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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ – UECE

CENTRO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA - CCT


PROGRAMA DE PÓS – GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA DA UECE – ProPGeo
DISCIPLINA: COLÓQUIOS TEMÁTICOS EM GEOGRAFIA

MESTRANDO: GABRIEL DE SOUSA ARAÚJO


PROFESSORA: DENISE CRISTINA BOMTEMPO

RESENHA CRÍTICA

O livro intitulado “Território e decolonialidade” é organizado por capítulos de


discussão teórica ancorado ao debate empírico na Geografia. Assim, estruturam-se em
tópicos sequenciais a intenção e a intencionalidade de trabalhar a decolonialidade nos
estudos geográficos. O interesse pela posição tomada – afirmar a importância da
descolonialidade – inicia pelas experiências de Rogério Haesbaert, com o que ele
chamou de giro espacial e a mudança de perspectiva.
Durante a escrita se enfatiza a representatividade do termo descolonialidade, da
concepção de América Latina, do giro territorial. Esses elementos permitem elucidar as
principais discussões de combater a colonialidade, ou seja, oferecer e reconhecer
resistência em múltiplos espaços. Essa empreitada é salientada por Haesbaert (2020),
pela interlocução com autores de países da América Latina, tais como: México,
Argentina, Colômbia, Equador, Chile, Peru, Uruguai e Cuba. Portanto, segundo
Haesbaert (2020) o convite às palestras e experiências de campo também são parte da
construção do texto.
O capítulo um, “o giro espacial e o espaço (tempo) como esfera da mudança de
perspectiva”, surgiu pelas mudanças da dimensão temporal para a dimensão espacial.
Isso é evidenciado pela ascensão ao giro espacial contemporâneo em detrimento do
recuo a outros períodos. Uma dessas concepções é a de supremacia do tempo sobre o
espaço, uma vez que a modernidade condiciona pensar o tempo unilinear e cumulativo.
Assim, o giro espacial, de modo mais recuado, já se pautava em trabalhos das ciências
sociais: (Massey, 1987; Simmel, 1977).
É importante apresentar o giro espacial e não fragilizar a dimensão do tempo.
Assim, a proposta de leitura sobre o espaço e o tempo ou como apresentado
Espaçotempo é marca da indissociabilidade, ou seja, procura-se demonstrar o
rompimento dessa dicotomia por muito fortalecida. E nessa correlação, a coexistência
define o espaço e é inerente ao tempo, uma vez que a multiplicidade dos territórios e
dos agentes, enquanto construções sociais materializa a concepção de que o espaço é
possibilidade de múltiplas trajetórias.
Um delas, apontadas no livro é a própria trajetória construída pelo professor
Rogério Haesbaert ainda no Rio Grande do Sul até o Rio de Janeiro. O que implica a
dimensão da Geografia fora do seu local de nascimento, a apreensão do conteúdo
espacial e a leitura de múltiplas trajetórias na América Latina via território. Em
trajetória, na busca pela mudança de perspectiva se apresenta o espaço geográfico.
Inclusive a perspectiva é construída em Haesbaert (2020) pelas referências do
espaço vivido e a ponto de vista geográfico sobre o mundo. Tal mudança leva em conta
aspectos subjetivos e culturais. Esses pontos de vista são múltiplos e identificados como
centros de intencionalidade. Assumir uma posição é pensar e ao mesmo tempo,
conceber intencionalidade. O sentido da construção de leitura da realidade se
compreende pela problemática identificada pela identidade latino-americana, em que foi
construída por meio dos saques historicamente travados entre os colonizadores e
ancestrais dos povos: mapuche, abya yala.
Nos capítulos dois e três, de nomenclaturas “Do giro descolonial ao giro
multiterritorial na América Latina” e “O giro multiterritorial em uma abordagem
descolonial”, se explicita o trânsito de um giro a outro, um deles da mudança de
perspectiva do giro espacial e um plus a ele, o giro descolonial. Aqui não só o giro
espacial/descolonial importa, mas o território, já que na estruturação destes capítulos,
Haesbaert (2020) afirma que a concepção de América Latina é delimitada pelo contexto
geopolítico e é problematizada no território.
Assim, é enfatizado a explicação do que é a América Latina e porque ela foi
escolhida como recorte do trabalho. Problematiza-se diante da sua coesão interna e a
ótica de região para pensar desde a proposição colonial, uma vez que o termo latino
reverbera a colonização-exploração. Ademais, por possuir raízes de colonialidade a
concepção de América Latina é questionada diante da multiplicidade de culturas, povos
originários, o que elucida as particularidades e singularidades desse lócus de estudo.
Designações essas, pelo giro espacial e descolonial que identificam a
invisibilidade da multiplicidade dos povos tradicionais antes da colonização. Para Cruz
(2020) essa capacidade de violentar outros modos de conhecimentos é uma forma do
exercício de poder. Para essa superação se entende a América Latina como híbrida –
