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© Malcolm-X, 2020
Projeto Gráfico:
Alexandre Wellington dos Santos Silva
Tradução:
Felipe Feitosa Castro
Revisão:
Franciso Raphael Cruz Maurício
Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual
(CC BY-SA)
MENSAGEM À ORGANIZAÇÃO
DE BASE
lado dos Aliados e enviaram tropas para os diversos teatros de guerra contra o Eixo.
3 Teatro da Segunda Grande Guerra lutado em diversas batalhas ao longo do 1941
até 1945 na Ásia, Oceano Pacífico, Oceano Índico e Oceania.
4 Também conhecida como a Guerra da Liberação, aconteceu em 1948 e resultou na
proclamação da República Popular da China em 1949, liderada por Mao Tse-Tung.
5 Tio Tom é o personagem principal da novela Uncle Tom’s Cabin, de Harriet Bee-
cher Stowe, escrita em 1852. Representado como homem negro escravizado ex-
tremamente subserviente aos seus “proprietários”, Tom é tido como imagem depre-
ciativa por sua não-resistência e escolha de não-violência. Malcolm X se refere ao
personagem enquanto “negro doméstico” ou “crioulo doméstico” em seus discursos
mais famosos. A representação recente mais conhecida talvez seja de Stephen, in-
terpretado por Samuel L Jackson, no filme Django Livre, de 2012.
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tio Tom chinês. Quando fizeram a revolução lá, eles pegaram uma ge-
ração inteira de tios Tom – simplesmente os exterminaram. E em dez
anos aquela garotinha se tornou uma mulher adulta. Chega de Tom na
China. E hoje é um dos países mais difíceis, duros e temidos do planeta
– pelo homem branco. Porque não há nenhum tio Tom por lá.
De todos os nossos estudos, a história é a mais qualificada para
recompensar nossas pesquisas. E quando você vê que tem problemas,
tudo que você precisa fazer é examinar o método histórico usado em
todo o mundo por outras pessoas que têm problemas semelhantes aos
seus. E uma vez que você vê como eles corrigiram o deles, então você
sabe como pode corrigir o seu. Tem havido uma revolução, uma revo-
lução negra, acontecendo na África. No Quênia, os Mau Mau eram
revolucionários6, foram eles que criaram a palavra “Uhuru7“. Foram
eles que a trouxeram à tona. Os Mau Mau, eles eram revolucionários.
Eles acreditavam na terra arrasada. Passaram por cima de tudo que
lhes atrapalhavam, e sua revolução também foi baseada na terra, um
desejo de terra. Na Argélia, no norte da África, ocorreu uma revolu-
ção8. Os argelinos eram revolucionários, eles queriam terras. A França
ofereceu sua integração aos franceses. Eles responderam: para o infer-
no com a França. Eles queriam algumas terras, não alguma França. E
eles travaram uma batalha sangrenta.
Então eu cito essas várias revoluções, irmãos e irmãs, para mostrar
a vocês, você não tem uma revolução pacífica. Você não tem uma
revolução do tipo “mostrar a outra face”. Não existe revolução não
violenta. O único tipo de revolução não violenta é a revolução negra.
A única revolução baseada no amor ao inimigo é a revolução negra. A
única revolução em que o objetivo é uma lanchonete sem segregação,
um teatro sem segregação, um parque sem segregação e um banheiro
público sem segregação; você pode se sentar ao lado de gente branca...
na privada. Isso não é revolução. A revolução é baseada na terra. A
6 Malcolm X se refere à Revolta dos Mau Mau, ou Rebelião dos Mau Mau. O confli-
to se iniciou em 1952 e chegou ao fim em 1960, com vitória dos britânicos, mas
com a independência do Quênia.
7 “Liberdade” ou “Independência” em suaíli.
8 Também chamada de Guerra do Primeiro de Novembro, a Guerra de Independên-
cia Argelina se iniciou em 1954 e chegou ao seu fim em 1962, com a vitória do
Fronte Nacional de Liberação Argelino através da independência da Argélia.
Discursos escolhidos de Malcolm-X • 11
é o que você diz. “Não deixei nada na África”, é o que você diz. Ora,
você deixou sua mente na África!
Naquela mesma plantação havia o negro do campo. O crioulo do
campo, essas eram as massas. Sempre havia mais pretos no campo do
que na casa. O negro no campo vivia no inferno. Ele comia as sobras.
