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RACISMO E CULTURA

RACISMO E CULTURA
veis de antes, os cobardes constitucionais, os me-
drosos, os inferiorizados de sempre, crispam-se e
Fonte: Racismo e cultura. In: Em Defesa da
Revolução Africana. Arquivo Marxista da Internet. emergem eriçados.
https://www.marxists.org/portugues
O ocupante já não compreende.
© Editora Terra sem Amos
© Frantz Fanon O fim do racismo começa com uma súbita in-
Autor compreensão.
Frantz Omar Fanon
A cultura espasmada e rígida do ocupante,
Edição
Alexandre Wellington dos Santos Silva liberta, oferece-se finalmente à cultura do povo
Revisão tornado realmente irmão. As duas culturas po-
Francisco Raphael Cruz Maurício dem enfrentar-se, enriquecer-se.
Licença
Atribuição-CompartilhaIgual 3.0 Não Adaptada Em conclusão, a universalidade reside nes-
CC BY-SA 3.0 ta decisão de assumir o relativismo recíproco de
culturas diferentes, uma vez excluído irreversivel-
F214 Frantz Omar Fanon (1925-1961).
mente o estatuto colonial.
Fanon, Frantz Omar. Racismo e cultura. Editora Terra
sem Amos: Brasil, 2021.
32p.
ISBN: 978-65-89500-02-5
1. Racismo 2. Cultura 3. Sociedade. I. Frantz Fanon.
II. Título.
CDD: 320.56
306
Índice para catálogo sistemático:
1. Racismo (320.56)
2. Cultura e instituições (306)

veis de antes, os cobardes constitucionais, os me-


drosos, os inferiorizados de sempre, crispam-se e
Fonte: Racismo e cultura. In: Em Defesa da
Revolução Africana. Arquivo Marxista da Internet. emergem eriçados.
https://www.marxists.org/portugues
O ocupante já não compreende.
© Editora Terra sem Amos
© Frantz Fanon O fim do racismo começa com uma súbita in-
Autor compreensão.
Frantz Omar Fanon
A cultura espasmada e rígida do ocupante,
Edição
Alexandre Wellington dos Santos Silva liberta, oferece-se finalmente à cultura do povo
Revisão tornado realmente irmão. As duas culturas po-
Francisco Raphael Cruz Maurício dem enfrentar-se, enriquecer-se.
Licença
Atribuição-CompartilhaIgual 3.0 Não Adaptada Em conclusão, a universalidade reside nes-
CC BY-SA 3.0 ta decisão de assumir o relativismo recíproco de
culturas diferentes, uma vez excluído irreversivel-
F214 Frantz Omar Fanon (1925-1961).
mente o estatuto colonial.
Fanon, Frantz Omar. Racismo e cultura. Editora Terra
sem Amos: Brasil, 2021.
32p.
ISBN: 978-65-89500-02-5
1. Racismo 2. Cultura 3. Sociedade. I. Frantz Fanon.
II. Título.
CDD: 320.56
306
Índice para catálogo sistemático:
1. Racismo (320.56)
2. Cultura e instituições (306)
seus recursos, todas as suas aquisições, as antigas
e as novas, as suas e as do ocupante.
A luta é subitamente total, absoluta. Mas en-
tão já não se vê aparecer o racismo.
No momento de impor a sua dominação, para
justificar a escravidão, o opressor invocara argu-
mentações científicas. Aqui, nada de semelhante.
Um povo que empreende uma luta de liber-
tação raramente legitima o racismo. Mesmo no
decurso de períodos agudos de luta armada insur-
recional, nunca se assiste a uma tomada maciça RACISMO E CULTURA1
de justificações biológicas.
A luta do inferiorizado situa-se a um nível ni-
tidamente mais humano. As perspectivas são ra-
dicalmente novas. É a oposição doravante clássica
entre as lutas de conquista e as de libertação.
No decurso da luta, a nação dominadora tenta
reeditar argumentos racistas, mas a elaboração do
racismo revela-se cada vez mais ineficaz. Fala-se
de fanatismo, de atitudes primitivas perante a 1 Texto da intervenção de Frantz Fanon no I.° Congresso
morte, mas, uma vez mais, o mecanismo dora- dos Escritores e Artistas Negros em Paris, em Setembro de
1956. Publicado no número especial de Présence Africai-
vante deitado por terra já não responde. Os imó- ne, de Junho-Novembro de 1956.

seus recursos, todas as suas aquisições, as antigas


e as novas, as suas e as do ocupante.
A luta é subitamente total, absoluta. Mas en-
tão já não se vê aparecer o racismo.
No momento de impor a sua dominação, para
justificar a escravidão, o opressor invocara argu-
mentações científicas. Aqui, nada de semelhante.
Um povo que empreende uma luta de liber-
tação raramente legitima o racismo. Mesmo no
decurso de períodos agudos de luta armada insur-
recional, nunca se assiste a uma tomada maciça RACISMO E CULTURA1
de justificações biológicas.
A luta do inferiorizado situa-se a um nível ni-
tidamente mais humano. As perspectivas são ra-
dicalmente novas. É a oposição doravante clássica
entre as lutas de conquista e as de libertação.
No decurso da luta, a nação dominadora tenta
reeditar argumentos racistas, mas a elaboração do
racismo revela-se cada vez mais ineficaz. Fala-se
de fanatismo, de atitudes primitivas perante a 1 Texto da intervenção de Frantz Fanon no I.° Congresso
morte, mas, uma vez mais, o mecanismo dora- dos Escritores e Artistas Negros em Paris, em Setembro de
1956. Publicado no número especial de Présence Africai-
vante deitado por terra já não responde. Os imó- ne, de Junho-Novembro de 1956.
A tradição já não é ironizada pelo grupo. O
grupo já não foge a si mesmo. Reencontra-se o
sentido do passado, o culto dos antepassados...
Esta redescoberta, esta valorização absoluta de
modalidade quase irreal, objetivamente indefen-
sável, reveste uma importância subjetiva, incom-
parável. Ao sair destes esponsais apaixonados, o
autóctone terá decidido, com “conhecimento de
causa”, lutar contra todas as formas de exploração
A reflexão sobre o valor normativo de certas e de alienação do homem. Em contrapartida, o
culturas, decretado unilateralmente, merece que ocupante multiplica nesta altura os apelos à assi-
lhe prestemos atenção. Um dos paradoxos que milação, depois à integração, à comunidade.
mais rapidamente encontramos é o efeito de rico- O corpo a corpo do indígena com a sua cul-
chete de definições egocentristas, sociocentristas. tura é uma operação demasiado solene, demasia-
Em primeiro lugar, afirma-se a existência de do abrupta, para tolerar qualquer falha. Nenhum
grupos humanos sem cultura; depois, a existência neologismo pode mascarar a nova evidência: o
de culturas hierarquizadas; por fim, a noção de mergulho no abismo do passado é condição e
relatividade cultural. fonte de liberdade.
Da negação global passa-se ao reconhecimen- O fim lógico desta vontade de luta é a liberta-
to singular e específico. É precisamente esta histó- ção total do território nacional. Para realizar esta
ria esquartejada e sangrenta que nos falta esboçar libertação, o inferiorizado põe em jogo todos os
ao nível da antropologia cultural.

