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Universidade Federal de Campina Grande

Centro de Humanidades
Unidade Acadêmica de Letras
Licenciatura em Letras – Língua Portuguesa
Componente curricular: Literatura indígena brasileira
Docente: Hélder Pinheiro
Discente: Clarice Winnie Almirante Costa

Fichamentos de resumo e de citações

Boa Vista – PB
CAGNETI, Sueli de Souza; PAULI, Alcione. Garimpando e comentando fontes para a
sala de aula. In: Trilhas literárias indígenas para a sala de aula. 1.ed. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2015.

O texto “Garimpando e comentando fontes para a sala de aula”, presente no livro


Trilhas literárias indígenas para a sala de aula (2015), apresenta um diálogo entre as
autoras Sueli e Alcione acerca da importância e da contribuição da produção literária
indígena no Brasil, propondo aos professores e professoras possibilidades de trabalho
com essas obras em sala de aula, de modo que os alunos/leitores, ao terem contato com
essas obras e leituras de autoria indígena, possam ter outros olhares sobre o mundo,
sobre a natureza, sobre nossa forma de se relacionar com a natureza e com os outros
seres, sobre a diversidade cultural desses povos, mas sobretudo sobre a figura do
próprio indígena, que durante séculos na nossa história e até hoje continua sendo uma
figura estereotipada, vítima de discriminações e preconceitos, sendo alocada a um não-
lugar, marginalizado. Mas não só isso, ao propor o confronto entre obras literárias
indígenas e não-indígenas, as autoras convidam professores e alunos a refletirem sobre
o próprio fazer literário indígena, não apenas com relação ao conteúdo dessas
produções, que expressam seu modo de ver o mundo, mas também pela estrutura de
suas narrativas, que também expressam de alguma forma essas visões de mundo. Vale
salientar que esse olhar nativo do mundo é diverso, pois cada pessoa traz consigo uma
maneira própria de ser e uma bagagem de vida diferente, como diz Sueli, é preciso
fortalecer “a ideia de lutarmos pela unicidade (uma vez que pertencemos todos a uma
mesma teia) sem perdermos, no entanto, nossa identidade”.

Alguns pontos a destacar desse diálogo:

 O fato de a literatura indígena ser oriunda da tradição oral e de não apresentar


uma estrutura linear nas narrativas, como nós, com nossos olhos ocidentalizados,
estamos acostumados a ler, embora essa estrutura também possa aparecer em
obras de autores indígenas, ressaltando sempre a particularidade de cada
autor/autora ou obra produzida. (p. 47);

 Propostas de leitura e discussão em sala de aula a respeito de temas que


enfatizem a diversidade cultural e de crenças sob diversos pontos de vista. Um
exemplo é a obra A origem do beija-flor, de Yaguarê Yamã, com a qual pode-se
discutir como cada povo enxerga e explica a morte, como forma de “endossar,
ampliar ou redimensionar suas próprias crenças”, como destaca Sueli (p. 51);

 A sabedoria do velho, da ancestralidade indígena, tem muito a nos ensinar.


Alcione fala sobre como é sempre desafiador nessa sociedade contemporânea e
ocidentalizada, cultuadora que é da juventude, falar sobre a construção dos
saberes dos mais velhos. Alguns importantes escritores e filósofos indígenas
brasileiros, como o líder indígena Ailton Krenak, contudo, tem nos mostrado o
quanto a gente precisa aprender muito com a sabedoria ancestral indígena,
inclusive para entender e refletir sobre a realidade catastrófica que nós temos
vivido nos últimos anos, consequência da brutalidade e selvageria do homem
branco com a natureza. (p. 52);

 “A proposta permanente de diálogo entre brancos e indígenas, seja através dos


livros, seja através de filmes, seja através de nossos discursos” (CAGNETI,
2015), para que assim a troca de conhecimentos, de experiências vividas e de
aprendizagens possa acontecer. Desse modo, as autoras oferecem caminhos e
possibilidades de trabalho aos professores para que possam proporcionar a seus
alunos uma experiência enriquecedora com a literatura indígena em sala de aula,
possibilitando a construção de novos saberes e olhares sobre o mundo em que
vivemos. (p. 55 e 57).
ALMEIDA, Maria Inês de. Antiga poesia nova. In: Desocidentada: experiência
literária em terra indígena. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.

