Você está na página 1de 3

A obra “Os Condenados da Terra”, escrita por Frantz Fanon, publicada em 1968, discorre

sobre os efeitos da colonização sobre o homem e as nações do Sul, mas aborda, principalmente, o
processo histórico de descolonização. No capítulo IV “Sobre a cultura nacional”, Fanon pontua
sobre a legitimidade da reivindicação de uma nação. Visto que, conforme explica o autor, o
colonialismo despersonalizou o sujeito colonizado e isto (por também ser sentido coletivamente)
afeta as estruturas sociais. Com isso, a obra classifica uma relação de dependência na qual o
colonizado passa a encontrar fundamento na existência quando na presença dos colonizadores.
Diante do exposto, Fanon defende a necessidade de não apenas lutar pela liberdade de um povo,
mas reensinar a dimensão do ser humano. Ademais, o autor também afirma que apenas a
proclamação sobre a cultura é suficiente para a libertação do território nacional, pois é nesta luta
dos povos que a cultura negro africana se fundamenta. Assim, o filósofo expõe a necessidade de
ir além do passado de um povo para reconstruir o sujeito colonizado - para desfazer o que foi
inventado e tornado pejorativo pelo colonialismo - é preciso evidenciar a luta na mesma cadência
que o povo, a fim de concretizar a libertação.

Citações:

“é preciso percorrer os caminhos da história do homem condenado pelos homens e provocar,


tornar possível, o encontro de seu povo e dos outros homens”. (FANON, 1968, p. 253).

“Mas o intelectual colonizado, cedo ou tarde, verá que não se prova a nação a partir da cultura,
mas no combate que o povo trava contra as forças de ocupação”. (FANON, 1968, p 256).

“A cultura nacional, nos países subdesenvolvidos, deve pois situar-se no próprio centra
da luta de libertação que esses países travam. Os homens de cultura africanos que se
batem ainda em nome da cultura negro-africana, que multiplicaram os congressos em
nome da unidade dessa cultura, devem hoje, perceber que sua atividade se reduziu a
confrontar peças ou a comparar sarcófagos” (FANON, 1968, p. 268).

Obs nessa última exposição é relevante explicar que: Na África, a orientação de um


homem de cultura é uma orientação negro-africana ou árabe-muçulmana. Não é
especificamente nacional. O autor ressalta que tal cultura nacional é reflexo de uma
supremacia econômica e cultural da colonização.
Fichamento – Pontos essenciais:

Cada colonizado vencido, cada colonizado que serviu de testemunho, quando resolve perder-se é
não apenas um fracasso para a empresa colonial, mas simboliza também a inutilidade e a falta de
profundidade do trabalho realizado. Cada colonizado que ultrapassa a linha, é uma condenação
radical do método e do regime e o intelectual colonizado encontra no escândalo que provoca uma
justificação da sua demissão e um estímulo para a preservar.

Se quiséssemos encontrar através das obras dos escritores colonizados as diferentes fases que
caracterizam essa evolução, veríamos perfilar-se perante os nossos olhos um panorama em três
tempos. Numa primeira fase, o intelectual colonizado prova que assimilou a cultura do ocupante.
As suas obras correspondem ponto por ponto às dos seus homólogos metropolitanos. A
inspiração é europeia e fàcilmente se podem ligar essas obras a uma corrente bem definida na
literatura metropolitana. É o período de assimilação integral. Encontrar-se-ão nesta literatura do
colonizado parnasianos, simbolistas e surrealistas.

Numa segunda fase, o colonizado movimenta-se e procura recordar-se. Este período de criação
corresponde aproximadamente à imersão que acabamos de descrever. Mas como o colonizado
não está integrado no seu povo, contenta-se somente em recordar. Velhos episódios da infância
serão recolhidos do fundo da memória, velhas lendas serão interpretadas em função de uma
estética emprestada e de uma concepção do mundo descoberta debaixo de outros céus. Algumas
vezes essa literatura, anterior ao combate, estará dominada pelo bom-humor e pela alegoria.
Período de angústia, de mal-estar, experiência da morte, experiência da náusea. Vomita-se, mas
já, por debaixo, se prepara o riso.

Por último, numa terceira fase, chamada de luta, o colonizado — depois de haver tentado
colocar-se entre o povo, transforma-se no que desperta o povo. No decorrer contrário, o povo. Em
vez de favorecer a letargia do povo, transforma-se no que desperta o povo. No decorrer desta
fase, um grande número de homens e mulheres, que antes nunca pensaram em fazer uma obra
literária, encontram-se agora em situações especiais, na prisão, na guerrilha ou em vésperas de
serem executados, sentem a necessidade de expressar a sua nação, de compor a frase que exprima
o povo, de se converterem em porta- -vozes de uma nova realidade em acção.

A cultura nacional é, debaixo do domínio colonial, uma cultura destruída de maneira sistemática
e muito rapidamente condenada à clandestinidade. Esta noção de clandestinidade é percebida
imediatamente nas reacções do ocupante, que interpreta a complacência nas tradições como uma
fidelidade ao espírito nacional, como uma negação a submeter-se. Esta persistência de formas
culturais condenadas pela sociedade colonial é já uma manifestação nacional. Mas esta
manifestação obedece às leis da inércia. Não existe ofensiva, não existe nova definição das
relações. Há crispação num núcleo cada vez mais estreito, cada vez mais inerte, cada vez mais
vazio.

No fim de um ou dois séculos de exploração, produz-se um verdadeiro empobrecimento do


panorama cultural nacional. A cultura nacional converte-se num acervo de hábitos motrizes, de
tradições de vestimenta, de instituições despedaçadas. Percebe-se a escassa mobilidade. Não
existe verdadeira criatividade, não há efervescência. Miséria do povo, opressão nacional e
inibição da cultura, são uma e a mesma coisa. Através de um século de domínio colonial,
encontra-se uma cultura rígida em demasia, sedimentada, mineralizada. A deterioração da
realidade nacional e a agonia da cultura nacional mantêm relações de dependência recíproca. Por
isso, é essencial seguir a evolução dessas relações no decorrer da luta de libertação.

Você também pode gostar