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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA 2021.

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FACULDADE DE DIREITO DA UFBA
DIREITO E MOVIMENTOS SOCIAIS
Docente: Prof.(a) Sara da Nova Quadros Côrtes
Discente: Anderson Matos da Silva Santana

FICHAMENTO
1- Indicação bibliográfica
FANON, Frantz. Os condenados da terra. Capítulo 1 – Da violência. Tradução de José
Laurênio de Melo. Coleção Perspectiva do Homem. Volume 42. Rio de Janeiro: Editora
Civilização Brasileira S. A., 1968. 25 – 85.

2- Informações sobre o autor


Frantz Fanon nasceu em Fort-de-France, capital da então colônia francesa Martinica,
em 1925. Em 1946, mudou-se para Paris, onde fez cursos de biologia, física e química.
Entre 1949 e 1951, estudou psiquiatria no hospital Le Vinatier, em Bron, e ingressou em
medicina na Universidade de Lyon. Em 1952, participou do programa de residência em
psiquiatria do Hospital de Saint-Alban.
Em 1954, com o começo da Revolução Argelina por independência da França,
passou a tratar de combatentes de ambos os lados do conflito. Em 1956, demitiu-se do
hospital e expôs na “Carta ao Ministro Residente” sua ruptura com a política colonial
francesa. Em 1957 foi expulso da Argélia e se mudou para a Tunísia. Passou a trabalhar
como psiquiatra no Hospital de La Manouba e, depois, no Hospital Geral Charles-
Nicolle. No mesmo ano, juntou-se à luta por independência da Frente de Libertação
Nacional (FLN). Em 1959, representou a FLN no Segundo Congresso de Escritores e
Artistas Negros em Roma, incentivando o que chamou de “literatura de combate”. No
mesmo ano, sofreu uma tentativa de assassinato por parte da Le Main Rouge,
organização terrorista do serviço secreto francês que atuava na Argélia. Em 1960 foi
diagnosticado com leucemia. No ano seguinte, escreveu “Os condenados da terra” em
seis semanas e viajou a Bethesda, nos Estados Unidos, para se tratar do câncer no
Instituto Nacional de Saúde, mas faleceu dois meses depois.

3- Breve resumo do capítulo I “Da violência”


O capítulo I do livro “Os condenados da Terra” busca retratar o processo de
descolonização dos povos subjugados pelos povo europeus, libertação esta que não se
dá com uma fórmula mágica. O autor expõe em seu texto que nessa circunstância de
libertação é evidente e imperioso a ocorrência da violência. Essa agressividade sempre
existiu em um mundo colonizado, ou seja, os escravizados sempre conviveram com a
hostilidade latente. A impetuosidade faz com que os subjugados transponham as
barreiras impostas pelo colono. No entanto essa ferocidade do colonizado não se
materializa do nada. Em um mundo colonial o explorador sujeita o colonizado a
diversos tipos de violências, algumas nem mesmo constatada conscientemente pelos
povos originários. Além das violências físicas que são impostas aos subjugados, estes
são expostos a violências culturais, religiosos, econômicos, morais. A tal da dignidade
da pessoa humana tão difundida entre os brancos, não se aplica aos negros, indígenas e
amarelos.
Nesse contexto, o autor vai afirmar que apenas com uma violência maior o
escravizado consegue transpor a barreira e alcançar um mundo liberto, mas não uma
pseudolibertação, que preserva o modelo cultural, econômico e religioso. Tais modelos
são formas de manter a sujeição. É necessário que os povos procurem resgatar seus
costumes enfraquecidos durante o processo de colonização.
Depois de conquistada a liberdade começa um outro tipo de ferocidade. Os
países de primeiro mundo “olha” para o mundo subdesenvolvido e diz que “o terceiro
mundo voltou à idade média depois da independência”. Mas na verdade, foram os
colonizadores que sugaram toda a riqueza da terra dominada. Agora resta ao povo
recém liberto utilizar-se de uma nova agressividade para progredir, é necessário revisitar
suas fontes de riquezas e reconfigurá-las, talvez identificar recursos não percebidos
pelos colonos.

