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MAS NÃO APENAS COMO APROPRIAÇÃO MERAMENTE, MAS COMO QUEM FALA DE
DENTRO
O SABER QUE SE APRENDER E PODER SER ENSINADO TIREI MUITO DALI PARA HOJE,
POR EXEMPLO, SER PROFESSOR DE TEATRO INFANTIL
- Lugones
- Quijano
PENSAR ENTÃO UM TEATRO DECOLONIAL
- conceituar
- teatro ritual ?
- oralidade?
- slam
RELATO DE EXPERIÊNCIA
METODOLOGIA
DISCUSSÕES
Mas se, por um lado, essas feridas são elos de similitude entre países ibero-americanos,
por outro lado são também chaves na busca contemporânea por reestabelecer
narrativas históricas através de um processo decolonial. BOTAR UMA CITAÇÃO
Muniz Sodré - não é só a matéria fisica, mas constuidos a partir das ancrstralidades
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, o discurso acadêmico e cultural tem sido enriquecido pelos estudos
decoloniais, movimento intelectual que desafia as estruturas de poder e os paradigmas
eurocêntricos que moldaram a história e a produção de conhecimento. Na América Latina,
intelectuais como Aníbal Quijano, Maria Lugones e Yuderkys Espinosa Miñoso têm liderado
esse movimento, propondo análises profundas sobre as relações coloniais e suas influências
persistentes nos campos sociais, políticos, culturais e artísticos. Este artigo se apresenta como
proposta de um diálogo entre os estudos decoloniais ancorado no pensamento de intelectuais
latino-americanos, a citar Aníbal Guijano, Maria Lugones e Yuderkys Espinosa Miñoso e as
teorias teatrais, a fim de possibilitar um exercício de deslocamento tanto espistêmico quanto
estético do teatro feito no Brasil, explorando a possibilidade de um teatro decolonial.
Ao unir os insights das teorias decoloniais com a prática e a análise do teatro, almejamos não
somente compreender as heranças coloniais presentes nas formas teatrais, mas também
questionar os fundamentos sobre os quais o teatro contemporâneo é construído. Este estudo
propõe-se a explorar como as noções de espaço, representação, linguagem e performance
podem ser reconceitualizadas à luz das perspectivas decoloniais, oferecendo assim novos
horizontes para o teatro enquanto um instrumento de descolonização e emancipação.
Para tanto, examinaremos as contribuições de Quijano, Lugones e Espinosa Miñoso no que diz
respeito à decolonização do pensamento, à compreensão das dinâmicas coloniais e à proposta
de reconstrução de epistemologias alternativas. Em seguida, investigaremos como tais
conceitos e reflexões podem ser aplicados e dialogar com as teorias teatrais, potencialmente
gerando um teatro que não apenas critique a colonialidade, mas que também se afirme como
um espaço de criação e resistência, capaz de alimentar uma consciência mais plural e
inclusiva.
Por fim, a proposta aqui é não apenas compreender como o teatro foi moldado pelas dinâmicas
coloniais, mas também vislumbrar como ele pode se tornar um espaço de resistência,
subversão e reconstrução de identidades em um contexto pós-colonial. Entre as linguagens e
estéticas já experimentadas, lançaremos luz neste trabalho sobre o Teatro Hip Hop como
proposta estética e política, e ao trabalho de Trupe, grupo de teatro cuiabano, como
experiência pessoal.
Quijano (2005) defende a colonialidade não é apenas um fenômeno do passado, mas sim um
sistema contínuo de dominação que se estende para além do período colonial. O argumento do
sociológo peruano é de que a colonialidade está intrinsecamente ligada à modernidade, sendo
uma dimensão oculta e esquecida do processo de globalização capitalista. Para Quijano, a
modernidade não é apenas um estágio temporal, mas sim um projeto global que se baseia na
divisão hierárquica do mundo, na categorização e na exploração de povos e territórios em
busca de recursos e poder.
Para este artigo me ancoro no pensamento de Lugones na busca de "entender a maneira como
essa indiferença é construída para, então, convertê-la em algo cujo reconhecimento seja
inevitável para aqueles que se dizem envolvidos em lutas libertadoras" (HOLLANDA et al p. X)
"Ao produzir essa classificação social, a colonialidade permeia todos os aspectos da vida social
e permite o surgimento de novas identidades geoculturais e sociais. “América” e “Europa”
estão entre essas novas identidades geoculturais; “europeu”, “índio”, “africano” estão entre as
identidades "raciais"" (HOLLANDA et al, 2019, p. X).