A tradição já não é ironizada pelo grupo. O


grupo já não foge a si mesmo. Reencontra-se o
sentido do passado, o culto dos antepassados...
Esta redescoberta, esta valorização absoluta de
modalidade quase irreal, objetivamente indefen-
sável, reveste uma importância subjetiva, incom-
parável. Ao sair destes esponsais apaixonados, o
autóctone terá decidido, com “conhecimento de
causa”, lutar contra todas as formas de exploração
A reflexão sobre o valor normativo de certas e de alienação do homem. Em contrapartida, o
culturas, decretado unilateralmente, merece que ocupante multiplica nesta altura os apelos à assi-
lhe prestemos atenção. Um dos paradoxos que milação, depois à integração, à comunidade.
mais rapidamente encontramos é o efeito de rico- O corpo a corpo do indígena com a sua cul-
chete de definições egocentristas, sociocentristas. tura é uma operação demasiado solene, demasia-
Em primeiro lugar, afirma-se a existência de do abrupta, para tolerar qualquer falha. Nenhum
grupos humanos sem cultura; depois, a existência neologismo pode mascarar a nova evidência: o
de culturas hierarquizadas; por fim, a noção de mergulho no abismo do passado é condição e
relatividade cultural. fonte de liberdade.
Da negação global passa-se ao reconhecimen- O fim lógico desta vontade de luta é a liberta-
to singular e específico. É precisamente esta histó- ção total do território nacional. Para realizar esta
ria esquartejada e sangrenta que nos falta esboçar libertação, o inferiorizado põe em jogo todos os
ao nível da antropologia cultural.
que a mediação se vinga substancializando-se. Este Podemos dizer que existem certas constelações
refluxo para posições arcaicas sem relação com o de instituições, vividas por homens determina-
desenvolvimento técnico é paradoxal. As institui- dos, no quadro de áreas geográficas precisas que
ções assim valorizadas deixam de corresponder num dado momento sofreram o assalto direto e
aos métodos elaborados de ação já adquiridos. brutal de esquemas culturais diferentes. O de-
A cultura capsulada, vegetativa, após a domi- senvolvimento técnico, geralmente elevado, do
nação estrangeira, é revalorizada. Não é repensa- grupo social assim aparecido autoriza-o a instalar
da, retomada, dinamizada de dentro. É clamada. uma dominação organizada. O empreendimento
E esta revalorização súbita, não estruturada, ver- da desculturação apresenta-se como o negativo
bal, recobre atitudes paradoxais. de um trabalho, mais gigantesco, de escravização
É neste momento que se faz menção do cará- econômica e mesmo biológica.
ter irrecuperável dos inferiorizados. Os médicos A doutrina da hierarquia cultural não é, pois,
árabes dormem no chão, cospem em qualquer mais do que uma modalidade da hierarquização
lado, etc. sistematizada, prosseguida de maneira implacável.
Os intelectuais negros consultam o bruxo an- A moderna teoria da ausência de integração
tes de tomar uma decisão, etc. cortical dos povos coloniais é a sua vertente aná-
Os intelectuais “colaboradores” procuram jus- tomo-fisiológica. O surgimento do racismo não
tificar a sua nova atitude. Os costumes, tradições, é fundamentalmente determinante. O racismo
crenças, outrora negados e silenciados, são vio- não é um todo, mas o elemento mais visível, mais
lentamente valorizados e afirmados. quotidiano, para dizermos tudo, em certos mo-
mentos, mais grosseiro de uma estrutura dada.

que a mediação se vinga substancializando-se. Este Podemos dizer que existem certas constelações
refluxo para posições arcaicas sem relação com o de instituições, vividas por homens determina-
desenvolvimento técnico é paradoxal. As institui- dos, no quadro de áreas geográficas precisas que
ções assim valorizadas deixam de corresponder num dado momento sofreram o assalto direto e
aos métodos elaborados de ação já adquiridos. brutal de esquemas culturais diferentes. O de-
A cultura capsulada, vegetativa, após a domi- senvolvimento técnico, geralmente elevado, do
nação estrangeira, é revalorizada. Não é repensa- grupo social assim aparecido autoriza-o a instalar
da, retomada, dinamizada de dentro. É clamada. uma dominação organizada. O empreendimento
E esta revalorização súbita, não estruturada, ver- da desculturação apresenta-se como o negativo
bal, recobre atitudes paradoxais. de um trabalho, mais gigantesco, de escravização
É neste momento que se faz menção do cará- econômica e mesmo biológica.
ter irrecuperável dos inferiorizados. Os médicos A doutrina da hierarquia cultural não é, pois,
árabes dormem no chão, cospem em qualquer mais do que uma modalidade da hierarquização
lado, etc. sistematizada, prosseguida de maneira implacável.
Os intelectuais negros consultam o bruxo an- A moderna teoria da ausência de integração
tes de tomar uma decisão, etc. cortical dos povos coloniais é a sua vertente aná-
Os intelectuais “colaboradores” procuram jus- tomo-fisiológica. O surgimento do racismo não
tificar a sua nova atitude. Os costumes, tradições, é fundamentalmente determinante. O racismo
crenças, outrora negados e silenciados, são vio- não é um todo, mas o elemento mais visível, mais
lentamente valorizados e afirmados. quotidiano, para dizermos tudo, em certos mo-
mentos, mais grosseiro de uma estrutura dada.
Estudar as relações entre o racismo e a cultura que mantém significações dinâmicas para as ins-
é levantar a questão da sua ação recíproca. Se a tituições, é uma população anônima. Em regime
cultura é o conjunto dos comportamentos mo- colonial, são os tradicionalistas.
tores e mentais nascido do encontro do homem Pela ambiguidade súbita do seu comporta-
com a natureza e com o seu semelhante, devemos mento, o antigo emigrado introduz o escândalo.
dizer que o racismo é sem sombra de dúvida um Ao anonimato do tradicionalista, opõe um exibi-
elemento cultural. Assim, há culturas com racis- cionismo veemente e agressivo.
mo e culturas sem racismo. Estado de graça e agressividade são duas cons-
Contudo, este elemento cultural preciso não tantes deste estágio, sendo a agressividade o me-
se enquistou. O racismo não pôde esclerosar-se. canismo passional que permite escapar à morde-
Teve de se renovar, de se matizar, de mudar de dura do paradoxo.
fisionomia. Teve de sofrer a sorte do conjunto Porque o antigo emigrado possui técnicas pre-
cultural que o informava. cisas, porque o seu nível de ação se situa no qua-
Como as Escrituras se revelaram insuficientes, dro de relações já complexas, estas redescobertas
o racismo vulgar, primitivo, simplista, pretendia revestem-se de um aspecto irracional. Existe um
encontrar no biológico a base material da doutri- fosso, um desfasamento, entre o desenvolvimento
na. Seria fastidioso lembrar os esforços empreen- intelectual, a apropriação técnica, as modalidades
didos nessa altura: forma comparada do crânio, de pensamento e de lógica altamente diferencia-
quantidade e configuração dos sulcos do encéfa- das e uma base emocional simples, pura”, etc.
lo, características das camadas celulares do córtex, Reencontrando a tradição, vivendo-a como
dimensões das vértebras, aspecto microscópico da mecanismo de defesa, como símbolo de pureza,
epiderme etc. como salvação, o desculturado dá a impressão de

