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1. NOTAS INTRODUTÓRIAS
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Pedagoga, contadora de histórias e discente do Programa de Pós-Graduação de Estudos em Linguagens
– PPGEL pela Universidade do Estado da Bahia - UNEB, Campus I - Salvador. E-mail:
helenavitoria18@hotmail.com.
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A invenção da imprensa e consequentemente a máquina de impressão tipográfica fomentaram a
evolução da escrita e o modo de circulação e transmissão de notícias e histórias como se vê na
atualidade (ROSA, 2017).
A partir deste olhar emerge a necessidade de trazer para o campo da pesquisa a
discussão sobre a importância da oralidade no contexto das comunidades tradicionais
brasileiras e africanas, a fim de analisar e confrontar o panorama de obscuridade no qual
a escrita foi convencionada como único registro legítimo dos saberes e a literatura oral
colocada como mostra de primitivismo.
Antes das histórias irem morar nos livros, elas moravam na boca do
povo e foi desse jeito que elas se espalharam pelo mundo... Aqui, na
nossa terra brasileira, não foi diferente. Foi passando de pai para filho
que as histórias foram perpassando as gerações e o próprio tempo. [...]
Depois, muito tempo depois, as histórias foram se espalhando pelo
mundo. Surgiram os contadores de histórias e então apareceram os
griôs, que são os antigos contadores de histórias africanas e que, ainda
hoje, exercem um papel fundamental em algumas comunidades do
continente africano. Os griôs tem um compromisso muito especial,
que é o de narrar às tradições e os acontecimentos de seu povo.
(ROSA, p. 51-54, 2017).
Acima Rosa (2017) nos diz que as histórias e narrativas foram propagadas no
Mundo oralmente, no entanto, a transmissão e circulação dos contos populares,
mitologias e lendas de tradição oral dentro do ambiente escolar sofrem com barreiras
estabelecidas devido a supervalorização da cultura escrita e dos registros impressos
dentro das salas de aula. Isto se dá porque o sistema de ensino no Brasil tem por
preocupação maior a alfabetização dos estudantes com ênfase no primeiro ciclo do
Ensino Fundamental I, respectivamente, do primeiro ao terceiro ano.
É notável, que o principal foco da educação brasileira e realidade perceptível nas
salas de aula é o imperativo fortalecimento da escrita e da leitura como objetivo
elementar da escolarização e mecanização das habilidades de ler e escrever.
As histórias orais, neste cenário, apresentam-se dentro do currículo escolar
atreladas a folclorização das narrativas de diferentes comunidades tradicionais africanas
e brasileiras aqui podemos citar: ribeirinhos, ciganos, quilombolas, indígenas etc. E os
textos orais como parlendas, cantigas, trava-língua, reprodução/repetição para a pura e
simples sonorização rítmica, análise fonológica e (de) codificação silábica.
Comprovando tal situação no ambiente escolar se nota a restrita ocorrência, das
histórias orais, em especial, mitologias e lendas, parte das histórias e memórias dos
grupos étnicos indígenas normalmente limitadas ao mês de abril (“dia do índio”) e os
contos de tradição Iorubá ou popular usualmente apresentados somente nos meses de
agosto e novembro, no mês do “folclore” e da “consciência negra”.
O fato das narrativas serem apresentadas apenas em períodos sazonais
demonstra que o calendário letivo e o currículo escolar dão um lugar de menosprezo e
fetichismo às culturas orais e às identidades destes corpos sociais.
Apesar do advento da Lei 10.639, de 09 de janeiro de 2003 e 11.645, de 10 de
março de 2008 que alteram a LDB 9394/1996 e tornam obrigatório o ensino de história
e cultura afro-brasileira e indígena nas escolas públicas e privadas do Brasil, as
produções orais das sociedades ameríndias e africanas são expostas de modo
estereotipado e em períodos pontuais, ao invés de fazer parte do projeto político e
pedagógico (PPP) no transcorrer do ano letivo. Ou seja, para estes grupos sociais é
permitida a relativização, o que entra em contradição com a maneira pela qual as
culturas europeias são ensinadas/aprendidas nas instituições de ensino.
O cenário educacional se torna um ambiente empobrecido, por não oportunizar
as histórias orais durante todo o ano letivo e não debater a produção e a importância da
oralidade nas comunidades tradicionais.
