde, da educação, do comércio,
trabalhadores da linha de frente, idosos, adultos e jovens. Muitos ficaram
órfãos de pai ou de mãe e muitos de pai e mãe; perdas de tios, avós, primos,
parentes, amigos e conhecidos. Dividimos a dor e também a esperança em dias
melhores para o país, que precisa voltar a ser o país da alegria, da gentileza, da
cordialidade, contra uma política do ódio e o acinte de raiva, a perseguição aos
diferentes aos que têm uma orientação sexual diferenciada do “tipo padrão”,
de que ou de quem não sabemos, mas as contendas existem e causam muitas
mortes, é deplorável e inaceitável a violência e agressividade às comunidades
LGBTs, assim como o feminicídio, que abate mulheres de qualquer classe
social. O combate à ignorância é cotidiano, mas sem solução, porque onde
a ignorância reina a sabedoria fica proibida de entrar. As famílias enlutadas
não têm tempo para chorar porque o vírus continua a reinar entre nós.
No campo da educação, os docentes mais do que antes lutam sem trégua
a fim de manter a qualidade do ensino e o distanciamento que salva vidas. São
muitas horas rotineiras na frente de uma tela de computador, muita discussão
e para alguns, muita cobrança e até perseguição.
Acompanhamos as comunicações de especialistas de inúmeras áreas do
conhecimento advertindo para a depredação que pode causar a destruição do
planeta, destruição patrocinada e executada por seres humanos, ignorando a
vida dos animais irracionais e da mãe natureza com toda sua exuberância, o
que nos envergonha e enche de indignação. Os mesmos seres humano que
estudam para criar vidas, estudam formas cada vez mais complexas e com
aparatos nefastos para explorar a vida de outros seres humanos. Contudo,
um vírus não reconhece classe social, ideologias, poderes.
O que estamos vivendo em termos de mudanças climáticas, tempestades,
destruição criminosa da natureza, possibilita conhecimentos sobre a vida no
planeta e a saúde do planeta. Podemos afirmar que os conhecimentos discuti-
dos por inúmeros cientistas e protetores do paleta são elementos suficientes
para nos ensinar a adotar formas diferentes de viver e conviver, a fim de au-
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
20 • Para além do território demarcado

mentar nossa potência de vida para pensar nas mudanças e transformações


que devem acontecer na sociedade humana e no mundo globalmente.
Por isso, faz-se fundamental ensinar nossas crianças e nossos jovens a terem
uma formação crítica, que possa despertar-lhes a curiosidade, a razão criativa,
a sensibilidade, o sentimento de pertença, o aprendizado da vigilância de si
e o aprendizado da desconfiança e do questionamento contínuo sobre nós
mesmos e o nosso trabalho no campo social, nossas conquistas e fracassos
como forma de aprendizado continuo sobre o viver, a fim de aprender a dizer
sim e a dizer não com consciência e sabedoria.
Saber lidar com o fracasso nos ensina a lidar também com as conquistas
que nos alegram, mas não podem nos fazer reféns do poder que nos atribuímos
pelo mérito da conquista, nada se conquista ou se perde sozinho.
Esta coletânea é a prova viva dessa experiência, que a partilha sábia é bené-
fica para toda a sociedade. São contribuições de pesquisadores e estudiosos
de diferentes áreas e instituições, revelando a grandeza e como dito anterior-
mente, nada se conquista sozinho.
Os participantes desta coletânea, em resposta ao chamado e convite dos
professores: dra. Marta Regina Furlan de Oliveira, docente no PPGE da UEL
– Universidade Estadual de Londrina, liderança em teoria crítica com o grupo
de pesquisa GEPEITC/CNPq e CRITINFÂNCIA/CNPq; dr. Alex Sander
da Silva, docente no PPGE da UNESC – Universidade do Extremo Sul Ca-
tarinense, liderança em teoria crítica com o grupo de pesquisa GEFOCS, e
dra. Luzia Batista de Oliveira Silva, docente no PPGSSE da USF – Univer-
sidade São Francisco, liderança em teoria crítica com os grupos de pesquisa
TCTCLAE/CNPq e Estética, Formação Superior e Infância/CNPq.
Os organizadores esperam que os adultos possam ser capazes de ensinar
as crianças, adolescentes e jovens a caminharem e viver em liberdade, cercados
do alimento mais poderoso no planeta, o amor maior pela vida nossa e do
outro, antídoto a qualquer ódio, a falta de generosidade ou sabedoria.
Ao educador lhe resta resistir ao desmonte das escolas e universidades
públicas no país, um patrimônio do povo brasileiro. Assistimos emocionados
as conquistas dos nossos jovens que corajosamente estudaram e se prepararam
para conquistar sua entrada numa universidade pública, diante das políticas
de sucateamento da esfera pública.
Também não podemos deixar de citar as universidades parceiras da edu-
cação, como as confessionais e as comunitárias, que se aliam para contribuir
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 21 •

com o processo de formação de qualidade para qualquer ser humano, possi-


bilitando formação e colocação no mundo do trabalho, quando a educação é
de qualidade e prima por uma formação e não almeja apenas o lucro.

Profa. Dra. Luzia Batista de Oliveira Silva


São Paulo – SP
Sumário

apresentação 9

prefácio 17

parte 1: educação, formação e teoria crítica 27

1. educação e perplexidade diante da sociedade danificada


Miriam Saiki | Sabrina Moschini | Érica Fernanda de Oliveira Menezes 29

2. teoria crítica e o potencial da leitura como experiência es-


tética na formação subjetiva
Guilherme Orestes Canarim | Alini Mariot | Karoline Cipriano dos Santos 41

3. teoria crítica e seus conceitos importantes à área da educa-


ção
Kethelen Nathalia Rossini | Zuleika Aparecida Claro Piassa 55

4. influências da mídia no contexto da sociedade danificada


Aline de Souza Sanches | Aline Olchaneski Chociai Vici | Cristhiane Pereira
de Lima | Juliana Graciola Silva 73

5. educação e emancipação humana: proposições para o traba-


lho formativo docente
Alonso Bezerra de Carvalho | Sandra Regina Mantovani Leite 85

6. a reforma do ensino médio proposta pela lei 13.415/17 e o engodo


da formação
Adonias Nelson da Luz | Luciane Neuvald 99

7. formação de professores: seremos espectadores do desastre?


Adriane dos Santos Silva Soltau | Gisele da Silva Rezende da Rosa | Marcia
da Costa dos Santos 113
8. entraves e possibilidades na atuação docente em tempos de
pandemia: a questão da educação escolarizada
Marta Regina Furlan de Oliveira | Natasha Yukari Schiavinato Nakata
| Flávia Regina Schimanski dos Santos 129

9. educação e formação de professores na sociedade contempo-


rânea
Taila Angélica Aparecida da Silva | Andréia da Cunha Malheiros Santana 145

10. o papel do estágio de docência no curso de pedagogia: refle-


xões a partir do programa de pós-graduação em educação
da uel
Isabela Aparecida Rodrigues Costa | Jacqueline Oliveira Jovanovich | Marta
Regina Furlan de Oliveira | Cândida Alayde de Carvalho Bittencourt 159

11. o uso das tecnologias na educação: um relato de experiência


no contexto pandêmico
Taila Angélica Aparecida da Silva | Mariana Civalsci Cardoso | Adriana
Regina de Jesus 173

parte 2: educação, formação e outros contextos 191


teóricos
12. olhares para a escola contemporânea: debatendo a interati-
vidade na era tecnológica
Debora Graciela Radenti | Carlos Fernando Lozano Castañeda 193

13. educação e interações colaborativas mediadas por tecnolo-


gias digitais e a formação humana dos estudantes
Luciane Guimarães Batistella Bianchini | Juliana Gomes Fernandes |
Anderson Jorge Marcolino Pinheiro 209

14. implicações do contexto pandêmico/sociedade danificada


sobre o trabalho docente da educação básica em três con-
textos: ms, go e sp
Andréia Nunes Militão | Julice Souza Farias | Suzanna Neves Ferreira |
Willian dos Santos Bonfim 221
15. aspectos históricos e legais da formação de professores no
brasil: desafios e perspectivas
Patrick Pacheco Castilho Cardoso | Sonara Maria Lopes de Oliveira | Ja-
queline Delgado Paschoal | Luciana Aparecida de Araújo 241

16. a questão educacional no discurso da executiva priscila


cruz, no programa roda viva (2020)
Érica Fernanda de Oliveira Menezes | Luzia Batista de Oliveira Silva |
Miriam Saiki | Sabrina Moschini 257

17. eo direito do trabalho e a relação com a educação


Dante Batista Silva 269

sobre os autores 285


educação, formação
e teoria crítica
1. Educação e perplexidade diante da
sociedade danificada

Miriam Saiki | Sabrina Moschini | Érica Fernanda de Oliveira Menezes

Introdução

ste texto apresenta ponderações acerca da educação e formação a

E partir dos fundamentos da teoria crítica em consonância com a vivên-


cia e experiência do cotidiano educacional, em especial, no interior do
estado de São Paulo. Problematizam-se, aqui, as diretrizes de pensamentos,
em sua origem, a Educação e a perplexidade diante do contexto de uma socie-
dade danificada através do adoecimento do ser humano; a Educação escolar
nos quadros da educação pública através de relatos e, finalmente, a Educação
nos limites de um esgotamento físico, mental e moral do docente. Buscou-
se analisar, a partir de fragmentos de uma realidade educacional enferma, o
percurso da sociedade contemporânea em suas fissuras e imperfeições.
Na relação Educação e Formação, cabe à educação, como pressuposto,
preparar o indivíduo para a vida desenvolvendo suas capacidades intelectuais,
físicas e morais, despertando nele interesses latentes sobre o conhecimento.
Theodor W. Adorno, pensador da teoria crítica, lança um verdadeiro símbolo
de resistência em que contesta a forma como agimos e reagimos em situações
conflitantes, baseando-se na premissa de que o conhecimento e o prazer
artístico são traços distintivos do ser humano.
Observamos que, gradativamente, a educação não objetiva uma constru-
ção real de um processo pleno de desenvolvimento do educando. Enfatiza,
em geral, a predominância da semiformação (Halbbildung), entendida como
uma determinação social da formação na sociedade contemporânea capita-
lista, cujo resultado se dá através de um ensino preestabelecido que atende
aos interesses de uma sociedade fomentada pela cultura de massa, aquela que
impede o indivíduo de desenvolver sua consciência crítica.
As primeiras décadas do século XXI contemplam em seu seio, marcas gri-
tantes de uma sociedade que insiste em expor a sua sanidade física, mental e
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
30 • Para além do território demarcado

moral, de modo pontual com a informação, a inteligência artificial e as tecno-


logias digitais. Um embate vigoroso se expôs frente aos alertas humanistas
diante de uma sociedade danificada. O filósofo Espinosa1 , na obra Ética III,
post 1, ao efetuar considerações de uma das noções fundamentais da ética es-
pinosiana, afirma que “o corpo humano pode ser afetado de muitas manei-
ras, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída” (2015, p. 99).
Aqui, o autor se refere à potência do corpo em poder afetar ou ser afetado
por aquilo que o cerca. No ano de 2020, a humanidade sofreu afecções cau-
sadas de um fluido ou uma toxina envolta numa cápsula proteica composta
de um material genético, que, identificado, recebeu o nome de Covid-19 que
revelou e desnudou toda a fragilidade humana.
Nesse contexto, inúmeras indagações no âmbito da Educação e à Forma-
ção vieram à tona:

• Qual a melhor opção para se resguardar o alunado?

• Educação remota é uma ‘tábua de salvação’ para a solução das fissuras


educacionais?

• Quando, de fato, ocorre o adoecimento moral, mental e físico do


docente?

• Por que a perplexidade de toda uma sociedade diante da Educação?

Não se trata, aqui, de esgotar as explicações acerca das inquietações, mas


problematizar as diretrizes do pensamento em sua origem. Para tal, esta re-
flexão foi dividida em três segmentos. Num primeiro momento, a Educação
em sua constituição e a perplexidade diante do contexto de uma sociedade
danificada através do adoecimento do ser humano. Em seguida, a Educação
escolar nos quadros da educação pública. Em especial, destaca-se o interior
do estado de São Paulo. E, finalmente, a Educação nos limites de um esgota-
mento físico, mental e moral do docente. O papel da educação na sociedade
contemporânea em suas fissuras e imperfeições ainda é uma resposta à barbá-
rie no processo civilizatório.
1 Baruch Espinosa (1632-1677), filósofo racionalista holandês descendente de judeus de origem

portuguesa.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 31 •

Educação e perplexidade

A educação emancipatória defendida por Adorno (2003) só será efetiva


no momento em que houver uma educação voltada para a contradição e
para a resistência; como exemplo o filósofo cita atividades elucidativas que
despertariam, quem sabe, a consciência dos alunos de forma explícita:
(...) houvesse visitas conjuntas a filmes comerciais, mostrando-se sim-
plesmente aos alunos as falsidades aí presentes; e que se proceda de
maneira semelhante para imunizá-los contra determinados programas
matinais ainda existentes nas rádios, em que nos domingos de manhã
são tocadas músicas alegres como se vivêssemos num “mundo feliz”,
embora ele seja um verdadeiro horror; ou então que se leia junto com
os alunos uma revista ilustrada, mostrando-lhes como são iludidos,
aproveitando-se suas próprias necessidades impulsivas; ou então que
um professor de música, não oriundo da música jovem, proceda a aná-
lise dos sucessos musicais, mostrando-lhes por que um hit da parada
de sucessos é tão incomparavelmente pior que um quarteto de Mo-
zart ou de Beethoven ou uma peça verdadeiramente autêntica da nova
música.(ADORNO, 2003, p.84).

O movimento de resistência opõe-se à força, deve ser entendido como um


deslocamento ou afastamento, aparentemente uma alienação mas significa
de fato uma mobilização e uma obrigação para quem acredita na condição
humana e na sua essência de ser social. Pelo modo como as formas de produção
e disseminação das informações na era da cultura digital são propagadas, a
relação entre alunos e professores assume um papel aparentemente secundário,
conforme Zuin (2013 p.254) afirma:
Porém, é justamente a escola que oferta o ambiente para que se possa
refletir sobre o atual rompimento espaço-temporal da cultura, cujas
relações humanas, a cada dia, mais se digitalizam. O professor possui
papel fundamental no exercício dessa reflexão, na condição de orga-
nizador das etapas do processo de ensino e aprendizagem, desde que
compreenda que tal organização deva ser feita, também, por meio da
participação dos alunos, de tal modo que se arrefeça o poder do pa-
nóptico atemporal nas salas de aula, ao mesmo tempo que a palavra
diálogo seja ressignificada, de forma qualitativa, no contexto da socie-
dade da cultura digital.

Incontáveis debates acerca de metas educacionais, objetivos a serem atin-


gidos ou mesmo a urgência de planejamentos ou planos, carecem de signifi-
cado e importância frente à questão essencial, qual seja, a ameaça da barbárie.
Adorno, quando reflete sobre a Educação após Auschwitz (2003, p.123), coloca
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
32 • Para além do território demarcado

duas questões relevantes: “primeiro, à educação infantil, sobretudo na pri-


meira infância; e, além disso ao esclarecimento geral que produz um clima in-
telectual, cultural e social que não permite tal repetição”. Essas duas questões
devem conduzir a uma consciência verdadeira ao que se denomina Educação.
A Educação deve superar a retórica idealista, segundo Adorno (2003). O ge-
nocida tem as suas botas cravadas nas “raízes da ressurreição do nacionalismo
agressor” (p. 119) e finaliza alertando que
...é possível falar de claustrofobia das pessoas no mundo administrado,
um sentimento de encontrar-se enclausurado numa situação cada vez
mais socializada, com uma rede densamente interconectada. Quanto
mais densa é a rede, mais se procura escapar, ao mesmo tempo em que
precisamente a sua densidade impede a saída. Isto aumenta a raiva
contra a civilização. (ADORNO, 2003, p. 121)

O silêncio. A possível arma em defesa de seus interesses, o remédio amargo


para não se expor ou não se prejudicar, talvez, ele, o silêncio. Para Adorno
(2003, p. 134), “a frieza da mônada social do concorrente isolado constituía,
enquanto indiferença frente ao destino do outro, o pressuposto para que ape-
nas alguns raros se mobilizassem. Os algozes sabem disso”. O adoecimento do
ser humano está descrito nos substratos da desumanização e frieza que estru-
turam e fortalecem a barbárie. O vírus mortal retira o ar e vai se alimentando
dos pulmões saudáveis diante do grotesco cenário da violência moderna.

Educação escolar nos quadros da educação pública

Desde março de 2020, cerca de 48 milhões de estudantes deixaram de


frequentar as atividades presenciais nas mais de 180 mil escolas de Ensino
Básico, espalhadas pelo Brasil, como forma de prevenção à propagação do
coronavírus (INEP, 2019). Desse total, a rede estadual de educação de São
Paulo, a maior do país, abrange cerca de 3,8 milhões de matrículas e cerca de
200 mil educadores e educadoras. (GRANDISOLI; JACOBI; MARCHINI,
2020, p. 1).
Segundo o Censo Escolar 2020, divulgado pelo INEP, para o período de
março a agosto/2020, observou-se uma evasão de 20% entre os matriculados.
No estado de São Paulo, verificou-se que pouco mais de 500 mil alunos da rede
estadual de São Paulo não entregaram qualquer atividade durante a pandemia,
o que corresponde a 15% de seu alunado.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 33 •

Das 29.839 escolas (federais, estaduais, municipais e privadas) no estado


de São Paulo, 605 fecharam, das quais, 150 municipais e 447 privadas. Sem
dúvida, um quadro preocupante, inusitado e grave, quando a quantificação
ilustra a sombria matemática da Educação. Mas “a história é objeto de uma
construção cujo lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas um tempo
saturado de ‘agoras’, como afirma Walter Benjamin em sua tese 14 sobre o
Conceito de História (1993, p.229). Este é um tempo denso de experiências
vividas, ao contrário do homogêneo e linear. É preciso romper com a cadeia
de ruínas constituídas na cultura, escutando e aprendendo com as narrativas
através de uma Educação que assegure o reconhecimento do outro.
Mas há sempre uma forma de educação que podemos chamar de fun-
damental: é aquela que faz com que o indivíduo passe a compreen-
der a própria estrutura da sociedade em que vive, o sentido das trans-
formações que estão se processando nela, e assim, de mero protago-
nista inconsciente do processo social, passe a ser membro atuante da
sociedade, no sentido de favorecer sua transformação ou, ao contrá-
rio, a ela se opor, porque ela se dará em detrimento de seus interesses.
(LEMME, Paschoal, apud Gadotti, 1999)

A sociedade não se apresenta a nós de forma objetiva, pois os meandros


que se ostentam em nossa experiência diária carecem de um posicionamento
permanente de se colocar como observador reflexivo, atento à indissociável
relação da ação do homem sobre o mundo. A busca pelo despertar constante
da consciência e pelo entendimento concreto do enredo de nossa sociedade
requer um protagonismo contínuo de inserção crítica na história. É não se
arrefecer da proposta de fazer e refazer o mundo.
O espaço das relações no âmbito educacional foi um desses lugares de
contradição que se complexificou em conjunto com a sociedade moderna.
Ao passo que ocorreram inúmeras transformações outras situações nos pa-
recerem intocáveis ainda que trafeguem em nosso cotidiano com diferentes
roupagens, desde a formação inicial e permanente do professor, as relações de
poder envolvidas na constituição escolar, a legislação vigente e as prescrições
adotadas, a exposição do conteúdo como produto comercializável, a falsa de-
mocratização do saber, o olhar incipiente diante do processo de inclusão das
minorias, as relações de poder implícitas ou explícitas nos mais diversos pos-
tos educacionais; desde a educação básica até os mais elevados níveis de geren-
ciamento dos processos educativos. Apesar de vivermos legalmente dentro de
um princípio democrático que nos permite a exaltação de crenças e posici-
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
34 • Para além do território demarcado

onamentos, ainda lidamos com mecanismos que necessitam ser clarificados


para que o espaço em si seja transformado e humanizado.
Porém, ainda é necessário tratar da formação do professor no sentido de
compreensão de cenários amplos e complexos que envolvem a importância
da sua conscientização em relação a processos hegemônicos que perpassam o
fazer pedagógico, ou seja, é imperioso que o professor se aperceba disso para
ser capaz de transformar sua prática pedagógica em um instrumento de liber-
tação para si e para o outro. É evidente que o fato de um indivíduo ter conse-
guido alcançar graus de instrução elevados não o faz preparado para abstra-
ção em contextos políticos ou suas consequências para a jornada educativa. É
comum encontramos profissionais da educação muito bem-intencionados,
porém, alienados diante da oportunidade de se tornarem protagonistas de
um processo emancipatório.
Mas a própria função das ideologias torna-se manifestamente cada vez
mais abstrata. A suspeita dos antigos críticos culturais se confirmou:
em um mundo onde a educação é um privilégio e o aprisionamento
da consciência impede de toda maneira o acesso das massas à experiên-
cia autêntica das formações espirituais, já não importam tanto os con-
teúdos ideológicos específicos, mas o fato de que simplesmente haja
algo preenchendo o vácuo da consciência expropriada e desviando a
atenção do segredo conhecido por todos. No contexto de seu efeito
social, é talvez menos importante saber quais as doutrinas ideológicas
específicas que um filme sugere aos seus espectadores do que o fato
de que estes, ao voltar para casa, estão mais interessados nos nomes
dos atores e em seus casos amorosos. (Adorno, 2003. P. 56)

Em se tratando do processo de formação do professor, reiteradamente, ele


é convidado a tratar das periferias dos assuntos pedagógicos, ou seja, dos casos
amorosos do filme da educação. É possível perceber que muitas discussões se
pautam em técnicas e procedimentos sobre o “fazer” sem que tal operacionali-
dade seja contemplada pela relação direta com o “pensar-analisar-aprofundar-
contextualizar”. Ao mesmo tempo em que isso acontece, existe uma grande
tendência em se dizer que o professor deve ser autor da sua própria prática.
No contexto da grande crise que estamos atravessando em virtude da Pan-
demia “Covid-19”, assistimos a ocorrência de uma grande oferta de transmis-
sões e debates em redes sociais para tratar dos rumos da educação. Muitos pes-
quisadores disponibilizaram-se para discutir sobre os efeitos reais do distanci-
amento dos alunos de seu cotidiano escolar. Também foi uma pauta muito
frequente, o uso das tecnologias e como o professor se reinventou para que
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 35 •

pudesse acessar aos seus alunos nas condições que se lhe impuseram diante de
algo inédito: o fechamento das escolas por tanto tempo. É importante salien-
tar que os profissionais da educação, possuem uma rotina de trabalho que
vai muito além das efetivas aulas. As atribuições dos educadores envolvem
a elaboração de planos de ensino e de planos de aulas, o acompanhamento
da aprendizagem por meio do registro em tabelas, a preparação de material
apropriado para cada tempo de aprendizagem de seus alunos, as pesquisas
para embasamento de suas ações voltadas aos alunos com deficiências e/ou
dificuldades de aprendizagem, as correções dos trabalhos desenvolvidos pelos
alunos e as respectivas devolutivas sobre o seu desempenho, as reuniões com
colegas e equipe gestora para o alinhamento das ações coletivas, a orientação
às famílias e intervenções constantes aos alunos.
Quando os professores retornaram aos seus trabalhos em suas escolas, to-
das as suas atribuições voltaram consigo, porém, potencializadas pelo grande
desafio de atingir o aluno de maneira remota. Uma das grandes preocupações
dos professores, e de toda a equipe escolar, durante esse período de pandemia,
foi com o perigo iminente da evasão escolar. Muitas famílias foram acometi-
das de dificuldades financeiras que as fizeram procurar ajuda com os familia-
res. Algumas dessas famílias chegaram a mudar-se temporariamente levando
consigo seus filhos e deixando a escola e as possibilidades de contato com a
escola. Foram muitos meses falando ao telefone com muitas famílias para que
houvesse alguma noção das suas reais necessidades. Foram dias e mais dias ori-
entando famílias sobre os rumos que poderiam tomar para que os direitos da
criança fossem garantidos em meio à crise social e econômica que se assolava,
(e ainda assola) sobretudo, os mais necessitados.
Toda organização de uma instituição escolar é voltada ao objetivo primor-
dial da aprendizagem. Os princípios norteadores da ação educativa no espaço
escolar voltam-se para a relação direta entre o cuidar e o educar. Ainda nas
fases mais avançadas no ensino fundamental, há que se perceber que o aluno
que temos diante de nós não está despojado dos vínculos que o afetam por in-
teiro, como privações de alimento e exposição à violência física e psicológica.
Os professores, ao retornarem aos seus afazeres de trabalho, também trou-
xeram consigo problemas, dificuldades e todas essas emoções, muitas vezes, a
necessidade de que fossem minimizadas as perdas quanto ao desenvolvimento
da aprendizagem, as condições de trabalho fizeram com que os professores
se sentissem como os espectadores que observam as periferias do enredo. As
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
36 • Para além do território demarcado

‘humanidades’ na educação estão adoecidas. Pelas ideias colocadas a emergên-


cia de se garantirem alguns resultados e preparar ambientes para que não haja
perdas quanto aos resultados, faz com que os professores se sintam apenas
uma parte pequena da engrenagem que perpetua o giro de toda essa máquina.

Educação nos limites de um esgotamento físico, mental e


moral do docente

Atualmente, os professores vêm passando por diversos dissabores em seu


ambiente laboral, como, por exemplo, desde adaptação às novas tecnologias,
sistema padronizado de educação, excesso de conteúdo e falta de autonomia
didática, o que os leva a um processo de adoecimento ocupacional.
A compreensão do cenário laboral contemporâneo é fundamental para
fortalecer ações de prevenção e promoção de salubridade ambiental. A docên-
cia já foi considerada uma profissão nobre que gerava grandes expectativas,
mas, ao longo da história no Brasil, sucumbiu ao papel secundário de pro-
fissão desprestigiada socialmente. Para muitos, no nível universitário, é vista
como um “bico” e sem ter amparo ou proteção legal.
Dentre suas atribuições, podemos citar as aulas expositivas, preenchi-
mento de relatórios, planilhas, correção de tarefas, lançamento de notas, au-
sências, presenças em aulas e reuniões periódicas.
Observamos uma precarização das condições de trabalho ressaltado pelo
excesso e ritmo acelerado de atividades, tornando esses profissionais inseguros,
estressados e esgotados, sem condições de participar de cursos de atualização
ou aperfeiçoamento profissional.
O docente proletarizado vende sua força de trabalho por um valor inferior
à sua produção, que deveria ser intelectual, autônoma e livre, mas tornou-
se uma atividade preestabelecida, padronizada, com formato pedagógico
imposto até mesmo na escolha de materiais e conteúdos didáticos.
No estudo apresentado por Nágila Caporlíngua Giesta (2005) sobre as
atividades diárias do educador e como elas adquirem valor e significado, vis-
lumbramos a importância da autorreflexão e autonomia desse profissional.
Por isso, destacamos:
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 37 •

O poder da expressão do professor, ao modelar a escolarização de


acordo com seus interesses, pode excluir ou incluir seus alunos,
provendo-os de conhecimentos necessários ou supérfluos à participa-
ção efetiva na escola e na sociedade. A ação do professor compreen-
dida e questionada criticamente, como ato político e, em relação às
formas como funciona, procura interpretar as expressões dos alunos
e a vida escolar diária (2005, p. 51).

Com a pandemia decorrente da Covid 19, houve um aumento significa-


tivo das tarefas, como a da alimentação de sistemas de computador, aulas re-
motas e muita criatividade seguida de uma exposição imensurável dos profes-
sores, muitos tendo que tirar recursos do próprio bolso e jornadas exaustivas
que correspondem efetivamente na carga excessiva de trabalho sem corres-
pondência salarial.
Uma das doenças mais conhecidas que vem afetando a saúde dos docentes
é a síndrome de burnout, relacionada com o esgotamento físico e mental
decorrente da atividade profissional. Sobre as características da síndrome e
seu diagnóstico, Maria Helena Varella Bruna (2012) esclarece:
Sua principal característica é o estado de tensão emocional e estresse
crônicos provocado por condições de trabalho físicas, emocionais
e psicológicas desgastantes. A síndrome se manifesta especialmente
em pessoas cuja profissão exige envolvimento interpessoal direto e
intenso. (...) O diagnóstico é basicamente clínico e leva em conta o
levantamento da história do paciente e seu envolvimento e realização
pessoal no trabalho.

Os docentes lecionam em salas numerosas de alunos, passam por dificul-


dades financeiras devido aos baixos salários; muitos relatam situações de agres-
sões físicas e verbais em seu cotidiano e ainda se sentem desamparados pela
coordenação, não tendo o seu trabalho qualquer reconhecimento, num la-
tente processo de proletarização.
A educação reflete um sistema de produção organizado para preparar
profissionais flexíveis, polivalentes e disciplinados, e o educador não tem
como exercer sua função principal, ou seja, formar um cidadão crítico com
possibilidade de refletir sobre a teoria e o seu entorno e a finalidade social
dessa estrutura. Esse processo vivenciado na sociedade capitalista aliena o
homem das suas reais condições de vida.
Buscando soluções, temos que olhar para essas condições de trabalho e
buscar o desenvolvimento e integração de políticas públicas, além de um pro-
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
38 • Para além do território demarcado

cesso de articulação da educação com as áreas da saúde e cultura, possibili-


tando, com isso, o domínio do conhecimento e a capacidade de reflexão.

Considerações finais

Caminhar por entre as ruínas da catástrofe, contar os seus mortos, despejar


toneladas de aflições e medos sobre um século cuja Belle Époque da tecnologia
e informação relampeja em alegorias que remetem à perplexidade do anjo
de Paul Klee. Com os fragmentos de uma realidade educacional enferma,
no percurso da sociedade contemporânea em suas fissuras e imperfeições, o
tempo vazio e linear de chrónos parece reinar na historicidade moderna.
Mas, o tempo da infância é também o tempo da história, talvez, um
encontro de uma temporalidade intermitente, possibilitando uma intensa
experiência poética resguardada na estética que possa representa-la.
É urgente um trabalho que permita aos cidadãos reconhecerem-se como
membros da sociedade, trabalhar no sentido de esclarecimentos que possibili-
tem a identificação de elementos díspares, ambíguos, opostos e convergentes
na área da educação, elementos que reforcem o campo educacional e elemen-
tos que contribuam para minar esforços e neutralizar ações maledicentes em
prol de um coletivo de benquerença.

Referências

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Maar. São Paulo: Paz e Terra, 2003.
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Lisboa: Edições 70, 1982.
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filosóficos. Tradução Guido de Almeida. São Paulo: Zahar, 1985. 223p.
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Paulo Rouanet. Prefácio de Jeanne Marie Gagnebin. São Paulo: Brasiliense,
1993.
BLECHER. Taddy. É preciso ter amor na educação. Revista do ensino
superior- julho/agosto de 2019. Ano 20, nº 241.
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Para além do território demarcado 39 •

BRUNA, M.H. Varella. Síndrome de burnout (esgotamento profissional).


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DURÃO. Fabio Akcelrud. A indústria cultural hoje. Disponível em <https:
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GIESTA, Nágila Caporlíngua. Cotidiano escolar e formação reflexiva do
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GRANDISOLI, Edson, JACOB, Pedro Roberto, MARCHINI, Silvio.
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WIGGERSHAUS, Rolf. A Escola de Frankfurt: história, desenvolvimento
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Disponível em: <http://www.revistas.ufg.br/index.php/interacao/article/
view/31705/16902>. Acesso em 24/02/2020.
2. Teoria Crítica e o potencial da leitura
como experiência estética
na formação subjetiva

Guilherme Orestes Canarim | Alini Mariot | Karoline Cipriano dos Santos

Para início de conversa, ou à guisa de introdução

ual o potencial da leitura como experiência estética? Como a

Q leitura, enquanto experiência estética, pode estar relacionada com


a produção do conhecimento nos processos de ensino e aprendiza
gem? Ou ainda, o que talvez seja a questão central nesta investigação:
de que modo a leitura, entendida como experiência estética, contribui para a
formação subjetiva?
Para elaborar essas questões, nosso objetivo deste breve estudo é compre-
ender a leitura como uma possibilidade de experiência estética e suas poten-
cialidades, ou seja, partindo de um contexto de educação não formal, nesse
caso o do grupo Leituras selvagens1 , desenvolvemos alguns elementos de um
entendimento do potencial estético-formativo da leitura como experiência
estética e formação subjetiva.
Desde a vivência do grupo Leituras Selvagens abordamos o potencial
da leitura como uma experiência estética. Leituras Selvagens foi o nome
escolhido para o grupo de leitura a partir de uma das experiências de leitura
que participamos. Nós nos organizamos para fazer a leitura de alguma obra
e nos reunimos todos os sábados por vídeo-chamada, para discutirmos um
trecho ou capítulo da obra escolhida. A partir dessas experiências pensamos
no potencial da leitura e suas implicações. Além disso, trazemos alguns autores
para o diálogo, tendo em vista o potencial da leitura e a questão das implicações
formativas.
1 Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação, Formação Cultural e Sociedade da Universidade

do Extremo Sul Catarinense (GEFOCS – UNESC).


educação e formação no contexto da sociedade danificada:
42 • Para além do território demarcado

Como uma pesquisa de caráter bibliográfico, focamos especialmente na


revisão bibliográfica de tipo integrativo (FONSECA,2002), que nos dá maior
liberdade para transitar entre os autores e ainda conservar algum rigor metodo-
lógico. Desse modo, os principais autores com os quais dialogamos são: The-
odor Adorno, Michele Petit, Walter Benjamin, Nadja Hermann entre outros.
Destacamos, dentre os trabalhos destes pensadores, os seguintes textos: expe-
riência e pobreza (BENJAMIN, 1994A), Teoria estética (ADORNO,1993), A
arte de ler (PETIT,2010) entre outros, que consideramos essenciais para dar
fundamentação ao nosso trabalho, e que também contribuem para destacar
alguns aspectos do debate nesse campo.
Com este estudo compreendemos que a leitura, entendida como experi-
ência estética, permite o desenvolvimento de aspectos da subjetividade e da
aprendizagem. Nesse caso, entendemos que esses espaços, como o do grupo
de leituras, funcionam como uma espécie de “balão de ensaio” social, permi-
tindo desenvolvimentos que, de outro modo, não poderiam ser elaborados.
Em linhas gerais, visamos relacionar a experiência e o ambiente do grupo
Leituras Selvagens, com uma discussão e fundamentação teórica e conceitual.
De sorte que o assunto deste trabalho é leitura, porém, em particular as leituras
que se dão nos laboratórios, grupos de leitura e outros ambientes ou contextos
educativos não-formais. Nesses espaços a formação pode se desenvolver explo-
rando outros campos, pensamentos, métodos, elementos e também as múlti-
plas possibilidades acerca das percepções e da própria experiência estética.
Para isso partimos, primeiramente, de um diagnóstico da sociedade no
que tange a experiência, ou melhor, à pobreza de experiência e narrativas como
um processo compulsório de esvaziamento da subjetividade. Num segundo
momento, pensamos a experiência estética como resistência à pobreza da
experiência e por fim, na última seção, tratamos da leitura como potencial
para a experiência estética.

Teoria Crítica e Benjamin: um diagnóstico do esvaziamento


da experiência

Não estamos vivendo, estamos apenas sobrevivendo, correndo para con-


seguir o mínimo de subsistência e para consumir produtos irrelevantes, con-
sumo esse que subsidiará o sistema em que vivemos, de cuja exploração fugi-
mos consumindo e amortecendo nossa consciência incipiente. O que esta-
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 43 •

mos fazendo para nós mesmos? Será que vivenciamos realmente algo nesse
turbilhão interminável? Não seria possível que viramos egoístas ou hedonis-
tas, buscando apenas nosso próprio desejo e o prazer imediato, e que estivés-
semos experienciado as mais ricas formas de vida social? Ao contrário, Benja-
min (1994) nos diz que pouco ou nada fazemos, que estamos cada vez mais
pobres de experiência.
Benjamin (1994) faz um diagnóstico da sua época sobre as experiências,
particularmente aquelas ligadas às Grandes Guerras, das quais os soldados
voltaram depois de anos. Essa foi a chamada geração silenciosa, presenciaram
conflitos e momentos históricos, mas não tinham nada para contar após anos
vivenciando a barbárie diretamente. Se trouxermos para agora, é provável
então que estejamos vivenciando muitas coisas nos nossos dias, mas que não
são experiências compartilháveis, são experiências de barbárie. Pois, a própria
pobreza de experiências significativas, é uma barbárie
Pois qual o valor de todo o nosso patrimônio cultural, se a experiência
não mais o vincula a nós? A horrível mixórdia de estilos e concepções
do mundo do século passado mostrou-nos com tanta clareza aonde
esses valores culturais podem nos conduzir, quando a experiência nos
é subtraída, hipócrita ou sorrateiramente, que é hoje em dia uma prova
de honradez confessar essa pobreza. Sim, é preferível confessar que essa
pobreza de experiência não é mais privada, mas de toda a humanidade.
Surge assim uma nova barbárie. (BENJAMIN, 1994a, p. 115)

Vemos que essa pobreza de experiência, segundo o autor, se estende a


toda a humanidade, sendo uma condição humana da sua época. Hoje, com a
acelerada globalização, encurtamento de distâncias e padronizações de hábitos,
essa condição se alastra mais ainda, se tornando mais visível.
Além da pobreza de experiência propriamente, há também a pobreza do
dizer e compartilhar experiências, contar histórias. Essas capacidades, que se-
riam um novo tipo, ou outro nível da vivência e da experiência, ligada à tradi-
ção e aos costumes, vem se perdendo. Alguns séculos atrás, era mais comum
os viajantes ou as pessoas mais velhas se sentarem à lareira para contar histórias,
tecer suas narrativas, enquanto outras pessoas escutavam. Nesses momentos
criava-se uma espécie de ambiente, um tipo de experiência que remontava a
uma certa magia. Essas narrativas tinham uma característica importante que é
o tempo para narrar, eram histórias contadas devagar, com detalhes, com pro-
fundidade e que levavam tempo (BENJAMIN, 1994). Nos dias de Benjamin
– e também presentemente – tampouco vivenciamos experiências significati-
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
44 • Para além do território demarcado

vas. Não encontramos figuras como essas de O Narrador (Benjamin, 1994),


viajantes e experientes para compartilhar essas histórias, nem temos tempo ou
paciência para ouvir. Porém, podemos pensar, será que realmente não temos
experiências ou não sabemos dar valor para essas experiências? Não existem
mais essas oportunidades, essas pessoas prontas para passar horas narrando
ou nós é que não somos mais capazes de pararmos para ouvir? Num certo sen-
tido, todas as sentenças têm verdade, isto é, ambas as coisas vêm acontecendo.
Por um lado, estamos cada vez mais reféns dos feeds infinitos e insaciáveis,
e também estamos cada vez menos capazes de prestar atenção em algo ou
experimentar e vivenciar algo com profundidade. Podemos pensar então
que o problema da experiência e da narrativa está ligado a um fenômeno
psicossocial que afeta o psicológico dos indivíduos e que está nos impedindo
prestar atenção em coisas que levam mais tempo? Como contar ou ouvir
histórias?
Mas não podemos constatar isso e simplesmente continuarmos reféns. É
necessário algum modo de resistir a esse panorama. Reescrevendo, podemos
até continuar reféns, pois estamos vivendo nesse emaranhado, mas não pode-
mos então ser menos reféns? Ou então, resistir de alguma forma, ainda que
por dentro do sistema? É importante continuarmos pensando em estratégias
para conseguir vivenciar experiências, e quem sabe transmitir um pouco das
consequências éticas dessa estratégia que estamos chamando, baseando-nos
em Adorno, de experiência estética com a leitura.

Adorno e a leitura como possibilidade de recuperação da


experiência

Aparentemente teríamos que nos resignar com esse processo de empobre-


cimento da experiência diagnosticado por Benjamin. E, num certo sentido,
Adorno corrobora com isso. A partir da percepção da indústria cultural e do
seu papel na produção da barbárie e do embrutecimento da subjetividade em-
pobrecida e exaurida, nesse sentido, conforme Bueno e Sanitá:
O potencial de ação da indústria cultural fica assustadoramente evi-
dente, quando Adorno aponta sua capacidade de transformar sub-
jetivamente os indivíduos, por meio dos novos veículos de comuni-
cação e de seus produtos culturais. Referindo-se especificamente à
música, ele chama a atenção para a transformação da própria audição
por intermédio de elementos como a música ambiente, associada ao
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 45 •

descanso e ao simples preenchimento do silêncio. Adorno entende


que esses fenômenos fazem definhar, no espectador, a capacidade de
ter uma experiência real com a arte, justamente porque produzem e
promovem uma arte que não exige nada destes – nem conhecimento,
nem atenção, nem participação. (BUENO e SANITÁ, 2016, p.15)

Para ele, a questão não é apenas uma indústria de bens, ou que consumi-
mos produtos cada vez mais industrializados, mas sobretudo que, nós mes-
mos e nossa subjetividade, somos cada vez mais tratados como processo ou
produtos numa cultura industrial. Nesse contexto, os processos de fragiliza-
ção das capacidades e sensibilidades estéticas é o resultado de uma objetifica-
ção tanto dos observadores quanto daquilo que consomem indiscriminada-
mente. Porém, nem tudo se perdeu.
No seu ensaio sobre a sem formação (ADORNO,1996) adorno resiste em
dar uma clara definição do conceito de experiência. Desse modo, evitando a
fixação de uma “experiência ideal”, utópica ou redentora, ele amplia os limites
de sua significação, incluindo seu caráter metafísico e as contingências sociais
da sua crise interna.
Nesse sentido, especialmente na teoria estética, em consonância com ou-
tros estudos, Adorno elabora o que, no nosso entender, seria uma possibili-
dade de recuperação da experiência pela via da estética. De certo modo, perce-
bemos que, partindo do estético, do artístico e de suas dinâmicas de campo,
seria possível articular um entendimento da potencialidade da experiência
estética, em especial no que diz respeito à leitura.
Para adorno, “Enfaticamente a arte é conhecimento, mas não conheci-
mento de objetos” (ADORNO, 1993, p .295), isso significa dizer que a arte
é um tipo de conhecimento, mas não como um saber orientado para obje-
tos, isto é, ela é um meio para o dar a conhecer, o fazer reconhecer, um mos-
trar. Num certo sentido, adorno parece sugerir que o tipo de epistemologia a
qual a arte pode se prestar não é orientada por uma razão meramente instru-
mental, mas ao contrário, por conta da sua natureza ambígua e dialética a arte
pode sinalizar a possibilidade de uma racionalidade estética (HERMANN,
2015, p. 240).
O seu potencial está em que não se reduz a uma simples dicotomia entre
razão e sensibilidade, mas em vez disso ela tensiona os seus próprios limites in-
ternos e põe em xeque cada uma das tentativas de domínio racional ou espon-
taneísmo sentimental. Por conta disso, ela pode indicar o contexto e colocar
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
46 • Para além do território demarcado

os pressupostos da sua própria crítica imanente, pois “a arte é racionalidade


que critica a racionalidade sem dela se desviar” (ADORNO, 1993, p. 145).
Dessa forma, por meio do reconhecimento da natureza intersubjetiva do
processo de formação dos sujeitos e da própria arte, de cujo núcleo dialético
pode vir sua potencialidade como processo para autoconsciência e para o
desenvolvimento do pensamento crítico, adorno sinaliza uma possibilidade
para a recuperação da experiência.
Nesse sentido, a arte é conhecimento intersubjetivo. O deslize e a repeti-
ção, não só reposicionam e mudam o processo da significação, como reela-
boram as condições de emergência dos sentidos e significados possíveis, de
modo que esse momento de repetição e mudança, reinaugura os limites con-
ceituais e, ao mesmo tempo, recupera retroativamente sua própria possibili-
dade. Ou seja, a experiência estética é conhecimento intersubjetivo, por essa
razão são necessários contextos em que o experienciar desse conhecimento
possa se desenvolver, isto é, é necessário elaborar vivências e “desintoxicações”
subjetivas para que, por meio desses processos da consciência e autoconsciên-
cia possamos fazer esse movimento de saída, retorno e auto superação.
Nesse contexto, a experiência estética é uma constelação, composta pelas
imagens poéticas, pelas ideias, símbolos e significados. Tudo isso compondo
esse conhecer como experiência do pensamento, ligados pelos processos de
achamento, criação e atribuição de sentido. É nesse âmbito constelativo, dinâ-
mico e dialético que se torna possível, na arte, elaborar os assuntos chamados
científicos, ou no dizer de adorno "[...] expressar conhecimentos necessários e
conclusivos sobre os homens e as relações sociais” (ADORNO, 2012, p. 22 –
24), que não poderiam aparecer no campo propriamente considerado cientí-
fico, por que não se fundamentam nem em testes, nem na reprodutibilidade
laboratorial, e nem no consenso dos pares, mas na experiência humana.
De certo modo, a experiência é uma maneira de nomeadamente compre-
endermos esse movimento, essa dialética que se dá na consciência e por meio
da qual emerge e, são elaborados os conteúdos de verdade. Essa abertura para
a alteridade, que se torna possível, pois o sujeito se torna objeto para si, é inte-
ressante para pensarmos o potencial crítico da experiência. Quando o sujeito
reflete sobre sua própria construção de experiência se abre uma porta social
para o seu desenvolvimento, para ele ser diferencial em seu meio de formação.
Nesse ínterim, a leitura entendida como experiência estética, pode ter
um papel central, especialmente no âmbito educativo. Se considerada em seu
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 47 •

potencial crítico e estético-formativo ela pode ser um meio para construirmos


contextos que favoreçam o desenvolvimento de uma racionalidade estética,
orientada eticamente para a autocrítica e o desenvolvimento subjetivo.
Ela pode fortalecer as capacidades teórico-críticas, e ainda ser uma ferra-
menta para a resistência e descolonização contínua da razão, das mentalida-
des, da subjetividade e da sociedade em geral, nesse sentido, conforme Pettit,
Apropriar-se efetivamente de um texto pressupõe que a pessoa tenha
tido contato com alguém – uma pessoa próxima para quem os livros
são familiares, ou um professor, um bibliotecário, um fomentador
de leitura, um amigo – que já fez com que contos, romances, ensaios,
poemas, palavras agrupadas de maneira estética, inabitual, entrassem
na sua própria experiência e que soube apresentar esses objetos sem
esquecer isso. (PETIT, 2010, p. 48).

Conforme a autora, a apropriação da leitura não se dá ocasional ou fortui-


tamente, mas ao contrário, necessitamos do contato direto ou indireto com o
outro. Ela destaca que o interesse pela leitura é algo construído em conjunto,
elaborado socialmente. Nesse sentido, é fundamental a boa recepção, a dispo-
nibilidade e o acolhimento. Aqui podemos ver novamente o núcleo do que
estamos tentando elaborar nesse texto, isto é, a questão da intersubjetividade
suscitada pela leitura, que também é parte da nossa própria formação subje-
tiva e das dinâmicas de funcionamento da sociedade.
Assim, em certo sentido, Adorno e Benjamin se aproximam, por um
lado o processo de deterioração da experiência e por outro, as visões sobre a
indústria cultural e seu papel na produção de comportamentos bárbaros e
no nó subjetivo dos pobres e exaustos. Porém, em certo sentido, percebemos
que, sob a ótica da estética e da dinâmica artística, é possível expressar uma
compreensão do potencial da experiência estética, especialmente em relação à
leitura.
Tudo isso constitui esse conhecimento como experiência de pensamento
relacionada ao processo de produção de sentido. Através da elaboração ou
da expressão de conhecimentos necessários sobre a relação entre o homem
e a sociedade. Este tipo de constelação pode aparecer na arte, que pode ser
transformada em um contexto dinâmico e dialético.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
48 • Para além do território demarcado

Leitura imanente, ou o potencial da leitura como experiência


estética e formação subjetiva (a revisão propriamente, ou
seja, análises)

Continuando nessa lógica da possibilidade de experiências, compreende-


mos a leitura como uma experiência estética, cujo potencial estético-formativo
pode fornecer novas estratégias para entendermos a própria formação subje-
tiva e, paralelamente, auxiliar os processos de autoconscientização. Porém, a
questão é: de que maneira e leitura, diferente de outros métodos ou aborda-
gens pode contribuir no processo da consciência crítica?
Conforme petit, a leitura pode auxiliar-nos a “[...] discernir melhor o
que existe ao redor de nós, e mais ainda o que acontece dentro de nós e não
conseguimos exprimir” (PETIT, 2010, p. 51). Seguindo nessa lógica, podemos
perceber que a leitura pode nos ajudar a ler não apenas o texto propriamente,
ou seus significados, mas também as relações desses significados com o mundo
no qual vivemos, e com as nossas próprias percepções dele. Além disso, parte
do processo de produção de sentido, no qual a leitura entra, diz respeito às
nossas próprias experiências subjetivas, suas cores e matizes, que muitas vezes
são bem mais variados e sutis, embora em muitos casos tenha que se ajustar
as narrativas ou estruturas simbólicas que a industriaria cultural propaga.
Assim, a autora explica que o pensamento se dá por meio da intersubjeti-
vidade, que pensamos em resposta aos outros, numa relação com eles. Este
exercício que destaca algo da própria condição humana, indica algo sobre a
própria leitura que também se constitui como uma relação intersubjetiva.
É importante destacarmos que essa posição da Petit (2010) marca um en-
tendimento que contrasta com a ideia da leitura como algo solitário e silenci-
oso, salientando que a leitura é uma prática social, que demanda, entre ou-
tras coisas, acolhimento e diálogo. Nesse sentido, ela é uma construção cole-
tiva, de modo que as experiências educativas de leitura em grupo, tais como
os clubes de leitura e outras, se constituem como ambientes que potenciali-
zam a interação e a dimensão dialógica da leitura. Eles permitem o contato
com múltiplas interpretações, distintas formas de entender e investigar os sen-
tidos em um mesmo texto e assim explorar e desenvolver as capacidades de
memorização, interpretação, atenção, empatia e pensamento crítico.
Nesse sentido, ela pode ser um meio para construímos um espaço que
“[...] rompe com a situação em que se encontra aquele que lê ou ouve um
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 49 •

texto” (PETIT, 2010, p. 75) e assim impulsiona o desenvolvimento intelectual


e a elaboração do pensamento crítico. Estes espaços, vêm a ser um ponto de
partida e podem significar, entre outras coisas, criar ambientes de transborda-
mento de vida, nos quais o estar juntos, o acolhimento e o desenvolvimento
intelectual de cada um não têm que prescindir de seu próprio entendimento
em detrimento de uma noção superficial e homogeneizada, mas ao contrário,
consegue enriquecê-lo com os prismas e as visões dos outros.
Ainda com relação a esse aspecto do acolhimento, partindo da nossa expe-
riência no grupo de leitura, destacamos que a possibilidade de um ambiente
onde o caráter avaliativo ou escolar da leitura não é essencial, e não compro-
mete a leituras dos sujeitos, é igualmente uma possibilidade de fortalecer a cu-
riosidade, a empatia e o pensamento crítico. Em especial, com relação a este
último, percebemos que, como não há nenhum clima de competição, todos
se expõem com mais abrangência e também exploram mais profundamente
seus próprios entendimentos sobre o que leram.
Entendida dessa maneira, a leitura pode deixar transparecer seu caráter
ensaístico e sua dimensão propriamente estético-formativa, como um pro-
cesso de experiência no qual a verdade aparece como “constelação em devir”
(ADORNO, 2009, p. 21). Ou seja, abordada a partir desse seu potencial como
experiência estética, a leitura pode se mostrar enquanto processo que se arti-
cula constelativamente, uma espécie de perspectivismo crítico onde sua sín-
tese é o seu próprio desenvolvimento e desdobramento. Desse modo, pode-
mos articular um todo que não se apresenta como totalidade auto evidente.
Ele é apenas como uma senha, como os números de uma combinação de um
cofre, que compõem uma constelação. Nesse sentido, não são propriamente
os nomes, os números, conceitos ou personagens que assumem a finalidade da
leitura, mas sim os conteúdos que essas configurações podem fazer emergir.
Ainda com relação a isso, é interessante pontuarmos que esse caráter
constelativo diz respeito não só a natureza processual da experiência estética,
que pode acontecer dadas certas circunstâncias, mas sobretudo ele fala sobre a
inextricável condição intersubjetiva necessária tanto para o desenvolvimento
dos sujeitos quanto para a leitura. Dito de outro modo, a constelação é um
conjunto com um centro frouxo, uma espécie de coletivo cuja centralidade
pode ser assumida e protagonizada por todos.
Em razão da natureza da sociedade em que vivemos, a formação subjetiva
é percebida apenas como parte de uma cultura industrializada, como um pro-
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
50 • Para além do território demarcado

cesso que tende invariavelmente para sua reificação. No entanto, ao invés de


nos rendermos aos imaginários pré-fabricados de mercadorização da subjeti-
vidade, podemos, por meio da leitura, reviver nossa sensibilidade e renovar o
imaginário estético-ético-político.
Se para adorno “só compreende uma obra de arte, quem a compreende
como complexão de verdade (ADORNO, 1993p.295) de modo análogo, o po-
tencial da leitura, enquanto experiência estética, só se revela quando pensa-
mos nela para além das suas funções de decodificação, isto é, vendo nela o seu
caráter propriamente estético e suas implicações formativas. De todo modo
quando se vivencia uma obra de arte aqui citada a obra Adorniana, saímos da
imersão do capital, onde somos sujeitos de consumos, de desejos implementa-
dos e vivenciamos uma experiência escrita de épocas que é um encontro com
nossos derivados por respostas, pois uma leitura, ou uma imersão em merca-
dorização da subjetividade, fazem sentidos em determinados momentos que
nos encontramos ou até mesmo pela nossa lógica de verdade, pois cada qual
imerso no que de fato lhe faz sentido.
Assim, o caráter estético-formativo da literatura enquanto uma experiên-
cia estética, não se limita a questões de vocabulário, formação acadêmica, ge-
racionais ou culturais, entre outras, mas pode ser grandemente ampliado por
uma abordagem que a entenda como um meio, um espaço para o desenvolvi-
mento da autoconsciência e da criticidade. Nesse sentido, conforme Petit:
Oral ou escrita, a literatura é uma oferta de espaço. As palavras não
cansam de revelar paisagens, passagens [...] Antes de tudo, é talvez um
espaço que é encontrado nas palavras lidas, de modo vital, ainda mais
para quem não dispõe de nenhum lugar, nenhum território pessoal,
nenhuma margem de manobra. (PETIT, 2010, p. 69).

Dessa maneira, conforme Petit, leitura pode capitanear a força descobri-


dora da arte, ela pode ser um meio para desocultar verdades e enfrentar tanto
as incertezas do processo do conhecer, quanto às contingências éticas e soci-
ais com as quais lidamos. Esse potencial para revelar novas paisagens, ideias
e vislumbres da realidade é essencialmente o modo pelo qual a leitura pode,
enquanto experiência estética, auxiliar-nos epistemológica e eticamente dos
nossos desafios educativos. Além disso, para a autora, a leitura pode ser especi-
almente útil para aqueles que não tem lugar, que não tem espaço e que estão
à margem. Nesse caso, ela pode ser o elemento básico para a construção do
pertencimento e do senso de comunidade, a partir do qual necessariamente
nós desenvolvemos como sujeitos.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 51 •

Assim, entendemos a leitura como uma experiência estética, cujo poten-


cial estético pode fornecer novas estratégias para compreender a própria for-
mação subjetiva e contribuir para a autoconsciência. Ler pode nos ajudar a
reconhecer melhor as coisas ao nosso redor e, em especial, as coisas que não
podemos expressar. Portanto, percebemos que a leitura pode não apenas nos
ajudar a ler o texto ou seu significado, mas também ajuda a compreender a re-
lação entre esses significados, o mundo em que vivemos e nossa própria com-
preensão do nosso papel nesse mundo. Nesse ambiente de vida, a disponibili-
dade e o desenvolvimento intelectual de todos os inseparáveis de sua própria
compreensão, o que não é propício à aparência e homogeneidade. Por meio
dela podemos criar esses espaços, que se tornam o ponto de partida.
Portanto, entendemos que a leitura, e seu potencial estético, podem for-
necer novas estratégias para um ambiente onde a avaliação ou o caráter aca-
dêmico não são essenciais e não prejudicam a leitura. Esta é também uma
oportunidade para fortalecer a curiosidade, e o pensamento crítico. Dessa
maneira, se a entendemos como um complexo de verdade em devir, de forma
semelhante o potencial da leitura e da experiência estética só se revela quando
estamos imersos no próprio processo.

Considerações finais

Nesse breve estudo perseguimos a compreensão do potencial da leitura


enquanto experiência estética. Nosso objetivo se cumpriu na medida em que
pudemos, até certo ponto, destrinchar alguns dos elementos da discussão
nesse campo.
Em especial, trouxemos alguns aspectos de um diagnóstico da teoria
crítica do estado das possibilidades de experiência, além disso, elaboramos os
sentidos possíveis em torno do conceito de experiência na obra de adorno e
relacionamos esses sentidos com as potencialidades da leitura.
Dessa maneira procuramos relacionar estes elementos teóricos a nossa
experiência prévia com o Grupo Leituras Selvagens, para compor essa investi-
gação e destacar o que consideramos como possibilidade de entendimento
sobre os aspectos estético-formativos da leitura.
Mostramos, entre outras coisas, que entender a leitura como uma experi-
ência estética demanda suporte teóricos e que pode ter consequências positi-
vas no processo formativo. Também salientamos que percebida desse modo
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
52 • Para além do território demarcado

ela pode ser uma estratégia central no desenvolvimento da aprendizagem, da


empatia e do pensamento crítico. Destarte ressaltamos que a leitura, enten-
dida como experiência estética pode contribuir para a formação subjetiva
tornando-se ela própria um processo de mediações, por meio do qual se torna
possível engendrar o fortalecimento da subjetividade.
Inicialmente entendemos que, por si mesma, a leitura já seria suficiente
para despertar novos sentidos, significados e paisagens. Porém, no decurso
do estudo, descobrimos que, embora ela tenha essa natureza de descoberta,
se não forem dadas certas circunstâncias como a abertura para o outro, o
acolhimento e uma disposição para a colaboração, ela talvez não chegue tão
longe quanto possível.
Assim, entre as principais coisas que descobrimos, esta primeiramente o
processo de danificação e empobrecimento da experiência subjetiva capita-
neado pela lógica industrial moderna. Essa percepção do esvaziamento das
condições para as vivências e experiência e, sobretudo, para a comunicação
entre os sujeitos, é talvez mais atual hoje em dia do que na época de Benjamin
e adorno. Esses autores, da chamada teoria crítica puderam entrever os funda-
mentos dos processos que hoje já se instauram como via de regra da mediação
simbólica na nossa sociedade.
Em seguida, porém, como procuramos destacar, embora esse processo
busque a mercadorização e objetificação dos sujeitos, ele opera por meio da
própria lógica de funcionamento da subjetividade, distorcendo-a. Isso signi-
fica ser possível pensarmos estratégias de recuperação da experiência, como
forma de resistir a todo esse processo de empobrecimento. Além disso, perce-
bemos a necessidade de que essa experiência colaborativa, social e intersubje-
tiva, se dê em contextos e ambientes pensados a partir de uma racionalidade
estética e não instrumental.
No contexto deste estudo, pensamos metodologicamente a partir da revi-
são bibliográfica de tipo integrativa (FONSECA, 2002). Nessa abordagem,
torna-se muito mais central as interrelações conceituais produzidas pelos diá-
logos entre os autores do que propriamente alguma escola ou categoria de aná-
lise externa ao texto. De modo que podemos transitar e conversar com mais
liberdade, sem perder o rigor metodológico que fundamenta nossos esforços.
Infelizmente, por conta da natureza e do destino desse estudo, não po-
demos abranger outros aspectos dessa discussão, nem trazer à tona os vários
relatos dos participantes do grupo. No entanto, a possibilidade de escrever-
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 53 •

mos sobre isso nos sugere que existe espaço para elaborarmos mais profun-
damente este estudo e futuramente compartilhar com a comunidade nossas
descobertas.

Referências

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ADORNO, Theodor W. Notas de literatura I. São Paulo: Duas Cidades; Ed.
34, 2012.
ADORNO, Theodor W. “Observações sobre o pensamento filosófico.” In:
ADORNO, T. Palavras e sinais. Modelos Críticos 2. Petrópolis, RJ: Vozes,
1995.
ADORNO, Theodor W. Teoria da semicultura. In: Educação & Sociedade.
ano XVII, n. 56, dezembro/1996. APPLE, M. Ideologia e currículo. Trad. de
Carlos Eduardo Ferreira de Carvalho.São Paulo: Brasiliense, 1982.
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BENJAMIN, Walter. O Narrador. In: BENJAMIN, Walter. Magia e
Técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 7. ed. São
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BUENO, Sinesio Ferraz e SANITÁ, Karina Constancio. A Relação entre Arte
e Sociedade à Luz do Conceito de Autonomia Estética de Adorno, in: Revista
Trans/Form/Ação vol.39 no.spe Marília 2016. disponível em: <https://www.
scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-1732016000500155#B2>
FONSECA, J. J. S. Metodologia da pesquisa científica. Fortaleza: UEC, 2002.
Apostila.
HERMANN, Nadja. Experiencia estética: um conceito operacional para pe-
quisa em educação, in: LAGO, Clenio; FARINON, Mauricio, J.Org. Articu-
lações entre esclarecimento e educação. Campinas, SP. Mercado das Letras,
2015,pp.239-254.
3. Teoria Crítica e seus conceitos
importantes à área da educação

Kethelen Nathalia Rossini | Zuleika Aparecida Claro Piassa

Introdução

ste texto é fruto da participação no Projeto de pesquisa GEPEITEC

E – Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Infância e Teoria Crítica


da Universidade Estadual de Londrina – UEL e coordenado pela
Professora Doutora Marta Regina Furlan de Oliveira que tem como base
teórica a Teoria Crítica da Escola de Frankfurt.
A Teoria Crítica nasce a partir da institucionalização do Instituto de
Pesquisas Sociais, que mais tarde viria a ser conhecido como a Escola de
Frankfurt. O Instituto foi o resultado de um acordo entre o Ministério da
Educação e seus pesquisadores, e tinha como propósito á investigação social
(ASSOUN, 1991). A iniciativa para a criação do Instituto parte de Félix J.
Weil, como consequência da organização de uma semana de estudos Marxista
promovida pelo mesmo em 1922, a intenção era a criação de um instituto de
investigação independente, voltado para a documentação e teorização dos
movimentos operários que aconteciam pela Europa (FREITAG, 1988).
O instituto foi vinculado a Universidade de Frankfurt, e assim, Matos
(1993, p. 05) destaca que “[...] O instituto recém-formado preenchia uma
lacuna existente na universidade alemã quanto à história do movimento
trabalhista e do socialismo”.
Wiggershaus (2002) destaca que alguns fatores foram imprescindíveis
para a criação do Instituto. O primeiro desses fatores é a expressiva condição
financeira do pai de Félix J. Weil, um grande produtor de grãos argentino,
que financiou a criação e a manutenção Instituto tendo em vista adquirir
o título de doutor honoris causee. Além da condição financeira favorável,
outro fator que impulsionou a criação do Instituto foi, conforme aponta
Wiggershaus (2002, p. 49), a própria cidade de Frankfurt, haja vista que a
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
56 • Para além do território demarcado

mesma possuía “[...] instituições pedagógicas voltadas para o social e a política


social ou econômica [...]”, além disto, ainda segundo o autor, a cidade também
continha uma proporção significativa de simpatizantes das teorias socialistas
e comunistas.
Além das razões já mencionadas o interesse do Ministério da Educação e
da Cultura em realizar uma reforma universitária, a sua predominância social
democrata e um professor socialista que tinha como perspectiva um ensino
socialista em instituições superiores reformuladas, foram outras das razões que
possibilitaram a criação do Instituto de Pesquisas Sociais (WIGGERSHAUS,
2002).
Ademais, de acordo com Assoun (1991, p. 19) e a partir do contexto
anteriormente descrito é possível compreender que:
A escola de Frankfurt é assim a etiqueta que serve para marcar um
acontecimento (a criação do Instituto), um projeto científico (inti-
tulado“filosofia social”), uma atitude (batizada de “Teoria Crítica”),
enfim uma corrente ou movimentação teórica ao mesmo tempo con-
tínua e diversa (constituída por individualidades pensantes). Sendo
isso tudo, é mais do que isso: um fenômeno ideológico que produz
curiosamente os seus próprios critérios de identificação através do seu
processo criador

Ao longo de sua história, a Escola de Frankfurt contou vários pesquisado-


res importantes, que mantinham a crítica imanente, a dialética e a emancipa-
ção humana como seus pilares, destacando-se Max Horkheimer (1895-1973),
Theodor W. Adorno (1903-1969), Herbert Marcuse (1898-1979), Walter Ben-
jamim (1892-1940), Erich Fromm (1900-1980) e Jürgen Habermas (1929).
Neste sentido e a partir das breves considerações descritas anteriormente,
tem se como objetivo principal discorrer sobre as principais características da
Teoria Crítica da Sociedade, bem como analisar os conceitos significados desta
Teoria, e como estes podem influenciar a educação, o processo educativo e a
formação de professores. Para tal, parte se do princípio no qual a educação se
caracteriza enquanto um fenômeno cultural que influência o próprio cami-
nhar da humanidade em seu processo histórico. Os conceitos da Teoria Crítica
da Sociedade que serão analisados a seguir têm como base dois principais es-
tudiosos e pesquisadores da Teoria: Max Horkheimer e Theodor W. Adorno.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 57 •

Por quê Teoria Crítica?