O texto “Antiga poesia nova”, presente no livro Desocidentada: experiência


literária em terra indígena (2009), de Maria Inês de Almeida, descreve os
conhecimentos e aprendizagens colhidos pela autora a partir de uma experiência
literária que ela vivenciou em uma escola de uma comunidade indígena no Mato
Grosso. Dentre os muitos conhecimentos partilhados pelos indígenas, a autora destaca a
valorização das múltiplas linguagens com as quais eles expressam seus pensamentos,
suas maneiras de ver o mundo, seus ensinamentos e aprendizagens, sua poesia. Uma
articulação de linguagens – sonora, oral, imagética, visual, escrita, corporal – se faz
presente na produção artística e literária indígena, expressando o que a autora chama de
uma dimensão verbivocovisual. Durante grande parte de sua história, antes da posse dos
instrumentos de escrita, foi com essas linguagens que os povos indígenas sempre
expressaram as visões de mundo e as formas de viver de sua cultura. Ao entrarem em
contato com essa escrita através da catequização imposta pelos colonizadores, esses
povos não puderam impor sua voz, ficando recalcada durante séculos, num processo de
epistemicídio de suas falas, de seus conhecimentos e de sua cultura. Apesar de tanta
violência e silenciamento, essas vozes resistiram ao longo da história, e hoje, ao se
apropriarem da escrita, os indígenas estão recontando suas histórias, falando por si
próprios e resistindo aos apagamentos que ainda hoje continuam acontecendo contra os
povos originários desse país.
O texto nos apresenta poemas produzidos por escritores indígenas e nos fala
sobre como sua escrita constituem formas “enversadas”, resultado do cultivo da tradição
oral e de sua maneira de ver o mundo inversamente oposta à “lógica do branco”, que
institucionalizou a letra e a escrita para segregar, dominar e oprimir ao instituir a língua
como instituição. E nesse processo de apropriação através da escrita, as imagens são
quase que inseparáveis, ainda que elas se transfigurem nas palavras de um poema, nas
próprias imagens da natureza. Como a autora nos diz: “uma nova gramática do texto se
faz necessária”; as imagens, a oralidade, a performatividade dessas linguagens podem
ser tão ricas quanto a escrita.

Algumas citações do texto:

“Livros que começam com a voz. Os povos indígenas querem ouvir a própria voz. A
escrita, grande aliada das classes dominantes, paradoxalmente, torna-se a oportunidade
de reversão para os dominados. Eivada das diferentes falas silenciadas, funciona como
uma arma que, através de cada frase ou palavra desacostumada, detona com um certo
poder: a língua enquanto instituição. É por isso que devemos inscrever os livros escritos
pelos índios no campo da política.” (p. 91).
“Como discurso político, o livro demanda e provoca uma escuta. Antes da posse dos
instrumentos da escrita, os índios não puderam impor sua fala, porque não havia
condições de possibilidade para uma leitura do texto oral. Agora, as falas contidas nos
livros indígenas recém-publicados encontram, embora transformadas, a forma visível.
Os próprios índios passam a configurar, através das formas impressas (letras e
desenhos), seus traços culturais e suas diferenças mais marcantes, como resíduo, às
vezes, como desvio (détour).” (p. 91).

“No processo de apropriação da escritura nos moldes ocidentais, atualmente, penso que
os textos produzidos pelos índios (...) constituem uma nova opção semiótica, diferente
das práticas tradicionais, mas também diferente da escrita alfabética. Se as práticas
escriturais autóctones servem para armazenar dados, fixar uma visão de mundo já
consagrada, arquivar as práticas e representações da sociedade, sendo que o exercício do
pensamento, a exploração do porvir, a prática filosófica pertencem tradicionalmente à
esfera oral, com a nova prática literária – escrevendo suas histórias e seus pensamentos,
sua poesia – os indígenas podem estar operando uma profunda mudança na sua vida
social. A escritura assume nessas sociedades também o lugar da crítica, dos
questionamentos. A escritura (...) permite o desenvolvimento de uma atitude mais
reflexiva frente à História, à sociedade, ao mundo.” (p. 92).

“Nãinecü: a palavra ticuna de difícil pronúncia para nós. A floresta toda. Será que agora
a ouviremos? Quando tantas palavras estranhas chegam na cidade vindas diretamente
das matas e dos sertões – textos de índios –, textos recém-publicados em português, mas
também em outras diversas línguas, estaremos, portanto, aptos a enxergar e escutar as
vozes dos passarinhos, as cores do verde, as muitas qualidades das onças, tantos
tamanhos macacos? É para isso que os índios estão escrevendo, desenhando e
aprendendo a fazer lindos livros.” (p. 93).