Estudar as relações entre o racismo e a cultura que mantém significações dinâmicas para as ins-
é levantar a questão da sua ação recíproca. Se a tituições, é uma população anônima. Em regime
cultura é o conjunto dos comportamentos mo- colonial, são os tradicionalistas.
tores e mentais nascido do encontro do homem Pela ambiguidade súbita do seu comporta-
com a natureza e com o seu semelhante, devemos mento, o antigo emigrado introduz o escândalo.
dizer que o racismo é sem sombra de dúvida um Ao anonimato do tradicionalista, opõe um exibi-
elemento cultural. Assim, há culturas com racis- cionismo veemente e agressivo.
mo e culturas sem racismo. Estado de graça e agressividade são duas cons-
Contudo, este elemento cultural preciso não tantes deste estágio, sendo a agressividade o me-
se enquistou. O racismo não pôde esclerosar-se. canismo passional que permite escapar à morde-
Teve de se renovar, de se matizar, de mudar de dura do paradoxo.
fisionomia. Teve de sofrer a sorte do conjunto Porque o antigo emigrado possui técnicas pre-
cultural que o informava. cisas, porque o seu nível de ação se situa no qua-
Como as Escrituras se revelaram insuficientes, dro de relações já complexas, estas redescobertas
o racismo vulgar, primitivo, simplista, pretendia revestem-se de um aspecto irracional. Existe um
encontrar no biológico a base material da doutri- fosso, um desfasamento, entre o desenvolvimento
na. Seria fastidioso lembrar os esforços empreen- intelectual, a apropriação técnica, as modalidades
didos nessa altura: forma comparada do crânio, de pensamento e de lógica altamente diferencia-
quantidade e configuração dos sulcos do encéfa- das e uma base emocional simples, pura”, etc.
lo, características das camadas celulares do córtex, Reencontrando a tradição, vivendo-a como
dimensões das vértebras, aspecto microscópico da mecanismo de defesa, como símbolo de pureza,
epiderme etc. como salvação, o desculturado dá a impressão de
Mas, por detrás desta análise simplificadora, O primitivismo intelectual e emocional apare-
há bem a intuição por parte do inferiorizado, de cia como uma consequência banal, um reconhe-
uma verdade espontânea que irrompe. Esta histó- cimento de existência.
ria psicológica deságua na História e na Verdade. Tais afirmações, brutais e maciças, dão lugar
Porque o inferiorizado reencontra um estilo a uma argumentação mais fina. Contudo, aqui
outrora desvalorizado, assiste-se a uma cultura e ali vêm ao de cima algumas ressurgências. É
da cultura. Semelhante caricatura da existência assim que a “labilidade emocional do Negro”,
cultural significaria, se fosse necessário mostrá-lo, “a integração subcortical do Árabe”, “a culpabi-
que a cultura se vive, mas não se fragmenta. Não lidade quase genérica do Judeu”, são dados que
se põe entre a lâmina e a lamela. se encontram em alguns escritores contemporâ-
Contudo, o oprimido extasia-se a cada redes- neos. Por exemplo, a monografia de J. Carothers,
coberta. O encantamento é permanente. Outrora patrocinada pela OMS, exibe, a partir de “argu-
emigrado da sua cultura, o autóctone explora-a mentos científicos”, uma lobotomia fisiológica do
hoje com arrebatametno. Trata-se, então, de con- Negro de África.
tínuos exponsais. O antigo inferiorizado está em Estas posições sequelares tendem, no entan-
estado de graça. to, a desparecer. Este racismo que se pretende
Ora, não se sofre impunemente uma domina- racional, individual, determinado, genotípico e
ção. A cultura do povo subjugado está esclerosa- fenotípico, transforma-se em racismo cultural. O
da, agonizante. Não circula nela qualquer vida. objeto do racismo já não é o homem particular,
Mais precisamente, a única vida nela existente mas uma certa forma de existir. Os “valores oci-
está nela dissimulada. A população que normal- dentais” reúnem-se singularmente ao já célebre
mente assume aqui e ali alguns pedaços de vida, apelo à luta da “cruz contra o crescente”.

Mas, por detrás desta análise simplificadora, O primitivismo intelectual e emocional apare-
há bem a intuição por parte do inferiorizado, de cia como uma consequência banal, um reconhe-
uma verdade espontânea que irrompe. Esta histó- cimento de existência.
ria psicológica deságua na História e na Verdade. Tais afirmações, brutais e maciças, dão lugar
Porque o inferiorizado reencontra um estilo a uma argumentação mais fina. Contudo, aqui
outrora desvalorizado, assiste-se a uma cultura e ali vêm ao de cima algumas ressurgências. É
da cultura. Semelhante caricatura da existência assim que a “labilidade emocional do Negro”,
cultural significaria, se fosse necessário mostrá-lo, “a integração subcortical do Árabe”, “a culpabi-
que a cultura se vive, mas não se fragmenta. Não lidade quase genérica do Judeu”, são dados que
se põe entre a lâmina e a lamela. se encontram em alguns escritores contemporâ-
Contudo, o oprimido extasia-se a cada redes- neos. Por exemplo, a monografia de J. Carothers,
coberta. O encantamento é permanente. Outrora patrocinada pela OMS, exibe, a partir de “argu-
emigrado da sua cultura, o autóctone explora-a mentos científicos”, uma lobotomia fisiológica do
hoje com arrebatametno. Trata-se, então, de con- Negro de África.
tínuos exponsais. O antigo inferiorizado está em Estas posições sequelares tendem, no entan-
estado de graça. to, a desparecer. Este racismo que se pretende
Ora, não se sofre impunemente uma domina- racional, individual, determinado, genotípico e
ção. A cultura do povo subjugado está esclerosa- fenotípico, transforma-se em racismo cultural. O
da, agonizante. Não circula nela qualquer vida. objeto do racismo já não é o homem particular,
Mais precisamente, a única vida nela existente mas uma certa forma de existir. Os “valores oci-
está nela dissimulada. A população que normal- dentais” reúnem-se singularmente ao já célebre
mente assume aqui e ali alguns pedaços de vida, apelo à luta da “cruz contra o crescente”.
Sem dúvida, a equação morfológica não desa- O racismo não é, pois, uma constante do es-
pareceu completamente, mas os acontecimentos pírito humano.
dos últimos trinta anos abalaram as convicções É, vimo-lo, uma disposição inscrita num sis-
mais firmes, subverteram o tabuleiro de xadrez, tema determinado. E o racismo judeu não é dife-
reestruturaram um grande número de relações. rente do racismo negro. Uma sociedade é racista
A lembrança do nazismo, a miséria comum ou não o é. Não existem graus de racismo. Não
de homens diferentes, a escravização comum de se deve dizer que tal país é racista, mas que não
grupos sociais importantes, o surgimento de “co- há nele linchamentos ou campos de extermínio.
lônias europeias”, quer dizer, a instituição de um A verdade é que tudo isso, e muito mais, existe
regime colonial em plena Europa, a tomada de como horizonte. Estas virtualidades, estas latên-
consciência dos trabalhadores dos países coloniza- cias, circulam dinâmicas, inseridas na vida das
dores e racistas, a evolução das técnicas, tudo isto relações psico-afetivas, econômicas...
alterou profundamente o aspecto do problema. Descobrindo a inutilidade da sua alienação, a
Temos de procurar, ao nível da cultura, as con- profundidade do seu despojamento, o inferiori-
sequências deste racismo. zado, depois desta fase de desculturação, de es-
O racismo, vimo-lo, não é mais do que um tranhização, volta a encontrar as suas posições
elemento de um conjunto mais vastso: a opressão originais.
sistematizada de um povo. Como se comporta um O inferiorizado retoma apaixonadamente essa
povo que oprime? Aqui, encontram-se constantes. cultura abandonada, rejeitada, desprezada. Há ni-
Assiste-se à destruição dos valores culturais, das tidamente uma sobrevalorização que se assemelha
modalidades de existência. A linguagem, o vestuá- psicologicamente ao desejo de se fazer perdoar.
rio, as técnicas são desvalarizodos. Como dar conta