Muito se questiona sobre a razão da teoria da Escola de Frankfurt ser


denominada Teoria Crítica. Este nome foi dado por Max Horkheimer quando
escreveu o texto Teoria Tradicional e Teoria Critica. A ideia foi manter a
crítica dialética trazida pelo Marxismo, mas que se encontrava ameaçada no
contexto alemão da década de 1920.Além da influência do Marxismo, a Teoria
Crítica da Sociedade também contou com a influência de outras correntes
ideológicas como o empirismo e o positivismo, e de outros grandes pensadores
como Kant e Hegel (PUCCI, 1994).
Horkheimer (1983a) apresenta algumas diferenças que podem ser observa-
das entre a Teoria Crítica da Sociedade e a Teoria Tradicional. Para o autor, a
Teoria Tradicional possui seus fundamentos no tempo presente em uma rela-
ção mediatizada e sem transparência com as satisfações das necessidades gerais
dos indivíduos. Neste sentido, a Teoria Tradicional estaria baseada em concei-
tos universais e em ciências especializadas, no qual esses devem abranger to-
dos os fatos de um determinado campo e as alterações nesse sistema não cos-
tumam acontecer, contudo, quando ocorrem são tomadas como falha no pro-
cesso, no conhecimento anterior ou como uma substituição de partes isoladas.
Já em relação a Teoria Critica da Sociedade, Horkheimer (1983a) defende
que a mesma está baseada nas análises históricas, nas ideias de uma organiza-
ção social racional tendo em vista o interesse de todos, no mecanismo social e
principalmente na ação do homem sob a ciência e como produtor histórico.
Posto isso, o autor defende ainda que a Teoria Critica da Sociedade se caracte-
riza a partir da concepção de um processo entre a sociedade e a natureza.
Para Horkheimer (1983b, p. 156) a Teoria Critica “[...] não é uma hipótese
de trabalho qualquer que se mostra útil para o funcionamento do sistema
dominante, mas sim um momento inseparável do esforço histórico de criar
um mundo que satisfaça às necessidades e forças humanas”. E para além disso,
e ainda de acordo com o autor “[...] a teoria crítica não almeja de forma alguma
apenas uma mera ampliação do saber, ela intenciona emancipar o homem de
uma situação escravizadora” (1983b, p. 156). Isto é, a Teoria Crítica nos moldes
pensados por Horkheimer visa se consolidar como uma Teoria emancipatória
das razões humanas, se mostrando contra o sistema excludente atual.
Em relação ao aspecto educacional, Pucci (1994, p. 55) irá realçar que a
Teoria Crítica da Sociedade não tem como seu objetivo desenvolver especi-
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
58 • Para além do território demarcado

ficamente uma teoria de campo educacional, mas pretende sim, a partir de


Marx e “[...] de suas análises sobre os problemas sociais do mundo ociden-
tal, especificamente dos problemas culturais, trazer luzes e enfoques novos à
concepção dialética da educação [...]”

Teoria Crítica e Educação

Assim, consideramos necessário compreender qual a concepção que


Adorno possui em relação a educação, haja vista que é a educação, enquanto
formação, não é abordada diretamente, mas está implicada em alguns concei-
tos da Teoria Crítica da Sociedade, uma vez que ela, além de colaborar com a
emancipação humana, também sofre as influências da sociedade na qual está
inserida, e neste sentido, para o autor a educação:
[...] não a assim chamada modelagem de pessoas, porque não temos o
direito de modelar pessoas a partir de seu exterior; mas também não
mera transmissão de conhecimentos, cuja característica de coisa morta
já foi mais do que destacada, mas a produção de uma consciência
verdadeira (ADORNO, 1995, p. 141).

Diante disso, Adorno (1995, p. 143) aponta que “de um certo modo, eman-
cipação significa o mesmo que conscientização, racionalidade”. Assim sendo,
o conceito de emancipação está diretamente relacionado a ideia de formação
proposta por Adorno, uma vez que, a mesma tem como possibilidade direci-
onar a humanidade, no sentido da liberdade.
Quando se refere a emancipação, Adorno (1995) aponta que é necessário
considerar dois problemas, o primeiro se refere a organização mundial, e como
esta se tornou a sua própria ideologia, exercendo pressão sobre as pessoas,
e superando de certo modo a educação, e o segundo problema se refere ao
movimento de adaptação. Em relação a adaptação Adorno (1995, p.143-144)
ressalta que:
A educação seria impotente e ideológica se ignorasse o objetivo de
adaptação e não preparasse os homens para se orientarem no mundo.
Porém ela seria igualmente questionável se ficasse nisto, produzindo
nada além de well adjusteã people, pessoas bem ajustadas, em con-
sequência do que a situação existente se impõe precisamente no que
tem de pior. Nestes termos, desde o início existe no conceito de edu-
cação para a consciência e para a racionalidade uma ambiguidade.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 59 •

Em vista disso, a condução da sociedade para a emancipação por meio


da educação, é o instrumento capaz de fazer frente à barbárie. Deste modo,
“suspeito que a barbárie existe em toda parte em que há uma regressão à
violência física primitiva, sem que haja uma vinculação transparente com
objetivos racionais na sociedade, onde exista, portanto, a identificação com a
erupção da violência física” (ADORNO, 1995, p. 158). Ou seja, a barbárie é,
portanto, o ato de se retroceder a uma subjetividade primitiva sem qualquer
propósito racional.
O maior exemplo apresentado por Adorno em relação a concretização
propriamente dita da barbárie nas ações humanas foram os Campos de Con-
centração de Auschwitz1 , pois conforme aponta Adorno (1995, p. 117) esta
“[...] foi a barbárie contra a qual se dirige toda a educação”. Em consonância
a isto, Vilela (2018) aponta que Auschwitz foi a representação da ausência de
pensamento próprio e de consciência humana, da incapacidade de autono-
mia e da contestação das ações.
Silva (2018) destaca que quando as formas de educação estão voltadas
única e exclusivamente para os domínios técnicos da vida, a uma predisposi-
ção para a semiformação, agir de forma heterogênea, curvando-se diante de
normas e compromissos de obediência “cega” à autoridade gera condições fa-
voráveis à barbárie e cerceia o potencial de emancipação. Assim sendo, “[...] o
único poder efetivo contra a repetição de Auschwitz é a conquista de uma
educação autorreflexiva” (SILVA, 2018, p. 76).
Posto isso, cabe destacar que um dos maiores pontos defendido por
Adorno durante suas pesquisas e trabalhos é que o horror e a barbárie que
aconteceram nos Campos de Concentração de Auschwitz, não venham acon-
tecer novamente em hipótese alguma na história da humanidade.
A partir das contextualizações sobre a função e as ações que cabem a
educação na sociedade segundo a visão de Adorno, outros conceitos foram
desenvolvidos com o avanço da Teoria Crítica da Sociedade, tais como os
conceitos de Indústria Cultural, Sociedade Danificada, Razão Emancipatória
e Razão Instrumental, todos esses conceitos se relacionam intimamente com
a questão educacional da sociedade atual.
1 Campos de Concentração da Alemanha Nazista, utilizados durante a Segunda Guerra
Mundial para o trabalho escravo e extermínio principalmente por meio das câmaras de gás,
especialmente de Judeus.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
60 • Para além do território demarcado

Educação e o fenômeno da Indústria Cultural

O surgimento do modo de produção capitalista e os acontecimentos da


Revolução Industrial, conforme ressalta Duarte (2014), abriram precedentes
para uma nova divisão de tempo que passa a se estabelecer na sociedade, o
tempo passa então a ser dividido em tempo destinado ao exercício das funções
relativas ao trabalho, e ao tempo destinado ao lazer do indivíduo, pois nesse
sentido:
Já num período tipicamente capitalista, o trabalho assalariado gerou a
ideia de que, concomitantemente ao labor realizado por um indivíduo
apenas como meio da própria subsistência física (e de seus familiares),
deveria haver um tempo em que o corpo do trabalhador pertencesse a
ele mesmo e não ao trabalho monótono [...] (DUARTE, 2014, p. 14).

Diante desta nova divisão de tempo na sociedade, e segundo Duarte (2014)


surge a necessidade da criação de meios de entretenimento em massa, em um
primeiro momento realizados em estabelecimentos de shows de variedades
musicais e circenses, e então, com o avanço da tecnologia, passa-se a utilizar
os meios tecnológicos para tal: Os rádios, o cinema, e a televisão, se tornam os
meios de entretenimento dos trabalhadores, e “esse fato trouxe uma transfor-
mação inédita no entretenimento moderno: o consumo privado de produtos
culturais” (DUARTE, 2014, p. 20).
Em 1933 acontece o fechamento da sede oficial do Instituto na Alemanha
a partir de um decreto do governo nazista, e em 1934 se inicia o processo de
negociação para a transferência do Instituto para Nova Iorque, nos Estados
Unidos (FREITAG, 1988). Assim, a chegada de Max Horkheimer e Theodor
W. Adorno nos Estados Unidos se dá diante do contexto exposto anterior-
mente, bem como da ascensão de Hollywood e das indústrias cinematográfi-
cas levando-os a compreender que:
[...] a cultura de massas no seu modelo acabado, norte-americano, no
qual a justa demanda das classes trabalhadoras por entretenimento
e lazer era instrumentalizada no sentido de constituir uma indús-
tria capital-intensiva, nos moldes das grandes corporações [...]” (DU-
ARTE, 2014, p. 27).

Deste modo, Adorno e Horkheimer (1985, p.100) apontam que “sob o


poder do monopólio, toda cultura de massas é idêntica [...], mais adiante os
autores ressaltam ainda que “por enquanto, a técnica da indústria cultural
levou apenas à padronização e à produção em série, sacrificando o que fazia a
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 61 •

diferença entre a lógica da obra e do sistema social” (1985, p. 100). Ou seja,


todo esse conteúdo cultural apresentado a sociedade e aos trabalhadores em
grande maioria, possuem as mesmas características, são semelhantes entre si,
excluindo assim a individualidade e as marcas pessoais da arte, da cultura e do
artista, em outras palavras oferece-se mais do mesmo.
A partir deste contexto, Max Horkheimer e Theodor Adorno se debruça-
ram sobre estudos, nos quais eles buscaram compreender quais as influências
que a indústria cultural passou a adquirir de forma crescente na sociedade,
principalmente a partir das mudanças sociais e dos avanços tecnológicos do
século XX.
Para Duarte (2010) a Industria Cultural enquanto uma cultura de massas
regulada por agências capitalista possui dois objetivos, obter lucro por meio
da oferta e da venda de seus produtos, concentrando o capital no ramo do
entretenimento, bem como promover a adaptação de seus consumidores a
nova ordem econômica. Deste modo:
[...] para esse ramo de negócios é interessante não apenas manter a
mais amplas camadas populares num estado de ignorância, mas, tanto
quando possível, cultivar e ampliar essa ignorância, pois, além de isso
(não sempre, mas frequentemente) garantir a adesão ao status quo,
também influencia no custo total das produções” (DUARTE, 2010,
p. 49).

Assim, a Indústria Cultural vende produtos culturais da mesma forma


que vende bens de consumo e reproduz a ideologia dominante no espaço de
lazer e diversão do trabalhador, neste sentido, diversão acaba por se tornar
de certa forma um prolongamento do trabalho (PUCCI, 1994). O termo
indústria cultural é resultado então da transformação da produção artística
e da cultura humana em um meio de consumo rentável e lucrativo para as
empresas de entretenimento.
Se as influências da Indústria Cultural podem ser observadas em todos os
aspectos da sociedade, logo a escola e todo o seu contexto e processo educa-
cional como os livros didáticos, a formação de professores e a aulas propria-
mente ditas também se veem afetadas e influenciados pelas características da
Indústria Cultural.
Nesta perspectiva em relação aos espaços e instituições escolares, Zuin
(1994, p. 169) observa que estas “[...] tentam de todas as formas adequar seus
procedimentos educativos a essa lógica da padronização e da racionalização,
presente em todas as relações sociais. Neste sentido, Pucci, Zuin e Lastória
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
62 • Para além do território demarcado

(2010, p. 04) vão ressaltar que no contexto social atual “[...] o que interessa
é o acumulo do maior número de informações no menor espaço de tempo
possível por meio do consumo de produtos da indústria cultural que parecem
fornecer de antemão as respostas para todas as nossas dúvidas [...]”.
Assim sendo, a quantidade de informações e de conhecimentos passa a
ser mais importante do que a qualidade e a capacidade dos alunos de sintetiza-
los e relaciona-los a partir do contexto histórico e social, e nesse sentido, uma
vez que a Indústria Cultural se baseia principalmente na reprodução e padro-
nização dos meios culturais e da cultural humana, a educação quando afetada
por ela, perde a sua função crítica e reflexiva, pois, conforme argumenta Pucci
(1994, p. 46) “a educação escolar se esgota na dimensão do reprodutivismo”.
Diante disto, Pucci, Zuin e Lastória (2010, p. 04) entendem que a Indús-
tria Cultural e os produtos por ela desenvolvidos podem promover a [...] “dis-
seminação do pensamento estereotipado e de práticas preconceituosas, bem
como os prejuízos decorrentes no processo educacional/formativo, presente
dentro e fora das instituições escolares”.
Neste sentindo, fica claro quais são as influências da Industria Cultural
no processo educativo e da formação humana, moldando as ações, os pensa-
mentos e as atitudes humanas de acordo com as suas concepções, impossibili-
tando com isso o desenvolvimento do pensamento autônomo e crítico nos
indivíduos.

Quando à razão já não serve mais à emancipação e a formação se con-


verte em Semiformação

A partir dessas considerações, Adorno (1995) adjetiva a sociedade contem-


porânea como sendo uma sociedade danificada e é neste contexto em que se
dão os processos formativos humanos. Adorno chama a educação à responsa-
bilidade de influenciar, pelo menos em âmbito individual, a constituição de
um processo de resistência que supere a regressão subjetiva imposta por esta
sociedade.
Adorno, (1995, p. 148) expõe que “os chamados fenômenos da alienação
se baseiam na estrutura social”. Neste sentido, PUCCI (2001, p. 06) ressalta
que “numa sociedade danificada, que pode, continuamente, parir manifesta-
ções de barbárie, só tem sentido pensar a educação como geradora da auto-
reflexão”. Deste modo, compreende-se que a formação atual estaria baseada
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 63 •

em uma sociedade danificada, e assim sendo caberia a educação a função de


vislumbrar uma nova possibilidade de formação da sociedade, não mais base-
ada na alienação, na reprodução de conceitos, ou em estereótipos, mas sim
voltada para a autonomia e reflexão crítica.
Tendo em vista essa sociedade danificada, baseada na reprodução e no
conformismo dos indivíduos, deixa se de lado o amadurecimento de uma
Razão Emancipatória, para dar lugar a uma racionalidade exclusivamente
técnica, usada para interesse próprio e profundamente ligada com o contexto
econômico.
Conforme explicita Horkheimer (2002) a Razão Subjetiva ou Razão
Instrumental, e a Razão Objetiva ou Razão Emancipatória não se baseiam
em uma simples oposição, como se um termo fosse contrário ao outro, pois
“historicamente, ambos os aspectos subjetivo e objetivo da razão estiveram
presentes desde o princípio, e a predominância do primeiro sobre o último se
realizou no decorrer de um longo processo” (HORKHEIMER, 2002, p. 12).
A Razão Emancipatória se fundamenta na ideia de que um objetivo possa
ser racional por si mesmo, desta forma a razão se caracteriza enquanto um
princípio inerente da própria realidade humana (HORKHEIMER, 2002).
Isto é, para a Razão Emancipatória as ações e atitudes humanas não carecem
de explicações ou de justificativas, um exemplo dessa ideia são ações baseadas
na honestidade e na fidelidade.
Horkheimer (2002, p. 10) relata ainda que a Razão Emancipatória não
possui “[...] referência a qualquer espécie de lucro ou vantagem para o sujeito
[...]”. Neste sentido:
Essa concepção de razão afirmava a existência da razão não só como
uma força da mente individual, mas também do mundo objetivo: nas
relações entre os seres humanos e entre classes socais, nas instituições
sociais, e na natureza e suas manifestações (HORKHEIMER, 2022,
p. 10).

Assim sendo, a Razão Emancipatória ou Razão Objetiva estaria voltada


para a realização de ações que visam o bem comum, e que compreendam a
sociedade enquanto coletivo. Em relação a Razão Instrumental ou Razão
Subjetiva, Horkheimer (2002, p 09) vai entender esta a partir da:
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
64 • Para além do território demarcado

[...] força que basicamente torna possíveis as ações racionais é a facul-


dade de classificação, inferência e dedução, não importando qual o
conteúdo específico dessas ações: ou seja, o funcionamento abstrato
do mecanismo do pensamento. Esse tipo de razão pode ser chamado
de razão subjetiva.

A Razão Instrumental é um recurso subjetivo da mente e está ligada aos


meios e aos fins das ações, e neste caso, estes também são racionais, e servem
ao interesse do sujeito em relação a sua autopreservação (HORKHEIMER,
2002). Portanto, “[...] a razão subjetiva se revela como a capacidade de cal-
cular probabilidades e desse modo coordenar os meios corretos com um fim
determinado”. (HORKHEIMER, 2002, p. 11).
Para Silva (2018, p. 25) “a lógica da razão instrumental, ao estar intima-
mente interligada com a economia, na pretensão de ser eficiente e eficaz, ins-
trumentaliza a própria relação dos indivíduos entre si”. Ainda segundo o au-
tor (2018, p. 34) “a razão meramente técnica não é simplesmente aquela que
serve da técnica, mas aquela que se identifica com ela, isto é, identifica o meio
como fim”.
Ademais, Nobre (2004, p. 51) pondera ainda que “essa racionalidade é
dominante na sociedade não apenas por moldar a economia, o sistema político
ou a burocracia estatal, ela também faz parte da socialização, do processo de
aprendizado e da formação de personalidade”. Assim sendo, a razão de caráter
instrumental efetivou a racionalização da realidade e dirigiu o conhecimento
para finalidades práticas baseadas em cálculos, procedimentos eficazes, fins
instantâneos e a transformação da natureza em um objeto manipulável e
operável (SILVA, 2018).
Nessa perspectiva, a Razão Emancipatória, e a Razão Instrumental são
duas vertentes da razão humana, e enquanto a primeira está ligada as ações
voltadas para o bem comum, e questões coletivas, a segunda apresenta uma
forte ligação com a lógica do capital, tendo como características a individuali-
dade e a subjetividade.
Além da sua profunda ligação com as questões econômicas e do capital,
como já mencionado, a Razão Instrumental também se faz presente no mo-
delo educacional, trazendo à tona um modelo funcional de educação, uma
vez que “a educação moderna, à medida que foi assumindo a configuração da
razão instrumentalizada, foi demonstrando seus aspectos limitados da forma-
ção crítica” (SILVA, 2018, p. 73).
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 65 •

Deste modo, quando a Razão Instrumental se mantém como base da


formação escolar, a educação deixa de proporcionar uma formação baseada
na aquisição pelos indivíduos de uma consciência crítica, autorreflexiva e
emancipada, para assumir uma posição racionalizada, técnica e instrumental.
A partir desse contexto, no qual a Sociedade se mostra como uma So-
ciedade Danificada, se orientando por meio de uma Razão Instrumental e
principalmente a partir da influência da Indústria Cultural sob os indivíduos,
Adorno compreende que a formação humana passou a acontecer baseado em
um processo de semiformação, uma vez que “a formação cultural agora se
converte em uma semiformação socializada, na onipresença do espírito alie-
nado, que, segundo sua gênese e seu sentido não antecede à formação cultu-
ral, mas a sucede” (ADORNO, 2010, p. 09).
Todavia, é necessário apontar que Adorno (2010) compreende o conceito
de formação a partir da cultura, quando está é entendida por meio de uma
apropriação subjetiva, logo:
A formação devia ser aquela que dissesse respeito – de uma maneira
pura como seu próprio espirito – ao indivíduo livre e radicado em
sua própria consciência [...]. A formação era tida como condição
implícita a uma sociedade autônoma: quanto mais lúcido o singular,
mais lúcido o todo (ADORNO, 2010, p. 13).

Assim, a formação cultural deve ter consigo dois aspectos importantes,


a saber: Não negar as condições sociais de onde advém a produção cultural,
e não compreender a cultura enquanto forma de adaptação e conformismo
ao status quo, todavia quando a formação cultural passa a ser convertida em
mercadoria por intermédio da Indústria Cultural, ela acaba por se distanciar
de seus aspectos, e passa a se aproximar dos interesses do mercado, e é nesta
condição que se tem início o processo de semiformação (BANDEIRA; OLI-
VEIRA, 2012).
Consequentemente, quando a formação passa a se absolutizar, ela começa
a ser compreendida como uma semiformação. Portanto, “[...] a semiformação
passou a ser a forma dominante da consciência atual, o que exige uma teoria
que seja abrangente. Para essa teoria, a ideia de cultura não pode ser sagrada –
o que a reforçaria como semiformação” (ADORNO, 2010, p. 09).
Neste sentido Duarte (2003, p. 445) ressalta que “[...] a semiformação
não significa pura e simples falta de cultura, mas o resultado de um processo
planejado de supressão das possibilidades libertadoras [...]”. Ainda segundo
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
66 • Para além do território demarcado

o autor, “a semiformação pretende deseducar os indivíduos no sentido de


evitar que eles percebam – e usufruam – o que quer seja de modo autônomo”
(2003, 445).
Sendo assim, a semiformação não é uma simples inexistência de cultura
na sociedade e na compreensão dos indivíduos, e nem uma meia formação,
mas sim uma formação superficial e danificada, que não deixa de ser parte de
um processo que objetiva manter a maior parte da população em um estado
de ignorância, incapaz de exercer um pensamento autônomo.
Partindo para um contexto histórico, Adorno (2010) aponta que a forma-
ção cultural, principalmente durante os séculos XVII e XVIII, antes mesmo
de ser entendida como formação cultural propriamente dita, foi responsável
por desenvolver o burguês enquanto empresário e dono dos meios de pro-
dução, além de ser compreendida como um indício de emancipação da bur-
guesia. Neste sentido Zuin, Pucci e Oliveira (2012) apontam que a formação
cultural durante o período de ascensão da burguesia se baseava em uma ideia
nos quais os indivíduos deveriam ser livres e racionais, desta forma, o próprio
conceito de formação cultural seria partidário de uma percepção de sociedade
no qual as injustiças sociais não se fariam presentes e as possibilidades de as-
censão social seriam as mesmas para todos.
Contudo, Adorno (2010) argumenta que no período em que de fato
ocorre a consolidação da sociedade burguesa, as classes sociais passam a se
concretizar, e com isso, o sistema capitalista, que por sua vez passa a negar aos
trabalhadores o acesso aos pressupostos da formação cultural, como a autono-
mia e a consciência. Assim, conforme o sistema de produção capitalista avan-
çava, a formação cultural, antes utilizada para a ascensão da burguesia, deixa
de lado os seus princípios de autonomia, consciência e subjetividade e se con-
verte de forma gradativa na semiformação dos trabalhadores, impulsionada
principalmente pelo advento do sistema capitalista e da Indústria Cultural.
A Semiformação remove as características críticas e de oposição do ser,
pregando o conformismo, passa a sustentar as características de aceitação,
impossibilitando a formação do ser a partir de uma subjetividade (ADORNO,
2010). Assim, no que tange a semi formação “[...] os conteúdos objetivos,
coisificados e com caráter de mercadoria da formação cultural perduram a
custas de seu conteúdo de verdade e das suas relações vivas com o sujeito vivo,
o qual, de certo modo, corresponde à sua definição” (ADORNO, 2010, p.
19). Ademais, Bandeira e Oliveira (2012, p. 230) vão compreender que:
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 67 •

O indivíduo semiculto é aquele que demonstra estar sempre bem


informado, a par de tudo o que supostamente acontece, porém de
uma forma superficial e acrítica, sem nunca conseguir relacionar os
fatos entre si de forma a produzir uma opinião crítica sobre os assuntos
em questão.

Desta forma, em uma sociedade no qual a Razão instrumental e a Influên-


cia ideológica da Industria Cultural prevalecem sob o a formação do pensa-
mento autônomo e crítico, abre-se espaço para as ideias de conformismo e
de adaptação, que se apresentam enquanto a base da semiformação humana
(GOMES, 2010).
Diante desse contexto, portanto, conforme indica Adorno (2010, p. 33),
“o semiculto dedica-se à conservação de si mesmo, sem si mesmo”, e “a se-
miformação é o espírito conquistado pelo caráter de fetiche da mercadoria”
(ADORNO, 2010, p. 25). Por fim, “[...] é ainda a formação cultural tradicio-
nal, mesmo que questionável, o único conceito que serve de antítese à semi-
formação socializada [...]” (ADORNO, 2010, p. 18).
Como já mencionado no decorrer deste trabalho, a educação, possui con-
sigo uma função reflexiva, logo “quando você reflete, você resgata uma dimen-
são que vai além do círculo da mercadoria, do repetitivo. Isto é educativo, é
formativo”. (PUCCI, 1994, p. 46). Contudo, assim como acontece quando
a educação se vê influencia pela Indústria Cultural, o processo semiforma-
tivo retira essa essência da educação, direcionando assim a escola e todos os
processos educativos que fazem parte dela, a mera reprodução de conceitos.
Deste modo, o processo de semiformação uma vez enraizado no contexto da
Educação Escolar forma um ser humano desprovido de consciência crítica e
pensamento próprio.
Neste sentido, em relação a esse esvaziamento e descaracterização da prá-
tica educativa por meio da semiformação, Vilela (2006, p. 45) aponta que:
A crise da educação é a crise da formação cultural da sociedade capita-
lista, uma formação na qual o homem é alienado, mesmo que tenha
sido educado (escolarizado/instruído). A educação vigente é uma se-
miformação, na medida em que, na sociedade industrial capitalista, o
indivíduo foi destruído e só prevalece à massa, o coletivo, o tudo igual.

As influências da semiformação no contexto escolar podem ser observadas


tanto na organização dos currículos e distribuição dos conteúdos, que são apre-
sentados de forma reduzidos e fragmentados, quanto nos métodos de ensino,
que se baseiam em ações de repetição e memorização, sem qualquer preocupa-
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
68 • Para além do território demarcado

ção em promover situações onde possa se relacionar esse conhecimento com


a realidade e os fatos históricos e sociais (BANDEIRA; OLIVEIRA, 2012).

Considerações finais

Assim sendo, a Escola é afetada pela massificação e mercantilização da


cultura por meio da Indústria Cultural, pela racionalidade técnica e subjetiva
da Razão Instrumental e pela formação superficial, danificada e esvaziada
da semiformação, todos esses processos atuam de forma conjunta, em uma
dependência mutua entre eles, e reduzem a educação a uma reprodutora das
concepções do sistema social vigente, trazendo para o interior das salas de aula
os processos de interesse do mercado e de acomodação.
A formação dos professores, assim como a escola, também se vê afetada
pelas mesmas questões e conceitos, contudo, a formação de professores ao
perder suas características e a sua capacidade de desenvolver o pensamento
autônomo, crítico e reflexivo, afeta o processo educativo como um todo, uma
vez que os professores formados a partir da fragmentação e do esvaziamento
do conhecimento, acabam por formar o aluno a partir dos mesmos moldes, e
com isso o processo educativo se vê em um ciclo, refém da Indústria Cultural,
da Semiformação e da Razão Instrumental.
Neste sentido, assim como a educação escolar, o processo educativo como
um todo também é afetado pelos mesmos processos descritos anteriormente,
seja por meio dos currículos fragmentados, da desvalorização do professor por
meio da baixa remuneração, do acumulo de atividades docentes que impedem
ainda mais a aquisição de conhecimento, e do esvaziamento de sua prática
pedagógica, que passa cada vez mais a atendar as demandas que o sistema
impõe.
Assim, o processo educacional e formativo que deve ser desenvolvido na
Escola precisa ter como sua base a Razão Emancipatória, uma vez que o in-
divíduo ao ir à escola busca a sua qualificação enquanto humano. Contudo,
não se trata de excluir a Razão Instrumental desse processo, posto que, con-
siderando o meio social em que se vive atualmente, a mesma também se faz
importante para a formação humana, a questão central é manter a Razão Ins-
trumental enquanto foco principal da formação escolar, colocando o indivi-
dualismo e a técnica acima das questões de ordem coletivas, e afetando consi-
deravelmente a formação humana com isso.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 69 •

Por fim, compreendemos a educação como a ferramenta capaz de fazer


frente aos conceitos tratados anteriormente, contudo, essa educação precisa
atuar como um processo formativo para o desenvolvimento de uma consciên-
cia crítica, autorreflexiva e emancipada, caso contrário ela pode vir a se tornar
uma ferramenta que potencializa as ações humanas favoráveis à manutenção
de uma sociedade danificada.

Referências

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4. Influências da mídia no contexto da
sociedade danificada

Aline de Souza Sanches | Aline Olchaneski Chociai Vici |


Cristhiane Pereira de Lima | Juliana Graciola Silva

Introdução

om o advento da era digital e os modelos midiáticos absorvidos

C pelo mundo, as crianças passam por transformação dentro da ma-


neira que interagem com o Outro e o objeto, assim sofrem impacto
direto em seu desenvolvimento cognitivo.
A partir do século XXI, com a abrangência da descoberta da internet,
atingimos formas de adquirir informação e construir comunicações muito rá-
pidas, formas que beneficiam por sua velocidade, mas também nos permitem
a adquirir novas demandas e até a criação de sintomas psíquicos, ocupados,
deixamos passar despercebida a criticidade em nossas vidas, e deixamos a pe-
quena infância exposta a estímulos que não beneficiam seu desenvolvimento.
Mas será que tantas descobertas e acessibilidades provocam desenvolvi-
mento em nossas crianças. Podemos analisar esses entraves entre acesso, con-
teúdo e efeito na infância, para que se estabeleça uma legitimação dos benefí-
cios e dos desafios trazido pelo excesso e falta de seleção de conteúdos, quando
se supões que o sujeito em desenvolvimento não tenha capacidade analítica
concluída ao ser exposto a canais virtuais de comunicação.
Dessa forma as mudanças nas estruturas sociais de acesso a conteúdo na
internet são necessárias, inegáveis, diante de estudos científicos, mas eminentes
a serem organizadas por adultos responsáveis por esta infância, para que
possam ajudar crianças a se desenvolverem com habilidades as quais só se
desenvolvem nesse tempo subjetivo e serão base para uma vida adulta, capaz
de flexibilizar e analisar informações com autonomia e assim poder circular
em sociedade.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
74 • Para além do território demarcado

É sabido que a informação rompe paradigmas e cria processos constituti-


vos necessários para vida em sociedade, sabendo que essas informações circu-
lam em âmbito planetário, o que nos leva a reflexão de que é preciso pensar
em conteúdo consumido pelas crianças e impactos gerados por esse consumo.
Com base nessas prerrogativas abriu espaço para falar da cibercultura,
consumo e impacto das mídias para o pequeno sujeito e suas famílias.

Fundamentação teórica

Nos primórdios do desenvolvimento subjetivo às crianças são apresen-


tadas a um mundo com diversas possibilidades tecnológicas como, tablets,
televisões, videogames, celulares, computador entre outros. Inserção que nos
mostra que a cibercultura e as mídias estão cada vez mais presentes no dia a
dia das pessoas. Uma realidade notada a partir do século XXI, que de certa
forma nos possibilita, aproxima e facilita ações do dia a dia, porém com a che-
gada da pandemia, o cenário colocou crianças conectadas nas redes, o que
também as permite usufruir constantemente do mundo digital por longos
períodos de tempo.
Durante muitos anos a televisão imperou, com uma grande abrangência
ao que se refere publicidade, com foco no alcance do público infantil, com o
passar dos anos e os avanços tecnológicos surge um novo padrão de acesso as
mais diversas informações no contexto midiático, a internet. A qual se torna
um dos canais de estímulos visuais e auditivos da propaganda com o maior
poder de acesso ao desejo entre as crianças.
Neste sentido abre um espaço para que os profissionais da internet, os
youtubers que ocupam lugar de influenciadores a investir em plataformas de
vídeos em patrocínio de empresas na busca de estratégias de marketing digital
para atingir com maior impacto o público infantil.
As mídias sociais, se bem administradas trazem benefícios ao desenvol-
vimento infantil, pois permitem a interação ou compartilhamento de infor-
mações, porém o contrário desta descoberta também está neste novo cená-
rio. Marcando que pelo excesso de informação sem que a criança tenha atin-
gido marcos importantes nas habilidades perceptivas capazes de construir um
senso de juízo comum, marcado pela ideia de uma lei e a reflexão do que o
Outro deseja dela em sociedade, pode trazer uma influência considerada não
benéfica em vários aspectos, como por exemplo, o consumo infantil nos mais
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 75 •

diversos produtos e serviços, indo de objetos, roupas, brinquedos a persona-


gens de jogos em vídeo game o que estimulam compras desnecessárias e sem
reflexão, que futuramente pode trazer questões ao seu desenvolvimento, por
não suportar uma interdição na vida adulta.
Esse movimento causado pelo crescimento acelerado das mídias digitais,
leva uma cultura cada vez mais precoce ao consumo, com impacto direto a
subjetividade da criança, a qual cresce com marcas que podem levar a desor-
dem no desdobramento junto a sociedade. Importante pensar que os vídeos
que são vinculados pelo YouTube são vídeos que não passam por critérios ava-
liativos antes de serem divulgados, assim a necessidade de acompanhamento
de um adulto responsável pelo consumo de informações consumidas pela cri-
ança. Um acompanhamento de grande importância que pode ser de forma
metafórica comparado a deixar uma criança a atravessar a rua sem estar prepa-
rado para isso.
Nesse sentido pode-se compreender que o público infantil é vulnerável
pois ainda não tem sua capacidade crítica desenvolvida para ponderar o que
há de necessário nesses anúncios para o real consumo, busca-se obter apenas
pelo prazer de ter.
Cada vez mais surgem portais infantis na internet lançados por empre-
sas do mercado infantil, para, supostamente, por meio do conteúdo
educacional e de entretenimento, vincularem mensagens comerciais.
Dessa forma, produtos alimentícios e brinquedos, por exemplo, são
apresentados em meio a jogos, atividades e vídeos de sites infantis, na
forma de “advergames”, disfarçando seu propósito mercadológico e
marcando na memória das crianças a imagem e o nome da marca asso-
ciados a conteúdos positivos (KARAGEORGIADIS e TOLEDO,
2014, p. 73).

No cenário atual de Pandemia, muitas crianças sem ter acesso as ativida-


des no ambiente escolar buscam nas redes sociais uma forma de entreteni-
mento e passa tempo o que acaba acarretando uma incitação para o universo
consumista sem antes possuir o acesso pleno a sua cidadania. As grandes mar-
cas enxergam as crianças como um grande potencial, por isso utilizam-se dos
pequenos como público alvo para estratégias de marketing.
A família passou a se organizar em função deles, criando cada vez mais
estrutura para suprir as necessidades das crianças, mesmo quando os
pais estão ausentes em vista do trabalho. Tudo isso mudou o olhar da
sociedade sobre as crianças (MCNEAL apud BEULKE, 2005, p. 8).
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
76 • Para além do território demarcado

Por terem um discernimento ainda imaturo, as crianças encontram difi-


culdades em discernir a real intenção e o poder de persuasão de uma propa-
ganda, com isso o público infantil se torna vulnerável ao marketing, sofrendo
grandes influências em seus hábitos diários, em função de uma grande exposi-
ção à publicidade (IGLESIAS; CALDAS; LEMOS, 2013).
Essa dedicação ao segmento infantil ganhou ainda mais destaque durante
a pandemia com as grandes mudanças na rotina e na dinâmica familiar provo-
cando um desejo desenfreado no querer e possuir cada vez mais produtos e
serviços. Se, por um lado, os pais necessitam dos eletrônicos para ocuparem
seus filhos durante esse período tão difícil e repleto de incertezas, por outro
se depara com uma luta contra a mídia.
[...] o princípio do envolvimento, ou seja, se o internauta está envolto
pelo conteúdo e realmente encantado, irá disseminá-lo. Para que uma
mensagem seja utilizada nessa prática de marketing visando atingir o
efeito viral, deve conter entretenimento, humor e conteúdos relevan-
tes ou curiosos com informações úteis, motivando assim o internauta
a compartilhá-la com os amigos (BEZERRA, 2016, p. 30).

É notório que os youtubers fazem parte do dia a dia de seus seguidores o


que consequentemente gera uma afinidade com vários temas abordados nos
mais variados vídeos desta forma, alcançam o público alvo e influenciam a
decisão de compra. A interação virtual é importante para o marketing, pois
permite um diálogo direto com o público alvo, e esse sem rodeios faz com
que os consumidores notem que as propagandas publicitárias realizadas pelos
influenciadores são seguras e transmitem confiabilidade a criança passa a sentir
que aquele produto é de extrema necessidade na vida dela, que sem ele ela não
vai ser tão feliz quanto seus colegas.
A publicidade destinada ao público infantil deve respeitar restrições legais,
diminuindo o quanto for possível os malefícios causados no psiquismo da
criança, de maneira a propiciar uma infância saudável sem pular etapas e dessa
forma não tenham impactos na vida adulta por esta razão.
O Brasil não possui leis especificas que regulamentam as propagandas e a
forma com que é conduzida a publicidade infantil, o Código de Defesa do
Consumidor (Lei nº 8.078 de 1990) em seu artigo 37, estabelece a proibição de
toda publicidade enganosa ou abusiva. Correlatamente, o Código de Auto-
regulamentação Publicitária (CONAR) ressalva a necessidade da observância
da ingenuidade, credulidade e inexperiência particular à infância.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 77 •

Portanto percebe-se que o acesso cada vez mais cedo por parte das crian-
ças aos diversos meios de comunicação e a internet faz com que as informa-
ções e influências ao consumo sejam propagadas rapidamente. É de suma im-
portância que os pais e os responsáveis estejam atentos aos limites e aos con-
teúdos consumidos por seus filhos.

Reflexo da mídia por meio dos brinquedos nas famílias e na


sociedade

Por conta da cibercultura é possível perceber que as crianças experimen-


tam a influência cultural por meio de representações de produtos encontrados
em vídeos domésticos, através de propagandas que insere brinquedos que lhe
permite construir um mundo de encantamento total e fechado em si mesmo.
A midiatização da cultura acirrou a crise das instituições tradicionais
produtoras de (escolas, família, religiões, Estado, culturas locais) e facilitou
permitir construir um mundo de encantamento total e fechado em si mesmo
(MOREIRA & ZICMAN, 1994).
O sistema midiático-cultural elabora e propaga, mesmo de forma não
intencional ou planejada, visões de mundo, sentidos e explicações para a vida e
a prática das pessoas e, por isso, passa a influenciar sempre mais seu cotidiano,
sua linguagem e suas crenças. Justamente o âmbito das crenças e da elaboração
do sentido, da visão de mundo como uma atitude fundamental perante o real,
que tradicionalmente foi um espaço ou uma função atribuída à família, à
escola, às religiões e filosofias, está hoje, em boa parte, concentrado nas mãos
dos agentes midiáticos.
Conforme explicitado acima, o sistema midiático-cultural provocou a
crise de outras instâncias produtoras de explicação e sentido para a vida social.
Tradicionalmente a família, a escola, a religião e o Estado eram os responsáveis
pela produção e divulgação das formas simbólicas. Eles tinham tempo e meios
para embutir as novas gerações na fidelidade aos “sentidos” gerados. O que
nem sempre contribuiu para aumentar o espaço de liberdade e expressão dos
indivíduos. Em todo caso, tal situação mudou bastante com o advento dos
conglomerados midiáticos. Percebemos inequívoco que os diversos meios de
comunicação exercem hoje uma função pedagógica básica, a de socializar os
indivíduos e de transmitir-lhes os códigos de funcionamento do mundo.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
78 • Para além do território demarcado

Sem dúvida instituições como a família, a escola e a religião continuam


sendo, em graus variados, as fontes primárias da educação e da formação moral
das crianças. Mas a influência da mídia está presente também por meio delas.
Os vídeos da internet, por exemplo, ocupam uma fatia considerável do tempo
das crianças, sobretudo em meios sociais carentes de fontes alternativas de
ocupação e lazer.
Pelo viés da lógica capitalista, esses artefatos são considerados estratégias de
intervir na formação das crianças e de ampliar o consumo. A indústria cultural,
desde a produção até a divulgação dos brinquedos, busca cativar as crianças
por meio da construção de desejos, constantemente renovados, que requerem
a substituição constante dos objetos. Olhado por esse prisma, um brinquedo
é mais que um objeto, uma vez que carrega junto um conjunto de significados
e sentidos. Numa cultura em que a criança se torna o foco dos processos de
produção, divulgação e venda por parte das grandes corporações, reconhece-
se que os artefatos lúdicos representam um grande empreendimento com
intencionalidades para além do entretenimento infantil.
De acordo com Brougère (2004, p. 15), “[...] o brinquedo supõe ações
sociais que usam diversos atores para que seja reconhecido e persista como tal:
os fabricantes [...], as crianças [...], os pais [...]”, o que indica que ninguém
está ‘livre’ deles, seja na infância, ao brincar com eles, seja na fase adulta, ao
produzi-los e/ou comprá-los. Em um de seus estudos a respeito do uso do
brinquedo no contexto francês, o autor tece apontamentos sobre a relação
entre esse artefato e a cultura infantil contemporânea. Para ele, os brinquedos
têm grande implicação na constituição da infância:
[...] o lugar do brinquedo, sua própria existência, a forma que lhe
damos, o modo como entra em relação com as crianças, depende
do lugar da criança na sociedade e das imagens que dela fazemos.
O brinquedo é um reflexo, não tanto do mundo, como pensamos
frequentemente ao selecionarmos os brinquedos mais realistas de uma
época, quando da própria criança, do lugar que ela ocupa e da relação
que ela mantém com o mundo. (BROUGÈRE, 2004, p. 14).

Considere que pela primeira vez na história humana as crianças nascem


nessa geração do uso excessivo de brinquedos que fazem muito pela criança,
não permitindo que ela possa imaginar e o agravante do uso em excesso do
tablet e celular.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 79 •

E que pela primeira vez a maioria das histórias não é contada pelos
pais, nem pela escola, nem pela igreja, nem pela tribo ou comunidade
e, em muitos lugares, nem mesmo pelo país de origem, mas por um
grupo relativamente pequeno de conglomerados empresariais que
possuem algo para vender (Gerbner, 1998, p. 2, apud ALMEIDA JR,
2001, p. 50).

Sabemos que a percepção da realidade muda segundo uma gama imensa de


filtros e variáveis, desde o contexto cultural, a história pessoal e familiar, classe
social, gênero, idade, disposições herdadas etc. Mas, como vimos acima, vai se
formando no contexto da cultura-midiática uma percepção da realidade alta-
mente fragmentada, efêmera e impessoal, imersa no ambiente cultural da pro-
paganda e do marketing. Oque antes era distante no espaço e no tempo, com
a transmissão ao vivo pela TV tornou-se próximo e até familiar, em virtude
dos mapas e esquemas em 3D gerados por computador. Contudo, essa proxi-
midade é exterior, não gera necessariamente identificação ou solidariedade.
Provavelmente entram na explicação de tais tragédias fatores de ordem
familiar, componentes sociais, desvios psíquicos etc. O que a cultura midiá-
tica, especificamente, parece cultivar é um experimentalismo e um voyeurismo
mórbidos, que não reconhecem fronteiras entre o real e a ficção. A sedução
midiática – penso, sobretudo, no culto à violência em filmes e jogos – exa-
cerba uma fantasia adolescente de provar experiências limite, “curtir” emo-
ções cada vez mais fortes; emoções estas que sua realidade cotidiana – previa-
mente banalizada pela mesma mídia – não pode proporcionar.
A transitoriedade dos constructos simbólicos mediando as relações hu-
manas pode gerar insegurança e certa angústia na criança, sobretudo quando
ela não possui referenciais familiares mais sólidos. As crianças não são usuá-
rios passivos da mídia. Sabemos que eles abordam a mídia a partir de suas his-
tórias pessoais, das construções sociais cultivadas na família e na comunidade
e que a psique humana possui um potencial vigoroso para lidar com tais in-
fluências (ARNALDO, 2002, p. 449). Além disso, no mesmo movimento
de instauração de um sistema midiático-cultural e de uma cultura que lhe é
funcional, a cultura midiática, os sujeitos podem repor novas formas de ação
e reação, abrir brechas para a criatividade e criar novos espaços de resistência.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
80 • Para além do território demarcado

Influências da mídia, pedagogia crítica e pandemia

Uma das características culturais emergentes na contemporaneidade é a


influência do meio de comunicação. Na sociedade brasileira, a mídia influên-
cia de maneira significativa o comportamento das pessoas, em especial das
crianças pequenas. Em tempos de pandemia, as situações de exposição a mí-
dia aumentaram radicalmente, as crianças passam boa parte do dia frente aos
dispositivos midiáticos, este problema afeta as crianças de todo o globo.
Os oligopólios de mídia disseminam a cultura dominante por meio da
música, cinema, filmes e principalmente por meio de desenhos infantis. Com
a enorme demanda de crianças que utilizam os dispositivos midiáticos para
entretenimento, surgiu uma possibilidade de mercado dentro do canal you-
tube. Pessoas com pouca ou nenhuma formação acerca do desenvolvimento
infantil e suas implicações, estão operando livremente sobre a formação de
identidades das crianças.
Segundo Fischer (1997), a mídia é um dispositivo pedagógico, que veicula
significados por meio da linguagem utilizada em programas televisivos. O
discurso de caráter dominante e elitista determina os estereótipos que são
aceitáveis pela sociedade, desta maneira alimenta a exclusão social
As crianças são envolvidas pela aparente ingenuidade revestida pelos pro-
gramas de televisão. Incluído em um discurso acerca da pedagogia critica (Gi-
roux 2013), propôs o termo “pedagogia da inocência”, para se referir ao modo
como a Walt Disney age. Assim como a Disney, os programas midiáticos dis-
parados pelos youtubers possuem uma:
Aparência de aventura feliz e inocência infantil, embora atraente,
encobre, neste caso, um universo cultural amplamente conservador
em seus valores, colonial em sua produção de diferenças raciais e classe
média em sua descrição dos valores de família (Giroux 2013, p.136).

Podemos perceber uma crescente junção entre a mídia e o consumo, prin-


cipalmente o consumo destinado as crianças. A pedagogia da inocência pro-
posta com Giroux nos faz enxergar características voltadas a indústria merca-
dológica presentes na mídia. Os protagonistas dos canais do Youtube vestem-
se de um discurso baseado na diversão e no espetáculo, a fim de vender seus
produtos e sua imagem. Desta maneira, a reflexão proposta pela pedagogia cri-
tica possibilita compreendermos a real intenção por traz de todo esse cenário.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 81 •

Nesse período pandêmico, a cultura dominante identificou um conveni-


ente espaço para propagar a lógica de mercado. O discurso usado pelo ope-
rante do canal gera na criança o desejo de possuir determinado brinquedo ou
ser de determinado modo. Podemos identificar “[...] agenciamentos da sub-
jetividade acionados por mecanismos midiáticos” (CABANNE, 2012, p. 9).
Os meios de comunicação influenciam fortemente na construção dos desejos
infantis, expandindo os estereótipos formados num discurso de barbárie com
cunho excludente.
A mídia possui diversos dispositivos de fácil acesso às crianças, por meio
desses canais a informação e a formação são destiladas sem criticidade pela
criança. Os youtubers ditam “verdades” que favorecem a formação da identi-
dade. Allianda diz:
Mais recentemente, o fenômeno dos youtubers mirins traz novos for-
matos de acesso às crianças com ampla divulgação de produtos disfar-
çados na apresentação de rotinas e apresentação de materiais que, na
verdade, são alvo de intenso assédio por parte das empresas, ou seja,
uma reconfiguração das formas de acesso ao mundo infantil.

A comunicação de massa, tomou conta do nosso cotidiano, desde a mais


tenra idade estamos inclusos nessa cultura envolta pela mídia. Pierry Levy
conceitua esse espaço onde as conexões acontecem como ciberespaço. Sobre
o ciberespaço, Levy:
O ciberespaço é o novo meio de comunicação que surge da intercone-
xão mundial de computadores. O termo especifica não apenas a infra-
estrutura material de comunicação digital, mas também o universo
oceânico de informações que ele abriga, assim como os seres huma-
nos que navegam e alimentam esse serviço. (LEVY, 1999, p. 17).

A cultura midiática tem manifestado novos modos de ser e isso contribui


para a formação de identidades. A cultura nos foi ensina como sendo algo
distante da sociedade, produzida por uma minoria e disseminada apenas por
um grupo eleito (Cevasco 2008). Atualmente a cultura é tudo que nos cerca
“a cultura é teorizada como campo de luta entre os diferentes grupos sociais
em torno da significação”. (SILVA, p.32.1995).
Partindo do entendimento de cultura, Levy nos traz o conceito de ciber-
cultura, para entendermos sobre o modo de vida a partir do surgimento da
mídia.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
82 • Para além do território demarcado

Quanto ao neologismo “cibercultura”, especifica aqui o conjunto de


técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos
de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o
crescimento do ciberespaço. (LEVY, 1999, p. 17).

Por meio da cibercultura, os indivíduos expressam seus desejo e modos


de ser, recebemos informações e desta maneira dispomos de uma avalanche
de conhecimentos. Com este acesso midiático que permeia facilmente nossa
vida, a luta do capitalismo passou a ser discursiva. Hall:
[...] não devemos nos surpreender, então, que as lutas pelo poder
deixem de ter uma forma simplesmente física e compulsiva para serem
cada vez mais simbólicas e discursivas, e que o poder em si assuma,
progressivamente, a forma de uma política cultural (HALL, 1997, p.
20).

Portanto, pensar a mídia criticamente se faz emergente no contexto atual.


Precisamos desenvolver um olhar crítico sobre a mídia, para emergirem indiví-
duos capazes de se emanciparem dessas amarras contemporâneas de domina-
ção e serem transformadores sociais. Douglas Kellner propõe um alfabetismo
crítico em relação a mídia com competências na leitura crítica de imagens.
Deste modo, possuir um discurso crítico vinculado a mídia consiste em
postura de mudança, de luta. Assim, educaremos os indivíduos para serem
ativos e críticos na sociedade, cidadãos emancipados midiaticamente requer
insistência dos produtores de conhecimentos.

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proposições para o trabalho
formativo docente

Alonso Bezerra de Carvalho | Sandra Regina Mantovani Leite

O chão no qual o homem, enquanto indivíduo tem fincadas suas raí-


zes é a história social ou cultural. [...] A história, a tradição, os costu-
mes, numa palavra, a cultura são a primeira e permanente morada do
humano, o lugar a partir do qual ele constitui sua identidade e pode
construir o seu futuro. Tornar-se um sujeito ético é um processo ne-
cessariamente individual e social em decorrência da condição humana
de ser cultural. (GOERGEN, 2005, p. 72).

Introdução

partir da epígrafe de goergen (2005) sobre o papel da cultura

A na constituição individual do homem é possível considerar os vários


aspectos que influenciam o ser humano e suas relações educacionais
e formativas. Nesse sentido, este texto tem como objetivo principal analisar a
educação na sociedade contemporânea e suas influências no processo forma-
tivo do sujeito em prol de ações que conduzam para a emancipação humana.
De modo particular, analisar a educação e a relação do homem, em processo
de constituição com o mundo e sua materialidade, com a ética e a política, al-
mejando fortalecer a função social da instituição escolar, mediante os níveis e
modalidade de ensino, enquanto morada do saber e da formação global do
homem.
As reflexões advêm da caminhada como docentes na área educacional e,
especificamente na formação de professores da infância e, tem confluência
com as pesquisas e estudos desenvolvidos nos últimos anos na qualidade de
professores e pesquisadores atuantes no ensino superior em universidades pú-
blicas à luz de fundamentos críticos da educação. A partir desses fundamen-
tos, parte-se do entendimento sobre sujeito histórico e a formação imbuída
de uma identidade profissional como educador consciente do seu papel no
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
86 • Para além do território demarcado

enfrentamento dos desafios históricos, que impactam a sua sensibilidade ética


e de atuação política.
A estrutura do texto versa, no primeiro momento para uma análise da
sociedade contemporânea e sua implicação no processo de con-forma-ação por
meio da educação. Em segunda instância a reflexão se dá pela compreensão da
cultura no processo de formação humana, tendo como referencial mediador
o papel docente no processo educativo dos sujeitos. Acredita-se, desse modo,
que por meio da educação há possibilidade de pensar em um processo de
interferência da cultura, conduzindo a formação humana para uma condição
emancipatória do sujeito.

Sociedade contemporânea e a educação: resgates históricos


sobre o processo de con-forma-ação

Os grandes agentes desse capitalismo internacional sem pátria im-


põem, via mecanismos propriamente econômicos, a adoção de suas
práticas produtivas, monetárias e financeiras, comprometendo todos
os países através de acordos mundiais, passando a exigir também ade-
quações nos campos político e cultural. A meta continua sendo aquela
da plena expansão do capitalismo, agora sem concorrências ideológi-
cas significativas e numa perspectiva declarada de globalização (SEVE-
RINO, 2010, p.154).

Com a reabertura democrática, a partir de 1980, o Brasil busca o cresci-


mento e a equiparação com países que muito estão à sua frente. Nesse sen-
tido, o Brasil é insistentemente solicitado a inserir-se no novo processo de de-
senvolvimento econômico e social do capitalismo em expansão.
Neste momento de crise econômica pela qual passam vários países, o
que se percebe no Brasil são propostas que buscam um Estado Mínimo,
desobrigado de suas funções com os desfavorecidos, ou seja, opera-se crítica
severa ao Estado do Bem-Estar Social, desvirtuando o seu papel e suas funções.
O Estado cumpre como tarefa apenas ser administrador e, na maioria das vezes,
é falho esse processo de intervenção administrativa em relação aos recursos
coletivos, em benefício dos interesses econômicos de alguns grupos privados
e que são dominantes na sociedade. Dessa forma, no Brasil são negados à
grande maioria da população os requisitos mínimos que possam subsidiar
suas necessidades vitais e humanas.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 87 •

Desde 1970 até os dias atuais, houve um processo de aceleração urbana


que desencadeou a inserção da massa trabalhadora das áreas rurais para a área
da cidade e, diante disso foram submetidos ao rígido controle político e econô-
mico à luz do poder dominante. Submetidos ao processo de desqualificação
do trabalho e da própria cultura, a classe trabalhadora, desde sua chegada à
área urbana, tem se permitido viver em um processo de aceitação, adaptação e
submissão às mínimas condições de trabalho que, resultam em mínimas con-
dições de vida e de sobrevivência (SEVERINO, 2010).
Especificamente, entre as décadas de 70 e 90 do século XX, revelou-se
o anseio dos governantes e dominadores econômicos em direcionar os in-
vestimentos públicos para grandes obras de infraestrutura, deixando muito
aquém o investimento nos setores sociais. Com isso os direitos à educação, à
saúde, ao lazer, à moradia têm ficado a desejar no que tange a população des-
favorecida da sociedade. No que se refere à educação, por exemplo, Cortella
(2000) ratifica que os efeitos são notórios e preocupantes, assim:
Na educação, alguns dos efeitos foram desastrosos: demanda explo-
siva (sem um preparo suficiente da rede física), depauperação do ins-
trumental didático e pedagógico nas unidades escolares (reduzindo a
eficácia da prática educativa), ingresso massivo de educadores sem for-
mação apropriada (com queda violenta da qualidade de ensino no mo-
mento em que as camadas populares vão chegando de fato à Escola)
diminuição acentuada das condições salariais dos educadores (multi-
plicando jornadas de trabalho e prejudicando ainda mais a prepara-
ção), imposição de projeto de profissionalização discente universal e
compulsória (desorganizando momentaneamente o já frágil sistema
educacional existente), domínio dos setores privatistas nas instâncias
normatizadoras (embaraçando a recuperação da educação pública),
centralização excessiva dos recursos orçamentários (submetendo-os
ao controle político exclusivo e favorecendo a corrupção e o desperdí-
cio). (CORTELLA, 2000, p. 12-13).

A partir da atual expressão capitalista, sob predomínio do capital finan-


ceiro e do neoliberalismo desenfreado em um contexto histórico marcado
pelo irreversível processo de globalização econômica e cultural, há a produção
de um cenário existencial em que a política educacional tem sido a mais afe-
tada. Os organismos internacionais traçam metas para a educação, principal-
mente, para os países menos desenvolvidos, na perspectiva de aperfeiçoar os
sistemas escolares às demandas da globalização e associados a uma educação
que atenda ao processo produtivo em direção à formação de consumidores.
Segundo Fiori,
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
88 • Para além do território demarcado

[...] a globalização não é um processo isento de contradições. Seus


impactos e perspectivas são diferenciados, e as alternativas abertas a
cada país dependem, exatamente, das opções feitas pelas suas forças
sociais e políticas internas e coordenadas por seus estados nacionais.
(1997, p. 250).

A sociedade capitalista se organiza e se desenvolve obedecendo aos parâ-


metros impostos pela estrutura econômica, em detrimento das demais esfe-
ras que compõem a organização social. Por outro lado, a análise de Mészaros
(2008, p. 76) aponta para o fato de que a “própria globalização capitalista
é uma manifestação contraditória dessa crise, tentando subverter a relação
causa/efeito, na vã tentativa de curar alguns efeitos negativos, mediante ou-
tros efeitos ilusórios desejáveis”.
As reformas educacionais se dirigem ao caráter excludente devido aos
ajustes neoliberais e aos monopólios tecnológicos e científicos, objetivando
“fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à maquinaria produtiva em
expansão do sistema capitalista, mas também gerar e transmitir um quadro
de valores que legitima os interesses dominantes” (MÉSZAROS, 2008, p. 15).
As referências ético-políticas, o trabalho em favor da emancipação, auto-
nomia, cidadania e reflexão crítica, perdem sua força na orientação do com-
portamento das pessoas, trazendo descrédito e desqualificação para a educa-
ção e para os processos formativos dos indivíduos. Há a prevalência no campo
educativo, da cultura econômica e capitalista que, gera a eficiência, a competi-
ção, a adequação ao mercado, impulsionando o desenvolvimento de forças
produtivas, reforçando e naturalizando a dominação de classe.
A educação precisa se adequar a esta nova fase econômica, um capitalismo
agressivo e pungente, capaz de modificar a realidade fragmentando o tempo
de modo que este seja descontínuo. “A possibilidade final: nenhuma transfor-
mação, nenhuma revolução, somente a conformação, tudo na mesma forma.”
(CARVALHO, A.F., 2000, p.110). Estas condições se manifestam contrárias e
adversas ao que se entende como relevante para a formação humana, e como
são naturalizadas pelo poder dominante, fomentam o descrédito das institui-
ções educativas no seu processo intencional e sistemático. Sobre isso, há algo
simples: “a tentativa de superar a barbárie é decisiva para a sobrevivência da
humanidade” (ADORNO, 1995, p. 156).
Em Adorno a compreensão de que os momentos sociais dominantes,
independentemente da “alma individual dos homens singulares geram algo
como a barbárie”. Complementa que “esses momentos repressivos da cultura
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 89 •

produzem e reproduzem a barbárie nas pessoas submetidas a essa cultura”


(1995, p.156-157).
Na contradição do capital, encontra-se um espaço de superação: é preciso
romper com a lógica do capital, elaborando planos estratégicos para uma
educação humanizadora. Assim colocado, o papel da educação seria, segundo
Mészaros (2008, p.18), o de “lutar contra a alienação [...] ajudar a decifrar os
enigmas do mundo, sobretudo o do estranhamento de um mundo produzido
pelos próprios homens”.
Em um cenário regido pela degradação em relação ao mundo técnico e
produtivo do trabalho, pela opressão na esfera da vida social e, pela alienação
no universo educativo e cultural, há a urgente necessidade de revisitar os
processos formativos educacionais de modo que conduzam para uma suposta
desbarbarização. Adorno (1995, p.156) afirma que “se quisermos combater
esse fenômeno por meio da educação, deverá ser decisivo remetê-lo a seus
fatores psicológicos básicos [...], mas também aos objetivos que se encontram
nos próprios sistemas sociais”.
O processo educativo como forma de propiciar momentos de reflexão
torna-se o desafio neste cenário excludente e adaptativo da vida e da formação.
O papel do professor como profissional intelectual fomenta por meio da ação
pedagógica, a valorização da cultura e da emancipação humana.

Cultura e formação humana: o professor e o processo


educativo

Professores e alunos são personagens, mais do que isso, são pessoas


que devem ser vistas, reconhecidas e tomadas como agentes que se
movimentam não somente a partir, mas também em direção a novos
horizontes e perspectivas que nem sempre o rigor lógico, racional e
científico garante com sucesso. É preciso levar em conta a nossa aber-
tura ao outro, mesmo que esse outro [...] esteja em nosso interior,
provocando-nos e nos animando nessa ou naquela direção. (CARVA-
LHO, A.B., 2013, p.168).

Para o desenvolvimento de valores que contribuam com a organização da


sociedade que se almeja, com mais justiça social, igualdade e solidariedade, o
professor pode assumir um papel de luta contra toda a forma de barbárie entre-
laça com a meta educacional de que “Auschiwitz não se repita” (ADORNO,
1995, p. 119). A partir de um sólido embasamento teórico comprometido com
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
90 • Para além do território demarcado

a vida e formação humana, há o desafio de investir na educação e no processo


de ensino e aprendizagem em favor da tomada de consciência provocada pela
compreensão acerca situação que a sociedade se encontra em detrimento do
que deve ser, ou seja, rumo a uma mudança.
Massi e Giacóia Junior (1998) revelam que a educação é um dos elemen-
tos que favorece ao homem se tornar humano pelo caminho de evidenciação
de sua condição histórica e cultural, ou seja, é parte de um processo social,
histórico e político mais amplo1 que, de certa forma, dirige o indivíduo para o
processo de se tornar humano pelas trilhas da humanização e hominização.
“Educar-se, portanto, é realizar-se como indivíduo componente de uma de-
terminada sociedade. Quanto mais o homem se apropria da cultura, mais
se humaniza porque mais se impregna de história” (PARO, 2002). A educa-
ção, dessa forma, significa aprender a viver aproveitando em plenitude o que
a história possibilita ao ser humano. Em Cortella (2000), o termo hominiza-
ção expressa a noção do humano que se realiza à luz da produção da cultura
e sendo por ela elaborado, enquanto humanização é um conceito ético que
indica o processo de criar condições de vida mais dignas para as pessoas como
um todo. Nesse sentido,
[...] nós humanos somos, igualmente, um produto cultural; não há
humano fora da cultura, pois ela é o nosso ambiente e nela somos so-
cialmente formados (com valores, crenças, regras, objetos, conheci-
mentos, etc.) e historicamente determinados (com as condições e con-
cepções da época na qual vivemos). Em suma, o Homem não nasce
humano e, sim, torna-se humano na vida social e histórica no interior
da Cultura. (CORTELLA, 2000, p. 42).

Mesmo que em contexto histórico e social divergente do que se vive atu-


almente, não há como tratar de ética sem se remeter aos pressupostos aristo-
télicos2 , especificamente ao considerar que o homem aprende o que é belo,
justo, verdadeiro pelo processo de educação. Para ele, o homem nasce apenas
virtualmente humano, ou seja, o homem aprende a compreender, valorizar,
se relacionar com os demais em busca de novas intervenções e conhecimentos
e vai constituindo a sua humanidade.
1 Essa afirmação parte de autores como Saviani, D. (2008), Duarte (1999) e Paro (2002), dentre

outros que apontam o papel do processo educativo na constituição da humanidade.


2 Aristóteles foi o grande sistematizador da ciência ocidental, “ninguém consegue escrever

e falar de ética sem falar e tratar de Aristóteles, seja para inspirar-se, seguir ou criticar sua
concepção.” (NODARI, Paulo César, 2010, p. 13)
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 91 •

Em seu desenvolvimento como ser humano, cada indivíduo singular re-


pete, em sua biografia, o próprio desenvolvimento da espécie: vai-se fazendo
humano (histórico) à medida que vai se apropriando da cultura produzida
pela humanidade em seu desenvolvimento histórico. Assim, a educação cons-
titui verdadeira atualização histórico-cultural. Na mesma esteira conceitual
Pinto, (1979, p. 22) considera que:
A cultura3 é, por conseguinte, coetânea do processo de hominização,
não tem data de nascimento definida nem forma distintiva inicial. A
criação da cultura e a criação do homem são na verdade duas faces de
um só e mesmo processo, que passa de principalmente orgânico na
primeira fase a principalmente social na segunda, sem, contudo, em
qualquer momento deixarem de estar presentes os dois aspectos e de
se condicionarem reciprocamente. A realização biológica do ser em
curso de hominização determina as possibilidades de criação cultural
que lhe são dadas em tal fase, mas estas, ao se realizarem, contribuem
para o desenvolvimento e aperfeiçoamento das qualidades orgânicas,
até o momento em que impelem o animal a transformar o modo de
existência, tornando-o um ser produtor, a princípio inconsciente e
depois consciente, de si mesmo.