Na casa comiam as melhores partes do porco. O negro do campo
não recebia nada além das sobras do intestino do porco. Hoje em dia
chamam de “bucho”. Naquela época chamavam pelo que eram: tripas.
Era isso que você era, um comedor de tripa. E alguns de vocês ainda
são comedores de tripas.
O negro do campo era espancado da manhã até a noite. Ele mo-
rava num barraco, numa cabana. Ele usava roupas velhas e descar-
tadas. Ele odiava seu mestre. Eu disse que ele odiava seu mestre. Ele
era inteligente. O negro da casa amava seu mestre. Mas o negro do
campo – lembre bem, eles eram a maioria, e eles odiavam seu mestre.
Quando a casa pegava fogo, ele não tentava apagar; aquele negro do
campo rezava por um vento, por uma brisa. Quando o mestre adoecia,
o negro do campo rezava para que ele morresse. Se alguém chegasse
até o negro do campo e dissesse, “Vamos sair daqui, vamos fugir”, ele
não dizia “Onde nós vamos? ele dizia “Qualquer lugar é melhor do
que aqui”. Você tem negros do campo na América hoje em dia. Eu
sou um negro do campo. As massas são os negros do campo. Quando
eles veem a casa desse homem em chamas você não ouve esses negros
falando como “nosso governo está em apuros”. Eles dizem “O governo
está em apuros”. Imagine um preto: “Nosso governo!”, ouvi até um
dizendo uma vez “nossos astronautas”. Eles mal o deixam chegar perto
da instalação... e dos “nossos astronautas!”. “Nossa Marinha” ... esse é
um negro que está louco. Esse é um negro que está louco.
Assim como o senhor de escravos da época usava Tom, o crioulo
doméstico, para manter os negros do campo sob controle, o mesmo
velho senhor de escravos hoje tem negros que não são nada além do
que tios Tom modernos, os tios Tom do século 20, para manter você
e eu sob controle, nos manter sob controle, nos manter passivos e
pacíficos e não-violentos. Isso é o Tom fazendo com que você seja
não-violento. É como quando você vai ao dentista e o homem vai tirar
seu dente. Você vai lutar com ele quando ele começar a puxar. Então,
14 • Por todos os meios necessários
tégia que era usada naquela época é usada hoje, pelo mesmo homem
branco. Ele pega um negro, um dito negro, e o torna proeminente,
constrói esse negro, lhe publicidade, faz dele uma celebridade. E então
ele se torna um porta-voz dos negros – e um líder negro.
Gostaria de mencionar só mais uma coisa rapidamente, e é que
esse é o método que o homem branco usa, como o homem branco
usa esse “armamento pesado”, ou líderes negros, contra a revolução
negra. Eles não são parte da revolução negra. Eles são usados contra a
revolução negra.
Quando Martin Luther King falhou em desagregar Albany, Geór-
gia, a luta pelos direitos civis na América atingiu seu ponto mais baixo.
King quase foi à falência como líder. Além disso, mesmo financeira-
mente, a Conferência de Liderança Cristã do Sul estava com proble-
mas financeiros; além do mais, estava numa enrascada com o povo
quando eles não conseguiram dessegregar Albany, Geórgia. Outros
líderes negros dos direitos civis da chamada estatura nacional torna-
ram-se ídolos caídos. À medida que se tornaram figuras desacreditas,
começaram a perder prestígio e influência, e então, os líderes negros
locais começaram a agitar as massas. Em Cambridge, Maryland, Glo-
ria, Richardson em Danville, Virginia, e outras partes do país, os lí-
deres locais começaram a agitar nosso povo nas bases. Isso nunca foi
feito por esses outros negros que vocês tão bem reconhecem, que são
grandes nacionalmente. Eles controlavam vocês, mas nunca os incita-
ram ou estimularam. Eles controlavam vocês; eles contiveram vocês;
eles mantiveram vocês na plantação.
Assim que King fracassou em Birmingham, os negros foram para
as ruas. King saiu e foi para a Califórnia para um grande comício e
arrecadou cerca de – não sei quantos milhares de dólares. Ele veio a
Detroit e fez uma marcha e levantou mais alguns milhares de dólares.
