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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

MARIA EDUARDA SANTOS DE ALMEIDA

A Operação Brother Sam e o Golpe Militar no Brasil em


1964

Brasília
2022
Introdução

Os Estados Unidos, a fim de garantir a hegemonia política pendente para o lado


americano, assumem estratégias de combate ao comunismo e a União Soviética, a fim de
estabelecer o “Mundo Livre” – capitalista – como universal e unicamente passível de
verdadeiro funcionamento em todas as sociedades, pouco importando sua localização – seja
na África ou Europa. A expansão e potencialidade da União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS) significava, também, a expansão do comunismo, o que amedrontava os
americanos, posto em prova o sistema capitalista, considerado pelos próprios norte-
americanos como ideal e perfeito. Desta forma, posturas foram adotadas pelo governo norte-
americano objetivando o estabelecimento do capitalismo em grandes proporções, como
aplicação deste na maioria dos países europeus e latino-americano.

Em suma, os Estados Unidos perpetuaram no combate ao comunismo, mas percebe-se


que era notavelmente necessário muito mais do que o território americano poderia oferecer e
ainda precisavam do apoio de mais nações fora do continente, como na Ásia e até mesmo da
América Latina. Era fundamental que aquela área fosse controlada pelos Estados Unidos para
que houvesse chances de vitória pelo lado americano, logo métodos de violência foram
utilizados e incorporados para que o comunismo não perpetuasse pela Europa e pela Ásia. A
Guerra do Vietnã – com a vitória marcante dos vietnamitas, que evitaram a substituição do
modelo comunista pelo modelo capitalista dos americanos, e ainda e sofrerem represálias dos
Estados Unidos – e a Guerra da Coréia foram frutos diretos da Guerra Fria, por exemplo.

Entre a violência inteiramente mecanizada e a corrupção seletiva, uma grande


variedade de outros métodos para impor sua vontade viria a ser empregada: bombardeios
aéreos, golpes militares, sanções econômicas, ataques com mísseis, bloqueios navais,
espionagem compartimentada, tortura delegada ou direta, assassinatos (ANDERSON, 2013).
O “Mundo Livre” – o capitalismo – significava liberdade do capital, e não necessariamente
liberdade dos cidadãos. Os americanos entendiam, também, que seria preferível um regime
ditatorial ao comunismo. Destarte, entende-se que os Estados Unidos estavam dispostos a
submeter quem quer que fosse necessário a condições extremamente opressoras e ditatoriais
para que o capitalismo pudesse ascender e o comunismo vir a deteriorar.

Na América Latina, consecutivamente, ditaduras eram instauradas, perpetuadas e


defendidas pelos Estados Unidos. Além da soberania americana defendida dentro do
continente pelos norte-americanos, pode-se dizer que as ditaduras ocorridas na América
Latina – Paraguai, Uruguai, Argentina, Chile, Peru, Bolívia, Guatemala, República
Dominicana –, entre 1947 e 1991 são consequências diretas da Guerra Fria, já que tiveram
interesses e financiamentos vindos dos Estados Unidos. Repressão, censura, violência e
tortura foram pontos decorrentes na América Latina, com apoio dos Estados Unidos, estes
países prevaleceram no capitalismo, no “Mundo Livre” do capital.

O Brasil, no entanto, é igualmente vítima do esforço norte-americano na tentativa de


manter o comunismo fora do continente americano, uma vez quem também houve um regime
militar instaurado no país em 1964, com sólidas influências, financiamento e incentivo dos
Estados Unidos. A partir da perspectiva do governo dos Estados Unidos, é percebida a
necessidade de implementação de uma rigidez no Brasil devido ao presidente na época, João
Goulart, devido à um receio quanto a existência e perpetuação do comunismo na América
Latina.