4- Citações de trechos do capítulo


“A descolonização é o encontro de duas forças (...) antagônicas que extraem sua
originalidade (...) dessa espécie de substantificação que segrega e alimenta a situação
colonial. Sua primeira confrontação se desenrolou sob o signo da violência, e sua
coabitação - a exploração do colonizado pelo colono - foi levada a cabo com grande
reforço de baionetas e canhões (...). O colono tira a sua verdade, isto é, os seus bens, do
sistema colonial.” (pág. 26)

“a descolonização deixa entrever, através de todos os seus poros, granadas


incendiárias e facas ensanguentadas. Porque se os últimos devem ser os primeiros isto
só pode ocorrer em consequência de um combate decisivo e mortal (...). Esta vontade de
fazer chegar os últimos à cabeça da fila, (...) só pode triunfar se se lançam na balança
todos os meios, inclusive a violência, evidentemente.” (pág. 27)

“O colonizado (...) está preparado sempre para a violência. Desde seu


nascimento percebe (...) que este mundo estreito, semeado de interdições, não pode ser
reformulado senão pela violência absoluta.” (pág. 27)

“O mundo colonizado é um mundo cindido em dois. A linha divisória (...) é


indicada pelos quartéis e delegacias de polícia. Nas colônias o interlocutor legal (...) do
colonizado, o porta-voz (...) do regime de opressão é o gendarme ou o soldado. (...) Nos
países capitalistas, entre o explorado e o poder interpõe-se uma multidão de professores
de moral, de conselheiros, de "desorientadores". Nas regiões coloniais, ao contrário, o
gendarme e o soldado (...) mantêm contacto com o colonizado e o aconselham, a
coronhadas ou com explosões de napalm.” (pág. 28)

“A cidade do colono é uma cidade sólida, de pedra e ferro (...) iluminada,


asfaltada, onde os caixotes do lixo regurgitam de sobras desconhecidas (...). A cidade do
colono é (...) saciada, indolente, (...). A cidade do colono é uma cidade de brancos, de
estrangeiros.” (pág. 28-29)

“A cidade do colonizado, (...) é um lugar mal afamado, povoado de homens mal


afamados. Aí se nasce não importa onde, não importa como. Morre-se não importa
onde, não importa de quê. (...) A cidade do colonizado é uma cidade faminta, faminta de
pão, de carne, de sapatos, de carvão, de luz. A cidade do colonizado é uma cidade
acocorada, uma cidade ajoelhada, uma cidade acuada. É uma cidade de negros, uma
cidade de árabes. O olhar que o colonizado lança para a cidade do colono é um
olhar de luxúria, um olhar de inveja. (...) O colonizado é um invejoso. O colono (...)
surpreendendo-lhe o olhar, constata amargamente, sempre alerta: "Eles querem tomar o
nosso lugar."(pág. 29).

“A violência que presidiu ao arranjo do mundo colonial, que ritmou


incansavelmente a destruição das formas sociais indígenas, que arrasou completamente
os sistemas de referências da economia, os modos da aparência e do vestuário, será
reivindicada e assumida pelo colonizado no momento em que, decidindo ser a história
em atos" a massa colonizada se engolfar nas cidades interditas. (...) Desmanchar o
mundo colonial não significa que depois da abolição das fronteiras se vão abrir vias de
passagem entre as duas zonas. Destruir o mundo colonial é, nem mais nem menos,
abolir uma zona, enterrá-la (...) no solo ou expulsá-la do território.” (pág. 30)

“O mundo colonial é um mundo maniqueísta. (...) Como que para ilustrar o


caráter totalitário da exploração colonial, o colono faz do colonizado uma espécie de
quintessência do mal. (...) O indígena é declarado impermeável à ética, ausência de
valores, como também negação dos valores. E, ousemos confessá-lo, o inimigo dos
valores. (...) Elemento corrosivo, (...) elemento deformador, que desfigura tudo o que se
refere à estética ou à moral, depositário de forças maléficas. (...) Os costumes do
colonizado, suas tradições, seus mitos, (...) são a própria marca desta indigência, (...) a
religião cristã que combate no nascedouro as heresias, os instintos, o mal.” (pág. 30-31)