O homem se forma homem, se humaniza, porque a humanidade não é


uma dádiva da natureza. Tudo isto é um processo educativo que acontece à
medida que o homem produz a sua própria existência. A essência humana é
construída pelo próprio homem, conforme suas apropriações e é um feito
humano. A origem da educação coincide com a origem do próprio homem
(SAVIANI, D., 2007). Sendo assim, o bem necessário à nossa existência é o
conhecimento, que partindo da cultura elaborada, se constitui em entendi-
mento, reconhecimento e interpretação da realidade, como ferramenta essen-
cial para nela intervir, utilizando a educação como veículo que o transporta
para ser produzido e reproduzido (CORTELLA, 2000).
Conforme Martins (2013, p. 271), “[...] o processo de aquisição das parti-
cularidades humanas, isto é, dos comportamentos complexos culturalmente
formados, demanda a apropriação do legado objetivado pela prática histórico-
social”. Sendo um processo dialético, o homem tem uma apropriação ativa,
ao mesmo tempo cria, recria, renova, tomando posse do existente e empre-
gando à mesmo sua especificidade e individualidade. “Uma vez que o desen-
3 Cultura entendida neste contexto num sentido geral, referindo-se a toda produção histórica

do homem, tudo aquilo que pode ser apropriado por meio da educação, pois é sabido que
na prática existem diferentes e diversas culturas dependendo dos locais e dos momentos e
épocas em que o indivíduo se encontra.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
92 • Para além do território demarcado

volvimento da humanidade está depositado nos objetos por ela criados, cada
homem tem que se configurar a si mesmo de forma a poder fazer seu este pa-
trimônio humano.” (TONET, 2005, p. 214).
Com o pensamento acima entendemos a educação como “ato de produ-
zir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que
é produzida historicamente e coletivamente pelo conjunto dos homens” (SA-
VIANI, 1997a, p. 17). Nesse sentido, é fundamental ressaltar que a educação
produzida intencionalmente nos remete à escola, como agência principal, en-
tidade fundamental para que o processo educativo aconteça. A instituição
escolar tem também o papel político de formação para a cidadania, formação
do cidadão, formando para a vida e busca dos seus direitos. “Quando pen-
samos em educação, automaticamente pensamos na escola.” (SAVIANI, D.,
1994, p. 153).
A instituição escolar, para a sociedade contemporânea, é a forma domi-
nante de educação, e todas as demais formas de educação: educação informal
(instituição familiar e a instituição religiosa) e a educação não-formal (ONGs
e projetos de atendimento comunitário) são entendidas e avaliadas a partir da
escola.
[...] é nesse sentido que é possível compreender a educação a partir da
escola e não ao contrário. As formas não escolares de educação têm
que ser compreendidas a partir da escola, que é a forma desenvolvida
de educação. [...] quando se quer falar em educação que não seja a da
escola, temos que fazer referência sempre pela via negativa: educação
não escolar, educação não formal, informal. O critério para entender
as demais é a forma escolar. (SAVIANI, D., 1994, p. 153).

Considerando que todas as outras formas de educação se constituam a


partir da instituição escolar, o que vem acontecendo com a escola desde o final
do século XX é uma hipertrofia. Demerval Saviani (1994) define a hipertrofia
da escola como o alargamento vertical e horizontal nas funções exigidas para a
escola. Tudo o que é educativo é atribuído à escola, esta precisa absorver todas
as funções educativas e assistenciais que favoreçam o bem estar do sujeito.
Ao tratarmos da hipertrofia da Instituição Escolar também analisamos a
desvalorização da escola, que acontece com o esvaziamento da função precípua
que é a socialização e a produção do conhecimento. Tantos são os trabalhos,
que a escola precisa desempenhar que ela cuida de tudo menos de ensinar, de
instruir, de potencializar o indivíduo para a tomada de decisões e para atuação
na sociedade.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 93 •

Com isso, reafirmamos que é essencial que o trabalho educativo privilegie


a formação humana. Segundo Lombardi (2013), o valor da escola e da forma-
ção humana está em possibilitar aos homens as ferramentas necessárias para o
enfrentamento e entendimento da vida em sociedade, sendo que esses instru-
mentos serão viabilizados por meio do acesso e aquisição dos conhecimen-
tos e saberes elaborados pela humanidade. Também é essencial o trabalho
com o outro, a adesão num projeto de trabalho em que o compromisso ético
e político tenha como pressuposto o homem como um ser em permanente
processo de humanização. O homem nunca está pronto e acabado, nem no
plano individual, nem no plano coletivo, como espécie.
Dessa forma, a instituição escolar se coloca com duas funções que se com-
plementam, por um lado, propiciar o “acesso ao conhecimento sistematizado
daquilo que a humanidade já produziu e que é necessário às novas gerações
para possibilitar que avancem a partir do que já foi construído historicamente”
(MARSIGLIA, 2011, p. 10) sendo esta sua principal função. Por outro lado,
cultivar o olhar para o ser sensível, o trabalho com a sensibilidade, com os va-
lores da convivência social, da condição coletiva das pessoas humanas. Nessa
perspectiva, a busca é pela valorização da relação, da inter-relação, da depen-
dência recíproca entre as pessoas.
Ao valorizarmos as relações humanas na instituição escolar, estamos por
reafirmar a autoridade dos professores e envolvidos diretamente com o pro-
cesso educativo. São os profissionais da educação que por meio de sua ação
pedagógica organizam e trabalham as atividades por meio do conhecimento
contribuindo com o processo de humanização, por isso são autorizados “a
precisar as regras próprias para os encaminhamentos educacionais da institui-
ção” (NAGEL, 2011, p.19).
A desvalorização do processo educativo incorre em retirar o conhecimento
de todo o processo que compreende a própria humanização. A crítica ao
professor retira do docente o seu papel de experiente mediador no processo
educativo, e que muito faz falta na relação com o aluno aprendente. E a
supervalorização do aluno e dos seus interesses acima de tudo leva a escola ao
esvaziamento de propostas pedagógicas, como também a perda de significado
da relação democrática necessária na construção do homem cidadão.
Se a “democracia repousa na formação da vontade de cada um em parti-
cular [...] para evitar um resultado irracional é preciso pressupor a aptidão e a
coragem de cada um em servir de seu próprio entendimento” (ADORNO,
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
94 • Para além do território demarcado

1995, p. 169). Faz-se necessário, que a formação docente privilegie a coragem


de enfrentar as situações adversas que a própria prática introduz, refletindo
por meio do entendimento único e da experiência valorizada e vivida.
A função do professor se resume ao “explicador” de saberes. A atividade
docente transformou-se em mera técnica ou aplicação de conhecimentos
produzidos pelas ciências da educação, atendendo à necessidade social de
aumento da eficiência, a demanda da qualificação profissional e aos padrões
de consumo.
Com isso, o fazer pedagógico e a própria formação docente se esvazia da
possibilidade de experimentar novas formas de desenvolvimento intelectual
para ele e consequentemente para o aluno, e privilegia em contrapartida um
saber técnico em detrimento do saber filosófico e criativo do pensamento, da
reflexão crítica sobre a educação voltada para emancipação humana.
Dentro dessa forma de se pensar o trabalho docente, observa-se que a ati-
vidade docente se torna mera repetidora, incapaz de traduzir-se em experiên-
cias narráveis, transforma-se em simples técnica ou aplicação de conteúdos
produzidos pelas ciências da educação, atendendo à necessidade de aumento
da eficiência, de demanda de qualificação profissional e dos padrões de con-
sumo assumidos pela sociedade contemporânea.
Assim, a formação vai dissolvendo-se como experiência formativa silenci-
ada e esvaziada de conteúdos que se esgotam na própria relação formal com
o conhecimento, impedindo que forneçam ao professor formas para refletir
sobre os problemas que enfrenta e para encontrar meios de solucioná-los ou,
mesmo traduzi-los e narrá-los como experiência. O ambiente escolar, espaço
essencial onde se objetiva a apropriação do saber elaborado, intencional tanto
para os professores como para os alunos é desprovido de importância, sobre-
tudo no sentido da experiência de ser professor ou de ser aluno.
A expropriação da experiência, do verdadeiro sentido do que se faz e do
como se faz adquire um sentido de experiência “não vivida”, haja vista que
aquilo que se vive no espaço pedagógico não tem nada a ver com um ou outro.
Percebe-se que no ambiente da escola, ao final do dia letivo, tanto professores
como alunos saem da instituição escolar, mudos, sem ter o que dizer, pois
foram expropriados da sua própria vontade por meio de dispositivos que
desfacelam a experiência e proletarizam o fazer docente.
O processo de proletarização do ser/fazer docente é produto em certa me-
dida da desvalorização da própria função do professor na sociedade. A edu-
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 95 •

cação e o ensino, incorporados aos mecanismos de mercado e da própria in-


dústria cultural, são concebidos como objeto da ciência que tende a criar ver-
dades absolutas, encarados como científicos tendem a abrir mão de seu sen-
tido autorreflexivo. Imersos no mundo contemporâneo, em que o desenvol-
vimento acelerado da tecnologia se apresentava com a função de libertar a hu-
manidade, os professores se percebem numa época marcada pela incerteza e
pelo aceleramento do tempo. A educação precisa correr atrás de informações
úteis para uma sobrevivência imediata, sem pensar nas causas e consequên-
cias, transformando a prática dos professores precária e indefinida.
O professor precisa valorizar a sua história e a história dos seus alunos.
Dessa forma, a sua formação e a sua atuação passariam de uma simples trans-
missão de conhecimentos, no sentido de prover ao aluno algumas habilidades
e competências desejáveis ao que está posto pelas tecnologias e pelo ensino
mercadológico, em busca de valorizar a formação de atitudes, numa efetiva
formação, tanto dos alunos como dos professores envolvidos.
Concretizada pela Dimensão Ética, a escola como instituição social, re-
conhecida pela sociedade, precisa redefinir sua função priorizando o saber
teórico, pela apropriação da habilitação e da competência técnica e pela sensi-
bilidade ao caráter político das relações sociais (SEVERINO, A., 2010).
Em outras palavras, a educação é uma prática social, histórica e política e
como tal envolve comportamentos, costumes, atividades culturais e se concre-
tiza na medida em que por meio da conscientização atua possibilitando novas
representações, conceitos e valores das pessoas, mediante as relações humanas.

Considerações finais

[...] a educação é serva da história. Aqui se paga tributo a nossa


condição existencial de seres encarnados e, como tais, profundamente
pré-determinados. Uma lógica perversa compromete o esforço da
humanização. São adversas as condições para se assegurar a qualidade
necessária para a educação. (SEVERINO, A., 2010, p. 155).

Analisar o espaço educativo e o desenvolvimento é muito complexo, pois


fazemos parte de uma minoria que luta por valores como a democracia, a li-
berdade, a solidariedade, a cidadania, o respeito, a amizade como princípios
para a educação e para as posturas necessárias para alcançar uma formação
humana e emancipadora. Ao intentar colocar a ética como articuladora para
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
96 • Para além do território demarcado

uma prática educativa humanizadora ressaltamos seu valor como possibili-


dade e experiência formativa na sala de aula.
Repensar as formas de relacionamento entre os envolvidos no processo
de educativo e também as formas de organização do trabalho pedagógico
caminha no sentido de que “experimentar a ética é ter a sensibilidade de saber
que não é possível determinar e regrar as atitudes das pessoas” (CARVALHO,
2016, p. 219).
Faz-se necessário lutar contra o jogo de dominação e contra a proletari-
zação e precarização do trabalho docente, ditada pela sociedade globalizante
e mercadológica, em busca de uma formação que impulsione a vida, que li-
berte o professor do processo de reprodução, em busca da emancipação na
educação e na formação do mesmo. O comprometimento por parte do edu-
cador, com um ensino que valorize o outro é que fará a diferença em todo o
processo, faz-se necessário se abrir ao diferente, buscar novas experiências e
trabalhar com as incertezas que fazem parte da nossa vida.
A ética como dimensão de um trabalho mais humano e contextualizado
significa favorecer ao nosso redor um ambiente instigador, provocador, facili-
tador de novos conhecimentos utilizando o espaço formativo da instituição
escolar como lócus de desenvolvimento consciente e de forma dialógica. Uma
aproximação dialógica pode e deve ser entendida como um movimento em
direção a uma prática que reconheça e valorize a horizontalidade. A educação
escolar não é a redentora e não conseguirá mudar e transformar o mundo, mas
o professor ainda tem seu papel perante o seu grupo de alunos e isso não pode
ser atribuído a outrem (aos alunos, por exemplo), mas deve ser de si próprio.
A práxis pedagógica é uma experiência profunda em que o professor
afete e seja afetado e assim propicie meios de evitar a repetição da barbárie
por meio da reflexão crítica e de resistência as suas causas e consequências no
presente, contrapondo-se a um processo gerado pelo sistema que precariza
sua atividade, para que ambos, professor e aluno sejam afetados pela reflexão
de seus limites e de suas possibilidades.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 97 •

Referências

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6. A reforma do Ensino Médio proposta
pela Lei 13.415/17 e o engodo da formação

Adonias Nelson da Luz | Luciane Neuvald

O engodo na dialética do esclarecimento

ste ensaio objetiva problematizar, à luz dos fundamentos da teoria

E crítica, a Lei 13.415/17, que consistiu no arauto da reforma do Ensino


Médio no Brasil, pois alterou alguns aspectos da nossa Lei de Diretrizes
e Bases da Educação (9394/96). As ameaças à formação presentes na referida
normativa foram interpretadas como um engodo, cujo sentido é analisado
com base nas reflexões desenvolvidas por Adorno e Horkheimer (1985) na
obra Dialética do Esclarecimento.
Antes de adentrarmos nessa questão e de analisarmos as especificidades
da Lei 13.415/17 (BRASIL, 2017), definiremos o emprego do termo engodo,
escolhido para caracterizar a referida normativa e a sua relação com a base
teórica sob a qual ela será analisada: a Teoria Crítica. Nessa perspectiva teórica,
é possível perscrutar sobre o sentido da formação, confrontando-a com o
seu oposto: a semiformação, compreendendo-as no âmbito da sociedade
organizada pela fetichização das relações sociais e da cultura.
No Dicionário Aulete Digital, o termo engodo é definido como isca, en-
gano e cilada. Sendo assim, partimos da hipótese de que a Reforma do En-
sino Médio, anunciada pela Lei 13.415/17, apresenta um sentido fraudulento,
junto à falsa promessa da formação. Outro significado para o termo é “chama-
riz para atrair alguém”. Nesse sentido, a referida Lei, para além de conduzir
ao engano, representa um instrumento para reforçar as atrações do mundo
exterior, as quais impedem a autocrítica e a autodeterminação dos sujeitos.
No âmbito da Teoria Crítica, a alusão ao termo engodo é encontrada no
excurso I da Dialética do esclarecimento, no qual Adorno e Horkheimer (1985)
discutem a relação entre o mito e o esclarecimento a partir de Ulisses, uma
das figuras mais emblemáticas da literatura.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
100 • Para além do território demarcado

Na tentativa de se autoconservar e de atingir os seus objetivos, Ulisses sem-


pre engana, ludibria e dissimula, usando os mesmos artifícios que movimen-
tam a engrenagem da sociedade burguesa, voltada para a lógica do negócio.
Por isso, Ulisses é eleito pelos referidos autores como a figura prototípica do
esclarecimento, já que o seu pensamento aspira ao domínio a qualquer preço,
valendo-se da frieza como mecanismo de sobrevivência. Para os autores,
Todo esclarecimento burguês está de acordo na exigência de sobrie-
dade, realismo, avaliação correta de relações de força. O desejo não
deve ser o pai do pensamento. Mas isso deriva do fato de que, na so-
ciedade de classes, todo poderio está ligado à consciência incômoda
da própria impotência diante da natureza física e de seus herdeiros
sociais, a maioria. Só a adaptação conscientemente controlada à natu-
reza coloca-a sob o poder dos fisicamente mais fracos (ADORNO;
HORKHEIMER, 1985, p. 62).

No capítulo da Dialética do esclarecimento (ADORNO; HORKHEI-


MER, 1985) referente à indústria cultural, os autores a associam à mistificação
das massas e à ilusão, considerando a tentativa de a indústria cultural conci-
liar o que é irreconciliável. Como exemplo, podemos citar a conciliação en-
tre a cultura e a indústria. Enquanto a primeira opta pelo cultivo do espírito,
transcendendo e resistindo às demandas do mundo exterior, voltado para o
atendimento das necessidades imediatas, a segunda sucumbe aos apelos do
mundo das necessidades e dissolve o papel do sujeito e, consequentemente,
do mundo espiritual, uma vez que as escolhas dos produtos disponibiliza-
dos pelo mercado são falsas. Alguém aprioristicamente o fez. Sob o véu de
uma falsa sensação de autonomia do sujeito, cujo papel que lhe é reservado,
segundo Adorno e Horkheimer (1985), é o da leitura do cardápio:
Cada espetáculo da indústria cultural vem mais uma vez aplicar e de-
monstrar de maneira inequívoca a renúncia permanente que a civiliza-
ção impõe às pessoas. Oferecer-lhes algo e ao mesmo tempo privá-las
disso, é a mesma coisa (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 132).

Em “Elementos do antissemitismo”, publicado na Dialética do esclareci-


mento, o engodo é expresso por meio dos seguintes termos: “manobra”, “ce-
gueira” e “disfarce da dominação na produção” (ADORNO; HORKHEI-
MER, 1985, p. 157-162). Dessa forma, o antissemitismo é concebido como um
ritual da civilização, que tende à regressão na medida em que perde o seu po-
tencial de autorreflexão crítica e descarrega seus desafetos naqueles que lem-
bram suas fragilidades. Além disso, a injustiça econômica da classe inteira,
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 101 •

conforme destacam Adorno e Horkheimer (1985, p. 162), é descarregada e


atribuída ao judeu, que serve como “bode expiatório”.
A tendência à regressão e à falsificação do mundo é ampliada com o de-
senvolvimento da objetividade social burguesa, voltada à produção de mer-
cadorias. Podemos percebê-la no âmbito do conceito de formação cultural.
Esse, com o passar do tempo, desvincula-se de certas significações iniciais que
caracterizam o projeto burguês de sociedade, pois “a formação era tida como
condição implícita a uma sociedade autônoma: quanto mais lúcido o singu-
lar, mais lúcido o todo” (ADORNO, 2010, p. 13). Entretanto, com o desen-
volvimento do capitalismo, esse ideal da formação se corrompeu no utilita-
rismo, pois “o sonho da formação – a libertação da imposição dos meios e
da estúpida e mesquinha utilidade – é falsificado na apologia de um mundo
organizado justamente por aquela imposição” (ADORNO, 2010, p. 14).
Para Adorno (2010), a concepção de formação pressupõe que se apresente
sobre seu oposto a semiformação, pois ela é um aspecto generalizado na
vida moderna e representa uma crise do processo formativo, uma vez que
“a formação cultural agora se converte em uma semiformação socializada,
na onipresença do espírito alienado que, segundo sua gênese e seu sentido,
não antecede à formação cultural, mas a sucede” (ADORNO, 2010, p. 9). A
semiformação é, portanto, uma forma sui generis de regressão do pensamento
e dos sentidos, dadas as formas de construção da subjetividade a partir do
meio técnico, pelo sistema capitalista. O espírito alienado, ou semiformado,
é aquilo que sucede ou substitui o espírito que seria dotado da formação,
imanente a uma razão pré-tecnológica, embora presente de forma prototípica
nas narrativas gregas (ADORNO; HORKHEIMER, 1985).
A imposição que a sociedade industrial exerce deve ser caracterizada tal
qual sua raiz histórica. No processo histórico e, portanto, dialético, que
levou à ascensão da burguesia sobre o sistema feudal, o desenvolvimento
cultural burguês agiu como determinante à universalização da racionalidade
tecnológica, que se tornou capaz de administrar e racionalizar cada vez mais a
vida social, por meio do controle da vida material. As massas de camponeses
passaram de uma heteronomia à outra, pois não se apropriaram da mesma
cultura da burguesia: perpassaram esta, em direção à indústria cultural, sem
experimentar um suspiro da liberdade que esta prometera, pois “o campo foi
conquistado espiritualmente pela indústria cultural” (ADORNO, 2010, p. 15).
Isso se consubstancia no monopólio da razão burguesa sobre todos os aspectos
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
102 • Para além do território demarcado

da vida social, onde os sujeitos foram levados cada vez mais à adaptação e à
negação de si mesmos como forma de afirmação, sob pena da não-existência.
A falsa ideia da formação, socialmente difundida, confunde-se com os
bens culturais oferecidos por vias diversas, através da mídia de massa. Mas,
essa pretensa cultura torna-se petrificada e neutralizada, ao ter a finalidade de
integrar os sujeitos em uma cultura de consumo, agindo como um substitu-
tivo necessário ao desenvolvimento e aceitação da sociabilidade do sistema
econômico. Essa objetividade social aponta para o fato de que “[...] tudo o
que estimula a formação acaba por lhe contrair os nervos vitais” (ADORNO,
2010, p. 17).

O engodo da semiformação

A formação que nega a contradição, ou reproduz o vazio das formas,


torna-se unilateral, dissocia-se do mundo real e também se converte em se-
miformação. Para pensar acerca da forma e conteúdo da cultura, recorremos
ao conceito presente na Teoria Estética, sendo a forma o “conteúdo sedimen-
tado” (ADORNO, 2011, p. 17). A forma não se dissocia do conteúdo, dife-
rente do representado no idealismo, quando a forma basta a si mesma como
representação do conteúdo. O que ocorre na sociedade moderna é um pro-
cesso de dissociação e esvaziamento das formas “pela onipotência do princí-
pio de troca” (ADORNO, 2010, p. 20). Como as formas são os conteúdos
sedimentados, há o encobrimento, através da ideologia e da tecnologia domi-
nadora, para que seu conteúdo não seja percebido apenas pelas formas.
A promessa de liberdade da cultura burguesa se converteu em mera ideo-
logia, que recobre os conteúdos sedimentados na consciência e favorecem o
aparecimento de categorias de modelos e ideias, irrealizáveis mediante a falta
de liberdade dos sujeitos. Para o esforço da dissociação das formas em rela-
ção aos conteúdos, é sempre necessária a agressão física ou simbólica, para
que o aspecto exaltado na unilateralidade se torne único e tenha a ilusão da
identificação com a totalidade, em que “a adaptação é, de modo imediato, o
esquema da dominação progressiva” (ADORNO, 2010, p.12). A dominação
progressiva, a qual se refere Adorno, dá origem a um sujeito incapacitado da
percepção para além das aparências do fenômeno, que sempre carrega em si
um flerte à identificação com o pensamento autoritário (DUARTE, 2003).
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 103 •

Não obstante, “o semiformado transforma, como que por encanto,


tudo o que é mediato em imediato, o que inclui até o que mais distante é”
(ADORNO, 2010, p. 36), manifestado através da tendência a irracionalismos,
fazendo uma falsa conciliação entre a contradição imanente da vida social e
da realidade, resultado de uma consciência alienada da experiência autêntica.
O sujeito semiformado, ao transformar tudo que é mediato em imediato, é
incapaz de relacionar aquilo que é vivenciado na imediatez da realidade, com
o que está para além da aparência do fenômeno, o que o torna mais suscetível
à tendência generalizadora da sociedade. Isso significa que o sujeito semifor-
mado não é um vazio de informações, mas é incapaz de se utilizar delas para
analisar a realidade, embora deformada pelo fetichismo que impõe a indús-
tria cultural. O que possui caráter de meio se consubstancia em uma finali-
dade em si mesma, tornando fácil a aceitação de teleologias, sendo passíveis
de serem promulgadas com caracteres de academicismo, já que o esclareci-
mento totalitário que origina o desenvolvimento técnico não é irreconciliável
com a barbarização dos sujeitos.
Para Adorno (2010), a semiformação não é apenas a ausência da formação,
mas o ódio por aquilo que poderia revertê-la, ela “[...] é uma fraqueza com
relação ao tempo, à memória, única mediação capaz de fazer na consciência
aquela síntese da experiência que caracterizou a formação cultural em outros
tempos” (ADORNO, 2010, p. 33). Em outras palavras, esse arrefecimento da
memória significa a desapropriação da capacidade de tensionar o pensamento
com a realidade que, na sociedade contemporânea, significa estar atento aos
excessos informacionais da indústria cultural.
A indústria cultural e a semiformação banalizam a cultura e buscam a
integração com a sociedade – o que significa a subsunção da diferença à
identidade e o nivelamento dos sujeitos e da cultura. Assim, toda distinção é
ilusória, conforme ressaltam Adorno e Horkheimer (1985), ao se referirem à
indústria cultural, já que a fórmula é a mesma e o esquematismo é o primeiro
serviço que ela mostra ao cliente, antecipando a sua reação. Dessa forma,
o indivíduo semiformado tem a ilusão do conhecimento e da autonomia,
quando deve contentar-se com a leitura do cardápio.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
104 • Para além do território demarcado

A lei 13.415/17 e o engodo da formação

A Lei 13.415/17 consiste no arauto da reforma do Ensino Médio no Brasil.


Ela implicou a alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação do Brasil
9394/96 (BRASIL, 1996). O inciso I, do Artigo 24, da referida Lei previa uma
carga horária mínima anual de oitocentas horas para o Ensino Médio. Em
seu lugar, foi inserido o §1 (parágrafo), que destaca a ampliação progressiva
da carga horária mínima anual no Ensino Médio, “devendo os sistemas de
ensino oferecer, no prazo máximo de cinco anos, pelo menos mil horas anuais
de carga horária, a partir de 2 de março de 2017” (BRASIL, 2017, online).
Essa Lei acrescenta o Artigo 35A na Lei 9394/96 (BRASIL, 1996), o qual
indica que os direitos e objetivos de aprendizagem do Ensino Médio serão
definidos pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), tendo como foco
as linguagens e suas tecnologias; a matemática e suas tecnologias; as ciências
da natureza e suas tecnologias, as ciências humanas e sociais aplicadas.
Para a efetivação da reforma do Ensino Médio, foi publicada a Resolução
3/18 (BRASIL, 2018b), a fim de definir as Diretrizes Curriculares Nacionais do
Ensino Médio. Em seu capítulo II, artigo 6, inciso III, ela define os itinerários
formativos como
[...] cada conjunto de unidades curriculares ofertadas pelas institui-
ções e redes de ensino que possibilitam ao estudante aprofundar seus
conhecimentos e se preparar para o prosseguimento de estudos ou
para o mundo do trabalho de forma a contribuir para a construção de
soluções de problemas específicos da sociedade (BRASIL, 2018b).

No inciso VI define como competências a “[...] mobilização de conhe-


cimentos, habilidades, atitudes e valores, para resolver demandas complexas
da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho
(BRASIL, 2018b).
Nos Referenciais de Elaboração dos Itinerários Formativos (BRASIL,
2019), afirma-se que os itinerários deverão se basear em quatro eixos, nomea-
damente, Investigação Científica, Processos Criativos, Mediação e Interven-
ção Sociocultural e Empreendedorismo. A proposta é que os itinerários se-
jam integrados, ou seja, para proporcionar as diferentes vivências que se pro-
põem, o estudante deveria passar pelos quatro eixos. Entretanto, uma palavra
perfeitamente colocada distancia o objetivo proposto de concretizá-lo.
Segundo o documento, os estudantes deverão cursar um itinerário pas-
sando por apenas um dos eixos e, ipsis litteris, preferencialmente os quatro.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 105 •

Logo, é possível que a permissividade da Lei seja condizente com um sucatea-


mento dos arranjos curriculares, visto que um itinerário formativo pode ser
integralmente formado, por exemplo, pela ênfase no Empreendedorismo.
Cada eixo possui uma ênfase e um foco pedagógico. O eixo de Investigação
Científica propõe que o estudante realize práticas de produção científica, cujo
foco pedagógico encontra-se na realização de uma pesquisa científica, com o
propósito de resolver problemas. Nas palavras do documento,
Neste eixo, os estudantes participam da realização de uma pesquisa ci-
entífica, compreendida como procedimento privilegiado e integrador
de áreas e componentes curriculares. O processo pressupõe a identifi-
cação de uma dúvida, questão ou problema; o levantamento, formu-
lação e teste de hipóteses; a seleção de informações e de fontes confiá-
veis; a interpretação, elaboração e uso ético das informações coleta-
das; a identificação de como utilizar os conhecimentos gerados para
solucionar problemas diversos; e a comunicação de conclusões com a
utilização de diferentes linguagens (BRASIL, 2019, p. 6).

O que buscamos problematizar, nesse eixo, é como a pesquisa científica é


abordada de forma pragmática e operacional. Para a BNCC, ao relacionar
a preparação para o mundo do trabalho, a pesquisa é vista como uma ferra-
menta para produzir soluções relacionadas à situações-problema criadas em
ambientes razoavelmente calculados de antemão. Por um lado, isso fetichiza
a forma de se analisar os problemas sociais, por outro, fetichiza a forma como
a pesquisa científica se desenvolve. Em ambos os casos, temos um claro su-
cateamento e extinção de pesquisas consideradas inúteis e arbitrariamente
apontadas pelo meio social, ou seja, pelas necessidades de mercado. Antecipa-
damente, já promove uma fixação no realismo e impede a tensão entre pensa-
mento e realidade, já que tal procedimento científico deve estar afim com o
projeto de vida do estudante.
O segundo eixo se trata dos Processos Criativos, cuja finalidade é o apro-
fundamento nos conhecimentos sobre a arte, mídias, cultura e ciências apli-
cadas. Com relação ao foco pedagógico, os alunos
participam da realização de projetos criativos, por meio da utilização e
integração de diferentes linguagens, manifestações sensoriais, vivência
artísticas, culturais, midiáticas e científicas aplicadas. O processo pres-
supõe a identificação e o aprofundamento de um tema ou problema,
que orientará a posterior elaboração, apresentação e difusão de
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
106 • Para além do território demarcado

uma ação, produto, protótipo, modelo ou solução criativa, tais como


obras e espetáculos artísticos e culturais, campanhas e peças de comu-
nicação, programas, aplicativos, jogos, robôs, circuitos, entre outros
produtos analógicos e digitais (BRASIL, 2019, p. 7).

Para este eixo, a proposta consiste em simplificar o sentido da Arte e torná-


lo análogo à indústria cultural. Primeiro, porque arrefece o potencial negativo
da Arte, ao promover uma conciliação entre mídia, arte e conceitos científicos
aplicados; segundo, porque as sensações não são direcionadas à negação do
já existente ou promoção de lacunas de socialização. O sentido para esses
processos criativos é o de criar produtos, na forma de mercadorias e bens
culturais, em que a arte fica em segundo plano, ou, no mínimo, torna-se um
simulacro malogrado do design sensações.
Dessa forma, o caráter negativo da Arte se torna arrefecido em face ao va-
lor da mercadoria. Não há lugar para instaurar a dúvida, mas para a resolução
de problemas apontados pela realidade, em que se aprende uma forma de su-
perprodução semiótica, para que esses produtos culturais socialmente legiti-
mados tenham um lugar de destaque. A palavra-chave aqui é o espetáculo:
na letra da Lei, encontra-se o cerne para uma forma prototípica de barbárie,
instaurada a partir dos elementos culturais.
O agravante, para os dois primeiros eixos que compõem os itinerários
formativos, encontra-se no terceiro: o eixo de Empreendedorismo. Nesse eixo,
o estudante é orientado a mobilizar os saberes adquiridos, para a realização do
seu projeto de vida. Consiste, portanto, na essência do engodo da formação,
já problematizado anteriormente. Nas palavras do documento,
Neste eixo, os estudantes são estimulados a criar empreendimentos
pessoais ou produtivos articulados com seus projetos de vida, que for-
taleçam a sua atuação como protagonistas da sua própria trajetória.
Para tanto, busca desenvolver autonomia, foco e determinação para
que consigam planejar e conquistar objetivos pessoais ou criar empre-
endimentos voltados à geração de renda via oferta de produtos e servi-
ços, com ou sem uso de tecnologias. O processo pressupõe a identifi-
cação de potenciais, desafios, interesses e aspirações pessoais; a análise
do contexto externo, inclusive em relação ao mundo do trabalho; a
elaboração de um projeto pessoal ou produtivo; a realização de ações-
piloto para testagem e aprimoramento do projeto elaborado; o de-
senvolvimento ou aprimoramento do projeto de vida dos estudantes
(BRASIL, 2019, p. 9).

O eixo de Empreendedorismo organiza-se em torno da já abordada pre-


missa do projeto de vida do aluno como norteador dos processos de ensino-
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 107 •

aprendizagem. Entretanto, a forma desse empreendimento reforça o realismo.


Se a indústria cultural já exerce uma heteronomia e engendra uma predeter-
minação dos desejos e anseios, direcionados ao consumo, o caráter empreen-
dedor torna-se irreconciliável com uma perspectiva de autonomia.
Em um contexto objetivo de transformação do sistema capitalista, que
impõe novas necessidades à formação da classe trabalhadora, fica claro que se
trata de uma preparação para jornadas de trabalho extenuantes e precarizadas.
O sentido de promover sujeitos-empreendedores, é o de velar as contradições
sociais, recobrindo com um véu tecnológico e reforçando a sociabilidade
do capital. Novamente, caso o sujeito falhe nessa perspectiva, não é um
problema do Estado, dos arranjos curriculares ou das ideologias extraescolares
implícitas na educação, mas um problema da organização do projeto de vida
e da mobilização de saberes para a concretização dos projetos.
Dessa forma, empreender torna-se uma terceirização da responsabilidade
do Estado em promover uma educação de qualidade, pois as falhas coletivas
são agora individuais. Passamos de um sujeito destituído de subjetividade,
para um sujeito individualmente onerado pelas mazelas sociais e pelas condi-
ções objetivas da base material que impõem uma desigualdade de oportuni-
dades apriorística.
É factível que a BNCC, por meio dos itinerários formativos, imponha
formas de adaptação dos sujeitos à realidade, sem espaço para o questiona-
mento ou para reaver um caráter negativo para a cultura. O último eixo ana-
lisado, por consequência, sela essa característica. A Mediação e Intervenção
Sociocultural privilegiam
o envolvimento dos estudantes em campos de atuação da vida pública,
por meio do seu engajamento em projetos de mobilização e interven-
ção sociocultural e ambiental que os levem a promover transforma-
ções positivas na comunidade. O processo pressupõe o diagnóstico
da realidade sobre a qual se pretende atuar, incluindo a busca de dados
oficiais e a escuta da comunidade local; a ampliação de conhecimentos
sobre o problema a ser enfrentado; o planejamento, execução e avalia-
ção de uma ação social e/ou ambiental que responda às necessidades
e interesses do contexto; a superação de situações de estranheza, re-
sistência, conflitos interculturais, dentre outros possíveis obstáculos,
com necessários ajustes de rota (BRASIL, 2019, p. 8, grifos nossos).

Os dois pontos elencados nos permitem múltiplas problemáticas. A pri-


meira, amplamente abordada neste escrito, refere-se ao que é ser positivo, em
uma sociedade na qual predomina a destituição da subjetividade e a imanên-
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
108 • Para além do território demarcado

cia ao contexto social, como uma forma de se afirmar perante a sociedade.


Nesse contexto, o itinerário formativo se torna uma maneira de convenci-
mento das massas para a aceitação dos elementos culturais aprovados. A se-
gunda, no que tange às respostas aos interesses do contexto. Há uma inco-
erência com relação à ideia de projeto de vida do estudante e aceitação dos
contextos, em que se tornam situações intercambiáveis e extirpam a esponta-
neidade da qual a educação autêntica necessita.
Como promover uma educação que destitui a estranheza? Em uma socie-
dade em que a prática social se torna fetichizada pelo valor da mercadoria, a
estranheza e a resistência são amplamente necessárias para as lacunas de socia-
lização. O contexto geral já é o de adaptação e convencimento, como notam
Adorno e Horkheimer (1985), em que momentos de emancipação e adapta-
ção são necessários à formação, mas não podem prevalecer um sobre o ou-
tro. Dessa forma, os itinerários incorporam incessantemente os momentos
de adaptação à racionalidade dominadora.
Regredimos ao problema estético. Se a forma é o conteúdo sedimentado
(ADORNO, 2011), a BNCC oculta a sua forma com um véu tecnológico
(MARCUSE, 1973). Os conteúdos do ideal de uma educação para o trabalho
capitalista acabam ocultos por um véu de aceitação e dominação dos sujeitos.
Trata-se de uma educação para o espetáculo e para os clichês como esque-
mas explicativos da sociedade. Difícil cogitar a hipótese de que, em uma soci-
edade não livre e não autônoma, a BNCC pudesse ser concebida de forma
diferente.
Silva (2019) argumenta que a imposição desse mundo objetivo incapacita
o surgimento de um pensamento livre. Nesse sentido, até o ócio torna-se
uma forma de exploração, por intermédio da administração do tempo livre.
Assim, não estamos apenas falando das relações de trabalho, que saem do
locus escolar, mas um estado permanente de produção de conteúdos digitais
para o melhor aproveitamento do tempo.
Novamente, o excesso revela uma profunda falta. Por detrás do excesso
de energia dispendida para produção de uma (semi)formação, por parte dos
professores, e um excesso de trabalho e um reordenamento das formas de con-
sumo de mídia, por parte dos estudantes, os itinerários não conseguirão trans-
cender a sua efemeridade e fixar os conteúdos na memória. A destituição do
tempo e intenso controle do ócio agem como impeditivos para a sedimenta-
ção desses conteúdos na consciência.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 109 •

A contradição entre o estágio em que a tecnologia se encontra, com a hi-


permaturidade das formas de controle, colide novamente com a perspectiva
da formação de sujeitos enfraquecidos e imaturos perante as condições objeti-
vas que reforçam o engodo da formação e impedem uma educação baseada
na autocrítica e autodeterminação.
Os itinerários formativos objetivam desenvolver processos criativos, em-
preendedorismo, mediação e intervenção sociocultural, como elementares
para a formação, mas o conjunto se revela como adaptação ao mundo do tra-
balho, colocando todos os conteúdos intermediados pela tecnologia, com
parte da carga horária podendo ser cursada online, através da modalidade de
Educação à Distância (EaD). Não apenas ignora as razões pelas quais o En-
sino Médio apresenta claros sinais de falência, mas aponta para uma visão
acrítica, tanto sobre o que se considera mundo do trabalho, quanto sobre o
que se considera como formação. Para os formuladores das políticas educa-
cionais atuais, formação é relativo aos marcadores: quanto maior a melhora
quantitativa no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e do
Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA, no inglês), mais pró-
ximo se fica de uma boa formação.
Por conseguinte, o Esclarecimento se mostra totalitário, ao reafirmar so-
mente aquilo que não foge à calculabilidade universal. A premissa para a ela-
boração e aprovação acelerada desse conjunto de medidas vem dos resulta-
dos do IDEB, entre 2011 e 2015, que não demonstraram um crescimento na
qualidade do ensino, relativo ao Ensino Médio, cuja nota manteve-se em 3,7;
abaixo das médias esperadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP), na média entre instituições públicas e
privadas. Em comparação com as instituições privadas, a diferença, à luz da
época, era de mais de 2 pontos, dando a ideia de que a educação privada seja
um modelo a seguir, desconsiderando aspectos socioeconômicos dos sujeitos
que compõem a educação pública.
A reforma educacional mostra claramente que não vem para resolver os
problemas apontados como responsáveis pela falência do Ensino Médio, ao
contrário, ela enfraquece e prejudica o processo formativo. O ponto crítico
desses instrumentos normativos é promover uma adaptação da formação às
necessidades do mercado, evitando alternativas que possam entrar em choque
com as proposições.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
110 • Para além do território demarcado

Para Adorno (2010), a formação é constituída de momentos de adaptação


e emancipação; o problema é quando um dos momentos se torna preponde-
rante sobre os demais. A pura adaptação se converte em modelagem de pes-
soas com a consciência fixada na realidade; a pura tentativa de emancipação
se torna no seu oposto, transforma-se em idealismo, sem tensão entre pen-
samento e realidade. Há um reforço da perspectiva de gestão e controle de
alunos e profissionais da educação, reproduzidos acriticamente a partir do dis-
curso dos intelectuais da Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), manifestado através do PISA, que coloca o professor
como um gerente dos processos de ensino e aprendizagem, ameaçando a au-
tonomia e espontaneidade da qual necessita a formação.
Os ajustes necessários à manutenção da sociabilidade do capital e como
modo de reestruturação das forças produtivas visam colocar na educação e
nos processos educacionais, a responsabilidade por preparar o sujeito para esse
mundo do trabalho, sem preocupar-se com a desbarbarização ou emancipação.
Alijada de seu sentido central, a educação seria uma força motriz para o modo
de produção, meramente reproduzindo a heteronomia e coerção do sistema
capitalista e sem a intenção de mudar a realidade.
Por conseguinte, voltando-se para a mimese da racionalidade irracional
(ADORNO, 1986), as práticas sociais propostas pela BNCC não são sequer
novas, mas releituras das práticas já desgastadas pelas impossibilidades de
sustentação do capitalismo (LIMA, 2019).
Nas condições atuais, relega-se para a educação pública a necessidade de
acompanhar as mudanças no modo de produção, que, segundo Lima (2019),
é caracterizado pela acumulação flexível, com a necessidade de um trabalho
polivalente, multifuncional, mas, ao mesmo tempo, gera informalidade, em-
pregos temporários, subcontratos, e jornadas de trabalho extenuantes. Esse é
o exagero de realismo, sem a necessária tensão entre pensamento e realidade
(ADORNO, 2010), que se projeta para a educação do trabalhador, sem que
estes sujeitos desenvolvam resistência egoica, mas habilidades e competências
para aceitação e consentimento da exploração, pois “é sempre válido lembrar
que estas formas de educação camuflam, escamoteiam e não pretendem rom-
per com a lógica imposta pelo capital, contribuindo assim para a reprodução
desta forma de sociabilidade desumanizada” (LIMA, 2019, p. 46).
Adorno (1995), na conferência “Educação – Para quê?”, alerta para os pe-
rigos advindos da perda da finalidade em si da educação, do aumento da ne-
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 111 •

cessidade de definir os objetivos educacionais do mundo exterior em função


de suas constantes mudanças. Para tanto, faz alusão à anedota infantil da cen-
topeia, que se sente incapaz de realizar qualquer movimento, quando é inter-
rogada e instigada a pensar sobre a sua atividade. Situação análoga à da huma-
nidade atualmente, que se deixa envolver pela inércia, proveniente do movi-
mento frenético da sociedade. Não obstante, na mesma conferência, Adorno
(1995) argumenta que a finalidade principal da educação é desbarbarizar os
sujeitos, algo completamente ignorado em uma educação alijada do compro-
misso com a Emancipação. A busca por esta pressupõe, conforme Adorno e
Horkheimer (1985), a necessidade de a reflexão acolher o elemento regressivo
do pensamento, a fim de resistir à paralisia do esclarecimento. Com intuito
de contribuir nesse sentido, escrevemos essas reflexões.

Referências

ADORNO, T. W. Capitalismo tardio ou sociedade industrial. In: COHN,


G. (Org.) Theodor W. Adorno. São Paulo: Ática, 1986.
ADORNO, T. W. Educação – para quê. In: ADORNO, T. W. Educação e
emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
ADORNO, T. W. Teoria da Semiformação. In: PUCCI, B.; ZUIN, A. A.
S.; LASTORIA, L. A. C. N. (Orgs.). Teoria crítica e inconformismo: novas
perspectivas de pesquisa. Campinas: Autores Associados, 2010.
ADORNO, T. W. Teoria Estética. Lisboa: Edições 70, 2011.
ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento: frag-
mentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1985.
BRASIL. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional. [1996] Disponível em <http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 24 fev. 2021.
BRASIL. Lei nº 13.415, de 13 de fevereiro de 2017. Altera as Leis nos 9.394, de 20
de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,
e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais
da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
112 • Para além do território demarcado

Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e o Decreto-Lei no 236, de 28


de fevereiro de 1967; revoga a Lei no 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a
Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo
Integral. 2017a. Disponível em: <http://twixar.me/pqVm>. Acesso em: 22
fev. 2021.
BRASIL. Resolução nº 3, de 21 de novembro de 2018. Atualiza as Diretrizes
Curriculares Nacionais do Ensino Médio. 2018b. Disponível em <http://
twixar.me/tqVm>. Acesso em: 20 fev. 2021.
BRASIL. Referenciais Curriculares Para A Elaboração De Itinerários Forma-
tivos. 2019. Disponível em <http://novoensinomedio.mec.gov.br/resources/
downloads/pdf/DCEIF.pdf >. Acesso em: 24 fev. 2021.
DUARTE, R. Esquematismo e semiformação. In: Educação & Sociedade,
Campinas, v. 24, n. 83, p. 441-4557, Ago 2003. Disponível em <http://twixar.
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ENGODO. In: Aulete Digital. Disponível em <https://www.aulete.com.br/
engodo>. Acesso em: 24 fev. 2021.
LIMA, A. M. I Educação, ideologia e reprodução social: notas críticas sobre
os fundamentos sociais da Base Nacional Comum Curricular – BNCC. In:
UCHOA, A. M. C.; SENA, I. P. F. S. (Orgs.). Diálogos críticos: BNCC,
educação, crise e luta de classes em pauta. Porto Alegre: Editora Fi, 2019.
MARCUSE, H. A ideologia da sociedade industrial. Rio de Janeiro: Zahar
Ed., 1973.
SILVA, M. R. Impertinências entre trabalho, formação docente e o referencial
de competências. In: Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 13, n. 25, p. 123-135,
jan./mai. 2019.
7. Formação de professores: seremos
espectadores do desastre?

Adriane dos Santos Silva Soltau | Gisele da Silva Rezende da Rosa |


Marcia da Costa dos Santos

Introdução

a contemporaneidade, as exigências quanto ao método para

N atingir determinado objetivo, tornam-se axiomáticas independente


do que se pretende alcançar no processo de aprendizagem: recur-
sos tecnológicos. E, pode ser que alguns objetivos quando submetidos a uma
análise, acabam por sucumbir a uma ou outra habilidade em potencial no
aprendiz. Assim, ao inserir a tecnologia virtual, pode o educador estar dina-
mizando suas aulas, diminuindo o distanciamento cognitivo em relação aos
demais, suas formas e tempos de aprendizagem, como também pode impedi-
lo de outras habilidades.
Até que ponto, é possível agregar os encaminhamentos contidos na BNC
de professores, com a visão de educação integral conforme o Art. 2º de 2019,
que diz:
A formação docente pressupõe o desenvolvimento, pelo licenciando,
das competências gerais previstas na BNCC-Educação Básica, bem
como das aprendizagens essenciais a serem garantidas aos estudantes,
quanto aos aspectos intelectual, físico, cultural, social e emocional de
sua formação, tendo como perspectiva o desenvolvimento pleno das
pessoas, visando à Educação Integral. (BRASIL, 2019, ART. 2º).

Pois, ao que se refere o documento quanto ao desenvolvimento físico,


motor e emocional, de alguma forma pode estar distanciando habilidades
como coordenação motora fina e ampla, experiências visuais, estéticas e con-
vívio social, na medida em que, o espaço escolar vem sofrendo com práticas
facilitadoras do conhecimento. É notório que as tecnologias contribuem com
o desenvolvimento do aluno, mas quando aplicada em sala de aula tem que
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
114 • Para além do território demarcado

ser planejada de forma clara com objetivos bem definidos visando contribuir
para o desenvolvimento global do aluno.
Segundo Tardif (2002), o saber docente não pode ser separado de outras di-
mensões de ensino, mas, pode estar vinculado ao norteamento com o contexto
no qual está inserido. Ciente das peculiaridades que envolvem tanto experiên-
cias significativas ao processo de aprendizagem, como as narrativas contidas
na identidade profissional, cabe ao então professor, a sensibilidade para com
quem aprende e da assimilação consciente de conhecimentos e habilidades.
Para Libâneo (1994), o estudo da didática não pode ser tratado como
restrito ao espaço escolar, razão pela qual a intencionalidade requer o domínio
de métodos e procedimentos. Assim, tanto o que se pretende oportunizar ao
aluno contido na BNCC, precisa estar condizente com a especialização do
professor dentro da BNC.
Desta forma, esse estudo busca enfatizar a importância da formação con-
tinuada ao professor, na contemporaneidade, tendo em vista o cenário mun-
dial atual e o quais as contribuições dessa formação para o desenvolvimento
das competências leitoras indispensáveis para cumprir “o conjunto orgânico e
progressivo das aprendizagens essenciais” (BNCC, 2017).
A metodologia quanto a abordagem é qualitativa; em relação aos objetivos
pesquisa explicativa; em relação aos procedimentos pesquisa documental
que se justifica por meio de leituras de artigos que abordam a formação dos
professores e a BNC que dita as diretrizes a serem seguidas para uma formação
de qualidade e também para a formação continuada em um contexto de
emergência.

Onde estão os professores neste cenário?

Para Tardif (2007), é importante compreender quem é este profissional,


que ocupa na escola, uma posição fundamental em relação ao conjunto de
agentes escolares, os principais atores e mediadores da cultura. E, em meio a
um contexto reduzido aos limites do espaço escolar com a vulnerabilidade do
entendimento social, partilha experimentações individuais coletivamente no
grupo escolar.
O profissional que educa, Libâneo (1994) compreende que sua didática
influencia valores, crenças e modos de agir, para além do espaço escolar. Pois,
de acordo com o art. 5 da BNC, tem como princípios norteadores:
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 115 •

I – Respeito aos fundamentos e objetivos da Constituição Federal (ar-


tigos 1º e 3º) em sua atuação profissional, honrando os princípios de
soberania nacional, cidadania e dignidade da pessoa humana, os valo-
res sociais do trabalho e da livre iniciativa, além do pluralismo político,
de forma a contribuir para a construção de uma sociedade livre, justa
e solidária, que garanta o desenvolvimento nacional, a erradicação da
pobreza e da marginalização, reduzindo desigualdades sociais e regi-
onais, para promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

No que tange ao entendimento que se tem fora dos portões da escola, a


função docente, parece ser plural (TARDIF, 2012), mas, em certas circuns-
tâncias chocam com uma “dura realidade”, de ceticismo da competência do
educador em relação a outros conhecimentos, e rejeição para com temáticas
no âmbito social sobre política e cultura.
O Brasil vive um impasse político que não parece ter fim, as consequências
deste entrave, espelha na educação e no modo como deverá ser conduzida. Já o
aspecto cultural, compreende a datas comemorativas, temas polêmicos (tabus)
inclusive sobre políticas públicas e dogmas. E, é com estas delimitações, que
os professores diariamente lidam com desenvolvimento social previamente
estabelecido, com uma percepção da realidade, deformada.
Com o agravante de uma crise sanitária mundial, onde o distanciamento
se fez necessário, o professor comprometido com a educação, porém, inseguro
em sua profissão e prática, em meio a esse cenário hostil de fazeres e falas
contraditórias e extremistas, não só na educação como na política, nas crenças
religiosas, na vivência em sociedade e dentro do próprio convívio familiar,
percebe-se em um cenário educacional nunca trilhado. Um panorama atípico
e um cenário educacional não tão atípico assim, pois é conhecimento de
todos a precariedade do sistema educacional, bem como o amparo a formação
continuada referente ao uso das novas tecnologias da educação não acontece
em sua totalidade, mesmo que regulamentada em lei.
Todos esses fatores somados à necessidade do distanciamento social desa-
fiou o educador a desbravar solitariamente, as possibilidades digitais de modo
a tornar possível inseri-la na rotina educacional de seus alunos de maneira rá-
pida e eficaz. Paralelamente a isso, o educador, na maioria das vezes, munido
de ferramentas próprias, de uso pessoal tendo ao seu alcance as ferramentas tec-
nológicas para auxiliá-lo na metodologia do ensino que se tornou à distância.
Porém, o desconhecimento tecnológico por parte dos professores para edição
e publicação de atividades é um desafio a ser superado. A busca por apropria-
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
116 • Para além do território demarcado

ção desse conhecimento tecnológico se faz necessário para suprir o objetivo


de produzir uma aprendizagem adequada observando cada faixa-etária, consi-
derando a realidade das famílias a serem atingidas, deve ser uma constante.
A preocupação hoje é continuar a desenvolver o ensino de forma remota e
que esse possibilite a aprendizagem do educando de forma prazerosa e facilite
o desenvolvimento da competência leitora em seus alunos.
Discutisse a formação do sujeito de forma integral, com foco no desenvol-
vimento de competências onde busca-se utilizar os conhecimentos historica-
mente construídos nos aspectos físico, social, cultural e digital para acudir e
explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de
uma sociedade justa, democrática e inclusiva. (BNCC).
Visto que, as tecnologias fazem parte do cotidiano vivenciado pelo aluno
e, tendo em vista que BNCC é um documento normativo que está previsto
na LDB 1996 e no PNE 2014 e, ambas reforçam o objetivo de desenvolvimento
integral do indivíduo onde o professor deve ter o compromisso de educar
o sujeito na sua integralidade aproximando e adaptando sua prática ao con-
texto onde o aluno está inserido, esse movimento requer uma mudança me-
todológica da prática docente em sala de aula. Buscando se aproximar desse
contexto, o educador precisa rever sua intencionalidade pedagógica no sen-
tido de que haja uma mudança na metodologia em sala de aula.
O professor deve nortear sua prática buscando desenvolver competências
para “compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comu-
nicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas
sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar infor-
mações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo
e autoria na vida pessoal e coletiva”. (BNCC, 2017, p. 9).
É momento de mudanças globais na sociedade, as instituições educacio-
nais não podem ficar de fora.
Tais orientações propostas pela Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), trazem mudanças relevantes para o ambiente escolar e faz com que
a escola e professores possam refletir acerca do uso das tecnologias em sala de
aula e sua contribuição para a oralidade por ser considerada uma ferramenta
usual pelo aluno no seu dia a dia fora do ambiente escolar.
Nesta perspectiva, a BNCC fixa um conjunto de saberes essenciais que
norteiam o educador para que ele possa desenvolver sua prática de forma a
garantir a todos os estudantes brasileiros um ponto de chegada comum a
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 117 •

todos. Ressaltando a importância de se reafirmar a equidade, de modo, que a


aprendizagem seja de fato, garantida a todos os estudantes, considerando suas
especificidades e buscando superar as desigualdades.
Por conseguinte, um professor comprometido em garantir ensino de
qualidade aos seus alunos tem, na BNCC orientações importantes a serem
seguidas que facilitarão sua prática no sentido de nortear seu fazer educacional.
O documento guia os professores para uma educação igualitária independente
de região ou indivíduos.
É inegável que vivemos grandes mudanças, mas um dos pontos mais
desafiadores deste processo, além da própria falta de estrutura tecnológica
nas escolas e a formação deficitária dos professores para trabalhar neste novo
contexto. Os professores não dispõem dos recursos tecnológicos digitais como
ferramentas educacionais, por comodismo ou mesmo por não obter formação
para tal prática.
Em meio a esse panorama de extremos no ambiente escolar, professores
que em um primeiro momento, não estavam capacitados de forma a poder
auxiliar seus alunos e fazer a mediação com os pais, se desdobraram em sala
de aula, ensino híbrido. Recorrendo a recursos tecnológicos próprios e por
muitas vezes precários como televisão, notebook e celulares onde, em cená-
rios adaptados, produzem trabalhos, acompanham famílias e orientam pais
mediando o ensino de forma compartilhada com as famílias. Famílias estas
que, em sua grande maioria, não dispõem de ferramentas tecnológicas para
tal e muito menos tem formação ou conhecimento no campo educacional
e tecnológico, dificultando o entendimento entre família e escola. Simulta-
neamente a esse movimento, educadores trilham um caminho solitário em
busca de conhecimento tecnológico, pesquisa ação para que o ensino possa
acontecer e contribuir na aprendizagem do seu aluno.
Após um ano de pandemia, as instituições escolares ainda têm muito a
desenvolver no sentido tecnológico e na capacitação de profissionais para atuar
remotamente. Falta capacitação para que os profissionais da educação possam
trabalhar de forma a garantir o que está previsto em lei. No momento o MEC
tem à disposição cursos de capacitação de forma “online” para contribuir na
formação do professor, mas muitos professores não conseguem acessar todo
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
118 • Para além do território demarcado

esse conhecimento justamente por não ter as ferramentas necessárias para


adentrar as formações e muitas vezes nem ficam sabendo que essa formação
está disponível de forma gratuita. Falta comunicação entre as instituições
escolares e o MEC e muitas vezes falta vontade do professorado para buscar
esse conhecimento.

Em busca de inovações

Na contemporaneidade, em meio a um período atípico e pandêmico,


onde a inviabilidade em relação às atividades presenciais, fez com que surgisse
a necessidade de uma maior interatividade na comunidade em geral, no meio
educacional não está sendo diferente. Os “tablets”, notebooks, “smartphones”
estão inseridos no dia a dia dos educandos e potencializando a interação. O
acesso à “internet” viabiliza a disseminação de uma enorme quantidade de
informação em tempo real. O ambiente educacional está sendo invadido por
compartilhamentos de vídeos, salas de conversação, correios eletrônicos, men-
sagens instantâneas em redes sociais que possibilitam a troca de informações
e opiniões de maneira virtual em tempo real. No entanto, a simples existência
de inúmeras ferramentas tecnológicas no ambiente educacional não é sinô-
nimo de uma educação de qualidade, pois se sabe que, além da falta de estru-
tura tecnológica nas escolas os professores também não acompanharam esse
novo cenário transformador na educação.
Ao longo dos anos, as inovações tecnológicas vêm contribuindo com o
fazer educacional de diversas formas. É notório que a “internet” contribuiu
de maneira significativa para a comunicação, abrindo um universo de possibi-
lidades interativas que, se direcionados, podem favorecer ainda mais o pro-
cesso de ensino, facilitando a conscientização linguística. É compromisso do
educador transformar todo esse universo de possibilidades digitais em apren-
dizagem oportunizando aos alunos uma prática educacional mais próxima
da realidade vivenciada fora da sala de aula tornando-a mais atrativa ao passo
que possibilita o desenvolvimento integral dos alunos.
A escola foi por muito tempo um lugar de abordagem tradicional, de
lousa e quadro branco, onde o professor era o detentor do saber que é transfe-
rido para o aluno em forma de uma educação “bancária”. A aprendizagem
receptiva automática por meio de memorização que pouco contribuem para
o desenvolvimento das habilidades do aluno. Essa visão e prática conserva-
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 119 •

dora deve ser deixada para trás. A educação no século XXI precisa romper
com padrões tradicionalistas e se abrir, buscando e se apropriando dessas no-
vas possibilidades educacionais sem deixar de cumprir sua função que é o de
formação de cidadãos críticos, com valores sólidos e conscientes de seu papel
na sociedade.
Conforme MORAN (2000, p. 29): “A aquisição da informação, dos da-
dos, dependerá cada vez menos do professor. As tecnologias podem trazer,
hoje, dados, imagens, resumos de forma rápida e atraente. O papel do profes-
sor – o papel principal – é ajudar o aluno a interpretar esses dados, a relacioná-
los, a contextualizá-los.”
Neste sentido, professores acostumados a um constante aperfeiçoamento,
com formação continuada, se sentem pressionados em função da demanda
atual a buscar conhecimento também na área tecnológica. Mas para que
essa relação entre os professores e as tecnologias digitais aconteça de fato,
precisamos ter clareza de que não cabe somente aos professores acompanhar
esse movimento capacitando-se para o uso das tecnologias na educação. As
escolas são parte fundamental para a exequibilidade deste processo, devem
estar aptas ao uso das tecnologias, portando estruturas tecnológicas eficientes
e recursos digitais capazes de dar suporte ao uso dos professores e alunos.
Segundo MORAN (2000, p.53), "a internet é uma mídia que facilita a
motivação dos alunos, pela novidade e pelas possibilidades inesgotáveis de
pesquisa que oferece”.
O cenário educacional deficitário em estruturas tecnológicas pré-
pandemia já denunciava escassez de recursos didáticos básicos, como quadro
adequado, impressora a disposição, entre outros. A alta demanda, dos dias
atuais, só veio reforçar essa lacuna existente na educação. A realidade da sala
de aula nos faz refletir que para além dos muros das escolas temos alunos, com
seus inseparáveis “smartphones” com os quais os professores disputam aten-
ção, e para esse perfil atual de aluno uma sala de aula monótona e de poucos
recursos se torna um ambiente maçante e pouco atrativo.
Segundo Nóvoa, parte-se de um diagnóstico crítico do campo da forma-
ção de professores não para desmantelar, mas para nele buscar as forças de
transformação. Estamos perante um momento crucial da história dos profes-
sores e da escola pública. Precisamos repensar, com coragem e ousadia, as nos-
sas instituições e as nossas práticas. [...] A formação de professores é um pro-
blema político e não apenas técnico. (NÓVOA, 2017, p. 1111) É um momento
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
120 • Para além do território demarcado

de transformações profundas na educação e para acompanhar a metamorfose


educacional se faz necessário que o professor busque na formação continu-
ada, metodologias e estratégias que o habilitem para atuar com competência.
Neste sentido, as novas diretrizes curriculares para a formação continuada de
professores da Educação Básica.
Na educação básica o espaço escolar não é homogêneo e os alunos apre-
sentam diferentes estágios de conhecimento e conhecimentos linguísticos, ne-
cessários para uma boa leitura e escrita, mais precisamente, o aluno não tem
ainda as habilidades desenvolvidas para alcançar uma leitura eficiente. Uma
das competências linguísticas para a aquisição da leitura é o desenvolvimento
da oralidade que se desenvolve através de interação social e com a mediação
do professor facilitando a aprendizagem da leitura.
Percebe-se que essa busca desenfreada por “novidades” não é coisa de mo-
mento, no entanto, devido à pandemia tornaram-se evidentes tais necessida-
des. Não devemos culpar a pandemia, sabendo que essas necessidades já exis-
tiam e naturalmente fazem parte de uma constante evolução na transforma-
ção do processo de ensino. [...] Schulman sugere a analogia: os professores
precisam dominar o conhecimento curricular para poder ensinar aos seus alu-
nos, da mesma forma que um médico precisa conhecer os remédios disponí-
veis para poder receitar. (ALMEIDA e BIAJONE, 2007, p.288)
Buscar o desenvolvimento profissional é uma constante dos professores,
os professores se desdobram em cursos ofertados pela rede e cursos disponibi-
lizados, sejam eles gratuitos ou pagos, pela “internet” ou presenciais. O profis-
sional docente busca o que está ao seu alcance, nas competências linguísticas,
competências essas que são necessárias para que o aluno leia de forma fluente,
o professor precisa ter conhecimento sobre as propriedades do sistema de es-
crita, também precisa entender o sistema de escrita do português, com esses
conhecimentos essenciais o professor terá mais eficácia no ensino a qual está
habilitado.
No contexto mundial vem crescendo um movimento em busca de dimi-
nuir as lacunas na aprendizagem do aluno que por algum motivo não se al-
fabetiza. Pesquisas revelam que, precocemente, uma instrução sistemática
em aspectos fonológicos da língua em sala de aula melhora as habilidades
de leitura dos alunos. (POLLO 2021 apud BOS, MATHER, DICKSON,
PODHAJSKI & CHARD, 2001).
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 121 •

Apesar de importantes para a aprendizagem da leitura e escrita (POLLO,


2021, P. 98) apud LEHTONEN E TREMAN, 2007), concluíram que adul-
tos, incluindo professores, possuem lacunas nas habilidades fonêmicas. Pro-
fessores têm pouco conhecimento sobre os sons da fala e encontram dificul-
dades de ensiná-las aos educandos.

A função da BNC para formação de professores

A função da BNC para a Formação de Professores é dar diretrizes que os


professores possam ter um farol que ilumina o seu caminho. Nesse sentido é
necessário que o professor leia atentamente as pistas que o levam para uma
melhor qualidade de ensino. Para exemplificar, temos no Brasil várias leis que
ao decorrer da história da educação foram sendo criadas com objetivos de
cada época exigida e, que o ensino se concretizasse de forma efetiva aos nossos
estudantes.
Considera-se que em um país grande como o nosso, a falta de políticas
públicas adequadas tem causado grandes transtornos, sendo que, o país tem
enfrentado dificuldades para atingir as metas estabelecidas. Considerando
que: O art. 13 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) define as in-
cumbências dos docentes, com destaque para o inciso III, com a incumbên-
cia de zelar pela aprendizagem dos alunos.
Com base no disposto, identifica-se nas pesquisas realizadas que o país
não avança, principalmente na questão da alfabetização. Segundo a Avaliação
Nacional de Alfabetização – ANA nos mostra que muitos alunos não desen-
volveram a capacidade adequada em proficiência em leitura. Sabemos que de
acordo com os resultados da avaliação literária da ANA cerca de 54% dos 2
milhões de alunos que concluíram o terceiro ano do ensino fundamental em
2016 tinham capacidade insuficiente em proficiência na leitura. Ou seja, mais
da metade dos alunos. Sabendo-se que os alunos destas faixas etárias deveriam
estar alfabetizados. Mas o Conselho Nacional de Educação busca soluções
para mudanças efetivas no cenário educacional brasileiro.
Conforme prediz a CNE, o Parecer do Conselho Nacional de Educação
(CNE)/CP nº 22, de 7 de novembro de 2019 esclarece que:
Conforme os vários estudos têm apontado, entre eles o da Organiza-
ção para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que
envolve o levantamento das políticas relativas aos professores da Edu-
cação Básica em 25 países membros, constatou-se que a qualificação
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
122 • Para além do território demarcado

dos professores para a qualidade do ensino ministrado é o fator mais


importante para explicar o desempenho dos estudantes. Daí porque a
formação docente é, dentre os diversos fatores que contribuem para
a melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem escolar, o que
deve ganhar maior atenção das políticas públicas para a área.

