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Não chama o homem colonizado para a via de Deus mas para a via do Branco, a via do patrão,
a via do opressor. E como sabemos, neste negócio são muitos os chamados e poucos os
escolhidos
“, Por vezes êste maniqueísmo vai até ao fim de sua lógica e desumaniza o colonizado. A rigor,
animaliza-o. E, de fato, a. linguagem do colono, quando fala do colonizado, é uma linguagem
zoológica. Faz alusão aos movimentos répteis do a:ma~ relo, às emanações da cidade indígena,
às hordas, ao fedor, à população, ao bulício, à gesticulação. O colono, quando quer descrever
bem e encontrar a palavra exata, recorre constantemente ao bestiário.
Quando o colonizado passa a pensar em suas amarras, a inquietar o colono, enviam~lhe_boas #intern
almas que, nos "Congres~ sos de: cultura", lhe expõem a especificidade, as riquezas dos a
valôres ocidentais. Mas tôdas as vêzes que se trata de valô~ res ocidentais produz~se, no
colonizado, uma espécie de re~ tesamento, de tetania muscular. No período da desco~
lonização apela~se para a razão dos colonizados. Propõem~lhes valôres seguros, explicam~lhes
abundantemente que a desco~ lonizaç,ão não deve significar regressão, que: é preciso
apoiar~se em valôres experimentados, sólidos, citados. Ora, acontece que quando ouve um
discurso sôbre a cultura oci~ dental, o colonizado saca da faca de mato ou pelo menos se
certifica de que a tem ao alcance da mão. A violência com que se afir,mou a supremacia dos
valôres brancos, a agressi~ vida de que impregnou o confronto vitorioso dêsses valôres com os
modos de: vida ou de pensamento dos .colonizados fazem com que, por uma justa reviravolta
das coisas, o CQJo~ nizado .t:ia com escárnio ante a evocação de tais valôres. No contexto
colonial, o _colono só dá por findo seu trabalho de desancamento do colonizado quando êste
último reconhece em voz alta e inteligível a supremacia dos valôres brancos. No período de
descolonização a massa .colonizada zomba dêsses mesmos valôres, insulta~os, vomita~os.
O que o colonizado viu em seu solo é que podiam im~ punemente prendê~lo, espancá~lo,
matá~lo à fome; e nenhum professor de moral, nenhum cura, jamais veio receber as pan~
cadas em seu .lugar nem partilhar com êle o seu pão. Para o colonizado, ser moralista é, de
modo bem concreto, impor si~ lênci~ à soberba do colono, despedaça~lhe a violência osten~
tosa, numa palavra: expulsá~lo francamente do panorama.
Então o colonizado descobre que sua vida, sua respiração, as pulsações de seu coração são as
mesmas do colono. Descobre que uma pele de colono não vale mais do que uma pele de
indígena. Essa descoberta introduz um abalo essencial no mundo. Dela decorre toda a nova e
revolucionária segurança do colonizado. Se, com efeito, minha vida tem o mesmo peso que a
do colono, seu olhar não me fulmina, não me imobiliza mais, sua voz já não me petrifica. Não
me perturbo mais em sua presença. Na verdade, eu o contrario. Não somente sua presença
deixa de me intimidar como também já estou pronto para lhe preparar tais emboscadas que
dentro de pouco tempo não lhe restará outra saída senão a fuga.
De certo tempo para ca fala-se muito em autocrítica, mas será que se sabe que ela é, antes de
tudo, uma instituição africana? Seja nas djemaas da Africa do Norte ou nas reuniões da Africa
ocidental, manda a tradição que os conflitos surgidos numa aldeia sejam debatidos em
público. Autocrítica em comum, é certo, mas com uma nota de humor porque todo mundo
está à vontade, porque em ultima analise todos queremos as mesmas coisas. O cálculo, os
silêncios insólitos, as segundas intenções, o espirito subterrâneo, o segredo, tudo isso o
intelectual vai abandonando à medida que imerge no povo. E é verdade que se pode dizer
então que a comunidade triunfa já neste nível, que ela segrega sua própria luz, sua própria
razão.
Mas 0' felá, o desempregado, o faminto, não se gaba de ter a verdade. Não diz que é a #intern
verdade, porque: o é em seu próprio ser. a
Não é que o povo seja refratário à análise. Gosta de receber explicações, gosta de
compreender as articulações de um argumento, gosta de ver para onde vai. Mas o intelectual
colonizado, no início de sua coabitação com o povo, privilegia o detalhe e chega a esquecer a
derrota do colonialismo, o objeto mesmo da luta.
O colono faz a história e sabe que a faz. A história que escreve não é portanto a história da
região por ele saqueada, mas a história de sua nação no território explorado violado e
esfaimado. A imobilidade a que está condenado o colonizado só pode ter fim se o colonizado
se dispuser a por termo à historia da colonização, à historia da pilhagem, para criar a história
da nação, a história da descolonização.
https://www.youtube.com/watch?v=nzH-vm-MO38