“Quando o colonizado passa a pensar em suas amarras, a inquietar o colono,


enviam-lhe boas almas que, nos "Congressos de cultura", lhe expõem a especificidade,
as riquezas dos valores ocidentais.” (pág. 32)

“No período da descolonização apela-se para a razão dos colonizados. Propõem-


lhes valores seguros, explicam-lhes (...) que a descolonização não deve significar
regressão, que é preciso apoiar-se em valores experimentados, sólidos, citados. (...) O
colono só dá por findo seu trabalho de desancamento do colonizado quando este último
reconhece em voz alta e inteligível a supremacia dos valores brancos. No período de
descolonização a massa colonizada zomba desses mesmos valeres, insulta-os, vomita-
os.” (pág. 32)

“Ao dar-se conta da impossibilidade de manter seu domínio nos países coloniais,
a burguesia colonialista resolve iniciar um combate de retaguarda no terreno da cultura,
dos valores, das técnicas etc. (...) Para a população colonizada o valor mais essencial,
(...) é em primeiro lugar a terra: a terra que deve assegurar o pão e (...) a dignidade. Mas
esta dignidade nada tem que ver com a dignidade da "pessoa humana". Dessa pessoa
humana ideal jamais ouviu falar. O que o colonizado viu em seu solo é que podiam
impunemente prendê-lo, espancá-lo, matá-lo à fome; e nenhum professor de moral, (...)
veio receber as pancadas em seu lugar nem partilhar com ele o seu pão.” (pág. 33)

“durante a luta de libertação, no momento em que o colonizado retoma o contato


com seu povo. (...) Todos os valores mediterrâneos, triunfo da pessoa humana, da
clareza e do Belo, convertem-se em quinquilharias sem vida e sem cor. (...) esses
discursos aparecem como agregados de palavras mortas. Esses valores que pareciam
enobrecer a alma revelam-se inúteis porque não se referem ao combate concreto no qual
o povo está engajado.” (pág. 35)

“intelectual colonizado, atomizado pela cultura colonialista, descobrirá (...) a


consistência das assembleias de aldeias, a densidade das comissões do povo, a
extraordinária fecundidade das reuniões de quarteirão e de célula. O interesse de cada
um não cessa mais de ser doravante o interesse de todos porque, concretamente, serão
todos descobertos pelos legionários e, portanto, massacrados, ou serão todos salvos.
Neste contexto, o “jeitinho”, forma ateia de salvação, está proibido.” (pág. 35-36)

“Mas o intelectual colonizado (...) arrastado pelo movimento multiforme da luta,


tende a fixar-se em tarefas locais, levadas por diante com ardor mas quase sempre com
exagerada solenidade. (...) Introduz a noção de disciplinas, de especialidades, de
domínios, nessa terrível máquina de misturar e triturar que é uma revolução popular.
Empenhado em determinados pontos da frente de combate, acontece-lhe perder de vista
a unicidade do movimento e, em caso de revés local, deixar-se levar pela dúvida e até
mesmo pelo desespero. O povo, ao contrário, adota de saída posições globais. A terra e
o pão: que fazer para ter a terra e o pão? E esse aspecto obstinado, (...) estreito, do povo
é em definitivo o modelo operativo mais fecundo e mais eficaz.” (pág. 37)

“O colono faz a história. (...) Ele é o começo absoluto: "Esta terra, fomos nós
que a fizemos". É a causa contínua: "Se partirmos, tudo estará perdido, esta terra
regredirá à Idade Média”. (pág. 38)

“A história que escreve não é a história da região por ele saqueada, mas a
história de sua nação no território explorado, violado e esfaimado. A imobilidade a que
está condenado o colonizado só pode ter fim se o colonizado se dispuser a por termo à
história da colonização, (...) para criar a história da nação, a história da descolonização.”
(pág. 38)