Acreditamos que a efetividade da lei que propõe melhorias no ensino su-


perior, pode colaborar de forma eficaz para que o Brasil alavanque na classifi-
cação internacional. Para analisarmos melhor a situação atual, em 2018 tão
complexas da educação superior em todo Brasil, o MEC criou uma lei que
regula a formação de professores.
No entanto, para efetivação das leis, o professor deve buscar desenvolver
competências profissionais que o qualifique no sentido de colocar em prá-
tica as dez competências gerais, como também as aprendizagens previstas na
BNCC, visando não apenas superar a gritante e notória desigualdade educa-
cional, como também possibilitar uma educação de qualidade para a popula-
ção brasileira em sua totalidade.
No cenário atual precisamos avançar na melhoria da qualidade do ensino,
principalmente elevar o número de mestres e doutores atuando para capacitar
e assegurar uma formação inicial de qualidade para os professores alfabetizado-
res. Tendo em vista esse contexto, o que o professorado precisa na atual conjec-
tura é que se cumpra as promessas, é perceptível que o professor sempre está
correndo atrás de curso e capacitações objetivando diminuir as lacunas deixa-
das pelos longos períodos que foram desassistidos por boas políticas públicas
que visem realmente alavancar o Brasil para uma educação de qualidade que
proporcione uma melhora no nível de desenvolvimento intelectual e social de
nossa população tão sofrida. Este cenário inabitual que vivemos, de pandemia
mundial, não é nada animador para o professorado. Ficou explícito que a tec-
nologia nos favorece no sentido de ampliarmos as dinâmicas dos currículos,
mas o professor tem de estar devidamente capacitado para o momento atual.
Estudos foram realizados considerando a proposta de novas normas para
a formação do professor, com o objetivo de melhorar a qualidade do ensino
ofertado aos estudantes e, ao mesmo tempo, em que valoriza o professor. O
professor ao atuar de forma consciente pondo em prática o que aprendeu na
academia e atento ao seu compromisso assumido com a educação, amplia as
possibilidades de auxiliar o seu aluno a desenvolver-se de forma plena.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 123 •

No art. 6º Com base nas Diretrizes Curriculares Nacionais de Formação


Inicial de Professores da Educação Básica, são fundamentos pedagógicos da
formação continuada de docentes da Educação Básica”. Segundo a BNC:
II – Desenvolvimento permanente das competências e habilidades de
compreensão, interpretação e produção de textos de complexidade
crescente, pelo menos em língua portuguesa, tendo como base o do-
mínio da norma culta.

Esse parágrafo deixa de forma clara o que se pretende com o aluno. Esse
conjunto de normas obrigatórias para a Educação Básica que orientam o
planejamento curricular das escolas e dos sistemas de ensino e são discutidas,
concebidas e fixadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) norteiam e
orientam os docentes, mas, sabemos que em um país grande de proporções
continentais como o nosso, nem sempre as leis são garantia na qualidade de
ensino.
As tecnologias estão dispostas a diminuir as lacunas existentes no pro-
cesso de aprendizagem, mas sozinhas não garantem que o ensino seja efetivo,
nesse sentido precisamos de políticas públicas mais eficazes para assegurar a
aprendizagem. Necessitamos sim, de formações continuadas, mas também,
a escola precisa estar equipada com material necessário para que o professor
possa estar atuando o melhor possível e minimizando as desigualdades tecno-
lógicas tão visíveis na esfera educacional.
Então, como assegurar que os alunos que estão em processo de alfabetiza-
ção possam desenvolver a sua capacidade leitora em meio a tudo isso? Visto
que o educando precisa estar em contato com os sistemas formais de ensino e
considerando-se que o aluno tem que estar imerso em um contexto educa-
tivo, como vai estar o ensino pós-pandemia?

A estrutura das competências linguísticas

Os alunos em processo de alfabetização precisam desenvolver a oralidade,


a leitura e a escrita, garantindo que no futuro possam se desenvolver de forma
a garantir os seus direitos e receber uma educação equânime.
Nossa tarefa é descortinar e contribuir com pressupostos para a promo-
ção da aprendizagem da leitura e escrita tendo em vista alguns elementos que
se destacam por sua importante função. O conhecimento do léxico se justifica,
pois, ler é compreender, é extrair sentido da palavra. O conhecimento morfos-
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
124 • Para além do território demarcado

sintático, mesmo valorizando a importância do léxico, este sozinho não asse-


gura que o indivíduo é um falante da língua. A memória de trabalho, que con-
siste num sistema mnésico de capacidade de armazenar informações em um pe-
ríodo curto de tempo. E também a capacidade do sujeito refletir sobre a língua.
À capacidade de identificar os constituintes fonológicos (VIANA, et al, p. 21).
Nesse sentido, considera-se que todo o indivíduo exposto a uma cultura
tem o desenvolvimento da linguagem como processo natural facilitado o
meio cultural, a linguagem escrita é uma aquisição cultural que compreende
o ensino formal. Os alunos que não estiverem meios para desenvolver-se cer-
tamente acarretam para si deficiências que impossibilitam o seu desenvolvi-
mento educacional.

Aproximações e distanciamentos contidos na BNC para as


Competências Linguísticas

No Brasil Pollo apud Lima analisou o conhecimento de fonologia e or-


tografia do português de professores da rede pública de ensino e detectou
que os professores participantes da pesquisa demonstraram conhecimento
abaixo da média sobre o português brasileiro (em torno de 40% de acertos).
Os professores precisam desse conhecimento, e os professores que tiveram
curso prático sobre o construto da língua apresentam maior nível de conheci-
mento sobre o tema avaliado. Nesse sentido, sentimos a necessidade de nos
aprofundar nos documentos nacionais que discorrem sobre a formação de
professores. (POLLO, 2015, p. 100)
O professorado recebe bem a proposta do MEC e se propõe a dar aten-
ção à formação inicial, a formação continuada e a progressão na carreira do
professor. Sendo assim, faz-se necessário uma articulação que envolva políti-
cas públicas de vários setores educacionais. Ainda no final do ano de 2020, o
MEC lança o programa é Tempo de Aprender, ABC, para capacitar milhares
de professores em todo território nacional. De acordo com o Ministério de
Educação – MEC, a formação deve ter uma visão sistemática que inclua a for-
mação inicial, a formação continuada e a progressão na carreira do professor.
Há uma grande demanda de recursos digitais à disposição do ensino,
sendo ofertados materiais diversos, por meio de vídeo aulas e plataformas “on-
line”. Portanto, percebeu-se que está claro para o professor como a dinâmica
do ensino está organizada. Porém, não se tem leis que apoiem ou firme
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 125 •

disposições acerca da valorização profissional no sentido de dar condições do


professor como sujeito atuante e pesquisador, buscar formação continuada
de qualidade, tornando a busca por qualificação mais um desafio para os
docentes.

Considerações finais

A Formação de Professores, pode estar tornando professores mais próxi-


mos de seus alunos, talvez, por conta dos instrumentos metodológicos relaci-
onados, demasiadamente na tecnologia. A Tecnologia da Informação e Co-
municação (TIC) amplamente utilizada pelos nativos digitais, hoje faz parte
da metodologia utilizada no espaço escolar, de modo a garantir maior eficiên-
cia no processo de ensino e aprendizagem em meio a pandemia. No entanto,
há que se pensar, no quanto estas ferramentas valorizam ou potencializam
a aquisição do conhecimento em relação a oralidade e sua contribuição no
desenvolvimento da consciência linguística do aluno.
A BNC = Base Nacional Comum para a Formação Continuada de Pro-
fessores da Educação Básica (BNC-Formação Continuada), tem embasado e
contribuído com elementos para o amadurecimento, de certa forma, da ora-
lidade contida na consciência linguística. De acordo com a lei nº 9.394, de
20 de dezembro de 1996 LDB, que tem por objetivo melhorar a qualidade
do ensino oferecido aos estudantes, é legítimo projetar um melhoramento
sistemático na formação continuada do corpo docente.
Contudo, percebemos, por meio desse estudo sobre a contribuição do
uso de novos estímulos tecnológicos para o desenvolvimento da consciência
linguísticas que, é notório na prática docente, tanto aqueles educadores mais
resistentes ao uso das novas tecnologias, como os que as utilizam em excesso
não tem clareza quanto aos seus benefícios ou prejuízos para oralidade contida
nestes dispositivos.
Pode ser que, na tentativa ou intuito de oportunizar sujeitos mais cultos
e conscientes por meio da tecnologia virtual, podemos também estar distan-
ciando habilidades como coordenação motora fina e ampla, experiências vi-
suais, estéticas e convívio social, na medida em que, o espaço escolar vem so-
frendo com práticas facilitadoras do conhecimento.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
126 • Para além do território demarcado

A busca e promoção da leitura deve ser uma constante, do mesmo que


modo a tecnologia e uma realidade irrevogável. Essa facilitação tecnologia
transformada em aliada no ambiente educacional, certamente contribuirá
na formação de indivíduos mais informados, cultos, críticos e conscientes
gerando um possível antídoto contra a barbárie.

Referências

Agência Nacional de Águas (ANA), HIDROWEB, www.ana.gov.br, aces-


sado em outubro de 2010. ACHIAMÉ, Fernando et alii (org.). Disponível
em: <http://twixar.me/RqVm>. Acesso em: 04 de fevereiro de 2021.
ALMEIDA, P. C. A e BIAJONE, Jefferson. 2007. Saberes docentes e formação
inicial de professores: implicações e desafios para as propostas de formação.
Petrópolis: Vozes, 2002.
BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 13.415, 16 de fevereiro de 2017. Base
Comum Curricular Nacional. Brasília, 2017.
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara
de Educação Básica. Resolução CEB/CNE n.º 5, de 17 de dezembro de 2009. Fixa
as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Disponível em:
<http://twixar.me/BqVm>. Acesso em: 20 de março de 2021.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
BRASIL. Parecer CNE/CP 22/2019 – Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Formação de Professores da Educação Básica e Base Nacional Comum
para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica (BNC-Formação).
Brasília: MEC, 2019.
LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.
POLLO, C.Tatiana. Conhecimento da Língua: Fonologia e Ortografia do
Português do Brasil. Brasília – Alfabetização Baseada na Ciência-ABC/MEC.
Disponível em: <https://avamec.mec.gov.br>. Acesso em 15 de março de 2021.
MORAN, José Manuel et al. Novas tecnologias e mediação pedagógica. 6. ed.
Campinas: Papirus, 2000.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 127 •

NÓVOA, A. Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente.


Cadernos de pesquisa. A formação de professores é um problema político e
não apenas técnico. n. 166 p. 1106-1133 out./dez. 2017.
SHULMAN, L. S. Those who understand: knowledge growth in teaching.
Educational, v. 15, n. 2, p. 4-14, 1986.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes,
2002.
VIANA, Fernanda Leopoldina. RIBEIRO, Iolanda. BAPTISTA, Adriana.
Ler para ser: os caminhos antes, durante e.... depois de aprender a ler. Coim-
bra: Edições Almedina, 2014.
8. Entraves e possibilidades na atuação
docente em tempos de pandemia: a
questão da educação escolarizada

Marta Regina Furlan de Oliveira | Natasha Yukari Schiavinato Nakata |


Flávia Regina Schimanski dos Santos

Introdução

mundo agora assiste incessantemente o desenrolar de um colapso

O geral que cresce inexoravelmente. Os meios de comunicação já não


falam sobre outra coisa. A grandeza e a velocidade com níveis as-
tronômicos das redes sociais socializam as notícias. As especulações começam
e, com elas, o fenômeno contemporâneo das Fake News. O terror se espalha
facilmente, e o desespero começa a mostrar a sua face. Há quem não acredite
na proporção desastrosa do novo Coronavírus e nos impactos que esse vilão
invisível pode causar no mundo, mas, desde que a Organização Mundial da
Saúde – OMS, deflagrou a pandemia da COVID-19 a transformação social
virou uma realidade em todas as instâncias da sociedade.
Tal conjuntura nos instiga a pensar sobre o século XXI e suas questões
problemáticas de ordens social, educacional e formativa. Tal situação afetou
o cenário mundial em diversos âmbitos, trazendo consequências econômicas,
políticas, sociais e, também, ao campo educacional.
O isolamento social se tornou uma arma para a minimização do contágio
do vírus entre as pessoas. Ficamos impossibilitados de realizar atividades
familiares, de trabalho, lazer, esporte e estudo fora de casa, sendo obrigados a
aprender um novo formato de vida e de convivência. Com isso, as dinâmicas
de trabalho tiveram de ser repensadas, obrigando empresas e instituições a
criarem alternativas remotas para a continuidade. No campo da educação, o
cenário não foi diferente.
No Brasil, as escolas e demais instituições de ensino aplicaram a suspensão
das aulas presenciais e assim, iniciou-se a árdua jornada para estabelecer uma
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
130 • Para além do território demarcado

forma de seguir com o processo de ensino e aprendizagem, tentando ao menos,


minimizar as perdas formativas e buscando uma adaptação à nova realidade –
o uso do recurso tecnológico. Este, no passado, foi visto como preocupante e
até adestrador da vida e das relações humanas, mas nesse contexto tornou-se
a solução mais viável para o momento.
Diante desse contexto, a formação cultural que já se encontrava danificada
pelo sistema capitalista tardio, baseada na lógica perversa da semiformação, fez
uso de artifícios que facilitam ainda mais a instrução e a estandardização do
conhecimento. A tecnologia que, inicialmente, em seu surgimento, objetivou
facilitar a vida do ser humano, agora ultrapassa seus limites no ambiente
escolar, ocupando o lugar e a ilusória “autoridade” do professor na sala de
aula, assumindo a centralidade da bagagem formativa dos indivíduos.
Refletindo sobre isso, a problemática que guiará esta pesquisa será: quais
alternativas temos vivido e experimentado em nossas realidades como educa-
dores em tempos de pandemia? A partir desse questionamento central, elabo-
ramos o objetivo principal: analisar os limites e as possibilidades da atuação
docente em tempos de ensino remoto durante a pandemia da COVID-19. Es-
pecificamente, pretendemos compreender o conceito de crise na Educação
atrelado à formação de professores; entender a relação da educação escolar e
da formação com a crise advinda da Covid-19; e, por fim, analisar os limites e
as possibilidades da atuação docente, buscando novos sentidos e horizontes
para a Educação.
Para essa reflexão, optamos por uma metodologia de cunho qualitativo,
com estudo bibliográfico pautado em perspectivas críticas. Além do estudo bi-
bliográfico, analisaremos criticamente as produções científicas do Google Scho-
lar (Google Acadêmico) que tratam sobre a Educação Básica, o Coronavírus
(Covid-19) e as alternativas dos docentes, no sentido de refletir acerca da orga-
nização da escola, das práticas adquiridas pelos professores e da percepção dos
estudantes no contexto de pandemia e, consequentemente, de ensino remoto.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 131 •

A formação de professores atrelada à crise na educação

Sob o pretexto de evitar a transmissão mecânica do conhecimento petrifi-


cado, “[...] a pedagogia moderna passou a conceber o professor como um es-
pecialista da didática, em detrimento dos conteúdos específicos da área de sa-
ber em que atua” (BUENO, 2013, p. 306), privilegiando a inculcação de habili-
dades e transformando as escolas em instituições voltadas para o aprendizado
de práticas educativas, esquecendo-se da teoria. Essa situação não possibilita
que os indivíduos realizem algo significativo, uma vez que suas capacidades
produtivas (criativas) encontram-se destituídas. Assim, a falta de autocrítica
culmina na inaptidão à experiência formativa e na hostilização da formação.
Na concepção de Arendt (2013, p. 247),
A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bas-
tante para assumirmos a responsabilidade por ele e [...] também, onde
decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las
de nosso mundo e abandoná-las aos seus próprios recursos, e tam-
pouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma
coisa nova.

De acordo com a autora, a crise da autoridade está vinculada à crise na


Educação, a qual envolve a recusa da autoridade pelos adultos, o que significa
afirmar que eles “[...] se recusam a assumir a responsabilidade pelo mundo ao
qual trouxeram as crianças” (ARENDT, 2013, p. 240).
Em vista disso, a função da escola, na visão de Arendt, é ensinar a criança o
que é o mundo, instruindo-a na arte de viver e não a tratando como um adulto
em miniatura. Nesse processo, o professor se apresenta não apenas como
responsável pela criança, mas, sobretudo, pelo mundo que ela faz parte. Essa
“[...] responsabilidade pelo mundo assume forma de autoridade” (ARENDT,
2013, p. 239). Porém, “[...] sob condições que usurpam a legitimidade de seu
papel, o educador renuncia à autoridade e, como consequência, a concepção
de educação também perde uma parte substancial de seu sentido” (ROURE,
2007, p. 186-187).
Para Arendt, o conceito de autoridade não está vinculado à questão de
força e/ou de violência, nem tampouco atitudes de coerção. Segundo coloca a
pensadora, se há a necessidade do uso da força, a autoridade já não existe mais.
Esta também não pode ser tomada como mecanismo de persuasão, pois o uso
do argumento pressupõe igualdade e, nessas condições, “[...] a autoridade
é colocada em suspenso”. Em síntese, podemos afirmar que ela se constitui
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
132 • Para além do território demarcado

“[...] tanto em contraposição à coerção pela força como à persuasão através


de argumentos”, podendo ser compreendida como a responsabilidade que o
professor assume ao ensinar a criança (ARENDT, 2013, p. 129).
Em seu livro “Entre o passado e o futuro”, especificamente, no capítulo
“Crise da Educação”, Arendt (2013) afirma que a autoridade do professor está
em crise, devido às várias ideias e teorias pedagógicas oriundas da moderni-
dade que foram colocadas em prática. A autora aponta três fatores que cor-
roboraram essa situação, sendo o primeiro a prática de estimular a criança a
exercer a autoridade, tratando-a como um indivíduo adultizado. Como se-
gundo fator, a substituição do aprendizado teórico pelo prático, compreen-
dido pelo estímulo da “aula diferente”, com pouco conteúdo, dando prima-
zia ao método. Por último, tem-se a mera valorização do lúdico como um fim
em si mesmo, ou seja, “[...] aquilo que, por excelência, deveria preparar a cri-
ança para o mundo dos adultos, o hábito gradualmente adquirido de traba-
lhar e de não brincar, é extinto em favor da autonomia do mundo da criança”
(ARENDT, 2013, p. 233).
Essas implicações apontadas por Arendt vão ao encontro da obra “Para
onde vai a Educação?”, de Jean Piaget, em que o autor pontua alguns proble-
mas da Educação brasileira que persistem até os dias atuais. De acordo com
Piaget (1973), o problema geral da Educação está na formação desqualificada
dos professores, por conta de metodologias arcaicas, corriqueiras e tradici-
onais e do despreparo desses profissionais, o que acaba resultando num fra-
casso escolar, principalmente das classes sociais mais pobres.
Dessa forma, tomando como base o paradigma proposto por Santos
(2006), na tentativa de encontrar possibilidades para uma educação emanci-
pada, acreditamos que seja necessário: romper com a visão dualista existente,
pelo entendimento de que o sujeito biológico é também um ser social; reco-
nhecer que o saber pode ter como perspectiva a totalidade universal e local;
considerar o conhecimento científico como parte intrínseca do nosso modo
de viver, traduzindo-o em um saber prático; por fim, integrar o conhecimento
científico no senso comum. No entanto, para que essas práticas se efetivem,
é imprescindível nos conscientizarmos das nossas concepções e ações, pois,
à medida que temos consciência delas, temos consciência de nossos limites,
dificuldades, possibilidades e, com isso, tomamos consciência de nossas práti-
cas educativas.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 133 •

A educação escolarizada e a formação de professores:


entraves durante a pandemia

A deflagração da pandemia pela Organização Mundial da Saúde – OMS,


foi datada em 11 de março de 2020, declarando assim, o Estado de Emergência
em Saúde Pública em âmbito Internacional (CECCON; SCHNEIDER,
2020). Após o decreto, as dinâmicas sociais do mundo todo sofreram bruscas
transformações que impactaram no convívio social, prioritariamente, pelas
medidas de isolamento social.
No que se refere ao campo da educação no Brasil, as atividades educativas
presenciais entraram em estado de suspensão. O clima era de incerteza sobre
como continuar o processo de ensino e aprendizagem a distância, visto que,
muitos entraves deveriam ser considerados em um país que nem todos os
alunos possuem acesso aos aparatos tecnológicos.
Aproximadamente um mês após a suspensão das aulas, o Conselho Naci-
onal de Educação – CNE, aprovou as diretrizes que orientam as escolas da
educação básica e as instituições de ensino superior durante a pandemia do
coronavírus e em, 29 de maio de 2020 homologou parcialmente o Parecer
CNE/CP nº 5/2020, do Conselho Pleno, o qual “aprovou orientações com
vistas à reorganização do calendário escolar e à possibilidade de cômputo de
atividades não presenciais, para fins de cumprimento da carga horária mínima
anual [...]” (BRASIL, 2020, p. 32).
Nesse contexto surgem questões como “Para onde vai a Educação?” Tal
questionamento sempre esteve na mente do profissional de Educação preo-
cupado com seu trabalho, mas hoje, mais que nunca, ao passarmos por um
momento como o da pandemia da Covid-19, essa indagação tem assombrado
muitos profissionais, estudantes e pais. O problema em questão não está rela-
cionado à “perda” de conteúdo, à reprovação, mas à qualidade da Educação
que está chegando de forma remota. Ao pensar na maneira que a alfabetização
desses estudantes está ocorrendo, a situação torna-se mais emblemática, pois
é um déficit que perdurará por alguns anos. A alfabetização já era um dos de-
safios mais urgentes da história da escolarização brasileira e, nessa conjuntura,
se potencializa a necessidade de superação dos entraves que assolam essa área.
Outro aspecto a ser considerado é a evasão escolar, fenômeno latente em
termos de desafios educacionais no cenário do Brasil, colocando em evidência
a vulnerabilidade social de milhares de estudantes da educação básica. Con-
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
134 • Para além do território demarcado

forme aponta Neri (2015) “Grande parte da evidência empírica mostra que
a evasão escolar e pobreza são intimamente ligadas [...]” tendo em vista que
muitos jovens terão que deixar a escola para ajudar a família a se reconstituir
diante da crise econômica que se potencializa durante a crise sanitária.
O ensino on-line tem suas características e, quando se trata de Educação,
exige do professor e do aluno outras competências e habilidades. Diante do
cenário emergencial de pandemia, coube às instituições escolares assumir esse
novo desafio e buscar fazer do ensino remoto um ensino de qualidade.
Segundo Fava (2014), a Educação em ambientes virtuais de aprendizagem
se desdobra de duas formas: com interação síncrona e assíncrona. A educa-
ção síncrona permite interação entre as pessoas em tempo real, o receptor re-
cebe as informações quase que instantaneamente, via videoconferência. Já a
assíncrona dispensa a participação simultânea das pessoas, o receptor poderá
assistir às aulas e realizar as atividades em momento diverso, sem o professor
“em tempo real”.
Percebe-se o cuidado por parte das instituições de ensino em buscar o
equilíbrio dos dois formatos, pois é necessária essa adaptação, visto que a
carga horária não pode ser a mesma da educação presencial, ou seja, mais de
três horas de aula. Desse modo, costuma-se dividir o tempo entre videoconfe-
rências e atividades para serem realizadas de forma assíncrona.
Outro modelo que está sendo adotado é o ensino híbrido (Blendedlear-
ning) termo decorrido do elearning que se refere a “[...] um sistema de ensino
e aprendizagem onde existem conteúdos ofertados a distância e conteúdos ne-
cessariamente ofertados face to face, daí a origem da designação blended, algo
misto, mesclado, composto, combinado” (FAVA, 2014, p. 36). Contudo, esse
modelo só está sendo realizado em instituições privadas. Mas, a realidade ge-
ral da situação da maioria das instituições educativas – as públicas – seguem
com o ensino totalmente remoto.
De forma ampla, as alternativas propostas podem variar de instituições
públicas para privadas. As instituições de Educação Infantil e Anos Inicias
do Ensino Fundamental, em geral, seguem a forma assíncrona, com auxílio
de recursos interativos e videoaula gravada. As plataformas de sala virtual
são pouco utilizadas, visto que a capacidade de concentração diante de um
computador para os alunos dessa idade é dificultosa. Então, as orientações
pedagógicas são repassadas para a família. Assim, as tarefas impressas são
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 135 •

preparadas pelos professores e retiradas nas escolas pelos pais ou responsáveis,


seguindo o currículo proposto por cada instituição.
Já para os Anos Finais do Ensino Fundamental, para o Ensino Médio
e para o Ensino Superior, as salas virtuais estão sendo mais utilizadas, de
forma que o estudante pode participar da aula de forma síncrona, discutir os
conteúdos e realizar as tarefas on-line, registrando a presença e contabilizando
a nota pela tarefa realizada. Nesse cenário, a autonomia faz parte de uma
dinamização para aprendizagem, pois o estudante necessita relacionar os
temas que partilha realizando uma pesquisa em bases fidedignas.
Potencializar a prática do pensamento crítico dos estudantes é de extrema
importância para que a busca pela superação da alienação social. Essa alienação
impede o sujeito de viver genuinamente e consciente de suas potencialidades,
gerando um empobrecimento da individualidade humana, abarcando tanto o
âmbito profissional como o pessoal. De certa forma, a dificuldade que muitos
estudantes encontram para estudar, constitui um elemento de manutenção da
dominação, principalmente a intelectual. Daí o grande desafio dos educadores,
de aproximar cada vez mais seus estudantes – sejam da educação básica ou do
ensino superior – à possibilidade de construção de um pensamento crítico e
autônomo.

Análise crítica de trabalhos acadêmicos do google scholar

Procedimentos metodológicos

No intuito de compor um conjunto de trabalhos para análise, elegeu-se a


base de dados do Google Scholar (Google Acadêmico), uma ferramenta do
Google que permite pesquisar trabalhos acadêmicos, literatura escolar e arti-
gos variados. Justifica-se essa escolha por se tratar de um repositório autên-
tico, com um acervo variado: teses, artigos, dissertações, resumos científicos e
livros. Há uma opção de pesquisa avançada, a qual permite filtrar os resul-
tados, fazer uso de descritor e, concomitantemente, de operadores boolea-
nos, sendo eles: AND, OR e NOT, que significam, respectivamente, E, OU e
NÃO. Ao utilizar esses descritores e operadores booleanos, a pesquisa é fil-
trada, definindo relações entre os termos da pesquisa e apresentando retorno
somente de textos relacionados ao tema pesquisado.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
136 • Para além do território demarcado

Após a seleção da base de dados Google Acadêmico, considerando como


recorte temporal o período de janeiro a julho de 2020, iniciou-se a definição
das palavras-chave que regeram as buscas. Então, foram analisados os títulos
e, posteriormente, os resumos dos trabalhos.
Os primeiros termos utilizados para busca foram “COVID-19” AND
“Educação Básica” AND “alternativas”, com retorno de 106 trabalhos. Para
afunilar as buscas, utilizaram-se critérios de inclusão: “Educação Infantil”
“Ensino Fundamental”, “Ensino Médio” e “Ensino Superior”. Nessa tentativa,
7 trabalhos foram obtidos. Após a leitura dos resumos, 2 foram selecionados,
ambos relacionados às discussões propostas neste texto.
Dando continuidade às buscas, utilizaram-se as palavras-chave da busca
anterior com os critérios de inclusão “COVID-19” AND “Educação Básica”
AND “alternativas” AND “escolas” AND “Prática docente”. Dessa maneira,
obteve-se um corpus expressivo de 20 trabalhos. Após a leitura de títulos e
resumos das obras relacionadas às discussões deste estudo, foram excluídos
da amostra trabalhos que não abordavam diretamente a questão das alternati-
vas propostas para a Educação Básica com relação à pandemia da Covid-19,
resultando em 4 trabalhos. A busca totalizou-se, assim, em 6 trabalhos – 2
selecionados na primeira busca e 4 selecionados na segunda busca –, sendo 5
artigos e 1 capítulo de livro, cujo conteúdo discutir-se-á na próxima sessão.

Discussão dos resultados

No Quadro 1, apresentamos os 5 (cinco) artigos e o capítulo de livro


(1) selecionados, considerados de grande relevância para esta pesquisa. Na
sequência, discorreremos sobre esses trabalhos.
De acordo com o Parecer nº 5/2020 do Conselho Nacional de Educação
(CNE), os gestores das creches e pré-escolas deveriam buscar uma aproxima-
ção virtual dos professores com as famílias, estreitando vínculos e sugerindo
atividades às crianças e aos responsáveis (BRASIL, 2020). Diante disso, uma
das medidas assumidas pela Secretaria Estadual de Educação do estado do Pa-
raná foi promover aulas na modalidadede ensino remoto, em que estudantes,
professores e todos os envolvidos no processo escolar pudessem ter acesso e,
dessa forma, dar continuidade ao ano letivo pelos aplicativos Aula Paraná e
Google Classroom, ambientes em que as aulas deveriam ser organizadas e trans-
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 137 •

mitidas de modo a atingir o maior número possível de pessoas da comuni-


dade escolar (MARQUES, 2020).
Quadro 1 – Resultados das buscas no Portal Google Acadêmico

Fonte: elaboração dos autores

Vercelli (2020, p. 49) relata que, no “[...] Programa de Mestrado Profissi-


onal [...], as aulas remotas [foram] realizadas com utilização da plataforma
Hangout Meet”, já nas redes de ensino públicas e privadas, Ribeiro e Clímaco
(2020, p. 100) afirmam que as aulas “[...] migraram para programas educati-
vos na televisão”.
Sobre esse aspecto, é importante ressaltar que as aulas presenciais não
podem nem devem ser substituídas pela modalidade EaD, afinal, conforme
Carlini e Tarcia (2010) ressaltam, nessa nova modalidade, os professores e
estudantes ensinam e aprendem mesmo estando em locais distintos, durante
todo o tempo ou em grande parte dele. Nesse âmbito, várias questões precisam
ser consideradas para que essa alternativa seja efetiva para todos os estudantes,
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
138 • Para além do território demarcado

o que se torna um grande desafio, especialmente se levarmos em conta que


muitos alunos não possuem acesso aos recursos tecnológicos exigidos nesse
contexto de isolamento social.
Faustino e Silva e Silva (2020), nesse aspecto, retratam o dilema de requerer
a mesma inserção dos recursos tecnológicos para todos os estudantes em todo
o território brasileiro, visto que a realidade em cada local é bem diferente.
Permanecem nítidas as desigualdades social, cultural e educacional, pois, por
óbvio, os estudantes das escolas públicas não possuem os mesmos recursos dos
pertencentes às escolas privadas, principalmente nos municípios interioranos,
onde a escassez de recursos financeiros e de pessoal é ainda mais severa. Além
dos dilemas atuais, cresce a ansiedade e o receio quanto às questões futuras,
isso porque a sensação de incerteza e de instabilidade a longo prazo cria, aos
poucos, um trauma, o sentimento de medo, aumentando níveis de estresse e
gerando riscos à saúde mental dos estudantes e dos professores.
Além disso, cabe salientar que essa situação evidenciou as fragilidades dos
nossos dirigentes e governantes, visto que estes não possuem a real dimensão
do que é um trabalho nos Ambientes Virtuais de Aprendizagem. Segundo
Szlachta Junior (2020, p.23), “[...] o que percebemos na maioria das vezes fo-
ram meras transmissões ao vivo ou não, que reproduziam a ideia do professor
detentor de conteúdos que poderia transmitir remotamente”. Destacou-se,
ainda, a necessidade de pesquisas, de uma rede de Educação pública de quali-
dade e de cobrarmos as autoridades políticas públicas quanto ao letramento
digital1 .
Quanto à percepção dos estudantes, Vercelli (2020, p. 55 e 56) elencou
alguns limites e algumas dificuldades percebidos por ele nessa modalidade:

1 “Letramento digital diz respeito às práticas sociais de leitura e produção de textos em ambi-

entes digitais, isto é, ao uso de textos em ambientes propiciados pelo computador ou por
dispositivos móveis, tais como celulares e tablets, em plataformas como e-mails, redes sociais
na web, entre outras [...]. Ser letrado digital implica saber se comunicar em diferentes situa-
ções, com propósitos variados, nesses ambientes, para fins pessoais ou profissionais. Uma
situação seria a troca eletrônica de mensagens, via e-mail, SMS, WhatsApp. A busca de in-
formações na internet também implica saber encontrar textos e compreendê-los, o que pres-
supõe selecionar as informações pertinentes e avaliar sua credibilidade” (COSCARELLI e
RIBEIRO, 2014, p. 10).
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 139 •

[...] entender como acessar as plataformas virtuais para dar início às


aulas remotas; localizar onde estava o link da aula ou com qual e-mail
acessar [...]; adaptar-se ao novo estilo de aula e resolver as falhas do
equipamento ou internet intermitente; conseguir computador e ce-
lular com memória suficiente para não travar e adequar os horários
para conciliar as aulas com o aumento da demanda de trabalho vir-
tual; administrar a perda de conexão e auxiliar as pessoas que tinham
mais dificuldades com a tecnologia, pois isso tomava muito tempo,
bem como a distância física das pessoas e o distanciamento no rela-
cionamento interpessoal; dividir a atenção com outros assuntos no
ambiente doméstico, por exemplo, as solicitações do filho e ligações
da empresa que muitas vezes aconteciam no horário das aulas, sempre
com a justificativa de ser urgente.

Ainda sobre a percepção dos estudantes, eles ressaltaram algumas facili-


dades e possibilidades, sendo elas: “[...] ganho de tempo para poderem estu-
dar e realizar outras atividades, garantia da continuidade dos estudos, econo-
mia no transporte e na alimentação” (VERCELLI, 2020, p. 58, grifo nosso).
Ressalta-se, ainda, que há certa dificuldade de manter uma rotina de estudo
no lar, devido a uma sobrecarga de trabalho. Atenta-se para a relevância de
se conversar sobre o que se vive, ofertar tempo e espaço para discussão, para
elaboração, para os afetos e sentimentos do isolamento.
Sobre a percepção dos professores, coloca-se:
[...] falta de capacitação profissional, de equipamentos e estrutura
física adequada, além das dificuldades em concretizar o currículo no
cotidiano fora da escola. A questão das desigualdades sociais e do
acesso das famílias às tecnologias também é obstáculo para o bom
rendimento de práticas virtuais (RIBEIRO e CLÍMACO, 2020, p.
101).

Sobretudo, destaca-se a sobrecarga de trabalho, visto que “Os professo-


res assumem a tarefa de escolarizar à mesa do almoço, letrar crianças junto
às bonecas, [...] ler histórias à meia luz amarela do quarto” (FERREIRA e
BARBOSA, 2020, p. 3). Situações de ensaios, acertos e erros ora demonstram
preocupação em acompanhar prescrições conteudistas, ora reafirmam com-
promissos com vínculos e experiências – entre pais, estudantes e professores.
Além disso, os professores afirmaram que “[...] as instituições escolares,
de modo geral e, em especial, as de E.I. [Educação Infantil], estão incorpo-
rando em seu contexto a utilização cada vez mais frequente de tecnologias,
acreditando serem elas ‘facilitadoras’ do trabalho docente” (RIBEIRO e CLÍ-
MACO, 2020, p. 106, grifo nosso). Se considerarmos a amplitude de visibili-
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
140 • Para além do território demarcado

dade e comunicação, por meio da divulgação e disseminação de leituras, estu-


dos, formação e inovação, podemos afirmar que o uso da tecnologia na Edu-
cação pode potencializar os espaços de formação e são de grande relevância
para a ação docente. No entanto, para que isso ocorra, a tecnologia não deve
ser vista apenas como um objeto ou uma ferramenta auxiliadora/facilitadora
do processo de ensino, mas como um instrumento de intervenção para a cons-
trução de uma sociedade igualitariamente democrática, capaz de produzir
pensamentos críticos e intervir em certos determinantes (PEDROSA, 2020).
Quanto às alternativas, os autores apresentaram algumas sugestões para
essa situação emergencial, destacando algumas habilidades essenciais por parte
do coordenador e dos docentes:
[...] a relevante habilidade comunicativa que precisa ter o coordena-
dor com os docentes, realizando o “feedback” com o seu pessoal, per-
guntando e dirimindo dúvidas e auxiliando em eventuais dificulda-
des na estruturação e planejamento de aulas on-line [...]. A avaliação
pode ser realizada por meio da análise do desenvolvimento dos alunos
a partir das fichas e registros, identificando, no intervalo das aulas: as
dúvidas durante as aulas e no decorrer do processo de realização das
atividades propostas, averiguando os objetivos, as metodologias apli-
cadas e os resultados da aplicação teoria e prática, seja dos alunos, seja
do próprio desenrolar da abordagem dos próprios docentes (FAUS-
TINO e SILVA E SILVA, 2020, p. 60-61).

Por fim, os autores celebram a esperança, a possibilidade e a expectativa


de um depois, na retomada da convivência cotidiana. Essas condições emer-
genciais não versam sobre a efetividade de iniciativas de Educação a Distância
como práticas permanentes. No mais, neste momento, precisa-se levar a sério
o cuidado com a saúde mental dos educadores e dos estudantes. Este período
de pandemia está sendo enfrentado em nome da memória que nos habita e
das convicções sobre a importância do “chão da escola” como lugar de convi-
vência e de pertencimento (FERREIRA e BARBOSA, 2020).
Diante de um cenário desigual entre as classes sociais, a atuação docente
planejada e intencional pode diminuir os efeitos da vulnerabilidade que se
encontra na maioria dos estudantes de instituições públicas brasileiras no
processo de ensino e aprendizagem. Isso não quer dizer, que está na figura
do professor a responsabilidade de resolver todos os entraves que a crise da
pandemia está refletindo no campo da educação. As lutas contra os desmontes
das políticas públicas educacionais tornam-se mais urgentes nessa conjuntura,
cabendo aos governantes o compromisso de assumir tais responsabilidades.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 141 •

Considerações finais

A conjuntura estabelecida pela crise sanitária da pandemia da COVID-


19, gerou inúmeros entraves e desafios para todas as instâncias da sociedade,
além de agravar os problemas existentes. No campo da educação, as tensões
relativas aos processos educativos e a própria preocupação em encontrar alter-
nativas para a continuidade das aulas tomaram conta das pautas escolares e
institucionais. Em decorrência de tais apontamentos, esta pesquisa eviden-
ciou que a formação remota propagada neste contexto de pandemia se encon-
tra em estado de vulnerabilidade, fragilizada e semiformada. No entanto, essa
formação apresenta indícios de possibilidades para se pensar em uma educa-
ção autorreflexiva, emancipada e comprometida com a desbarbárie social.
Sem fechar os olhos para os inúmeros problemas que estão postos no atual
cenário social, houve a intenção de identificar possibilidades de diminuir os
danos formativos. Entretanto, assim como Adorno (2003), compreendemos
que a Educação não é, necessariamente, um fator de emancipação. Ela por si
só não é capaz de contribuir para o processo de emancipação dos sujeitos. É
preciso sujeitos empenhados em torna-la uma possibilidade real de um ensino
emancipatório.
É nesse sentido, que almejamos a possibilidade de amenizar os efeitos da
pandemia no processo de ensino e aprendizagem de estudantes e de professo-
res em formação, assim como graduandos das mais diversas áreas. A literatura
mostrou a preocupação de muitos educadores em diversificar suas estratégias
de ensino, adotando os formatos síncronos, assíncronos, a busca pela aproxi-
mação da família com a escola ainda que virtualmente. Sabemos da imensa
desigualdade social e da disparidade de condições para o acesso à educação
nesse período, a falta de aparelhos tecnológicos para muitos estudantes da
educação básica e de instituições públicas de Ensino Superior.
A grande expectativa real de potencialização de processos educacionais
de qualidade está na ação docente. Uma educação que pretende ser eman-
cipadora e crítica não pode se eximir de sua responsabilidade em promover
uma formação cultural problematizadora, nem mesmo nesse período. O mo-
mento é de resistência, sobretudo, intelectual. De luta por melhores condi-
ções de trabalho docente e de condições básicas de acesso aos aparatos tecno-
lógicos por parte de todos os estudantes.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
142 • Para além do território demarcado

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9. Educação e formação de professores
na sociedade contemporânea

Taila Angélica Aparecida da Silva | Andréia da Cunha Malheiros Santana

A formação docente na perspectiva da Teoria Crítica

m diálogo com a proposta deste livro, este artigo tem como objetivo

E ressaltar alguns aspectos históricos sobre o processo de formação de


professores no Brasil e retomar para os dias atuais os conceitos merca-
dológicos que envolvem a formação inicial e continuada de professores. A me-
todologia está pautada na teoria crítica e o trabalho se configura com uma pes-
quisa bibliográfica, definida por Gil (2002) como sendo “desenvolvida com
base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos
científicos”.
Primeiramente, é importante definirmos o conceito de formação de pro-
fessores. Os estudos sobre a formação de professores são de grande relevân-
cia na atualidade e, vem se ampliando ao longo da trajetória educacional bra-
sileira, considerando que atualmente o tema vem sendo objeto de estudo e
análise de diversos autores. Neste sentido, o termo formação de professores é
suscetível a várias perspectivas de análises.
[...] a formação pode ser entendida como uma função social de trans-
missão dos saberes, de saber- fazer ou de saber- ser que se enche em
benefício do sistema socioeconômico ou da cultura dominante. A
formação pode ser também entendida como um processo de desenvol-
vimento e estruturação da pessoa que se realiza com um duplo efeito
da maturação interna e de possibilidades de aprendizagem, da experi-
ência dos sujeitos. [...] (GARCIA, 1999, p. 19)

A formação de professores pode ser considerada como um elemento fun-


damental para se atingir os objetivos e as metas traçadas para a educação, pois
é o professor que operacionaliza as grandes linhas propostas pelas reformas
educacionais (VIEIRA, 2008). Os estudos sobre a formação de professores
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
146 • Para além do território demarcado

referem-se com frequência aos modelos internacionais, por isso é preciso re-
fletir sobre o cenário nacional, pois tais estudos assumem diferentes nuances
de acordo com o contexto ao qual estão ligados. Freitas (2002, p. 138) ressalta
a constante luta da formação de professores ao longo da história, marcada
pela busca da valorização da profissão docente.
A formação do professor deve ser analisada dentro do contexto social. A
formação do professor é essencial para habilitar os profissionais em relação ao
exercício da prática docente e embasá-los teoricamente, capacitando-os para
exercer a docência de forma crítica. Por isso é necessária uma boa formação
inicial, pois essa é fundamental para que o professor saia da graduação pre-
parado para exercer a prática docente, e seja capaz de ensinar de maneira que
possa colaborar com o processo de aprendizagem de seus alunos.
Entender os aspectos históricos de construção da prática educativa no
Brasil é compreender as possibilidades de identificar os inúmeros momentos
marcantes que permitem uma análise de modelos e práticas educacionais. A
formação docente pode ser vista de diferentes maneiras, pode ser reconstrutora
da sociedade, pode produzir indivíduos críticos, conscientes e que estimulem
o processo de desenvolvimento socioeconômico, mas também pode apenas
adaptar os profissionais a técnicas, sem a necessária análise crítica.
Antes de nos dedicarmos à discussão sobre a formação docente, é necessá-
rio discorrer um pouco sobre o contexto capitalista e a construção da socie-
dade de consumo, segundo a teoria crítica.

A sociedade capitalista e a Teoria Crítica

As discussões da teoria crítica têm base marxista, nesta concepção, o ho-


mem só terá acesso a sua emancipação quando tiver acesso aos bens materi-
ais. A teoria marxista afirma que a sociedade é marcada pelo capitalismo e o
capitalismo é marcado pela mercadoria, e que a única solução frente a essa
sociedade capitalista, é uma luta armada. Entretanto, a teoria crítica supera a
teoria marxista e segue outro viés, ao ressaltar que dentro dessa sociedade a
solução é a resistência do homem.
Horkheimer e Adorno (1995) ressaltam que o capitalismo funciona como
um sistema de moedas de troca, e que “Os homens renovam com seu próprio
trabalho em uma realidade que os escraviza em medida crescente e os ameaça
com todo o tipo de miséria.” (HORKHEIMER; ADORNO, 1995, p. 48). O
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 147 •

mundo é transformado em moeda. As ciências espirituais deixam de avançar,


pois essas não geram lucro, as ciências da natureza passam a ser exploradas a
serviço do capital, e o homem passa a vender a sua mão-de-obra.
A teoria crítica é uma abordagem teórica, que se contrapõe à teoria tradi-
cional, e tem como objetivo unir a teoria e a prática. Toda teoria é formada
por hipóteses, e na tentativa de se definir as hipóteses, é que surgem novas hi-
póteses. Partindo desse pressuposto, Horkheimer e Adorno (1995) dizem que
a Teoria Tradicional se divide em duas: a primeira descreve a realidade, as coi-
sas como elas são (positivismo) e a segunda descreve como as coisas deveriam
ser (idealismo). Na visão tradicional, esse dualismo se faz necessário, pois se o
homem se deixar afetar por suas emoções e ideias, não chegará a lugar algum.
A teoria tradicional tem relação com a prática, seja ela positivista ou idealista.
Tais princípios são dirigidos pela ação e construídos pela razão que os guiará.
A manifestação dos elementos adaptativos e utilitaristas da Indústria
Cultural tem direcionado os pensamentos e comportamentos dos sujeitos
para a profundidade da superficialidade humana, em que toda a relação se
reduz à "coisa". As necessidades de vida humana vão sendo substituídas
pelas supérfluas situações de vida, sendo que essas passam a ser as necessárias
aos olhos de indivíduos iludidos pela mercadoria e maravilhados pela lógica
consumista (HORKHEIMER e ADORNO, 1991).
Nessa sociedade capitalista, cada vez mais focamos a nossa atenção em
coisas banais, o capitalismo, a mercadoria faz isso, e somos reduzidos à técnica.
Temos compulsão pelo padrão, pela repetição, somos padronizados e todos
os indivíduos tendem a reproduzir comportamentos, padrões, ideias que são
impostas, e na tentativa de buscar a resistência, damos ainda mais vida a essa
sociedade. Somos anestesiados por sensações, que nos provocam ainda mais
sensações, e essas causam angústias nos indivíduos e provocam-nos a querer
cada vez mais o que a sociedade do espetáculo impõe.
Debord (2015) chama de sociedade do espetáculo uma sociedade vazia, de
indivíduos com pensamentos e reflexões rasos.
No contexto capitalista/neoliberal, a principal estratégia para a reforma
do Estado é a privatização e/ou a terceirização, ou seja, tudo passa a ser guiado
pelo mercado.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
148 • Para além do território demarcado

Como, para a teoria neoliberal não é o capitalismo que está em crise,


mas o Estado, a estratégia defendida é sua reforma, para diminuir sua
atuação e, assim, superar a crise. O mercado é que deverá superar
as falhas do Estado, portanto, a lógica do mercado deve prevalecer,
inclusive no Estado, para que ele possa ser mais eficiente e produtivo.
(PERONI, 2010, p. 220)

Esse modelo de gestão gerencial busca estabelecer uma cultura organizaci-


onal firmada nos princípios da gestão estratégica e do controle de qualidade,
em que o setor público deve se espelhar no setor privado para garantir maior
qualidade, dando a ideia de que a qualidade dos serviços privados é melhor
que a qualidade do serviço público. Sendo assim, é possível perceber que a
escola pública vem sendo moldada a partir de uma cultura empresarial, que
visa, em última instância, à privatização e à flexibilização da produção, nesta
perspectiva, a qualidade está ligada à satisfação do cliente e a educação está
sendo tratada como uma mercadoria de fato.
Para gerar uma educação de qualidade, é necessário investir em uma boa
formação para os professores, uma formação deficitária resultará em uma
ação docente precária e consequentemente em resultados catastróficos, não
sendo possível formar um aluno crítico.

Mercantilização da formação de professores no Brasil

Ao analisar o processo formativo docente no atual contexto da sociedade


faz-se necessário avaliar todos os fatores presentes dentro da sociedade que
contribuem e influenciam o processo de construção da formação do profes-
sor ao longo da história. O processo de construção da formação do professor
ocorre por meio de teorias curriculares e pedagógicas que refletem a materiali-
zação dos interesses econômicos e políticos de diferentes grupos sociais.
Um aspecto norteador desta formação é a construção da legislação educa-
cional. As políticas e as leis que orientam a política educacional brasileira pas-
saram por constantes mudanças ao longo da história e foram se encaixando aos
princípios de cada novo governo e aquilo que o mesmo julgava ser essencial
para o país, em cada época. Os ideais do governo e seus interesses particulares
ficam explícitos a cada reforma instaurada dentro do país, por isso é possível
afirmar que o sistema educacional brasileiro, ao longo de sua trajetória, vem se
transformando e se adaptando a cada novo governo, de forma que atenda as de-
mandas da sociedade, e siga os planos e ideias pré-estabelecidos pelo governo.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 149 •

As leis que regulamentam a formação do professor vão sendo construídas


ao longo da história, acompanhando os ideais econômicos e políticos de cada
época. As leis que regulamentam a profissão do professor e a sua formação
inicial vão ter mudanças significativas a partir de 1996 com a promulgação da
nova LDB.
A Lei nº 9.394/96 estabelece a formação em um curso superior como
requisito para o exercício da profissão docente, especialmente, o Art. 61 que
ressalta que “A formação de profissionais da educação, de modo a atender os
objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino, e as características de
cada fase do educando”. A partir da promulgação desta LDB, a educação no
Brasil começa a tomar uma nova forma e novos rumos, através da criação de
leis que regulamentam a educação básica e sustentam a importância de uma
formação sólida, atrelada a teoria para respaldar a prática do professor que irá
atuar na educação básica em todos os níveis de ensino.
Na perspectiva da pedagogia histórico- crítica, a formação docente implica
em uma formação para além do senso comum de forma que contribua para a
transformação social. Ao analisar o atual contexto da sociedade, García (1999,
p.8) propõe uma reflexão que define três fatores sobre o processo de formação
de professores, que são eles: “o impacto da sociedade de informação, o impacto
do mundo científico e tecnológico e a internacionalização da economia”. Os
impactos da sociedade contemporânea, o desenvolvimento acelerado, a grande
produção em massa, refletem na educação, consequentemente no processo
de formação dos professores.
Nesta mesma linha, Adorno (1995) afirma que
[...] a própria organização do mundo em que vivemos e a ideologia
dominante – hoje muito pouco parecida com uma determinada visão
de mundo ou teoria –, ou seja, a organização do mundo converteu-se
a si mesma imediatamente em sua própria ideologia. Ela exerce uma
pressão tão imensa sobre as pessoas, que supera toda a educação. (p.
142)

Diante dessa sociedade contemporânea, marcada pelo capitalismo em


todos os níveis, atingindo todos os setores, o espaço escolar é tido como
um espaço para se adquirir conhecimentos científicos e filosóficos. Tanto a
construção do saber no espaço escolar, como a relação do professor com a
sua própria formação são tidas como mercadorias, por isso Martins e Duarte
(2010, p. 20) dizem que
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
150 • Para além do território demarcado

Um modelo, portanto, que se contraponha ao tipo de saber que as-


sume forma “valor” e que é vendido e consumido como qualquer mer-
cadoria. A ser consumido, até mesmo, sob o slogan do “aprender a
aprender”1 , quiçá de quem nunca pode aprender efetivamente, isto
é, que não possibilitou aos indivíduos a conquista da própria auto-
nomia intelectual. E que, igualmente, se contraponha a formação de
indivíduos centrada nos ideais de eficácia e otimização das performan-
ces, voltada para os desempenhos pragmáticos e qualificáveis.

Martins e Duarte (2010) destacam que a formação de professores tem se-


guido uma tendência pragmática, uma formação alienada, voltada para con-
ceitos mercadológicos e para uma prática de reprodução dos conteúdos. Para
refletirmos sobre o papel do professor dentro da sociedade contemporânea, é
necessário levar em consideração os condutores desse processo, isto é, a natu-
reza humana e seu contexto histórico e social, como Marx e Engles (2007, p.
19) vão dizer que o “homem se diferencia dos animais a partir do momento
que começa a produzir seus meios de vida [...] ao produzir seus meios de vida,
produz indiretamente sua própria vida material”, ou seja, por meio das ne-
cessidades que o homem realizou a transformação da matéria, que resultou
no desenvolvimento da atividade chamada trabalho. Duarte (2000) faz uma
reflexão sobre o pensamento de Marx e ressalta que
O trabalho é focalizado enquanto categoria da economia política, isto
é, categoria do pensamento científico e enquanto categoria da reali-
dade econômica objetiva. Marx mostra que, como realidade objetiva,
no capitalismo, o trabalho se caracteriza não por seu conteúdo con-
creto, mas por ser trabalho em geral, trabalho abstrato. Assim, o traba-
lhador também passa a ter seu ser enquanto trabalhador definido não
pelo conteúdo concreto do trabalho que ele venha a realizar, mas pela
capacidade de trabalho em geral. O trabalhador torna-se trabalhador
em geral, trabalhador abstrato. O capitalismo opera, dessa forma, o
esvaziamento dos indivíduos, transformando-os em indivíduos abs-
tratos. (p. 98)

O trabalho é abstrato, um produto da sociedade, é a partir dele que o


homem produz o que é necessário para a produção e a reprodução da vida.
A relação do homem com o trabalho assume formas diferentes ao longo
da história, se modificando de acordo com as necessidades de produção e
acompanhando a sociedade em cada época. Dentro da sociedade capitalista,
1 O aprender a aprender destacado na citação acima seria segundo Duarte (2001) o “Aprender

a Aprender é a atitude do aprendiz de aprender os procedimentos necessários ao aprendizado


de qualquer conteúdo”.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 151 •

o indivíduo vende a sua força de trabalho em troca de um salário, a partir


desse salário o indivíduo consegue comprar mercadorias para satisfazer as
suas necessidades mais variadas, criadas pela sociedade de consumo. Para
compreender a formação docente dentro dessa sociedade capitalista, marcada
pelo consumo, utilizaremos alguns conceitos provenientes da teoria crítica.
Na sociedade contemporânea, os indivíduos vivem em uma crise de sub-
jetividade e de relações interpessoais, que Horkheimer e Adorno (1991) des-
crevem que o indivíduo quando entra em contato com o mundo globalizado,
ocorre uma objetivação de sua subjetividade, ou seja, começa a ocorrer uma
crise de valores e ideologias que se mostram cada vez mais presentes nos in-
divíduos dentro da sociedade capitalista. Dentro do conceito educacional,
Adorno propõe a reflexão sobre a educação como formadora de subjetivida-
des, na qual Zuin (1998) destaca que
[...] Na medida em que o sujeito entra em contato com o mundo,
ocorre uma certa objetivação da sua subjetividade, o que implica numa
relação de inadequação, de distanciamento, bem como a consequente
apropriação dessa subjetividade, uma vez que se realiza o seu processo
de adaptação. (p.5)

Para Adorno (2002), a educação contém um papel emancipatório dentro


da sociedade, entretanto há certa ambiguidade nesse conceito de emancipa-
ção, pois os indivíduos perdem o contato com a possibilidade de exercício da
auto- consciência (ZUIN, 1998), tendo em vista que cada vez mais os com-
portamentos e valores promanam dos produtos semiculturais.
Os indivíduos são dominados e oprimidos por uma ideologia de consumo,
propagandas, campanhas publicitárias em que objetos são criados para seduzi-
los, e produzem a ideia de pertencimento nos indivíduos pelo simples fato
do “ter”, e consequentemente é implantada uma estrutura psicológica de
submeter os indivíduos a um estado de submissão, em que o homem que
antes dominava a técnica, agora é dominado pela mesma. Horkheimer e
Adorno (1991, p.17) ressaltam que a “técnica é a essência desse saber que não
visa conceitos e imagens, nem o prazer do discernimento, mas o método, a
utilização do trabalho de outros, o capital”, eles destacam também, que os
indivíduos realmente querem aprender a dominar a natureza e o homem, e se
tornam dependentes da sociedade capitalista.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
152 • Para além do território demarcado

O segmento sobre a “indústria cultural” mostra a regressão do esclare-


cimento à ideologia, que encontra no cinema e no rádio sua expressão
mais influente. O esclarecimento consiste, sobretudo, no cálculo da
eficácia e na técnica de produção e difusão. Em conformidade com
seu verdadeiro conteúdo, a ideologia se esgota na idolatria daquilo que
existe e do poder pelo qual a técnica é controlada. No tratamento dessa
contradição, a indústria cultural é levada mais a sério do que gostaria.
Mas como a invocação de seu próprio caráter comercial, de sua profis-
são de uma verdade atenuada, há muito se tornou uma evasiva com a
qual ela tenta se furtar à responsabilidade pela mentira que difunde,
nossa análise atém-se à pretensão, objetivamente inerente aos produ-
tos, de serem obras estéticas e, por isso mesmo, uma configuração da
verdade. Ela revela, na nulidade dessa pretensão, o caráter maligno do
social. O segmento sobre a indústria cultural é ainda mais fragmentá-
rio que os outros. (HORKHEIMER e ADORNO, 1991, p. 14)

Os padrões que são criados pela indústria cultural originam de falsas ne-
cessidades criadas pela mesma, essas falsas necessidades manipulam os indiví-
duos, e a racionalidade técnica se dá pela própria dominação, e, que por meio
de um caráter compulsivo de consumo criado culturalmente dentro da socie-
dade, o indivíduo se aliena à técnica, Adorno e Horkheimer (1995), destacam
que a técnica da indústria cultural levou os indivíduos a uma padronização e
a produção em série, em que é atribuído ao capital.
O ato de consumir dentro da sociedade virou um “status”, que provoca a
sensação de pertencimento na sociedade, e a cultura passa a ser uma cultura
de desejo criado pela indústria cultural, que torna o indivíduo um ser irraci-
onal, fácil de ser manipulado e controlado. Slater (2002, p.112) ressalta que
“começamos a ver na mercadoria possibilidades estruturais e práticas de trans-
formar inteiramente a aparência do mundo, tanto do mundo externo das coi-
sas quanto do mundo interno das necessidades”, os objetos são dotados de
valores e significados.
Marcuse (1996) destaca que vivemos em um mundo no qual os indivíduos
são reduzidos a mercadoria, a um mero produto da sociedade capitalista, eles
são manipulados. Os sonhos, desejos e necessidades individuais são criados
pela indústria cultural, as pessoas visam satisfazer suas próprias necessidades.
A mercadoria vem como algo que vai responder aos anseios emocionais, e a
satisfação do desejo passa a ser a principal prioridade, tornando os indivíduos
escravos de seus próprios desejos. Han (2015) destaca que vivemos numa
sociedade na qual é criada a ilusão de que tudo é possível, e que nessa sociedade
é preciso que os indivíduos sonhem e acreditem nesse ideal, para que assim
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 153 •

sejam explorados e trabalhem cada vez mais, atualmente, o estímulo para o


consumo é a realização de um sonho, de um objetivo e em acreditar que tudo
é possível.
Slater (2002) destaca que a cultura vira consumo e “atua como negação
quando expressa as potencialidades reprimidas de liberdade inerentes à mo-
dernidade e, ao expressá-las de forma mais plena possível pode constituir uma
crítica à realidade capitalista” (p120), para o autor a cultura é produzida e ex-
plorada pela massa e transformada em mercadoria sendo vendida como pro-
duto do mercado, oferecendo a quem a consome a ilusão de liberdade ge-
rando prazer e experiências alienadas. Slater (2002) ressalta que dentro dessa
sociedade de consumo, as falsas necessidades criadas nos indivíduos nunca
cessam, e que a própria vida social é reduzida a coisa.
Dentro dessa sociedade capitalista, todo o processo de socialização é mar-
cado pela lógica do mercado, assim como, a liberdade dos indivíduos. Mar-
cuse (1996, p.24) destaca “a produção e distribuição das mercadorias e servi-
ços se dêem por intermédio da concorrência das liberdades individuais”, hoje
a liberdade dos indivíduos passa a ser vendida como um produto do sistema
capitalista.
Ao falar de consumo e que tudo se torna um produto manipulável dentro
da sociedade capitalista, não falamos apenas de consumo de objeto e bens ma-
teriais como roupas, calçados, bolsas, automóveis, falamos de um consumo
por um “status” criado culturalmente pela indústria cultura, a ideia de so-
bressair perante a sociedade e sob os indivíduos, como dentro do mercado
educacional, que oferta como produto o conhecimento.
Dentro do mercado educacional, vemos cada vez mais escolas sendo cria-
das para atender desde a primeira infância até universidades, que vendem o
conhecimento e carregam em seus slogans a oferta de um conhecimento que
contempla todas as necessidades dos indivíduos, e de que esse conhecimento
ofertado é único e diferenciado dentro do mercado, e que irá promover o indi-
víduo a ir além. A venda do conhecimento desde a primeira infância começa
com a venda de um sonho, de objetivos e metas, com a promessa de uma edu-
cação de qualidade considerada pelo modelo padronizado criado pela soci-
edade de consumo como a ideal, ajudará o indivíduo no cumprimento das
metas e objetivos traçados.
Dentro desse sistema capitalista, a educação é tida como uma mercadoria.
Ela é vendida como uma mera mercadoria, como o sapato e a roupa na loja,
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
154 • Para além do território demarcado

a publicidade e a propaganda usam todos os artefatos e meios possíveis para


seduzir os indivíduos a “consumir a educação”, “consumir conhecimento”.
Os indivíduos são seduzidos pelos fetiches criados e se rendem à lógica do
consumo.
Na sociedade atual temos uma crise na formação cultural dos indivíduos.
Hoje tudo é padronizado. Nossos ouvidos, olhos e bocas são treinados a se-
guir um padrão no qual é imposto. “Estamos criando uma geração muda”,
na qual começamos a reprimir nossos pensamentos e a querer impor compor-
tamentos.
A sociedade capitalista pode ser definida como um sistema social e
econômico de domínio de natureza e, a partir de seu controle técnico,
de produção ilimitada, de mercadorias, gerando por fim a divisão a di-
visão desigual da riqueza. Nesse tipo de sociedade, a ideologia tem um
papel central. Ela serve para mascarar os conflitos sociais existentes en-
tre ricos e pobres. Ela neutraliza a dominação e a exploração existentes
através de um processo de circulação do saber ir referido da própria
ideologia. Dessa forma, a ideologia difunde abstrações sobre as ten-
sões latentes entre opressores e oprimidos como se fossem situações
de harmonia e paz social [...] (ALEXANDRE, 2009, p.33)

Somos influenciados e manipulados pelo sistema constantemente, quem


não estiver no padrão imposto está fadado ao fracasso, e temos também uma
insuficiência na nossa capacidade de reflexão. Temos uma consciência que se
nega à autorreflexão. É uma sociedade repleta de indivíduos vazios de pensa-
mentos e de reflexão, na tentativa desenfreada de se libertar do mito criado,
acabam-se por criar outro mito, e somos fadados à sociedade do espetáculo.
Quando os indivíduos se perdem dentro dessa sociedade do espetáculo,
as suas mazelas viram espetáculo para os outros. Podemos citar um exemplo
cotidiano dessas mazelas criadas, as plataformas digitais, o acesso rápido e
a todo tempo de informações, nelas, qualquer coisa vira notícia e ganha os
holofotes por alguns segundos, coisas banais, como a ridicularização de um
indivíduo, provocam o espetáculo, através das mazelas do outro. Adorno
(1993) diz em sua obra que estamos fadados ao caos, de modo similar Turcke
(2010) afirma, que somos espectadores do desastre, estamos sempre prontos
para apreciar o caos e viver o desastre que a sociedade nos provoca.
Uma sociedade globalizada, na qual somos reflexo dela. E obrigados a
diariamente a seguir padrões para “ser” e “ter”. As pessoas se preocupam com
aquilo que move suas emoções, e as mazelas da sociedade se fazem de várias
formas, inclusive por meio da miséria humana.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 155 •

A crise da formação cultural ocorre em todos os âmbitos da sociedade.


Dentro da escola vemos a busca de professores por constantes formações, que
dizem que essas tais formações vão melhorar a sua prática, mas em muitos
casos, as melhorias não acontecem, pois, esses indivíduos estão sendo semi-
formados, uma formação vazia, e a escola, neste contexto, vem para adaptar e
não para formar indivíduos.
Diante disso, surge a necessidade de se refletir sobre os efeitos provocados
pela indústria cultural e consumo nas relações humanas e, propriamente dito,
na vida dos sujeitos sociais e nos processos formativos educacionais, em que
pelo processo de adaptação, o indivíduo passa a valorizar a superficialidade
em detrimento dos elementos necessários e vitais.
Desse modo, Adorno (2002, p.05) afirma que:
Toda a cultura de massas em sistema de economia concentrada é idên-
tica, e o seu esqueleto, a armadura conceptual daquela, começa a
delinear-se. Os dirigentes não estão mais tão interessados em escondê-
la; a sua autoridade se reforça quanto mais brutalmente é reconhecida.
O cinema e o rádio não têm mais necessidade de serem empacotados
como arte. A verdade de que nada são além de negócios lhes serve de
ideologia. Esta deverá legitimar o lixo que produzem de propósito. O
cinema e o rádio se auto definem como indústrias, e as cifras publica-
das dos rendimentos de seus diretores-gerais tiram qualquer dúvida
sobre a necessidade social de seus produtos.