característica básica da modernidade – pela resistência no processo de reterritorialização
pelas batalhas travadas e a concepção das diversidades de configurações geo-históricas
acumuladas, tais como: a transculturação e a interculturalidade.
Nesse sentido, os giros favorecem o avanço e a resistência aos ditames coloniais:
a descolonização. Essa proposta de enxergar o mundo visa estabelecer contradições, da
América e Europa, do colonizador e explorado, lidas pela Geografia. Além do
reconhecimento da contradição e da colonialidade do poder acumulada em nosso
continente, a dependência enquanto teoria, e herda ao pensamento descolonial uma
estrutura pós-colonial.
Isso é notório entre ambos, pois o giro descolonial estabelece relação com o
pensamento pós-colonial (de influência e contraste), pois este último reler a colonização
pela sinalização de histórias e temporalidades. Esse giro descolonial é construído, dentre
outros, pela criação do Grupo Modernidade/colonialidade (Aníbal Quijano, Walter
Mignolo). Assim em Haesbaert (2020), a decolonialidade é terceiro elemento. Para essa
leitura da desconialidade é enfatizado o poder.
Nesse tópico, discute-se o conceito de poder articulado aos processos de
territorialização – e a saída é que o poder seja compreendido em escala descolonial –
uma vez que é importante pensar a descolonização do poder sobre o território. Essa
dimensão espacial/territoriais da colonialidade do poder se apresenta em
multiescalaridade. Em Haesbaert (2020) a leitura das escalas é fundamental, que
inclusive é afirmada para compreender os indícios de problematização da complexidade
nesse trânsito. Assim, as escalas são pautadas como dinâmicas, fluidas, o que permite
revelar as múltiplas escalas: a transescalaridade que atinge aos territórios.
Essa discussão das escalas nos territórios é pauta do capítulo três, que explana o
giro territorial e a proposição de denominação de giro multiterritorial. Essa dinâmica
permite apresentar a categoria território em dimensões: prática, normativa e analítica,
que em primeiro momento são explicadas a clareza de suas distinções à luz da
indissociabilidade. Afinal, as dimensões do território acionadas as correlações permitem
sustentar o debate das dimensões explicitadas.
Um caso prático são as perspectivas em confronto, o caso do controle da
militarização dos espaços favelados no Rio de Janeiro, assim organizado pelas ações
normativas frente à prática das comunidades. Todavia, compreendidas as diferenças, as
dimensões se assemelham na leitura do espaço. Outros exemplos são a construção do
território na prática pelos Mapuche, Charén, em que definem o território ancorado a
desconialidade de poder.
Já no âmbito analítico, as contribuições para entender o território enquanto
recurso – categoria que trata de um espaço geográfico apropriado, o território como
quadro de vida, espaço de vivência e apropriação simbólica que têm interrelações com a
ambiência prática. Pensar a América Latina é também pensar o giro multiterritorial, e na
ótica da descolonialidade, é descolonizar a categoria de território. E em Santos (2009) é
reafirmar as preocupações em trabalhar o terceiro mundo.
Esses espaços são plurais, o giro multiterritorial é pensado para além da visão
unívoca e monolítica do movimento. Pode-se falar em muitas manifestações
relacionadas às diferentes modalidades de lutas territoriais. E nessa proposta,
apresentam-se as armadilhas que a leitura do território pode acarretar, uma delas, o
âmbito analítico e a dimensão prática, daí a necessidade de delimitarmos os usos e sua
condição relacional. Outro risco é desmaterializar o território ou unicamente pensá-lo a
partir da materialidade.
Assim, nos capítulos quatro e cinco se evidencia como manifestação do corpo-
território e do território-corpo, ambas as concepções incorporam as escalas dos corpos,
ou seja, do território lido pela descolonialidade do poder que inicia pelo corpo, uma vez
que é o corpo é instância primeira e é explicitado em abordagens no livro. Trabalharam-
se o corpo território pela capacidade de ser produtivo, como força útil, e com o gênero
permite pensar os territórios masculinizados e patriarcalizados. Também se menciona o
útero como capaz de ser território, resistência e poder. Do corpo ao território terra
também foi discutido e citam os exemplos das experiências de campo no Equador e no
Chile.
Outro ponto interessante está em articular o corpo à conjunção deles – a
população – via território, uma vez que para Haesbaert (2020) não houve separação
entre o território e a população, e que houve apenas a mudança de centralidade entre os
dois elementos constituintes, a terra e a população, a primeira mais estática enquanto
suporte e a última representada pelas dinâmicas em movimento.
Esse território e o giromulterritorial também se fazem pertinentes aos fluxos dos
sujeitos, em mundo de maior mobilidade, de migrantes e refugiados que se apresentam