O governo João Goulart e os indícios do golpe militar

Jango – como João Goulart também era conhecido – tomou posse da presidência após
a renúncia de Jânio Quadros, ocorrida em 25 de agosto de 1961 – durando apenas um pouco
mais de 7 meses. João Goulart ocupou o cargo da presidência do Brasil entre os anos de 1961
e 1964, antes de sofrer um golpe, que resultaria na Ditadura Militar – compreendida entre os
anos de 1964 e 1985. A renúncia de Jânio Quadros e a chegada de João Goulart à presidência
significava uma ameaça aos militares, mais identificados com a direita, uma vez que havia o
medo de que o Brasil governado por Jango tomasse o caminho do comunismo (BRASIL,
2021). Desta forma, os militares se posicionaram contrários à posse de Jango. Uma das
medidas imediatamente adotada para dificultar o governo de João Goulart foi a adoção do
parlamentarismo, o que limitou seus poderes enquanto presidente. Ademais, Jango luta a
favor do retorno do presidencialismo, o que, de fato, ocorreu em 1963. João Goulart, enquanto
presidente, também foi vigorosamente criticado: “aluno bem comportado [dos comunistas] e
já sem nenhuma grandeza [no Comício da Central] (...) não oferecia senão slogans aos
trabalhadores (...) arrivista de esquerda (...) alma fraca (...) [promotor de um] golpe branco
[por meio de um] terrível dispositivo pessoal de maquinação, intriga e carícias tirânicas (...)
não lia livro algum (...) Dividiu o exército (...) Sitiou a Guanabara (...) Desmoralizou a
Petrobras (...) Começou a dividir a igreja (...) Seu derradeiro ato foi esmagar a Marinha”. 1
“Homem completamente despreparado para qualquer cargo público, fraco, pusilânime, e,
sobretudo, raiando os extensos limites do analfabetismo.”2 “Sabia-se despreparado (...)
homem indeciso (...) humilde (...) lutando contra sua própria inoperância.” 3 “A cegueira e a
tibieza do governo Goulart.”4 “As hesitações (...) sua lentidão (...) escassa formação
intelectual (...)”5. Ofensas eram dirigidas diretamente a João Goulart, a fim de desmoralizá-lo
1DINES, Alberto. Debaixo dos deuses. In Alberto Dines e outros, op. cit., p. 312, 313, 315, 332 – 334.
2CONY, Carlos Heitor. O ato e o fato: crônicas políticas, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1964, p. 13.
3CALLADO, Antonio. “Jango ou o suicídio sem sangue”, in Alberto Dines e outros, op. cit., p. 249.
4FERNANDES, Florestan. “O significado da ditadura militar”, in Caio Navarro de Toledo (org.), 1964: visões
críticas do golpe: democracia e reformas no populismo, Campinas, Unicamp, 1997, p. 144.
5CASTELLO BRANCO, Calos. Retratos e fatos da história recente, 2ª ed., Rio de Janeiro, Revan, 1996, p. 119.
e justificar por meio deste a necessidade de um governo obstinado, isto é, um governo que
seja sólido e presente na luta contra o comunismo. O, até então, presidente possuía uma forte
popularidade e apresentava propostas que seriam inegáveis até para o próprio Regime Militar,
havendo a necessidade de ser enfrentada, de certo modo, como a reforma agrária, habitação
popular, analfabetismo e a reforma universitária, por exemplo (FICO, 2008). A elite brasileira
via o plano de governo de Jango como uma ameaça à democracia, levando a sua
radicalização.

Tendo em vista o contexto em âmbito internacional – a Guerra Fria –, as propostas


governamentais eram inaceitáveis no referencial do projeto político da Aliança para o
Progresso6 – a política anticomunista dos Estados Unidos. Não obstante, o governo de João
Goulart – e outros da América Latina, como o de Fidel Castro, em Cuba – foi um dos mais
severamente desaprovados pelo governo norte-americano, ainda que “a campanha de
Kennedy contra [Fidel] Castro, [João] Goulart e [o premiê da Guiana Inglesa, Cheddi] Jagan
não teve precedente na história das relações interamericanas". 7 Em conversa privada com
Lincoln Gordon, embaixador americano no Brasil, John F. Kennedy declara “Você vê a
situação indo para onde deveria, acha aconselhável que façamos uma intervenção militar?”, e
Lincoln rebate “Bem, essa é outra categoria, que eu chamo de Contingência Perigosa
possivelmente requerendo uma ação rápida. Esse é o principal problema”8. Kennedy, percebe
que a implementação de uma ditadura e ocorrência de um golpe militar no Brasil é a única
solução possível para as situações conflituosas a época, o que desenharia de forma brutal o
futuro das nações presentes na América Latina.
Ainda assim, a partir do referencial de insatisfação da massa da elite brasileira, dos
militares e aqueles que compunham a parcela populacional que temia um governo comunista,
apresentando um caráter preventivo, houve a deposição do presidente João Goulart e o golpe
militar, assim, era finalizado o período chamado de Quarta República e dava-se início a

