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INSTITUTO LATINO-AMERICANO DE ARTE,

CULTURA E HISTÓRIA (ILAACH)

HISTÓRIA – GRAU LICENCIATURA

ENSAIO

Currículos latino-americanos:
A Tensão entre democracia e conflitos religiosos no PCN de História

Lucas Moreira Barbosa


Disciplina: Laboratório de Ensino de História I
Docente: Profa. Juliana Pirola Balestra
Semestre: 2017.1

Foz do Iguaçu
2017
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1. APRESENTAÇÃO

Para esta análise, selecionei especificamente o PCNEM, especificamente


a sua 4ª parte, que trata das Ciências Humanas (uma vez que o PCN+ não faz
menção da temática religiosa como eixo temático de História, e uma vez que
visamos as aplicações deste ensaio no Ensino de História, julguei que o PCNEM
possui uma relação mais direta) . Focarei na discussão sobre a disciplina de
História. Para uma amostra de certos posicionamentos religiosos, selecionei como
recorte o Protestantismo de matriz calvinista, conforme exemplificado na mais
importante declaração doutrinária da Igreja Reformada, a saber, a Confissão de Fé
de Westminster.
Num primeiro momento, procurou-se, através de diversas acertivas do
PCN, levantar tanto seu tratamento da religião bem como seu posicionamento
relativista e democrata. Então, através de uma análise da crença de alguns credos
religiosos, constatamos como a religião será necessariamente olvidada e depreciada
(pelo menos no caso dos credos citados), e que portanto, os paradigmas
democrático e relativista não podem ser aplicados no ensino de História sem
depreciação Dos mesmos, uma vez que elas são num sentido bem real, “históricas”,
i.e., caem ou permanecem por sustentarem-se em processos históricos que fazem
parte da consciência histórica das mesmas. Assim sendo, faz-se necessário a
descoberta de outro modelo de ensino, uma vez que a História NÃO É QUESTÃO
DE POUCA IMPORTÂNCIA para a religião, e o resultado inevitável de um discurso
democrático será a marginalização da mesma. Deste modo, usarei o exclusivismo
religioso como porta para mostrar a falência do modelo democrático, e então,
discutir uma possível alternativa.
Usarei em minha análise como referencial teórico a crítica da Escola
Austríaca1 ao Estado, especificamente em sua versao democrática.

1 Para uma introdução à Escola Austríaca, ver: “DE SOTO, Jesús Huerto. A Escola Austríaca.2 ed. São Paulo :
Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010”, disponível em: <<http://www.mises.org.br/Ebook.aspx?id=30>> .
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2. O ENSINO DE HISTÓRIA NO PCN DOS 3º E 4º CICLOS DO E.F.

Estabelecido o modelo prussiano educacional no Brasil, fez-se necessária


uma definição, ou melhor, uma orientação para a elaboração e preparação do
material ministrado nas disciplinas escolares. Gostaria de me focar aqui nos PCN’s,
em específico um: o PCN de História para o 3º e 4º ciclo do Ensino Fundamental.
O valor dessa escolha se pode perceber quando entendemos, primeiramente,
que o Ensino Médio se propõe a “sedimentar e aprofundar temas estudados no
Ensino Fundamental” (PCNEM, IV, p. 20). Assim sendo, analisar como se colocam
pela primeira vez as temáticas intencionadas pelo ensino de História é fundamental,
pois é sobre isso que tudo o mais será contrstuído. Problematizar o História no
Ensino Médio sem entender História no Ensino Fundamental é contraproducente.
De início, o PCN faz um levantamento da História do Ensino de História no
Brasil. Esse levantamento tem como base pontuar as mudanças da disciplina
escolar para fundamentar as novas propostas de ensino. É, pois, aqui, que
encontramos o que o PCN entende como sendo necessário abordar, e quais
problemáticas sociais devem ser contempladas, i.e., encontramos os pressupostos e
finalidades que servirão de base para as propostas da 2ª parte do PCN de História
do 3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental (o que corresponde ao período que se
estende dos 6º ao 9º anos). Particularmente, encontrei algumas assertivas que
dificilmente podem ser adequados a certas confissões religiosas. E creio que achei a
raiz do problema. Mas olhemos, no momento, o choque de visões em si.
Comecemos . O texto se inicia com uma reflexão sobre a disciplina de
História no início de sua aplicação no Brasil. Como apontado, era basicamente
História Pátria e História Sagrada, i.e., do texto bíblico, para formação de uma moral
cristã católica. O texto prossegue com sua ponderações sobre novas rupturas.
Estabelecidas as origens, indica-se como a História desvinculou-se cada vez mais
da influência religiosa para então, fazer do Estado o agente histórico. Deram-se
novas mudanças, com tensões sérias a partir da segunda metade do séc. XX. Após
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esse levantamento histórico, o documento aponta a que pé se encontra a História


escolar no momento:

Na pesquisa histórica podem ser encontradas diferentes


abordagens teóricometodológicas. Entre elas, tendem a se esgotar as
que procuram explicar a vida social e a dinâmica de seu movimento
no tempo por meio de teorias globalizantes, fazendo uso de
categorias teóricas abstratas e de métodos hipotético-dedutivos. Têm
sido fortalecidas, por outro lado, diferentes abordagens que enfatizam
a problematização do social, procurando ora nos grandes movimentos
coletivos, ora nas particularidades individuais, de grupos e nas suas
inter-relações, o modo de viver, sentir, pensar e agir de homens,
mulheres, trabalhadores, que produzem, no dia-a-dia e ao longo do
tempo, as práticas culturais e o mundo social. Nesta última tendência,
que não deixa de abrigar diferentes modelos analíticos e conceituais,
as obras de arte, as articulações de poderes religiosos, os rituais, os
costumes, as tradições, os desvios de comportamento, as
resistências cotidianas, os valores presentes em imagens e textos, as
relações e papéis interpessoais e intergrupais, são abordados em
suas particularidades, em suas inter-relações ou na perspectiva de
suas permanências e transformações no tempo. Tais estudos têm
contribuído para revelar dimensões da história cultural, mentalidades
e práticas de construção de identidades socioculturais (PCN,1998,
pp.29,30).

Pois bem, acredito que isso gera um grande desconforto para qualquer
um que professe algum credo exclusivista. Essa nova abordagem relativista
simplesmente se apresenta como o que se pretende ensinar na História, e com esse
tom, é impossível um protestante de caráter calvinista ser contemplado, uma vez
que não é assim que ele lerá a História. Vamos olhar uma doutrina reformada
específica aqui: a da Providência.
Na Confissão de Fé de Westminster, encontra-se a sequinte declaração:
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“Pela sua muito sábia providência, segundo a sua infalível presciência


e o livre e imutável conselho da sua própria vontade, Deus, o grande
Criador de todas as coisas, para o louvor da glória da sua sabedoria,
poder, justiça, bondade e misericórdia, sustenta, dirige, dispõe e
governa todas as suas criaturas, todas as ações e todas as coisas,
desde a maior até a menor (ee, 9:6; Sal. 145:14­16; Dan. 4:34­35;
Sal. 135:6; Mat. 10:29­31; Prov. 15:3; II Cron. 16:9; At.15:18;
Ef. 1:11; Sal. 33:10­11; Ef. 3:10; Rom. 9:17; Gen. 45:5).” (CFW
5.1).

Ora, eis um grande problema! Se analisarmos bem a questão, fica claro


que nem as novas perspectivas historiográficas, nem o credo calvinista, podem
conviver e se aceitarem sem alguma dose de covardia e dissimulação. Como posso
dizer aos meus alunos em sala de aula que a História se resume a um determinismo
teológico ? Honestamente, há cabimento nisso?
Agora, olhe por outro ângulo. Como posso apresentar uma história em
qualquer grau relevante para um aluno protestante confessional (algo que, graças ao
advento da internet, está se tornando comum e deve se tornar mais frequente em 15
ou 20 anos) sem atentar contra os demais? Em qualquer caso, alguém perderá,
algum aluno não será contemplado, não por falta de tempo, mas simplesmente por
um embate a nível de pressuposição, de visões de mundo opostas. Dificilmente se
pode achar um modo de conciliar tal antagonismo sem sufocar o credo, ou então
jogar no lixo a laicidade ocidental.
Em um ou outro caso, alguém perderá. E pode ser que um professor
tenha sucesso em afogar a confissão. Mas ele o fará às custas de uma mudança no
aluno. Ele não poderá apresentar algo palatável ao aluno no caso de este achar-se
consciente dessa cofnessionalidade e conectado a ela. Ele pode se empenhar ou
em prevenir que seus alunos cheguem a tais convicções, ou então impedir alunos
com essas convicções de terem voz nas discussões, através de uma série de
mecanismos. É virtualmente imprevisível a um professor prever esse tipo de caso,
assim como era imprevisível que Princeton seria o teto de boa parte da comunidade
ateia ocidental, uma vez que foi fundada para formar pastores calvinistas.
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O PCN faz outra declaração que embora reproduza o mote atual,


dificilmente seria engolida por um presbiteriano conservador (e dentro do modelo
presbiteriano, é essencial criar filhos que sejam presbiterianos conservadores e que
manifestem isso em todos os âmbitos da sociedade):