A cultura e a arte que antes eram formas de expressão e contestação, que


satisfaziam o homem nas horas de lazer, foram transformadas em mercadorias
produzidas de acordo com os ideais do sistema capitalista.
A educação sendo tratada como uma mercadoria do sistema capitalista,
faz com que os professores busquem instituições públicas e privadas, princi-
palmente privadas, que oferecem cursos para a sua formação continuada, na
maioria das vezes, estes docentes não realizam uma análise crítica de qual a con-
tribuição que esses cursos terão de fato dentro da sua formação, pois também
compreendem a educação como mercadoria e buscam a certificação. Muitos
destes cursos apresentam um caráter essencialmente pragmático, marcado
por modismo e incapazes de promover uma crítica social densa nesse sentido,
Sguissardi (2008) afirma que “Os serviços educacionais, como um direito e
um bem público, possam ser considerados como uma mercadoria, educação-
mercadoria, objeto de exploração de mais valia ou de valorização” (p.1013).
Vemos muito dentro do âmbito educacional essa promessa criada em
torno da mercadoria, ao falarmos dos cursos de formação continuada para
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
156 • Para além do território demarcado

professores, observamos a promessa de um conhecimento que será adquirido


ao término do curso, associado a um certificado no qual atesta que aquele
determinado conhecimento foi de fato adquirido pelo indivíduo.
Os consumidores se tornam o objeto principal da indústria cultural, tra-
zendo assim uma semiformação através dos conceitos influenciados por esta ló-
gica. Desta forma, a Indústria Cultural está sendo fortalecida pela égide da pa-
dronização de forma sutil através da cultura, buscando como foco principal o
seu lucro na sociedade e nas relações humanas, conforme o autor Zuin analisa:
A lógica do equivalente acaba por fundamentar os alicerces do raci-
ocínio dicotômico que consagra os rótulos daqueles que são consi-
derados “perdedores” ou “vencedores”, por exemplo. Dificulta-se a
sobrevivência do pensamento crítico numa sociedade em que os indi-
víduos se transformam em “caixas de ressonância” de mensagens que
seduzem pelo incentivo à integração, muitas vezes cega, a um coletivo
regido por uma palavra de ordem autoritária (ZUIN, 2001, pg.11)

Nesse processo de transmissão de valores mercadológicos sobre a vida hu-


mana, a Indústria Cultural acaba prejudicando a vida das pessoas em diversos
aspectos, principalmente em um contexto social marcado pela ausência de
posicionamentos reflexivos e críticos. Todos os indivíduos acabam sendo in-
fluenciados por esses ditames mercadológicos, perpetuando em suas escolhas
e comportamentos fazendo com que o homem cada vez mais se afaste de suas
necessidades essenciais em troca de necessidades fabricadas, supérfluas da so-
ciedade de consumo.

Considerações finais

Compreender que a educação não é uma mercadoria e que não pode ser
consumida como qualquer “objeto” é o primeiro passo para que a formação
de professores aconteça de uma crítica e que contribua para uma reconstrução
social.
A formação de professores, quer seja inicial ou continuada, está atrelada
a cada novo governo, por isso estão sujeitas a constantes mudanças, nem sem-
pre positivas e a uma eterna falta de continuidade. Muitas vezes, a formação
de professores é tomada de forma isolada, e não se considera todas as dimen-
sões do professor como as condições de trabalho, recursos disponíveis, car-
reira e salário. Para que as mudanças sejam efetivadas de fato, é preciso a cons-
trução de um sistema educacional democrático e de uma série de medidas
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 157 •

como: revisão dos conteúdos, metodologias, avaliação, criação de políticas de


democratização do sistema de trabalho, melhores condições de trabalho, me-
lhores condições salariais, diminuição das longas jornadas de trabalho, entre
outros fatores e medidas.

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10. O papel do estágio de docência no
curso de pedagogia:
reflexões a partir do programa de
pós-graduação em educação da UEL

Isabela Aparecida Rodrigues Costa | Jacqueline Oliveira Jovanovich |


Marta Regina Furlan de Oliveira | Cândida Alayde de Carvalho Bittencourt

Introdução

capítulo apresentado é fruto do trabalho realizado por estagiá-

O rias – na linha de pesquisa Docência: Saberes e Práticas, do Pro-


grama de Pós-Graduação em Educação – Mestrado, na Universi-
dade Estadual de Londrina (UEL), na disciplina de Pressupostos Teóricos
e Metodológicos na Pré-Escola do segundo ano do curso de Pedagogia, du-
rante o primeiro semestre de 2021. Assim, o artigo tem como objetivo relatar
a experiência do estágio docente no Ensino Superior em tempos de pande-
mia da Covid-19. Este momento foi altamente significativo no desenvolvi-
mento e amadurecimento científico e profissional das estagiárias durante a
pós-graduação, pois oportunizou a compreensão de diferentes saberes teóri-
cos, práticos e suas articulações. Segundo Mello e Lindner (2012),
[...] os estágios se constituem como uma atividade balizadora para
a formação de professores, na qual os alunos têm oportunidade de
vivenciar o cotidiano escolar e da sala de aula, refletindo a prática
do professor regente, traçando perspectivas que potencializarão o
conhecimento do contexto histórico, social, cultural e organizacional
da prática docente (p. 01).

O momento do estágio promove a ação prática e reflexões sobre seu ser e


fazer ainda em formação, bem como, sobre as organizações, planejamento e
sobre os grupos que se estabelecem no seu campo profissional, possibilitando
a apropriação de experiências profissionais e a interpretação e aplicação de
conhecimentos teóricos a partir das vivências do estagiário.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
160 • Para além do território demarcado

Para iniciarmos nossas reflexões, apresentamos ao longo do texto alguns


questionamentos sobre a formação inicial docente, está exigindo qualificação
acadêmica e profissional. Mas, o fato com que estamos nos deparando, em
plena pandemia, o estágio passou a ter uma forma diferente do convencional,
antes como acontecia presencialmente nas instituições, agora passou a ser
virtualmente devido a quarentena estipulada pelo Ministério da Saúde (2020)
com o intuito de proteger vidas e pelo aumento de casos do Coronavírus:
“[...] a COVID-19 é uma doença causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, que
apresenta um quadro clínico que varia de infecções assintomáticas a quadros
respiratórios graves”.
Nesse processo é fundamental compreendermos sobre a formação inicial
do professor na sociedade contemporânea. Desse modo, é necessário refletir
sobre o pensamento da formação de professores numa perspectiva epistemo-
lógica reconhecendo que o conhecimento humano se forma ao longo da sua
história e que a herança cultural está associada às mudanças que temos atual-
mente. Sendo assim,
Os professores não podem ser formados de modo assistemático, de
qualquer jeito. A formação inicial é responsável por um repertório de
conhecimentos que os professores mobilizam e articulam no cotidi-
ano da profissão. Trata-se de conhecimentos que abarcam diferentes
dimensões do trabalho docente (técnica, humana e político-social).
A perspectiva é de situarmos essa formação como etapa importante
do percurso de aprender a ensinar e de desenvolvimento profissional
docente, pressupondo-a como uma formação ampla na medida em
que envolve conhecimentos diversos (oriundos da academia), envolve
as experiências pré-profissionais dos futuros professores e, especial-
mente, envolve a realidade histórica do exercício profissional (BRITO,
2015, p. 568).

Analisar a formação inicial é um desafio para a atual sociedade, portanto,


o presente estudo visa responder a seguinte questão: qual compreensão do
estágio em docência em tempos pandêmicos?
Faz-se necessário, ressaltar que no processo metodológico desta pesquisa
pauta-se na pesquisa bibliográfica, de cunho qualitativo com base nos teóricos
como Nóvoa (1991), Libâneo (1992), Tardif (2009), Gatti (2010) etc. Para
embasar nosso estudo foram realizadas leituras de livros, artigos, revistas
científicas e textos correlacionados ao tema, além de realizar fichamentos das
principais ideias dos autores, a fim de proporcionar aos leitores um panorama
rico de reflexões para estudos posteriores. Severino (2002, p. 36) afirma que:
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 161 •

O saber constitui-se pela capacidade de reflexões no interior de deter-


minada área do conhecimento. A reflexão, no entanto, exige o domí-
nio de uma série de informações. O ato de filosofar, por exemplo, re-
clama um pensar por conta própria que é atingido mediante o pensa-
mento de outras pessoas.

Desse modo, entendemos que é fundamental adentrarmos nesse universo


de leituras, interpretações e anotações. E foi por meio desse processo de es-
tudo que observamos as ideias centrais dos autores como Tardif, Nóvoa, Gatti,
dentre outros, que fomentam as áreas da educação, direcionando um olhar
para a reflexão e desenvolvimento no campo dos saberes relacionados à forma-
ção inicial docente. Uma vez que a apropriação destes conhecimentos nos per-
mite aprofundamentos em nossos estudos de forma contínua e progressiva.

Formação inicial do professor no contexto da sociedade


contemporânea: tempos pandêmicos

Após Auschwitz, é preciso elaborar o passado e criticar o presente


prejudicado, evitando que este perdure e, assim, que aquele se repita.
(ADORNO, 2003, p. 11)

O autor, Theodor W. Adorno, na obra “Educação e Emancipação” - 2020,


por meio das entrelinhas, discorre de um episódio crucial na história da hu-
manidade, a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Dentro de um cenário
de barbárie, no qual milhões de pessoas foram mortas devido ao regime to-
talitário, principalmente, por conta de um contexto social e histórico (na-
zismo/fascismo) marcado pelas atrocidades e desumanização. Os sentimen-
tos expressos pelo autor intensificam os tempos perversos que estamos viven-
ciando nos dias atuais, apesar de respeitarmos o isolamento social, estamos
nos ressignificando nos modos do ser e fazer docente.
A escrita deste texto ocorre em um período que nos coloca a repensar as
nossas práticas cotidianas, ao mesmo tempo em que somos obrigados a encarar
as incertezas de nossas ações, ainda que bem-intencionadas. Aqui, trago
impressões sobre um vírus – a COVID-19 –, que tem impactado inúmeras
áreas e aspectos da vida social. Da crise sanitária até a crise econômica, no
Brasil e no mundo, é desafiador apontar espaços e relações sociais que não
sofreram alguma mudança com a pandemia.
Da mesma forma, o debate acadêmico sobre a Covid-19 não se restringiu
ao campo da saúde. Pelo contrário, as mais diversas áreas vêm debatendo as
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
162 • Para além do território demarcado

implicações de tal fenômeno. Afinal, trata-se de uma pandemia que já chegou


a 223 países, com mais de 100 milhões de infectados e cerca de 2 milhões de
mortes (WHO, 2021).
A pandemia também desencadeou impactos na educação, um número
expressivo de escolas no mundo todo teve suas atividades presenciais suspensas.
Professoras e professores, agentes educacionais, viram-se, de um momento
para outro, tendo que atuar diante de um cenário de desafios e ressignificações,
novas metodologias passaram a ser adotadas, como por exemplo, o ensino
remoto, com o objetivo de reduzir o prejuízo educacional e a preservação do
direito à educação.
No mundo, mais de 800 milhões de alunos ainda enfrentam interrupções
de aulas, o Brasil e outros quatro países têm o período mais prolongado de
fechamento de escolas: mais de 40 semanas (G1, 2021). Perante a situação, a
educação assume um novo valor e uma necessidade de adaptar-se ao atual ce-
nário. Nossa inexperiência institucional no campo educacional diante dos
desafios para a educação na era da Covid-19 nos possibilitou reflexões sobre a
formação inicial, já que, tanto ela, quanto o trabalho docente, são fundamen-
tais para a reflexão de novas aprendizagens para a prática pedagógica.
Diante das transformações ocorridas na sociedade vigente, determina
uma profunda revisão e reformulação no campo da formação do docente, a
fim de atender às exigências da contemporaneidade. Sendo assim, pelas lentes
das estagiárias, surge a inquietação de discutir sobre o papel do estágio em
Docência no Ensino Superior em tempos pandêmicos.
Para tanto, faz-se necessário, analisar as funções dos docentes do Ensino
Superior, já encontravam dificuldades anteriores à pandemia,
O professor, diante das variadas funções que a escola pública assume,
tem de desempenhar papéis que estão para além de sua formação. Mui-
tas vezes esses profissionais são obrigados a desempenhar as funções
de agente público, assistente social, enfermeiro, psicólogo, entre ou-
tros. (OLIVEIRA, 2003, p.32).

Em tempos de pandemia, essas funções se enalteceram, diante do cená-


rio crítico que estamos vivenciando. Tais exigências, provocam, muitas vezes,
neste profissional da educação “[...] um sentimento de desprofissionalização
e de perda de identidade profissional, pois o ensinar, às vezes não é o mais im-
portante no contexto da sociedade contemporânea.” (OLIVEIRA, 2003). É
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 163 •

nesse cenário que se identifica um processo de desqualificação e desvaloriza-


ção da força de trabalho desses professores.
Perante as mazelas da sociedade, ao discutirmos sobre o processo forma-
tivo docente, é necessário tomar consciência de seus percursos formativos, os
estudantes em formação têm possibilidades de identificar, analisar e reconhe-
cer seus dilemas, crenças e ideias, que podem constituir-se em motivos que os
mobilizam a estudar e aprender, a partir do contexto pessoal e de formação.
Para Nóvoa (199, p.13),
A formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, que for-
neça aos professores os meios de um pensamento autónomo e que fa-
cilite as dinâmicas de auto-formação participada. Estar em formação
implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre
os percursos e os projetos próprios, com vista à construção de uma
identidade, que é também uma identidade profissional.

Sendo assim, a formação não se integra em sua totalidade utilizando


somente os meios de acumulação, como cursos, conhecimentos ou técnicas, é
preciso criar um trabalho reflexivo e crítico sobre as práticas de (re) construção
de uma identidade pessoal e vivências nos estágios. Tal pensamento poderá
contribuir para as transformações e melhora da formação inicial docente.
Desse modo,
Mudamos as nossas práticas de investigação sobre os professores para
uma investigação com os professores e até para uma investigação pe-
los professores. Estamos a evoluir no sentido de uma profissão que
desenvolve os seus próprios sistemas e saberes, através de percursos de
renovação permanente que a definem como uma profissão reflexiva e
científica (NÓVOA, 1991, p. 21).

Ao enfrentarmos esse cenário obscuro da pandemia, a formação inicial,


na esfera das instituições de Educação Superior, torna-se cada vez mais desafi-
adora, no sentido de promover a formação, articulada com o processo nas prá-
ticas educativas. Verifica-se em Pimenta (1999, p. 15) que “[...] repensar a for-
mação inicial e contínua, a partir da análise das práticas pedagógicas e docen-
tes, tem se revelado uma das demandas importantes [...]”. Destarte, ao contrá-
rio do que se exige, os cursos de formação inicial, ao desenvolverem os currí-
culos formais com conteúdos, atividades e estágios, necessitam ser vinculados
com a verdadeira prática social do educar, para assim, contribuir na formação
desse futuro profissional da educação (PIMENTA, 1999). Essas questões fo-
ram apenas reafirmadas em tempos de pandemia, apontando mais desafios
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
164 • Para além do território demarcado

frente às possibilidades. Caracterizando o contexto, os alunos das Universida-


des do Brasil estão realizando as atividades, cursos e estágios de forma remota.
A formação docente na universidade, assim se expressa Tardif (2002 p.
276): “[...] acreditamos que já é tempo de os professores universitários da
educação começarem também a realizar pesquisas e reflexões críticas sobre
suas próprias práticas de ensino”. Partindo desses pressupostos iniciais e a
partir da experiência de estagiárias, realizamos um relato descritivo, a fim
de compreender a importância do estágio no Ensino Superior em tempos
pandêmicos, vivenciamos um novo formato de ensinar e aprender com as
aulas remotas.
Por isso, houve a necessidade de pensar o estágio desde o início durante
reuniões junto à orientadora, na intervenção que se realiza no estágio, ou seja,
é um momento em que o estagiário (a) ocupa o lugar do professor após o
tempo de observações, tendo em vista que é o momento mais importante
em que o estagiário faz parte do processo de aprendizagem dos discentes no
Ensino Superior. É uma tarefa difícil que precisa ser pensada antecipadamente
com cuidado e considerando possíveis imprevistos.
As observações e os registros feitos pelas estagiárias são fundamentais para
compreender e analisar as reflexões e questionamentos gerados antes, durante
e após a observação do ambiente síncrono e assíncrono, possibilitando a reali-
zação de um diálogo entre várias disciplinas, o que enriquece o aprendizado.

Relato de estágio em um cenário de pandemia

Quando adentramos no campo da educação, percebemos que a busca do


conhecimento não se acaba, pelo contrário: está apenas começando. Dentro
dessa busca, aliar a teoria com a prática torna-se necessário para que o apren-
dizado se torne mais completo. Lima (2012, p. 39) destaca que:
Não nos tornamos professores da noite para o dia. Ao contrário,
fomos constituindo essa identificação com a profissão docente no
decorrer da vida, tanto pelos exemplos positivos, como pela negação
de modelos. É nessa longa estrada que vamos constituindo maneiras
de ser e estar no magistério.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 165 •

Diante da busca de conhecimentos por meio de cursos que enriquecem


a formação docente, o estágio se compõe como uma experiência necessária,
que contribui com a prática e possibilita a proximidade da realidade em sala
de aula. Scalabrin e Molinari (2013, p. 04) definem o estágio como “[...] um
processo de experiência prática, que aproxima o acadêmico da realidade de
sua área de formação e o ajuda a compreender diversas teorias que conduzem
ao exercício da sua profissão”. No estágio supervisionado pode-se observar
como funciona todo o processo de uma aula, desde a escolha do conteúdo, a
elaboração do planejamento, a ministração da aula, a interação com a turma,
as atividades desenvolvidas e avaliações realizadas.
Sendo o estágio um processo importante na formação e uma experiência
que nos possibilita conhecer mais de perto a realidade escolar, iremos então,
relatar como foi essa experiência realizada no primeiro semestre do ano de
2021, na Universidade Estadual de Londrina (UEL), com as turmas 3000
e 4000 do segundo ano do curso de Pedagogia, na disciplina Pressupostos
Teóricos e Metodológicos na Pré-Escola e quais as aprendizagens significativas
que trouxeram a nossa formação docente.
Normalmente o estágio é realizado presencialmente na instituição de
ensino, mas devido ao atual momento que o mundo vive, diante de uma
pandemia, as instituições de ensino foram obrigadas a fechar suas portas.
Sendo assim, o estágio supervisionado foi feito de forma remota e on-line.
Sobre isso, Ramos (2020) nos traz alguns dados:
As escolas e universidades de todo o país estão fechadas e sem pers-
pectiva de retorno. Estima-se que a paralisação durará de 2 a 3 meses –
praticamente um semestre perdido. Estima-se, também, que em todo
o mundo quase 1 bilhão de estudantes ficarão sem aula. O que fazer
para reduzir ao máximo o prejuízo? [...]. (RAMOS, 2020, s/d)

Destarte, as instituições foram obrigadas a se reinventar e mudar a forma


tradicional de dar aulas, substituindo as aulas presenciais por aulas a distância,
utilizando as tecnologias como aliadas. Professores não mediram esforços para
se reinventar, adotaram novas ferramentas tecnológicas, fizeram cursos para
utilizar os ambientes virtuais e proporcionaram aos alunos a continuidade do
ensino, mesmo que virtual, para que os mesmos não tivessem mais prejuízo
com o fato da suspensão das aulas.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
166 • Para além do território demarcado

As instituições de ensino são orientadas a aproveitarem em ampla es-


cala as ferramentas de tecnologia educacional, como por exemplo as
plataformas e ambientes virtuais de ensino, para garantir os processos
pedagógicos de aprendizagem. Os sistemas de ensino já estão produ-
zindo vídeo aulas, transmissões ao vivo, exercícios online, entre ou-
tros mecanismos. Todo esse esforço se faz para manter os estudantes
em um ritmo de estudo, mesmo estando distantes do espaço físico da
escola. (ANEC, 2020, s/d).

A professora regente e supervisora do estágio, sendo a referência e a pessoa


mais experiente, estava a disposição das estagiárias a todo momento que surgia
uma questão ou dúvida em relação às práticas realizadas. Antes mesmo de
iniciar o estágio, a professora-supervisora fez uma reunião on-line pelo Google
Meet com as estagiárias para definir as turmas que as mesmas iriam estagiar, a
estrutura do cronograma, datas, conteúdos, procedimentos metodológicos e
avaliações.
As aulas que antes eram realizadas de modo presencial, onde as estagiárias
tinham a possibilidade de estar in-loco na sala de aula e interagir pessoalmente
com os alunos, foram substituídas pelas aulas a distância, no formato síncrono
e assíncrono, com aulas pelo Google Meet e atividades pelo Google Classroom.
Dentre as propostas realizadas na disciplina, foram apresentados alguns
textos para que os alunos realizassem a leitura, são eles: A humanização da
criança na educação infantil: implicações da teoria histórico-cultural (BAR-
ROS; VICENTINI, 2017); Trabalho docente na Educação Infantil: olhares
reflexivos para a ação intencional e planejada do ensino (OLIVEIRA; SAITO,
2018); As práticas educativas e as conquistas de desenvolvimento das crian-
ças pequenas (MELLO, 2007); Tempo e Cotidiano – tempos para viver a
infância (BARBOSA, 2013); Contribuições para a sistematização da prática
pedagógica na educação infantil (MARSIGLIA; MARTINS, 2015); A docu-
mentação pedagógica na Educação Infantil: traçando caminhos, construindo
possibilidades (ALMEIDA; MARQUES, 2011); Referencial Curricular do
Paraná: princípios, direitos e orientações (PARANÁ, 2018); Base Nacional
Comum Curricular (BRASIL, 2018a); Campos de Experiências: efetivando
direitos e aprendizagens na educação infantil (BRASIL, 2018b).
Tais leituras, das quais os títulos foram citados acima, contribuíram para
conhecer como funciona a rotina na educação infantil, o tempo, os espaços,
as interações, os campos de experiências e a sequência didática. Foram indica-
dos também, uma palestra proferida pela professora Dra. Teresa Sarmento
da Universidade do Minho sob o título: O que fazemos com o que fazem co-
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 167 •

nosco, trilhar caminhos em interação; um vídeo do lançamento do Currículo


da Educação Infantil de Cambé, com os professores convidados Lígia Már-
cia Martins e Newton Duarte e o próprio documento foi disponibilizado em
PDF para a leitura dos alunos. Seguindo as leituras realizadas, durante as au-
las síncronas, foram propostas atividades assíncronas complementares a se-
rem realizadas pelos discentes da graduação. Na primeira atividade, os alunos
assistiram o filme “O quarto de Jack”, em seguida os mesmos construíram
um texto, com base no que foi visto no filme, sobre “Rotina: organização do
tempo, espaço e interações”. Dentro dessa atividade, o papel do estagiário foi
acessar os trabalhos entregues, ler cada um e verificar se a escrita tinha coerên-
cia com o conteúdo apresentado pela professora regente.
Na segunda atividade proposta, os alunos teriam que, a partir das discus-
sões realizadas na aula síncrona e da leitura do texto “Contribuições para a
Sistematização da Prática Pedagógica na Educação Infantil”, elaborar um pla-
nejamento de aula de acordo com alguns critérios: saberes e conhecimentos,
objetivos de aprendizagem, procedimentos metodológicos, recursos e avalia-
ção, os mesmos deveriam ser postados na plataforma do classroom.
As estagiárias tiveram a responsabilidade de verificar os planejamentos en-
tregues e avaliá-los segundo os critérios básicos da estrutura. Na terceira pro-
posta, com base no texto “A documentação pedagógica na Educação Infantil:
traçando caminhos, construindo possibilidades” os alunos produziram um
texto dissertativo crítico sobre como se dá o processo avaliativo na educação
infantil e quais possibilidades para um trabalho humanizador. As estagiárias
acompanharam a entrega dos textos, fizeram a leitura dos mesmos, e perce-
beram que as alunas tiveram um bom entendimento do conteúdo proposto,
produzindo textos coerentes com a temática.
Já na quarta proposta de atividade, a partir da palestra proferida pela pro-
fessora Dra. Marta Regina Furlan de Oliveira ministrada pelo canal do You-
tube @critinfância sobre a BNCC e o trabalho pedagógico na educação in-
fantil pré-escolar: por uma prática humanizada, após assistirem a palestra, os
estudantes elaboraram um texto, comentando sobre a discussão apresentada,
com destaque aos pontos negativos e positivos, bem como a didática desen-
volvida pela palestrante e apresentaram uma situação prática de como poderia
ser desenvolvida uma ação na pré-escola. As estagiárias conferiram os traba-
lhos enviados na plataforma classroom, leram os textos e puderam perceber o
quanto foram bem elaborados, seguindo uma sequência clara e objetiva.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
168 • Para além do território demarcado

A quinta proposta, elaborada por uma das mestrandas do programa, foi


produzir um texto poético sobre a formação inicial de professores em tempos
pandêmicos. Não obstante, as turmas tiveram que resumir em uma palavra a
disciplina: pressupostos teóricos e metodológicos da Pré-escola. As respostas
foram diversas, como: aprendizado, comprometimento, criança, desenvolvi-
mento, enriquecimento, humanização, importantíssima, libertadora, motiva-
dora, potencialidade, sensibilização.
E a última avaliação feita para os alunos, foi um texto relacionado à pré-
escola, tendo como pontos avaliados: fundamentos da relação com o tema,
estrutura do texto, linguagem acadêmica, estrutura do texto e normas da
ABNT. Durante a leitura dos textos, as estagiárias encontraram textos diversi-
ficados, com temas relevantes ao campo da Educação Infantil, com estruturas
bem delineadas, seguindo as normas estabelecidas pela professora regente.
Dentre as aulas e atividades supracitadas, as estagiárias realizaram uma
regência on-line pelo google meet, com o tema: Sequência Didática na Pré-
escola. Nesse momento tiveram a oportunidade de assumir o papel do pro-
fessor regente, elaborando o planejamento, utilizando recursos tecnológicos,
apresentando o conteúdo aos alunos, trocando experiências com os mesmos
e colocando em prática os saberes e conhecimentos adquiridos, aliando a teo-
ria com a prática na sua própria formação.

Considerações finais

Perante todas as experiências, percebeu-se que, mesmo com situações ad-


versas, como o da pandemia da Covid-19, o estágio não deixou de exercer o
seu papel de grande importância na formação docente, proporcionando vi-
venciar, mesmo em um novo formato, a distância, realizarmos a ação pedagó-
gica. Freire (2001, 14) destaca que:
O estágio pedagógico permite uma primeira aproximação da prática
profissional e promove a aquisição de saber, de saber fazer e de saber
julgar as consequências das ações didáticas e pedagógicas desenvolvidas
no cotidiano profissional.

Contudo, avaliar e refletir sobre a própria prática realizada é necessário,


buscar estratégias para elaborar um plano de aula condizente com a reali-
dade dos estudantes buscando ferramentas tecnológicas para apresentar o
conteúdo de forma a facilitar a compreensão da matéria fazem parte da fun-
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 169 •

ção do professor, mesmo porque, esse tem o papel de facilitador da aprendi-


zagem, colaborando, cooperando, promovendo a autonomia dos educandos.
Repensar a prática, possibilita a evolução da mesma, levando ao aperfeiçoa-
mento, promovendo didáticas significativas, com metodologias adequadas a
fim de formar cidadãos críticos e autônomos.
As reuniões contribuíram para melhor entendimento do campo de es-
tágio e quanto aos desafios enfrentados por professores no Ensino Superior
em tempos de pandemia, com o processo de ensino e aprendizagem sendo
realizado de forma remota. Todas essas questões implicam de forma significa-
tiva e são fundamentais para o processo formativo, contribuindo para uma
maior reflexão sobre as práticas pedagógicas realizadas em sala de aula tanto
em contextos anteriores, quanto em contexto pandêmico e também a articu-
lação entre a teoria e a prática, o que é assunto de grande discussão na área da
educação, tendo em vista a realidade de cada instituição de ensino.
Diante disso, a temática aqui discutida deve ser motivo para futuras dis-
cussões, tendo como objetivo rever a formação inicial do professor e entender
o impacto na pandemia na ação docente. Todavia, é necessário que a forma-
ção inicial e também a continuada que vise mudanças e melhorias ao cenário
educacional.
Para tanto, desejamos que estas reflexões possam auxiliar nas discussões em
torno do ser professor e que estas não cessem jamais, pois temos que construir
estratégias que possam superar os limites e ao mesmo possibilitar uma práxis
pedagógica que leve este profissional a ter pertencimento em relação ao seu
fazer docente.

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11. O uso das tecnologias na educação:
um relato de experiência
no contexto pandêmico

Taila Angélica Aparecida da Silva | Mariana Civalsci Cardoso |


Adriana Regina de Jesus

Introdução

ensar a educação no contexto da sociedade danificada não é uma

P tarefa fácil, é um ato de resistência, conforme apontam Horkheimer


e Adorno (1991) em meio a um mundo globalizado, dominado pelo
capitalismo que provoca à objetivação da subjetividade do homem, o que
implica no conflito enquanto lócus do processo formativo, bem como, nos
valores e ideologias construindo por meio das relações sociais.
Contribuindo com essa reflexão Adorno (2002) afirma que a educação
deve ter como premissa na sociedade contemporânea a emancipação do ho-
mem, ou seja, o jeito de se pensar a educação e pensar a escola necessita ser
revista, principalmente no contexto pandêmico que vivenciamos a partir do
ano de 2019.
Isso posto, o mundo foi surpreendido com uma pandemia causada por
meio da proliferação de um vírus denominado SARS-CoV-2s. A OMS (Or-
ganização Mundial de Saúde) nomeou o vírus como COVID – 191 . O vírus
é transmitido por meio do contato físico ou por meio da proximidade com
uma pessoa contaminada. O rápido contágio tomou grandes proporções por
todo o mundo, resultando em significativas taxas de letalidade. Onde nos
provocaram a repensar a nossa forma de viver em sociedade. Como ressalta a
Sociedade Brasileira de Pediatria (2020), o isolamento social, o ato de “ficar
1 Segundo consta no site do Ministério da Saúde, o Coronavírus é uma família de vírus que

causam infecções respiratórias. O novo agente do coronavírus (nCoV-2019) foi descoberto


em 31/12/19 após casos registrados na China.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
174 • Para além do território demarcado

em casa” (frase mais utilizada durante a pandemia) é a maneira mais eficaz de


combater o vírus e se manter saudável.
O ano incomum, provocou mudanças em todos os setores da sociedade,
alterando a forma de se viver e pensar. Conforme destacam Ortega e Rocha
(2020) “A globalização, que parecia impossível de ser revertida, parou sozinha
por causa da ameaça de disseminação da infecção” do novo vírus, os autores
salientam também que “Todos os planos da sociedade de consumo se torna-
ram insignificantes em comparação com os novos objetivos: a proteção do
país, da cidade e da vida”.
A educação possui um grande papel no que se refere a sociedade atual, por
isso a necessidade da manutenção de atividades para os alunos nesse período,
dessa maneira é fato que se precisou repensar em um novo sistema de educação,
e a tecnologia que até então pouco fazia parte do cotidiano da escola, foi
adotada como ferramenta de uso para o processo de ensino e aprendizagem
dos professores e alunos.
Portanto, justifica-se esse estudo por entender que o atual contexto da
sociedade se respaldando nos desafios encontrados no período pandêmico
com a nova forma de ensino por meio do uso das tecnologias. Sendo assim,
no atual contexto pandêmico tivemos que pensar em uma nova forma de se
pensar em educação e organizar o ensino, como Rodrigues (2020) destaca que
estamos vivendo um período de isolamento social e físico, uma vez que nossas
práticas de sociabilidade foram reinventadas através do uso das tecnologias.
Para tanto, o objetivo desse estudo é compreender as tecnologias na edu-
cação no contexto da pandemia e o processo formativo. Destarte, o estudo é
fruto das discussões do GEPEITC – Grupo de Estudos e Pesquisa em Edu-
cação, Infância e Teoria Crítica da Universidade Estadual de Londrina. A
pesquisa apresentada é de abordagem qualitativa, configurando-se através de
um relato de experiência. A metodologia está pautada dentro da teoria crí-
tica, e tem como base principalmente os estudos dos teóricos Adorno (1995),
Horkheimer (1991), e autores secundários que discutem a teoria e outras refe-
rências que transitam pelos estudos da educação, infância e o uso das tecnolo-
gias.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 175 •

A educação escolar no período de pandemia

As relações sociais foram restabelecidas e ressignificadas, para a prevenção


da vida o isolamento social passou a ser a arma mais eficaz de combate ao vírus.
O contato passou a ser através da tela, a tecnologia que antes era vista com uma
arma que afastava os indivíduos uns dos outros, em meio a pandemia passou
a ser uma das grandes aliadas para manter a relação com o outro. O mundo
todo teve que se adaptar a forma de viver em sociedade, e a forma de relacionar
com o outro, a pandemia evidenciou as novas formas de relacionamentos
com o distanciamento e o isolamento social, Bauman (2001), caracteriza isso
como a liquidez das relações sociais e dos modos de vida.
O impacto nas relações sociais e nos modos de vida, distanciou o homem
do princípio da sua natureza humana e social e da sua necessidade de grupo,
Habermas (1968, p. 47) esclarece que:
essa racionalidade é medida pela manutenção de um sistema que pode
permitir-se converter em fundamento da sua legitimação do incre-
mento das forças produtivas associado ao progresso técnico-cientifico,
embora, por outro lado, o estado das forças produtivas represente pre-
cisamente também o potencial, pelo qual medidas as renúncias e as
incomodidades impostas aos indivíduos estas surgem cada vez mais
como desnecessárias e irracionais.

A nova forma do convívio social, o qual, até pouco tempo, era natural e
inconscientemente é substituído de forma involuntária pelo convívio sócio
virtual, ficando evidente as régias da lógica da dominação da racionalidade
técnica. Nas palavras de Habermas (1968, p. 46), poderíamos traduzi-la como
o “[...] reverso de uma racionalidade crescente da ação social”, em relação
a contexto do isolamento e do distanciamento os contatos são virtuais e a
conexão entre os seres, e tudo aquilo que os cerca, se dá por meio da internet.
A palavra “adaptar” foi muito utilizada no período pandêmico. Adaptar
todos os setores da sociedade para o “novo normal”. O ano letivo de 2020 mal
se iniciou e precisou ser interrompido. As escolas da educação básica, em sua
maioria adotaram o sistema de aulas remotas, com as atividades presenciais
pausadas devido à pandemia, foi necessário se adequar a essa nova forma de
viver em sociedade.
O desenvolvimento e planejamento de atividades dos professores passou
a ser por meio das plataformas digitais. O CNE (Conselho Nacional de
Educação) publicou em abril de 2020, um parecer favorável às atividades
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
176 • Para além do território demarcado

remotas, com o fim de comprimento da carga horária mínima anual, e uma


proposta para restabelecer o calendário anual escolar. O parecer possibilita
que as atividades não presenciais sejam consideradas, e assim minimizam a
necessidade de reposição presencial dessas aulas. O documento evidencia
ainda mais as desigualdades sociais presentes no país, pois o que fazer com os
alunos que não possuem acesso às tecnologias e as famílias que não possuem
condições mínimas de conhecimento para orientar as crianças nas atividades
remotas.
Segundo dados de uma pesquisa publicada pela Unicef (Fundo Interna-
cional de Emergência das Nações Unidas para a Infância) no Brasil em setem-
bro de 2020, 96% das escolas municipais do país estão oferecendo atividades
pedagógicas aos alunos nesse período pandêmico. O levantamento foi reali-
zado entre os dias 7 e 18 de agosto de 2020, no qual aponta que “aproximada-
mente 95% das redes municipais com atividades de ensino não presenciais ado-
tam a distribuição de materiais impressos e 80% das redes municipais adotam
a distribuição de aulas gravadas como parte das estratégias” (UNICEF, 2020).
Com a interrupção das aulas, as escolas públicas e privadas fecharam suas
portas no início da pandemia. Sem saber o que fazer e como fazer e sem
previsão de uma retomada para as aulas presenciais, as escolas adotaram o
ensino remoto. As tecnologias digitais foram inseridas na educação de uma
hora para outra, até os professores mais resistentes à educação on-line tiveram
que se adaptar, a fim de continuar o processo educativo de seus alunos e até
mesmo para a manutenção de seus empregos.
Segundo Honorato e Marcelino (2020, P. 209) “Torna-se crucial o desen-
volvimento de estratégias especializadas, de maior proximidade para os alunos
e envolve o horizonte de gestores, professores, família e da comunidade que
orbita na instituição escolar [...]”. Fica evidenciada a falta de despreparo dos
professores e gestores da rede pública, e até mesmo da rede privada sobre os
desafios de se ensinar remotamente e a falta de conhecimento para o uso dos
recursos digitais.
Conforme afirma Vygotsky (1982), “o sujeito é ativo, ele age sobre o meio”,
ou seja, o processo de aprendizagem ocorre por meio da interação do indivíduo
e o ambiente sócio cultural que o cerca, “aprendemos valores, normas sociais,
condutas, identificações de gênero e identidade individual, tudo em dialética
com o nosso meio social que molda nossas subjetividades” (DUTRA, et al.
2020, P. 293). Nesse sentido a escola possui um papel fundamental na vida dos
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 177 •

indivíduos, o papel de formadora de cidadãos críticos e inseridos no contexto


social. Por isso a necessidade de não se parar totalmente com as aulas no
período pandêmico, pois os danos para a formação dos indivíduos poderiam
ser muitos grandes. Por outro lado, o modelo de ensino adotado evidencia
ainda mais as diferenças e desigualdades sociais presentes no país.
[...] Não resta dúvida que a disseminação da COVID-19, explicitou
ainda mais as carências da classe trabalhadora brasileira e a realidade
objetiva que professores, pais e estudantes enfrentam: falta de acesso a
computadores/notebook e banda larga de qualidade, falta de recursos
materiais e financeiros para que os pais possam ficar em casa, acom-
panhar e cuidar da educação e da saúde de seus filhos, entre outras.
(ORTEGA e ROCHA, 2020, p. 304)

É preciso levar em consideração todos os fatores, como o envolvimento


das famílias no processo educacional dos filhos. O papel do professor passa a
ser ainda mais significativo durante esse período, “exigindo das instituições
escolares um diálogo ampliado com a comunidade e o uso de um repertório
tecnológico diferente do usual, capaz de dar sentido e estimular os educandos
durante e após esse período de isolamento social” (ORTEGA e ROCHA,
2020, p. 304).
Adorno (1995) contribui afirmando que a formação do profissional deve
desenvolver aptidão e elevado nível de reflexão para que esse possa lidar com
as mais diversas situações presentes no decorrer do exercício de sua profissão.
Após a pandemia é preciso rever os currículos de formação inicial e o incen-
tivo a formação continuada dos professores, incorporando disciplinas liga-
das aos meios digitais e tecnológicos a formação de professores, deve-se tam-
bém incluir o uso das tecnologias ao Projeto Político Pedagógico das esco-
las (GATTI, 2012), com uma ferramenta que auxilie no processo de ensino e
aprendizagem do aluno.
É fato que ninguém esperava viver um momento como esse da pandemia,
por tanto não se sabia ao certo o que e como fazer. Foi preciso repensar o mo-
delo de educação, o de professor e alunos, e as famílias tiveram que se adaptar
a esse novo modelo. É sabido que as desigualdades ficaram ainda mais eviden-
tes neste período, diversos alunos não conseguiram acompanhar as aulas re-
motas e as atividades nesse período, ficam evidentes também os desdobramen-
tos dos professores na tentativa de comprimir as exigências impostas pelo sis-
tema, e o seu papel que o mesmo exerce como agente formador na sociedade.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
178 • Para além do território demarcado

O uso das tecnologias no período de pandemia

No início do período da pandemia, dos lockdowns e do isolamento social


não se sabia quanto tempo esse período iria durar e como proceder. Tudo era
muito novo e não existia uma fórmula que se ensinava o que fazer e como fazer
em uma situação como essa. As decisões durante a pandemia foram tomadas
de acordo com os acontecimentos e vivendo um dia de cada vez. Com as
frenéticas transformações sociais ocorridas através da pandemia, o espaço
escolar passou a adotar os recursos tecnológicos como estratégia didática,
assim, muitas barreiras foram rompidas entre o ensino físico e virtual, criando
uma nova linguagem, a educação híbrida (BACICH e MORAN, 2018).
Antes o que muito se ouvia nas discussões acerca das relações pessoais era
que deveríamos largar as telas (celulares, computadores, tablets, redes sociais
e outros artefatos e meios de comunicação digitais) e prezar pelas reações
humanas, o contato olho no olho que vinha se perdendo diante de uma
sociedade tecnológica, em que abriu espaço para os meios digitais e deixou-se
dominar pelos mesmos. Entretanto com a chegada do vírus, e para garantia da
saúde e prevenção da vida, prezou-se o isolamento social, com isso, o contato
passou a ser restrito, através dos artefatos digitais.
[...] A era tecnológica tem sido apresentada como o “novo” modelo
de sociedade que foi entrando em todos os ambientes. Muda a pers-
pectiva de vida social e de trabalho. Os profissionais de diversas ins-
tâncias sentem a necessidade de repensar os métodos, as técnicas e as
habilidades [...] (OLIVEIRA e AGOSTINI, 2020, p. 3).

O uso das tecnologias nesse momento pandêmico vem para facilitar as


relações humanas, sendo integrado no cotidiano dos indivíduos. As relações
sociais passam a ser por meio dos artefatos digitais, aproximando quem está
longe, e assim, facilitando a vida em isolamento social, mantendo as relações
sociais, dando a sensação de que se está perto, mesmo estando longe. O valor
da vida foi colocado em alta, se tornando o bem mais valioso em todo o mundo,
mais que qualquer bem de consumo. Todos os setores da sociedade tiveram
que se adaptar e se adequar às novas regras de vivência. Com a educação não
foi diferente. Ficou impossibilitada a manutenção das aulas presenciais nesse
período. Professores, gestores, alunos e famílias então tiveram que se adaptar
a essa nova forma de viver em sociedade.
Isso posto, na atual sociedade contemporânea, o Ensino Híbrido ganha
forma na Educação Básica como um meio para dar continuidade ao ensino
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 179 •

transmitido no formato presencial. Este modelo está relacionado ao ideal de


que os alunos possam aprender em tempos e locais diferentes, algo já utilizado
enquanto método na Educação a Distância (EaD) é mais comum no Ensino
Superior. Esta modalidade de ensino surge com o propósito do professor
agregar a sua prática pedagógica o uso das várias tecnologias, oportunizando
ao protagonismo do aluno no processo do ensino e aprendizagem (BACICHI,
2016; SOUSA, 2018; SOARES e CESÁRIO, 2019).
A educação tem o papel de preparar os indivíduos para viverem em socie-
dade (ORSO, 2019, p. 316). Assim, cabe à educação identificar os problemas
postos pela realidade, a fim de mediar a sua superação, preservar a vida e cons-
truir uma nova humanidade. A educação principalmente nas primeiras fases
do desenvolvimento da criança que sempre se prezou pelo contato com o ou-
tro e as relações que são estabelecidas nessa fase que são fundamentais para o
desenvolvimento da criança tiveram que ser restabelecidas, e optou-se pelo
ensino remoto.
Essa forma emergencial de atendimento educacional gerou críticas e refle-
xões acerca das condições de aprendizagens dos alunos, bem como da precari-
zação do trabalho docente. Porque de um lado é preciso considerar as possibi-
lidades de acesso dos alunos a dispositivos tecnológicos, whatsapp ou compu-
tador, além disso, a um pacote de internet capaz de suportar a transmissão das
aulas. No contexto do corpo docente, a familiaridade dos professores com
equipamentos tecnológicos, gravação e edição de vídeos, entre outros.
O avanço que a EaD no Brasil, traz inúmeros estudos e reflexões de alguns
pesquisadores e estudiosos da área educacional a colocam como uma educa-
ção bancária, acrítica e oposta de uma prática emancipatória (BARRETO e
ROCHA, 2020). O aluno dentro deste contexto deve desenvolver habilidades
autônomas para realizar as aprendizagens, e como os alunos da Educação Bá-
sica nos anos iniciais, poderá desenvolver uma aprendizagem autônoma, sendo
que neste nível de ensino o professor, o contato humanizador e afetivos são
essenciais para propiciar experiências no que tange o ensino e aprendizagem.
Estas indagações passam também por uma nova forma de compreender
as relações entre ensino e aprendizagem no que diz respeito às metodologias
de ensino para as novas gerações, que já nasceram em um mundo mediado
por tecnologias digitais, os nativos digitais. Esta abordagem teórica utiliza as
Metodologias ativas e modelos híbridos na educação, direciona o aluno como
o centro do processo de aprendizagem e o professor como o mediador do co-
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
180 • Para além do território demarcado

nhecimento científico. A junção entre as metodologias ativas em contextos


híbridos tem ampliado um meio para a aprendizagem, das situações mais sim-
ples às mais complexas, principalmente em meio a atual realidade pandêmica.
O método e as estratégias de ensino remoto e que tem por percussor os
métodos utilizados pela EaD, a modalidade a distância não é algo tão novo,
pois a possibilidade de o estudante ter acesso às suas atividades escolares em
domicílio em virtude da ausência das aulas é respaldada pelo Decreto-Lei nº
1.044, artigo 2º de 21 de outubro de 1969 (BRASIL, 1969). Com a expansão
tecnológica mundial, novas formas de ensinar foram criadas, ampliando a
formação docente inicial e continuada, em consonância com o artigo 62 da
LDB “A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível
superior, em curso de licenciatura plena, admitida, como formação mínima
para o exercício do magistério na educação infantil e nos cinco primeiros anos
do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal”
(BRASIL, 2017).
Entretanto, a formação de professores dos cursos de Pedagogia deve pos-
sibilitar meios para adquirir conhecimentos, competências e habilidades ne-
cessárias à atuação em diversos segmentos educacionais e deve estar articu-
lado a um currículo bem fundamentado diante dos diversos saberes educa-
cionais necessários à preparação do futuro profissional da educação. O pro-
fessor deve estar preparado para mediar da melhor forma cada instrumento
utilizado para transmitir o conhecimento para seus alunos, ao ponto de possi-
bilitar experiências do aluno com o conhecimento que está sendo transmi-
tido, é a experiência que provoca mudanças nas relações do homem com o
meio, o que leva o homem ao conhecimento não é um fim em si mesmo, mas
a necessidade de apropriação da realidade.
Nas palavras de Arendt (2005, p.235), quem educa não assume responsa-
bilidade apenas pelo “desenvolvimento da criança”, mas também pela própria
“continuidade do mundo”, pois as crianças são a continuidade da humani-
dade e que neste momento da maior pandemia da humanidade, ficará com
grandes lacunas que posteriormente serão cobradas no que cerne a aprendi-
zagem. O professor deve ter o compromisso ético de ensinar o aluno para o
futuro, para atuar na sociedade obtendo uma consciência crítica e reflexiva
sobre a realidade sócio cultural que o certa.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 181 •

Algumas experiências com o ensino remoto no período de


pandemia

Cada estado e município se organizaram de uma forma diferente. Par-


tindo desse pressuposto, esse texto tem como objetivo trazer um relato de ex-
periência das autoras enquanto professoras da educação básica do município
de Londrina- Paraná, atuando como professora e apoio a crianças, trazendo
discussões algumas acerca do papel da criança nesse período pandêmico. Du-
rante um período da pandemia, uma das autoras acompanhou os estudos de 5
alunos da Educação Básica, 2 alunos do 1º ano de uma escola privada na cidade
de Londrina. Esta escola se caracteriza como bilíngue, porém, para os alunos
que não dominam o inglês, de nada adianta despejar conteúdos sem tradução
para que os alunos resolvam as atividades, pois os professores fingem que en-
sinam e os alunos fingem que aprendem. Nas aulas de português, ciências da
natureza e matemática, eram conteúdos densos para a realidade das crianças
que estavam em casa, enfadados de aprender através de uma tela sem o contato
humano com o professor. Ainda nesta fase, aonde as crianças iam apenas 1 vez
por semana na escola tirar dúvidas com os professores, isso nos indaga a tentar
compreender, se em apenas em um encontro presencial, o aluno conseguiria
sanar suas dúvidas, referente as aulas ministradas durante uma semana toda.
Quando as aulas são pensadas como ensino híbrido, aonde as crianças
iam 2 a 3x por semana no ensino presencial, a carga horária para os alunos que
estavam em casa, aumentou, o que antes começava às 9 h ou 9:30 dependendo
do dia e terminava às 11: 40, é alterado para às 7:30 às 11: 45 min, com 2
intervalos de em média 1 hora. Mesmo assim, com os intervalos longos, as aulas
tinham em torno de 1 h e 30 min, os alunos que estavam em casa, continuavam
exaustos e enfadados de ficar na frente da tela do notebook, Ipad ou na micro
tela do celular.
Os conteúdos que eram ministrados pela professora para os alunos que
estavam em casa, até então, quem mediava era a mãe que não possui conhe-
cimento didático pedagógico e por isso a necessidade de contratação de um
professor de apoio para mediar esses conteúdos. Os alunos que eram acom-
panhados em casa, eram do 1 º ano e ainda não estavam alfabetizados e não
conseguiam escrever e absorver uma aprendizagem significativa o que sobres-
saltou durante as aulas era o enfado e o cansaço mental para as crianças esta-
rem na frente de uma tela.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
182 • Para além do território demarcado

Diante deste contexto de instrumentalização da aprendizagem em tempos


de pandemia, a experiência com a aprendizagem dos alunos se tornam frias,
desumanizadoras e mecânicas. Dewey (1979) considera que a experiência é
fundamental para a cognição, a reflexão crítica e a aprendizagem. Nada na
experiência é simples e isolado, tudo o que foi experimentado acontece a partir
da interação entre as condições objetivas e condições internas – mundo e
mente –, e o segundo, à ideia de que todas as experiências se sustentam na
anterior e modificam a ulterior (DEWEY, 1979a, p.48).
A junção entre experiência e aprendizagem são indissociáveis, a aprendiza-
gem mecânica é quando a aprendizagem consistir de associações puramente
arbitrárias, quando falta ao aluno o conhecimento prévio necessário para tor-
nar o conhecimento significativo. (AUSUBEL et al, 1980). Isso é notório nas
aulas remotas do primeiro ano do ensino fundamental da instituição privada,
a qual acompanhei as aulas. Durante as aulas das matérias de inglês ou de por-
tuguês quando era o ditado e os alunos não estavam plenamente alfabetiza-
dos, era perceptível na arbitrariedade da transmissão dos conteúdos, pois os
alunos eram obrigados a escrever as palavras e realizar as atividades sem ao me-
nos internalizar aquele novo conhecimento e só era possível à realização das
atividades com um mediador entre o professor e o aluno.
Outra experiência que ressaltamos aqui é com a Educação Infantil, com as
crianças que se encontram na última fase em preparação para o primeiro ano
do Ensino Fundamental. A realidade aqui apresentada é de uma escola da rede
privada do município de Londrina. O município deixou as escolas da rede pri-
vada na educação infantil de certa forma livres para trabalharem com o ensino
remoto, e cada escola adotou uma forma diferente, sejam com vídeo aulas gra-
vadas, apenas com o envio de materiais ou com aulas em tempo real. Todas as
crianças do município que estão em idade obrigatória (4 anos) precisam estar
matriculadas e consequentemente cumprir a gama de conteúdos propostos.
As crianças que se encontram nesta fase, já foram retiradas do convívio
social e passaram a ficar isoladas com seus familiares em suas casas, e ainda de-
vem cumprir com uma rotina de atividades propostas pela escola. Alguns pais
durante este período ressaltam o quanto é difícil ensinar, e muitas atividades
ao longo da pandemia foram voltando ao normal e muitos pais retomaram
as atividades presenciais em seus empregos, o que dificulta ainda mais con-
ciliar o trabalho com a rotina de atividade dos filhos e acabam por optar em
não fazer as atividades remotas, isso contribui para o não desenvolvimento da
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 183 •

criança e de todas as suas potencialidades. Conforme aponta Ribeiro e Clí-


maco (2020) as atividades devem estimular as crianças em brincadeiras, jogos,
conversas, músicas, desenhos e outras.
Se por um lado temos a grande quantidade de atividades propostas para
as crianças que leva ao cansaço mental e físico, por outro temos o não fazer
nada também leva a criança ao não desenvolvimento de suas máximas possibi-
lidades. As mudanças acarretadas pelas tecnologias no período pandêmico
serão assimiladas pela sociedade, uma vez que ela já implica em uma nova pos-
tura da escola pós-pandemia, pois fica evidente que o currículo escolar deverá
ser revisto e consequentemente repensado, pois a defasagem de aprendizagem
pós-pandemia será enorme.
Fica evidenciado também neste período de pandemia as desigualdades
presentes no país, pois a realidade aqui apresentada é de crianças de institui-
ções privadas que possuem o recurso para acesso às aulas remotas e ainda em
algumas vezes tem a possibilidade de ter um professor em casa para auxiliar
na aprendizagem. E as crianças em situações de vulnerabilidade que não têm
acesso a tecnologia, não possuem internet, e sem alguém da família para ensi-
nar em casa e realizar esse processo de mediação dos conteúdos. Conforme
Arendt, (2009) destaca que a educação é um entreposto entre o âmbito pri-
vado da família e a sociedade, se a família não ajudar, não cooperar para que o
ensino aconteça de forma completa, a escola sozinha não tem este poder.
Com tudo, a realidade da rede privada acaba sendo diferente das escolas
municipais, enquanto para uns a internet é necessária, para outros é algo
supérfluo em relação a colocar comida na mesa da sua família. De acordo
com o censo de 2019, apenas 21,1% dos alunos da rede municipal têm acesso à
internet e 44,0% na rede privada. (CENSO, 2019). Os dados do Censo de 2019
evidenciam a desigualdade social ao acesso às aulas remotas e aos instrumentos
tecnológicos, neste sentido, a implementação do ensino remoto emergencial
deixa de cumprir a orientação do Conselho Nacional de Educação (CNE) no
que cerne ao acesso ao ensino de forma efetiva a todos os alunos.
Ainda que as iniciativas para implementação do ensino remoto como ga-
rantia de dar continuidade ao acesso ao ensino dos alunos da Educação Básica
para promover as atividades não presenciais, isso não significa, a garantia de
um ensino de qualidade e significativos e de cunho pedagógico como a ga-
rantia da qualidade e o acompanhamento avaliativo. Mesmo que os alunos
da rede privada tenham mais facilidade ao acesso a internet, não garante um
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
184 • Para além do território demarcado

ensino de qualidade, pois o enfado e o cansaço dos alunos sobrepõem o inte-


resse de aprender frente a tela.
A educação tem um papel essencial na construção de uma sociedade soli-
dificada na emancipação e consciência crítica do indivíduo impedindo que
Auschwtiz se repita (ADORNO, 1995, p. 104). Tanto os educadores como
os meios de comunicação, especificamente os de massa, têm um papel fun-
damental no que diz respeito à formação do da consciência emancipatória e
crítica do indivíduo. Nesse sentido, Adorno (1995, p.104) afirma: “A exigên-
cia que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação”, evi-
denciando a educação como o essencial a ser pensado na construção de uma
humanidade avessa às barbáries e a instrumentalização da razão humana. Essa
educação teria de ser voltada principalmente à educação durante a primeira
infância. Os pensamentos de Adorno refletem também sobre a educação po-
lítica, e emancipatória, que evita a repressão, o autoritarismo e, logo, resulta-
dos como os de Auschwitz (ADORNO, 1995, p. 123).
A educação emancipatória, que prima pela reflexão, a emancipação e
autocrítica do indivíduo de modo a produzir sujeitos críticos que possuam
consciência a ponto de identificar as barbáries e a massificação da consciência
no contexto social em que estão inseridos e controlados pelos moldes da
indústria cultural, moldes os quais a educação e a cultura tem sido fortemente
sujeitada. Para Adorno, a Educação tem como objetivo essencial promover o
domínio pleno do conhecimento emancipatório e a capacidade de reflexão
crítica sobre a massificação das coisas e da cultura. Adendo a isso, Adorno
(1995) expõe algumas considerações sobre a educação:
assumindo o risco, gostaria de apresentar minha concepção inicial de
educação, evidentemente não a assim chamada modelagem de pessoas,
por que não temos o direito de modelar as pessoas a partir de seu
exterior; mas também não a mera transmissão de conhecimentos, cuja
característica de coisa morta já foi mais que destacada, mas a produção
de uma consciência verdadeira (ADORNO, 1995, p. 141).

Neste sentido, a escola é o local onde conhecimento científico e elaborado


é ensinado, é na escola que deve ser proporcionado o processo de esclareci-
mento dos indivíduos, de superação da alienação da consciência. O processo
dialético que possibilita o esclarecimento só se confirma por meio do pensa-
mento crítico que investiga minuciosamente a realidade social e cultural que
o sujeito está inserido.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 185 •

A partir dos ditames legais em tempos de pandemia fica mais do que evi-
dente que a escola se transformou em instrumento a serviço da indústria cul-
tural, que tratando o ensino como uma mera mercadoria pedagógica em fa-
vor da “semiformação”, isso imputa a perda dos valores para o desenvolvi-
mento da emancipação , reflexão e da consciência crítica dos alunos. O nosso
país precisa que as escolas sejam capazes de promover uma educação crítica e
emancipadora (FREIRE, 1998, GIROUX, 1986) eficaz para que o indivíduo
seja capaz de obter uma consciência crítica , reflexiva e emancipatória a fim de
lutar contra a semiformação e a barbárie imposta pela massificação da cultura
e assim tensionar a sociedade e a educação.

Considerações finais

Diante ao cenário epidêmico em que mundo vive, a vida se mostra como


um bem mais valioso e frágil ao mesmo tempo, os países, os governos a cada
momento tomam novas decisões a fim de tentar ao máximo preservar a vida,
e a Educação como um direito essencial também sofre fortes reflexões sobre
as novas medidas para tentar ser mantida mesmo que de forma remota.
Toda vida, no Brasil o desafio se torna complexo uma vez que a educação
como direito social é marcado pelas desigualdades sociais e com a implemen-
tação do ensino remoto emergencial na Educação Básica as desigualdades so-
ciais e educacionais são reverberadas pelas possibilidades dos alunos ao acesso
às aulas remotas. Mesmo para aqueles alunos que tiveram o acesso ao ensino
remoto não garante um ensino de qualidade que possibilita uma aprendiza-
gem significativa.
As instituições de ensino, em sua maioria, no discurso se negam aos moldes
da lógica do mercado, mas evidentemente estão operando a partir da lógica
mercantilista ao direcionar o fim de suas atividades na produtividade e nos
resultados dos conteúdos e aulas ministradas. Tal perspectiva está associada
aos moldes de formação imposto pelo capital e a partir de uma ideologia
alienante que exerce “[...] uma pressão tão imensa sobre as pessoas, que supera
toda a educação” (ADORNO, 1993, p. 143).
A lógica do capital enquanto organização da sociedade e da educação,
reverbera a alienação e a barbárie ao priorizar as concepções individuais como
prioritárias em contextos que deveriam requerer humanização e afetividade.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
186 • Para além do território demarcado

O discurso de oferecer educação para todos através do ensino remoto em


tempos de pandemia, fere os preceitos para a garantia do direito à educação
para todos, pois dialoga com a perspectiva que concebe a educação a partir
de sua dimensão instrumental e massificada. As normatizações no sistema
educacional brasileiro em tempos de pandemia, se mostra naturalizando não
só as desigualdades sociais como também a barbárie. Normalizar a barbárie é
desumanizar a educação.
É imprescindível destacar que no atual contexto pandêmico que vivenci-
amos o isolamento social tem se mostrado o método mais eficaz em todo o
mundo para evitar a contaminação pelo coronavírus. Para tanto, o ensino re-
moto emergencial neste momento é uma estratégia no que tange ao processo
de ensino e aprendizagem. No entanto, para que este tenha um resultado sig-
nificativo é necessário que as Secretarias Municipais, por meio das políticas
educacionais, possam garantir condições objetivas para alunos, professores e
familiares terem acesso ao processo educacional por meio das aulas não pre-
senciais. É preciso garantir acompanhamento pedagógico dos processos de
ensinar e aprender, implementando ações de recuperação de conteúdo, volta-
dos à essência do currículo escolar, a fim de amenizar os prejuízos pedagógi-
cos, bem como amenizar a exclusão social.
É necessário reduzir a proximidade física, mas temos que manter os vín-
culos afetivos, mesmo que nesse momento seja por meio das aulas remotas,
minimizando o estresse decorrente do período correndo-se o risco de termos
ainda uma pandemia psíquica. Sendo assim, nesse momento acreditamos que
ao invés de pensarmos em cumprir o calendário escolar ou se vamos perder o
ano letivo, necessitamos refletir sobre não perder vidas. Por que não utilizar
o ensino remoto e as ferramentas virtuais neste ano de 2020 para conversar
sobre as pandemias, sobre o valor e o sentido da vida, sobre relações humanas,
sobre sustentabilidade, saúde mental e papel da ciência?
Por fim, sabemos da necessidade das escolas se manterem fechadas nesse
grave momento de crise sanitária, porém no pós-pandemia temos que ter
clareza que a educação básica precisa ser presencial, pois as escolas ensinam
muito mais que conteúdo. Escolas ensinam modos de vida ao desenvolver
indivíduos conhecedores do seu papel, inseridos na coletividade de nossa
sociedade e este processo necessita de interação e socialização entre os sujeitos.
Destarte o contexto pandêmico nos coloca diante da reflexão de não ne-
gar os acontecimentos sociais que englobam toda a humanidade em todas as
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 187 •

esferas sociais, no que tange a pesquisa, nos evidencia sobre a importância da


escola como único local para a transmissão do conhecimento e das relações
sociais dos alunos , da importância do professor enquanto um profissional
qualificado detentor do conhecimento científico e a educação enquanto es-
sencial para vida em sociedade e evidencia o quanto o aspecto político e de
humanização é dimensão fundamental para o processo formativo do homem.

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educação, formação e
outros contextos teóricos
12. Olhares para a escola contemporânea:
debatendo a interatividade na era
tecnológica

Debora Graciela Radenti | Carlos Fernando Lozano Castañeda

Introdução

iferentemente de outros períodos históricos, o século XX desen-

D volveu, em escala abrangente e dinâmica, tecnologias de comunica-


ção e informação cujo impacto indica a existência de uma estratégia
imprescindível para a cultura, a sociedade e o sistema educacional. Por tanto,
as pessoas, antes influenciadas pelos pais ou autoridades de gerações anterio-
res, passavam a depender de seus pares. Todavia, no final do século XX, a in-
ternet aliada ao aparecimento da cotidianização de sistemas multimidiáticos,
como o computador, televisão e o smartphone, que de certa forma intensifi-
caram a tendência ao virtualismo1 .
Ou seja, nos deparamos com o aparecimento de uma sociedade de rede,
cujo sistema multimidiático se apresenta como sinalizador de novas tendências
culturais, políticas, econômicas e educacionais. A introdução e difusão destes
sistemas promoveu o aprimoramento da sociedade em rede que, por sua
vez, potencializou a penetrabilidade da informação, do processamento e da
comunicação, tornando todos os afazeres digitais como dominadores das
atividades humanas.
Desse modo, este estudo bibliográfico objetivo discutir sobre as percep-
ções conceituais para se pensar sobre o perfil docente na atualidade, princi-
palmente no que se refere à tecnologia e possível encaminhamento teórico-
crítico em favor da humanização do ensino. Os autores básicos são Demo
(1993), Fragoso (2021), Freire (1997), Gatti (2009), entre outros.
1 É o ponto que criou a ruptura da Terceira Revolução Industrial para a Quarta Revolução

Industrial, permitindo que a sociedade no seu presente caminhe para compreender as di-
mensões das Redes Sociais e do mundo virtualizado que doravante faz do cotidiano do indi-
víduo ser virtual em todas as suas infinidades. RISSUTO, Andrei. O virtualismo: a quarta
revolução industrial. Paraná: Clube de autores, 2020, p. 138.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
194 • Para além do território demarcado

A digitalização, a velocidade e o excesso informativo são considerados por


Marcondes Filho (1997) como os três componentes da era tecnológica, ao
interferirem na ordenação física, psíquica dos agentes, os quais produzem
novas sínteses, reordenando seu modus vivendi e sua estruturação no mundo.
A partir disso, a atenção precisa ser voltada para o campo da interdiscipli-
naridade, ou seja, a importância de outros conceitos norteadores e estruturan-
tes para entender as transformações sociais no campo da educação, nos proces-
sos de ensino e de aprendizagem, permeados pelos saberes e fazeres docentes.
Por conseguinte, o uso desenfreado da racionalidade tecno científica,
exacerbado pela informatização, em que a mente humana se torna uma forma
de produção, leva à penetração dessa lógica em várias esferas das sociedades
de controle, como na racionalização educativa. Tem-se, deste modo, um
processo paradoxal mediado pela ciência e a tecnologia que, dito de outra
forma, no cenário educativo, as vidas docentes e do discente passam a ser
geridas e controladas a partir dessa lógica tecno científica que intervém sobre
a realidade dos processos de ensino e aprendizagem, se regendo assim a marca
da cibersociedade ou sociedade tecnológica.
Norteia a nossa pesquisa a visão crítica de Adorno e Horkheimer (1985,
p. 8), que pontuam as questões da regressão, da barbárie e do ofuscamento,
projetando-os sobre a atual “sociedade multitela” em seu desenvolvimento tec-
nológico, sua instrumentalização da razão e consequente processo de forma-
ção ou semiformação. Esta visão crítica ganha especial contundência quando
lemos no prefácio de “A dialética do Esclarecimento” a seguinte afirmação:
“O que nos propusemos era, de fato, nada menos do que descobrir por que
a humanidade, em vez de entrar em um estado verdadeiramente humano,
está se afundando numa nova espécie de barbárie” (ADORNO; HORKHEI-
MER, 1985, p. 8).
Os processos de formação mediados pelas novas tecnologias estabelecem
instâncias de modo acelerado que se convertem em verdadeiros apêndices
da indústria cultural. Ora, uma progressiva deterioração na formação dos
indivíduos e no crescente despreparo dos professores que se tornam cada
vez mais baldios, acentuando a semiformação e propagando a massificação
do conhecimento e do saber, principalmente com o aumento da dominação
técnica que danifica a possibilidade do desenvolvimento da autonomia, da
existência de subjetividades e em se pensar na interatividade no processo de
formação de professores no contexto da escola contemporânea.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 195 •

Adorno e Horkheimer (1985, p. 114) afirmam que essa sociedade é basica-


mente o terreno no qual a técnica conquista seu poder, ou seja, “a raciona-
lidade técnica hoje é a racionalidade da própria dominação”. Os processos
de formação em geral e dos professores em particular estão envolvidos por
práticas culturais mediadas pelas novas tecnologias da informação que vêm
se constituindo com “poder” e sendo “aceitos sem resistência” (ADORNO;
HORKHEIMER, 1985, p. 114).
Em uma sociedade que condiciona a educação diretamente à formação
para o trabalho, dar acesso à educação, o homem agrega valor à sua propriedade
pessoal-intelectual é dá a ele uma responsabilidade, logo quando o valor do
homem é medido pela sua capacidade e pelo que possui e pelo que não em
matéria de intelectualidade. Em termos de educação no Brasil, abrange-se o
binômio cidadania-trabalho que se encontra presente em praticamente todas
as leis que definem a educação no Brasil.
A Constituição de 1937, artigo 292 , por exemplo, estabeleceu como pri-
meiro dever do Estado em matéria de educação o “ensino pré-vocacional e
profissional”. Já a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 4024/61, artigo
013 , apregoa que um dos fins da educação é o “preparo do indivíduo e da so-
ciedade para o domínio dos recursos tecnológicos que lhes permita utilizar
as possibilidades e vencer as dificuldades do meio”. Na lei nº 5692/71, o ar-
tigo 014 apresenta como objetivo geral proporcionar ao educando a forma-
ção necessária ao desenvolvimento das suas potencialidades como elemento
de autorrealização, qualificação para o trabalho e preparo para o exercício da
cidadania. A lei 7077/82 define como “objetivo geral proporcionar [...] pre-
paro para o trabalho e para o exercício consciente da cidadania” e atualmente,
a LBB nº 9394/96 define que:
A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de
liberdade e de solidariedade humana, tem por finalidade e pleno de-
senvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidada-
nia e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1996, p. 05).