“(...) os sonhos do indígena são sonhos musculares, sonhos de ação, sonhos


agressivos. Eu sonho que dou um salto, que nado, que corro, que subo. Sonho que
estouro na gargalhada, que transponho o rio com uma pernada, que sou perseguido por
bandos de veículos que não me pegam nunca. Durante a colonização, o colonizado não
cessa de se libertar entre nove horas da noite e seis horas da manhã.” (pág. 39)

“Em outro plano veremos a afetividade do colonizado esgotar-se em danças mais


ou menos extáticas. Por isso é que um estudo do mundo colonial deve obrigatoriamente
aplicar-se à compreensão do fenômeno da dança e da possessão. A relaxação do
colonizado consiste precisamente nessa orgia muscular, no curso da qual a
agressividade mais aguda, a violência mais imediata é canalizada, transformadas,
escamoteadas. O círculo da dança é um círculo permissivo. Protege e autoriza. (...)
Entregam-se a um pantomima de aparência desordenada, mas na realidade bastante
sistematizada em que, pelos variados meios - negativas feitas com a cabeça, curvatura
da coluna vertebral, recuo apressado de todo o corpo – expõe-se desde logo o esforço
(...) de uma coletividade para se exorcizar, para se libertar, para se exprimir.” (pág. 43)

“Os partidos políticos nacionalistas nunca insistem sobre a necessidade da prova


de força, porque seu objetivo não é exatamente a destruição radical da ordem nova,
essas formações políticas dirigem sem rodeios à burguesia colonialista o pedido que
lhes é essencial: "Deem-nos mais poder"”. (pág. 45)

“Jamais se rompeu o diálogo entre esses partidos políticos e o colonialismo.


Discutem acordos, representação eleitoral, liberdade de imprensa, liberdade de
associação. Discutem reformas. (...) O intelectual colonizado investiu sua agressividade
em sua vontade mal dissimulada de se assimilar ao mundo colonial. Pôs sua
agressividade a serviço de seus interesses próprios (...). Assim nasce (...) uma espécie de
classe de escravos individualmente libertos, de escravos forros. O que o intelectual
reclama é a possibilidade de multiplicar os libertos, a possibilidade de organizar uma
autêntica classe de libertos. As massas, ao contrário, não pretendem ver aumentar as
oportunidades de sucesso dos indivíduos. O que exigem não é o estatuto de colono, mas
o lugar do colono. Os colonizados, (...) querem a fazenda do colono. Não se trata (...) de
entrar em competição com o colono. Querem o lugar dele.” (pág. 45-46)

“Os defensores do sistema colonial descobrem que as massas ameaçam tudo


destruir. A sabotagem das pontes, a destruição das fazendas, as repressões, a guerra
castigam duramente a economia. Compromisso igualmente para a burguesia nacional
que, não distinguindo (...) as consequências possíveis desse tufão, teme (...) ser varrida
por essa borrasca formidável e não cessa de dizer aos colonos: "Ainda somos capazes de
deter a carnificina, as massas ainda têm confiança em nós, (...). Não tarda que o
dirigente do partido nacionalista tome suas precauções contra essa violência. Afirma
alto e bom som que nada tem que ver (...) com esses terroristas, com esses degoladores.
No melhor dos casos refugia-se (...) entre os terroristas e os colonos, e apresenta-se de
bom grado como "interlocutor", (...) ele se digna entabular negociações. (...) Antes das
negociações, a maioria dos partidos nacionalistas contenta-se (...), em justificar essa
"selvageria". Não reivindica a luta popular e não é raro que chegue, nos círculos
fechados, a condenar tais atos espetaculares que a imprensa e a opinião da metrópole
consideram odiosos. (...) Para eles não resta a menor dúvida, toda tentativa de
despedaçar a opressão colonial pela força é uma conduta de desespero (...). É que no
cérebro deles, os tanques dos colonos e os aviões de caça ocupam um lugar enorme. (...)
os dirigentes reformistas não dizem outra coisa: "Com que querem vocês lutar contra os
colonos? Com suas facas e suas espingardas de caça?"” (pág. 47-49)