E lembrem-se, logo depois que Wilkins atacou King, acusou King
e acusou o CORE9 de criarem problemas em todos os lugares, e de
então obrigar à NAACP10 a tirá-los da cadeia e gastar muito dinheiro;
9 Congress of Racial Equality, ou “Congresso de Igualdade Racial”. Criado em 1942
por um grupo de Chicago, utilizavam-se da ação direta e não violenta dentro da
luta pelos direitos civis nos EUA.
10 “National Association for the Advencement of Colored People”, ou Associação
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me, mal vai perceber que tinha café. Era quente, tornou-se morno.
Era forte, tornou-se fraco. Costumava te acordar, agora vai te colocar
para dormir. Foi isso que fizeram com a marcha sobre Washington.
Juntaram-se a ela. Eles não se integraram a ela, eles se infiltraram. Eles
se juntaram a ela, tornaram-se parte dela, tomaram controle. E assim
que passaram a controla-la, ela perdeu sua militância. Deixaram a rai-
va de lado. Pararam de ser quente. Deixaram a inflexibilidade de lado.
Aliás, deixou de ser uma marcha. Aquilo se tornou um piquenique,
um circo. Nada além de um circo, com palhaços e tudo mais. Vocês
tinham uma bem aqui em Detroit – eu vi na televisão – com palhaços
liderando, palhaços brancos e palhaços pretos. Sei que vocês não estão
gostando do que estou dizendo, mas vou dizer mesmo assim. Porque
posso provar o que estou dizendo. Se acham que estou enganando
vocês, então me tragam Martin Luther King e A. Pilhip Randolph e
James Farmer e aqueles outros três, e vamos ver se eles vão negar tudo
diante do microfone.
Não, aquilo foi traição. Foi uma expropriação. Quando James Bal-
dwin17 veio de Paris, não o deixaram falar porque não conseguiram
fazê-lo seguir o roteiro. Burt Lancaster18 leu o discurso que Baldwin
deveria fazer; e eles não deixariam Baldwin subir lá porque sabiam que
ele podia dizer qualquer coisa. Eles controlavam com tanta força – di-
ziam àqueles negros a que horas chegar à cidade, como chegar, onde
parar, que placas carregar, que música cantar, que discurso eles podiam
fazer e que discursos não podiam; e disseram para que saíssem da ci-
dade ao pôr-do-sol. E cada um daqueles Toms estava fora da cidade
ao pôr do sol. Veja, sei que vocês não gostam que eu diga isso. Mas eu
posso provar. Foi um circo, uma apresentação que superou qualquer
coisa que Hollywood pudesse fazer, a apresentação do ano. Reuther19
17 James Baldwin foi o escritor, dramaturgo, ensaísta, poeta e ativista negro responsá-
vel por algumas das maiores e mais importantes obras e principais debates raciais
do final do século passado. Dentre seus livros mais famosos que foram traduzidos
no Brasil estão Terra Estranha, O Quarto de Giovanni, Marcas da Vida, Notas de
um Filho Nativo, e Se a rua Beale Falasse.
18 Burton Lancaster foi um ator e produtor de cinema branco que recebeu o Oscar
de melhor protagonista por Entre Deus e o pecado, de 1960.
19 Walter Reuther foi um renomado líder sindicalista e ativista pelos direitos civis.
Socialista até o início dos anos 30, Walter tornou-se liberal, e na década de 1940
tornou-se apoiador ferrenho da guerra do Vietnã, além de notório anticomunista.
20 • Por todos os meios necessários
A REVOLUÇÃO NEGRA
20 Elijah Muhammad foi o líder religioso que liderou a Nação do Islã de 1943 até
sua morte, em 1975. A Nação do Islã foi o movimento político e religioso fundado
em Detroit em 1930 por Wallace Fard Muhammad com a intenção de melhorar as
condições da vida dos afro-americanos.
22 • Por todos os meios necessários
Amados irmãos e irmãs, aqui, uma bela igreja, aqui na Igreja Batista
Abissínia no Harlem, por causa das más ações da América contra os as-
sim chamados negros, como o Egito e a Babilônia antes dela, a própria
América agora está diante do tribunal da justiça. A própria América
agora está enfrentando o dia do julgamento, e ela não pode escapar
porque o próprio Deus é o juiz. Se a América não pode expiar os crimes
que cometeu contra os vinte milhões dos assim chamados negros, se
ela não pode desfazer os males que descarregou brutal e impiedosa-
mente sobre nosso povo nos últimos quatrocentos anos, o honorável
Elijah Muhammad diz que a América assinou sua própria condenação.
