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ANDES).
Ondas Autoritárias, Operação Condor e a Integração da Morte
Jacques de Novion
Nessa longa duração, entre tantos elementos possíveis, destaca-se a existência de três ondas
autoritárias, resultantes do avanço dos interesses hegemônicos, com participação decisiva das
elites nacionais, que implementam as doutrinas de segurança, readequando as realidades
internas aos interesses hegemônicos, por meio da violência e do autoritarismo.
A primeira onda autoritária, presente nos três primeiros momentos do Binômio, estabelece
as primeiras ditaduras do século XX, como na Nicarágua e a família Somoza, na República
Dominicana e Rafael Trujillo, no Haiti e a família Duvalier, em Cuba e Fulgêncio Batista,
no Paraguai e Alfredo Stroessner. Governos ditatoriais e autoritários, com alto índice de
violência frente a opositores e aos setores populares dessas sociedades. Por meio de
empresas, como a United Fruit Company, e o alinhamento das elites autoritárias passam a
reorganizar as realidades internas, como a manutenção da concentração da terra, por meio de
latifúndios monocultores, que mantiveram o alijamento das populações camponesas e
indígenas, mantendo a precariedade de vida dessas parcelas, instituindo a caracterização
dessas realidades como repúblicas bananeiras. Não por acaso nos três primeiros momentos
se expressam essas readequações de interesse das elites e da hegemonia, e que centram suas
ações autoritárias e violentas contra movimentos camponeses e indígenas, como o caso de
Augusto Sandino na Nicarágua e de Farabundo Martí em El Salvador, ou mesmo de governos
liberais eleitos democraticamente, como o caso guatemalteca com a deposição do governo
liberal de Jacobo Arbenz (1954).
Porém, entre os golpes na região, chama-se atenção sobre os casos chileno e argentino. A
particularidade e importância do caso chileno reside em um elemento ímpar mundialmente.
A vitória presidencial de Salvador Allende em 1970 marca a primeira eleição democrática de
um projeto socialista no mundo. Este feito radicalizará as preocupações hegemônicas e das
elites empresariais e militares. Se para os interesses hegemônicos e das elites nacionais era
inaceitável uma revolução socialista armada, expressa pela experiência cubana, por outro
lado era mais inaceitável para estes interesses uma revolução democrática que, por meio do
voto, ascendesse eleitoralmente um projeto socialista. O golpe empresarial-militar no Chile
não só pretendia sufocar a experiência inédita, derrotar o projeto Socialista Democrático de
Allende e a Unidade Popular, mas mais que isso, passava a experimentação de um projeto
que décadas mais tarde se tornaria a cartilha obrigatória para as falidas economias pós-
ditaduras: o Neoliberalismo.
E é neste período da segunda onda autoritária que se produz a Operação Condor, que apenas
em 1992 se confirma com a descoberta feita por Martín Almada, professor paraguaio preso
e torturado pela ditadura paraguaia, baixo acusação de terrorismo intelectual, vinculada a sua
atuação como representante de professores e a reivindicação de melhores salários e condições
de vida, como moradia. Antes dessa descoberta, a Operação Condor era tratada como delírio
de sobreviventes das torturas, ou de entusiastas da teoria da conspiração. Conforme o
documentário Rede Condor (2013), a descoberta de toneladas de documentos em uma
delegacia do interior do Paraguai demonstra a existência de toda uma coordenação entre as
ditaduras da região, com apoio dos órgãos de inteligência e segurança dos EUA, que
produziram uma integração da morte.
A segunda onda autoritária no continente produziu não apenas a continuidade dos interesses
e esquemas hegemônicos em aliança com as elites nacionais, foi mais que isso, produziu,
instituiu, estruturou e materializou, a partir da pretensa ideia de ‘onda comunista’, o que
devemos entender como a integração da morte. Se nos quatro primeiros momentos do
binômio as propostas de integração hegemônicas não alcançaram os postulados propostos e
a extensão continental desejada, por outro lado a Operação Condor, infelizmente e muito
provavelmente, tenha sido a política de integração que lamentavelmente alcançou seu
proposito, de integrar a morte, do silenciamento, de toda uma geração latino-americana e
caribenha, que tinha, como único erro, o sonho e a esperança num futuro coletivo e próprio.
Neste momento atual do binômio, e com base nas novas políticas de segurança e nos
interesses neoliberais, evidencia-se uma terceira onda autoritária. No início do século XXI,
após as crises neoliberais e o agravamento das realidades dos diferentes países do continente,
surgem os denominados governos progressistas, com um neoliberalismo híbrido,
combinando ortodoxia econômica com investimentos em políticas sociais. Estas experiências
produziram, entre outras, alternativas de integrações dos países latino-americanos, tendo a
CELAC -Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos-, política que chocava
com as pretensões hegemônicas e os contínuos interesses vinculados às elites nacionais. A
terceira onda autoritária, em curso, tem como exemplos os golpes do século XXI: Jean
Bertrand Aristide, no Haiti (2005); Manuel Zelaya, em Honduras (2009); Fernando Lugo, no
Paraguai (2012); Dilma Roussef, no Brasil (2016), Evo Morales, na Bolívia (2019). Além
destes, somam-se as investidas contínuas e fracassadas, como nos casos cubano, venezuelano
e nicaraguense, países afetados pela política de bloqueio econômico, imposto pelos EUA e
referendada pela Organização dos Estados Americanos (OEA).
Neste breve relato, sobre uma longa duração da história das relações internacionais nas
Américas, observa-se uma trajetória dos interesses hegemônicos no continente, com
envolvimento direto das elites nacionais, havidas em negociar parcos privilégios. Que em
três ondas autoritárias revelam a imposição da violência, do medo, do silêncio, não apenas
para garantir a implementação dos interesses hegemônicos, mas também por exterminar
vozes, pensamentos, propostas, construções, produzidas na América Latina e no Caribe. Uma
evidência da não aceitação de nossas próprias produções e esperanças coletivas de futuro por
parte dos interesses hegemônicos. Martín Almada, em entrevista a RT notícias, em 05 de
julho de 2016, denuncia que esta terceira onda autoritária é evidência da continuidade das
articulações da Operação Condor. Denuncia que alerta as sociedades da América Latina e do
Caribe de que nossos desejos e esperanças de futuro coletivo seguem amplamente vigiadas e
controladas pelos interesses dos EUA e das elites nacionais. A consciência e o conhecimento
deste processo histórico se demonstram fundamentais para que Nunca Más nossas sociedades
sejam vítimas das imposições hegemônicas e da implementação da integração da morte.