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AVALIAÇÃO

DISCIPLINA: ANÁLISE DAS RELAÇÕES SUL-SUL

6. Conte a trajetória de Frantz Fanon e quais as principais contribuições


apontadas por Jean Paul Sartre no prefácio da obra “Os condenados da Terra”?

Frantz Fanon foi um médico do Exército Francês nascido em Martinica, que faz
parte das Pequenas Antilhas, no Caribe, e da região ultramarina da França. Nasceu
em 20 de julho de 1925. Alistou-se no exército francês, em 44, em detrimento da
Segunda Guerra Mundial. Em seguida, foi estudar medicina em Lyon, onde também
cursou psiquiatria. Sua tese de doutorado, em 1950, foi sobre o impacto do racismo
colonial na condição psíquica dos colonizados.
Isso levou, a partir de sua de sua vivência, experiências e estudos, que ele
abordasse profundamente questões sobre a colonização e a descolonização e toda a
violência envolta a isso. Com isso contribuiu enormemente ao pensamento terceiro-
mundista, assim como para incentivar teorias anti-coloniais, sendo um participante
reconhecido na guerra de independência da Argélia com sua militância pelo partido
socialista Frente de Libertação Nacional.
Na obra “Os Condenados da Terra”, além de abordar os fatos históricos, Fanon
também trata sobre os sujeitos, os indivíduos colonizados, que são transformados,
re-humanizados, pelas lutas associadas à descolonização e à libertação nacional. A
colonização, que trazia consigo a própria desumanização dos sujeitos, era um ponto
de encontro entre diversos povos, considerados do Terceiro Mundo. Domenico
Losurdo (2012), sobre esse aspecto, lembra em sua obra “A não violência - uma
história fora do mito”, que, no final do século XIX, tanto um negro no sul dos EUA
quanto um chinês em Xangai eram proibidos pelas leis coloniais a frenquentarem
determinados espaços, tais quais alguns animais, o que evidencia qual era o lugar
desses povos nas sociedades coloniais.
Fanon faz ainda a crítica aos intelectuais colonizados que não combatem a
violência do colonizador em suas próprias reflexões, partindo de valores advindos de
uma realidade para eles não condizente, uma realidade que oprime. Fanon dá voz e
busca condições de luta do oprimido-colonizado que precisa se organizar com
discursos e práticas revolucionárias, que combatam até suas próprias violências, as
quais têm naturalmente introjetadas em si, para alcançar a libertação. Cabe ressaltar
o seguinte trecho que retrata sua obra:

VAMOS, CAMARADAS, é melhor que mudemos de procedimento


desde já. A grande noite em que estivemos mergulhados, cumpre que
a abalemos e nos livremos dela. O dia nôvo que já desponta deve
encontrar-nos firmes, avisados e resolutos. [...] Deixemos essa
Europa que não cessa de falar do homem enquanto o massacra por
tôda a parte onde o encontra, em tôdas as esquinas de suas próprias
ruas, em tôdas as esquinas do mundo (FANON, 1961, p. 271).

Com essa mesma pegada, um outro caribenho, de Cuba, Felix García, sobre
a necessidade de um processo de descolonização do próprio pensamento dos povos
oprimidos, outrora escreveu:

Cuando Próspero le dio su lengua al esclavo Calibán -según la pieza


teatral La tempestad, de William Shakespeare-, le otorgó la
oportunidad de pensar y de filosofar. Su dádiva representó la génesis
del pensar y de la filosofía en la isla de Sycorax. Desde entonces,
Calibán no solo aprendió hasta un punto y no más, se reprodujo y
mimetizó, sino que se habilitó para rebelarse y maldecir, para disentir
de lo establecido y subvertir la lógica impuesta por el amo, así como
sus conceptos. Caliban acarrearía la leña, pero también pensaría
sobre su "cosmos" aprendiendo "una historia desconocida", con
"intenciones futuras” como dijera el escritor barbadense George
Lamming. El dueño de la isla encontrado por Próspero se convirtió en
símbolo de los pueblos del Caribe, afirmara Roberto Fernández
Retamar, y tanto la lengua como la capacidad de pensar le han
permitido revelarse contra el amo y maldecirle con "la plaga roja”
(GARCÍA, 2017, p. 9-10).

