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2 CONTEXTO HISTÓRICO
A ditadura militar do Brasil não foi um evento isolado na história mundial e nem algo que
pode ser atribuído exclusivamente a fatores internos do país. A implantação do regime, do
contrário, teve como um dos principais elementos desencadeadores justamente o cenário
internacional de divisão econômico-política da Guerra Fria, entre o bloco comunista, liderado
pela União Soviética, e o bloco capitalista, sob comando dos Estados Unidos. O Brasil, inserido
dentro da área de influência americana, era uma peça nesse tabuleiro de duas cores e o regime
militar foi um movimento desse jogo.
A evolução dos conflitos que resultaram no golpe de 1964 teve início anos antes, em
1945, na Conferência de Podstam, onde os vencedores da 2ª Guerra Mundial decidiram pela
divisão da derrotada Alemanha. Na ocasião, o antagonismo entre os Estados Unidos e a União
Soviética ficou claro através de um pronunciamento do presidente Harry Truman (1884-1972),
onde afirmou que o governo americano iria “dar apoio às pessoas livres que estão resistindo a
tentativas de subjugações por minorias armadas ou pressões externas 1” aludindo aos governos
comunistas que a União Soviética estava impondo sobre os países do leste europeu. Essa frase era
o primeiro sinal claro de que os americanos passariam a agir, em nível mundial, com a finalidade
de impedir o aumento da influência soviética.
Uma das formas de execução desta política externa de contenção era através do
oferecimento de cursos aos militares de países latino-americanos, como o Brasil, que haviam
participado da 2ª Guerra Mundial no grupo dos países aliados e, assim, estreitado relações com
oficiais dos Estados Unidos. Dentro desses cursos, era disseminada a idéia de que o
desenvolvimento de um país só era possível se houvessem instituições, como as Forças Armadas,
que se dispusessem a evitar que o sistema socialista se instalasse em suas fronteiras. O objetivo
era doutrinar os militares para que enxergassem um antagonismo entre o comunismo e o
desenvolvimento, de maneira que passassem a encarar essa ideologia como um inimigo da pátria
que defendiam. Funcionou.
Anos depois, em 1949, integrantes desta tradição militar, como o general Humberto
Castelo Branco (1897-1967) e o general Golbery Couto e Silva (1911-1987) – principal ideólogo
do regime que iria se instalar – fundaram a Escola Superior de Guerra, inspirada na americana
1
MOTA, Myriam Becho; BRAICK, Patrícia Ramos. História das Cavernas ao Terceiro Milênio. 2ª Ed. São
Paulo: Moderna, 2002. p. 477.
2
National War College (“Colégio Nacional de Guerra”, em uma tradução livre). A instituição
funciona até hoje, na cidade do Rio de Janeiro.
No período de 1949 a 1964, a Escola Superior de Guerra serviu como centro de
desenvolvimento de uma construção teórica que foi batizada de doutrina da segurança nacional.
Trata-se de um conjunto lógico de idéias e premissas que sustentava uma certa visão sobre o
papel do Brasil dentro do contexto de conflito da Guerra Fria.
Simplificadamente, tal teoria defendia que o Brasil possuía as características necessárias
para se tornar uma potência mundial, mas que existia um obstáculo perigoso no caminho do
desenvolvimento, que poderia aniquilar esse futuro grandioso: a ameaça comunista interna. Esse
é um ponto marcante nesta teoria: ao contrário da visão tradicional de guerra, onde a ameaça a
segurança do país está materializada em adversários externos, a doutrina da segurança nacional
considerava que os militares deveriam se focar no combate aos grupos que estavam dentro do
Brasil. Essa idéia teve como base a conhecida prática da União Soviética de tentar fomentar o
socialismo através do incentivo a grupos simpatizantes que estavam instalados no próprio país.
Assim, graças a essa doutrina, uma parcela expressiva dos militares acreditava na
necessidade de lutar uma guerra constante, de brasileiros contra brasileiros comunistas, que, por
ameaçarem o progresso do país, deveriam ser mantidos sob controle e repressão permanentes.
Dessa forma, tal mentalidade levava as Forças Armadas a considerar que qualquer
indivíduo que chegasse a demonstrar simpatia pelo socialismo, adotasse alguma conduta crítica
em relação ao capitalismo ou externasse o desejo de promover reformas, era um inimigo de
guerra, sobre o qual deveriam recair todos os meios de coerção necessários para eliminá-lo. O
primado da segurança deveria suplantar qualquer outra consideração, o que inclui ignorar os
direitos que estavam garantidos pela legislação.