em multiescalaridade e vivenciam o debate de fronteira. Em Haesbaert (2020), a massa
de corpos em movimento nos remete à conotação territorial, em que o poder e as suas
relações advindas dele, mediam as muitas manifestações de desterritorialização, e aí se
apresente “o mito da desterritorialização”.
Esse debate permite reafirmar a complexa definição do território, que não
dissocia o humano, do espiritual, do terreno, da terra. Afinal, os povos originários
denominam o território pela vida natural e espiritual, assim se constrói a perspectiva da
pluriversalidade. E nesse contexto se apresentam como múltiplos os “territórios-mundo”
e isso assume a posição descolonial para repensar a América Latina.
No capítulo seis, somos convidados a descolonizar a região. Essa busca se dá
pelo caráter geo-histórico de formação do conceito, pautado pelas epistemologias
universalizantes com leitura racionalista eurocentrada. Descolonizar a região é proposta
de problematizar o espaço geográfico: por que e para quem regionalizamos? E superar a
concepção das desigualdades materializadas no espaço, oriundas de visão economicista
e colonizadoras.
Pensar a região nesse sentido, em valorizar os aspectos de identidade regional,
os regionalismos pautados em caráter político e crítico acerca da representatividade e de
autonomias. O descolonial como promissor da resistência se faz como desafio em
apresentar novas configurações – idas e vindas – pela interação
diferenciação/homogeneidade. Ademais, a diferenciação não pode ser desconsiderada
até mesmo para identificarmos as diversas geografias.
As linhas interpretativas de descolonizar a região estão presentes nas
diferenciações internas pelo próprio colonialismo interno, ainda se proclama uma
revolução regionalista em combate aos impérios que se configuraram em estado-nação.
Essa sapiência coletiva da cultura na região é artefato de invenção e resistência, e aliado
a isso se tem a emergência dessas mudanças.
Nos capítulos seguintes (7, 8 e 9) o debate percorre uma contextualização da
América Latina e dos seus limites, aplicados em caso empírico das possibilidades e
articulações com os povos de Cherán, no México, e que, por conseguinte, nos induz
para uma compreensão da multi/transterritorialidade e a discussão das territorialidades
introjetadas na constituição das trajetórias.
A demarcação dos limites é interessante para pensar os processos de
desterritorialização ocorridos no continente trabalhado e o discurso da
“desterritorialização” das próprias condições de vida capitaneado pela materialidade do
capitalismo nos lugares centrais, mas se pretende no prisma da periferia entender a
abordagem da exclusão dos vencidos e não dos vencedores.
E por vezes, em que a imponência do sujeito está relacionada à constante ameaça
de um grupo, evidenciados nas movimentações dos povos latinos e dos saques
ocasionados perda de controle territorial que ocasionou a subalternidade e os conflitos.
A sequência destes capítulos finais de desterritorialização vincula-se à
concepção de multerritorialidade, já que o que se trabalhava enquanto destruição dos
territórios pode ser compreendida pela multiplicação – a dinâmica de múltiplos
territórios. E essa limitação trabalhada em específico na seção sete, é propiciada pela
tensionalidade de sofrer essa “destruição”. E no caso latino-americano se constrói pela
precarização territorial – que ocasiona no rompimento dessa condição e, assim de
buscar novos modos de vida. Ainda se trata do limite do tempo e do espaço e a trama da
distância.
Por fim, se trabalha que as limitações de toda ordem são debatidas e se atribui na
vivência em Cherán como “território do comum”. São enfatizadas as experiências
comunitárias e autonomistas. Essa possibilidade com o empírico proporciona o avanço
da discussão, um deles de repensar a delimitação dentro-fora, pois a multiplicação dos
territórios se dá em contrapartida às violências que os aflingem (desigualdade social,
corrupção, crime organizado).
E a descolonização agencia o controle do território, a manifestação prática de
ordenamento, das formas e dos conteúdos no México. Também se colocam em pauta a
segurança e a autodefesa, mecanismos que o território possibilita para além da
permanência, da identificação do ser no lócus de suas atividades de vida. E em
Haesbaert (2020) se ver em Cherán o potencial pelas distintas práticas, de intensificar a
abrangência do comum.
O que em síntese direciona ao debate da transterritorialidade como possibilidade
de avaliar os territórios – conteúdo introjetado em entre as atividades da comunidade. É
a perspectiva de pensar o devir plural que rebate as crises dos prefixos (multi)
culturalistas e (inter) culturalistas. Acrescenta-se também, que nessa construção são
múltiplas as territorialidades, e então são múltiplas as descolonizações que nesse
caminhar propõe um giro multerritorial efetivamente descolonial.

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