“(...) o que se coloca é uma situação de escuta (...). Não mais o cientista com sua
necessidade de lançar sobre o desconhecido sua luz, mas o sujeito que, através de sua
própria fala, mobiliza uma ação dispersa e fragmentada – fruição da arte ou atenção
flutuante do analista. O que se manifesta, nessa relação reflexiva e, ao mesmo tempo,
semiótica, nessa invenção tateante de uma democracia linguística, são histórias e versos
que emergem de uma espécie de inconsciente nacional, recalcado pela historiografia
oficial. Por baixo do tapete verde-amarelo com que se cobriu a república brasileira,
esconderam-se as idiossincrasias do diverso e do fragmentado.” (p. 94).

“Nossa paisagem é o próprio monumento erigido pela literatura indígena: o traço que
ela significa é recuperado/marcado por debaixo. Uma espécie de transfiguração das
matas desmatadas, das caças extintas, dos peixes ausentes nas águas poluídas, a
literatura como ecologia aparece nos livros de histórias (...) e nos livros de poesia.
Deixar o grito, forjar a palavra, não renunciar ao imaginário nem às potências
subterrâneas, mas armar uma duração nova, enraizada na emergência de vozes e corpos
até então recalcados; a escrita pode ser revolucionária.” (p. 94).
“É pelo ato conjunto de escrever, “pensar, discutir, coletar informações e desenhos,
criar e experimentar exercícios, avaliar os resultados”, que as comunidades indígenas
pretendem se apropriar dos seus próprios conhecimentos. A grande espoliação praticada
contra os autóctones pelos estrangeiros, através da assimilação, significou o não
reconhecimento dos seus saberes, que, sem escrita no papel, não configuravam
propriamente a ciência, nem a história, nem a filosofia.” (p. 100).

“(...) a melhor ideia de colocar na pauta ideias que, sem serem fruto de elaboração da
razão discursiva desenvolvida por meio da escrita, são antes figurações de um
conhecimento adquirido pelas convivências é por meio do verso. Essa suposição advém
do fato de que a maior parte dos textos escritos pelos índios, na maioria jovens
professores, referentes a concepções teóricas, considerações filosóficas, maneiras de
pensar, ou seja, a investigação sobre o real, constituem formas “enversadas”, como
dizem os xacriabás.” (p. 102).

“O que é necessário aprender a ler, com a introdução do livro indígena no nosso


universo de leitura, são as imagens. Uma nova gramática do texto se faz necessária, para
o que a chamada literatura infantil já havia chamado a atenção (assim como Guimarães
Rosa).” (p. 105).

“Os poetas indígenas situam seus textos escritos, sintonizando-os com as formas verbais
e os falares de sua comunidade, alinhando seus pensamentos aos dos mais velhos e aos
dos espiritualmente designados para emitir ideias (xamãs, pajés, caciques, chefes de
clãs) e captando os padrões sonoros de sua língua (transmitindo-os inclusive nas
traduções para o português). As convenções reguladoras da tradição escrita são
assimiladas pelos recém-alfabetizados poetas, mas de forma a não destituírem sua
poesia das singularidades advindas das diferenças culturais.” (p. 107).

“Para ler os textos publicados até agora pelos índios, acredito ser preciso adotar o
princípio da leitura plural, como querem os semióticos sensíveis à dimensão
performativa da linguagem. Enxergar nas suas imagens a fonte de uma filosofia que,
inclusive, poderia se constituir como tal, em suas escolas. Os múltiplos sentidos
contidos nas imagens, nos escritos e nos desenhos é que permitem a leitura dos que
ignoram quase tudo sobre as diversas culturas, as diversas línguas indígenas.” (p. 107-
8).

“A literatura indígena é, portanto, resultado de um tratamento sincrônico dado às artes e


às ciências, de uma retomada dos espaços (redivisão dos corpos), territoriais e
simbólicos, através de uma reconfiguração da página. A inscrição de formas sobre
papel, icônica, as artes gráficas redimensionando o texto: esse é o ato poético
fundamental da literatura indígena diferenciada e bilíngue por natureza.” (p. 121).

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