Para a autora, em outras palavras, essa classificação é "expressão mais profunda e duradoura
da dominação colonial". Isso porque, com a expansão do colonialismo europeu essas
classificações foram impostas à população de todo o globo, atravessado todas elas em cada
área da vida social, se tranformando na forma mais efetiva de dominação social, tanto material
como intersubjetiva, argumenta Lugones.
De acordo com uma concepção de humanidade que se consolidou com essa mitologia, a
população mundial foi dividida em dicotomias: superior e inferior; racional e irracional; primitiva
e civilizada; tradicional e moderna p. 63-64
Mas se, por um lado, essas feridas são elos de similitude entre países ibero-americanos,
por outro lado são também chaves na busca contemporânea por reestabelecer
narrativas históricas através de um processo decolonial. BOTAR UMA CITAÇÃO
Para Miñoso (2019), o feminismo decolonial é antes de tudo uma aposta política e epistêmica,
que propõe a experiência de mulheres, mulheres negras e de cor como base válida para
produção de conhecimento. Como ela mesma diz: "a experiência como forma efetiva de
construção de saber". Ao mesmo tempo, Miñoso também vai recuperar as críticas realizadas ao
pensamento feminista clássico que está, segundo ela, concentrado na crítica ao
androcentrismo e à pretensão de objetividade no método científico e criticar o universalismo da
categoria mulher apontando que aquilo que é tido como teoria feminista clássica é apenas um
ponto de vista e um ponto de vista de um lugar que é um lugar de privilégio.
Neste sentido, Miñoso se baseia na compreensão da genealogia crítica como uma ferramenta
crucial para a análise das estruturas de poder historicamente enraizadas no intuito de rastrear a
origem e evolução dessas estruturas, reconhecendo as conexões entre o passado colonial e as
dinâmicas contemporâneas de dominação e opressão. Mais especificamente, o objetivo dela é
fazer uma genealogia crítica da atual política e do pensamento feminista na América Latina.
Nos atemos aqui ao método usado para esta incurssão: a ideia de arquivo. Para Miñoso é ser
arquivista, cartógrafo
(…) de nossa memória, mostrando antigos testamentos como sintomas do presente.
Construir um “arquivo audiovisual”, lidar com a mais ampla variedade de documentos
disponíveis, assim como com as “práticas silenciosas, comportamentos laterais, discursos
heterogêneos” e estar disposta a “escavar e rastrear nas profundezas, jogar luz sobre o que
está escondido” Gonçalves 2019 apud HOLLANDA et al , 2019 p. 117).
A experiência, nesse sentido, não é apenas individual, mas também coletiva, carregando
consigo os traumas, resistências e saberes acumulados ao longo das histórias de luta e
sobrevivência de comunidades subalternizadas. Miñoso propõe que essas experiências sejam
reconhecidas como fontes legítimas de conhecimento, fundamentais para a construção de
narrativas contra-hegemônicas e para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa.
Miñoso (2019) valida a experiência como forma efetiva da construção de saber a partir de
outros autores2 cujo argumento é de que o ponto de vista das mulheres - adicionamos aqui o
ponto de vista de outros grupos subalternizados - oferecem explicações sobre a vida social
como um todo mais amplas. Isso porque "nos permitem um olhar de baixo para cima essa
perspectiva nos permite ter um olhar mais amplo, completo e menos distorcido do social"
(HOLLAND et al, 2019, p. 121) e ainda nos "permitiria tonar mais vísivel a forma como tal
matriz opera", partindo de um questionamento da experiência de quem está mais abaixo na
escala do privilégio.
A reflexão de Miñoso sobre a genealogia e experiência não é apenas uma análise teórica, mas
uma convocação à ação. Ela propõe a valorização e integração dessas dimensões nos
processos de decolonização, tanto na academia quanto na prática política e social. Isso implica
não apenas reconhecer, mas também agir a partir dessas perspectivas, promovendo a
transformação e a reconstrução de estruturas opressivas.