Percebe-se assim que, decisões, ações políticas e direitos humanos, como


na Declaração dos Direitos Humanos firmada em Assembleia Geral das Na-
ções Unidas, 10 de dezembro de 1948, destaca-se a já reconhecida assertiva de
2 Disponível em: <https://bit.ly/3kKuBkK)>. Acessado em 16 de janeiro de 2021.
3 Disponível:<https://bit.ly/3mMvWd7>. Acessado em 16 de janeiro de 2021.
4 Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br>. Acessado em 16 de janeiro de 2021.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
196 • Para além do território demarcado

que “Toda pessoa tem direito à educação”, no Brasil, as políticas públicas vol-
tadas à educação adquiriram maior destaque e se transformaram em leis de
grande amplitude social a partir da década de 1980, com a Promulgação da
Constituição Federal do Brasil em 1988.
Desses debates acadêmicos, se deram passos qualitativos e quantitativos
no sentido de garantir mudanças reais nas propostas de educação escolar
e como bem descrito no Artigo 205 da Constituição Federal de 1988, que
apresentam nas orientações, planejar, implementar, e orientar às escolas de
modo a garantir a organização dos recursos administrativos e pedagógicos ao
bem encaminhamento da educação para além da técnica, precisamente, para
a emancipação humana.
Dessa forma, além de complementar e/ou formar profissionais capacita-
dos, atualizados e sensibilizados com a escola de hoje, instrumentar literaria-
mente o professor a ser um sujeito ativo da sua complementação e/ou apren-
dizagem para assumir a função de facilitador deste processo perante a educa-
ção, as novas tecnologias, aos fundamentos que as alicerçam, políticas e práti-
cas tornam o desafio desta discussão. Assim, na seguinte seção se desmembra-
rão de forma sucinta os conceitos e práticas que compõem o universo deste
novo sujeito, no caso, escolarizado na era tecnológica.

Construção do sujeito na era tecnológica

A evolução da tecnologia conduz a educação a um novo estágio de desen-


volvimento, uma vez que suas ferramentas potencializam a comunicação dia-
lógica entre os sujeitos envolvidos no processo educativo, ampliando a interati-
vidade e sem dúvidas o compartilhamento coletivo de conhecimentos-saberes.
Por sua vez, a tecnologia é fruto do trabalho humano, nela se constitui a
síntese do trabalho transposto às máquinas, resultando em que a tecnologia
é o trabalho intelectual materializado, convertendo a ciência em potência
material – tangível, isso significa que a identidade, o modo de relacionamento
e de percepção, assume novos sentidos, contribuindo para que o sujeito, na
era tecnológica, se assente em lógicas diferenciadas.
Com a expansão dos meios tecnológicos de informação, o mundo e seus
processos de socialização se substituíram pelo mundo digital, como passagem
de vivencias e agires sólidos para voláteis com estrutura de velocidade, como
analisado pelo filósofo Gilles Deleuze, seguindo as análises e exposições feitas
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 197 •

por Michel Foucault, na sua denominada sociedade de controle5 , que emer-


gem com a centralidade que a técnica passou a ter na vida das pessoas, gerando
uma espécie de “crise generalizada de todos os meios de confinamento, prisão,
hospital, fábrica, família” (DELEUZE, 1992, p. 220), ou seja, na sociedade de
controle, a delimitação do dentro e do fora, esfuma-se.
Pode-se caracterizar a sociedade de controle como um extensor da socie-
dade disciplinar que apresenta traços diferenciadores. Enquanto a sociedade
disciplinar é sustentada pelo confinamento, ao passar de um espaço fechado a
outro, sobre o regime imposto de forma disciplinar, a sociedade de controle
é descentrada e conduzida por instrumentos tecnológicos (TICs) que regis-
tram e evidenciam o imediato das ações e padrões de comportamento para a
sociedade.
Como contraponto ao espaço privado, os sistemas multimidiáticos6 , com
epicentro na internet, se apresentam como como uma esfera pública, em que
as atividades se condensam no meio eletrônico, faz com que se vivam em um
mundo que já se tornou digital e naturalizado pela tecnologia.
Essas tecnologias não são apenas ferramentas para serem, mas também
processo a serem desenvolvidos com elas. Segue-se uma relação muito
próxima entre processos sociais de criação e manipulação de símbolos
(a cultura da sociedade) e a capacidade de produzir e distribuir bens e
serviços (as forças produtivas) (CASTELLS, 1999, p. 51).

Depreende-se da citação do autor, que na integração das mentes e das má-


quinas com as novas tecnologias, se amplificam as extensões do homem, tor-
nando a mente humana uma força de produção atrelada às novas tecnologias,
ao processamento da informação e da comunicação e à maior interdependên-
cia entre homem-máquina como modo informacional de desenvolvimento.
Por sua vez, o fato de o conhecimento ter se transformado em principal re-
curso no processo de produção, faz com que se procure mais informação com
a educação e/ou capacitação.
5 Interpenetrabilidade aos dos espaços sem ausência de limite (a rede) e pela instauração de

um tempo contínuo (assíncrono), emaranhado constante e permanente no campo aberto


das mídias digitais que regulam as interações e as malhas do tecido social.
6 A expressão sistemas multimidiáticos é tomada por esta pesquisa no sentido estrito do

letramento para os médiuns que representam na atualidade, boa parte das instâncias sociais
mobilizadoras de informações como: a rádio, a internet, mídia digital, mídia impressa,
apresentada pelo letramento multissemiótico, ou seja, a linguagem imagética como a sonora,
verbal, visual (ROJO, 2007).
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
198 • Para além do território demarcado

O conhecimento, como princípio ativo, transfere à educação a responsa-


bilidade de formar tanto formadores como educandos de acordo com as ne-
cessidades da sociedade atual, denominada sociedade do conhecimento. Essa
definição-atribuição dada à escola pode ser encontrada em literaturas sobre a
qualidade da educação que, pensada dessa forma, cabe à escola, como explica
Gaureschi (1994), uma instituição criada pela classe dominante para produzir
seus interesses, sua ideologia e garantir as relações de produção.
Nesse sentido, ainda acrescenta o autor, que a escola atual desempenha
duas funções principais: “preparar mão-de-obra para o capital” e “reproduzir
as relações de dominação e de exploração” (GUARESCHI, 1994, p. 72). As-
sim para gerar equiparação na qualidade da educação a ser ofertada, se perce-
bem dois tipos de qualidade a se levar em consideração, uma é a formal, carac-
terizada pelo domínio da técnica – capacidade de manejo dos instrumentos e
dos procedimentos científicos; e a outra é uma questão política, executada
pelo indivíduo na capacidade deste fazer a sua própria história diante dos fins
históricos da sociedade humana (DEMO, 1993, p. 115)
[...] a escola precisa propiciar um ambiente em que professores e alu-
nos – sujeitos do processo possam gestar projetos conjuntos que pro-
piciem a produção de conhecimentos. Neste contexto a escola deve
se apresentar como um ambiente inovador, transformador e partici-
pativo, no qual os alunos e os professores sejam reconhecidos como
sujeitos capazes de inovar e de produzir conhecimento (BEHRENS,
1999, p. 90-91).

Deve-se ressaltar a importância da formação de professores, que deve ter


agora na atualidade, onde o ensino não é somente a transmissão de conhe-
cimentos, ensinar é a capacidade de criar e adicionar novas trilhas ou possi-
bilidades de interatividade nas práticas formativas, que estudantes e profes-
sores trabalhem em conjunto para melhorar o novo olhar que a escola tem
(FREIRE, 1997).
Nas palavras de García (1999, p. 26), considera:
A formação de professores é a área de conhecimentos, investigação e
de propostas teóricas e práticas que, no âmbito da Didática e da Orga-
nização Escolar, estuda os processos através dos quais os professores -
em formação ou em exercício - se implicam individualmente ou em
equipa, em experiências de aprendizagem através das quais adquirem
ou melhoram os seus conhecimentos, competências e disposições, e
que lhes permite intervir profissionalmente no desenvolvimento do
seu ensino, do currículo e da escola, com o objetivo de melhorar a qua-
lidade da educação que os alunos recebem (GARCIA, 1999, p. 26).
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 199 •

Pelo exposto até o momento, percebe-se que a escola não está sozinha na
tarefa da educabilidade, ela compartilha a grande tarefa de socialização do sa-
ber junto a várias instâncias comunicativas, empresariais e com a mídia. Ainda,
para a educação escolar e o crescimento econômico, Delors (1998, p. 69) pro-
põe que a ciência e a educação sejam “os motores de progresso econômico”, o
que significa que uma nação tende a prosperar mais economicamente con-
forme se dá mais intenção à educação e ao nível de desenvolvimento da popu-
lação, concebendo o conhecimento como capital.
As novas tecnologias em si não são boas ou ruins pelo que dependem do
uso contextualizado dado ao processo de ensino, ou seja, inseridas no coti-
diano escolar, pelo que poderão servir, tanto para reforçar uma visão autori-
tária, individualista, como uma visão progressista, para reforçar o controle
docente, sobre o sistema de ensino e consequentemente sobre os discentes.
Por outro lado, uma postura diferenciada, pautada por uma atitude intera-
tiva, foco desta pesquisa, pela qual, analisar o uso das novas tecnologias como
possibilidades diversificadas e focadas na ampliação da interação docente-
discente. O profissional da educação precisa compreender as possibilidades
educacionais que se descortinam com as TICs e evitar usar recursos digitais
sem um domínio compreensivo da metodologia específica para as mídias ou
de outros recursos em detrimento da metodologia tradicional.
Isso não quer significar que as mídias interativas sejam eficientes nos
processos educativos, sabendo-se que, por um lado, existe certo receio, todavia,
não declarado que a tecnologia venha a substituir o professor e no contraponto
e/ou extremidade, ocorre o que Delors (2005, p. 218) chama de pressão por
um novo perfil: “As novas responsabilidades que caberão aos professores do
século XXI supõe um perfil profissional quase que inteiramente novo”.
Há que considerar que se tem que fazer novas adequações no currículo
dos cursos de Pedagogia ou de formação de professores, adicionando novas
disciplinas ou minicursos do ensino tecnológico que, de acordo com Sacristán
(2010), o currículo tem que apresentar novas visões sob o que é a realidade
educativa, cumprindo as necessidades que a sociedade precisa, sendo, neste
caso, o uso da tecnologia.
Portanto, é preciso que o professor tenha conhecimentos das ferramentas
que oferece na internet como um meio de ensino e aprendizagem, em que é
preciso analisar a importância de formar e educar o professor para saber-fazer
o ensino de maneira crítica sob a técnica, visto que a tecnologia na sala de aula
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
200 • Para além do território demarcado

deve ser apenas uma ferramenta didática para o ensino, sendo, portanto, o
meio e não o fim.
Nesse contexto, interessa esclarecer e principalmente conduzir a inter-
pretação, que o novo profissional ou aquele que atravesse um processo de
complementação pedagógica se aproprie de novas possibilidades didático-
pedagógicas e comunicativas oferecidas pelas novas tecnologias de informa-
ção e comunicação.
No caso da educação escolarizada, o professor é o ator responsável por
organizar esse processo ao longo da cadeia educacional, nesse sentido e da visão
descrita, como formar o professor e/ou capacitá-lo para essa nova realidade
que se coloca, em que os tradicionais saberes professorais são desafiados devido
à mutabilidade social e tecnológica? Para responder a tal indagação, propõem-
se apreciações do fluxo comunicacional e interacional entre o docente e o
discente.
No seguinte apartado, e para iniciar essa reflexão em torno à apropriação
realmente pedagógica nas novas tecnologias no contexto do ensino, seja em
sala de aula ou veiculadas por um ambiente virtual de aprendizagem (AVA),
construir ou alimentar um modelo que permita abordar os processos tecno-
lógicos como componentes da ação de formar professores.
Isto é, que as tecnologias são, antes de tudo, dispositivos de comunicação
e informação que se propõem diminuir e gerir as distâncias verificadas entre
os sujeitos envolvidos na ação educativa (ALAVA, 2002). A emergência de
manipulação, veiculação e contextualização dos saberes pelas novas tecnolo-
gias faz que o professor, por vezes, se sinta forçado a utilizá-las para não ser
tachado de retrógrado por seus alunos e mesmo pelos seus pares.
Há que ter em conta e ser conscientes que, muitas vezes, os professores de
idade avançada podem tardar umas horas em aprender estes conhecimentos
tecnológicos, mas ninguém pode ter a experiência, sabedoria e conhecimentos
do ser professor, é preciso ter um pouco de paciência e incentivar que sejam
parte deste novo processo de ensino.
A preparação do professor para exercer novos papéis e, consequentemente,
estarem aptos a desenvolverem novas práticas de ensino tem sido foco de estu-
dos de pesquisadores das ciências da educação. Trata-se de uma concepção de
educação que envolve não apenas uma preparação para a prática pedagógica
com os usos das TICs, do AVA, das mídias, mas principalmente da ‘virtuali-
dade como processo de interatividade’.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 201 •

Ainda que, equipar a sala de aula ou ambientes utilizados para o ensino


e/ou transmissão de conhecimentos com as tecnologias disponíveis e/ou ofer-
tar cursos de formação ou de capacitação aos professores para a utilização das
novas tecnologias, não garanta a inauguração de uma nova concepção peda-
gógica.

Desafios para a formação de professores

O professor tem se deparado com exigências para as quais talvez não


tenha recebido a formação específica, e essa lacuna pode se intensificar e
perdurar, agravada por sua vez por próprias inseguranças no manejo das novas
tecnologias, quer seja por natural resistência, quer seja porque se depara com
novas dinâmicas virtualizadas, seja em aulas tradicionais ou em aulas híbridas7 ,
o que pode gerar incômodo ou conduzi-lo, por vezes, a abandonar antigas e
eficientes práticas didático-educativas que poderiam, em detrimento de uma
nova, por vezes, incerta.
Insere-se desta perspectiva a questão da interatividade que, pelo viés da
formação docente, pode acrescentar outras contribuições ao aspecto pura-
mente técnico. Assim, enquanto novo meio de comunicação, a internet possi-
bilita novas potencialidades pedagógicas dada sua característica de interativi-
dade. Fragoso (2001) explica que a interatividade é apontada como elemento
principal “na redefinição de formas e processos psicológicos, cognitivos e cul-
turais decorrentes da digitalização da informação”.
Pode-se asseverar que o professor enfrente um grande desafio de lidar com
educandos que, mediados pela linguagem das mídias, vêm semiformados, an-
tes de ingressar à vida escolar, apresentando perfis com os quais o professor
ainda não esteja preparado para lidar. Partindo desse pressuposto é que a in-
formática foi tratada como fator determinante para promover o desenvolvi-
mento e atualização do ensino e da aprendizagem no Brasil.
Adorno e Horkheimer (1985, p. 114) afirmam que a técnica conquista seu
poder, ou seja, “a racionalidade técnica, hoje, é a racionalidade da própria do-
minação”. Os processos de formação em geral e dos professores em particular
estão envolvidos por práticas culturais mediadas pelas novas tecnologias da
7 O ensino híbrido, ou blended learning, é tendência da Educação do século 21, que promove

uma mistura entre o ensino presencial e propostas de ensino online integrando a Educação
à tecnologia.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
202 • Para além do território demarcado

informação que vêm se constituindo com “poder” e sendo “aceitos sem resis-
tência” (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 114).
Entretanto, neste contexto capitalista e avançado tecnicamente, a educa-
ção se encontra travada pelo desenvolvimento da adaptação e coisificação. É o
fenômeno que Adorno (2003) denomina de semiformação (Halbbildung). A
rede informatizada que permite a veiculação de informações rápidas pelas no-
vas tecnologias se apresenta como uma nova modalidade de potencialização
de conhecimentos que abre perspectivas em termos de pesquisas nos proces-
sos de ensino e aprendizagem e das interações entre docentes e discentes.
Porém, exige um envolvimento de todos os atores de forma dinâmica e tem
em vista o acesso precoce das novas gerações a essa tecnologia marcada pelos
computadores, celulares, tablets, computadores portáteis, etc., necessitando
de metodologias e estratégias conscientemente planejadas a fim de contribuir
em favor da formação para a humanização e não a mera adaptação dos sujeitos.
A dinamicidade de como ocorrem os avanços tecnológicos, manifestam o
acesso precoce das novas gerações a essa tecnologia marcada pelos computa-
dores, celulares, tablets, notebook etc., necessitando de metodologias e estra-
tégias conscientemente planejadas a fim de contribuir em favor da formação
para a humanização e não a mera adaptação dos sujeitos.
Por conseguinte, a necessidade de qualificação dos trabalhadores, em
quase todos os setores de produção, impulsionou à informatização nas escolas
com o objetivo de adequar as instituições de ensino ao modelo econômico
vigente. Lembrar que no Brasil, a partir de 1990, houve um processo de
informatização e de acesso à internet crescente e, nesse contexto, as discussões
sobre as tecnologias de informação e de comunicação TICs na educação
ganharam relevância e se tornaram objetos de múltiplas publicações, de tesses,
dissertações, livros, artigos de cunho educacional em periódicos e revistas
disponíveis na internet, bibliotecas e livrarias.
No tocante ao conceito de tecnologias, é preciso entender que a tecno-
logia não é só a máquina, como habitualmente se refere aos equipamentos e
aparelhos eletrônicos. As tecnologias, na perspectiva de Kenski (2007, p. 22-
23), “engloba a totalidade de coisas que a engenhosidade de cérebro humano
conseguiu criar em todas as épocas, suas formas de uso e de suas aplicações”.
Em consonância com a autora, demandam-se profissionais especializados nas
linguagens das mídias para lidar com a implementação de novas tecnologias
no cenário educativo nas práticas de ensino.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 203 •

Depreende-se que, com as tecnologias nas mídias interativas, existe hoje


um leque de possibilidades para os indivíduos captarem novas formas de ex-
pressão e de conhecimento através da comunicação on-line em tempo real.
Todavia, o grande desafio é transformar o conteúdo midiático em fonte de
pesquisa e/ou de conhecimento veiculado pelas mídias que, para Dizard Jú-
nior (2000), a nova mídia digital é interativa, refere-se aos computadores com
seus recursos de multimídia que utilizam os diferentes meios e aparatos tec-
nológicos de áudio, som, imagem em movimento, comunicação on-line em
tempo real.
Infere-se que o contato com as tecnologias e o conhecimento técnico
não são suficientes, porque se recomenda a utilização crítica desses aparelhos,
suas linguagens nas práticas pedagógicas de forma contextualizada e tangível.
Gera-se, por vez, um processo de hibridação que incorpora as tecnologias da
informática conectadas à rede mundial de computadores, ampliando assim o
acesso à informação e produção de conhecimentos.
Diversos pesquisadores, entre eles Moran (2000), Belloni (2201), Teruya
(2003. 2006), Kensky (2007), têm discutido as potencialidades da era tecno-
lógica, tanto para professores como para alunos na ampliação do universo
de informação e de comunicação por meio de trocas de ideias e experiências,
gerando espaços de produção de conhecimento, divulgação do próprio pen-
samento, troca de informações e de aprendizagens e apreensões de novos co-
nhecimentos.
Os professores reconhecem que os meios de comunicação, as mídias, as
novas tecnologias, desempenham uma função paralela à escola e que estão
cada vez mais equipados com recursos para conquistar, captar, seduzir, envol-
ver e criar ideologias. Pensando na interatividade na formação de professores
e enquanto novo meio de comunicação que possibilita novas potencialidades
pedagógicas, uma das características mais importante da ‘Internet’ é a intera-
tividade.
Fragoso (2001) explica que a interatividade é apontada como elemento
principal “na redefinição de formas e processos psicológicos, cognitivos, cul-
turais decorrentes da digitalização da informação”. Já na concepção de Rafa-
eli (1988), autor selecionado para contribuir de forma teórico-interpretativa
na interpretação do conceito de “interatividade”, como algo que pode ser de-
senvolvido “com ou sem a tecnologia virtual”.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
204 • Para além do território demarcado

Em outras palavras, o modelo desenhado a seguir privilegia a ação humana


e concebe a interatividade como algo que não é dependente da tecnologia
para acontecer, a interatividade, nesse contexto, depende muito mais de uma
postura pessoal – nesse caso, a docente.
Isto quer dizer, um processo de comunicação pode ser altamente intera-
tivo por envolver um nível elevado de subjetividade – dado pela apropriação
do histórico sequencial das mensagens, ainda que não esteja mediado pelo
computador e a internet, já que o professor precisará diferenciar duas concep-
ções diferentes de interatividade: a) a primeira diz respeito às potencialidades
técnicas e aos recursos tecnológicos que aos poucos estão se adaptando às ne-
cessidades educacionais, fato percebido por meio da evolução dos ambientes
virtuais de aprendizagem já mencionados no decorrer desta produção (AVA)
que buscam ser ambientes de suporte ao processo ensino-aprendizado. b) a
segunda concepção de interatividade, no que se refere à formação de profes-
sores especificamente, nos interessa, visto que experiencias de implementação
das TICS nas escolas tem mostrado que a formação de professores é funda-
mental e traz consigo novas exigências.

Figura 1 – Fluxo Comunicacional de Rafaeli

Fonte: Adaptado de Rafaeli (1988, p. 120). Legenda P = Sujeito A – O = Sujeito B – M1 =


Mensagem 1 – M2 = Mensagem 2 – M3 = Mensagem 3 – M4 – Mensagem 4 – M5 – Mensagem 5.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 205 •

A primeira situação, tratada por Rafaeli (1988), demonstra a comunicação


face a face - nesse modelo o sujeito A (P) transmite uma mensagem (M1)
para o sujeito B (O), este último, por sua vez, a recebe e transmite em uma
mensagem (M2) para o sujeito A (P) – sempre em um processo contínuo. A
comunicação reativa, por sua vez, pressupõe que a mensagem (M1), emitida
pelo sujeito A (P), é incorporada pelo sujeito B (O) que a elabora, para então
emitir outra mensagem M2.
O processo de ‘comunicação interativa’ pressupõe uma apropriação de
mensagens anteriormente emitidas que vão se somando ao processo comu-
nicativo, razão da marcação ME, M2, M1, isto é, houve uma apropriação e
utilização das mensagens 1, 2, 3, que resultam na emissão de uma nova mensa-
gem M4 – nova que, por sua vez, também será somada ao processo.
Na comunicação plenamente interativa, além de incorporar referências
de conteúdos dados pela natureza e formato, se exige que a mensagem atual
corresponda a uma sequência de mensagens anteriores, ou seja, trata-se da
sequência da mensagem inicial resultando na apropriação e personalização da
mensagem recebida como ponto – nível de interatividade da comunicação –
aula.
Portanto, a interatividade é então o feedback que estabelece relações tanto
com as mensagens anteriores quanto com o trajeto que essas mesmas mensa-
gens estabeleceram com outras que as precederam, pressupondo um proces-
samento do estímulo para então se emitir um retorno. O modelo proposto
pelo autor revela que a interatividade estabelece conexão com todos os outros
componentes do modelo informacional – podendo ser o emissor pessoa ou
canal – máquina.
O reflexo dessa análise de fluxo nas ações didáticas pode ser considerado
forma de interatividade pedagógica, já que esta pressupõe um estímulo peda-
gógico apropriado e deliberadamente planejado pelo docente, ressaltando-se
ainda que a interatividade pedagógica traduz muito mais da competência do
professor como auxílio em um sistema de gestão comunicacional do que uma
possibilidade tecnológica.
Em vista ao exposto, pode-se considerar que esta interatividade pedagógica
seja o refletir sob a própria prática, procurando uma melhoria na formação
de professores, na qual deve ser um profissional que possua uma preparação
cientifica e que seja ao mesmo tempo um docente pesquisador, para mostrar
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
206 • Para além do território demarcado

suas competências no campo da educação e interações pedagógicas com o


alunado.
O autor Fainholc (1999) reafirma a interatividade pedagógica como com-
petência do professor, e nessa ótica, diz respeito a qualquer atividade educa-
tiva que tenha como pressuposto a formação do indivíduo, não importando
se essa atividade ocorre em ambiente presencial ou a distância. A interativi-
dade pedagógica é, portanto, uma ação didática realizada entre o professor e
seus alunos, pressupõe a potencialização do processo nas duas extremidades
do processo educativo.
Potencializar a ação educativa supõe fazer partícipes e protagonistas tanto
professores quanto alunos por meio de situações didáticas e materiais que
permitam o intercâmbio multidirecional de significados (FAINHOLC, 1999).
Cabe ressaltar a importância do modelo ao conceber a interatividade como
dependente da ação humana, por tanto, nessa perspectiva o professor pode
desenvolver ações interativas ainda que não disponha de meios tecnológicos, a
infraestrutura, que se traduzem em condições necessárias, porém podem não
ser capazes de garantir a efetivação de processos educacionais mais humanos.
Como já exposto, o feedback é um ponto importante a ser contemplado
pelo professor na obtenção de dados sobre o impacto do material trabalhado,
ou seja, no planejamento que, por meio de perguntas, exercícios, debates,
discussões, propostas interdisciplinares, montagens de mapas conceituais,
registros em formato de resumo, de comentários – produção de textos com
rumo à exploração da escrita e da elaboração de produções acadêmicas, por
exemplo - procura plasmar o pensamento autônomo, crítico do sinal recebido
e transformá-lo em uma mensagem-conhecimento que chega ao destino,
sendo este, a mente do aluno.

Considerações finais

A interatividade pedagógica, de fato, potencializa o ambiente em que a


construção do conhecimento ocorre de “forma compartilhada” e ainda com
o merecido reconhecimento, sem que implique na figura do professor des-
cartável, mas formado, capacitado, atualizado e sensibilizado com o processo
comunicacional, relacional e interativo.
A formação deve ser voltada para o desenvolvimento do ser humano e
se faz em relações humanas profícuas (GATTI, 2009). Todavia, quando se
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 207 •

trata de educação escolar, os professores são os sujeitos que proporcionam o


espaço para a mediação. As tecnologias, de modo algum, podem substituir o
professor, porém exigem dele uma nova postura perante as TICs, não como
freio, mas como potencializador positivo à utilização delas.
Se utilizarmos a tecnologia para humanizar e potencializar os processos
de ensino e aprendizagem, em vez de serem práticas automatizadas, se extrairá
da raça humana o intelecto, e das máquinas suas capacidades de divulgação,
afinal, ambos os processos devem ser cultivados como uma via de duas mãos
em busca do crescimento intelectual e de adaptação a um mundo em constate
transformação, quesito essencial – como guias através dos caminhos do saber.
Se deixa nesta produção, de forma sucinta e respeitosa, um apoio e/ou
reforço teórico para direcionar novos olhares à escola de hoje, rumo a uma
prática pedagógica inovadora e plenamente interativa.

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13. Educação e interações colaborativas
mediadas por tecnologias digitais e a
formação humana dos estudantes

Luciane Guimarães Batistella Bianchini | Juliana Gomes Fernandes |


Anderson Jorge Marcolino Pinheiro

Introdução

desenvolvimento de diversas tecnologias digitais da informação

O e comunicação (TDIC) está atrelado ao percurso histórico e cul-


tural da humanidade, decorrente da busca contínua em facilitar e
melhorar a vida cotidiana. No entanto, o ritmo acelerado com que vem ocor-
rendo tal desenvolvimento tem demandado por parte da sociedade adapta-
ções e às vezes mudanças significativas em seus hábitos, para que a tecnologia
seja partícipe de um determinado contexto.
No caso da educação vários são os argumentos que têm justificado a sua
integração ao processo de ensino e aprendizagem, entre eles o de que hoje se
tem uma geração que emerge num contexto digital e como as TDIC fazem
parte do dia a dia de muitos, é impossível negar ou excluir seu significado
relevante na vida dos estudantes (PINHEIRO, 2020).
No entanto, uma situação emergente de saúde pública imposta pela pan-
demia da Covid-19 trouxe à tona desafios a todos, pois a necessidade de distan-
ciamento social impediu que estudantes e docentes pudessem se encontrar
dentro de contextos escolares. Para isso, uma estratégia utilizada foi a amplia-
ção do uso das TDIC, a fim de manter em atividade as aulas que antes ocor-
riam, em sua maioria, presencialmente. Estudos indicam que, se por um lado
as TIDIC se tornaram um hábito da cultura digital e mais acessível nos meios
urbanos, por outro lado muitos professores e estudantes encontraram difi-
culdades, fragilidades e falta de capacitação nas interações ocorridas com os
recursos midiáticos digitais por meio da internet, incluindo aulas em platafor-
mas digitais (Teams – Microsoft, Google Classroom, Google Meet, Zoom),
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
210 • Para além do território demarcado

entre outros fatores (ALMEIDA; ALVES, 2020; DOSEA et al., 2020; AR-
RUDA, 2020; RIBEIRO JUNIOR et al., 2020).
Especificamente sobre as interações em ambientes virtuais, a expansão
do progresso tecnológico, a maior acessibilidade aos aparelhos digitais e ao
mundo virtual, tornam a internet um meio comunicativo atrativo e de “in-
consciente” fuga, o qual pode contribuir para o distanciamento entre as pes-
soas e o esfriamento das relações humanas, como reflete Bauman (2007).
Sendo assim, ao se relacionar a ideia de distanciamento entre pessoas, es-
friamento das relações humanas, novo contexto de interação virtual educaci-
onal, pode-se indagar: Embora muitos docentes e estudantes utilizem e inte-
rajam por meio das TDIC em seu dia a dia, a sua inclusão intensificada pelo
contexto educacional atual virtual pode promover quais reflexões sobre a rela-
ção entre aprendizagem/educação, interação e as TDIC?

Hábitos com o uso de TDIC: novas formas de interagir e


ensinar com a geração digital de estudantes

A identidade do homem contemporâneo relaciona-se ao uso das TDIC e


a apresentação de hábitos diferentes, que se modificam e se adaptam em uma
temporalidade veloz, na medida em que tempo e espaço se unificam por meio
do seu uso via internet (LÉVY, 2011).
Veen e Vrakking (2009) denominam o homem contemporâneo como
Homo Zappiens. Para os autores, esse homem é digital, processa informações
de forma ativa e resolve problemas de maneira muito mais hábil, pois é multi-
tarefa e raciocina com agilidade, além de conviver com incertezas e possuir boa
capacidade de comunicação. Para esse indivíduo, é natural utilizar as TDIC
em sua vida cotidiana, seja para buscar informações, seja para se relacionar, se
divertir, realizar compras ou estudar.
O homem contemporâneo e, em especial, a geração digital pode ser iden-
tificada por outras denominações. Serres (2013), por exemplo, denomina de
“polegarzinho” esta geração que habita o virtual, locus em que, para encontrar
pessoas e acessar lugares, basta estar com um celular e com apenas um toque
passa-se a estar conectado a uma rede de pessoas e espaços virtuais. Prensky
(2001), por sua vez, denomina de nativos digitais a geração que nasce com as
tecnologias digitais e os caracteriza como capazes de realizar múltiplas ativi-
dades, além de terem facilidade em se adaptar quando se deparam com uma
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 211 •

nova TDIC. Para o referido autor, essa geração dificilmente se distanciará


dessa novidade e, neste aspecto, a utilização de tecnologias midiáticas para
educação com a nova geração faz todo sentido e de forma positiva.
Cabe destacar, ainda, a Geração Z, que compreende os nascidos a partir
de 1995, quando o uso das tecnologias, especialmente a internet, já estava em
alta, portanto, não conhecem o mundo sem ela, por isso fazem uso do recurso
não apenas para trabalhar, mas para viver. Essa é uma geração que tem uma
conectividade espontânea com o mundo virtual, é multitarefa e imediatista.
O Z vem do inglês “zapping” e relaciona-se a uma troca constante de “canais”
de informação (televisão, computador, smartphones, etc.) ignorando os que
não lhes interessam (TOLEDO; ALBUQUERQUE; MAGALHÃES, 2012;
MEIRINHOS, 2015).
Assim como a Geração Z, a Geração Alpha compreende os nascidos na
era digital a partir de 2010. Desde pequenos estão rodeados pela tecnologia,
fato que lhes proporciona muitas possibilidades, acelerando seu processo de
desenvolvimento, pensamentos e habilidades, quando comparados à geração
passada, e possibilitando a capacidade de influenciar a sociedade do futuro
com suas interações. A tendência indica que sejam mais independentes, mais
educados e adaptados às novas tecnologias (MCCRINDLE, 2011).
Tomando-se por base essas caracterizações do homem na atualidade,
infere-se que os estudantes de hoje em sua maioria fazem parte desta geração
digital e, portanto, um novo perfil de interações e hábitos diante do objeto de
conhecimento e do mundo os caracteriza e estes são distintos do passado.
Dowbor (2013) alerta para o fato de que, diante desta geração que vive uma
explosão tecnológica, com a facilidade que lhe permite acessar inimagináveis
conhecimentos e socializar pelo mundo afora, são necessárias adequações dos
métodos tradicionais de ensino, a fim de que correspondam às novas necessida-
des do estudante contemporâneo. Por esta razão, em face das mudanças tecno-
lógicas, os modelos cristalizados das formas tradicionais de ensinar não podem
prevalecer, uma vez que o professor mediador permanece constantemente em
construção, tendo em vista as novas culturas e os novos hábitos, sem que haja
uma maneira única na forma de ensinar (BACICH; MORAN, 2018).
Nesse contexto de mudanças, Valente também alerta para o fato de que a
implantação das TDIC na educação vai além de seus aspectos técnicos e precisa
estar inserida nos processos educacionais, agregando valor à atividade que o
aluno ou o professor realiza. Para o autor, é papel do professor proporcionar
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
212 • Para além do território demarcado

situações para que a informação obtida seja posta em uso, ou seja, tenha
significado e seja apropriada pelo estudante para que assim o aprendizado
ocorra (VALENTE, 2014).
Sobre as decorrências trazidas com as mudanças tecnológicas e o papel
do professor, Bacich e Moran (2018) também apresentam reflexões. Para
os autores, sai o professor transmissor de informações e entra o professor
mediador, sendo aquele que faz a moderação entre o que está sendo ensinado
e as suas aplicabilidades, ele está entre o sujeito e o objeto de conhecimento,
com o intuito de construir uma nova sociedade crítica.
De certo, desta metamorfose da contemporaneidade é notório que:
À utilização dos recursos tecnológicos de modo integrado, em que
o professor faz uso dos artefatos e produz conteúdo/material através
dos mesmos de forma crítica, reflexiva e criativa. Sendo assim, quanto
mais contato com os recursos, mais familiaridade o usuário adquire
e com isso as possibilidades de uso se ampliam. Sendo assim, faz-
se necessário constante atualização para acompanhar as mudanças
provocadas pelos avanços tecnológicos que modificam a sociedade em
que vivemos. (MODELSKI; GIRAFFA; CASARTELLI, 2019, p. 6).

Apesar de dominarem a utilização da tecnologia fora dos espaços da escola,


e trazerem para este ambiente um bom repertório de conhecimentos digitais,
os estudantes precisam ser orientados e desafiados pelo professor para que
alcancem sua formação integral e isto implica considerar o desenvolvimento
da competência digital e da formação humana (MODELSKI; GIRAFFA;
CASARTELLI, 2019).
Sobre a competência digital, esta é definida por Lueg (2014) como a mo-
bilização de habilidades que permitem buscar, selecionar criticamente e pro-
cessar a informação; capacidade de se comunicar usando diferentes suportes
tecnológicos e digitais; atuar com responsabilidade, respeitando as normas es-
tabelecidas e aproveitando estas ferramentas para informar-se, aprender, resol-
ver problemas e comunicar-se. A competência digital permite que o usuário
vá além da utilização técnica instrumental das TDIC, e seja capaz de utilizar o
máximo do potencial informativo que elas oferecem.
Dito de outro modo, a competência digital implica proporcionar ao aluno
experiências que possibilitem a ele construir o senso crítico no uso das TDIC,
a fim de que saiba onde buscar a informação, como organizá-la e como utilizá-
la enquanto constrói conhecimento. Nesse sentido, a formação humana do
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 213 •

estudante indicada pela UNESCO1 por meio dos quatro pilares da educação
(aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos, aprender a
ser), quando relacionada ao uso de TDIC com competência digital, pode
promover um perfil de estudante voltado aos princípios éticos que envolvem
senso crítico e responsabilidade em seu aprendizado.
Mas como fazer uso das TDIC para a aprendizagem do estudante e ao
mesmo tempo promover essa formação integral? Uma das propostas que se
tem identificado nas pesquisas reside na promoção de espaços colaborativos
de aprendizagem. Neste contexto virtual, o docente cria e organiza situações
em que o aluno possa refletir, interagir com o outro e com o conhecimento
de modo ético, crítico e social. Ou seja, o que o docente faria num contexto
de situação presencial deve ser transportado para o virtual, a fim de que não
se perca a função social da educação em ambientes virtuais de aprendizagem.

Espaços virtuais colaborativos na aprendizagem mediada


por TDIC e a formação do estudante

Com o intuito de contribuir para a formação integral do estudante – não


apenas auxiliando-o no uso das TDIC em seu aspecto técnico, mas também ar-
ticulado à capacidade para interagir com o mundo, com as pessoas – uma pos-
sibilidade para a construção do conhecimento oferecido pelo uso das TDIC
é por meio das interações virtuais em grupos, que propiciam condições de
troca de experiências e entendimentos entre os próprios estudantes, e entre
professores e estudantes. Nesse estar junto virtual, o professor se aproxima
dos estudantes, estimulando a troca de ideias, o questionamento, o desafio e,
quando necessário, fornecendo novas informações, vivenciando seus proble-
mas e auxiliando-os a resolvê-los (VALENTE, 2014).
1 “Os Quatro pilares da Educação para o sec. XXI, presente no Relatório Delors, baseia-se em
quatro pilares: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos, aprender a ser.
Aprender para conhecer supõe, antes de tudo, aprender a aprender, exercitando a atenção,
a memória e o pensamento. Desde a infância, sobretudo nas sociedades dominadas pela
imagem televisiva, o jovem deve aprender a prestar atenção às coisas e às pessoas”. (DELORS
et al., 1996, p. 92) “Aprender a conhecer, combinando uma cultura geral, suficientemente
vasta, com a possibilidade de trabalhar em profundidade um pequeno número de matérias. O
que também significa: aprender a aprender, para beneficiar-se das oportunidades oferecidas
pela educação ao longo de toda a vida” (DELORS et al., 1996, p. 101).
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
214 • Para além do território demarcado

Uma pesquisa que chama a atenção para espaços que não contribuem
na promoção de interações entre estudantes foi a realizada por Vieira (2021)
que, ao investigar o uso de TDIC no processo de ensino e aprendizagem na
Educação a Distância (EaD), constatou algumas dificuldades relacionadas por
parte dos estudantes, entre as quais a ausência da possibilidade de interação
entre colegas, professores e funcionários, mostrando como a questão das
interações sociais e acadêmicas é valorizada pelos estudantes.
Outros aspectos relacionados à importância das interações no processo
de construção do conhecimento mediados por tecnologias foram indicados
na pesquisa de Fernandes, Bianchini e Alliprandini (2020). As autoras pes-
quisaram 1.434 estudantes do curso de Pedagogia EaD e entre as constatações
relacionadas à aprendizagem deste grupo destaca-se um perfil moderado no
fator procura por ajuda e o fato de que a maioria dos estudantes soluciona
suas dúvidas com o tutor, destacando a importância deste para sua formação.
Em outro estudo das mesmas autoras, a figura do tutor mostra-se fundamen-
tal no processo de ensino e aprendizagem de estudantes na EaD, seja contri-
buindo nas questões relacionadas ao conteúdo, à organização do curso ou ao
uso da tecnologia, seja criando oportunidades para que o aluno possa forta-
lecer suas habilidades sociais e ampliar sua interação, com os professores ou
colegas de curso, favorecendo assim sua aprendizagem (FERNANDES; BI-
ANCHINI; ALLIPRANDINI, 2019).
O estudo de Govan (2015) abordou o ensino entre pares (peer teaching),
que consiste em trocas de aprendizagem entre estudantes com formação si-
milar, visando desenvolver a compreensão sobre conceitos de determinada
área e a capacidade de explicar sua compreensão sobre o tema, em um con-
texto social, inclusivo e interativo. Esse método colocou os estudantes em um
papel mais ativo no seu processo de aprendizagem, na medida em que o ambi-
ente colaborativo e mais descontraído permitiu-lhes compartilhar experiên-
cias e dificuldades, desenvolver habilidades comunicativas, avaliar a própria
aprendizagem e identificar as deficiências, bem como proporcionou a opor-
tunidade de inspirar os colegas.
Também sobre o ensino entre pares, Curtis et al. (2016) realizaram um
estudo para avaliar uma experiência de aprendizado em um ambiente de si-
mulação realística conduzida por colegas de um curso de enfermagem. Esse
ambiente contava com modelos, com estruturas anatômicas realistas e capaci-
dade de simular diversos parâmetros fisiológicos de um paciente, manipula-
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 215 •

dos por um sistema com um dispositivo portátil interativo e intuitivo. Antes


das simulações, os estudantes recebiam em sua plataforma de aprendizagem
on-line, orientações sobre a atividade a ser desenvolvida. Concluíram que a
atividade interativa com o uso da tecnologia oportunizou aos estudantes ad-
quirir competência na prática de habilidades clínicas e reconhecer a respon-
sabilidade por sua própria aprendizagem na experiência conduzida por seus
colegas e equipe de professores.
Pesquisas realizadas nesse sentido (SOUZA et al., 2018; SILVA, 2016;
MORAN, 2004) são unânimes em destacar o papel fundamental do profes-
sor/tutor para que a aprendizagem aconteça de modo colaborativo, seja na
estruturação e organização da atividade, seja no estímulo para a participação
e interação dos estudantes. Essas interações podem acontecer por meio de
fóruns ou chats que transcendem os espaços da escola e podem ampliar o co-
nhecimento, despertando o interesse do aluno pela aprendizagem iniciada na
sala de aula, estimulando sua capacidade de expressar opiniões, por exemplo,
e tornando-o um participante ativo neste processo que implica o aprender.
Hameed et al. (2018) avaliaram um programa de Aprendizagem aprimo-
rada pela Tecnologia (Technology-enhanced Learning) ou Aprendizagem base-
ada na Web (Web-based learning) para profissionais de saúde mental sedia-
dos no Reino Unido e no Iraque. Os autores observaram que, por intermé-
dio desse programa. foi possível a formação de equipes virtuais, que supera-
ram as barreiras geográficas, enriquecendo sua aprendizagem; e ainda destaca-
ram como pontos fortes deste programa a flexibilidade, a interação, a refle-
xividade e o engajamento. Também observaram a importância de professo-
res/instrutores serem preparados para mediar o processo de aprendizagem,
identificando as necessidades dos estudantes, promovendo feedback e avalia-
ções, bem como oportunizando a interação entre os participantes.
O estudo de Palácio e Struchiner (2016) discutiu a utilização dos recursos
wiki, glossário, blog e fórum em um ambiente virtual de aprendizagem (AVA)
de dois cursos superiores da área da saúde e contou com a participação de 926
alunos, 31 professores, 24 tutores e 22 colaboradores (pacientes). Concluiu-se
que o wiki e o glossário são importantes espaços para a aprendizagem colabora-
tiva entre os estudantes, estimulando seu protagonismo e contribuindo para o
desenvolvimento de habilidades de escrita, comunicação e trabalho em equipe.
Ao passo que o fórum oportunizou o diálogo entre estudantes, professores e
colaboradores (pacientes) e essa aproximação contribuiu para a construção
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
216 • Para além do território demarcado

de novos aprendizados. O blog, apesar de ser o menos utilizado dos recursos,


mostrou-se um espaço pessoal no qual é possível aprender a partir da narra-
tiva das próprias experiências e das apresentadas por outros participantes.
As pesquisas apresentadas no presente ensaio destacam a importância das
relações e interações estabelecidas nos processos educacionais mediados por
TDIC para o processo de aprendizagem dos estudantes, assim como para o
seu desenvolvimento psicossocial e cognitivo. Pode-se observar também a
necessidade de ferramentas que oportunizam espaços de diálogos, bem como
o fato de que professores/instrutores devem estar preparados para utilizar
essas ferramentas, promovendo interações de qualidade entre os participantes
e atuando como um facilitador da aprendizagem.

Considerações finais

As experiências com as TDIC intensificadas pela pandemia Covid-19 trou-


xeram à tona a necessidade do uso das tecnologias para que as atividades per-
manecessem ativas e, sendo assim, não apenas o ensino a distância, mas tam-
bém o ensino presencial integrou outros recursos tecnológicos à aprendiza-
gem dos estudantes. Neste contexto, um aspecto a considerar são as intera-
ções entre professor-aluno, aluno-aluno, aluno-conhecimento-tecnologias,
pois estas dependem tanto das possibilidades das plataformas digitais – acesso
à internet, uso de ferramentas diversificadas –, como também do saber do
professor em utilizá-las com os alunos, resultando em interativas ou não.
A importância das interações no processo de ensino e aprendizagem é um
tema anterior ao período atual, mas apresenta relevância em todo o tempo,
pois o conhecimento perpassa não apenas o lado investigativo do indivíduo,
mas a sua relação com o mundo, com as pessoas.
Com a intensa presença das TDIC, os espaços escolares podem, cada vez
mais, se tornarem ambientes propícios para a aprendizagem colaborativa,
com fins para formação humana, seja de maneira presencial seja a distância.
No entanto, para que esse processo se torne exitoso é necessário que haja, por
parte dos envolvidos – estudantes, professores e funcionários –, reflexão e
reorganização para que contribuam com essa nova proposta.
O aspecto técnico de utilização das TDIC é importante, pois embora
existam muitos estudantes identificados como participantes da geração digital,
isso não significa que no uso das TDIC em sala de aula tenham a mesma
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 217 •

expertise ou competência digital. Nesse sentido, cabe ao professor ensiná-


los a utilizar as TDIC para aprendizagem de modo crítico e domínio das
ferramentas utilizadas para o contexto do qual fazem parte. Por outro lado,
a formação do aluno envolve também sua formação humana, como pessoa
ética que visa ao bem comum e, para isto, as experiências colaborativas na
aprendizagem têm apresentado resultados positivos quando bem gerenciadas
pelo professor, mediador deste contexto.
Destaca-se que o presente ensaio não tem a pretensão de esgotar o debate
sobre o tema, mas sim auxiliar na promoção de discussões que contribuam
para que, cada vez mais, as TDIC possam ser utilizadas em diferentes contextos
sem deixar de lado a formação humana dos estudantes.

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220 • Para além do território demarcado

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14. Implicações do contexto
pandêmico/sociedade danificada sobre o
trabalho docente da educação básica em
três contextos: MS, GO e SP

Andréia Nunes Militão | Julice Souza Farias | Suzanna Neves Ferreira |


Willian dos Santos Bonfim

Introdução

ntenciona-se examinar as implicações do contexto pandêmico / soci-

I edade danificada sobre o trabalho docente da educação básica em três


contextos, notadamente: Goiás (GO), Mato Grosso do Sul (MS) e São
Paulo (SP). Para tanto, aporta-se no referencial epistemológico da Teoria Crí-
tica e adota como procedimento metodológico a pesquisa documental. A
ancoragem do presente texto aos aportes da Teoria Crítica justifica-se pela
centralidade que confere às condições emancipatórias socialmente existentes.
Na acepção de Maar (1995, p. 12), trata-se de assumir a educação e a sociedade
como possibilidades concretas de emancipação: “Só assim será possível fixar
alternativas históricas como base a emancipação de todos no sentido se torna-
rem sujeitos refletidos da história, aptos a interromper a barbárie e realizar o
conteúdo positivo, emancipatório, do movimento da ilustração da razão”.
Como premissa e como possibilidade permanece a necessidade da Teoria
Crítica “[...] renovar seus diagnósticos de modo a tornar possível que conti-
nuemos formulando uma perspectiva a partir da qual os obstáculos à emanci-
pação ou potenciais emancipatórios, quando presentes numa dada sociedade,
sejam considerados e analisados de modo crítico” (MELO, 2011, p. 249).
Para desvelar os aspectos que circundam o trabalho docente em tempos
de pandemia, notadamente marcado pela precarização do trabalho e pela
falta de condições de trabalho adequadas, centra à análise nas resoluções que
foram expedidas pelos conselhos estaduais de educação de três estados após a
suspensão das aulas presenciais.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
222 • Para além do território demarcado

O conceito de ‘sociedade administrada’ permite-nos localizar o lugar dos


sujeitos na sociedade. Para Gomes (2010, p. 241), os “indivíduos se vêem com-
pletamente anulados em face do poder econômico, da visão utilitária e da ra-
cionalidade técnico-instrumental, que impinge à sociedade a sua condição
de alienação e enclausuramento”. Esse referencial nos auxiliará na compreen-
são da educação no contexto da pandemia da Covid-19 que assola o mundo
e mais fortemente o Brasil, em decorrência do negacionismo que caracteri-
zou a atuação do governo federal em relação à gravidade do momento e suas
consequências para a sociedade.
Diante do cenário imposto aos sistemas de educação, Oliveira e Pereira
Junior (2020, p. 207) apontam que nenhum sistema de educação estava
preparado para enfrentar a excepcionalidade dessa pandemia. Asseveram os
autores que houve uma “[...] migração abrupta do ambiente presencial para
o virtual, em muitos casos sem o suporte técnico necessário, e obviamente,
sem planejamento prévio”.
Nas próximas seções discorremos sobre as decisões educacionais volta-
das para a educação básica em três cenários diferentes. A análise se centrará
em torno dos normativos emanados pelo Conselho Estadual de Educação de
cada um dos estados selecionados. Ao considerarmos que “Um Conselho de
Educação é, antes de tudo, um órgão público voltado para garantir, na sua
especificidade, um direito constitucional da cidadania” (CURY, 2006, p, 41),
vislumbra-se sua função consultiva, normativa e deliberativa para assessorar
as secretarias de educação do estado, seguindo as diretrizes propostas pelo Mi-
nistério da Educação (MEC) e pelo Conselho Nacional de Educação (CNE).

Ensino na pandemia

A pandemia, causada pelo vírus coronavírus (SARS-CoV-2), trouxe


grande alvoroço em todas as esferas da sociedade brasileira, assim como os
mecanismos que são reproduzidos por ela. Mostra disto, são os colapsos no
sistema público de saúde, a violência doméstica, dificuldades financeiras es-
cancaradas pelas famílias mais carentes, a nível de precarização de habitação,
educação e saúde. Acometidos por tais circunstâncias, o cenário caótico apre-
sentado a nível de Brasil, não amenizava os embates, difundido pelo negaci-
onismo do Presidente Jair Messias Bolsonaro, enfatizando que seria apenas
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 223 •

uma “gripezinha”, pormenorizando a ciência, a campanha de vacinação e


amortizando as vítimas do vírus.
Para tal análise, um dado expressivo apresentado por Madalena Guasco
Peixoto (2020), coordenadora da Secretaria Geral da Confederação Nacional
dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (CONTEE), em artigo
publicado no dia 18 de março de 2020, no informativo online do Sindicato
dos Professores Licenciados da Bahia (APBC), trouxe à luz tal discussão:
A pandemia de Covid-19 [...] escancarou, no Brasil, a imensa desigual-
dade social que aflige o país. Como se não bastasse o enfrentamento de
uma crise sanitária sem precedentes – luta que, é preciso destacar, está
sendo feita a despeito da omissão do governo federal-, essa batalha vem
acompanhada de obstáculos que incluem a falta de saneamento básico
à qual está submetida parte da população, a precariedade de moradia
e de alimentação, o desmonte do Sistema Único de Saúde e a carência
de investimento em saúde pública, os ataques – cruelmente acirrado
neste momento, – aos direitos dos trabalhistas. (PEIXOTO, 2020).

Debater essas sinuosidades contribui para refletir acerca das indefinições


dadas aos professores/as, aos estudantes, pais e/ou responsáveis, que acompa-
nharam os trâmites e as aflições ao contexto educacional, bem como as secre-
tarias municipais e estaduais, à espera de deliberações do Ministério da Edu-
cação (MEC), a fim de conduzir o trabalho remoto no âmbito escolar.
O Conselho Nacional de Educação (CNE) emitiu um Parecer CNE/CP
nº5/2020, aprovado em 28 de abril e homologado em 29 de maio, o qual dispõe
sobre a reorganização do calendário escolar e a possibilidade de cômputo de
atividades pedagógicas não presenciais para fins de cumprimento da carga
horária mínima anual, em razão da pandemia Covid-19.
Ponderando tais acontecimentos, o trabalho docente incidiu de amplas e
significativas amoldamentos. Houve a necessidade da improvisação da inclu-
são digital, sem qualquer fomento a nível de políticas públicas, para que os
alunos/as, aderissem ao novo imperativo do momento.
Ao lado deste arcabouço, os/as professores/as foram submetidos a jorna-
das extenuantes de trabalho. Segundo os dados da Unesco: “no Brasil, foram
81,9% de alunos/as que deixaram de frequentar as instituições de ensino, e as
alternativas vieram ao encontro de reduzir os prejuízos no campo educacio-
nal e na garantia do direito a educação” (UNESCO, 2020).
Conforme a Organização das Nações Unida para a Educação, a Ciência e
a Cultura (UNESCO), a crise ocasionada pela Covid-19, derivou no encerra-
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
224 • Para além do território demarcado

mento de atividade, com cerca de 90% dos estudantes do mundo (UNESCO,


2020) e os fatores que mais ultrajaram, foram a falta de acesso a computado-
res, aparelhos de celulares, internet, sendo que os levantamentos realizados
pelas escolas, no Estado de Mato Grosso do Sul, em caráter de Rede Estadual,
apresentou-se um número expressivo de alunos/as, que não realizavam as ati-
vidades em plataformas, em virtude da falta de tais ferramentas.

As decisões educacionais no contexto inicial da pandemia


em Goiás

Devido à grande extensão territorial do Brasil, é possível observar reali-


dades diferentes de estado para estado e, desta forma, compreende-se que as
aulas não retornaram nas mesmas condições em todas as cidades e nem de
acesso a todas as crianças. Como revela a pesquisa de Oliveira e Pereira-Junior,
realizada por meio da plataforma Google Forms, de 8 a 30 de junho de 2020,
tendo reunido informações de 15.654 professores das redes públicas de ensino
no Brasil. Apontam os autores que foram diversos os tipos de suporte dispo-
nibilizados pelas redes de ensino: plataforma ou aplicativo pedagógico, mate-
riais impressos para os estudantes e professores, aulas por TV ou rádio, apoio
pedagógico ou mesmo nenhum suporte.
Como medida preventiva à disseminação da infecção humana pelo novo
corona vírus (COVID-19), a Resolução CEE/GO nº. 02/2020, de 17 de março
de 2020, dispõe sobre o Regime Especial de Aulas Não Presenciais (REANP)
no Sistema Educativo do Estado de Goiás, definido essencialmente pela ma-
nutenção das atividades pedagógicas sem a presença de alunos e professores
nas dependências escolares.
Para compreender e analisar as condições oferecidas para o desenvolvi-
mento do trabalho docente em Goiás, como ocorreu o processo de ensino
aprendizagem em tempos de pandemia, cabe indagar: Quais foram as orien-
tações para o desenvolvimento das aulas em Regime Especial de Aulas Não
Presenciais (REANP)? Quais foram as redes de apoio oferecidas aos professo-
res para desenvolvimento do trabalho docente?
A Resolução n. 02 de 17 de março de 2020 constitui a primeira normati-
zação expedida pelo Conselho Estadual de Educação de Goiás suspendendo
as atividades presenciais. Esta incube os gestores das unidades escolares a atri-
buição de executar o regime especial de aulas não presenciais: planejar e elabo-
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 225 •

rar, com a colaboração do corpo docente, as ações pedagógicas e administrati-


vas a serem desenvolvidas durante o REANP, divulgação do referido planeja-
mento, preparar vídeo aulas, conteúdos organizados em plataformas virtuais,
redes sociais, zelar pelo registro da frequência dos alunos.
Diante das novas exigências, os professores utilizaram plataformas digi-
tais gratuitas, a resolução aponta o que deve ser feito, mas não orienta como.
Assim os docentes tiveram que buscar as alternativas para cumprir com as no-
vas exigências deste novo formato, porém não foi ofertado condições materi-
ais (celular, notebook, acesso à internet), ou estabelecido um padrão mínimo
para prosseguir com as aulas a distância. Coube aos docentes se “reinventa-
rem” diante da nova realidade, para que as aulas continuassem sendo oferta-
das, considerando o contexto de excepcionalidade do cenário imposto pela
pandemia do COVID-19.
Já a Resolução CEE-GO/CP n. 15 de 10 de agosto de 2020, estabeleceu as
normas para realização de avaliações, para integralização da carga horária exe-
cutada durante REANP. Autorizando a manterem o REANP até o dia 19 de
dezembro de 2020 e garantindo as 800 horas mínimas regulamentadas pela
Lei n. 9394/1996, apontando também que os critérios avaliativos e de pro-
moção devem considerar a excepcionalidade imposta pela pandemia, assim a
frequência dos alunos foi considerada como importante item avaliativo, res-
saltada a necessidade de vincular tal frequência ao retorno que os professores
receberam de seus alunos (seja por meio digital ou impresso) além da parti-
cipação nas aulas virtuais e demais espaços de interação, a resolução aponta
formas de avaliar durante o REANP:
§ 4º Instrumentos avaliativos para subsidiar o trabalho das instituições
escolares: I- espaços em salas virtuais para avaliação de aprendizagem
de forma discursiva e/ou objetiva; II- redes sociais como ferramentas
que viabilizam a participação dos alunos e/ou responsáveis legais no
processo avaliativo; III- drive-thru para entrega e recebimento de ativi-
dades e/ou avaliações impressas; IV- transporte escolar como alterna-
tiva para entrega e recebimento de atividades e/ou avaliações impres-
sas, prioritariamente para os estudantes de zona rural ou de áreas de
difícil acesso. VI- Apresentações virtuais destes produtos em forma de
webnários, conferências, exposições virtuais, dentre outros recursos;
VII- questionários de autoavaliação; VIII- fóruns de discussão entre
alunos e professores; IX- avaliações diagnósticas aplicadas com perio-
dicidades pré-definidas; X- avaliação oral, síncrona e online de forma
individual ou em pequenos grupos de alunos (CEE, 2020, p. 2).
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
226 • Para além do território demarcado

Diante do novo cenário o governador do estado de Goiás liberou a todos os


trabalhadores da rede estadual de educação efetivos, comissionados e contratos
temporários, ajuda de custa por meio de folha de pagamento em dezembro
em 2020, de acordo com a carga horaria de cada um, tendo como referência
para jornada de 20 horas o valor de R$ 1.297,00, já para 30 horas o repasse foi
de R$ 1.945,00; e para 40 horas, o valor de R$ 2.591,00. Ao divulgar os valores
a seguinte mensagem foi disponibilizada no endereço eletrônico da SEDUC.
Essa é uma forma de o Governo de Goiás valorizar os profissionais da
educação que tiveram custos extras com aquisição de equipamentos e
aumento do uso de dados de internet durante o Regime Especial de
Aulas Não Presenciais (REANP), em razão da pandemia da Covid-
19, e também em reconhecimento ao esforço dos educadores no re-
sultado do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)
(GOIÁS/SEDUC, 2020, p. 01).

Para além da ajuda de custo em reconhecimento ao trabalho dispendioso


que os docentes realizaram durante a pandemia é, preciso debater as reais
condições de trabalho e os fatores de insatisfação e adoecimento docente,
que aumentaram com o distanciamento social, com a urgência de iniciar as
atividades remotas, sobre as condições de trabalho observa-se:
[...] a falta de equipamentos adequados, de conexão de reses de inter-
net, a formação insuficiente para lidar com os programas e os recursos
tecnológicos, a pouca (ou total ausência de) experiência com ambi-
entes virtuais, até questões relacionadas ao suporte para o trabalho
doméstico que passou a consumir mais tempo, assim como o cuidado
com os filhos que também ficaram sem escola, entre outros. (OLI-
VEIRA; PEREIRA JUNIOR, 2020, p. 225)

Para os autores supracitados, a sobrecarga de trabalho durante a pandemia


é inegável, e os trabalhadores em educação se reinventaram diante de poucos
recursos disponíveis, para que as crianças, jovens e adultos não ficassem sem
acesso ao conteúdo sistematizado, no entanto o reconhecimento em forma
de abono salarial foi uma política do governo do Estado, assim sendo os
professores da rede municipal não tiveram o bônus.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 227 •

As decisões educacionais no contexto inicial da pandemia


no estado de São Paulo

A inevitável necessidade de “quarentena”, foi a medida emergencial ado-


tada em escala mundial. O choque foi imediatamente sentido em todos os
seguimentos, do macro ao microeconômico, incluindo o campo educacional.
As mudanças foram drásticas na realidade das escolas públicas e privadas. E
como sugere Marques (2020, p. 32), “As mudanças que ocorreram no pro-
cesso de ensino e aprendizagem frente o atual contexto da pandemia causada
pelo novo coronavírus, levaram a adoção de metodologias alternativas, até
então, não adotadas por muitos professores em seus ambientes de ensino”.
As secretarias de educação de todos os estados e municípios foram ema-
nando normativos sequencialmente após a impetração da Portaria n. 343 de
17 de março de 2020 (BRASIL, 2020) que coloca a possibilidade de substitui-
ção das aulas presenciais pelas aulas em meios digitais e de forma não presen-
cial. Em consonância ao normativo nacional, a Secretaria Estadual de Edu-
cação do Estado de São Paulo (SEE/SP) divulgou a Deliberação CEE/SP n.
177/2020 instituindo a realização de atividades escolares não presenciais, opor-
tunizando a inédita condição do ensino por aulas remotas.
A partir das definições instituídas pela referida Deliberação, estabeleceu-
se a Resolução SEDUC de 18 de março de 2020 que trata da reorganização
do calendário escolar. Define-se ao conjunto dos níveis do ensino básico,
a excepcionalidade emergencial do ensino em vias do afastamento físico e
social e da convivência no ambiente escolar comum. De tal forma, como
segue o texto da Resolução em seu parágrafo único, determina-se a realização
do ensino de quaisquer disciplinas e componentes do currículo de forma
semipresencial.
Parágrafo único – No Ensino Fundamental, no Ensino Médio e na
Educação Profissional, excepcionalmente, na atual situação emergen-
cial, quaisquer componentes curriculares poderão ser trabalhados na
modalidade semipresencial. As atividades semipresenciais deverão ser
registradas e eventualmente comprovadas perante as autoridades com-
petentes e farão parte do total das 800 (oitocentas) horas de atividade
escolar obrigatória (SEDUC, 2020).