“Um domínio cego de tipo escravista não é economicamente rentável para a


metrópole. A fração monopolista da burguesia (...) não sustenta um governo cuja
política é unicamente a da espada. O que os industriais e os banqueiros da metrópole
esperam de seu governo não é que dizime as povoações, mas que salvaguarde, com a
ajuda de convenções econômicas, seus "interesses legítimos"”. (pág. 50)

“O bombardeio contínuo da artilharia e a política da terra arrasada deram lugar à


sujeição econômica (...). De modo mais elegante, menos sanguinário, decide-se a
liquidação pacífica do regime castrista. (...) O dirigente nacional que teme a violência
está, portanto, errado se imagina que o colonialismo vai "massacrar-nos a todos". (...) os
meios financeiros logo os fazem voltar-se para a realidade. Por isso é que é exigido dos
partidos políticos nacionalistas razoáveis, que exponham da maneira mais clara possível
as suas reivindicações e procurem juntamente com o parceiro colonialista (...) uma
solução que respeite os interesses das duas partes. Vê-se que esse reformismo
nacionalista, que se apresenta muitas vezes como uma caricatura dos sindicalismo,
quando resolve agir o faz através de meios altamente pacíficos: paralisações das poucas
indústrias implantadas nas cidades, manifestações de massas (...) boicote dos ônibus ou
das mercadorias importadas.” (pág. 50)

“A burguesia colonialista é ajudada em seu trabalho de tranquilização das


massas pela inevitável religião. Todos os santos que estenderam a outra face, que
perdoaram as ofensas, que receberam sem sobressalto os escarros e os insultos, são
explicados e dados como exemplo.” (pág. 50)

“Encontram-se (...) no seio desses partidos políticos (...) revolucionários que


viram as costas à farsa da independência nacional. Mas (...) suas intervenções, (...) seus
movimentos de cólera descontentam a máquina do partido. (...) esses elementos são
isolados e depois (...) afastados. Ao mesmo tempo, como se houvesse concomitância
dialética, a polícia colonialista cai-Ihes em cima. Sem segurança nas cidades, evitados
pelos militantes, rejeitados pelas autoridades do partido, esses indesejáveis de olhar
incendiário vão encalhar nos campos. É então que percebem (...) que as massas
camponesas lhes compreendem facilmente as intenções e, sem transição, lhes fazem a
pergunta a que ainda não prepararam a resposta: "Pra quando é isso? (pág. 51-52)

“Os políticos que tomam a palavra, que escreve nos jornais nacionalistas, fazem
o povo sonhar. Evitam a subversão, mas, na realidade, introduzem terríveis fermentos
de subversão na consciência dos ouvintes ou dos leitores. Muitas vezes servem-se da
língua nacional ou tribal. Isto também alimenta o sonho, permite à imaginação cabriolar
fora da ordem colonial. Às vezes ainda esses políticos dizem: "Nós os negros, nós os
árabes", e esta denominação satura de ambivalência durante o período colonial recebe
uma espécie de sacralização”. (pág. 52)

“O bandido (...) que domina o campo durante vários dias com os gendarmes no
seu encalço, o indivíduo que sucumbe numa peleja depois de ter abatido quatro ou cinco
policiais, o que se suicida para não denunciar seus cúmplices, constituem para o povo
guias, (...) "heróis". E é inútil, evidentemente, dizer que tal herói é um ladrão, um
crápula (...). Se o ato pelo qual este homem é perseguido pelas autoridades colonialistas
é um ato dirigido, exclusivamente contra uma pessoa ou um bem colonial, então a
demarcação é nítida, flagrante. O processo de identificação é automático.” (pág. 53)

“A despeito do esforços do colonialismo, suas fronteiras permanecem


permeáveis às novidades, aos ecos. Ele descobre que a violência é atmosférica, escala
aqui e ali, e (...) derrota o regime colonial. Essa violência (...) desempenha um papel não
somente informador como também operativo para o colonizado. A grande vitória do
povo vietnamita em Dien-Bien-Phu não é mais, rigorosamente falando, uma vitória
vietnamita. (...) o problema proposto aos povos coloniais passou a ser o seguinte: "Que
é preciso fazer para realizar um Dien-Bien-Phu? (pág. 53)