Hoje em dia, a percepção do outro e do nós está relacionada à


possibilidade de identificação das diferenças e, simultaneamente, das
semelhanças. A sociedade atual solicita que se enfrente a
heterogeneidade e que se distinga as particularidades dos grupos e
das culturas, seus valores, interesses e identidades. Ao mesmo
tempo, ela demanda que o reconhecimento das diferenças não
fundamente relações de dominação, submissão, preconceito ou
desigualdade. Todavia, esse não é um exercício fácil. Ao contrário,
requer o esforço e o desejo de reconhecer o papel que é exercido
pelas mediações construídas por experiências sociais e culturais na
organização de valores, que sugerem, mas não impõem, o que é
bom, mau, belo, feio, superior, inferior, igual, perfeito ou imperfeito,
puro ou impuro; que orientam, mas não restringem, as ações de
aproximação, distanciamento, isolamento, assimilação, rejeição,
submissão ou indiferença; e que possibilitam o conhecimento ou o
desconhecimento da presença ou da existência da diversidade
individual, de grupo, de classe ou de culturas. (PCN, 1998, p.35)

Bem, vamos olhar para a Confissão de Westminster outra vez:

(…) Muito menos poderão ser salvos, estes que não professam a
religião Cristã, por qualquer outro meio, por mais diligentes que sejam
em conformar as suas vidas com a luz da natureza e com a lei da
religião que professam (At 4:12; Jo 14:6; Ef 2:12; Jo 4:22; Jo 17:3) . E
asseverar e manter que eles podem, é muito pernicioso e é para ser
detestável (2Jo 9-11; 1Co 16:22; Gl 1:6-8). (CFW 10.4)

Creio ter ficado claro a impossibilidade de tal abordagem inclusivista sem


ferir alguma parte.
REFLEXÕES FINAIS
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Podemos perceber com base nessa amostragem que o mundo, infelizmente,


não é uma praça de alimentação étnica, onde todo mundo pega um pouco daquilo,
um pouco de otura coisa, e une tudo numa bandeija à beira de uma mesa com
pessoas sorridentes. Mas me parece que existe uma névoa que nos impede de
perceber isso, e ela tem um nome e, creio eu, é o grande problema por trás do caso
analisado: A DEMOCRACIA.
O PCN, como todo documento legislativo, tem intenção de manter o Estado
enquanto tal. E nosso Estado é democrático. E esse é o problema.
A Democracia, enquanto forma de governo, é cheia de problemas. E tendo
entrado na mentalidade social, entende-se que a Democracia é um estilo de vida,
um modo de utdo fazer, a única saída para vivermos em paz. Essa tentativa de
conciliar e pacificar tudo existe porque há um clamor democrático impregnado no
ensino escolar. Mas o caso analisado serve para nos indicar alguns problemas da
mentalidade democrática. Como disse Benjamin Franklin, “a democracia são dois
lobos e um cordeiro votando sobre o que comer no almoço; a liberdade é uma
ovelha bem armada contestando o voto.”
Pressupõe-se errado que a questão das divergências de indivíduos e grupos
deve ser resolvida coletivamente. Ora, com que prerrogativa o todo decide pelo um?