No Brasil, em janeiro de 1961, Jânio Quadros (1917-1992) assumiu o governo do país. No
campo das relações exteriores, Jânio possuía uma postura diferenciada, que fugia do quadro
típico da época. Adotou uma posição independente, estabelecendo relações comerciais com
outros países sem levar em consideração a orientação ideológica que seguiam. Chegou a reatar as
relações diplomáticas com a União Soviética, visitou Cuba, afirmou que apoiava a Revolução
Cubana, se recusou a comparecer em um encontro com o presidente John Kennedy (1917-1963) e
condecorou Ernesto “Che” Guevara (1928-1967).
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Sociais (IPES), entidade ideologicamente semelhante ao IBAD - que estava em vias de ser
dissolvido judicialmente, por receber doações do governo americano. O IPES atuava de maneira
semelhante ao IBAD.
Em reação a essa oposição, as ligas camponesas e as centrais sindicais passaram a se
organizar em manifestações públicas em apoio as propostas de Jango. No dia 13 de março de
1964, promoveram uma passeata que reuniu 200 mil pessoas em Brasília para reivindicar a
aprovação das reformas.
O quadro de crescente tensão social foi tornando-se cada vez mais insustentável e chegou
em seu momento mais grave na madrugada entre 31 de março e 1º de abril de 1964, quando o
general Olímpio Mourão Filho (1900-1972), responsável por um batalhão em Juiz de Fora/MG,
encaminhou uma carta à Jango, exigindo a sua renúncia, e colocou os seus soldados em marcha
até Brasília. Foi seguido por vários outros oficiais, que ocuparam as cidades onde estavam
sediados. A partir daí, foi instalada a ditadura militar.
Em abril do mesmo ano, a cúpula militar editou o Ato Institucional nº 01 - figura
legislativa sem previsão constitucional, que era editada unilateralmente pelo Executivo ao sabor
das necessidades imediatas dos ocupantes do Palácio do Planalto. Dentre outras coisas, dispôs
que o general Humberto Castelo Branco iria ocupar a presidência.
O seu governo deu início a estrutura de repressão que foi marcante durante o regime,
perseguindo as lideranças sindicais e camponesas que haviam apoiado as propostas de Jango.
Em 1966, Castelo Branco, em resposta a vitória da oposição nas eleições de estados
importantes politicamente, editou o Ato Institucional nº 02, que extinguiu todos os partidos
políticos existentes e autorizava a criação de apenas dois deles: a Aliança Renovadora Nacional
(ARENA), que dava apoio ao regime; e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que reunia
as forças de oposição, além de estabelecer eleições indiretas para presidente, a ser feita pelo
Congresso Nacional. Na prática, o nome do presidente era escolhido no interior do comando
militar, cabendo ao Legislativo somente aprová-lo formalmente.
No ano de 1967, a presidência foi assumida pelo general Arthur da Costa e Silva (1902-
1969), representante de uma linha militar que defendia uma política de tolerância zero em relação
aos grupos de oposição. Isto tanto é verdade que o seu governo editou a medida mais violenta de
todo o período da ditadura: o Ato Institucional nº 05, em retaliação a uma derrota em uma
votação no Congresso Nacional.
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uma eficiente campanha publicitária oficial e a um bom desempenho da política econômica, foi o
presidente mais popular do regime.
Em 1974, a Presidência passou a ser ocupada por Ernesto Geisel (1907-1996). No seu
governo, teve início o processo de abertura política do regime, que naquele momento já percebia
o crescente descontentamento da população em relação a ditadura. Isto ficou ainda mais evidente
nas eleições parlamentares deste mesmo ano, onde o MDB quase dobrou o número de cadeiras
que possuía na Câmara dos Deputados e quase as triplicou no Senado Federal. O crescimento da
oposição levou Geisel a fechar o Congresso Nacional e a governar unilateralmente.
Em 1975, a reivindicação pela anistia dos presos políticos – que já existia anteriormente,
mas de uma forma esparsa – assumiu contornos mais organizados, através do Movimento
Feminino pela Anistia, formado por mães e esposas de perseguidos. Aos poucos, o grupo passou
a contar com o apoio de outras entidades, como a Associação Brasileira de Imprensa, a União
Nacional dos Estudantes, a Ordem dos Advogados do Brasil e personalidades famosas, além de
comitês formados no exterior por exilados. A concessão da anistia não era encarada apenas como
uma questão pontual, mas sim como um passo vital para o fim da ditadura.
Com o assassinato do jornalista Wladimir Herzog (1937-1975) dentro do DOI-Codi e a
clara tentativa do regime de disfarçar a sua morte como um suicídio, a rejeição aos militares
aumentou e a causa pela anistia se tornou mais popular, tanto que, a partir de 1978, passaram a
ser realizadas manifestações públicas pleiteando a libertação e a anistia geral e irrestrita a todos
os presos políticos. Eram chamados de Dias Nacionais de Protesto e Luta pela Anistia.