“As autoridades tomam, efetivamente medidas espetaculares, prendem um ou


dois líderes, organizam desfiles militares, manobras, exibições aéreas. As
demonstrações, os exercícios bélicos, esse cheiro de pólvora que: agora impregna a
atmosfera, não fazem o povo recuar. Essas baionetas e esses canhoneios reforçam-lhe a
agressividade. (pág. 55)

“Mas hoje os governos dos países colonialistas sabem (...) que é muito perigoso
privar as massas de seu líder. Pois em tal situação o povo, não estando mais freado,
precipita-se na sublevação, (...) nas chacinas bestiais". As massas dão livre curso a seus
"instintos sanguinários" e impõem ao colonialismo a libertação dos líderes (...) O povo
colonizado, que espontaneamente investira sua violência na empreitada colossal da
destruição do sistema colonial, vai encontrar-se em pouco tempo com a palavra de
ordem inerte, infecunda: "Libertem X ou Y"”. (pág. 55)

“(...) o Terceiro Mundo não está excluído. Ao contrário, está no centro da


tormenta. Por isso é que, em seus discursos, os homens de Estado dos países
subdesenvolvidos mantêm indefinidamente o tom de agressividade e exasperação que
normalmente deveria ter desaparecido. Compreende-se do mesmo modo a impolidez
tantas vezes notada dos novos dirigentes. Mas o que menos se nota é a extrema cortesia
desses mesmos dirigentes em seus contatos com os irmão ou camaradas.” (pág. 59)

“Os povos colonizados estão perfeitamente conscientes desses imperativos que


dominam a vida política internacional. É por isso que mesmo aqueles que bradam contra
a violência decidem e agem sempre em função desta violência planetária. Hoje a
coexistência pacífica entre os dois blocos mantém e provoca a violência nos países
coloniais. Amanhã veremos talvez deslocar-se esse domínio da violência após a
libertação integral dos territórios coloniais. Veremos talvez apresentar-se a questão das
minorias. Já algumas dentre elas não hesitam em pregar métodos violentos para resolver
seus problemas e não é por acaso que, segundo consta, extremistas negros nos Estados
Unidos formam milícias e, consequentemente se armam.” (pág. 61-62)
“A independência certamente, trouxe aos homens colonizados a reparação moral
e consagrou a sua dignidade. Mas eles ainda não tiveram tempo de elaborar uma
sociedade, de construir, e afirmar valores. A lareira incandescente onde o cidadão e o
homem se desenvolvem e enriquecem em domínios cada vez mais amplos ainda não
existe. Colocados numa espécie de indeterminação, esses homens se persuadem com
bastante facilidade de que tudo vai ser decidido noutra parte, para todo o mundo, ao
mesmo tempo. Quanto aos dirigentes, em face desta conjuntura, hesitam e escolhem o
neutralismo.” (pág. 63)

“Para o colonizado, essa violência representa a práxis absoluta. Por isso


militante é aquele que trabalha. As perguntas feitas ao militante pela organização
levam a marca dessa visão das coisas: "Onde trabalhou? Com quem? Que tem feito?"
O grupo exige que cada indivíduo realize um ato irreversível. Na Argélia, por exemplo,
onde a quase totalidade dos homens que convocaram o povo à luta estava condenada
à morte ou era procurada pela polícia francesa, a confiança era proporcional ao
caráter desesperado de cada caso. Um novo militante estava seguro quando não
podia mais reingressar no sistema colonial. Esse mecanismo parece ter existido em
Quênia entre os Mau-Mau, que exigiam que cada membro do grupo abatesse a vítima.
Cada um era, portanto, pessoalmente responsável pela morte dessa vítima. Trabalhar
significa trabalhar para a morte do colono. A violência assumida permite ao mesmo
tempo que os extraviados e proscritos

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