E vocês, nosso povo, seriam tolos em aceitar suas ofertas enganosas de
integração nesta data tardia em sua sociedade condenada.
A América pode escapar? A América pode expiar? E se sim, como
ela pode expiar esses crimes? Em minha conclusão, devo apontar que
o honorável Elijah Muhammad diz que um teatro não segregado, uma
lanchonete dessegregada não resolverá nosso problema. Melhores em-
pregos não resolverão nossos problemas. Uma xícara de café integrada
não é pagamento suficiente por quatrocentos anos de trabalho escra-
vo. Ele também diz que um emprego melhor, um emprego melhor
na fábrica do homem branco, ou um emprego melhor no negócio do
homem branco, ou um emprego melhor na indústria ou na economia
do homem branco é, na melhor das hipóteses, apenas uma solução
temporária. Ele diz que a única solução duradoura e permanente é a
separação completa em alguma terra que possamos chamar de nos-
sa. Portanto, o honorável Elijah Muhammad diz que este problema
pode ser resolvido, e resolvido para sempre, apenas enviando nosso
povo de volta para nossa própria pátria ou de volta para nosso próprio
povo, mas que este governo deve fornecer o transporte e tudo mais
que precisarmos para começar novamente em nosso próprio país. Este
governo deve nos dar tudo de que precisarmos na forma de maqui-
nário, material e finanças, o suficiente para durar de vinte a vinte e
cinco anos até que possamos nos tornar um povo independente e uma
nação independente em nossa própria terra. Ele diz que se o governo
americano tem medo de nos mandar de volta ao nosso país e ao nosso
próprio povo, então a América deveria reservar algum território se-
parado bem aqui no hemisfério ocidental onde as duas raças possam
Discursos escolhidos de Malcolm-X • 27
viver separadas uma da outra, já que nós certamente não vivemos pa-
cificamente enquanto estamos juntos.
O honorável Elijah Muhammad diz que o tamanho do território
pode ser julgado de acordo com a nossa população. Se um sétimo da
população deste país é negro, dê-nos um sétimo do território, uma
sétima parte do condado. E isso não é pedir muito porque já trabalha-
mos para o homem branco por quatrocentos anos.
Ele diz que não deve ser no deserto, mas onde há muita chuva
e muitas riquezas minerais. Queremos terras férteis e produtivas nas
quais possamos cultivar e fornecer alimentos, roupas e abrigo para
nosso próprio povo. Ele diz que esse governo deve nos fornecer, na-
quele território, o maquinário e outras ferramentas necessárias para
cavar a terra. Dê-nos tudo de que precisarmos por vinte a vinte e cinco
anos, até que possamos produzir e suprir nossas próprias necessidades.
Para concluir, repito: não queremos participar da integração com
esta raça perversa de demônios. Mas ele também diz que não deve-
mos deixar a América de mãos vazias. Depois de quatrocentos anos de
trabalho escravo, temos alguns pagamentos atrasados chegando. Uma
fatura que nos é devida e deve ser cobrada. Se o governo da América
realmente se arrepender de seus pecados contra nosso povo e expiar,
dando-nos nossa verdadeira parte da terra e da riqueza, então a Amé-
rica poderá se salvar. Mas se a América esperar que Deus intervenha
e a force a fazer um acordo justo, Deus tirará todo este continente
do homem branco. E a Bíblia diz que Deus pode então dar o reino a
quem ele quiser.
Muito obrigado.
Discursos escolhidos de Malcolm-X • 29
Ela ficou quieta por um tempo. Por cerca de dez minutos ela ficou
quieta. Ela não tinha ficado quieta até então, sabe. E então, finalmen-
te, ela se virou e disse: “Bem, qual é o seu primeiro nome?”
Eu disse: “Malcolm”.
Ela ficou quieta por mais dez minutos. Então ela se virou e disse:
“Bem, você não é Malcolm X?”
Mas a razão pela qual ela fez essa pergunta foi porque tinha obtido
da imprensa, e de coisas que ela tinha ouvido e lido, ela estava procu-
rando por algo diferente, ou por alguém diferente.