Sem dúvida, a equação morfológica não desa- O racismo não é, pois, uma constante do es-
pareceu completamente, mas os acontecimentos pírito humano.
dos últimos trinta anos abalaram as convicções É, vimo-lo, uma disposição inscrita num sis-
mais firmes, subverteram o tabuleiro de xadrez, tema determinado. E o racismo judeu não é dife-
reestruturaram um grande número de relações. rente do racismo negro. Uma sociedade é racista
A lembrança do nazismo, a miséria comum ou não o é. Não existem graus de racismo. Não
de homens diferentes, a escravização comum de se deve dizer que tal país é racista, mas que não
grupos sociais importantes, o surgimento de “co- há nele linchamentos ou campos de extermínio.
lônias europeias”, quer dizer, a instituição de um A verdade é que tudo isso, e muito mais, existe
regime colonial em plena Europa, a tomada de como horizonte. Estas virtualidades, estas latên-
consciência dos trabalhadores dos países coloniza- cias, circulam dinâmicas, inseridas na vida das
dores e racistas, a evolução das técnicas, tudo isto relações psico-afetivas, econômicas...
alterou profundamente o aspecto do problema. Descobrindo a inutilidade da sua alienação, a
Temos de procurar, ao nível da cultura, as con- profundidade do seu despojamento, o inferiori-
sequências deste racismo. zado, depois desta fase de desculturação, de es-
O racismo, vimo-lo, não é mais do que um tranhização, volta a encontrar as suas posições
elemento de um conjunto mais vastso: a opressão originais.
sistematizada de um povo. Como se comporta um O inferiorizado retoma apaixonadamente essa
povo que oprime? Aqui, encontram-se constantes. cultura abandonada, rejeitada, desprezada. Há ni-
Assiste-se à destruição dos valores culturais, das tidamente uma sobrevalorização que se assemelha
modalidades de existência. A linguagem, o vestuá- psicologicamente ao desejo de se fazer perdoar.
rio, as técnicas são desvalarizodos. Como dar conta
Ora, é preciso voltar a dizê-lo, todo o grupo desta constante? Os psicólogos que têm tendência
colonialista é racista. para tudo expliar por movimentos da alma preten-
Simultaneamente “aculturado” e descultura- dem encontrar este comportamento ao nível dos
do, o oprimido continua a esbarrar no racismo. contatos entre particulares: crítica de um chapéu
Acha que esta sequela é ilógica. Que o que ele original, de uma maneira de falar, de andar...
superou é inexplicável, sem motivo, inexato. Os Semelhantes tentativas ignoram voluntaria-
seus conhecimentos, a apropriação de técnicas mente o caráter incomparável da situação colonial.
precisas e complicadas, por vezes a sua superiori- Na realidade, as nações que empreendem uma
dade intelectual quanto a um grande número de guerra colonial não se preocupam com o confron-
racistas, levam-no a qualificar o mundo racista de to das culturas. A guerra é um negócio comercial
passional. Apercebe-se de que a atmosfera racista gigantesco e toda a perspectiva deve ter isto em
impregna todos os elementos da vida social. O conta. A primeira necessidade é a escravização, no
sentimento de uma injustiça tremenda torna-se, sentido mais rigoroso, da população autóctone.
então, muito vivo. Esquecendo o racismo-conse- Para isso, é preciso destruir os seus sistemas
quência, atira-se com fúria sobre o racismo-causa. de referência. A expropriação, o despojamemto,
Empreendem-se campanhas de desintoxicação. a razia, o assassínio objetivo, desdobram-se numa
Faz-se apelo ao sentido do humano, ao amor, ao pilhagem dos esquemas culturais ou, pelo menos,
respeito dos valores supremos... condicionam essa pilhagem. O panorama social é
De fato, o racismo obedece a uma lógica sem desestruturado, os valores ridicularizados, esma-
falhas. Um país que vive, que tira a sua substância, gados, esvaziados.
da exploração de povos diferentes inferioriza estes Desmoronadas, as linhas de força já não orde-
povos. O racismo aplicado a estes povos é normal. nam. Frente a elas, um novo conjunto, imposto,