6Os Estados Unidos, visando construir uma política hegemônica, inicia-se a implementação dos ideais do
Binômio de Integração-Segurança, no início do século XIX, após a consolidação das nascentes realidades
nacionais, momento em que as relações entre os países da América passam a ser regidas e determinadas no
embate entre a pluralidade de propostas, seja hegemônica, contra hegemônica e/ou emancipatória (NOVION,
2021). Os Binômios de Integração-Segurança possuem cinco fases/formulações, respectivamente:
Panamericanismo; Interamericanismo (Boa Vizinhança); Interamericanismo (Contra Insurgência); Aliança para
o Progresso (Anticomunismo) e o Neoliberalismo – trazendo a nova agenda de segurança –, sendo a Aliança
para o Progresso o considerável para a discussão central da presente produção acadêmica. A Aliança para o
Progresso surge no contexto da Guerra Fria, o qual os Estados Unidos visam a defesa do modelo capitalista
contra o comunismo e a nova potência pós Segunda Guerra Mundial, a União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS).
7RABE, Stephen G. The Most Dangerous Area in the World: John F. Kennedy Confronts Communist
Revolution in Latin America, Chapel Hill, The University of North Carolina Press, 1999, p. 199. Ver também
Ruth Leacock, Requiem for Revolution: The United States and Brazil, 1961-1969, Kent, The Kent State
University Press, 1990, p. 119.
8Transcrição de áudio gravado por John F. Kennedy, no Salão Oval da Casa Branca, nos Estados Unidos. Áudio
na íntegra disponível em: https://arquivosdaditadura.com.br/documento/multimidia/pouco-antes-seu-assassinato-
kennedy
Ditadura Militar, então assumia o primeiro ditador do período, Ranieri Mazzilli. João Goulart
tinha ciência das mínimas consequências de quaisquer decisões e atitudes que viesse a tomar
diante do ocorrido, assim, ao perceber que não dispunha de apoio militar, devido a
movimentação das tropas mineiras em direção ao Rio de Janeiro, onde João Goulart estava,
no momento, se dirigiu a Brasília – a fim de encontrar-se com Darcy Ribeiro, o ministro da
educação de João Goulart – e, logo em seguida, a Porto Alegre, onde Leonel Brizola – ex-
governador do Rio Grande do Sul – pretendia organizar um movimento de resistência.
“Também existem relatos de que Goulart foi avisado, quando ainda estava no Rio de Janeiro,
do apoio norte-americano aos golpistas e da disposição dos Estados Unidos de reconhecer um
governo alternativo ao dele, o que certamente teria pesado em sua decisão de não resistir
(FICO, 2008). Após o golpe, João Goulart exilou-se no Uruguai, a fim de evitar que conflitos
maiores, como uma carnificina, optou por não criar um movimento de resistência. As decisões
e atitudes de Jango foram cruciais para que uma série de eventos previamente programados
ocorresse, dentre eles, a Operação Brother Sam:
Pareceu-nos, então, que o presidente não deixaria Brasília sem comunicar-se
com o país, dando-lhe noção dos rumos. Então ele delegou ao Tancredo a
tarefa de escrever um breve discurso. Coube a mim ir datilografando o texto
que Tancredo ia ditando, com algumas sugestões que ocorreram a alguns dos
presentes. No final, o presidente gravou-o para ser enviado às rádios e à TV.
Mas o fez com a voz tão sumida que não transmitia animo, segurança. [O
texto dizia que] ele instalaria o governo em Porto Alegre e de lá comandaria
a resistência à aventura golpista. Não guardei o texto do discurso e nunca o
vi reproduzido. Às 18h, fomos todos para a Base Aérea.9

A Operação Brother Sam

A “Operação Brother Sam”, consistia, sucintamente, na derrubada do até antão


presidente da república João Goulart. “Ela foi importante não apenas por que expressou a
disposição intervencionista dos Estados Unidos, mas também porque comprometeu seus
idealizadores com um longo processo de justificação da ditadura militar brasileira” (FICO,
2008). Os Estados Unidos, ao enfrentarem as condições naturalmente impostas pelo contexto
da Guerra Fria, evitaram associar-se com questões, tal qual o momento similar vivenciado por
muitos países latino-americanos, isto é, os países que também sofreram com as Ditaduras
como consequência direta da disputa pela hegemonia política entre os Estados Unidos e a
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Países como Argentina, Brasil, Chile, Paraguai,
Bolívia, Uruguai sofreram suas Ditaduras durante o século XX, tendo interferência e/ou
influência dos Estados Unidos, por meio da Operação Condor. 10 Os Estados Unidos, na