Um exemplo disso é o conceito de TEATRE proposto por Dourado (2022). Fazendo referência
ao gênero neutro, tirando o gênero masculino do teatro, o autor reivindica assim a
transformação e ressignificação, buscando reconfigurar as colonialidades do poder e do saber
que habitam o teatro. Ele explica que o objetivo é
Ora, o termo teatro vem do grego theatron, e significa “lugar de onde se vê”. Portanto, é
importante ter em vista o outro (não como objeto e sim como s
O teatro seria uma invenção grega, advinda dos rituais em homenagem ao deus Dionísio.
Mesmo que a historiografia eurocêntrica tenha revisado as afirmações sobre essa origem,
reconhecendo outras formas ritualísticas, como a do culto a Osíris no Egito, como anteriores ou
paralelas à emergência da cultura teatral grega, continua sendo o teatro a medida da produção
dessas outras culturas. Era teatro ou não? Ritual ou teatro? Nessa discussão subjaz a noção
de que o teatro é uma evolução do ritual e que, portanto, mesmo que essas outras civilizações
e culturas tivessem seus rituais espetaculares/cênicos, foram os gregos que desenvolveram o
teatro, civilizaram o ritual para que o teatro emergisse. Felizmente, há um sem-número de
pesquisadores devotados a recontar essa história, documentando as outras culturas cênicas
que estão para além do teatro.
A busca por um teatro decolonial, então, não é apenas uma chamada para a desconstrução
das narrativas hegemônicas, mas também um convite à construção de novas formas de
conhecimento e compreensão do mundo. Essa jornada implica a valorização de saberes e
estéticas não ocidentais, a desconstrução de binarismos e hierarquias e a celebração da
diversidade cultural, étnica e social.
Entretanto, os desafios são consideráveis. O teatro, assim como outras formas artísticas,
muitas vezes é influenciado por estruturas institucionais e padrões de representação
consolidados ao longo do tempo. A superação desses condicionamentos exige uma revisão
crítica das práticas teatrais existentes, a promoção de um diálogo intercultural e a criação de
espaços que permitam a expressão de múltiplas identidades e perspectivas.
CONCLUSÃO
A proposta de um "teatro decolonial" não é meramente uma busca por uma forma artística
alternativa, mas sim uma convocação para a desconstrução das estruturas que perpetuam a
opressão e a marginalização. Através da linguagem teatral, podemos desafiar as normas
estabelecidas, ressignificar narrativas históricas e culturais, e ampliar as vozes e perspectivas
que historicamente foram silenciadas.
Portanto, ao final deste estudo, resta-nos a convicção de que o diálogo entre a teoria decolonial
e as linguagens do teatro não apenas é possível, mas é essencial para a construção de um
espaço cultural mais inclusivo, plural e justo. Este é um convite para que o teatro, enquanto
forma artística, se posicione como um catalisador de mudança, um espaço de resistência e um
agente de transformação social, contribuindo assim para a construção de um mundo mais
equitativo e diversificado.
Este trabalho, embora represente uma imersão inicial nesse diálogo promissor, abre portas
para futuras investigações e práticas artísticas que promovam a descolonização do
pensamento, a ampliação de vozes e a construção de um teatro que não apenas represente,
mas que também transforme a realidade em direção a um horizonte de justiça e liberdade para
todos.
REFERÊNCIAS
DA FONSECA PALMIERE, Júlia Arruda et al. Teatro de Rua e Slam Camélias: pensando sobre
decolonialidade em pesquisa. Revista Ñanduty, v. 7, n. 11, p. 145-166, 2019.
RIVERA, Juliana Capilé et al. Por uma poética cartográfica: estratégias para a construção da
dramaturgia e da encenação em EntreNãoLugares. 2021.
Partindo para uma reflexão da própria experiência, analisamos aqui as propostas de Trupe, grupo
de teatro cuiabano cujas características são o endereçamento de quilombo, viés periférico e
discussões de gênero e sexualidade. Lanço mão aqui da ideia de cartografia caminho também
feito por Miñoso. Teóricos e pesquisadores apresentam a cartografia como uma metodologia de
pesquisa que envolve uma abordagem sensível, intuitiva e experimental, com destaque para a
importância da observação e da escuta atenta durante o processo cartográfico, permitindo que o
pesquisador identifique os elementos que emergem durante a pesquisa-travessia-viagem.