O motivo pelo qual levo tempo para lhes dizer isso é que uma das
primeiras coisas que acho que os jovens, especialmente hoje em dia,
devem aprender a fazerem é verem por si mesmos, ouvirem por si
mesmos e pensarem por si mesmos. Então vocês podem tomar uma
decisão inteligente por si mesmos. Mas se vocês criarem o hábito de
seguirem o que ouvem os outros dizerem sobre alguém, ou seguirem
o que os outros pensam sobre alguém, em vez de ir e procurar aquilo
por si mesmos e verem por si mesmos, vocês estarão caminhando para
o oeste quando pensarem que estão indo para o leste e estarão cami-
nhando para o leste quando pensarem que estão indo para o oeste.
Portanto, esta geração, especialmente de nosso povo, tem um grande
peso sobre si mesma, mais do que em qualquer outro momento da
história. A coisa mais importante que podemos aprender a fazer hoje
é pensar por nós mesmos.
É bom manter os ouvidos bem abertos e ouvir o que todo mundo
tem a dizer, mas quando vocês tomarem uma decisão, vocês tem que
pesar tudo o que ouviram por conta própria e colocarem em seus de-
vidos lugares, e então, tomar uma decisão por si mesmos. Vocês nunca
vão se arrepender. Mas se vocês criarem o hábito de aceitar o que outra
pessoa diz sobre uma coisa sem verificar por si mesmos, vocês desco-
brirão que outras pessoas farão com que vocês odeiem seus próprios
amigos e amem seus inimigos. Essa é uma das coisas que nosso povo
está começando a aprender hoje – que é muito importante pensar em
uma situação sozinho. Se vocês não fizerem isso, então vocês sempre
serão levados a realmente – vocês nunca lutarão contra seus inimigos,
mas se verão lutando contra si mesmos.
Discursos escolhidos de Malcolm-X • 31
Acho que nosso povo neste país é o melhor exemplo disso. Porque
muitos de nós queremos ser não-violentos. Nós falamos muito alto,
sabe, sobre não sermos violento. Aqui no Harlem, onde provavelmente
há mais negros concentrados do que em qualquer outro lugar do mun-
do, alguns falam aquela linguagem não violenta também. E quando
eles param de falar sobre o quão não-violentos são, descobrimos que
eles não são violentos um com o outro. No Hospital Harlem, você
pode sair na sexta à noite, que – hoje é o quê, sexta? – sim, você pode
ir aqui para o Hospital Harlem, onde há mais pacientes negros em
um hospital do que em qualquer hospital do mundo, porque há uma
concentração de nosso povo aqui, e encontrar negros que afirmam não
serem violentos. Mas você os vê entrando lá, todos cortados, cheios de
tiros e ferrados por terem se tornado violentos uns com os outros.
Então, minha experiência tem sido que em muitos casos em que
você encontra negros sempre falando sobre não serem violentos, eles
não são não-violentos um com o outro e não se amam, não são pacien-
tes ou perdoam um ao outro. Normalmente, quando dizem que não
são violentos, querem dizer que não são violentos com outra pessoa.
Acho que vocês entendem o que quero dizer. Eles não são violentos
com o inimigo. Uma pessoa pode ir à sua casa e, se ela for branca
e quiser agir brutalmente com você, então você não é violento. Ou
ele pode vir colocar uma corda em volta do seu pescoço, você não é
violento. Ou ele pode vir buscar seu pai e colocar uma corda em seu
pescoço, você não é violento. Mas agora se outro negro apenas bater
o pé, você vai trocar socos com ele bem rápido. O que mostra que há
uma inconsistência aí.
Veja, eu mesmo optaria pela não violência se fosse consistente, se
fosse inteligente, se todos fossem não-violentos e se fôssemos não-vio-
lentos o tempo todo. Eu diria, okay, vamos em frente, seremos todos
não-violentos. Mas eu não concordo – e estou apenas dizendo a vocês
como penso – eu não concordo com qualquer tipo de não violência,
a não ser que todos sejam não-violentos. Se eles tornarem a Ku Klux
Klan não violenta, eu serei não-violento. Se eles tornarem o Conselho
de Cidadãos Brancos21 não-violento, eu serei não-violento. Mas des-
de que você tenha alguém que não seja não-violento, não quero que
ninguém venha até mim com qualquer tipo de papinho não-violento.