Uma consequência direta desta práxis é a transmissão e manutenção do mito3 do
negro e do indígena como seres estereotipados: exoticizados e tipificados em textos
didáticos e conteúdos literários lecionados que negam a humanidade destes sujeitos
(GOMES, 2017). Desde os livros escolares até a língua falada, o colonizador é
privilegiado em comparação com as culturas indígenas e africanas.
É essencial compreender que esta proposta educacional de negação da
diversidade é, conforme a doutora e educadora Nilma Lino Gomes, fruto do pensamento
colonial, positivista e normativo, que determina serem os “saberes das emergências”,
como categorias infecundas, inferiores e menores com o intuito de instituir: “uma
produção de não existência sempre que determinada entidade é desqualificada e tornada
invisível, ininteligível ou descartável de modo irreversível.” (GOMES, 2017, p. 41).
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A concepção de mito trazida no presente projeto de intervenção é a do pesquisador Roland Barthes no
livro: Mitologias, com tradução de Rita Buorgemino e Pedro Souza. 11 ed. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2001.
Não se pretende dizer, como já alerta Edil Costa (2015), que os textos orais são
livres de reprodução de preconceitos e discriminações ou são superiores a outros tipos
textuais, porque isto é uma falácia. Não há purismo em uma sociedade pautada nas
opressões raciais, sociais, de classe, de gênero e sexualidade e não se anseia diminuir
outras expressões intelectuais e artísticas. Porém, entende-se que, para se ter uma
educação que respeite a pluralidade étnica e social dos distintos coletivos humanos, é
imprescindível que todas as possibilidades de manifestação cultural sejam apresentadas,
colocadas à disposição para serem analisadas e debatidas com oportunidades igualitárias
e não somente uma representação sobre as demais, como superior ou correta.
É necessário combater fervorosamente o que Gomes (2017) denomina como
monocultura dos saberes para romper com a perspectiva de homogeneidade do
conhecimento e unicidade dos campos de aprendizagens, visto que não há uma legítima
e única expressão cultural e o papel da literatura, seja escrita ou oral, não deve ser o de
reprodução da colonialidade, mas sim de vias concebíveis para distintas conjunturas.
Contribuindo para esse cenário ideal a escritora e pesquisadora Sônia Rosa, diz
que: “Compartilhar essas histórias oriundas da tradição oral, quer seja na vida, quer seja
na escola, é uma maneira de não as deixar morrer, já que todas elas fazem parte do
acervo da nossa memória nacional, isto é, da nossa própria identidade.” (ROSA, 2017,
p. 51).
Em outros termos, a escola ao negar aos educandos os estudos a respeito das
oralidades recusa parte da memória que constitui o povo brasileiro e com isso
inviabiliza a construção identitária plural, uma vez que a instituição escolar é um dos
lugares onde os sujeitos têm acesso aos diferentes saberes e também é a organização
fomentadora de conflitos de poder ao representar ideologias e hierarquizar
epistemologias.
As práticas pedagógicas reprodutoras de silenciamentos evidenciam a urgência
em romper com sistemas de ensino e diretrizes curriculares cristalizadas e enfatizar uma
agenda descolonizadora, na perspectiva memorialística de reivindicação das alteridades
e concretude das experiências dos povos.
Pensar em uma proposta multicultural permite compreender o quanto o ato de
contar histórias, conforme Rosa (2017), está atrelado a uma profunda ligação emocional
com as comunidades ou melhor dizendo: “Contar histórias, esta ação tão simples e
singela, fez e faz uma grande diferença para a humanidade e, assim, tal qual um abraço,
nunca perderá sua importância e sua pertinência nas relações humanas.” (ROSA, 2017,
p. 57).
As histórias orais compõem as identidades e afetividades das comunidades
tradicionais e ao invés de serem folclorizadas no ambiente escolar, podem e devem ser
narradas, ensinadas e discutidas como parte da manifestação e expressão cultural e
popular dos povos porque, assim, cada geração guardará para si e para as próximas,
narrativas da sua própria vida e dos seus antepassados.