Tal como García descrevia o escravo Calibã, apresentava-se Fanon, e muitos


outros intelectuais do chamado Terceiro Mundo, em relação à realidade de suas
sociedades. Desse modo, buscou ser uma voz que possibilitasse aos povos
explorados e oprimidos a “rebelarse y maldecir, para disentir de lo establecido y
subvertir la lógica impuesta por el amo, así como sus conceptos”.
Jean-Paul Sartre, que prefaciou os “Condenados”, é muito meticuloso em
abordar as questões levantadas na obra do caribenho. Coloca-se no lugar de francês
e europeu e não tenta distanciar-se da sua condição de sujeito de um país
responsável pelos crimes coloniais descritos por Fanon. Abusa da primeira pessoa
do plural para apontar as críticas apresentadas na obra do médico argelino.
No seu prefácio prefácio da obra “Condenados da Terra”, Sartre considera que
a violência defendida por Fanon não é só permissível, senão necessária como um
processo de libertação radical dos povos coloniais: uma violência que pudesse ser
libertadora. Em suas palavras:

Nenhuma suavidade apagará as marcas da violência, só a violência é


que pode destruí-las. E o colonizado se cura da neurose colonial
passando o colono pelas armas. (...) No primeiro tempo da revolta é
preciso matar, abater um europeu é matar dois coelhos de uma
cajadada só, é suprimir ao mesmo tempo um opressor e um oprimido:
restam um homem morto e um homem livre. (SARTRE, 1961, p. 14).

Desse modo, a via da libertação do Terceiro Mundo era justamente a violência


justa, o contra-ataque à violência a qual estava submetido naquela época boa parte
do mundo, de modo que ela tornasse universal a contra-ofensiva à tentativa de
universalização do ocidente e seus intentos imperialistas. Era “filho da violência, [que]
extrai dela a cada instante a sua humanidade”. E isso se daria, especialmente, devido
que “o Terceiro Mundo se descobre e se exprime por meio desta voz” de modo que o
“colono só tem um recurso: a força, quando esta ainda lhe sobra; o indígena só tem
uma alternativa: a servidão ou a soberania” (SARTE, 1967 ,p. 6-7). Assim,

Quando sua raiva explode, ele reencontra sua transparência perdida


e se conhece na medida mesma em que se faz; de longe
consideramos a guerra como o triunfo da barbárie; mas ela procede
por si mesma à emancipação progressiva do combatente, liquidando
nêle e fora dele, gradualmente, as trevas coloniais. (SARTRE, 1967,
p. 14).

Isso traduz algo importante sobre os aportes de Fanon, o de que não existe
uma verdadeira soberania sob o regime colonialista de nenhuma forma. Por isso, a
defesa de uma revolução anti-colonial, que vencesse o complexo de submetimento
cultural e que abrisse caminho para a tomada de poder pelos povos colonizados,
afinal fora do poder, tudo é ilusão.
8. Quais as principais críticas que Israel Roberto Barnabé faz aos estudos das
Relações Internacionais e como elas estão relacionadas a “Escola da
Autonomia” na América Latina?