9"Memória do esquecimento'', por Cesar Felício e Maria Cristina Fernandes, Valor Econômico, ano 6, n° 1.481,
31 de março e fim de semana, 1° e 2 de abril de 2006. Entrevista intitulada “Jango herdou crise de JK”, no
âmbito da matéria, Caderno Valor Eu & Fim de Semana, ano 6, n° 288, p. 16.
10Política de extermínio de opositores, coordenada de forma transfronteiras e transcontinental, alcança ações de
sequestros, desaparecimentos e assassinatos, produzidos por seus agentes em países da região, assim como na
tentativa de não se associarem a qualquer operação ou missão que viesse a fracassar, omitiu
tanto os documentos da Operação Condor quanto os da Operação Brother Sam. Ambas as
operações vieram a conhecimento do publico geral anos mais tarde – em 1992 e 1974,
respectivamente. A operação possuía foco maioritariamente na contenção de uma possível
revolta e movimentos de resistência, como estratégia de resposta ao golpe militar.

Ao contrário do que o governo norte-americano acreditava – por associar Jango ao


comunismo e a resistência expansiva da URSS – João Goulart possibilitou a não ocorrência
da operação, uma vez que não houve resistência. John F. Kennedy, o 35º presidente dos
Estados Unidos e o responsável por propor uma intervenção no Brasil – como citado
previamente nesta mesma produção académica –, foi assassinado previamente aos
acontecimentos no Brasil, em 1964, e foi impossibilitado de assistir ao golpe.

Conclusão
Desta forma, a partir das ameaças – internas e externas – de golpe até que de fato
ocorresse, João Goulart foi acusado de comunismo e incapacidade de governar a República
Federativa do Brasil, enquanto presidente deste. O contexto em que o golpe de 1964 é
perpetuado exige interpretação dos fatos, isto é, o contexto internacional, sendo este a Guerra
Fria. Os Estados Unidos, por sua vez, ao interferir na política interna de outros países do
mesmo continente demonstra que, além da defesa dos próprios interesses, há a necessidade de
que todos os países se mostrem subordinados e compreendam a soberania dos Estados
Unidos.
A Operação Condor, ao falhar, devido às condições impostas por João Goulart, evitou
no agravamento da tragédia que a a Ditadura Militar causou no país. Os movimentos de
resistência, por mais que não agissem a fim de evitar a Ditadura, foram peças principais para
que a Ditadura chegasse ao seu fim.

Referências

ANDERSON, Perry. A política externa norte-americana e seus teóricos. 1. ed. São Paulo:
Editora Boitempo, 2015.

Europa e nos EUA. O terrorismo de Estado, produzido em parceria pelas ditaduras do Brasil, Chile, Argentina,
Paraguai, Bolívia, Uruguai, e EUA, ocasionaram um atentado terrorista dentro do próprio território
estadunidense, que se pretende ‘bastião mundial da democracia’ (NOVION, 2020)
FICO, Carlos. O Grande Irmão: da Operação Brother Sam aos anos de chumbo: O
governo dos Estados Unidos e a Ditadura Militar Brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2008.

NOVION, Jacques. Neoliberalismo e a nova agenda de Segurança: Apontamentos para


um olhar macrorregional das três últimas décadas no continente. FoMerco-Fórum
Universitário Mercosul - Carta FoMerco v. 1, n. 9, set. 2021.

NOVION, Jacques. Ondas autoritárias, Operação Condor e a Integração da Morte.


Escrito no prelo, apresentado em fevereiro de 2020 para a Revista da SESUNILA.

WESTIN, Ricardo. Há 60 anos, Congresso aceitou renúncia e abortou golpe de Jânio


QuadrosHá 60 anos, Congresso aceitou renúncia e abortou golpe de Jânio Quadros.
Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/ha-60-anos-
congresso-aceitou-renuncia-e-abortou-golpe-de-janio-quadros>. Acesso em: 9 set. 2022.

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