Ora, é preciso voltar a dizê-lo, todo o grupo desta constante? Os psicólogos que têm tendência
colonialista é racista. para tudo expliar por movimentos da alma preten-
Simultaneamente “aculturado” e descultura- dem encontrar este comportamento ao nível dos
do, o oprimido continua a esbarrar no racismo. contatos entre particulares: crítica de um chapéu
Acha que esta sequela é ilógica. Que o que ele original, de uma maneira de falar, de andar...
superou é inexplicável, sem motivo, inexato. Os Semelhantes tentativas ignoram voluntaria-
seus conhecimentos, a apropriação de técnicas mente o caráter incomparável da situação colonial.
precisas e complicadas, por vezes a sua superiori- Na realidade, as nações que empreendem uma
dade intelectual quanto a um grande número de guerra colonial não se preocupam com o confron-
racistas, levam-no a qualificar o mundo racista de to das culturas. A guerra é um negócio comercial
passional. Apercebe-se de que a atmosfera racista gigantesco e toda a perspectiva deve ter isto em
impregna todos os elementos da vida social. O conta. A primeira necessidade é a escravização, no
sentimento de uma injustiça tremenda torna-se, sentido mais rigoroso, da população autóctone.
então, muito vivo. Esquecendo o racismo-conse- Para isso, é preciso destruir os seus sistemas
quência, atira-se com fúria sobre o racismo-causa. de referência. A expropriação, o despojamemto,
Empreendem-se campanhas de desintoxicação. a razia, o assassínio objetivo, desdobram-se numa
Faz-se apelo ao sentido do humano, ao amor, ao pilhagem dos esquemas culturais ou, pelo menos,
respeito dos valores supremos... condicionam essa pilhagem. O panorama social é
De fato, o racismo obedece a uma lógica sem desestruturado, os valores ridicularizados, esma-
falhas. Um país que vive, que tira a sua substância, gados, esvaziados.
da exploração de povos diferentes inferioriza estes Desmoronadas, as linhas de força já não orde-
povos. O racismo aplicado a estes povos é normal. nam. Frente a elas, um novo conjunto, imposto,
não proposto mas afirmado, com todo o seu peso racistas, são esses racistas que, contra o conjunto
de canhões e de sabres. do país, têm razão.
No entanto, a implantação do regime colonial Não é possível subjugar homens sem logica-
não traz consigo a morte da cultura autóctone. mente os inferiorizar de um lado a outro. E o ra-
Pelo contrário, a observação histórica diz-nos que cismo não é mais do que a explicação emocional,
o objetivo procurado é mais uma agonia conti- afetiva, algumas vezes intelectual, desta interiori-
nuada do que um desapecimento total da cultura zação.
preexistente. Esta cultura, outrora viva e aberta Numa cultura com racismo, o racista é, pois,
ao futuro, fecha-se, aprisionada no estatuto co- normal. A adequação das relações econômicas e
lonial, estrangulada pela canga da opressão. Pre- da ideologia é, nele, perfeita. Certamente que a
sente e simultaneamente mumificada, depõe con- ideia que fazemos do homem nunca está total-
tra os seus membros. Com efeito, define-os sem mente dependente das relações econômicas, isto
apelo. A mumificação cultural leva a uma mu- é, não o esqueçamos, das relações que existem
nifiação do pensamento individual. A apatia tão histórica e geograficamente entre os homens e os
universalmente apontada dos povos coloniais não grupos. Membros, cada vez mais numerosos, que
é mais do que a consequência lógica desta opera- pertencem a sociedades racistas tomam posição.
ção. A acusação de inércia que constantemente se Põem a sua vida ao serviço de um mundo em que
faz ao “indígena” é o cúmulo da má-fé. Como se o racismo seria impossível. Mas este recuo, esta
fosse possível que um homem evoluísse de modo abstração, este compromisso solene, não estão
diferente que não no quadro de uma cultura que ao alcance de todos. Não se pode exigir impune-
o reconhece e que ele decide assumir. mente que um homem seja contra os “preconcei-
tos do seu grupo”.

não proposto mas afirmado, com todo o seu peso racistas, são esses racistas que, contra o conjunto
de canhões e de sabres. do país, têm razão.
No entanto, a implantação do regime colonial Não é possível subjugar homens sem logica-
não traz consigo a morte da cultura autóctone. mente os inferiorizar de um lado a outro. E o ra-
Pelo contrário, a observação histórica diz-nos que cismo não é mais do que a explicação emocional,
o objetivo procurado é mais uma agonia conti- afetiva, algumas vezes intelectual, desta interiori-
nuada do que um desapecimento total da cultura zação.
preexistente. Esta cultura, outrora viva e aberta Numa cultura com racismo, o racista é, pois,
ao futuro, fecha-se, aprisionada no estatuto co- normal. A adequação das relações econômicas e
lonial, estrangulada pela canga da opressão. Pre- da ideologia é, nele, perfeita. Certamente que a
sente e simultaneamente mumificada, depõe con- ideia que fazemos do homem nunca está total-
tra os seus membros. Com efeito, define-os sem mente dependente das relações econômicas, isto
apelo. A mumificação cultural leva a uma mu- é, não o esqueçamos, das relações que existem
nifiação do pensamento individual. A apatia tão histórica e geograficamente entre os homens e os
universalmente apontada dos povos coloniais não grupos. Membros, cada vez mais numerosos, que
é mais do que a consequência lógica desta opera- pertencem a sociedades racistas tomam posição.
ção. A acusação de inércia que constantemente se Põem a sua vida ao serviço de um mundo em que
faz ao “indígena” é o cúmulo da má-fé. Como se o racismo seria impossível. Mas este recuo, esta
fosse possível que um homem evoluísse de modo abstração, este compromisso solene, não estão
diferente que não no quadro de uma cultura que ao alcance de todos. Não se pode exigir impune-
o reconhece e que ele decide assumir. mente que um homem seja contra os “preconcei-
tos do seu grupo”.
capitais, logo dos lugares de trabalho, descobrin- É assim que se assiste à implantação de orga-
do a cadeia de montagem, a equipe, o “tempo” de nismos arcaicos, inertes, que funcionam sob a vi-
produção, ou seja, o rendimento por hora, o opri- gilância do opressor e decalcados caricaturalmen-
mido verifica como um escândalo a manutenção te sobre instituições outrora fecundas...
do racismo e do desprezo a seu respeito. Estes organismos traduzem aparentemente o
É a este nível que se faz do racismo uma histó- respeito pela tradição, pelas especificidades cultu-
ria de pessoas. “Existem alguns racistas incorrigí- rais, pela personalidade do povo escravizado. Este
veis, mas confessem que no conjunto a população pseudo-respeito identifica-se, com efeito, com o
gosta de...” desprezo mais consequente, com o sadismo mais
Com o tempo tudo isto desaparecerá. elaborado. A característica de uma cultura é ser
Este país é o menos racista... aberta, percorrida por linhas de forma espontâ-
neas, generosas, fecundas. A instalação de “ho-
Existe na ONU uma comissão encarregada de mens seguros” encarregados de executar certos
lutar contra o racismo. gestos é uma mistificação que não engana nin-
Filmes sobre o racismo, poemas sobre o racis- guém. É assim que as djemaas cabilas nomeadas
mo, mensagens sobre o racismo... pelas autoridades francesas são reconhecidas pe-
As condenações espetaculares e inúteis do ra- los autóctones. São dobradas por uma outra dje-
cismo. A realidade é que um país colonial é um maa eleita democraticamente. E naturalmente a
país racista. Se na Inglaterra, na Bélgica ou em segunda dita a maior parte das vezes a sua condu-
França, apesar dos princípios democráticos afir- ta à primeira.
mados respectivamente por estas nações, ainda há A preocupação constantemente afirmada de
“respeitar a cultura das populações autóctones”