Não acho que seja justo dizer ao nosso povo para ser não-violento, a
menos que alguém esteja por aí fazendo com que a Klan e o Conselho
de Cidadãos e esses outros grupos também sejam não-violentos.
Mas assim, não estou criticando aqueles aqui que não são violen-
tos. Acho que todos deveriam fazer da maneira que acharem melhor,
e parabenizo qualquer um que puder ser não-violento diante de todo
tipo de ação sobre a qual li enquanto estive naquela parte do mundo.
Mas não creio que em 1965 você encontrará a próxima geração de
nosso povo, especialmente aqueles que têm pensado um pouco, que
aceitará qualquer forma de não violência, a menos que a não violência
seja praticada por todo o lado.
Se os líderes do movimento não-violento podem entrar na comu-
nidade branca e ensinar a não violência, ótimo. Eu concordaria com
isso. Mas enquanto os vejo ensinando não violência apenas na comu-
nidade negra, então não podemos concordar com isso. Acreditamos
na igualdade, e igualdade significa que você tem que colocar aqui a
mesma coisa que colocou lá. E se apenas os negros serão os não-violen-
tos, então não é justo. Nós nos jogamos desprevenidos. Na verdade,
nós nos desarmamos e nos tornamos indefesos.
Veja, para tentar fazer com que você compreenda melhor a nossa
própria posição, acho que você precisa saber algumas coisas sobre o
movimento muçulmano negro, que deveria ser um movimento reli-
gioso neste país, que era extremamente militante, vocalmente militan-
te ou militante vocal. O movimento negro muçulmano era conside-
rado um grupo religioso. E porque havia a intenção de ser um grupo
religioso, nunca se envolveu em questões cívicas – assim disse. E por
não se envolver em questões cívicas, e realmente nunca se envolveu,
sendo militante, atraiu os negros ou afro-americanos mais militantes
deste país. O movimento muçulmano negro atraiu os negros mais
insatisfeitos, impacientes e militantes deste país.
centradas no sul dos EUA. Depois de 1956 o nome passou a ser Citizen’s Councils
of America, ou Concelho dos Cidadãos da América.
Discursos escolhidos de Malcolm-X • 33
gressistas e senadores vinham, não podia votar. Eles (os negros) não
tinham direito de voto.
Então, quando vimos que estávamos enfrentando uma batalha de-
sesperada internamente, vimos a necessidade de conseguir aliados em
nível mundial ou do exterior, de todo o mundo. E então, imediatamen-
te percebemos que, enquanto a luta fosse uma luta pelos direitos civis
e estivesse sob a jurisdição dos Estados Unidos, não teríamos aliados
reais ou apoio real. Decidimos que a única maneira de fazer o problema
atingir o grau em que pudéssemos obter apoio mundial seria retirá-lo
do rótulo de direitos civis e colocá-lo no rótulo de direitos humanos.
Não é por acaso que a luta do homem negro neste país nos últimos
dez ou quinze anos foi chamada de luta pelos direitos civis. Porque
enquanto você está lutando pelos direitos civis, o que você está fazen-
do é pedir a esses segregacionistas racistas que controlam Washington,
DC – e eles controlam Washington, DC, eles controlam o governo
federal por meio desses comitês – contanto que isso seja uma luta pe-
los direitos civis, você está perguntando em um nível onde o seu dito
benfeitor é, na verdade, alguém da pior parte deste país. Você só pode
ir em frente na medida em que eles permitirem.
Mas quando você se envolve em uma luta pelos direitos humanos,
isso está completamente fora da jurisdição do governo dos Estados
Unidos. Você leva isso para as Nações Unidas. E qualquer problema
que seja levado às Nações Unidas, os Estados Unidos não têm nenhu-
ma palavra a dizer sobre isso. Porque na ONU ela só tem um voto,
e na ONU o maior bloco de votos é africano, o continente africano
tem o maior bloco de votos de qualquer continente do planeta. E o
continente africano, juntamente com o bloco asiático e o bloco árabe,
compreende mais de dois terços das forças da ONU, e são as nações
sombrias. Esse é o único tribunal ao qual você pode ir hoje e ter seu
próprio povo, as pessoas que se parecem com você, do seu lado – as
Nações Unidas.