Como elemento maior de pressão sobre a cúpula militar, um grupo de oitenta e quatro
presos políticos, encarcerados em Pernambuco, iniciaram uma greve de fome em abril de 1978.
Foram seguidos por presos de outras partes do Brasil.
Outra circunstância que também contribuiu para pressionar o regime foi a mudança de
posicionamento dos Estados Unidos em relação as ditaduras latino-americanas, a partir da
presidência de Jimmy Carter (1924), iniciada em 1977. Os relatórios do Departamento de Estado
americano passaram a criticar abertamente o Brasil pelas violações de direitos humanos, o que
deu início a um conflito diplomático que resultou no rompimento dos acordos de cooperação
militar que foram celebrados entre os dois países. O regime, assim, perdeu o seu mais forte
aliado, que lhe dava sustentação desde o início.
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O segundo dia foi ainda mais complicado. Com a finalidade de evitar as manifestações,
soldados da Aeronáutica, a paisana, ocuparam as galerias do Congresso, impedindo o público em
geral de comparecer. Graças as reações da oposição, as galerias acabaram sendo desocupadas no
período da tarde. Nos discursos proferidos na sessão, em meio a vaias e aplausos, os deputados da
Arena e do MDB chegaram a ofender uns ao outros e até mesmo a trocar socos entre si, naquela
que foi considerada uma das mais tensas votações da história do Legislativo. Ao fim da seção, o
substitutivo do relator foi aprovado, com duzentos e seis votos a favor e duzentos e um
contrários2.
Após a aprovação, o projeto foi encaminhado para Figueiredo, para sanção ou veto. O
projeto foi sancionado, com veto parcial do art. 1º, caput, do qual foi retirado a expressão e
outros diplomas legais.
No mesmo dia em que foi sancionada, 28 de agosto, a Lei de Anistia foi publicada
oficialmente, passando a vigorar no país sob o número 6.683.
Em seguida a sua entrada em vigor, o presidente promulgou o Decreto-lei nº 84.134/79,
que a regulamentava, e o Decreto nº 84.223/79, que concedeu indulto e reduziu a pena de
condenados que preenchiam certas condições, com o efeito prático de libertar presos políticos
que não haviam sido anistiados.
A partir de 1983, foi iniciado um movimento pela realização de eleições diretas para
presidente no pleito subsequente, que seria em 1985, conhecido como Diretas Já. A mobilização
pela causa alcançou repercussão nacional, mas, mesmo assim, o projeto de lei que previa a
mudança não foi aprovado no Congresso Nacional, graças a interferência dos militares.
Apesar da derrota, a cúpula governamental ficou mais ciente acerca da pressão que a
sociedade estava impondo para obter maior liberdade, o que tornava o caminho rumo ao regime
democrático cada vez mais irremediável. Como forma de finalizar a transição, os militares
decidiram lançar um candidato civil: Paulo Salim Maluf (1931), ex-governador e ex-prefeito de
São Paulo. Pela oposição, foi lançado Tancredo de Almeida Neves (1910-1985). No dia 15 de
janeiro de 1985, Tancredo foi eleito.
O novo presidente civil não chegou a assumir o cargo, por causa de um câncer no
intestino que o levou ao óbito em 21 de abril. No dia da posse, em 15 de março, o vice na chapa
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MEZARROBA, Glenda. Um Acerto de Contas com o Futuro: A Anistia e Suas Conseguências, 2003.
Disponível em <http://www.teses.usp.br/> Acesso em 10. mai. 2010.
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de Tancredo, José Sarney de Araújo Costa (1930), foi quem assumiu a Presidência. Terminava,
assim, vinte e um anos de ditadura.
Mesmo já tendo passados mais de duas décadas desde o fim do governo militar, até hoje
não se sabe, ao certo, o número de pessoas que passaram pelas mãos dos órgãos de repressão
política. Um levantamento feito pela Igreja Católica, através da Arquidiocese de São Paulo, pelo
projeto Brasil: Nunca Mais, aponta 144 assassinatos políticos, 125 desaparecimentos e 1.843
casos de torturas até 19793. O reconhecimento oficial do Estado, feito pela Comissão Especial
Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República, instituída pela Lei nº 9.140/95, é de um total de 284 mortos4.
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ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil: Nunca Mais, 1985. Disponível em <www.dhnet.org.br/memoria/
nuncamais/index.htm> Acesso em 05 mai. 2010.
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BRASIL. Direito a Memória e a Verdade. 1 Ed. Brasília: Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2007.
Disponível em <www.presidencia.gov.br> Acesso em 05 mai. 2010.