Barnabé (2009) expõe o panorama das principais correntes das Teorias das
Relações Internacionais e define como o conhecimento científico a partir delas está
relacionado às percepções e limitações que cada teoria tem em si para compreender
a realidade internacional. As teorias advindas da percepção dos países centrais
dominam as produções teóricas sobre o internacional, enquanto que teorias da
periferia surgem questionando se as teorias predominantes conseguem abarcar a
análise da realidade de todos os países. É a partir dessa crítica que se deve
considerar se o pensamento sobre as relações internacionais conseguem perceber a
realidade de forma ampla, e se as teorias conseguem acompanhar as aceleradas
transformações do mundo contemporâneo. As teorias desenvolvidas na periferia,
ainda mais da América Latina muitas vezes sofrem barreiras criadas pelas teorias
predominantes, mas elas vêm buscar resolver indagações que as teorias
predominantes muitas vezes não conseguem abarcar.
Nas Relações Internacionais, destacam-se, predominantemente, teorias
desenvolvidas nos países centrais como o Realismo e o Idealismo, que possuem um
amplo debate envolvendo questões de guerra e paz; e mais recentemente a Teoria
da Interdependência, tendo como foco a cooperação o surgimento das Organizações
Internacionais. Assim como a perspectiva da periferia, através da Teoria da
Dependência. Essas duas últimas se desenvolvem no debate sobre desigualdade,
assimetrias e injustiças que ocorrem no cenário internacional.
Para os estudos internacionalistas, a partir do século XX, percebe-se uma
melhor arquitetura da Sociedade Internacional, para assim desenvolver as teorias de
Relações Internacionais, pois a análise do internacional deve ser amplamente
compreendida e estruturada. Atualmente, o estudo das realidades contemporâneas,
de intensas transformações e com a identificação dos mais diversos fenômenos para
os países, e entre os países, demonstram a alta complexidade de análise e reflexão
dos fatos que envolvem as dinâmicas internacionais para compreender o presente e
traçar o “incerto” futuro.
Barnabé ressalta que as teorias trazem consigo os moldes do pensamento e
valores locais e de sua época, o que influencia na reflexão e compreensão. As teorias
podem se tornar não totalmente abrangentes dada a dificuldade de alcançar a
neutralidade ou a imparcialidade já que não se desvinculam das percepções e
interesses de quem as elabora (visão dos(as) teóricas(os)). Essa condição é
importante pois diversas teorias que partem do pensamento que é desenvolvido na
periferia visam questionar de forma contundente a visão dos países centrais sobre o
cenário internacional, diante das assimetrias e relacionamentos que existem a partir
de um ponto de vista nas relações entre bloco Norte-Sul, Leste-Oeste.
Vale-se aqui pensar a Teoria da Dependência pela sua origem latino-
americana e dada sua importância para as Relações Internacionais. A teoria
dependentista busca trazer reflexões diante das transformações da Guerra Fria para
a contemporaneidade, para as assimetrias causadas no sistema internacional através
da relação entre países pela condição centro e periferia, para pensar também
elementos conceituais como desenvolvimento, subdesenvolvimento, exploração e
desigualdade, arquitetados através do Estruturalismo da CEPAL.
Barnabé destaca a importância da Teoria da Dependência para pensar sobre
a periferia, mas com as cada vez mais constantes transformações mundiais (Queda
do Muro de Berlim, expansão do capitalismo, avanços tecnológicos) faz-se necessário
avaliar a abrangência da teoria para os dias atuais. Essa situação e a força da
globalização traz ao centro das atenções a Teoria da Interdependência, que mostra a
necessidade da cooperação entre os países para resolver assimetrias, com a
formação de Organizações Internacionais, ou seja, o surgimento de novos atores e
blocos regionais que atendam as demandas estatais e sociais.
Pensando as teorias desenvolvidas no sul global, também vale dar destaque à
pouco conhecida Escola da Autonomia, oriunda da América do Sul através das
contribuições fundantes do argentino Puig e do brasileiro Jaguaribe, que trabalham o
conceito de autonomia. Junto à Teoria da Dependência, essas duas vertentes de
pensamento de desenvolveram na mesma época (entre os anos 1960 e 1980), e com
o passar dos anos, acontecimentos como o fim da Guerra Fria, a crise do
terceiromundismo e a hegemonia do neoliberalismo foram moldando as
transformações mundiais, o que levou essas teorias a serem questionadas
(BRICEÑO RUIZ; SIMONOFF, 2017).
Assim como a Teoria da Dependência, as transformações decorrentes do
tempo e da contemporaneidade trazem à tona uma extensa revisão literária para o
conceito de autonomia a partir da Escola, tornando-se fiéis ou não ao que foi
formulado pelos fundadores, ainda mais pelas mais diversas formas de definir a
autonomia (BRICEÑO RUIZ; SIMONOFF, 2017).
Percebe-se através da análise das Teorias de Relações Internacionais que
estas buscam explicar as realidades a quais seus teóricos estão inseridos, o que pode
abarcar limitações na análise dos acontecimentos sobre os países, e suas relações
diante dos interesses envoltos e das visões e acontecimentos mundiais. A análise dos
textos e teorias feitos aqui para definir sobre as experiências latino-americanas
através da perspectiva internacionalista demonstra como estes contribuem para se
pensar as relações internacionais que, seja através da Teoria da Dependência, da
Escola da Autonomia ou nas contribuições da CEPAL, também precisam acompanhar
a contemporaneidade e as transformações globais. É imprescindível que a visão de
mundo e as realidades periféricas sejam sempre presentes e atuais nos estudos das
Relações Internacionais.

BIBLIOGRAFIA

BARNABÉ, Israel Roberto. O Estudo das Relações Internacionais na América


Latina. Teorias em xeque? XXVII Congreso de la Asociación Latinoamericana de
Sociología. VIII Jornadas de Sociología de la Universidad de Buenos Aires.
Asociación Latinoamericana de Sociología, Buenos Aires, 2009.

BRICEÑO RUIZ, José; SIMONOFF, Alejandro. La Escuela de la Autonomía,


América Latina y la teoría de las relaciones internacionales. Estudios
internacionales (Santiago), Instituto de Estudios Internacionales - Universidad de
Chile, v. 49, n. 186, p. 39-89, 2017.

FANON, F. Os Condenados da Terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1961.


GARCÍA, F. V. La in-disciplina de Calibán: Filosofía en el Caribe más allá de la
Academia. La Habana: Editorial Filosofi@.cu, 2017.

LOSURDO, D. A não violência: uma história fora do mito. Rio de Janeiro: Revan,
2012.

SARTRE, J. P. Prefácio. In: FANON, F. Os Condenados da Terra. Rio de Janeiro:


Civilização Brasileira, 1961.

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