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Termo de origem Mali que significa sangue e representa o narrador que transmite as histórias das
famílias, clãs e linhagens dos Impérios africanos no transcorrer do tempo. O vocábulo difere do
conceito de griô, instituído no século XV, pelos franceses, para determinar uma espécie de criado do rei
e contador de histórias (LIMA; HERNANDEZ, 2010). Ambas as terminologias são utilizadas no livro:
Toques do Griô, memórias sobre contadores de histórias africanos, de Heloísa Pires Lima e Leila Leite
Hernandez, 2010.
Assim, outras cosmovisões são expostas às crianças: desde o mito criacionista
do mundo, rompendo com a imposição cristã, até os segredos e sagrados das florestas e
dos rituais religiosos de cada livro indígena que se conecta as memórias étnicas do
seu/sua autor/a, as práticas tradicionais e narrativas orais apreendidas dentro das aldeias
e no contato com os mais velhos.
Como afiança Eliane Potiguara (2019), a produção literária indígena é uma
proposta de autoimagem ancestral e coletiva baseada na oralidade:
Essa Literatura deve ser incentivada através da Educação Indígena, no
dia a dia das escolas, para que os próprios indígenas sejam realmente
os interlocutores de suas culturas, tradições e visões de vida. No
entanto, outro aspecto de fundamental importância há de se
considerar. É a tradicionalidade do discurso oral pelos componentes
mais idosos, idosas e pajés da comunidade que não pode, de forma
alguma, ser ignorado. Na realidade, esse discurso é a base sólida, é a
conceituação, são os princípios primordiais étnicos que fundamentam
essa tradição e que fundamentarão a escrita, a partir de valores
linguísticos próprios de cada povo indígena. Hoje, nossos livros
didáticos, literários ou poéticos refletem esse pensamento. Que a
sociedade não indígena nas escolas, nas salas de aula possam utilizar
nossos materiais didáticos e publicações várias. Há diversos escritores
indígenas que estão fazendo trabalhos maravilhosos. (POTIGUARA,
2019)5.
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Disponível em: <https://revista.catedra.puc-rio.br/index.php/literatura-indigena-e-nativa-vem-das-
entranhas-da-terra/> Acesso em 10 de jan de 2022.
textualidade oral, aprofundar a constituição do pretuguês - marca das africanidades na
língua brasileira segundo Lélia Gonzalez (2020) - e compreender as
modificações/transições das narrativas ao longo do tempo e no contato com outros
povos e públicos.
As grandes personalidades dos contos populares como Câmara Cascudo, Mestra
Selma do Coco, Mãe Beata, Ebomi Cici, Mestre Jorge Conceição e a boiada multicor, a
griô Lilian Pacheco, o repentista e mestre cordelista Bule-Bule e outros, precisam ser
estudadas nas escolas dentro dos planos anual, bimestral e semanal pela grande
contribuição que exerceram/exercem na cultura popular oral.
Somente assim é possível romper a reprodução sistemática de uma literatura
fragmentada na escola e serão articulados os aspectos (linguísticos, raciais, étnicos, de
gênero, territoriais, artísticos, históricos, etc.) da pluralidade, dos diferentes grupos
sociais e aproximações das múltiplas realidades, em um ambiente de afeto e
acolhimento conectado a outros mundos possíveis.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
GOMES, Nilma Lino. O movimento negro educador: saberes construídos nas lutas
por emancipação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.
LIMA, Heloísa Pires; HERNANDEZ, Leila Leite. Toques Griô – Memórias sobre
contadores de histórias africanos. Ilustrações: Kaneaki Tada. São Paulo: Editora
Melhoramentos, 2010.
POTIGUARA, Eliane. Literatura Indígena e nativa vem das entranhas da Terra. Revista
Cátedra Digital, vol.4, nº 5, tema: Literatura Infantil e Juvenil de Etnias Indígenas
Brasileiras, versão on-line. Editores: Eliana Yunes e Melissa Monteiro. Rio de Janeiro:
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio, 2019. Disponível em:
https://revista.catedra.puc-rio.br/index.php/literatura-indigena-e-nativa-vem-das-
entranhas-da-terra/ Acesso dia: 10 jan 2022.
ROSA, Sônia. Entre textos e afetos: formando leitores dentro e fora da escola. Rio de
Janeiro: Malê, 2017.