Vale destacar que o texto ainda não exprime como forma de trabalho
docente a modalidade remota. Pelo contrário, constata-se a noção do ensino
indissociável do ambiente físico escolar, principalmente quando presente
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
228 • Para além do território demarcado

o termo “modalidade semipresencial” citado constantemente. A aparente


incredibilidade para com as atividades educacionais fora do ambiente escolar
constata-se na necessidade do registro e comprovação para computo geral da
carga horária obrigatória para o ano letivo em 2020.
É imprescindível destacar que a Deliberação CEE/SP n. 177/2020 publi-
cada em 19 de março de 2020, estabelece a garantia da oferta de carga horária
compatível com o ideal de ensino básico referendado nos 200 dias letivos pela
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Para tal, apesar de as-
sociada a presença pontualmente física na unidade escolar, os dias letivos pas-
sam a somar o mínimo de 800 horas de atividade de ensino compostas das
somas das cargas horárias disciplinares comuns. No entanto, ficou a cargo
das diretorias e núcleos regionais de ensino, e para as escolas, a condição ir-
revogável de sustentar um processo educativo ineditamente sem parâmetros.
Por fim, valido destacar que as questões referentes aos modos de ensino e ao
trabalho do professorado foram tratadas de forma objetivamente breve na
Deliberação n. 177/2020.
Na sequência da aprovação das referidas resoluções pela Secretaria de
Educação do Estado de São Paulo, edita uma série de normativos sobre a
temática a partir dos Decretos n. 64.862/2020 e n. 64.864/2020, tem-se as
Resoluções Seduc-25, Seduc-26 e Resolução Seduc-28 de 19 de março de 2020
que firmará o teletrabalho dos servidores da secretaria de educação do estado
e do Centro Paula Souza de Educação Profissional e Tecnológica.
Nesta ação, os servidores, considerando todos os funcionários com vín-
culo ativo nas repartições de ensino público, são prontamente orientados a re-
alizarem suas atividades profissionais de forma “não presencial”. Todavia, ape-
sar de indispensável ao contexto que seguirá, as referidas resoluções não trazem
consigo o suporte orientador das condições de trabalho dos milhares de pro-
fessores que compõem o quadro público de docentes do estado de São Paulo.
Desta forma, nas resoluções SEDUC/SP que se seguiram não foi dada
atenção maior aos modos de ação e as perspectivas metodológicas na atuação
dos professores, pelo menos até a edição Resolução nº 44. A extensibilidade
do termo teletrabalho para as atividades pedagógicas e do ensino apresentar-
se-á na Resolução Seduc-44 de 20 de abril de 2020 sustentado no artigo 5º
como proposta de continuidade das medidas de isolamento social.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 229 •

Artigo 5º – Os professores deverão, a partir do dia 22 de abril de 2020,


atuar preferencialmente em regime de teletrabalho, dando continui-
dade às medidas de isolamento social enquanto se mantiverem.
§ 1º – Objetivando cumprir as atividades previstas no calendário da
rede estadual e suas demais atribuições, os professores que necessita-
rem de equipamentos ou suporte tecnológico deverão ir à escola, para
a utilização dos recursos necessários para realizar as atividades escola-
res não presenciais e orientar os estudantes e seus responsáveis.
§ 2º – As Aulas de Trabalho Pedagógico Coletivo – ATPC deverão
continuar sendo realizadas semanalmente, a distância, enquanto man-
tidas as medidas de isolamento social, de acordo com a carga horária
de cada professor (SÃO PAULO/SEDUC, Resolução n.44, 2020).

A Resolução n. 44 de 2020 padronizou o modo de operação para o traba-


lho dos professores da rede pública do estado de São Paulo, abrindo marco
para a instalação do modelo diversificado de ensino não presencial. Atribuiu-
se ao termo “teletrabalho” a sua forma mais ampla, e na possibilidade da con-
tinuidade do ensino dos conteúdos comuns coube ao professor a apropri-
ação/obtenção de seus próprios equipamentos e recursos tecnológicos e da
organização pedagógica e metodológica. No entanto, o inciso 1º do referido
artigo mostrou o quão difícil pode ser o agir docente na condição de educar
durante o período de alastro da contaminação pela Covid-19. Neste inciso,
a orientação aos professores que necessitassem de equipamentos e suportes
tecnológicos foi para que se deslocassem a escola e realizassem assim as devi-
das atividades, não cabendo por vias da administração estadual o devido cus-
teio, a manutenção dos recursos ou o suporte tecnológico para sustentação
das atividades não presenciais até aquele momento. E por fim, no inciso 2º, é
possível compreender a tentativa de manter-se inalterada algumas rotinas do
trabalho pedagógico do coletivo docente das escolas da rede pública.
Impossível não compreender que “Em relação às atribuições do profes-
sor, as atividades remotas aumentaram consideravelmente a demanda do tra-
balho docente” (BARRETO; AMORIM; CUNHA, 2020, p. 797). A Re-
solução Seduc n. 45 de 20/04/2020 apresentou em seu artigo 2º as primei-
ras citações referencialmente associadas as opções de atividades pedagógico-
metodológicas para os professores da rede.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
230 • Para além do território demarcado

Artigo 2º – O desenvolvimento das atividades escolares não presenci-


ais na modalidade semipresencial poderá contemplar o uso de recur-
sos digitais, materiais impressos com orientações por meio de textos,
estudo dirigido, pesquisas, entre outros, respeitadas as especificidades
e considerando os recursos disponíveis (SÃO PAULO/SEDUC, Re-
solução n. 45, 2020).

Neste, não se apresentam termos como “ensino remoto” ou “ensino hí-


brido”, facetando o posicionamento neutro nas abordagens administrati-
vas da gestão estadual para com as referências teórico-conceituais da educa-
ção. Ainda assim, é consideravelmente coerente compreender a autonomia
dada aos docentes na perspectiva da condução do ensino quando, pelo texto,
considera-se sugestionar a realização das atividades por meio dos recursos dis-
poníveis, sejam eles: presenciais, semipresenciais ou não presenciais, e ainda,
com recursos escassos ou não. Como apontam os autores Barreto, Amorim e
Cunha (2020, p. 797):
Em pouco tempo, a utilização desses instrumentos provocou uma
grande mudança nas atividades dos gestores educacionais, técnicos-
administrativos, docentes, discentes e famílias, que tiveram de se adap-
tar, aprender novas práticas, exercitar a resiliência e inteligência emo-
cional para vencer esse período da melhor forma possível.

Santos et. al. (2020) assinalam o preocupante excesso de atividades de-


senvolvidas pelos professores no modelo não presencial. Dentre tantas ou-
tras, citam-se: o estudo dos conteúdos a serem ministrados, a elaboração de
atividades para serem entregues nas escolas quando na opção impressa, a ela-
boração de atividades especificamente digitais, a gravação e edição de vídeos
que podem variar desde a instrução para o desenvolvimento de uma atividade
até aquelas associadas a explanação de conteúdos disciplinares específicos, au-
las síncronas (ao vivo), disponibilização de orientações por áudio via aplicati-
vos de mensagens (WhatsApp), correção de atividades avaliativas, inserção de
frequências, e por fim, a leitura e a visualização de inúmeros orientações, tuto-
riais, capacitações e cursos para a promoção do aperfeiçoamento profissional.
E nesta premissa, da dura realidade estrutural, dos recursos, dos suportes
ao bom desenvolvimento do trabalho do professorado que entrou em vigor o
Decreto n. 64.982 de 15 de maio de 2020 que instituiu o Programa Centro
de Mídia da Educação de São Paulo (CMSP) com vistas a implementar a
educação mediada por tecnologia. O Programa apresenta como objetivos
o desenvolvimento e a transmissão de conteúdos educacionais a todos os
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 231 •

alunos da rede pública de ensino por meio de instrumentos multiplataformas


(televisionados em canais abertos, canais em redes sociais e aplicativos móveis).
São ofertados videoaulas, palestras e programas complementares, de forma
síncrona e assíncrona. Ainda, objetiva-se a continuidade da formação dos
professores e demais profissionais da educação.
Apesar do esforço do Programa CMSP em estimular os professores no
desenvolvimento de novas perspectivas metodológicas e a produção de con-
teúdo, é certo compreender não haver nos decretos e resoluções estaduais da
educação paulista a preocupação com a condição indissociavelmente social
do trabalho docente.
De concreto, as múltiplas demandas estruturais, organizacionais, físicas
e emocionais da profissão tomaram os lares dos milhares de professores do
estado, alterando suas rotinas e todas as suas condições pessoais. Por fim, para
Cury (2020, p. 14) “A invasão das escolas nas casas traz à nossa consideração
a importância, não apenas do cognitivo, mas da convivência socializadora
como lugar de aprendizado das regras do jogo democrático, da tolerância e
aceitação das diferenças”.

Decisões educacionais no contexto pandêmico em


Mato Grosso do Sul

Partindo do pressuposto que, durante o isolamento social as secretarias de


Estado “equipassem” plataformas digitais, de forma a permitir a continuidade
das atividades de ensino, percebe-se que as iniciativas tomadas não abarcavam
uma parte considerável dos estudantes.
De acordo com Dias e Pinto (2020, p. 546), no contexto pandêmico
“grande parte das escolas e das universidades estão fazendo o possível para
garantir o uso das ferramentas digitais, mas sem terem o tempo hábil para
testá-las ou capacitar o corpo docente e técnico-administrativo para realizar
corretamente”. O que nos induz a conjecturar que a realidade escolar precisou
ressignificar-se em um tempo muito cingido e adaptar-se ao panorama de
ensino-aprendizagem remota.
No contexto Estadual de Mato Grosso do Sul, a Resolução SED/MS n.
3745 de 19 de março de 2020, regulamenta o Decreto n.15.391, de 16 de março
de 2020, e a oferta de Atividades Pedagógicas Complementares nas Unidades
Escolares e Centros. O artigo 1º da referida resolução traz à luz o cumprimento
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
232 • Para além do território demarcado

da carga horária anual e dias letivos aos quais o estudante tem direto, conforme
legislação, nas escolas da Rede Estadual de Ensino será ofertada Atividades
Pedagógicas Complementar – APC, durante o período de suspensão das aulas
presenciais prevista no Decreto 15.391, de 16 de maio de 2020.
No artigo 4º, traz as incumbências dos docentes:
I – Planejar e elaborar a APC em consonância com os documentos
curriculares emanados da secretaria do Estado de Educação, que de-
verá ser apreciada pela coordenação pedagógica;
II – Criar canal de comunicação a fim de sanar possíveis dúvidas dos
estudantes, família ou responsáveis no que diz respeito a APC, de
forma a orientar e garantir a qualidade do serviço prestado;
III – Arquivar a APC para fins de comprovação do cumprimento do
currículo, da avaliação, do rendimento da carga horária anual e dos
dias letivos aos quais os estudantes têm direito, e posterior repassar a
coordenação pedagógica. (SED/MS, 2020, p.2 - grifos nossos)

Nos chama atenção no referido artigo, que um dos pontos elencados,


menciona que o docente deve criar canal de comunicação, de forma a orientar
e garantir a qualidade do serviço prestado. Este ponto muito nos intriga, pois
dado ao movimento trazido pelo decreto, transfere-se a responsabilidade para
os docentes da educação básica. Importa saber, quais são as condições de
trabalho fornecidas para a realização desse canal de comunicação?
Vale ressaltar que a partir do momento em que o decreto foi validado em
âmbito estadual, embora o professor/a da Educação Básica permanecesse rea-
lizando seu trabalho remotamente, e com uma extensão de trabalhos, diante
das finitudes da realidade apresentada, o governo estadual demonstrando in-
sensibilidade às dificuldades encontradas pelos profissionais da educação, re-
tira o adicional noturno dos trabalhadores, alegando, que pelo fato das esco-
las estarem “fechadas” no período noturno, não haveria pretexto para o paga-
mento do adicional noturno. Problematiza-se assim até que ponto a Secreta-
ria do Estado de Mato Grosso do Sul, levou em consideração a valorização do
trabalho docente em tempos de pandemia? Pode-se observar que as ações e o
contexto no estado, em linhas gerais, não diferem do que foi constatado em re-
lação aos estados de GO e SP. Cabe, portanto, analisar alguns elementos sobre
o ano de 2021, e a discussão sobre o retorno, ou não às atividades presenciais.
Dalila Oliveira (2020), ao discorrer acerca das condições de trabalho do-
cente e a defesa da escola pública: fragilidades evidenciadas pela pandemia,
ressaltou que:
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 233 •

Para discutir as condições de trabalho dos professores de Educação Bá-


sica no Brasil é importante considerar um conjunto de variáveis que
extrapola a situação objetiva do local de trabalho. A carreira e a remu-
neração, bem como as possibilidades de formação inicial e contínua,
também são fatores importantes que devem ser considerados. (OLI-
VEIRA, 2020, p.32)

Algumas críticas foram tecidas mediante a responsabilização que o Es-


tado de Mato Grosso do Sul destinou aos trabalhadores da Educação. Anali-
sando os pontos adversos, principalmente se tratando do retorno presencial
do ano de 2021. Reiteremos que a escola carece de infraestrutura para seguir
os protocolos de biossegurança; assim como os números de servidores insu-
ficientes; risco da propagação do contágio, tanto entre alunos, como entre
seus familiares, principalmente aqueles com alguma comorbidade. É de co-
nhecimento que o retorno presencial, traria alguns pontos favoráveis, como:
o acesso a alimentação, o relacionamento interpessoal, provável manutenção
do vínculo com o estudante e a diminuição do abandono e evasão escolar. En-
tretanto, dada as deficiências da escola pública, muito nos preocupou e preo-
cupa um retorno precipitado, em que inviabiliza sobretudo, a valorização da
vida dos profissionais, dos alunos/as e por extensão dos familiares.
O Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) definiu algu-
mas diretrizes/protocolo de retorno às aulas presenciais. O documento foi
elaborado pela Frente Protocolo de Retomada que agrupa técnicos das secre-
tarias estaduais de Educação e com o apoio técnico do Sebrae Nacional. Se-
gundo Oliveira (2020), ao tratar do protocolo de retomada, vale enfatizar que:
Merecem destaque dois aspectos em relação à atitude do Consed: o
primeiro é a pouca atenção que dedica à discussão das condições de
realização do trabalho docente remoto que, à época da elaboração do
documento, já durava três meses; e segundo, quais são os interlocuto-
res que elege e os subsídios que valoriza para a elaboração de suas dire-
trizes para o protocolo de retorno às aulas. Com relação ao primeiro
aspecto, a insistência por parte dos gestores educacionais, desde o pri-
meiro momento, em discutir o retorno às aulas presenciais é notável.
É como se a situação pandêmica fosse ser resolvida em poucos dias, o
que revela certa ignorância da gravidade do problema, podendo ser
interpretada como uma atitude negacionista. O fato de a suspensão
das aulas presenciais ter sido uma atitude emergencial, que pegou a
todos de surpresa e que, por isso mesmo, não veio precedida de um
planejamento, demonstrou quão pouco prepara - dos estão os siste-
mas escolares e quanto os seus gestores estão acostumados a trabalhar
de forma mecânica, respondendo a metas e repetindo rotinas. (OLI-
VEIRA, 2020, p.37)
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
234 • Para além do território demarcado

A discussão em torno do retorno às aulas no ano letivo de 2021 gerou


várias contestações nos estados. Muitas indagações foram realizadas pelos
sindicatos e federações dos trabalhadores de Mato Grosso do Sul (FETEMS)
e os 74 Simteds. Em comunicado no dia 02 de março de 2021, o sindicato
lançou uma nota, chamando atenção para a Rede Estadual de Ensino de Mato
Grosso do Sul:
A FETEMS e os 74 Simteds lamentam o ato da Secretaria Estadual
de Educação em promover o retorno das Aulas Presenciais num mo-
mento em que o próprio Secretário Estadual de Saúde recomenda a
manutenção do isolamento social para frear a pandemia”, e reforça:
O preço da Covid, muitas vezes, não diz respeito apenas à saúde, mas
a vida de muitos. (FETEMS, 2021)

Neste quadro, pós-retorno da primeira semana do mês de março de 2021,


ocorreram vários afastamentos de servidores devido ao colapso no sistema
hospitalar e a proliferação do vírus nas escolas, acrescida a uma análise de
conjuntura sanitária nacional, estadual e municipal. De acordo com o boletim
oficial epidemiológico publicado no dia 17 de março, as UTI´s estavam com
o índice de 90% de ocupação.
Os sindicatos solicitavam o encerramento das aulas presenciais, pois ob-
servaram que seria o mínimo que a administração deveria fazer, depois da ár-
dua luta dos profissionais da educação que estavam arriscando suas vidas e
famílias por algo que poderia ser evitado, desde o início do ano letivo.
Todos os dados arrolados acima, contribuem para pensarmos o trabalho
docente e a questionar: Como os professores/as garantem que os alunos/as
cumpram os protocolos de biossegurança? Como a equipe administrativa
realiza a higienização do ambiente a cada 2 horas, uma vez que nem profissio-
nais suficientes, a escola tem? Quem são os responsáveis pelo alto índice de
contaminação de trabalhadores na Educação?
Pensando na perspectiva da oferta educacional, as demandas que carecem
o ambiente virtual, a formação de professores/as com o trabalho remoto e hí-
brido, assegurar as condições de trabalhos, são algumas das lutas travadas e
silenciadas pela pandemia. A experiência do remoto acendeu outros ensejos,
florescendo o processo e potencializando a formação docente, utilizando o
desafio, como prática, mas ainda assim, demandamos de infinidades de fo-
mentos federais, estaduais e municipais, assim como a preparação e formação
do professorado.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 235 •

Considerações finais

O contexto pandêmico por si só acentuou as desigualdades sociais e, por


extensão, as desigualdades educacionais (PERBONI, MILITÃO, 2021), trata-
se de um fenômeno de proporções mundiais que marcará a história da huma-
nidade, seja pela abrangência da pandemia, seja pelo inédito desenvolvimento
tecnológico, inexistente em pandemias do passado – comparada apenas à pan-
demia da gripe espanhola do início do século XX – que permite a continui-
dade remota de atividades realizadas tradicionalmente de forma presencial.
Como tratado neste texto, verificou-se que em três contextos geográficos
(GO, MS e SP), que as decisões educacionais pouco versaram sobre como mi-
tigar/superar as desigualdades educacionais que atingem estudantes e docen-
tes, mas tão somente conferiu centralidade à questão da aprendizagem.
Desta forma, transferiu-se à responsabilidade pelas ações de ensino para
os docentes, gestores escolares e até para as famílias, sem propiciar condições
adequadas de trabalho ou condições adequadas de estudo para segmentos da
população excluídos digitalmente.
Com a permanência do ensino remoto provocado pela continuidade e
agravamento da pandemia do covid-19, resta-nos buscar superar os obstáculos
com vistas à emancipação.

Referências

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educação e formação no contexto da sociedade danificada:
236 • Para além do território demarcado

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educação e formação no contexto da sociedade danificada:
238 • Para além do território demarcado

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educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 239 •

SÃO PAULO. Secretaria de Estado da Educação de São Paulo. Resolução


Seduc-28 de 19 de março de 2020. Dispõe sobre medidas temporárias de pre-
venção ao contágio e à transmissão do Covid-19(Novo Coronavírus) no âm-
bito da Secretaria da Educação, em complementação àquelas previstas no De-
creto 64.864/2020. Disponível em: <http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/
arquivos/28_20.HTM?Time=10/04/2021%2011:40:4>.
SÃO PAULO. Secretaria de Estado da Educação de São Paulo. Resolução
Seduc-44 de 20 de abril de 2020. Dispõe sobre a reorganização do calen-
dário escolar, das atividades pedagógicas e a extensão do teletrabalho de-
vido à suspensão das atividades escolares presenciais para prevenir o contá-
gio pelo coronavírus (COVID-19) e dá providências correlatas. Disponível
em: <http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/RESOLU%C3%87%
C3%83O%20SEDUC%2044.HTM?Time=10/04/2021%2011:47:56>.
SÃO PAULO. Secretaria de Estado da Educação de São Paulo. Resolução
Seduc-45 de 20 de abril de 2020. Dispõe sobre a realização e o registro de
atividades escolares não presenciais pelas unidades escolares vinculadas ao
Sistema de Ensino do Estado de São Paulo, durante o período de restri-
ção das atividades presenciais devido à pandemia de COVID19. Disponível
em: <http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/RESOLU%C3%87%
C3%83O%20SEDUC%2045.HTM?Time=10/04/2021%2011:48:45>.
15. Aspectos históricos e legais da
formação de professores no Brasil:
desafios e perspectivas

Patrick Pacheco Castilho Cardoso | Sonara Maria Lopes de Oliveira |


Jaqueline Delgado Paschoal | Luciana Aparecida de Araújo

A necessidade de uma política global de formação e valorização dos


profissionais da educação que contemple de forma articulada e priori-
tária a formação inicial, formação continuada e condições de trabalho,
salários e carreira; [...] faz parte das utopias e do ideário de todos os edu-
cadores e das lutas pela educação pública (FREITAS, 2007, p.1203).

Palavras iniciais

ão é novidade e se pode afirmar seguramente que a importância

N da formação de professores tem sido consenso nos âmbitos onde


o tema qualidade da educação é discutido. O discurso de que a
prática formativa de qualidade, seja inicial ou em serviço, é essencial para o
aprimoramento da prática pedagógica e para o sucesso da aprendizagem é
inquestionável. A formação docente é uma preocupação evidente dos órgãos
que gerenciam as políticas públicas, pois se encontra, de forma clara, em
documentos oficiais que orientam e direcionam as redes de ensino, além de
basear pesquisas e estudos acadêmicos e, principalmente, o que não poderia
ser diferente, é também vista como essencial por aqueles que são autoridades
do ato educativo: os professores.
Ao se centrar a discussão na formação inicial e continuada, é importante
ressaltar que tanto a primeira como a segunda contribuem para potencializar
e enriquecer o trabalho em sala de aula. No entanto, a valorização do professor
como indivíduo que tem uma história de vida e uma trajetória formativa,
enquanto pessoa e profissional, constitui condição não somente necessária,
mas indispensável para a melhoria da educação no país (GATTI, 2010). Nesse
sentido, é preciso considerar a premissa de que ser professor é ser profissional,
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
242 • Para além do território demarcado

pois assim como em qualquer profissão, há uma demanda de capacidade


técnica. Na profissão docente, há demandas que se relacionam à prática
pedagógica, que compreende: a relação professor-professor, professor-gestor,
professor-aluno, professor-conteúdo, aluno-conteúdo; e a relação escola e
comunidade/sociedade.
Há de se convir, segundo Gatti (2010), de que são necessárias pesquisas
que estudem e analisem as ações formativas, a fim de observar até que ponto
o processo formativo tem levado em consideração a ação educativa enquanto
produto de uma relação entre os profissionais do magistério e as demandas
pedagógicas, sociais e culturais no âmbito da escola, que é onde o professor
realiza seu trabalho, ou seja, onde se dá o “fazer pedagógico” propriamente
dito.
Portanto, o presente capítulo justifica-se pela necessidade de se evidenciar
a importância da formação inicial e continuada de professores e de suas impli-
cações nas práticas desenvolvidas no contexto escolar, pois, assim como Frei-
tas (2007), acredita-se que há uma relação bastante próxima entre a formação
e a atuação profissional. Para tanto, como objetivo geral, buscou-se traçar uma
trajetória histórica e a contextualização da formação inicial e continuada de
professores, a partir de uma análise da legislação e do modo como esses proces-
sos se institucionalizam no contexto da prática pedagógica desses profissionais.
No que se refere aos procedimentos metodológicos adotados, pode-se
considerar que a pesquisa, que é de natureza qualitativa, desenvolveu-se por
meio de estudo bibliográfico, na modalidade análise documental, para reunir,
analisar e interpretar estudos e pesquisas sobre a formação de professores,
além de Leis, Decretos e Resoluções que determinam os processos formativos
de professores a partir da perspectiva histórica e atual. Isso porque se observa
um crescente ganho no campo educativo quando o debate é sobre formação
e prática docente. Nota-se, nas últimas décadas, um ganho no investimento
financeiro e no planejamento de ações que buscam uma articulação entre os
programas e as políticas públicas nesse sentido, em função da obtenção de
melhoria no processo de aprendizagem dos alunos.
Tedesco (2001) alega que, de modo geral, estamos passando por um pe-
ríodo de grandes mudanças sociais, o que, por consequência, faz emergir novas
formas de organização social, política e econômica. No campo educacional, o
Brasil, por exemplo, já passou por diversas mudanças e, nas últimas décadas,
tem buscado superar os recorrentes problemas de seu modelo de educação,
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 243 •

objetivando cumprir as tarefas, pelo menos as fundamentais, para seu desen-


volvimento, tais como: a democratização e o acesso, a qualidade e o desenvolvi-
mento de competências basilares, a diminuição da evasão escolar e a equidade.
Dessa forma, pensar em mudanças de paradigmas e em discussões sobre
políticas para a formação docente, com vistas à melhoria da prática, torna-se
determinante para que se logre êxito no avanço da qualidade do ensino ofer-
tado em nosso país. É importante ressaltar que, a partir dessa constatação,
pesquisadores começaram a difundir a ideia da necessidade de uma nova do-
cência, de um novo professor a ser formado, com o intuito de se superar os
obstáculos e garantir a eficácia da prática pedagógica, para além da racionali-
dade técnica, que determinava o professor apenas como executor de conteú-
dos, visando somente ao caráter instrumental da profissão.
O rompimento com a racionalidade, nas últimas décadas, possibilitou a
construção de um outro perfil de professor, em uma perspectiva de reflexão
entre o conhecimento teórico e o conhecimento prático, autônomo, para a
organização, articulação e produção de conhecimentos na esfera educativa.
Isso posto, a contribuição deste estudo é ampliar as discussões sobre a forma-
ção de professores como direito de todos os profissionais, além de apontar os
inúmeros desafios para a concretização de políticas públicas que os reconhe-
çam e valorizem em termos de carreira, salário e condições de trabalho.

Formação inicial de professores: breve histórico e


tendências atuais

Do ponto de vista histórico, a preocupação com a formação de profes-


sores surgiu, mais especificamente, após a independência do país. No ano
de 1835, seguindo uma tendência vigente em países europeus, foi instituída
a primeira Escola Normal do país, em Niterói, no Rio de Janeiro, com a in-
cumbência de formar professores para as escolas primárias (SAVIANI, 2009).
Nos anos subsequentes, escolas como essa surgiram em distintos estados do
Brasil. Saviani (2009, p.144) esclarece que “essas escolas, entretanto, tiveram
existência intermitente, sendo fechadas e reabertas periodicamente”, além
disso, durante muitos anos, essa e outras instituições de formação de profes-
sores, em articulação com as transformações que aconteceram na sociedade
brasileira, passaram por inúmeras reformulações e alterações, em nível de mé-
todos e organizações (SAVIANI, 2009).
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
244 • Para além do território demarcado

No decorrer dos anos, foram criadas outras instituições, como os Institu-


tos de Educação, os cursos de Pedagogia, as Licenciaturas, os Institutos Supe-
riores de Educação e as Escolas Normais, que foram responsáveis pela forma-
ção de professores para o ensino primário até o ano de 1971. Nesse ano, a Lei
5.692/71 alterou a nominação dos ensinos Primário e Médio para Primeiro e
Segundo Graus, respectivamente, e instituiu o “curso de segundo grau unifi-
cado, de caráter profissionalizante, albergando, ao menos como possibilidade,
um leque amplo de habilitações profissionais” (SAVIANI, 2005, p.18).
A Lei 5.692/71 determinou, em seu artigo 30, a exigência de habilitação
específica de 2º grau como formação mínima para o exercício do magistério
no ensino de 1º grau, da 1ª à 4ª séries (BRASIL, 1971). Nesse momento, foi
estabelecida a HEM - Habilitação Específica de 2º grau para o exercício do
Magistério. Essa lei determinou, ainda, a formação em grau superior, em
nível de graduação, para a atuação no ensino de 5ª à 8ª séries e no 2º grau. Em
seu artigo 33, determinou que a “formação de administradores, planejadores,
orientadores, inspetores, supervisores e demais especialistas de educação será
feita em curso superior de graduação, com duração plena ou curta, ou de pós-
graduação” (BRASIL, 1971).
Ao se referir à instituição da HEM em substituição às Escolas Normais,
Saviani (2005, p.20) considera que “a formação de professores para o antigo
ensino primário foi, pois, reduzida a uma habilitação dispersa em meio a tan-
tas outras, configurando um quadro de precariedade bastante preocupante”.
Diante de problemas e deficiências identificados na estrutura da HEM, o Mi-
nistério da Educação desenvolveu o projeto CEFAM (Centros de Formação e
aperfeiçoamento do Magistério) com caráter de revitalização da Escola Nor-
mal. Segundo Saviani (2005, p. 21), o projeto teve resultados significativos,
porém, não teve continuidade.
A década de 1980 contou com importantes movimentos de reformulação
e avanços no que se refere à educação no país. Conforme Ferreira (2007), a
partir da abertura política, tem início, na sociedade, movimentos em prol
da educação, da pesquisa e do avanço científico e tecnológico, os quais, aos
poucos, vão se intensificando. Nesse sentido, Pedroso (1998) elucida que,
nesse período, deu-se início, com a conquista dos direitos políticos, a uma
nova etapa na história da educação do país. Para o autor, pode-se destacar que
houve uma crescente participação dos professores nas questões educacionais,
de modo mais ativo e eficaz, o que, consequentemente, fez com que as ações
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 245 •

que se debruçavam somente sobre questões de cunho técnico passassem a


considerar o contexto em que a formação do professor estava inserida.
As ações e os programas de formação inicial e continuada passaram a ser
analisados e planejados de modo a responder a demandas mais específicas e
mais relacionadas ao trabalho do professor, visando a possibilitar, principal-
mente, um aprendizado permanente, com vistas à formação de um profes-
sor com perfil mais ligado a dimensão política do trabalho decente (SILVA;
FRADE, 1997).
Com base em Silva e Frade (1997), na década de 1990, o advento da globa-
lização da cultura e da economia, bem como, a expansão do desenvolvimento
tecnológico demandam um novo posicionamento dos professores frente às
mudanças que surgem, exigindo que estes se embasem em novos estudos so-
bre a teoria e a prática de seu trabalho. É nesse contexto que há reinvindica-
ção, por parte das associações acadêmicas e de professores das universidades
brasileiras, para que a formação, tanto inicial, quanto continuada, ocorram
no âmbito da universidade.
Apesar de a universidade se mostrar como importante espaço para a for-
mação de professores, grande parte das práticas de formação se dão de modo
desvinculado do que deveria servir como base para uma reflexão sobre os pro-
blemas enfrentados nas escolas e redes de Ensino. Nesse sentido, Silva e Frade
(1997) alertam que, por vezes, o que as universidades consideram relevante para
a constituição da formação de professores não reflete a real necessidade das
escolas e dos professores que participam dos processos de formação e reflexão.
Sobre isso, Saviani (2009, p.148) esclarece que, a partir daí “a maioria
das instituições tendeu a situar como atribuição dos cursos de Pedagogia a
formação de professores” para as duas primeiras etapas da Educação Básica.
Tais movimentos culminaram com a promulgação da LDB nº 9.394, em
1996, que determina, em seu artigo 62, que a formação de professores se
dará em nível superior, “admitida, como formação mínima para o exercício
do magistério na Educação Infantil e nos cinco primeiros anos do Ensino
Fundamental, a oferecida em nível Médio, na modalidade Normal” (BRASIL,
1996).
Para Saviani (2005, p.22), “o espírito da nova LDB era considerar o nível
superior como exigência para a formação de professores de todos os tipos”,
pois tal iniciativa elevaria o preparo dos professores do Brasil, todavia “as es-
peranças depositadas na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
246 • Para além do território demarcado

no sentido de que ela viesse a enfrentar com êxito o problema da formação de


professores, resultaram frustradas” (SAVIANI, 2005, p.25).
Conforme Freitas (2007), houve uma significativa expansão do ensino
superior, a partir da década de 1990, no que se refere aos cursos de formação
de professores. Destaca-se a criação dos Institutos Superiores de Educação,
além da “diversificação e flexibilização da oferta dos cursos de formação – nor-
mais superiores, pedagogia, licenciaturas, cursos especiais e cursos à distância
de modo a atender à crescente demanda pela formação superior” (FREITAS,
2007, p.1208). Entretanto, por outro lado, a autora denuncia que a expansão
e a flexibilização dos cursos de formação não foram acompanhadas pela quali-
dade de ensino, pois a ampliação se desenvolveu, principalmente, em institui-
ções privadas.
As centenas de cursos à distância que chegam a todas as cidades do Brasil
e a retomada de cursos de formação em nível Médio, segundo Freitas (2007),
passam a oferecer condições desiguais nos processos de formação, no caso da
EAD, e protelam a formação superior dos professores em universidades, no
caso da formação em nível Médio. Desse modo, tais propostas são considera-
das “armadilha das soluções fáceis, ágeis e de menor custo, que caracterizam,
via de regra, as iniciativas no âmbito da educação e particularmente da forma-
ção” (FREITAS, 2007, p.1220).
Há, também, uma preocupação com a qualidade do ensino ofertado nas
instituições de ensino superior, que é revelada por Kishimoto (2005), em sua
pesquisa sobre os cursos de Pedagogia, em instituições privadas de diferentes
estados do Brasil. A autora assinala que a modalidade adotada pela maioria das
instituições é composta por um bloco comum de formação, seguido das habili-
tações, ou seja, a “formação básica contempla de 58% a 70% da carga horária do
curso, 10% de estágio e, as habilitações, de 10% a 16%” (KISCHIMOTO, 2005,
p.182). Isso evidencia um primeiro dado preocupante, visto que o propósito,
ao disponibilizar uma formação comum, é o de possibilitar um leque maior
de ofertas, o que resulta em vantagens econômicas para as instituições, po-
rém, há prejuízo no que diz respeito à qualificação profissional do estudante.
Sobre essa questão, Gatti (2010, p.1358) assinala que, “historicamente, nos
cursos formadores de professores esteve desde sempre colocada a separação
formativa entre professor polivalente, duas primeiras etapas da Educação
Básica e professor especialista”. A autora ressalta que a própria legislação
criou, ao longo dos anos, essa distinção entre as duas categorias de professores,
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 247 •

o que gerou a ideia de um valor social menor para o primeiro e maior para o
professor especialista, responsável pelos demais anos.
A dessemelhança se dá, segundo Gatti (2010, p.1358), “nos cursos, nas
carreiras e salários, nas representações da comunidade social, da academia e
dos políticos, mesmo com a atual exigência de formação em nível superior
dos professores dos primeiros anos da Educação Básica”. A autora atribui
esse fato à dificuldade de inovação na estrutura das instituições e dos cursos
de formação de professores, uma vez que a representação, historicamente
constituída, não permite ponderações e reestruturações para essa formação.
Desse modo, faz-se urgente uma “verdadeira revolução nas estruturas ins-
titucionais formativas e nos currículos da formação”, segundo Gatti (2010,
p.1375), pois não é mais aceitável consentir com uma formação dúbia, fragmen-
tada e insuficiente para os responsáveis pela educação de outros indivíduos.
A formação de professores profissionais para a educação básica tem
que partir de seu campo de prática e agregar a este os conhecimentos
necessários selecionados como valorosos, em seus fundamentos e com
as mediações didáticas necessárias, sobretudo por se tratar de formação
para o trabalho educacional com crianças e adolescentes (GATTI,
2010, p.1375).

Nessa perspectiva, o desafio, de acordo com Freitas (2007, p. 1204), é a


proposição de políticas de formação e valorização de professores “que con-
templem de forma articulada e prioritária, a formação inicial, formação con-
tinuada e condições de trabalho, salários e carreira, com a concepção sócio-
histórica do educador a orientá-la”. Para a autora, faz-se necessária uma ex-
pansão da escolarização e do papel do Estado na disponibilização de recur-
sos financeiros que garantam uma educação superior pública, presencial e de
qualidade, sobretudo no que tange aos processos formativos de professores.
A fim de contribuir para o estabelecimento de uma política global de for-
mação mais emancipadora e menos fragmentada, a autora elenca três impor-
tantes perspectivas de trabalho:
1) Uma ação conjunta entre as universidades e demais instâncias for-
madoras e os sistemas de ensino, de maneira a rever a formação bá-
sica, assegurar condições dignas de trabalho e formação continuada;
2) a revisão das estruturas das instituições formadoras do profissional
da educação, experienciando novas maneiras de organizar a formação
do educador e avançando para formas de organização por cursos e
programas, para todos os níveis de ensino, contemplando a formação
inicial e continuada; 3) o estabelecimento de uma integração perma-
nente entre as instituições de formação do profissional da educação,
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
248 • Para além do território demarcado

as entidades organizadas dos trabalhadores da educação e demais enti-


dades da área educacional, na instituição e fortalecimento de fóruns
coletivos de debate e indicação de políticas de formação e valorização
profissional (FREITAS, 2007, p. 1220).

Outro desafio diz respeito à elaboração de propostas que tenham, como


foco, a valorização desses profissionais, tanto em nível de formação (inicial,
continuada e em serviço), quanto em nível de remuneração e condições de
trabalho. Dessa forma, como perspectiva, pleiteia-se, para essa profissão, a
superação do equivocado status de menos valia e o reconhecimento de que
uma profissão que “ensina, deve possuir competência” e ter precisão técnica,
rigor filosófico e disciplina metodológica, criatividade e criticidade na forma
de entender e trabalhar o conhecimento conforme o contexto em que foi
produzido” (ARCE, 2001, p.182). Uma formação inicial sólida, integrada
e específica é direito de todos os professores, assim como, uma formação
continuada é condição primordial e necessária para a melhoria do trabalho
pedagógico no contexto escolar.

Formação continuada como direito dos professores:


reflexões necessárias

A formação continuada de professores não é considerada um pensamento


recente, pois, de acordo com Silva e Frade (1997), o Brasil passou, nas três últi-
mas décadas do século XX, por três momentos políticos que ficaram histórica
e socialmente demarcados, sendo eles: a ditadura militar, o movimento de
democratização da sociedade e os movimentos de globalização da cultura e da
economia. Para essas autoras, tais momentos histórico-políticos influencia-
ram sobremaneira os processos de formação continuada de professores.
Pedroso (1998, p.33) faz um retrospecto da formação docente na década
de 1970, a partir do qual, destaca, de forma breve, que se notou, muito forte-
mente, a “valorização de princípios de racionalidade técnica, da hierarquiza-
ção das funções, da burocratização da escola, com repercussões diretas nas
alterações das funções de planejamento e execução”. A partir do exposto, o
autor considera que, nessa década, a formação continuada de professores teve
um crescimento significativo, pois o início da modernização, inclusive a so-
cial, demandava recursos humanos que estivessem preparados para servir aos
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 249 •

interesses impostos pelo governo militar, que tinha, como foco, a formação
de trabalhadores, sendo este o objetivo central da educação no período.
Ribas (2000) explica que, nesse mesmo período, as pesquisas demonstra-
vam que a formação continuada ofertada aos docentes da rede pública não
surtia o efeito desejado, em consequência da não existência de uma política
contínua e permanente por parte do governo e, além disso, por não ir ao en-
contro das demandas e necessidades das escolas e dos professores.
Por esse motivo, a formação em serviço começou a ser enfatizada forte-
mente já no final da década de 1980 e início de 1990. Estudos (KRAMER,
1989; MEDIANO, 1992, 1998; SILVA & FRADE, 1997) apontam que os “pa-
cotes prontos”, os “treinamentos” e “encontros” que eram ofertados aos pro-
fessores não se demonstraram suficientes para a melhoria da qualidade do
trabalho do professor e, por conseguinte, da prática pedagógica. As pesqui-
sas desses mesmos autores pressupunham que os docentes participassem, de
forma ativa, de uma construção coletiva, a partir de suas reais necessidades,
ou seja, a formação continuada deveria ser realizada no local de trabalho do
professor, com base em uma reflexão contínua sobre sua própria prática.
É possível inferir, a partir do exposto, que as inúmeras mudanças sociais e
econômicas demonstram ser os fatores que colaboraram para que a forma-
ção continuada de professores passasse por uma mudança de paradigmas no
decorrer do processo histórico das últimas décadas do século XX, o que se
perpetua ainda na atualidade. Desse modo, as exigências de mudanças, tanto
na formação quanto na prática docente, vieram à tona a partir das necessida-
des que a sociedade foi demarcando em dado espaço-tempo histórico.
Gatti (2008, p. 64) explica que a publicação da LDBEN (BRASIL, 1996)
deu um impulso nas ações políticas que tratam da formação continuada de
professores, já que “veio provocar especialmente os poderes públicos quanto a
essa formação”, sobretudo por tratar de sua importância em vários de seus arti-
gos. O parágrafo 1º do artigo 62, a partir da inclusão dada pela Lei nº 12.056 de
2009, estabelece que, em regime de colaboração, a União, o Distrito Federal, os
Estados e os municípios “deverão promover a formação inicial, a continuada e
a capacitação dos profissionais do magistério” (BRASIL, 1996). Em continui-
dade, no parágrafo 2º, cita, brevemente, que a formação continuada e a capaci-
tação poderão ocorrer por intermédio das tecnologias de educação à distância.
Além disso, em parágrafo único do mesmo artigo, incluído pela Lei nº
12.796, de 2013, a LDBEN determina que a formação continuada deve ser
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
250 • Para além do território demarcado

ofertada “no local de trabalho ou em instituições de educação básica e superior,


incluindo cursos de educação profissional, cursos superiores, de graduação
plena ou tecnológicos e de Pós-graduação” (BRASIL, 1996). Nesse sentido,
a oferta de programas e cursos em vários níveis e modalidades aumentou,
sobremaneira, a partir desse período.
Por outro lado, Gatti (2008), ao questionar as causas que provocaram a
origem de diversos programas de formação continuada de professores, aponta
a identificação das seguintes: as transformações sociais, as quais, historica-
mente, trazem à luz desafios que vão se desenhando nos currículos e no en-
sino; os desafios que os sistemas de ensino foram enfrentando ao longo da
universalização da educação; e as dificuldades com as quais se defrontaram
gestores e professores no contexto da escola.
Todavia, segundo Gatti (2008), as dificuldades ainda persistem e, por esse
motivo, há insistência em relação aos programas de formação continuada,
pois a melhoria da qualidade do ensino, assim como, a eliminação do fracasso
escolar ainda não lograram êxito, mesmo em um contexto de luta dos educa-
dores e apesar das políticas e dos programas educacionais implementados.
Para a autora, a causa de as ações de formação continuada não terem al-
cançado os resultados pretendidos pode estar relacionada à definição do con-
ceito de formação continuada em si, o que não é uma questão simples, se fo-
rem levadas em conta as várias possibilidades, as quais, vistas de modo isolado
não garantem sua eficácia. Num contexto geral, pode-se afirmar, categorica-
mente, que ações isoladas de formação continuada não alcançam mudanças
significativas na prática docente, tampouco engendram uma qualidade teó-
rica que fundamente o trabalho do professor.
Para Mainardes (2008), a constituição de um sistema educacional demo-
crático, não seletivo e não excludente, deve ter como início de percurso ações
reguladoras que se voltam para: a explicitação de uma concepção de educa-
ção, de homem e de sociedade; uma revisão de toda a proposta de conteúdos,
metodologias, avaliação e gestão da escola; a criação de políticas de democra-
tização do sistema educacional; e a melhoria das condições de trabalho, de
salário e de jornada dos professores, que também é necessária e urgente. Di-
ante disso, considera-se que a formação continuada de professores deve partir
de políticas públicas educacionais que considerem esse conjunto de aspectos,
para que as ações formativas passem a ter relação direta e duradoura com a
qualidade da educação.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 251 •

Polimeno (2001) afirma que algumas dificuldades são claramente observa-


das no que concerne às políticas públicas de formação continuada, a saber: a)
cada nova política, projeto ou programa parte da estaca zero e não da experi-
ência e do conhecimento acumulados; b) a formação ocorre de modo isolado,
sem se considerar outras dimensões do exercício profissional (condições de
trabalho, recursos disponíveis, carreira e salário); c) privilegia os aspectos indi-
viduais da formação; d) não integra um sistema de formação permanente.
Um outro fator a se chamar a atenção, segundo Moreira (2002) é a ques-
tão da formação continuada como “negócio lucrativo”, a partir de proposi-
ções de cursos superiores em menor tempo (aligeiramento), com o objetivo
de melhorar questões estatísticas com pouco investimento e satisfazer exigên-
cias que não têm nenhum ou pouco embasamento em teorias pedagógicas, o
que parece reduzir o profissional da educação a um “produtivo ensinador”.
O mesmo acontece com a formação continuada, que, de modo meramente
comercial, vende “verdadeiros pacotes comerciais, idealizados por improvisa-
dos formadores que se encontram distantes da realidade escolar e estão mais
interessados na Formação Continuada como um negócio lucrativo” (MO-
REIRA, 2002, p. 14).
Por outro lado, defende-se que as políticas voltadas para a formação con-
tinuada devem considerar as condições em que se dão, ou seja: o trabalho pe-
dagógico do professor; os recursos que estes possuem para sua materialização;
e os planos de carreira, valorização e salário, fatores estes que compõem o que
tem, realmente, efeito na prática cotidiana em sala de aula. Desse modo, a for-
mação deve ser um processo contínuo e, ao mesmo tempo, permanente, que
tenha como objetivo o desenvolvimento profissional, que exija a participação
em um processo de contínua aprendizagem e que resulte, ao mesmo tempo,
em um modo de reflexão, por parte do professor, sobre suas próprias ações
(POLIMENO, 2001).
É necessário que sejam considerados esses, dentre outros fatores, para que,
de fato, as políticas públicas educacionais estabeleçam critérios de valor que
garantam que os programas e as ações de formação continuada de professores
fomentem a formação de intelectuais culturalmente críticos e de profissionais
com conhecimentos teóricos aprimorados e, concomitantemente, estimulem
a reflexão crítica a partir do contexto em que a prática profissional se encontra
inserida.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
252 • Para além do território demarcado

Para Ferreira (2008), espera-se que as ações fomentadas façam com que os
docentes aprimorem seus referenciais e, por conseguinte, suas práticas, a partir
de uma formação qualificada, com base em uma concepção crítica de trabalho
e profissionalidade, a fim de alcançarem melhores resultados. Para o autor,
a reflexão crítica está diretamente ligada a uma concepção de formação, em
um ambiente que proporcione o comprometimento com o desenvolvimento
de questões da profissão (sejam elas didáticas ou de conteúdos específicos
dos saberes humanos e científicos historicamente acumulados), mas que, de
igual modo, articule questões sociais e políticas às práticas de atuação com os
alunos e com a comunidade onde a escola se encontra inserida.
Nesse sentido, é necessário que programas e ações, em nível macro ou mi-
cro, valorizem o saber teórico que a literatura traz para dar base a essas ações, de
modo a garantir programas articulados no que se refere à formação continuada
e aos seus objetivos. Essa teoria deve servir, ainda, para que as práticas pedagó-
gicas dos diversos saberes a serem trabalhos sejam implementadas, tornando
eficaz a apropriação do conhecimento por parte dos alunos. Ao mesmo tempo
em que a literatura deve servir como norteamento à implementação de moda-
lidades eficazes de formação, a partir dos estudos e resultados trazidos à tona
por pesquisas educacionais, deve-se também levar em conta outros aspectos
relacionados à didática e às estratégias de aprimoramento dos conteúdos, de
modo a favorecer a aprendizagem e o desenvolvimento integral dos educandos.

Palavras finais

Apesar da longa trajetória de luta dos professores, por melhores condi-


ções de trabalho, valorização e formação profissional, e das políticas educacio-
nais implementadas nas últimas décadas, constata-se que muitos são, ainda,
os desafios para a concretização de práticas pedagógicas que, efetivamente,
contribuam para a aprendizagem e o desenvolvimento integral dos educan-
dos. Tal fato ocorre porque os cursos e os programas de formação de profes-
sores estão longe de atenderem as reais necessidades e dificuldades desses pro-
fissionais no cotidiano da sala de aula.
É indiscutível que, a partir da promulgação da LDBEN 1996), houve um
considerável crescimento no que diz respeito à formação inicial e continuada
de professores no Brasil. Nesse caminho, a legislação configura-se de modo
a respaldar e, além disso, responsabilizar os entes federados pelos processos
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 253 •

formativos de seus profissionais, gerando, com isso, aumento dos espaços


formativos, principalmente para as redes públicas de ensino, ao mesmo tempo
em que delimita suas finalidades.
No que tange à formação continuada, o que se pode depreender é que
há muitos termos utilizados para se referir a essa modalidade de formação,
visto que as palavras: capacitação, aperfeiçoamento e treinamento traduzem,
mesmo que semanticamente, as perspectivas adotas na documentação legal, o
que denota urgência de fomento a políticas públicas que respondam somente
às necessidades mais urgentes. Na prática, verifica-se que há um distancia-
mento entre a concepção legal de formação ao longo da carreira, ou ao longo
da vida profissional, e a formação realmente concretizada, na prática, com
os professores, que tem sido entendida como solução de falhas, correção de
desvios ou formação superficial e aligeirada, entre aqueles que demonstram
pouca capacidade para a execução de sua atividade.
Não obstante, por mais que tenha havido inegáveis avanços no que tange
à valorização dos profissionais do magistério, faz-se necessário apontar para
o fato de que as determinações legais não foram suficientes para colocar em
prática o que se propõem, ou seja, as ações políticas concretas não foram
capazes de alterar o quadro de desvalorização em que se situavam e se situam
os professores e demais profissionais da educação, pois os dispositivos legais
que tratam das questões de salário, carreira e condições adequadas de trabalho
ainda não podem ser considerados como efetivados.
Além disso, a ausência de interlocução entre as universidades e as unida-
des escolares, que se materializa na configuração curricular de cursos amorfos
e distantes da realidade educacional, também indica a necessidade de revisão
das políticas voltadas aos processos formativos de professores no Brasil. A fra-
gilidade e a superficialidade, sobretudo dos cursos de formação isolados, não
alcançam mudanças significativas na prática docente, tampouco fundamen-
tam o trabalho do professor.
Diante de tais desafios, a perspectiva que se coloca é a implementação de
políticas de formação de professores que sejam capazes de instrumentalizar
os futuros professores e aqueles que já atuam na compreensão das especifi-
cidades do trabalho pedagógico na educação básica. Daí a importância do
diálogo constante e da parceria entre os cursos de formação e as unidades de
ensino. A garantia do desenvolvimento profissional, seja via formação inicial
ou continuada, é condição primordial para a efetivação de uma educação de
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
254 • Para além do território demarcado

mais qualidade, pois há uma relação intrínseca entre os processos formativos


e a ação docente no contexto escolar.
Ainda que os avanços e as determinações da legislação não tenham sido
suficientes para garantir e consolidar uma formação mais ampla e específica
dos professores, a perspectiva que se propõe é a que reconhece os direitos
de todos os professores em relação às condições de trabalho, à valorização
profissional e ao salário compatível com o trabalho que desenvolvem.

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16. A questão educacional no discurso da
executiva Priscila Cruz, no programa
Roda Viva (2020)

Érica Fernanda de Oliveira Menezes | Luzia Batista de Oliveira Silva |


Miriam Saiki | Sabrina Moschini

Introdução

objetivo do texto é apresentar uma discussão acerca da entrevista

O da executiva Priscila Cruz, que aconteceu no programa Roda Viva,


organizado e transmitido pela TV Cultura no dia 13 de abril de 2020.
O programa também foi disponibilizado nas plataformas do Twitter, Face-
book, YouTube e Linkedin. Foi relevante identificar, no conjunto dos enun-
ciados proferidos pela executiva e debatidos com os arguidores, os elementos
de uma formação discursiva que dizem respeito às regras de funcionamento
comuns à organização da sociedade.
A entrevista tinha como finalidade mostrar a grave situação da educação
no Brasil, considerando, como pano de fundo, a crise pandêmica ocasionada
pelo Covid-19. É de conhecimento de todos que, no ano de 2020, o mundo
foi acometido por uma grave crise com o vírus que se alastrou, com grande ve-
locidade, por todo o globo terrestre, trazendo as mais variadas consequências
para a vida de toda a população. Seus efeitos foram sentidos nas mais variadas
esferas da vida cotidiana.
A executiva problematizou sobre aspectos relacionados à educação no
Brasil e citou algumas parcerias com patrocinadores que objetivam promover
a formação de certa camada da população, com a criação de empresas como a
Todos pela educação, que conta com grupos de executivos e intelectuais como
seus investidores.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
258 • Para além do território demarcado

Contextualização da entrevista

O cenário em que se contextualiza a entrevista da executiva, debatida neste


texto, se institui a partir dos temores da Pandemia da Covid-19 e seus reflexos
nas mais variadas esferas da organização social.
A Educação é parte essencial da vida da população e foi fortemente atin-
gida pelos efeitos provocados pela pandemia, podendo-se, inclusive, presen-
ciar os impactos na organização dos sistemas da educação e também da saúde,
constatando-se a vulnerabilidade do povo brasileiro que ficou ainda mais ex-
posto, dado que é acentuada a desigualdade social e a má distribuição de renda,
falta de investimento na saúde geral e especialmente na saúde mental dos su-
jeitos, com seu agravamento em virtude da necessidade de isolamento e dos te-
mores decorrentes da exposição real ao risco de adoecimento e morte iminente.
O acesso aos bens de consumo, como alimentação, medicamentos, transporte,
foi muito afetado, e os impactos na vida diária foram e continuam sendo extre-
mamente dolorosos e desafiadores. No Brasil, a doença já ceifou mais de 290
mil vidas, e quase 12 milhões de pessoas foram infectadas até março de 2021;
casos confirmados, conforme divulgação diária do site covid.saude.gov.br.
No que diz respeito à Educação, a crise atinge-a num momento em que a
estrutura de custeio da escola pública vinha sendo discutida por ocasião da
finalização do prazo de validade do Fundeb1 , fundo que fornece recursos para
a educação. Em meio a esse debate, também ocorrem dissensos no âmbito da
política que dificultam a articulação de estratégias emergenciais a curto prazo.
Fecharam-se os estabelecimentos comerciais e consequentemente, tam-
bém as escolas, ignorando-se os problemas sociais decorrentes desse fecha-
mento. Alguns desses problemas foram debatidos durante a entrevista con-
cedida ao Programa Roda Viva pela executiva Priscila Cruz, mestre em Ad-
ministração Pública pela Harvard Kennedy School of Government, graduada
em administração de empresas pela Fundação Getúlio Vargas e graduada em
Direito pela Universidade de São Paulo.
1O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação (Fundeb) atende toda a educação básica, da creche ao ensino
médio. Substituto do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e
de Valorização do Magistério (Fundef), que vigorou de 1997 a 2006, o Fundeb está em vigor
desde janeiro de 2007 e se estenderá até 2020. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/
fundeb> acesso em vinte e dois de novembro de dois mil e vinte.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 259 •

Priscila Cruz é presidente-executiva e cofundadora do Todos Pela Educa-


ção, uma organização não governamental que tem como objetivo, expresso
em seu site, o trabalho pela qualidade da Educação Pública no Brasil, conside-
rando, como elemento fundamental para alcançar essa qualidade, o trabalho
em prol de uma educação com igualdade de oportunidades para todos os es-
tudantes brasileiros.
No site Todos pela Educação, lê-se esta informação: “São mais de 20 man-
tenedores privados e nenhum deles contribui com mais de 6% de nossa re-
ceita. Com um financiamento privado e pulverizado, garantimos nossa inde-
pendência crítica”.
Na lista de mantenedores da organização, pode-se identificar nomes como:
Cristovam Buarque, Fernando Haddad, Jorge Paulo Lemann, José Roberto
Marinho, Maria Alice Setúbal, Paulo Renato de Souza, Rute Correia Leite
Cardoso, Viviane Senna entre outras figuras de destaque no setor empresarial
e na administração pública, ocupando cargos de relevância. Merecem citação
Cristovam Buarque e Paulo Renato de Souza2 .
Seguem algumas características básicas do cenário que norteia o tempo
histórico no qual a entrevista e os personagens se inserem. É importante
destacar que o discurso de Priscila Cruz será problematizado e analisado neste
texto. Retomamos, por isso, o conceito de discurso em Michel Foucault
(REVEL, 2002, p. 37)
O discurso designa, em geral, para Foucault, um conjunto de enunci-
ados que podem pertencer a campos diferentes, mas que obedecem,
apesar de tudo, a regras de funcionamento comuns. Essas regras não
são somente linguísticas ou formais, mas reproduzem um certo nú-
mero de cisões historicamente determinadas (por exemplo, a grande
separação entre razão/ desrazão): a ’ordem do discurso’ própria a um
período particular possui, portanto, uma função normativa e regula-
dora e coloca em funcionamento mecanismos de organização do real
por meio da produção de saberes, de estratégias e de práticas.

Revel (2002) considera importante ressaltar que a intencionalidade de


Foucault, ao apresentar as suas percepções acerca do discurso, não era apenas
para focar os aspectos linguísticos e as leis que regulam o seu funcionamento,
mas, também, intensificar o que envolve as transformações do discurso por
2 Paulo
Renato de Souza, economista e político brasileiro, filiado ao PSDB, foi Ministro
da Educação do Brasil, de 1995-2002, no governo FHC. Falecido em junho de 2011. José
Roberto Marinho, jornalista falecido em agosto de 2003.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
260 • Para além do território demarcado

meio da contextualização histórica, a identificação e o questionamento sobre


aquilo que emerge dos mecanismos discursivos, sustentados por práticas
concretas, ou seja, com vinculação ao que se estabelece entre os tipos de
discurso e as conjunções históricas estabelecidas no que tange aos aspectos
econômicos e políticos e do processo da sua materialização. Sendo assim, é
possível questionar sobre a tessitura que envolve a formação de um discurso.
Na conjuntura da entrevista de Priscila Cruz, a apresentadora anunciou
os pontos principais que seriam abordados no debate: A interrupção das aulas
das escolas públicas e particulares em decorrência da pandemia da Covid-19,
que deixou exposto o abismo da desigualdade de oportunidades e estratégias
em relação ao uso das tecnologias entre alunos de escolas privadas e públicas e
as ações dos órgãos responsáveis pela coordenação dos sistemas de educação
no Brasil.
São questões iniciais, emergenciais para atender às demandas decorrentes
da paralisação das aulas, objetivando nortear quais ações são necessárias para
um possível retorno às aulas, entre outras questões de igual relevância, a fim
de vislumbrar estratégias para que os danos possam ser recuperados.
Priscila Cruz respondeu aos questionamentos reforçando alguns pontos
básicos que são fundamentais para a reestruturação do sistema educacional
brasileiro, durante e pós-pandemia, tal como a necessidade de um plano emer-
gencial, reestruturação do retorno dos alunos às escolas, elaboração de um
plano de comunicação com as famílias dos estudantes, investimento em for-
mação dos professores, ênfase na importância de avaliações diagnósticas que
possam nortear os alunos, quanto às perdas sofridas, mediante estruturação
de ações pedagógicas, organização das turmas entre outros elementos.
Destaca-se que, no início da pandemia, acreditava-se que o retorno às
escolas se daria entre os meses de abril e maio, o que não ocorreu efetivamente
e se estendeu por meses até o final do ano e neste ano – 2021 – ainda estamos
passando por problemas idênticos e distantes de uma solução.
Priscila Cruz colocou em pauta a importância da educação na reconstru-
ção dos efeitos causados por situações catastróficas como guerras e crises sani-
tárias, destacando também a relevância de uma coordenação nacional sobre
esses efeitos, mencionando a falta dessa coordenação e enfatizando que tais
ações estavam, naquele momento, sendo assumidas pelos governos estaduais
e municipais na ação de seus secretários.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 261 •

Priscila apresentou também a ação do Conselho Nacional de Educação


que, no momento, lançava normativas para regular o Ensino a Distância em
âmbito nacional. Vale ressaltar que, à época, era ministro da Educação o
senhor Abraham Weintraub cuja imagem ficou associada à do cidadão que
ignora a ética nos discursos e nas ações executadas na condição de ministro,
com falas que constrangem e diminuem o papel da educação para a sociedade.
Desde pronunciamentos oficiais até colocações informais em redes sociais,
esse ministro provocou a revolta de educadores por todo o país por causa de
suas colocações preconceituosas e constrangedoras.
Destaca-se que, durante a permanência de Weintraub no ministério, ocor-
reram também algumas descontinuidades, como, por exemplo, o desliga-
mento do Secretário da Educação Básica, Jânio Macedo, e a sua substituição
por Ilona Becskeházy, que também foi afastada do cargo no mês de agosto do
mesmo ano. Atualmente, tal secretaria é de responsabilidade de Izabel Lima
Pessoa. Vê-se, assim, que a falta de continuidade é também uma realidade no
Ministério da Educação. O próprio Abraham Weintraub também foi afas-
tado e, hoje, o ministro é Milton Ribeiro. É importante ressaltar que todas
essas alterações ocorreram durante a crise pandêmica.
Sobre Jânio Macedo, para Priscila Cruz, ele não teria experiência na área,
mas que era uma pessoa de fácil interlocução e que possuía "boas intenções".
Ressalta a entrevistada que o esse secretário não tinha postura ideológica e que
sempre se preocupou com a qualidade da educação. A entrevistada valoriza,
em sua fala, as qualidades da substituta dele, Ilona Becskeházy, e diz que é
uma profissional com competência técnica e destaca que ela, secretária da
Educação Básica, era integrante do grupo de associados mantenedores do
Todos Pela Educação.
Por duas vezes, a executiva foi questionada sobre as ações do Ministério da
Educação em relação à responsabilização e definição de estratégias de combate
aos impactos da crise na Educação, uma das áreas mais afetadas pela pandemia.
Sobre esse questionamento, Priscila Cruz coloca que o ministro Weintraub
realmente não demonstra ter entendimento sobre a função do Ministério da
Educação. Sobre essa responsabilização, no que tange à função do ministério,
ela segue com uma fala muito importante e que revela alguma contradição ao
longo do seu discurso:
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
262 • Para além do território demarcado

Essa Política Nacional tem uma série de tarefas que precisam ser exe-
cutadas agora em coordenação com estados e municípios, por isso,
é importante espaços de pactuação, de negociação para entender as
questões que acontecem na ponta, até porque foi lema da campanha –
Menos Brasília, mais Brasil – porque certamente as necessidades do
Acre são diferentes das do Rio Grande do Sul. Por isso, fazer uma co-
ordenação é fundamental, é uma coordenação técnica, olhando para
cada aspecto para poder avançar.

É possível identificar que a vontade expressa no discurso é que a educação


seja única para todo o Brasil, embora entenda que o Brasil possui diversidades e
desigualdades para serem compreendidas, que se apresentam nas proposições
como indicativos de homogeneização dos processos.
Foucault (2005) pontua que a ideia de estratégias e procedimentos ins-
tituídos se assenta no princípio da governamentalidade. Com isso, noções
como as de coordenação e pactuação são formas específicas nas quais o poder
se assenta. As leis, as proposições instituídas pelas esferas de poder seriam,
portanto, instrumentos essenciais que teriam por objetivo dispor a favor da
segurança. Entende-se que essa é a principal base que norteia a ideia de go-
verno, incluída na palavra coordenação na qual se encontram os indivíduos
que precisam avançar para instituir a governamentalidade, porque
A governamentalidade moderna coloca pela primeira vez o problema
da ’população’, isto é, não a soma dos sujeitos de um território, o con-
junto de sujeitos de direito ou a categoria geral da ’espécie humana’,
mas o objeto construído pela gestão política global da vida dos indiví-
duos (biopolítica). Essa biopolítica implica, entretanto, não somente
uma gestão da população, mas um controle das estratégias que os in-
divíduos, na sua liberdade, podem ter em relação a eles mesmos e uns
em relação aos outros. As tecnologias governamentais concernem,
portanto, também ao governo da educação e da transformação dos in-
divíduos, àquele das relações familiares e àquele das instituições. (RE-
VEL, 2005, p. 55).

Entende-se que, para Foucault (2005), a governabilidade é um caminho


em que as técnicas se tornam vias de controle. As técnicas são, nesse contexto,
os instrumentos que servem para colocar em evidência os pressupostos de
dominação na coordenação da população, rumo a uma intencionalidade que
se espera atingir, no caso, o avanço da qualidade da educação.
Articulada ao conceito de governamentalidade, tem-se a ideia de biopolí-
tica que, para Foucault (2005), se trata de um poder que intervém e formata a
vida da população por meio do que se pode entender como medicina social em
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 263 •

que a doença é identificada e o tratamento estabelecido pelas instituições de po-


der, tendo como objetivo aniquilar as diversidades, como as patologias, e pro-
pondo uma padronização que se entende como aquilo que é saudável, ou seja,
a proposta de um sistema de padronização, Por isso, é importante diagnosticar.
Durante a entrevista, Priscila pontuou a respeito da importância de se ter
um processo de avaliação para fazer diagnósticos:
A avaliação diagnóstica é algo que precisa ser feita, tanto para o começo
das aulas, como também para as próximas fases, isso é algo que teria
que ter uma coordenação nacional para a gente não ter tanta diferença
no que vai ser avaliado pelo país, pelas redes municipais e estaduais,
porque a gente ter que combater a desigualdade.

Nessa parte da entrevista, consideramos como sendo o momento mais


esperado e relevante, aquele em que foram feitos estes questionamentos:

• O discurso da “ação coordenada”, aparentemente parece demonstrar


uma negociação ou abrir-se ao debate para o atendimento das neces-
sidades pontuais. Seria esse discurso uma via para implementação de
ações direcionadas para sustentar a implementação de uma política de
avaliação com característica homogeneizante?

• É possível, nesse contexto, combater a desigualdade a partir de um


padrão de caráter homogêneo?