capitais, logo dos lugares de trabalho, descobrin- É assim que se assiste à implantação de orga-
do a cadeia de montagem, a equipe, o “tempo” de nismos arcaicos, inertes, que funcionam sob a vi-
produção, ou seja, o rendimento por hora, o opri- gilância do opressor e decalcados caricaturalmen-
mido verifica como um escândalo a manutenção te sobre instituições outrora fecundas...
do racismo e do desprezo a seu respeito. Estes organismos traduzem aparentemente o
É a este nível que se faz do racismo uma histó- respeito pela tradição, pelas especificidades cultu-
ria de pessoas. “Existem alguns racistas incorrigí- rais, pela personalidade do povo escravizado. Este
veis, mas confessem que no conjunto a população pseudo-respeito identifica-se, com efeito, com o
gosta de...” desprezo mais consequente, com o sadismo mais
Com o tempo tudo isto desaparecerá. elaborado. A característica de uma cultura é ser
Este país é o menos racista... aberta, percorrida por linhas de forma espontâ-
neas, generosas, fecundas. A instalação de “ho-
Existe na ONU uma comissão encarregada de mens seguros” encarregados de executar certos
lutar contra o racismo. gestos é uma mistificação que não engana nin-
Filmes sobre o racismo, poemas sobre o racis- guém. É assim que as djemaas cabilas nomeadas
mo, mensagens sobre o racismo... pelas autoridades francesas são reconhecidas pe-
As condenações espetaculares e inúteis do ra- los autóctones. São dobradas por uma outra dje-
cismo. A realidade é que um país colonial é um maa eleita democraticamente. E naturalmente a
país racista. Se na Inglaterra, na Bélgica ou em segunda dita a maior parte das vezes a sua condu-
França, apesar dos princípios democráticos afir- ta à primeira.
mados respectivamente por estas nações, ainda há A preocupação constantemente afirmada de
“respeitar a cultura das populações autóctones”
não significa, portanto, que se considerem os va- Contudo, a necessidade que o opressor tem,
lores veiculados pela cultura, encarnados pelos num dado momento, de dissimular as formas de
homens. Bem depressa se adivinha, antes, nesta exploração não provoca o desaparecimento desta
tentativa uma vontade de objetivar, de encaixar, última. As relações econômicas mais elaboradas,
de aprisionar, de enquistar. Frases como: “eu co- menos grosseiras, exigem um revestimento quo-
nheço-os”, “eles são assim”, traduzem esta objeti- tidiano, mas, a este nível, a alienação continua a
vação levada ao máximo. Assim, conheço os ges- ser terrível.
tos, os pensamentos, que definem estes homens. Tendo julgado, condenado, abandonado, as
O exotismo é uma das formas desta simplifia- suas formas culturais, a sua linguagem, a sua ali-
ção. Partindo daí, nenhuma confrontação cultu- mentação, os seus procedimentos sexuais, a sua
ral pode existir. Por um lado, há uma cultura à maneira de sentar-se, de repousar, de rir, de diver-
qual se reconhecem qualidades de dinamismo, de tir-se, o oprimido, com a energia e a tenacidade
desenvolvimento, de profundidade. Uma cultura do náufrago, arremessa-se sobre a cultura imposta.
em movimento, em perpétua renovação. Frente Desenvolvendo os seus conhecimentos téc-
a esta, encontram-se características, curiosidades, nicos no contato com máquinas cada vez mais
coisas, nunca uma estrutura. aperfeiçoadas, entrando no circuito dinâmico
Assim, numa primeira fase, o ocupante instala da produção industrial, encontrando homens de
a sua dominação, afirma maciçamente a sua su- regiões afastadas no quadro da concentração dos
perioridade. O grupo social, subjugado militar e
economicamente, é desumanizado segundo um veem, nas Universidades, o seu sistema cultural ser-lhes re-
velado. Acontece até que os sábios dos países colonizadores
método polidimensional. se entusiasmam por este ou aquele traço especí�ico. Surgem
os conceitos de pureza, ingenuidade, inocência. A vigilância
do intelectual indígena tem de redobrar nesta altura.

não significa, portanto, que se considerem os va- Contudo, a necessidade que o opressor tem,
lores veiculados pela cultura, encarnados pelos num dado momento, de dissimular as formas de
homens. Bem depressa se adivinha, antes, nesta exploração não provoca o desaparecimento desta
tentativa uma vontade de objetivar, de encaixar, última. As relações econômicas mais elaboradas,
de aprisionar, de enquistar. Frases como: “eu co- menos grosseiras, exigem um revestimento quo-
nheço-os”, “eles são assim”, traduzem esta objeti- tidiano, mas, a este nível, a alienação continua a
vação levada ao máximo. Assim, conheço os ges- ser terrível.
tos, os pensamentos, que definem estes homens. Tendo julgado, condenado, abandonado, as
O exotismo é uma das formas desta simplifia- suas formas culturais, a sua linguagem, a sua ali-
ção. Partindo daí, nenhuma confrontação cultu- mentação, os seus procedimentos sexuais, a sua
ral pode existir. Por um lado, há uma cultura à maneira de sentar-se, de repousar, de rir, de diver-
qual se reconhecem qualidades de dinamismo, de tir-se, o oprimido, com a energia e a tenacidade
desenvolvimento, de profundidade. Uma cultura do náufrago, arremessa-se sobre a cultura imposta.
em movimento, em perpétua renovação. Frente Desenvolvendo os seus conhecimentos téc-
a esta, encontram-se características, curiosidades, nicos no contato com máquinas cada vez mais
coisas, nunca uma estrutura. aperfeiçoadas, entrando no circuito dinâmico
Assim, numa primeira fase, o ocupante instala da produção industrial, encontrando homens de
a sua dominação, afirma maciçamente a sua su- regiões afastadas no quadro da concentração dos
perioridade. O grupo social, subjugado militar e
economicamente, é desumanizado segundo um veem, nas Universidades, o seu sistema cultural ser-lhes re-
velado. Acontece até que os sábios dos países colonizadores
método polidimensional. se entusiasmam por este ou aquele traço especí�ico. Surgem
os conceitos de pureza, ingenuidade, inocência. A vigilância
do intelectual indígena tem de redobrar nesta altura.
Este acontecimento, comumente designado Exploração, torturas, razias, racismo, liquida-
por alienação, é naturalmente muito importante. ções coletivas, opressão racional, revezam-se a ní-
Encontromo-lo nos textos oficiais sob o nome de veis diferentes para fazerem, literalmente, do au-
assimilação. tóctone um objeto nas mãos da nação ocupante.
Ora esta alienação nunca é totalmente conse- Este homem objeto, sem meios de existir, sem
guida. Talvez porque o opressor limite quantita- razão de ser, é destruído no mais profundo da sua
tiva e qualitativamente a evolução, surgem fenô- existência. O desejo de viver, de continuar, tor-
menos imprevistos, heteróclitos. na-se cada vez mais indeciso, cada vez mais fan-
O grupo inferiorizado tinha admitido, com tasmático. É neste estágio que aparece o famoso
uma força de raciocínio implacável, que a sua in- complexo de culpabilidade. Wrigth dedica-lhe
felicidade provinha diretamente das suas caracte- nos seus primeiros romances uma descrição mui-
rísticas raciais e culturais. to pormenorizada.
Culpabilidade e inferioridade são as conse- Contudo, progressivamente, a evolução das
quências habituais desta dialética. O oprimido técnicas de produção, a industrialização, alíás, li-
tenta então escapar-lhes, por um lado, procla- mitada, dos países escravizados, a existência cada
mando a sua adesão total e incondicional aos vez mais necessária de colaboradores, impõem
novos modelos culturais e, por outro lado, pro- ao ocupante uma nova atitude. A complexidade
ferindo uma condenação irreversível do seu estilo dos meios de produção, a evolução das relações
cultural próprio1; econômicas, que, quer se queira quer não, arrasta
consigo a das ideologias, desequilibram o sistema.
1 Por vezes, aparece neste estágio um fenômeno pouco es-
tudado. Intelectuais, investigadores, do grupo dominante O racismo vulgar na sua forma biológica corres-
estudam “cienti�icamente” a sociedade dominada, a sua es- ponde ao período de exploração brutal dos braços
tética, o seu universo ético. Os raros intelectuais colonizados