Baseada na ideia de mapear territórios e os processos, a cartografia busca compreenderas
relações entre esses. Em outras apalavras, nessa abordagem, o mapa é visto como um dispositivo
de investigação que permite capturar e representar as múltiplas dimensões da experiência. Para
Rivera (2021), a cartografia – ao fornecer pistas – não pretende atingir um objetivo concreto
justamente por não ser um modelo a ser aplicado, mas experimentado. Um anti-método, explica
a pesquisadora. Isso porque, cartografar não implica o uso de um conjunto de regras e métodos
preestabelecidos, e sim, uma estratégia de abordagem do tema.
Observamos aqui os processos e trocas do gripo que apresentou espetáculos em Cuiabá e outras
cênicas em comunidades de Santo Antônio do Leverger, Nossa Senhora do Livramento e no
Distrito do Sucuri, também na capital. Formado em 2021, Trupe tem como principal
característica a investigação do texto poético na cênica teatral. Tocar a alma humana através da
arte é ofício para o jovem grupo que, com respeito ao sagrado, ao marginal e ao profano, visitou
comunidades da Baixada Cuiabana, levando textos poéticos e cênicos que conversam com as
realidades de cada uma delas. Na comunidade Quilombo de Mata Cavalo de Cima, em Nossa
Senhora do Livramento, o grupo encenou "Benedito Santo", em homenagem a São Benedito.
Com o texto "Partilha" que versa sobre a adicção, Trupe se apresentou na comunidade
terapêutica Bem Viver, em Cuiabá, que abriga mulheres em tratamento contra a dependência
química e durante o evento Hip Hop Combate às Drogas. Em Santo Antônio do Leverger, o
grupo presenteou o quintal do Boi Estrela com uma performance em tributo ao tradicional Boi-à-
Serra, festa da cultura popular do município e de Mato Grosso.
Ainda no ano passado, com outra formação, o grupo apresentou Flor de Mamona, acontecimento
cênico em comemoração ao aniversário de Cuiabá, com poemas de Luciene Carvalho, Daniella
Paula de Oliveira e Ivens Cuiabano Scaff. Já em 2023, Trupe proporcionou ao público uma
experiência imersiva no Cerrado, apresentando um mergulho nos versos de Luciene Carvalho e,
ainda, uma temporada com cênicas do livro Dona, da mesma autora.
Focado na investigação do texto poético na cênica teatral, Trupe assume a estética do Teatro Hip
Hop, conceito que surge no Brasil justamente no sentido da contraposição, da contracena unindo
a cultura urbana e marginalizada ao teatro. Segundo Roberta Marques do Nascimento (2012),
que atende ao nome artístico de Roberta Estrela D‟alva e é precursora do movimento, a junção
de linguagens resultou num repertório diverso de espetáculos teatrais, intervenções cênicas
urbanas, músicas e criações audiovisuais. Segundo Nascimento (2012), o encontro do teatro com
a cultural hip hop, que dá origem ao Teatro Hip Hop é auspicioso. Isso tendo em vista que os
elementos do gênero serviram "como uma luva" aos propósitos estéticos na busca por uma "nova
teatralidade" que está diretamente ligada ao posicionamento de indivíduos marginalizados ou
excluídos, imprimindo assim novas formas estéticas e políticas de se fazer arte.
As experiências propostas pelo grupo fazem pensar uma descentralização tanto dos espaços onde
o teatro acontece quanto da linguagem. No primeiro caso, optar por deixar o tradicional palco do
teatro - que habitualmente é chamado de italiano - e ocupar espaços onde o teatro ainda não foi,
seja ele a rua ou uma comunidade afastada do centro urbano, significa romper com um espaço
que é ocupado majoritariamente por uma classe média urbana.
Uma das características mais marcantes do teatro hip hop é a sua habilidade em apropriar-se de
espaços que tradicionalmente não são destinados à arte teatral. Ruas, praças, paredes grafitadas e
centros comunitários tornam-se palcos improvisados para performances teatrais que transmitem
histórias de vida, lutas políticas e culturas urbanas.
A apropriação desses espaços assume uma dimensão política e social significativa. Ao utilizar
locais antes ignorados ou desconsiderados pela cena teatral tradicional, o teatro hip hop traz à
tona questões de pertencimento, acesso e representatividade. Ele oferece uma plataforma para
vozes marginalizadas, narrativas comunitárias e expressões artísticas autênticas que raramente
encontram espaço nos circuitos teatrais convencionais.