Na sequência desse diálogo, Priscila Cruz comentou acerca da importân-


cia da aprovação da continuidade do FUNDEB e foi bastante clara ao dizer
sobre a incorporação de propostas do Todos Pela Educação no relatório da de-
putada Dorinha. Ficou evidente a força que emerge do discurso da organiza-
ção afetando diretamente a incorporação de ideias de um grupo na discussão
e proposição de leis essenciais para a estruturação da educação no país.
Questiona-se, então: Que interesses servem para forjar as concepções do
grupo Todos pela Educação? Que verdade se insere na composição do discurso
da organização Todos pela Educação?
Ainda comentando sobre o FUNDEB, a executiva pontua:
Uma decisão muito importante agora é preservar o FUNDEB, por-
que vamos precisar de um investimento substantivo e quando eu digo
substantivo não é com irresponsabilidade fiscal. É porque o Ministé-
rio da Economia participou muito mais das discussões do que o Mi-
nistério da Educação, dessa tramitação toda e discussão do FUNDEB,
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
264 • Para além do território demarcado

eles deram muita conta e chegaram numa conclusão de que é possível


a gente sair do complemento atual de 10% e chegar em 20% de forma
progressiva, não é de um ano para o outro, mas incluindo algo que
é muito importante para o Ministério da Economia, para nós e para
aqueles que querem resultado.

Nesse excerto da entrevista, destacam-se os seguintes pontos:

• O Ministério da Economia teve mais participação nas discussões do que


o Ministério da Educação. Diante dessa constatação, pergunta-se: Qual
é o propósito da Educação no Brasil? É inegável questionar o porquê
dos recursos financeiros e a ausência do Ministério da Educação no
debate sobre investimentos na área da educação. Esses investimentos
querem dizer exatamente o quê?

• A frase que finaliza a retórica da executiva é: o que é importante para o


Ministério da Economia é importante para todos nós e para aqueles
que querem resultados. A executiva protesta a respeito da falta do
Ministério da Educação nas discussões, porém, o excluí delas ao ressaltar
os grupos que defendem a importância do direcionamento dos recursos
para a área da educação.

• Ao dizer: “... importante para nós e para aqueles que querem resulta-
dos”, quem seria esse nós e quem seriam os que querem os resultados
na educação?

Na parte do discurso que se refere aos resultados, as respostas foram in-


cansavelmente repetidas: Sobre a proposta da organização Todos Pela Educa-
ção, pontuou:
Uma parte desse recurso, da complementação da União ser vinculado
a resultado, então você recebe se você tiver resultado melhor, você
recebe se tiver com práticas de gestão, práticas educacionais que têm
comprovação na literatura, nas evidências, na questão técnica de que
funcionam. Este tipo de visão pro-resultado é uma visão muito bem
recebida no Ministério da Economia. Já havia uma convergência muito
grande, a gente já tinha um ambiente propício para essa votação.

Como se relacionam Estado, economia e sujeitos? Como a população se


torna o objeto primordial para o qual dispõem-se estratégias e proposições
de coordenação e administração? Partindo do princípio de que algumas
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 265 •

vertentes econômicas, como o neoliberalismo, pretendem modelar os sujeitos,


não cabe nos aprofundarmos nisso. É importante, porém, seguir com alguns
apontamentos para que sejam elencados alguns dispositivos de análise.
Neto (1999) aponta características das pretensões do Estado caracterizadas
pela organização econômica de perfil neoliberal, considerando que
Boa parte da modelagem pretendida pelo neoliberalismo é feita pela
mídia, pelo marketing, pela indústria cultural, etc. Mas uma outra
parte é deixada ao próprio Estado. Dessa maneira, tornou-se quase
uma unanimidade considerar que as relações entre a economia e a
sociedade – ou, mais especialmente, as relações entre os consumidores
e as ofertas de bens e serviços – devem estar ’informadas’ também pelo
Estado. Quando uso ’informar’ é porque não se trata nem de ’tutelar’,
nem de ’regular’, nem de ’controlar’, mas no máximo de ’orientar’, de
modo que os consumidores desenvolvam novas necessidades e maiores
competências para fazerem as melhores escolhas num mercado cujas
ofertas são cada vez mais variadas e cuja variação, por sua vez, é cada vez
mais infinitesimal14. Em outras palavras, o Estado passa a ser pensado
como o responsável pela construção social de novas necessidades e
maiores competências. (NETO, 1999, p. 14)

Conforme analisa Neto (1999), a organização econômica tem passado


por uma reinserção de estratégias na forma de caracterizar os saberes e as
competências. Esses saberes são fundamentais para a expansão capitalista. O
Estado passa a ser ‘uma grande empresa’, com sua lógica da produtividade e
do lucro. Os aparatos do Estado submetem-se à ordem de perfil empresarial
visando, em razão disso, administrar tais equipamentos de acordo com os
seus preceitos e objetivos. Vê-se, portanto, que a Educação é uma atividade
essencial que se submete a uma diretriz reguladora subordinada aos interesses
econômicos que propõem, em seu cerne, os resultados.
Estou aberta a fazer o debate técnico, da política pública, o resultado,
que é o que a gente faz!.
A gente incomoda porque a gente cobra. A gestão pública estava
muito acostumada a não ser cobrada dos resultados. Como tem uma
organização que vai para a imprensa, vai para os fóruns e cobra resul-
tados, cobra ações específicas, cobra essa gestão técnica e não uma ges-
tão ideológica, isso incomoda.
A característica belicosa é incompatível com um gestor público, com
uma implementação e formulação de política pública que tem que
passar por uma série de atores, de entes, e chegar a uma sala de aula
inteira e produzir resultados.
É importante uma postura própria de um ministro preocupado com
resultados.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
266 • Para além do território demarcado

Para nós, o propósito é ter resultados, fazer uma gestão séria voltada
para resultados, para evidências, tendo muita disciplina na implemen-
tação, fazendo um bom desenho da política pública, conversando com
Estados, Municípios, Governadores, Prefeitos, Secretários, porque
assim que se faz uma gestão séria, voltada para resultados. E não é isso
que temos visto. Eu seria a primeira a querer ver uma gestão de exce-
lência no MEC. Se o meu propósito é resultados, preciso torcer para
que quem senta naquela cadeira seja uma pessoa voltada para.

Priscila Cruz profere um discurso tecido numa malha de fios que a ló-
gica e a proposição da coordenação (governamentalidade) de uma educação
empenham-se para atingir resultados e metas, assim como uma empresa, que
se submete à lógica do capitalismo e do neoliberalismo. A política de formação
dos sujeitos, do povo brasileiro, que passa pela educação, é a de preparar uma
pessoa que trabalha com alguns conhecimentos (saberes) elencados e caracteri-
zados pelo Estado como sendo os essenciais. Aspectos relacionados à formação
de um sujeito autônomo aparecem na legislação e nas prescrições voltadas para
a organização do currículo, porém, apresentá-los e analisá-los não faz parte da
proposta deste trabalho. Nossa proposta centrou-se no problema da desnatu-
ralização dos discursos que envolvem a busca de soluções para um problema
pontual que é o da crise na educação acentuada pela Pandemia do Covid-19.
O que importa, então, é que esses discursos produzem resultados, de
modo que cada um pense que é livre para fazer suas escolhas. Ora,
isso coincide exatamente com a exacerbação do individualismo que,
como mostrou Elias (1994), vem sendo construído na nossa história há
centenas de anos. Nesse sentido, a lógica neoliberal guarda uma relação
imanente com o extremo fechamento do Homo clausus descrito pelo
sociólogo, funcionando como uma condição de possibilidade para
que se dê a passagem do ’governo da sociedade’ – no liberalismo –
para o ’governo dos sujeitos’ – no neoliberalismo. (NETO, 1999)

Os sujeitos são administrados e se tornam elementos de uma só máquina.


Ao entender que a emergência é a de uma “figura de governo”, com discurso
de que é capaz de coordenar, entendem-se, com clareza, os objetivos e as
intencionalidades desse discurso.
Os desejos são explícitos e as ferramentas de controle são expostas num
discurso que espera a promoção da ordem e resultados, contudo, um único
resultado, aquele alinhado com os preceitos elegidos pela máquina do Estado
em um enunciado em que a possibilidade é a de diagnosticar em massa e,
posteriormente, alinhar conteúdos e saberes que servem para a ordem do
lucro, do capital, da competitividade.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 267 •

O cidadão ao seu lado não é aquele que busca algo em comum, mas
aquele que é tratado como um rival. Por isso, se espera combater para que a
subsistência seja garantida em um país tão desigual. Conforme coloca Neto
(1999), a competitividade se torna o principal componente, ao passo que o
Estado se torna uma empresa. As ferramentas de disputa podem ser vistas
por toda a parte, ou seja, na educação, na falta de investimento na cultura,
no congelamento do teto de repasse de verbas para áreas essenciais à vida da
população. O sujeito perfeito para viver nessa sociedade é aquele que é capaz,
que desenvolve habilidades e tem competências para agir livremente, assim,
como o mercado, um sujeito mercadoria.

Considerações finais

As figuras representantes dos governos exaltam a respeito da importância


da educação. Anunciam-na e se unem, implicitamente, às organizações que
vendem conhecimento técnico como mercadoria que atende à conduz quali-
dade requerida na educação para valorização dessa área de conhecimento e in-
vestimento. Porém, quem são essas organizações e a quem servem? Estão, por
exemplo, no topo da lista dessas organizações, os sócios fundadores do Todos
pela Educação, grandes empresários de renome nacional. Servem às grandes
fortunas conhecidas de todos os cidadãos brasileiros.
As palavras de Foucault (2015, p.3) dizem muito sobre a questão educaci-
onal, porque o que está em jogo é também a educação para os menos afor-
tunados, as escolas mais afastadas dos centros, a vida cidadã e da escola nas
periferias das cidades brasileiras. Em sentido análogo, queremos dizer que, as-
sim, se classifica a miséria, mas, também, os benefícios que podem diminuir,
desobstruir a miséria e as desigualdades na educação e, tal como no texto de
Foucault (2015), pode-se classificar a sociedade do vivente e não a do morto:
Vocês sabem que nos séculos XIX e XX as pessoas se divertiam clas-
sificando as sociedades em dois tipos, de acordo com o modo como
tratavam seus mortos. Foi assim que distinguiram as sociedades inci-
nerantes e as sociedades inumanas. Eu me pergunto se não seria pos-
sível tentar classificar as sociedades de acordo com o destino que re-
servam não aos defuntos, mas aos vivos dos quais querem se livrar,
da maneira que elas controlam aqueles que tentam escapar ao poder,
como reagem àqueles que transgridem, infringem ou evitam as leis,
de uma forma ou outra (FOUCAULT, 2015, p. 7)
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
268 • Para além do território demarcado

Alguns discursos não parecem excludentes, mas se analisados, ver-se-á


que funcionam como “táticas finas de punição” (FOUCAULT, 2015, p. 7).
Fica evidente que a hostilidade, a força e o disfarce não parecem discursos que
se pautam por uma prática salvacionista, como a ideia de homogeneização na
educação num país cuja característica é sua diversidade em muitas esferas da
sociedade, inclusive, na esfera da educação e da economia.
O discurso que versa sobre a necessidade da implementação de estraté-
gias técnicas, estudos e propostas com comprovação científica também pro-
mete modernização das políticas públicas voltadas para a Educação, conforme
aponta Neto (1999). A preocupação de grandes organizações “sem fins lucra-
tivos” nos faz problematizar sobre os motivos pelos quais se discute a ‘quali-
dade em educação’.
As organizações e as esferas de poder criam normas, padrões, indicadores,
incentivam premiações. O Estado discursa sobre a liberdade e oferece ao
povo apenas monitoria e punição, tal como quando se propõe “organizar
um ressarcimento, impor uma compensação” (FOUCAULT, 2015, p.8) a um
indivíduo ou grupo.

Referências

FOUCAULT, Michel. Naissance de la biopolitique: Cours au Collège de


France, 1978–1979. Paris, Gallimard/Seuil, 2004, 355 p.
FOUCAULT, Michel. A sociedade punitiva: Curso no Collège de France
(1972-1973). Tradução Ivone C. Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2015.
NETO, Alfredo Veiga. Educação e governamentalidade neoliberal: novos
dispositivos, novas subjetividades. Colóquio Foucault. Rio de Janeiro, 1999.
Disponível em <https://bit.ly/2Wx63DL>. Acesso em 29 de nov. de 2020.
REVEL, Judith. Michel Foucault: conceitos essenciais / Judith Revel; tradu-
ção Maria do Rosário Gregolin, Nilton Milanez, Carlo Piovesani. São Carlos:
Claraluz, 2005.
RODA VIVA, Priscila Cruz. Disponível em https://www.youtube.com/
watch?v=DJEKzpBXXzg. Acesso em 20 de novembro de 2020.
TODOS PELA EDUCAÇÃO. Disponível em: <https://todospelaeducacao.
org.br/>. Acesso em 20 de novembro de 2020.
17. O direito do trabalho e a relação
com a educação

Dante Batista Silva

Introdução

o refletir sobre a realidade das condições de trabalho e da educação

A do trabalhador, surgem muitos questionamentos e, considerando


as inquietudes decorrentes dessas condições, tenta-se compreender a
complexidade do contexto das relações de trabalho ao longo do período de
1940 a 1960, o que permite afirmar que faltou ao trabalhador uma educação
em direito do trabalho.
Este texto faz parte de uma pesquisa desenvolvida no mestrado sobre o
início da Consolidação das Leis Trabalhistas, apontando os reflexos perante a
sociedade e a importância da educação, em especial da legislação trabalhista e
quais os impactos de suas modificações para a classe trabalhadora.

O direito à educação: operários ou intelectuais

Investigando a história, no sentido de Le Goff (1990) e da memória da


parcialidade da legislação trabalhista de 1943 (CLT, 1943), pode-se afirmar que
houve um avanço para o trabalhador. Além disso, é fundamental uma investi-
gação a fim de compreender o atual cenário brasileiro, bem como, o porquê
de a educação afetar a sensibilidade e a qualidade de vida do trabalhador e
precarizar as relações de trabalho.
Com as modificações legislativas no Brasil, após o Império, a cada novo
texto Constitucional, o Estado demonstrou preocupação com o direito à
educação. Teixeira (2006, p. 9-10) faz uma crítica relevante em relação ao
direito à educação para todos:
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
270 • Para além do território demarcado

...a instrução escolar desempenharia a função de inserção desses ingê-


nuos à sociedade de livres. Contudo, não podemos pensar que a pos-
sibilidade dos ingênuos receberem instrução escolar era, de fato, uma
possibilidade de incluí-los na sociedade como cidadãos. Nesse pro-
cesso, seria privilegiada a transmissão de conteúdos que garantissem a
continuidade de uma hierarquia racial construída ao longo da escravi-
dão, buscando demonstrar aos negros que sua inserção na sociedade
como seres livres não faria deles pessoas iguais a seus antigos senhores.

O processo educativo se tornou uma espécie de “apartheid”, considerando


que segundo Teixeira, educam-se operários para exercerem trabalhos braçais e
educam-se intelectuais para se beneficiarem de uma educação crítica e mais
emancipadora. Na compreensão de Frigotto (2001, p.80), a educação, no seu
sentido amplo, está vinculada ao crescimento da pessoa humana e da própria
sociedade:
Neste horizonte a educação em geral e, particularmente, a educação
profissional se vincula a uma perspectiva de adestramento, acomoda-
ção, mesmo que se utilizem noções como as de educação polivalente e
abstrata. Trata-se de conformar um cidadão mínimo, que pensa mini-
mamente e que reaja minimamente.

Compreende-se que a educação, nos dias atuais, continua sendo um pro-


cesso para discriminar classes sociais, haja vista o modismo da educação à dis-
tância de maneira massificada, fato que só contribui para o esfacelamento da
classe trabalhadora, visto que tal tipo de educação não permite a independên-
cia do sujeito, “instruindo-o e diplomando-o”, muitas das vezes, sendo semia-
nalfabeto.
Acerca do debate entre história, direito e educação, chamamos, nova-
mente, por Frigotto (2001, p. 74): “A história nos mostra, como nos lembra
Marx, que os seres humanos vivem a pré-história das sociedades de classe, nas
quais um grupo ou classe dominante escraviza ou aliena os demais grupos ou
classes. Uma história onde o homem está cindido”.
A regulamentação dos direitos trabalhistas foi um instrumento impor-
tante para a conquista de direitos dos trabalhadores. Segundo Munakata
(1981, p.10), pode-se questionar se a legislação trabalhista é uma cópia das leis
fascistas ou uma luta real pela conquista de direitos sociais. Para esse autor,
havia, na verdade, no Brasil, um autoritarismo disfarçado de liberalismo:
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 271 •

A questão social enquanto caso de polícia tornou-se assim mais uma


prova do caráter obscurantista desta República dita ‘Velha’, já tão des-
prestigiada porquanto ‘oligárquica’, dominada por latifundiários de
mentalidade atrasada que não abriam canais de participação a nin-
guém, a despeito do liberalismo estampado na Constituição de 1891.
Aliás, a frase de Washigton Luís foi também tomada como mais uma
demonstração de que o liberalismo brasileiro destinava-se apenas ao
consumo externo, ‘para inglês ver’, de que por trás do ‘país legal’, de
fachada liberal, ocultava-se um ‘país real’, pontilhado de violências e
arbitrariedades. Como dizer-se liberal se ‘a questão social é um caso de
polícia’? O liberalismo brasileiro, então, só podia ser mais uma aberra-
ção deste curioso país, já tão repleto de exotismos. (MUNAKATA,
1981, p.10)

No entanto, no meu entender, a crítica de Munakata, quanto à legislação


trabalhista, passa, por um lado, a impressão de que o trabalhador ganhou
melhorias na sua relação com o empregador; por outro lado, na visão desse
autor, a legislação criada foi uma forma de o Governo realizar o controle social,
evitando-se novas revoluções e ou conflitos promovidos pelo trabalhador para
que ele assegurasse os seus direitos. Mas, na realidade, o Governo manteve,
sob controle, o trabalhador, considerando suas manifestações como “caso
de polícia”. A legislação trabalhista não foi, portanto, “uma benesse” do
liberalismo ao trabalhador, mas, sim, um instrumento de controle social.
A partir das considerações de Munakata (1981) e de Souza (2008), enten-
demos que, ao longo do período de 1940 a 1960, a legislação trabalhista trouxe
segurança aos empregados que sofriam arbitrariedades patronais.
Importante trazer a citação de Souza (2008 p.201) sobre um caso do ano
de 1943:
Uma ação aberta na Comarca de Cachoeira, pela lavadeira Maria de
Jesus, analfabeta, contra o Hotel Colombo, do qual fora demitida.
Em audiência, após ouvir a proposta de conciliação proferida pelo
juiz, a empregada respondeu que não aceitava o acordo, pois a quantia
ofertada era ‘muito aquém da que por lei tinha direito’.

Pode-se considerar que o trabalhador, a partir da educação formal ou não


formal, busca a legitimação de seus direitos, diferentemente da situação do
trabalhador que desconhece a legislação e o acesso e funcionamento do Poder
Judiciário. Nesse caso, logo após a entrada em vigor da CLT, é possível identi-
ficar, como o caso citado de Souza, nas demandas envolvendo empregado e
empregador a luta pelo reconhecimento dos direitos do trabalhador.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
272 • Para além do território demarcado

Quanto à questão educacional, podemos compreender que o empregado


escolarizado se torna consciente de seus direitos sociais e trabalhistas passando
a reivindicar e a contestar os documentos – no sentido de Le Goff (1990) ou
no de Souza (2008) e Munakata (2008, 1981) – referentes a certas opressões
do patronado Souza discute a respeito da possibilidade de os trabalhadores
reivindicarem, no Judiciário, os direitos trabalhistas violados. Para Munakata,
a lei trabalhista não é suficiente para garantir os avanços dos direitos dos
trabalhadores, porque, para o Estado, ela funciona apenas como uma forma
de controlar as possíveis manifestações e reivindicações dos trabalhadores.
A transformação social pode estruturar um novo tipo de sociedade, ou
seja, como a luta de classes e o reconhecimento dos direitos trabalhistas. Como
exemplo, vejamos o empregado a partir de 1943. Com a vigência da Conso-
lidação das Leis Trabalhistas, ele passa a laborar numa jornada de trabalho
regulamentada pelo Estado, evitando-se acidentes de trabalho, promovendo
a proteção do meio ambiente e da saúde do trabalhador em locais insalubres
ou perigosos, como também, outros direitos.
Diante disso, na perspectiva histórica das relações do trabalho, ainda que
contestada a “parcialidade” das leis trabalhistas, supostamente de caráter fas-
cista, no entendimento de Munakata, sustentamos que, a partir da educação,
é que há uma transformação social que direciona os modos de vida em socie-
dade.
Atualmente, a deficiência da educação, no que diz respeito às ciências
humanas e sociais, coloca em risco a “nova” sociedade do século XXI em que
ser empregado significa estar numa condição menos “nobre”, em um país em
que boa parte de sua população deseja ser empreendedora.
O fato constatável de que muitos trabalhadores, hoje, desejam ser empre-
endedores, renunciando aos seus direitos trabalhistas conquistados, nos faz
chamar por Adorno nos faz chamar por Adorno (2003 p.172):
No lugar de emancipação, encontramos um conceito guarnecido no
termos de uma ontologia existencial de autoridade, de compromisso,
ou outras abominações que sabotam o conceito de emancipação atu-
ando assim de modo implícito, mas explicitamente contra os pressu-
postos de uma democracia.

Notadamente, pessoas de classes sociais menos favorecidas economica-


mente, com pouca ou com uma escolarização deficiente, são defensoras de
uma flexibilização na legislação trabalhista como algo positivo, ignorando que
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 273 •

viver num país com exploração e miserabilidade acentuadas compromete as


lutas e resistência social por falsos programas de governos, impondo a ideia
de que ser empreendedor é mais nobre que ser trabalhador é o que Adorno
chama de “sabotar a emancipação”.
Com relação à nova legislação trabalhista, têm-se opiniões divergentes
no que se refere ao Projeto de Lei da nova CLT, as quais podem-se constatar
numa revista publicada pela Editora HuffPost Brasil em que Grasielle Castro1
pontua que,
Para os críticos, os 74 anos da CLT deixaram um rastro de antiguidade.
Ex-ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos do governo Dilma
e ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
Marcelo Neri resume: A legislação é antiga e muito rígida. “Não é
o caso de jogá-la no lixo, mas um acúmulo de distorções que precisa
ser enfrentado”, defendeu em entrevista à revista Época. Diretor de
Assuntos Legislativos da Associação Nacional dos Magistrados do
Trabalho (Anamatra), Luis Colussi discorda. Ele destaca que existem
mais de 100 artigos a CLT e que muitos foram alterados, deixaram de
existir ou perderam o sentido e se tornaram letra morta. Ao HuffPost
Brasil, Colussi ressaltou que a CLT já previa desde 1943 mecanismos
como o trabalho em domicílio. ‘Não dá para dizer que a CLT é velha.
Ela vem se modernizando. A Constituição de 1988 também acrescen-
tou mais direitos à CLT. Teve, sim, uma renovação’, afirma. Ainda
segundo ele, não é verdadeiro que existem direitos em demasia. ‘Um
exemplo é o 13º e o adicional de férias, é um dinheiro que vai circu-
lar, que oxigena a economia, é um direito importante. O que onera
a empresa é a tributação que incide sobre o trabalho e a mercadoria’,
argumenta. Por isso, na avaliação dele, não é a CLT que encarece a
contratação de um funcionário.

Como se pode notar, não há consenso no que tange ao entendimento


sobre a CLT, quanto aos seus objetivos e sua atualidade, mas não se pode negar
que, divergências à parte, ela ainda é uma lei importante para o trabalhador.
Grasielle Castro (2019) traz comentários de especialistas a respeito da
questão tributária é um fator determinante para a não contratação de um
empregado, contradizendo a própria tese da relevância de se flexibilizarem as
relações do vínculo empregatício.

1 Grasielle Castro, editora da Revista HuffPost Brasil- Documento Disponível em: <https:
//bit.ly/3yvRahN>. Acesso em 15/09/2019.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
274 • Para além do território demarcado

O que encarece contratar um trabalhador e a cadeia produtiva não é a


CLT, são os tributos. O trabalhador tem que ser bem remunerado, tem
que receber hora-extra se fizer, tem que ter descanso. Isso é importante.
Para ele, iniciativas que gerariam empregos são a redução da jornada de
trabalho que abriria espaço para mais trabalhadores serem contratados
e uma reforma tributária, que desoneraria empresas e elas poderiam
ampliar a produção e os empregos. Procuradora do Trabalho em
Pernambuco, Vanessa Patriota corrobora que as alterações na CLT
não geram emprego. O que gera emprego, segundo ela, é a demanda
por bem e serviços. ‘Nenhum empregador vai contratar mais porque
o salário está menor. Ele vai contratar mais porque precisa produzir
mais’, disse ao HuffPost Brasil. Patriota reforça os argumentos de
Colussi sobre a modernização da legislação trabalhista. A CLT já teve
mais de 85% dos seus artigos alterados nesses 74 anos. E muitos deles
com mais de uma alteração. A CLT é uma senhora moderníssima
que vem se adaptando às demandas sociais. Ela cita um exemplo que
vem sendo usado como defesa da reforma trabalhista pelo relator do
texto, deputado Roberto Marinho (PSDB-RN), o artigo que diz que
a mulher precisa da assinatura do marido para ingressar com ação
judicial.

A Procuradora do Trabalho em Pernambuco, Vanessa Patriota desconstrói


a tese, citada por alguns juristas, de que, na antiga CLT, a mulher necessitava
de autorização do marido para mover uma ação trabalhista:
Isso já havia sido revogado pela Constituição. O relator cita disposi-
tivos que nem se usam para justificar uma alteração naquilo que há
de essencial na CLT, em toda proteção que se tem ao trabalhador. É
da essência do direito do trabalho o amparo ao trabalho que é a parte
mais fraca na relação capital-trabalho. O direito do trabalho já surgiu
para isso. Diante do capital, é preciso ter algo que faça com que o tra-
balhador não seja pressionado e não sucumba ao poder do capital. Pa-
triota ressalta ainda que a Constituição dos Estados Unidos é muito
mais antiga que a CLT e ninguém diz que é arcaica.

Considerando as opiniões de diferentes especialistas, a conclusão a que se


chega é que se trata de uma falácia sustentar que a CLT estava obsoleta. Mas
o objetivo era alterá-la, sob o argumento de fomentar a economia, conforme
amplamente divulgado nos meios midiáticos, em especial, na televisão. A esse
respeito chamamos por Adorno (2003 p.77):
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 275 •

É necessário esclarecer bem esta questão para eliminar querelas. Além


disto, gostaria de acrescentar que não sou contra a televisão em si, tal
como repetidamente querem fazer crer. Caso contrário, certamente
eu próprio não teria participado de programas televisivos. Entretanto,
suspeito muito do uso que se faz em grande escala da televisão, na
medida em que creio que grande parte das formas em que se apresenta,
ela seguramente contribui para divulgar ideologias e dirigir de maneira
equivocada a consciência dos espectadores.

Por isso, percebe-se o retrocesso na luta pela manutenção de direitos, du-


ramente conquistados. Entretanto, por desconhecimento, parte significativa
da população permanece inerte, como que “anestesiada”, diante das mudan-
ças propostas de alteração da CLT, acreditando, erroneamente, conforme é
divulgado nos canais de televisão, que a modernização das regras que constam
nos contratos de trabalho seria a solução para se combater a crise econômica.
Eu, como docente, perguntei, informalmente, a alunos de diversos cursos
de graduação se sabiam das alterações na legislação trabalhista. A maior parte
das respostas que obtive é que tomaram conhecimento delas pelos meios de
comunicação, mas não sabiam dizer quais seriam essas alterações.
Ainda sobre a televisão e os possíveis impactos formativos recorremos a
Adorno (2003 p.91):
[...] o lado formativo da televisão, que nos parece ser o mais produtivo,
é simultaneamente aquele que se expõe mais facilmente às modernas
metodologias de pesquisa, possibilitando efetivamente decidir entre
o que apresenta de bom e de ruim. Com base nos resultados seria
possível inclusive introduzir aperfeiçoamentos específicos ou soluções
intermediárias, combinações e toda uma gama de opções desse tipo.

Em convergência com essas ideias de Adorno, trago dados de uma pesquisa


realizada com alunos, mediante um formulário eletrônico do Google, sobre
a disciplina Legislação Trabalhista, do Curso Superior de Tecnologia em
Logística, a respeito da Educação em Direitos Trabalhistas. Os resultados,
que foram generosamente compartilhados estão nos gráficos de 1 a 6:
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
276 • Para além do território demarcado

Gráfico 1 – Sobre idade

Fonte: elaboração do autor.

Gráfico 2 – Sobre conhecimento da legislação trabalhista

Fonte: elaboração do autor.

Gráfico 3 – Sobre a importância de os jovens conhecerem a legislação trabalhista

Fonte: elaboração do autor.


educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 277 •

Gráfico 4 – Sobre as mudanças ocorridas na legislação trabalhista

Fonte: elaboração do autor.

Gráfico 5 – Sobre concordar ou não com as mudanças na legislação trabalhista

Fonte: elaboração do autor.

Gráfico 6 – Sobre as dúvidas a respeito direitos trabalhistas

Fonte: elaboração do autor.


educação e formação no contexto da sociedade danificada:
278 • Para além do território demarcado

Assim, a partir dos resultados da pesquisa e das considerações de Adorno,


concluímos que grande parte dos jovens acredita nos meios de comunicação,
não busca a informação com especialistas, nos livros, no saber problematizado
dos professores e se utilizam da internet como único canal de formação, sem
nenhum tipo de reflexão posterior.
Acreditamos que os fatores que impulsionaram a mudança da legislação
reduziram direitos trabalhistas, e estão diretamente relacionados com o nosso
modelo de educação e com o comportamento da mídia televisiva.
Ao analisar as respostas, verificamos, por um lado, que há quase que
unanimidade entre os jovens pesquisados com relação ao desconhecimento
deles sobre a legislação trabalhista, mas, por outro lado, afirmam que se,
conhecessem essa legislação, isso, certamente, teria influência no que diz
respeito às demandas levadas ao Poder Judiciário. Diante da situação exposta,
é oportuno trazer a advertência feita por Paulo Freire (2000, p.46):
Uma das tarefas mais importantes da prática educativa-crítica é pro-
piciar as condições em que os educandos em suas relações uns com
os outros e todos com o professor ou a professora ensaiam a experi-
ência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico,
como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador
de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar.

Cabe questionar se a Educação oferecida pelo Estado está propiciando


a formação de jovens com pensamento crítico, ou se o problema estaria na
formação dos que exercem à docência, os educadores.
Segundo Freire, a prática educativa que estimula a emancipação e o racio-
cínio crítico também estará alinhada ao professor que assume a importância
do pensamento crítico para provocar transformação. No que diz respeito à
autonomia, também é necessário educar não somente para o mercado de tra-
balho, mas também, para a formação de um cidadão crítico e participativo na
sociedade.
Quanto às alterações na nova legislação trabalhista, que já estão em vigor
desde 11 de novembro de 2017, destaco alguns pontos fundamentais: o fracio-
namento das férias previstas no Parágrafo 1º do artigo 134 da CLT, o contrato
de trabalho intermitente previsto no artigo 452-A da CLT, a legalidade do pa-
gamento de salário chamado “por fora”, previsto no Parágrafo 2º do artigo
457 da CLT e, por fim, a questionável a prevalência das convenções e acordos
coletivos de trabalho sobre a lei, prevista no artigo 611-A da CLT.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 279 •

Com relação à concessão das férias de forma parcelada, há de se conside-


rar que, ainda que, de acordo com o novo texto, no Parágrafo 1º do artigo 134
da CLT, é necessário haver a concordância do empregado quanto ao parcela-
mento de suas férias, é difícil, no entanto, acreditar que o trabalhador terá
liberdade para não aceitar esse parcelamento e impor sua vontade ao patrão,
haja vista a arbitrariedade do patrão citada por Souza (2008, p. 210), em um
processo de 1954 em que o empregado foi demitido porque não quis assinar
um recibo cujo valor era diferente daquele que ele teria que receber.
A respeito do parcelamento das férias do trabalhador, faz-se necessário
pontuar o posicionamento de Frigotto (2001, p. 76):
Um capitalismo que regula o mercado e o capital não deixa de ser ca-
pitalismo e, portanto, não supera a existência das classes sociais e, por-
tanto, da desigualdade social. Mas, na medida em que o emprego é en-
carado como um direito de integrar-se ao consumo, à vida e ao futuro,
firmasse a ideia de que se o mercado privado não oferece emprego, o
Estado tem a obrigação de fazê-lo. Tal conquista, nos países centrais,
permitiu não só que o futuro fosse mais previsível, mas afirmou a ex-
pectativa de um futuro melhor para os filhos da classe trabalhadora.

Já em relação ao contrato de trabalho intermitente, pode-se dizer que


esse contrato colocará o empregado numa condição análoga à de um escravo,
visto que ficará à disposição do empregador e terá que aguardar ser chamado
quando este necessitar dos seus serviços. Isso, certamente, refletirá na sua
situação financeira, ainda mais, quando se sabe que o empregador só estará
obrigado a pagar o seu salário com base nas horas trabalhadas e, portanto,
desobrigado de pagar-lhe pelo tempo que estiver à disposição do empregador,
podendo receber um salário inferior ao salário mínimo, o que poderia fraudar
o sistema previdenciário.
Em se tratando de questões salariais e estando na condição de advogado
trabalhista, tem-se oportunidade de constatar as demandas levadas ao Poder
Judiciário a quem cabe, em última instância, verificar se o valor recebido pelo
empregado confere com o que consta no seu contracheque. A discrepância
entre esses dois valores, certamente, terá reflexos nos encargos devidos, como,
por exemplo, no valor do recolhimento do FGTS, na contribuição à Previ-
dência e no Imposto de Renda.
Na atualidade, de acordo com o Parágrafo 2º do artigo 457 da CLT, o
empregador poderá ajustar com o empregado uma “ajuda de custo” livre,
sem limite. Isso quer dizer que não há um teto e que também o empregador
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
280 • Para além do território demarcado

não estará obrigado a manter o benefício. Portanto, a partir de agora, o


empregador pode oferecer ao empregado um salário fixo no valor de R$
1.000,00 (um mil reais) e realizar o pagamento de ajuda de custo no valor de
R$ 6.000,00 (seis mil reais). Esse valor não estará sujeito ao recolhimento
de contribuição previdenciária e ou de imposto de renda, visto tratar-se de
diárias para deslocamento e não de salário, o que o artigo da CLT anterior
previa um limite de até 50% (cinquenta por cento) do salário mínimo sob a
pena de o benefício ser incorporado ao salário.
Em um primeiro momento, parece bom, aos olhos do empregado, receber
uma complementação da remuneração livre de impostos. No entanto, o
empregador pode retirar o benefício a qualquer momento já que não se
trata de salário, e, sim, de uma “ajuda de custo” compondo a remuneração.
Além disso, ocorre a perda de arrecadação da Previdência, uma vez que esse
benefício não é tributado.
Enfim, o que estava contemplado na antiga CLT era o seguinte: as diárias
e ou ajuda de custo que superassem 50% (cinquenta por cento) do salário
do empregado eram equiparadas a salário se pagas reiteradamente e seriam
incorporadas ao salário do empregado, estando o empregador obrigado ao
pagamento e incluindo-se as contribuições previdenciárias, recolhimento de
FGTS e o imposto de renda.
Por fim, parece que a pior mudança é aquela prevista no artigo 611-A da
CLT que permite, por meio de negociação coletiva, acordo ou convenção co-
letiva de trabalho, fazer prevalecer, sobre a legislação, o “pacto” de jornada
de trabalho, redução do intervalo para almoço e refeição de apenas 30 minu-
tos para os trabalhadores com jornadas de trabalho acima de 6 (seis) horas
diárias, prorrogação da jornada em locais insalubres independentemente de
autorização do Ministério do Trabalho, redução salarial, remuneração por
produtividade. Imaginem se um vendedor ganhar por vendas realizadas e não
tiver um salário fixo, em que situação ficará esse empregado num mês “fraco”
no que tange às vendas?
A chamada flexibilização trabalhista pode ser traduzida em precarização
do mundo do trabalho no sentido de Hobsbawm (2000, p. 77):
Por razões políticas e práticas, e a despeito de todas as conversas a pro-
pósito da flexibilização dos mercados de trabalho, nenhum governo
acredita seriamente que deveria implementar tal política a ponto de re-
duzir os salários italianos ou britânicos aos níveis dos salários cambo-
janos ou chineses, pois as consequências políticas e sociais seriam into-
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 281 •

leráveis. Ou, pelo menos, é isso que se considera. Hoje há menos liber-
dade de movimento de mão de obra do que no mundo anterior a 1914,
quando não havia restrições à migração tanto para os Estados Uni-
dos como para a América do Sul. Nenhum país até onde sei, possui
hoje uma política migratória desse tipo: nem os Estados Unidos, nem
muito menos a União Europeia, que, em termos globais, funciona
como mecanismo para impedir a imigração. O conflito se dá porque
as leis do desenvolvimento capitalista são simples: maximizar a expan-
são, os lucros e o aumento de capital. No entanto, as prioridades são
diferentes por sua própria natureza e, em certa medida conflitantes.

Considerando as reflexões do historiador Hobsbawm referentes ao século


XX, a respeito da globalização e da flexibilização trabalhista, podemos cons-
tatar que a flexibilização, empobrecendo o trabalhador, não lhe permite ter
melhor qualidade de vida, que, enfraquecido, não terá forças suficientes para
reivindicar os direitos trabalhistas às duras penas conquistados. Essa situação
do trabalhador também tem a ver com uma educação de má qualidade.

À guisa de conclusão

Certamente, com a análise feita pelos especialistas consultados, percebe-se


que quanto maior o desconhecimento da sociedade sobre o funcionamento
do Estado maiores continuarão sendo as desigualdades sociais e, em especial,
no que se refere ao trabalho com função social, ou seja, como proteção à classe
trabalhadora. A esse respeito, citamos Freire (2000, p. 44):
Não se permite a dúvida em torno do direito, de um lado, que os
meninos e as meninas do povo têm de saber a mesma matemática,
a mesma física, a mesma biologia que os meninos e as meninas das
“zonas felizes” da cidade aprendem, mas, de outro, jamais aceita que o
ensino de não importa qual conteúdo possa dar-se alheado da análise
crítica de como funciona a sociedade.

Se a flexibilização do mundo do trabalho fosse feita na Itália ou, até mesmo,


na Inglaterra, propondo a redução salarial como se propôs no Brasil deste sé-
culo, isso não seria tão facilmente tolerado. Contudo, no Brasil, essa flexibili-
zação foi aceita, conforme já citado, por boa parte da população, visto que ela
sequer sabe ou tem algum esclarecimento das alterações realizadas na legisla-
ção trabalhista.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
282 • Para além do território demarcado

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SOUZA, Edinaldo Antônio Oliveira. Bastidores da Disputa Trabalhista em


Comarcas do Interior (Recôncavo Sul, BA, 1940-1960). Revista História
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2002. Disponível em: <http://historiademografia.tripod.com/boltetinsenha.
htm>. Acesso em 21/12/2019.
Sobre os autores

Organizadores

Marta Regina Furlan de Oliveira – Pós-Doutorado em Educação pela


Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP, Marí-
lia, SP). Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Maringá
(UEM, Maringá, PR). Pós doutoranda em Educação pela Universidade
do Extremo Sul Catarinense (UNESC, Criciúma, SC) com bolsa de es-
tudo Edital Capes/CNPQ 2020. Docente do curso de Pedagogia e do
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de
Londrina. Líder do grupo de estudos e pesquisa em educação, infância e
teoria crítica (GEPEITC/CNPq). Coordenadora do Projeto de Pesquisa:
Semiformação e Educação no contexto da sociedade danificada: para além
do território demarcado. Coordenadora do Projeto de Pesquisa: CRI-
TINFÂNCIA: trilhas e sentidos para a educação da infância em tempos
de resistência. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8423465824507075. ORCID:
http://orcid.org/0000-0003-2146-2557. E-mail: mfurlan.uel@gmail.com.

Alex Sander da Silva – Doutorado em Educação pela Pontifícia Universi-


dade Católica do Rio Grande de Sul (2010). Pós-Doutorado PNPD/CAPES
no PPGE/UNIMEP no núcleo de História e Filosofia da Educação (2014).
Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Ex-
tremo Sul Catarinense. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação,
Formação Cultural e Sociedade (GEFOCS). Membro do Núcleo de Estudos
Afro-brasileiros, Indígenas e Minorias (NEAB-UNESC). Editor da Revista
Criar Educação e professor do Programa Pós-Graduação em Educação pela
Universidade do Extremo Sul Catarinense (PPGE/UNESC). Membro filiado
da ANPED, foi parecerista ad hoc (2015-217) do GT Filosofia da Educação e da
Revista Brasileira de Educação (RBE). Membro Filiado da SBPC; Integrante
do Fórum de Editores de Periódicos da Área de Educação (FEPAE/ANPED).
Faz parte do conselho consultivo da Revista Poiésis. Atualmente é professor
do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Extremo
Sul Catarinense (UNESC). Tem experiência na área de Filosofia da Educação,
com ênfase em Fundamentos da Educação, Filosofia da Educação e Teoria
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
286 • Para além do território demarcado

Crítica da Educação, Educação Étnicorracial, Formação Cultural, Ética e Esté-


tica na Educação. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2850514083704546. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-0945-9075. E-mail: alexsanders@unesc.net.

Luzia Batista de Oliveira Silva – Possui Bacharelado e Mestrado em Filo-


sofia pela PUC/SP; Doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo
– FE/USP; Pós-doutorado em Antropologia pelo Programa de Estudos Pós-
Graduados em Ciências Sociais - PEPG-PUC/SP e Pós-doutorado em Filoso-
fia com estágio pós-doutoral em Epistemologia e Estética, pela Faculdade de
Filosofia da Universidade de Borgonha, Dijon/França. Docente no Programa
de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade São Francisco
– PPGSSE/USF, Campus Itatiba – SP – Brasil. É líder dos Grupos de Pesquisa:
Estética Formação Superior e Infância, CNPq/USF e Teoria Crítica e Teo-
rias Críticas Latino-Americanas e Educação TCTCLAE/CNPq. ORCID:
https://orcid.org/0000-0003-4880-7199. Site: https://tctclae.blogspot.com.
E-mail: lubaos@gmail.com ou tctclae@gmail.com.

Autores

Adonias Nelson da Luz – Doutorando em Educação, pelo Programa de Pós-


Graduação em Educação da Universidade Estadual do Centro-Oeste (PPGE-
UNICENTRO), na linha de Políticas Educacionais, História e Organização
da Educação. Membro do Grupo de Pesquisa Sociedade, Formação e Tecno-
logia (UNICENTRO). Endereço eletrônico do Lattes: http://lattes.cnpq.
br/6178702893118634. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0532-7355. E-
mail: luz.digital.services@outlook.com.

Adriane dos Santos Silva Soltau – Especialista em Práticas Pedagógicas-


Mestranda em Educação (PPGE/UNESC)- Universidade do Extremo Sul Ca-
tarinense. Pesquisadora associada do Grupo de Pesquisa CNPq-LITTERA.
Correlações entre cultura, processamento e ensino: a linguagem em foco.
E-mail: adrianesoltau@hotmail.com.

Aline de Souza Sanches – Mestranda em Ensino PPGEN/ UTFPR-


LD. Professora de Educação Infantil-Rede Municipal de Cornélio Pro-
cópio. Membro do grupo de pesquisa GEPEITC - Grupo De Estudos e
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 287 •

Pesquisa em Educação, Infância e Teoria Crítica da UEL. ORCID: https:


//orcid.org/0000-0003-3341-2389. E-mail: alinesanches0627@hotmail.com.

Aline Olchaneski Chociai Vici – Especialista em Neuropsicologia, pela Fa-


culdade Venda Nova do imigrante. Psicopedagoga da Clínica Florescer. Mem-
bro do GEPEITC UEL. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9523382937056107 OR-
CID: https://orcid.org/0000-0003-1668-8754. E-mail: aocvici@gmail.com.

Alini Marioti – Graduada em Pedagogia UNESC. Coordenadora da Pro


reitoria de assuntos estudantis da unidade de Santo Antônio da Patrulha-
FURG. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Formação, Cultura e So-
ciedade (GEFOCS). Doutoranda no Programa de Pós Graduação em Educa-
ção UINISINOS. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7704017734198918. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-0651-4614. E-mail: alinimariot@hotmail.com.

Alonso Bezerra de Carvalho – Doutor em Filosofia da Educação Facul-


dade de Educação (USP). Livre-Docente pela Universidade Estadual Paulista
(UNESP). Atualmente é professor associado no Departamento de Didá-
tica e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNESP, Campus
de Marília. É líder do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação, Ética e
Sociedade (GEPEES), cadastrado no CNPq. Lattes: http://lattes.cnpq.br/
4091021554181403 ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5106-2517 E-mail:
alonso.carvalho@unesp.br.

Anderson Jorge Marcolino Pinheiro – Mestre em Metodologias para


o Ensino de Linguagens e suas Tecnologias (Universidade Pitágoras
Unopar). Docente Universidade Pitágoras Unopar. Membro do grupo
do CNPq intitulado Grupo de Estudo e Pesquisa em metodologias ati-
vas no processo de ensino e aprendizagem. Lattes: http://lattes.cnpq.br/
5517854249799412. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2811-8348. E-
mail: anderson.marcolino@educadores.net.br.

Andréia da Cunha Malheiros Santana – Andréia da Cunha Malheiros


Santana. Doutora em Educação Escolar. Professora adjunta do curso de
Letras da Universidade Estadual de Londrina. Membra dos grupos de estu-
dos e pesquisas GEPFEC (Grupo de Estudos e Propostas sobre a Formação
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
288 • Para além do território demarcado

do Professor Contemporâneo- UNESP), FELIP (Formação e Ensino em


Língua Portuguesa- UEL) e Observatório e pesquisa das políticas de avalia-
ção da educação superior (POW1- UFSCar). Lattes: http://lattes.cnpq.br/
4835407468291098. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0231-6570. E-
mail: andreiacunha@uel.br.

Andréia Nunes Militão – Doutora em educação. Universidade Esta-


dual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP. Professora Adjunta da
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS). Docente vincu-
lada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Fe-
deral da Grande Dourados (UFGD). Líder do Grupo de Estudos e Pes-
quisa sobre Políticas Educacionais e Formação de Professores (GEPPEF-
UEMS-UFGD). Lattes: http://lattes.cnpq.br/1380335871229923. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-1494-8375. E-mail: andreiamilitao@uems.br.

Cândida Alayde de Carvalho Bittencourt – Pós- doutorado na Université


de Genève (Suíça) - Faculté de Psychologie et des Sciences de L’Education
(2015) Bolsa CAPES. Docente ou Professora Associada A do Departamento
de Artes Visuais da Universidade Estadual de Londrina. Coordenadora do
Grupo de Estudo e Pesquisa Arte e Educação/ CNPq (GEPAE) e membro
do GEPEITC - Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação, Infância e Te-
oria Crítica. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8604831792425650. ORCID:
http://orcid.org/0000-0001-9299-146X. E-mail: candida.carvalho@uel.br.

Carlos Fernando Lozano Castañeda – Mestre em Educação pela Universi-


dade Estadual de Londrina – UEL. Graduado em Administração e Gestão
da Educação pela Universidad Pedagógica Nacional Francisco Morazán –
UPNFM, Formação Pedagogica em Ensino Superior pela Universidad Peda-
gógica Nacional Francisco Morazán – UPNFM. Interessa-se por Estudos em
Educação, Formação de Professores, Infância e Teoria Crítica. Participa desde
2019 no Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Infância e Teoria Crí-
tica - GEPEITC da Universidade Estadual de Londrina. Lattes: http://lattes.
cnpq.br/8926914482279807. E-mail: fernandolozano009@gmail.com.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 289 •

Cristhiane Pereira de Lima – Mestre, pela UTFPR-Londrina. Prefei-


tura de Cornélio Procópio. Membro do GEPEITC UEL. Membro do
grupo de pesquisa GEPEITC - Grupo De Estudos E Pesquisa Em Edu-
cação, Infância E Teoria Crítica da UEL. Lattes: http://lattes.cnpq.br/
3594352208784455. ORCID: http://orcid.org/0000-0001-8045-021X E-mail:
cris_limamagri@hotmail.com.

Dante Batista Silva – Mestre em Educação pela Universidade São Francisco


– USF/SP. Doutorando no curso de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educa-
ção da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
– UERJ/RJ. Bolsista PROEX-CAPES (2021). Pesquisador em instituições,
práticas educativas e história na Universidade do Estado do Rio de Janeiro –
UERJ/RJ. Membro do Grupo de Pesquisa TCTCLAE – Teoria Crítica e
Teorias Críticas Latino-Americanas e Educação. Membro do Grupo de Pes-
quisa em História da Educação e Infância (NIPHEI). Especialista em Direito
Empresarial pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP. Bacha-
rel em Direito. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0397683062850726. ORCID:
https://orcid.org/0000-0003-4389-4262. E-mail: batista.dante@gmail.com.

Debora Graciela Radenti – Mestre em Ensino de Ciências Sociais, Huma-


nas e da Natureza (PPGEN) – UTFPR – LD. Graduada em Pedagogia pela
Universidade Estadual de Maringá Universidade Aberta do Brasil - UAB,
Psicopedagoga Clínica e Institucional pela UCP – Faculdades do Centro
do Paraná – Rhema Educação, Técnica em Recursos Humanos C.E.VR.
Já atuou como Professora e coordenadora do curso de Pedagogia na Facul-
dade Paraná (ISFACES), Professora de Espanhol – Ensino Interdisciplinar.
Atualmente, atua como Professora de Espanhol para Fines Específicos, Tra-
dutora Técnica e Intérprete de Eventos nas Línguas Espanhola e Portuguesa.
Interessa-se por Estudos em Educação, Infância e Teoria Crítica. Participa
desde 2019 no Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Infância e Teoria
Crítica – GEPEITC da Universidade Estadual de Londrina. Lattes: http:
//lattes.cnpq.br/8611172358686277. E-mail: debograciela@hotmail.com.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
290 • Para além do território demarcado

Érica Fernanda de Oliveira Menezes – Mestre em Educação. Universi-


dade São Francisco – Itatiba – SP. Teoria Crítica e Teorias Críticas Latino-
Americanas em Educação – TCTCLAE. Doutoranda no Programa de Pós
Graduação Stricto Sensu em Educação – Linha de Pesquisa – Educação,
Sociedade e Processos Formativos. Bolsista CDB/USF. Universidade São
Francisco – Itatiba – SP. http://lattes.cnpq.br/8940868070576956. ORCID:
http://orcid.org/0000-0002-5452-2256. E-mail: efomenezes@gmail.com.

Flávia Regina Schimanski dos Santos – Doutoranda em Educação pelo


Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual de Londrina. Membro
do Grupo de Pesquisa Semiformação e Educação no Contexto da Sociedade
Danificada: Para Além do Território Demarcado vinculado ao GEPEITC -
Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação, Infância e Teoria Crítica desenvol-
vido na UEL. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0721995525757781. ORCID: https:
//orcid.org/0000-0002-4583-0193. E-mail: flaviaschimanski@gmail.com.

Gisele da Silva Rezende da Rosa – Mestre em Educação (PPGE/UNESC),


Doutoranda em Ciências Ambientais (PPGCA/UNESC) - Universidade
do Extremo Sul Catarinense. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas
em Educação, Formação Cultural e Sociedade - GEFOCS. E-mail: gise-
lesr63@gmail.com.

Guilherme Orestes Canarim – Graduando do curso de filosofia-licenciatura


do Centro Universitário Leonardo Da Vinci UNIASSELVI, Brasil. Bol-
sista CNPq. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9823470495869158. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-9021-9799. E-mail: gocanarim@gmail.com.

Isabela Aparecida Rodrigues Costa – Licenciada em Pedagogia pela Uni-


versidade Estadual de Londrina (UEL). Membro do GEPEITC - Grupo de
Estudos e Pesquisa em Educação, Infância e Teoria Crítica. Mestranda em
Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Es-
tadual de Londrina (UEL). Lattes: http://lattes.cnpq.br/2772618864185357 e
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3429-760X.
E-mail: isabela.arcosta@gmail.com.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 291 •

Jaqueline Delgado Paschoal – Pós-Doutora em Educação pela Universi-


dade Estadual Paulista “Júlio, de Mesquita Filho”- Câmpus de Assis. Dou-
tora em Educação pela Universidade Estadual de Maringá-UEM. Profes-
sora Associada no Departamento de Educação da Universidade Estadual
de Londrina-UEL. Coordenadora do Grupo de Pesquisa-CNPQ: Infân-
cia, Educação Infantil e formação de professores. E-mail: jaquelinedel-
gado@uol.com.br Lattes: http://lattes.cnpq.br/6771832078958203. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-7961-2362.

Jacqueline Oliveira Jovanovich – Pós-graduada em Trabalho Pedagógico


na Educação Infantil pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), em
Educação a Distância na faculdade Pitágoras de Londrina e Administra-
ção, Orientação, Supervisão Educacional na Universidade Norte do Paraná
(UNOPAR). Professora da Educação Infantil na rede pública do municí-
pio de Londrina. Membro do GEPEITC - Grupo de Estudos e Pesquisa em
Educação, Infância e Teoria Crítica. Mestranda em Educação pelo Programa
de Pós-Graduação em Educação na Universidade Estadual de Londrina
(UEL). Lattes: http://lattes.cnpq.br/8395627796606363. ORCID: http:
//orcid.org/0000-0002-5065-522X. E-mail: jjovanovich60@hotmail.com.

Juliana Gomes Fernandes – Mestre em Metodologias para o Ensino de


Linguagens e suas Tecnologias (Universidade Pitágoras Unopar). Docente
do Instituto Federal do Paraná (IFPR) - Campus Londrina. Membro do
grupo do CNPq intitulado Grupo de Estudo e Pesquisa em metodologias
ativas no processo de ensino e aprendizagem. Lattes: http://lattes.cnpq.br/
9468926593097223. ORCID: http://orcid.org/0000-0003-4359-362X.
E-mail: juliana.fernandes@ifpr.edu.br.

Juliana Graciola Silva – Mestranda em Ensino PPGEN/ UENP. Professora


de educação infantil. Membro grupo de pesquisa PENSA UENP e do grupo
de pesquisa GEPEITC - Grupo De Estudos E Pesquisa Em Educação, Infância
E Teoria Crítica da UEL. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2185-9693.
E-mail jugraciola20@hotmail.com.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
292 • Para além do território demarcado

Julice Souza Farias – Mestra em educação. Universidade Estadual de Mato


Grosso do Sul - UEMS. Coordenadora do Projeto AJA/MS Avanço do
Jovem na Aprendizagem. Professora Convocada. Grupo de Estudos e Pes-
quisa sobre Políticas Educacionais e Formação de Professores (GEPPEF-
UEMS-UFGD). Lattes: http://lattes.cnpq.br/9021420207039621. ORCID:
https://orcid.org/0000-0001-7385-0362. Email: julicesfarias@gmail.com.

Karoline Cipriano dos Santos – Graduada em Pedagogia UNESC. Co-


laboradora técnico administrativo na Unesc. Membro do Grupo de Es-
tudos e Pesquisa em Formação, Cultura e Sociedade (GEFOCS). Mes-
tranda no Programa de Pós Graduação em Educação UNESC. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/5730857192362879. ORCID: https://orcid.org/
0000-0002-2942-4005. E-mail: kcs@unesc.net.

Kethelen Nathalia Rossini – Graduanda em Pedagogia na Universi-


dade Estadual de Londrina. Faz parte do grupo de pesquisa TRAVESSIAS
LUSO-BRASILEIRO NA EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA e também do
grupo de pesquisa GEPEITC - Grupo De Estudos E Pesquisa Em Educa-
ção, Infância E Teoria Crítica. Atua em pesquisas no âmbito da Educa-
ção Infantil no contexto da Teoria Crítica. Lattes: http://lattes.cnpq.br/
0804211349408312. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1827-4574. Email:
kethelen.rossini@uel.br.

Luciana Aparecida de Araujo – Pós-Doutora pela Fundação Carlos Cha-


gas, Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mes-
quita Filho. Docente no Departamento de Didática do curso de Pedagogia e
no Programa de Pós-Graduação da FFC/ Unesp/ Marília. Líder do Grupo de
Estudos em Pesquisa Pedagógica e Cultura Científica (GEPPECC) da FFC/
Unesp/Marília. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0428362057689068. ORCID:
https://orcid.org/0000-0003-1147-5039. E-mail: luciana.a.araujo@unesp.br.

Luciane Guimarães Batistella Bianchini – Pós-doutora em Psicologia


do desenvolvimento pela Universidade Estadual Paulista(UNESP). Do-
cente do Programa de Mestrado e Doutorado em Metodologias para o
Ensino de Linguagens e suas Tecnologias (Universidade Pitágoras Uno-
par) – Campus Londrina. Líder do grupo do CNPq intitulado Grupo de
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 293 •

Estudo e Pesquisa em metodologias ativas no processo de ensino e aprendi-


zagem. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5845155455423598. ORCID: https:
//orcid.org/0000-0003-3523-2752. E-mail: luannbi@hotmail.com.

Luciane Neuvald – Doutora em Educação Escolar pela Universidade Esta-


dual Paulista “Julio de Mesquita Filho” (UNESP - Araraquara). Professora
do Departamento de Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação em Educa-
ção da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), Guarapu-
ava - PR. Líder do Grupo de Pesquisa Sociedade, Formação e Tecnologia
(UNICENTRO). Lattes: http://lattes.cnpq.br/6120669098017151. ORCID:
http://orcid.org/0000-0002-1566-7030. E-mail: luneuvald@terra.com.br.

Luzia Batista de Oliveira Silva – Possui Bacharelado e Mestrado em Filo-


sofia pela PUC/SP; Doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo
– FE/USP; Pós-doutorado em Antropologia pelo Programa de Estudos Pós-
Graduados em Ciências Sociais - PEPG-PUC/SP e Pós-doutorado em Filoso-
fia com estágio pós-doutoral em Epistemologia e Estética, pela Faculdade de
Filosofia da Universidade de Borgonha, Dijon/França. Docente no Programa
de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade São Francisco
– PPGSSE/USF, Campus Itatiba – SP – Brasil. É líder dos Grupos de Pes-
quisa: Estética Formação Superior e Infância, CNPq/USF e Teoria Crítica e
Teorias Críticas Latino-Americanas e Educação TCTCLAE/CNPq. OR-
CID: https://orcid.org/0000-0003-4880-7199. E-mail: lubaos@gmail.com.

Marcia da Costa dos Santos – Especialista Educação Infantil, Séries Iniciais


e Educação Especial- Educação(UNIASSELVI) Licenciatura Plena em Peda-
gogia/Atua como Professora de Educação Infantil na Rede Municipal de
Ensino de Balneário Gaivota. E-mail: marcia.costa10@hotmail.com.

Mariana Civalsci Cardoso – Mestre em Educação pelo Programa de Pós-


Graduação em Educação da Universidade Estadual de Londrina. Tutora
do curso de Pedagogia da Universidade Norte do Paraná e membra do
GEPEITC – Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação, Infância e Te-
oria Crítica. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8001720304975709. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-0726-4864.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
294 • Para além do território demarcado

Marta Regina Furlan de Oliveira – Pós-Doutorado em Educação pela


Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP, Marí-
lia, SP). Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Maringá
(UEM, Maringá, PR). Pós doutoranda em Educação pela Universidade
do Extremo Sul Catarinense (UNESC, Criciúma, SC) com bolsa de es-
tudo Edital Capes/CNPQ 2020. Docente do curso de Pedagogia e do
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de
Londrina. Líder do grupo de estudos e pesquisa em educação, infância e
teoria crítica (GEPEITC/CNPq). Coordenadora do Projeto de Pesquisa:
Semiformação e Educação no contexto da sociedade danificada: para além
do território demarcado. Coordenadora do Projeto de Pesquisa: CRI-
TINFÂNCIA: trilhas e sentidos para a educação da infância em tempos
de resistência. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8423465824507075. ORCID:
http://orcid.org/0000-0003-2146-2557. E-mail: mfurlan.uel@gmail.com.

Miriam Saiki – Mestre em Educação. Universidade São Francisco – Ita-


tiba – SP. Teoria Crítica e Teorias Críticas Latino-Americanas em Educação –
TCTCLAE. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em
Educação – Linha de Pesquisa – Educação, Sociedade e Processos Formati-
vos. Bolsista Institucional. Universidade São Francisco – Itatiba – SP. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/3704791296421357. ORCID: http://orcid.org/0000-
0002-2320-479X. E-mail: miriam.saiki@gmail.com.

Natasha Yukari Schiavinato Nakata – Doutoranda em Educação pelo Pro-


grama de Pós-Graduação da Universidade Estadual de Londrina. Membro do
Grupo de Pesquisa Semiformação e Educação no Contexto da Sociedade Dani-
ficada: Para Além do Território Demarcado vinculado ao GEPEITC - Grupo
de Estudos e Pesquisa em Educação, Infância e Teoria Crítica desenvolvido
na UEL. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6416445608575007. ORCID: http:
//orcid.org/0000-0002-7455-8504. E-mail: naaschiavinato@gmail.com.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
Para além do território demarcado 295 •

Patrick Pacheco Castilho Cardoso – Doutorando e Mestre em Educação


pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” /Campus de
Marília. Diretor de Escola na rede municipal de Araçatuba – SP. Membro do
Grupo de Estudos em Pesquisa Pedagógica e Cultura Científica (GEPPECC)
da FFC/ Unesp/Marília. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0428362057689068.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4226-7585. E-mail: patrickpacheco-
prof@hotmail.com.

Sabrina Moschini – Mestre em Direito. Centro Universitário FIEO –


Osasco – SP. Teoria Crítica e Teorias Críticas Latino-Americanas em Edu-
cação – TCTCLAE. Doutoranda no Programa de Pós Graduação Stricto
Sensu em Educação – Linha de Pesquisa – Educação, Sociedade e Proces-
sos Formativos. Bolsista Institucional. Universidade São Francisco – Ita-
tiba – SP. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0420187055368658. ORCID: http:
//orcid.org/0000-0003-3770-6165. E-mail: sabrina.moschini@gmail.com.

Sandra Regina Mantovani Leite – Pós Doutora e Doutora em Educação


pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP/Marília.
Professora Adjunta da Universidade Estadual de Londrina, Departamento
de Educação, atuando no curso de Pedagogia e no curso de Especialização
em Trabalho Pedagógico na Educação Infantil. Participa como membro do
Grupo de Pesquisa GEPEITC - Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação,
Infância e Teoria Crítica e do Grupo de Pesquisa FOCO- Formação, Práxis
e emancipação na Educação Escolar: Implicações da Teoria Histórico Cul-
tural no ensino, Aprendizagem e no Desenvolvimento Humano ambos da
UEL e do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação, Ética e Sociedade (GE-
PEES) da UNESP. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7766153830344115. ORCID:
https://orcid.org/0000-0002-4908-8379. E-mail: sleite@uel.br.

Sonara Maria Lopes de Oliveira – Mestre em Educação pela Universi-


dade Estadual de Londrina. Coordenadora Pedagógica no Colégio Mãe de
Deus. Membro do Grupo de Pesquisa-CNPQ: Infância, Educação Infantil e
formação de professores. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7945508215410490.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6660-8372.
E-mail: ir.sonaramaria@hotmail.com.
educação e formação no contexto da sociedade danificada:
296 • Para além do território demarcado

Suzanna Neves Ferreira – Mestra em educação. Universidade Estadual de


Mato Grosso do Sul – UEMS. Professora temporária da Universidade Fede-
ral de Jatai (UFJ). Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Políticas Educacionais
e Formação de Professores (GEPPEF-UEMS-UFGD).
Lattes: http://lattes.cnpq.br/3519072063463126. ORCID: https://orcid.org/
0000-0002-4682-1889. Email: suzanna.pedagogia@gmail.com.

Taila Angélica Aparecida da Silva – Mestre em Educação pelo Pro-


grama de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de
Londrina. Professora Prefeitura Municipal de Cambé. Membra do GE-
PEITC – Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação, Infância e Teoria
Crítica. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4021989627298735. ORCID: https:
//orcid.org/0000-0001-7780-0848. E-mail: tailaangelicasilva@gmail.com.

Willian dos Santos Bonfim – Doutorando em Educação para a Ciência –


UNESP/Bauru-SP. Mestre em Educação – UEMS/Paranaíba-MS. Professor
de Ensino Médio e Técnico – ETEC de Ilha Solteira-SP. Membro do Grupo
de Estudos e Pesquisa sobre Políticas Educacionais e Formação de Professores
(GEPPEF-UEMS-UFGD) e do Grupo de Pesquisa em Educação para a Ci-
ência (GPEC-UNESP). Lattes: http://lattes.cnpq.br/8122590347640757.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2433-0296.
E-mail: willianbonfim@yahoo.com.br.

Zuleika Aparecida Claro Piassa – Doutora em Filosofia da Educação pela


UNESP- Marília; Professora Adjunta do Departamento de Educação da Uni-
versidade Estadual de Londrina – Área de Gestão da Educação; Participante
do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação, Ética e Sociedade da UNESP
– Marília – GEEPES; também do Grupo De estudos e Pesquisa Quo Vadis?
Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais e do Grupo de Estu-
dos e Pesquisa em Educação, Infância e Teoria Crítica.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/8460152764659926. ORCID: https://orcid.
org/0000-0001-7080-0255. Email: zuleikapiassa@uel.br.

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