“A ideia básica por detrás dela é que é desejável e justo que todas as
decisões importantes sobre a organização física, social e econômica
da sociedade sejam tomadas pelo coletivo, o povo. E que o povo
autoriza os seus representantes no parlamento – em outras palavras,
o estado – a tomar estas decisões por eles. Em outras palavras, em
uma democracia, todo o tecido da sociedade é voltado para o
estado.” (KARSTEN; BECKMAN; 2013;p.23)

A Democracia está laureada de mitos. Diz-se dela que ela é politicamente neutra,
mas isso é mentira:

“ (…) A democracia é, por definição, uma ideia coletivista, ou seja, a


ideia de que temos que decidir tudo juntos e todos devem, então,
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cumprir essas decisões. Isso significa que, em uma democracia,


quase tudo é uma questão pública. Não existem limites fundamentais
para essa coletivização. Se a maioria (ou melhor, o governo) quiser,
ela pode decidir que todos nós temos que usar um arnês ao andar
pelas ruas porque é mais seguro. Ou que nós temos de nos vestir
como palhaços porque isso iria fazer as pessoas rirem. Nenhuma
liberdade individual é sagrada. Isso deixa a porta aberta para uma
interferência do governo cada vez maior. E a intromissão cada vez
maior é exatamente o que acontece nas sociedades democráticas.”
(KARSTEN; BECKMAN; 2013; p.32).

També se diz que ela é o único modo de convivermos em paz. É justamente esse
pressuposto que está no PCN, que é necessária uma abordagem mais inclusivista,
que todos os lados devem ser ouvidos, e um eleito como mais plausível. Ora, será
mesmo?

“Em uma democracia, no entanto, o oposto acontece. O sistema


incentiva as pessoas a transformarem suas preferências individuais
em objetivos coletivos, que todos devem seguir. Ela encoraja aqueles
que querem ir para o lugar X a tentar forçar os outros a ir na mesma
direção. Uma consequência particularmente infeliz do sistema
democrático é que as pessoas são induzidas a formarem grupos que,
necessariamente, entram em conflito com outros grupos. Isto é assim
porque somente quando você faz parte de um grupo grande o
suficiente (ou bloco de eleitores), é que há uma chance de poder
transformar suas ideias em lei. Assim, os idosos se voltam contra os
jovens, os agricultores contra os moradores das cidades, os
imigrantes contra os locais, os cristãos contra os muçulmanos, os
crentes contra os ateus, os patrões contra os empregados e assim
por diante. Quanto maiores forem as diferenças entre as pessoas,
mais amargas as relações se tornarão. Quando um grupo acredita
que a homossexualidade é um pecado e outro reclama por mais
modelos gay nas escolas e nos materiais educativos, eles irão
inevitavelmente entrar em conflito.” (KARSTEN; BECKMAN;
2013;p.47)
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Uma alternativa para isso seria o ensino da liberdade individual contra toda
forma de agressão ao indivíduo e sua propriedade privada. O grande problema do
embate religioso é justamente que o todo quer decidir sobre como religiosos e não
religiosos devem conviver proque, pressupõe-se, essa é uma questão que deve ser
discutida coletivamente, e através dos mecanismos estatais, as minorias podem ser
contempladas em seus direitos. Bem, “direitos” é uma palavra bela para obrigar
outros a nos privilegiarem. Nas palavras de Thomas Jefferson, Democracia “não é
nada mais do que a ditadura da multidão, onde 51% das pessoas podem tirar os
direitos dos outros 49%”.

E se trocássemos esse paradigma? E se nossas aulas de História


mostrassem justamente a partir do passado perspectivas para uma liberdade total
do homem, contra toda sorte de coerção externa de outros homens? Deixo este
ideial para a sociedade, e seria incrível usar a História escolar para promover isso:

“As pessoas devem Rumo a um novo ideal político 83 novamente ter


a liberdade de escolher por si, de resolver seus problemas como
acharem melhor – individualmente ou, provavelmente e mais
frequentemente, em conjunto. Pois sem cooperação, a ordem e a
prosperidade são impossíveis. Mas a cooperação só pode realmente
funcionar em uma base voluntária, com base no consentimento
mútuo. As pessoas têm de recuperar o controle sobre os frutos de seu
próprio trabalho. Elas devem ter liberdade para criar suas próprias
comunidades locais – religiosas, comunistas, capitalistas, étnicas e
assim por diante. Estas podem ser governadas ‘democraticamente’,
se os moradores quiserem, ou não, se não o quiserem.” (KARSTEN;
BECKMAN; 2013;p.83)
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais :


história. Brasília : MEC / SEF, 1998.

KARSTEN, Frank; BECKMAN, Karel. Além da democracia. Tradução de Fernando


Manaças Ferreira. São Paulo : Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2013.

CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER. Disponível em:


<http://www.monergismo.com/textos/credos/cfw.htm>. Acesso em: 11 de julho de
2017.

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