Isso poderia ter sido feito quinze anos atrás. Isso poderia ter sido
feito dezenove anos atrás. Mas eles nos enganaram. Eles contataram
nossos líderes e os usaram para nos conduzir de volta aos tribunais,
sabendo que eles controlam seus tribunais. Assim, os líderes parecem
Discursos escolhidos de Malcolm-X • 39
estar nos liderando contra um inimigo, mas quando você analisa a luta
em que estivemos envolvidos nos últimos quinze anos, o bem ou o
progresso que fizemos é realmente vergonhoso. Devemos ter vergonha
até de usar a palavra “progresso” no contexto de nossa luta.
Então, houve um movimento, – e eu concluirei em breve – houve
um movimento para manter o negro pensando que neste país ele esta-
va fazendo progressos no campo dos direitos civis, apenas com o pro-
pósito de distraí-lo e não o deixando saber que se ele se familiarizasse
com a estrutura das Nações Unidas e a política das Nações Unidas, o
objetivo e o propósito das Nações Unidas, ele poderia elevar seu pro-
blema a esse organismo mundial. E ele teria o porrete mais forte do
mundo para usar contra os racistas no Mississippi.
Mas um dos argumentos contra que eu você e eu façamos isso
sempre foi que nosso imbróglio sempre foi um problema doméstico
dos Estados Unidos. E, como tal, não devemos pensar em colocá-lo
em um nível em que outra pessoa possa vir e bagunçar os assuntos
internos dos Estados Unidos. Mas você está dando uma chance ao
Tio Sam. Tio Sam está com as mãos no Congo, em Cuba, na América
do Sul, em Saigon. Tio Sam tem as mãos ensanguentadas em todos
os continentes e nos negócios de todos os outros nesta Terra. Mas, ao
mesmo tempo, quando se trata de tomar medidas enérgicas neste país
no que diz respeito aos nossos direitos, ele sempre dirá a você e a mim:
“Bem, esses são direitos dos Estados”. Ou ele vai tirar um álibi da car-
tola, um álibi que não é genuíno – não por ser um álibi, mas para jus-
tificar sua inatividade no que diz respeito aos seus e aos meus direitos.
Tivemos sucesso quando percebemos que tínhamos de levar isso às
Nações Unidas. Sabíamos que tínhamos de obter apoio, tínhamos de
obter apoio mundial e que a parte mais lógica do mundo em que de-
veríamos buscar apoio seria entre pessoas que se parecem exatamente
como vocês e eu.
Tive a sorte de poder fazer um tour pelo continente africano du-
rante o verão – o Oriente Médio e a África. Fui ao Egito, depois à Ará-
bia, Kuwait, Líbano e depois ao Sudão, Etiópia, Quênia, Tanganica,
Zanzibar, Nigéria, Gana, Guiné, Libéria e Argélia. Descobri enquanto
estava viajando pelo continente africano – e já havia percebido isso em
40 • Por todos os meios necessários
sujeito entende bem o que vocês querem dizer. Essa é a única vez que
ele entende. Vocês não podem falar de paz com uma pessoa que não
sabe o que paz significa. Vocês não podem falar sobre amor com uma
pessoa que não sabe o que o amor significa. E vocês não podem discu-
tir a respeito de qualquer meio não-violento com uma pessoa que não
acredita na não violência. Ora, vocês estão perdendo tempo.
Então, acho que em 1965 – quer você goste, ou eu goste, ou nós
gostemos, ou eles gostem, ou não – vocês podem perceber que há uma
geração de negros nascidos neste país que amadureceu ao ponto de
sentirem que não devem atender aos pedidos de agirem pacificamente
em relação às outras pessoas, a não ser que todo mundo adote uma
postura pacífica.
Então, nós, aqui na Organização da Unidade Afro-Americana, es-
tamos mil por cento com a luta no Mississipi. Estamos juntos dos
esforços para registrar nosso povo no Mississippi para que votemos
mil por cento. Mas não estamos no mesmo barco com ninguém que
nos diga para ajudar de maneira não-violência. Cremos que se o go-
verno diz que os pretos têm o direito de votar, e então, quando os
pretos saem para votar, algum grupo como a Ku Klux Klan aparece
para jogá-los no rio, e o governo não faz nada a respeito, é hora de nos
organizarmos e nos unirmos e nos equiparmos e nos qualificarmos
para nos proteger. E uma vez que você é capaz de se proteger, você não
precisa se preocupar em ser ferido. É isso.