Este acontecimento, comumente designado Exploração, torturas, razias, racismo, liquida-


por alienação, é naturalmente muito importante. ções coletivas, opressão racional, revezam-se a ní-
Encontromo-lo nos textos oficiais sob o nome de veis diferentes para fazerem, literalmente, do au-
assimilação. tóctone um objeto nas mãos da nação ocupante.
Ora esta alienação nunca é totalmente conse- Este homem objeto, sem meios de existir, sem
guida. Talvez porque o opressor limite quantita- razão de ser, é destruído no mais profundo da sua
tiva e qualitativamente a evolução, surgem fenô- existência. O desejo de viver, de continuar, tor-
menos imprevistos, heteróclitos. na-se cada vez mais indeciso, cada vez mais fan-
O grupo inferiorizado tinha admitido, com tasmático. É neste estágio que aparece o famoso
uma força de raciocínio implacável, que a sua in- complexo de culpabilidade. Wrigth dedica-lhe
felicidade provinha diretamente das suas caracte- nos seus primeiros romances uma descrição mui-
rísticas raciais e culturais. to pormenorizada.
Culpabilidade e inferioridade são as conse- Contudo, progressivamente, a evolução das
quências habituais desta dialética. O oprimido técnicas de produção, a industrialização, alíás, li-
tenta então escapar-lhes, por um lado, procla- mitada, dos países escravizados, a existência cada
mando a sua adesão total e incondicional aos vez mais necessária de colaboradores, impõem
novos modelos culturais e, por outro lado, pro- ao ocupante uma nova atitude. A complexidade
ferindo uma condenação irreversível do seu estilo dos meios de produção, a evolução das relações
cultural próprio1; econômicas, que, quer se queira quer não, arrasta
consigo a das ideologias, desequilibram o sistema.
1 Por vezes, aparece neste estágio um fenômeno pouco es-
tudado. Intelectuais, investigadores, do grupo dominante O racismo vulgar na sua forma biológica corres-
estudam “cienti�icamente” a sociedade dominada, a sua es- ponde ao período de exploração brutal dos braços
tética, o seu universo ético. Os raros intelectuais colonizados
e das pernas do homem. A perfeição dos meios do, dessubstancializado? Quais são os seus meca-
de produção provoca fatalmente a camuflagem nismos de defesa?
das técnicas de exploração do homem, logo das Que atitudes descobrimos aqui?
formas do racismo. Vimos numa primeira fase o ocupante legiti-
Não é, pois, na sequência de uma evolução dos mar a sua dominação com argumentos científi-
espíritos que o racismo perde a sua virulência. Ne- cos, vimos a “raça inferior” negar-se como raça.
nhuma evolução interior explica esta obrigação de Porque nenhuma outra solução lhe é permitida, o
o racismo se matizar, de evoluir. Por toda a parte grupo social racializado tenta imitar o opressor e
há homens que se libertam abalando a letargia a com isso desracializar-se. A “raça inferior” nega-se
que a opressão e o racismo os tinham condenado. como raça diferente. Partilha com a “raça supe-
Em pleno coração das “nações civilizadoras”, rior” as convicções, as doutrinas, e tudo o que lhe
os trabalhadores descobrem finalmente que a ex- diz respeito.
ploração do homem, base de um sistema, toma Tendo o autóctone assistido à liquidação dos
diversos rostos. Neste estágio, o racismo já não seus sistemas de referência, ao desabar dos seus
ousa mostrar-se sem disfarces. Contesta-se. Num esquemas culturais, já não lhe resta senão reco-
número cada vez maior de circunstâncias, o racis- nhecer com o ocupante que “Deus não está do
ta esconde-se. Aquele que pretendia “senti-los”, seu lado”. O opressor, pelo caráter global e ter-
“adivinhá-los”, descobre-se visado, olhado, julga- rível da sua autoridade, chega a impor ao autóc-
do. O projeto do racista é então um projeto per- tone novas maneiras de ver e, de uma forma sin-
seguido pela má consciência. A salvação só pode gular, um juízo pejorativo acerca das suas formas
vir-lhe de um empenhamento passional tal como originais de existir.
se encontra em certas psicoses. E não é um dos

e das pernas do homem. A perfeição dos meios do, dessubstancializado? Quais são os seus meca-
de produção provoca fatalmente a camuflagem nismos de defesa?
das técnicas de exploração do homem, logo das Que atitudes descobrimos aqui?
formas do racismo. Vimos numa primeira fase o ocupante legiti-
Não é, pois, na sequência de uma evolução dos mar a sua dominação com argumentos científi-
espíritos que o racismo perde a sua virulência. Ne- cos, vimos a “raça inferior” negar-se como raça.
nhuma evolução interior explica esta obrigação de Porque nenhuma outra solução lhe é permitida, o
o racismo se matizar, de evoluir. Por toda a parte grupo social racializado tenta imitar o opressor e
há homens que se libertam abalando a letargia a com isso desracializar-se. A “raça inferior” nega-se
que a opressão e o racismo os tinham condenado. como raça diferente. Partilha com a “raça supe-
Em pleno coração das “nações civilizadoras”, rior” as convicções, as doutrinas, e tudo o que lhe
os trabalhadores descobrem finalmente que a ex- diz respeito.
ploração do homem, base de um sistema, toma Tendo o autóctone assistido à liquidação dos
diversos rostos. Neste estágio, o racismo já não seus sistemas de referência, ao desabar dos seus
ousa mostrar-se sem disfarces. Contesta-se. Num esquemas culturais, já não lhe resta senão reco-
número cada vez maior de circunstâncias, o racis- nhecer com o ocupante que “Deus não está do
ta esconde-se. Aquele que pretendia “senti-los”, seu lado”. O opressor, pelo caráter global e ter-
“adivinhá-los”, descobre-se visado, olhado, julga- rível da sua autoridade, chega a impor ao autóc-
do. O projeto do racista é então um projeto per- tone novas maneiras de ver e, de uma forma sin-
seguido pela má consciência. A salvação só pode gular, um juízo pejorativo acerca das suas formas
vir-lhe de um empenhamento passional tal como originais de existir.
se encontra em certas psicoses. E não é um dos
hábitos, os patterns, quer se proponham fazer-lhe menores méritos do professor Baruk o ter precisa-
o processo ou banalizá-lo, restituem o racismo. do a semiologia desses delírios passionais.
O mesmo é dizer que um grupo social, um O racismo nunca é um elemento acrescentado
país, uma civilização, não podem ser racistas in- descoberto ao sabor de uma investigação no seio
conscientemente. dos dados culturais de um grupo. A constelação
Dizemo-lo mais uma vez: o racismo não é social, o conjunto cultural, são profundamente
uma descoberta acidental. Não é um elemento remodelados pela existência do racismo.
escondido, dissimulado. Não se exigem esforços Diz-se correntemente que o racismo é uma
sobre-humanos para o pôr em evidência. chaga da humanidade. Mas é preciso que não nos
O racismo entra pelos olhos dentro precisa- contentemos com essa frase. É preciso procurar
mente porque se insere num conjunto caracteriza- incansavelmente as repercussões do racismo em
do: o da exploração desavergonhada de um grupo todos os níveis de sociabilidade. A importância
de homens por outro que chegou a um estágio de do problema racista na literatura americana con-
desenvolvimento técnico superior. É por isso que, temporânea é significativa. O negro no cinema,
na maioria das vezes, a opressão militar e econô- o negro e o folclore, o judeu e as histórias para
mica precede, possibilita e legitima o racismo. crianças, o judeu no café, são temas inesgotáveis.
O hábito de considerar o racismo como uma Para voltar à América, o racismo obceca e vi-
disposição do espírito, como uma tara psicológi- cia a cultura americana. E esta gangrena dialética
ca, deve ser abandonado. é exarcebada pela tomada de consciência e pela
Mas como se comportam o homem visado por vontade de luta de milhões de negros e de judeus
esse racismo, o grupo social escravizado, explora- visados por esse racismo.

hábitos, os patterns, quer se proponham fazer-lhe menores méritos do professor Baruk o ter precisa-
o processo ou banalizá-lo, restituem o racismo. do a semiologia desses delírios passionais.
O mesmo é dizer que um grupo social, um O racismo nunca é um elemento acrescentado
país, uma civilização, não podem ser racistas in- descoberto ao sabor de uma investigação no seio
conscientemente. dos dados culturais de um grupo. A constelação
Dizemo-lo mais uma vez: o racismo não é social, o conjunto cultural, são profundamente
uma descoberta acidental. Não é um elemento remodelados pela existência do racismo.
escondido, dissimulado. Não se exigem esforços Diz-se correntemente que o racismo é uma
sobre-humanos para o pôr em evidência. chaga da humanidade. Mas é preciso que não nos
O racismo entra pelos olhos dentro precisa- contentemos com essa frase. É preciso procurar
mente porque se insere num conjunto caracteriza- incansavelmente as repercussões do racismo em
do: o da exploração desavergonhada de um grupo todos os níveis de sociabilidade. A importância
de homens por outro que chegou a um estágio de do problema racista na literatura americana con-
desenvolvimento técnico superior. É por isso que, temporânea é significativa. O negro no cinema,
na maioria das vezes, a opressão militar e econô- o negro e o folclore, o judeu e as histórias para
mica precede, possibilita e legitima o racismo. crianças, o judeu no café, são temas inesgotáveis.
O hábito de considerar o racismo como uma Para voltar à América, o racismo obceca e vi-
disposição do espírito, como uma tara psicológi- cia a cultura americana. E esta gangrena dialética
ca, deve ser abandonado. é exarcebada pela tomada de consciência e pela
Mas como se comportam o homem visado por vontade de luta de milhões de negros e de judeus
esse racismo, o grupo social escravizado, explora- visados por esse racismo.
Esta fase passional, irracional, sem justificação, uma ideologia “democrática e humana”. O em-
apresenta ao exame um aspecto aterrador. A circu- preendimento comercial de escravização, de des-
lação dos grupos, a libertação, em certas partes do truição cultural, cede progressivamente o passo a
Mundo de homens anteriormente inferiorizados, uma mistificação verbal.
tornam cada vez mais precário o equilíbrio. Bas- O interesse desta evolução está em que o racis-
tante inesperadamente, o grupo racista denuncia mo é tornado como tema de meditação, algumas
o aparecimento de um racismo nos homens opri- vezes até como técnica publicitária.
midos. O “primitivismo intelectual” do período É assim que o blues, “lamento dos escravos ne-
de exploração dá lugar ao “fanatismo medieval, gros”, é apresentado à admiração dos opressores.
ou mesmo pré-histórico, do período de libertação. É um pouco de opressão estilizada que agrada ao
A dada altura tinha sido possível acreditar explorador e ao racista. Sem opressão e sem racis-
no desaparecimento do racismo. Esta impressão mo não haveria blues. O fim do racismo seria o
euforizante, à margem do real era simplesmente toque de finados da grande música negra...
a consequência da evolução das formas de ex- Como diria o demasiado célebre Toymbee,
ploração. Os psicólogos falam então de um pre- o  blues é uma resposta do escravo ao desafio da
conceito tornado inconsciente. A verdade é que opressão.
o rigor do sistema torna supérflua a afirmação
quotidiana de uma superioridade. A necessidade Ainda atualmente, para muitos homens, mes-
de apelar em graus diferentes à adesão, à cola- mo de cor, a música de Armstrong só tem verda-
boração do autóctone, modifica as relações num deiro sentido nesta perspectiva.
sentido menos brutal, mais cambiado, mais “cul- O racismo avoluma e desfigura o rosto da cul-
tivados”. Aliás, não é raro ver surgir neste estágio tura que o pratica. A literatura, as artes plásticas,
as canções para costureirinhas, os provérbios, os

Esta fase passional, irracional, sem justificação, uma ideologia “democrática e humana”. O em-
apresenta ao exame um aspecto aterrador. A circu- preendimento comercial de escravização, de des-
lação dos grupos, a libertação, em certas partes do truição cultural, cede progressivamente o passo a
Mundo de homens anteriormente inferiorizados, uma mistificação verbal.
tornam cada vez mais precário o equilíbrio. Bas- O interesse desta evolução está em que o racis-
tante inesperadamente, o grupo racista denuncia mo é tornado como tema de meditação, algumas
o aparecimento de um racismo nos homens opri- vezes até como técnica publicitária.
midos. O “primitivismo intelectual” do período É assim que o blues, “lamento dos escravos ne-
de exploração dá lugar ao “fanatismo medieval, gros”, é apresentado à admiração dos opressores.
ou mesmo pré-histórico, do período de libertação. É um pouco de opressão estilizada que agrada ao
A dada altura tinha sido possível acreditar explorador e ao racista. Sem opressão e sem racis-
no desaparecimento do racismo. Esta impressão mo não haveria blues. O fim do racismo seria o
euforizante, à margem do real era simplesmente toque de finados da grande música negra...
a consequência da evolução das formas de ex- Como diria o demasiado célebre Toymbee,
ploração. Os psicólogos falam então de um pre- o  blues é uma resposta do escravo ao desafio da
conceito tornado inconsciente. A verdade é que opressão.
o rigor do sistema torna supérflua a afirmação
quotidiana de uma superioridade. A necessidade Ainda atualmente, para muitos homens, mes-
de apelar em graus diferentes à adesão, à cola- mo de cor, a música de Armstrong só tem verda-
boração do autóctone, modifica as relações num deiro sentido nesta perspectiva.
sentido menos brutal, mais cambiado, mais “cul- O racismo avoluma e desfigura o rosto da cul-
tivados”. Aliás, não é raro ver surgir neste estágio tura que o pratica. A literatura, as artes plásticas,
as canções para costureirinhas, os provérbios, os

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